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Índice

Sinopse
Prólogo
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Epílogo
DARK
JOSIANE VEIGA
1ª Edição
2022
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra
pode ser reproduzida ou transmitida por quaisquer meios
(eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou
arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem
autorização escrita da autora.

Esta é uma obra de ficção. Os fatos aqui narrados são


produto da imaginação. Qualquer semelhança com nomes,
pessoas, fatos ou situações da vida real deve ser considerado
mera coincidência.

Título:
DARK
Romance
ISBN – 9798429828015
Texto Copyright © 2022 por Josiane Biancon da Veiga
Sinopse
Você pode ter um amor para a vida inteira?

Ou isso é apenas uma obsessão?

Ian amava Clara desde os tempos de escola. Mas, ela nunca o


percebeu. Focada em seu namorado idiota e no seu círculo de
amigos fúteis, Clara passou por sua vida sem sequer lhe destinar
um único olhar.

Anos mais tarde, ela é traída pelo noivo e pela melhor amiga.
Eles lhe roubam tudo, deixando-a na miséria.

Desesperada, ela tenta suicídio, quando é salva por um homem


misterioso que lhe promete recuperar sua vida.

Se em troca, ela lhe der seu corpo. Inteiramente.


Prólogo
Ian

Quinze anos antes...

Olho pela janela. Lá fora, a liberdade parece estranhamente


acolhedora. Ela quase tem gosto, e é doce. Suspiro, um tanto
incomodado por estar aqui, nessa sala sufocante, preso em uma
aula de química pela qual não tenho qualquer aptidão.
Volvo meu olhar para o caderno. Ao fundo, posso ouvir a voz
de professora Margarete indicando alguns elementos da tabela
periódica. Rabisco o “Cl” de cloro no papel branco. Eu gosto desse
elemento porque simplesmente ele tem a inicial de Clara.
Ergo minha face um pouco, apenas o suficiente para
observá-la com o canto dos olhos.
Clara...
Minha paixão de infância, e de toda a minha adolescência,
até aqui.
Clara... Minha pequena princesa de olhos claros e nariz
arrebitado. Ela está concentrada, seus cabelos castanhos, escuros,
em ondas bem penteadas, descem pelas suas costas delicadas. Ela
sorri, antes de levar a caneta a boca e morder um pouco.
É uma pequena mania dela. Ela gosta de morder coisas.
Roer unhas, também.
Na quinta série, ela chegou a machucar os dedos de tanto
roer suas unhas. Achei que seria algo temporário, porque começou
logo após a perda dos seus pais em um acidente de carro.
Na época, cheguei a dar meus pêsames para ela. Ela nem
me olhou para dizer um apático “obrigada”. Não levei a mal porque
ela estava entorpecida pela dor.
Suas unhas roídas até a carne foram uma característica
marcante daquele ano.
Ela ficou assim, meio desconectada da realidade, até a oitava
série, quando André entrou para o colégio.
Eu ardi de ciúmes, não vou negar. O cara era o típico galã de
colegial, com roupas largas e parecendo um componente de uma
boyband. Ele logo foi apresentado a Clara, e os dois engataram um
flerte que durou semanas.
Foi num dia chuvoso de inverno quando os vi se beijando
pela primeira vez.
Eu fiquei tão pasmo, irritado, revoltado com a cena, que tudo
que consegui foi manter o corpo ereto, travado no lugar, levando um
banho da chuva que caía, enquanto observava os dois trocando um
beijo embaixo da escada que levava para o segundo pavilhão.
Nos anos seguintes, eles se tornaram os populares da
escola. Os mais bonitos estavam namorando, e eram perfeitos um
para o outro.
Isso começou a me causar ódio. Não vou negar que desejava
que ambos morressem para que eu nunca mais os visse.
Eu não queria saber deles. Não queria saber do amor que
eles diziam sentir um pelo outro.
Mas, eu era obrigado a permanecer no mesmo ambiente,
uma figura patética e observadora daquele conto de fadas.

✽✽✽

Porém, o conto de fadas era uma farsa. Só percebi isso no


terceiro ano, quase encerrando aquele ciclo escolar.
Claro, ninguém sabia. Muito menos Clara, que realmente
acreditava que seu príncipe era encantado. Se ela soubesse o sapo
que André havia se tornado, jamais o iria querer de volta.
Descobri após um treino de futebol. André e eu estávamos no
mesmo time, eu era goleiro, enquanto ele, atacante. Claro, ele
brilhava no esporte, como em tudo que fazia, e sequer se dignava a
olhar para a minha cara. Talvez por isso não percebeu que eu havia
ficado no vestiário após o treino, procurando uma meia entre as
caixas de uma sala que ninguém usava, mas que mantinha alguns
dos meus pertences que eu tinha preguiça de levar embora.
Eu ouvi o som de passos ali.
Fui até a entrada da sala, quando vislumbrei André cruzando
o ambiente com Maria Flor, a melhor amiga de Clara, indo até o
chuveiro.
Não havia portas, então eu podia ver ambos fazendo o que
posso descrever como um boquete bem saboroso.
Eu fiquei tão feliz por aquilo que até pensei em correr até
Clara para lhe contar. Não fosse o fato de que ela jamais iria
acreditar num cara com quem nunca trocou um olhar, e que eu me
tornaria alvo dos populares rapidamente.
Então eu guardei a informação para um momento que
pudesse me ser útil.

✽✽✽
Era nosso último dia no colégio, e eu queria confessar aquilo
que guardei por tanto tempo. Clara e eu estudamos juntos por toda
a vida, mas eu jamais tive qualquer contato com ela. Então, tomei
coragem e me aproximei de sua mesa no refeitório. Clara estava
arrumando seus cadernos e, quando me aproximei, rapidamente ela
tentou se afastar, fazendo que ambos se trombassem.
Tudo caiu no chão. Eu me abaixei rapidamente para recolher
seus cadernos, meus olhos fixos nela à minha frente, também
agachada, juntando um monte de papeis rascunhados com caneta
cor-de-rosa.
— O que está acontecendo? — ouvi a voz de André atrás de
mim. — O esquisito está te incomodando?
A encarei, aguardando o desfecho. Ela me defenderia? Ela
diria para ele não falar assim? Ou ela também me chamaria de
esquisito?
Clara não fez uma coisa, nem outra. Ela simplesmente riu,
com deboche, antes de se erguer e ir até o namorado, beijando-o na
boca.
Maria Flor, ao lado deles, me encarou com desprezo, e então
eles se afastaram.
Uma parte do meu coração gritou pela maneira como Clara
me ignorou. Uma raiva me tomou, e foi impossível para mim evitar o
ódio que nutri.
Ela era traída pela melhor amiga e pelo namorado. Eu podia
livrá-la deles, salvá-la dos dois desprezíveis que só estavam ao seu
lado, ninguém sabia por quê.
Mas... naquele momento eu vi uma Clara soberba, arrogante,
nojenta. E eu quis mais é que ela se fodesse.
Mesmo que isso demorasse muito para acontecer.
1
Clara

A chuva está gelada. O vento uiva como se estivesse em agonia, e


posso sentir o frio tocando meus ossos me fazendo tremer. Ergo as
mãos, deslizando-as pelos meus cabelos, sentindo a água cair pelas
minhas madeixas em ondas, minha alma envolta em uma névoa de
dor.
O vento é muito forte. Posso senti-lo quase me derrubando
do topo do prédio em que estou.
Não que isso me fosse diferente do meu próprio propósito. A
dor é tão gritante que, acredito, só a morte pode me livrar dela.
É isso...
Eu nasci numa família amorosa com pais incríveis que me
tratavam como uma princesa. Contudo, meus pais morreram num
acidente quando eu era apenas uma criança. Tio Luiz, um velho
solteirão e afeminado, meu único parente vivo, assumiu minha
guarda. Ele era muito rico – assim como meus pais – e foi um tio
incrível que sempre me disse a quão poderosa eu seria quando
completasse a maior idade. Eu era a herdeira de um império
pecuarista, apesar de nunca ter colocado os pés numa fazenda.
Tudo era administrado por meu tio e, após sua morte, eu me
sentia tão desamparada que pus meu noivo como novo presidente
da empresa que administrava as fazendas.
Dou um passo à frente. Lá embaixo posso ver os carros
cruzando na via movimentada. A vida prossegue, independente à
dor que sinto na minha alma.
Eu sou uma dondoca. Uma princesinha que nunca soube o
que era qualquer dificuldade. Linda, rica, magra, perfeita. E na
escola encontrei o rapaz que me completaria. André era de uma boa
família, planejava estudar administração, e não me importei por ele
não ter dinheiro. Ao contrário, assim, quando nos casássemos ele
poderia administrar o meu.
Éramos perfeitos um para o outro. Como eu não iria querer
me casar com ele?
Maria Flor, minha melhor amiga, dizia sempre que teríamos
filhos lindos.
Fecho meus olhos com força, a angústia e a dor me
sufocando como mãos a espremer meu pescoço.
Quando eu me sentia assim, André dizia que eu precisava
tomar meus remédios. Há dois anos, comecei a ter crises de
ansiedade. Fruto, diziam, dos resquícios da minha infância, da
morte dos meus pais, e do falecimento do meu tio, que morreu
durante uma orgia gay, num ataque cardíaco, provocando uma
constrangedora e vergonhosa manchete no jornal da cidade,
manchando nossa família.
Então André me arrumou um psiquiatra. E esse terapeuta me
convenceu a não esperar André ser meu marido para cuidar das
minhas coisas. Colocá-lo como presidente das Fazendas Mendes
era o certo a se fazer. Enquanto eu me dopava de remédios, assinei
todas as procurações que André precisava.
Minha garganta está ardendo, mas não consigo chorar. Faz
muito tempo que não choro. Nem tenho libido. Os remédios me
tornaram uma morta-viva. Maria Flor diz que é o melhor para mim.
André fala que esperará até que eu esteja bem.
Eu devia ter desconfiado... Meu noivo sequer quer fazer sexo
comigo...
“Sinto muito, seu cartão não passou”, a voz da vendedora de
uma loja de roupas de grife me disse, num sorriso constrangido.
Foi a primeira vez que isso aconteceu comigo. Procurei
André, mas ele me falou que devia ter sido um erro do banco. Uma
parte de mim gritou que algo estava errado. Mas, eu realmente não
queria saber o que era.
Eu estava tão mortificada que aceitei a explicação, sem
investigar.
Foi apenas por causa de uma carta anônima que chegou no
dia do meu aniversário, que me fez questionar tudo.
“Eles estão roubando tudo que é seu”.
Eles, quem?
A primeira pessoa, eu descobri ser André. Quando fui ao
banco questionar sobre o cartão, disseram-me que a conta havia
sido cancelada. Quando procurei o escritório da administração das
fazendas, pela primeira vez na vida, fui barrada na porta.
Elas não me pertenciam mais. Os donos, agora, eram
chineses.
Então, fui atrás de André. Quando o coloquei contra a
parede, ele sorriu. Tinha nas mãos um copo de tequila e nos olhos
uma perversão que nunca antes percebi:
— Você achou mesmo que eu a amava? Como é tola, Clara.
Nem foder você sabe... É um marasmo na cama, cheia de não-me-
toques. Sim, você não tem mais nada. Talvez apenas a velha casa
do seu tio, aquela que está vazia e cheia de mato e sujeira. Isso
porque o velho colocou no testamento que, por ser uma casa
histórica, não poderia ser vendida até a terceira geração após sua
morte.
— Como pôde fazer isso comigo?
— Você devia se enxergar mais, Clara. Sabe por que sempre
foi a popular? Porque tem dinheiro. Mas, não tem mais nada. Não é
bonita, nem tem qualquer talento. Você devia era agradecer por um
cara como eu trepar com você, de vez em quando. — Ele suspirou
pesadamente. — Céus, nem mesmo quis trabalhar depois de
formada. Achou que a vida seria o quê? Passar os dias sendo uma
dondoca filantropa e cuidar dos nossos futuros filhos? Você ainda
vive nos anos 50 — ele deu os ombros.
Quando eu saí do apartamento de André, eu estava
arrasada. Havia sido roubada em tudo na minha vida, mas a culpa
parecia ser minha. Eu confiei demais, e eu era... um nada.
As palavras dele tiveram peso sobre mim. Porque no fundo
pareciam se encaixar perfeitamente: Eu só queria me casar, ter uma
festa bonita, e ter filhos com ele. Eu ficaria feliz se ele cuidasse de
tudo, cuidasse de mim, e voltasse para casa no final do dia trazendo
uma rosa nas mãos, eventualmente.
No mais, não tinha qualquer ambição.
E uma mulher sem ambição devia ser... um porre.
Dou outro passo em direção ao infinito. Eu estou na borda do
prédio, seria tão fácil cair, agora.
Tentei ligar para Maria Flor momentos antes. Ela não atendeu
o telefone, devia estar saindo com algum cara, ela vivia namorando
aqui e acolá. Eu queria tanto o colo da minha melhor amiga, agora.
Mas, estou sozinha. O telefone permanece num ritmo
doloroso, sinal de que ela não está disponível.
Então, eu devia ligar para a polícia? Ou talvez um advogado?
Não sabia por onde começar. Estava perdida, nunca tomei
qualquer atitude na minha vida.
Olho para baixo, novamente. Meus pés estão dormentes,
minha roupa está molhada. A chuva me lava como um consolo na
dor. Há um zumbido nas minhas orelhas, como um eco de voz ao
longe que mal consigo perceber.
— Ei!
A chuva bate contra meu rosto. Sua intensidade aumenta.
Meu corpo inteiro treme embaixo das roupas molhadas.
O que eu faço?
— Ei! Clara! Clara!
Dessa vez posso ouvir meu nome ao longe, um sussurro de
morte. Meu rosto gira, e vejo perto de mim um homem alto. Ele está
vestindo um capuz, mal posso ver seu rosto, mas de alguma
maneira ele parece familiar.
— Quem é você?
Ele é grande, muito maior do que eu. Minha vontade é de ir
até ele, abraçá-lo e pedir que me proteja. De André, do mundo cruel,
e de mim mesma.
Eu não quero morrer, mas me sinto tão sozinha.
Desprotegida. Desamparada.
— Você vai se jogar? O prédio não é tão alto, pode ser que
sobreviva e acabe aleijada numa cama, cagando nas fraldas, sem
ter ninguém para limpá-la. Talvez seja acolhida num hospital público,
onde enfermeiras atarefadas só poderão vê-la uma vez ao dia,
apenas para conferir se mijou.
Sua voz é grossa e rouca. Desconfortável. Tanto quanto a
verdade que ele joga, sem misericórdia.
— Eu perdi tudo — digo.
Ele sorri com seus dentes profundamente brancos. Posso
sentir o escárnio.
— Você é burra, Clara. Burra. É por isso que te roubaram
tudo que tem.
— Você me conhece?
— Sim, nós estudamos juntos desde o primário. Mas, você
não se lembra de mim, claro. Eu era muito pouco para ser percebido
pela rainha da escola.
Meu coração acelera, tentando trazer em minha mente a
imagem desse homem. Mas, nada vem.
— Qual seu nome?
— Saía de perto da borda do prédio. Matar-se não vai
adiantar de nada. Ao contrário, só tornará tudo mais fácil para o seu
noivo.
Meus olhos se arregalam.
— Foi você que me mandou a carta?
— O que você acha?
— Se você sabe tudo o que aconteceu... Como eu poderia...?
— engasgo. — Minha vida acabou.
— Ela só está começando, Clara. Existe algo chamado
“vingança”. E eu posso te dar isso.
— Como?
— Como não importa. O que importa é a troco de quê.
Uma proposta?
— Eu não posso te pagar. Não tenho nada a oferecer.
— Tem algo. Algo que eu sempre quis. Agora venha até mim
e ouça a minha proposta.
2
Ian

Quando acabou o ensino médio, eu fiquei um pouco perdido na


vida. Meus pais se divorciaram no mesmo ano, minha mãe mudou-
se de estado e meu pai se casou novamente, com uma mulher que
não queria saber de um filho adolescente e um tanto incomum.
Não a culpo porque eu era realmente um pouco estranho.
Gostava de roupas escuras, gostava de esconder meu rosto num
capuz, gostava de não ser evidência ou que notassem minha
presença, gostava que me deixassem em paz.
Então, enquanto cursava a faculdade de economia, eu
aluguei um apartamento e me afastei de todos. Passei um longo
período sem contato com ninguém além dos colegas de faculdade
ou do porteiro do meu prédio com quem costumava comentar sobre
o último jogo do campeonato.
Também, claro... eu ia ver Clara.
Ela morava num condomínio de luxo. Usava um carro de
luxo. Ia toda semana fazer o cabelo e as unhas numa cabeleireira
que estava sempre lhe sorrindo, mas que fazia sinal de vômito
quando Clara ia embora, causando o riso em todas as colegas do
salão de beleza.
Clara não era bem quista por ninguém. Era incrível, porque
tirando o fato de ela ser uma patricinha, ela realmente não era má.
Em todos aqueles anos, nunca a vi desprezando ou sendo nojenta
com qualquer outra pessoa. Ela sempre falava num tom ameno e
doce, e sempre sorria ao cumprimentar as pessoas. Todavia,
simplesmente todos que a cercavam, lhe detestavam.
A começar por André.
Eles ficaram noivos na noite que ela completou vinte e dois
anos. Foi num restaurante bonito, a céu aberto. A lua brilhava no
céu, e um cantor de MPB balançava ao som de Tim Maia. Eu estava
sentado a duas mesas deles, e pude ver as lágrimas emocionadas
de Clara ao receber seu sonhado anel.
Meia hora depois, ela foi no banheiro retocar a maquiagem.
André suspirou pesadamente tão logo ela se afastou, e então puxou
o celular do bolso, ligando para quem eu imaginava ser Maria Flor.
— Ela me faz querer vomitar — ele disse, e depois riu com
algo que a outra retorquiu.
Eu sentia um pouco de pena de Clara, mas na mesma
medida, havia uma satisfação em meu ego ferido de que ela
sofresse. Afinal de contas, ela me desprezou uma vida inteira, em
prol desse filho da puta.
Aquela noite, acabou sendo muito satisfatória apesar de eu
ver um anel em seu dedo anelar.
Nos meses que se seguiram, pensei que Clara iria planejar o
casamento, mas percebi que André a enrolou devidamente. Disse
que precisava de um tempo para sua carreira, e eu gargalhei
quando ouvi a explicação em uma noite estrelada enquanto
andavam pelo calçadão lotado.
Clara era compreensiva, e não questionou, apesar de eu
questionar, já que André não trabalhava em nada e vivia do dinheiro
que a noiva dava para ele.

✽✽✽

Lídia entrou na minha vida no ano seguinte. Ela era CEO da


empresa de seus pais, única herdeira de um Império. Eu comecei a
trabalhar como seu assistente pessoal para tirar um extra para a
faculdade, e logo nos tornamos amigos.
Melhores amigos.
Eu nunca tive um amigo antes, então foi incrível vivenciar o
sabor da amizade. Nós começamos saindo para beber algumas
noites e, numa madrugada, após termos ingerido uma quantidade
absurda de álcool, Lídia me contou que era gay.
Não foi surpresa. Eu sempre fui muito observador,
característica desenvolvida com Clara, e reparei na forma como ela
olhava para as garotas com quem eu ficava algumas noites.
Era assim. Nós dois saíamos para pegar mulheres.
Eu gostava de sexo. Era bom. Gozar me fazia bem. Me
deixava animado. E Lídia tinha o mesmo raciocínio. Nos
revezávamos sempre com amantes fogosas, e ríamos quando
deixávamos alguém apaixonado para trás.
Quando eu me formei, ela foi minha única convidada na noite
de formatura. Nós dançamos uma balada romântica como se
fôssemos um casal, no meio do salão. Ela também esteve ao meu
lado quando subi de cargo na empresa dela, gerente administrativo
de um setor de exportações. Nossa amizade parecia a coisa mais
sólida que eu tinha.
E talvez fosse.
Porque tirando minha perseguição a Clara em dias alternados
da semana, Lídia era tudo que me completava.
Os anos foram passando, e eu me sentia satisfeito com a
vida. Até que Lídia descobrir ter um câncer terminal.
— Eu vou morrer. O médico não me deu muito tempo de vida.
E tudo vai ficar para meus primos idiotas que sempre me
desprezaram e riram de mim por eu ser lésbica.
Lembro de segurar sua mão e apertar seus dedos.
— Queria poder fazer algo por você.
— E pode. Case-se comigo. Assim você será herdeiro de
tudo. Deixarei um testamento, passando todos os meus bens para
meu marido.
Eu me casei com ela num dia frio de outono. As folhas
amareladas caiam aos pés da noiva que entrava na nave da igreja
pequena do subúrbio da cidade. Tínhamos poucos convidados
presentes, apesar de termos chamado mais de cem pessoas.
Eu jurei amá-la até o fim de nossas vidas. E era incrível,
porque eu realmente a amei. Não sexualmente, mas como minha
parceira.
Lídia partiu dois meses depois. Deitada numa cama do
hospital, lágrimas nos olhos, e a dor de uma vida que não viveria.
E eu fiquei novamente sozinho.
Sozinho.
Só eu, muito dinheiro, e minhas fugas até Clara.

✽✽✽

Eles a estavam roubando. Tudo que ela tinha estava indo


para as mãos de André. E ele estava vendendo tudo antes que ela
percebesse. Eu devia deixar, seria muito bom vê-la na miséria, mas
quando ouvi Maria Flor rindo ironicamente numa manhã na padaria,
contando a outra amiga sobre como Clara ficaria pobre, decidi
intervir.
E então aguardei. Como um cão fiel por seu dono.
Logo percebi ser tarde demais. Clara entrou em surto,
desespero. Suas pernas a levaram até o topo de um prédio, e eu
percebi que ela iria se matar.
Então eu a impedi. Pela primeira vez. Ser um espectador
passivo de sua vida parecia ter terminado.
Ela se encolhe quando me vê, se afasta, mas eu a mantenho
no lugar. Não a deixo saltar. E quando faço a proposta que mudará
tudo, ela arregala os olhos como se não acreditasse no que eu
fosse dizer.
— Vingança.
— Como?
— Como não importa. O que importa é a troco de quê.
— Eu não posso te pagar. Não tenho nada a oferecer.
— Tem algo. Algo que eu sempre quis. Agora venha até mim
e ouça a minha proposta.
Ela está perdida. Mas nós dois sabemos que não tem mais
nada a perder. Então ela avança na minha direção. Seu cardigã está
encharcado, e Clara está tremendo.
— Qual sua proposta?
— Aqui não. Vamos conversar num lugar seco. Vou te levar
para casa.
Ela não inquere como eu sei onde ela mora. Clara é ingênua,
e então apenas me segue, como se eu fosse uma rocha que a
mantêm segura, para não se afundar no mar envolto nas trevas que
se meteu.
— Como se chama?
— Ian.
— Como me conhece?
— Nós estudamos juntos - repito.
Depois disso descemos silenciosamente pelo elevador.
Chegamos ao térreo e eu a guio até meu carro. Ela entra, e eu
fecho a porta atrás dela.
— Estudamos juntos... — Clara murmura. — Eu não lembro
de você.
— Eu não era importante.
Agora, ela está olhando diretamente para mim, mas não
parece assustada.
Quando coloco o carro em movimento, ela murmura algo
sobre eu não estar indo na direção correta.
— Eu sei onde mora — digo. — Mas, essa noite vou levá-la
até minha casa.
Ela não questiona, nem contradiz. Apenas acena. Está
cansada. Exausta. E não tem nada a perder.
3
Clara

Era loucura. Eu estava em um carro com um desconhecido. Ou, ao


menos, alguém cujo rosto eu não me lembrava. Todavia, havia uma
certa familiaridade nessa pessoa.
Ian...
Estudamos juntos? Quando? Em que época?
Apesar de tudo, não estou com medo. Afinal de contas, o que
tenho a perder?
Há alguns minutos, eu estava prestes a me matar. Agora, eu
estava serena, uma parte de mim aliviada por esse homem ter me
impedido.
Olho para Ian. Ele é algum tipo de herói? Não parece. Mais
se assemelha a um vilão, com esse olhar sombrio, carregado por
cílios pretos longos que parecem o tornar ainda mais misterioso.
Ainda assim... Ele me salvou.
Ele parece forte, Ian. Um homem bonito, sua mandíbula é
dura, quadrada, seu nariz aristocrático, e por baixo do capuz que
caiu levemente para trás, posso ver seu cabelo escuro como suas
sobrancelhas.
Sombrio... Sério...
Não sinto qualquer traço de diversão em seu rosto. É como
se ele se culpasse pelo simples fato de eu estar aqui, ao seu lado. E
ainda assim, eu me sinto segura ao seu lado. Porque, novamente,
ele me salvou.
Eu não queria morrer, só estava desesperada demais para
lutar.
Lágrimas surgem em meus olhos. Oh céus... André... Como
ele pôde? Por quê? Ele fingiu me amar todos esses anos?
— Está quieta, Clara. Você costuma falar aos borbotões.
Ele sabia disso?
— Não tenho o que dizer.
— Nada? Não está com medo de estar no carro de um
desconhecido?
— Não. Além disso, pelo jeito, apesar de eu não me lembrar
de você, sabe exatamente quem sou.
Ele sorri. Não consigo parar de olhar para ele. Esse homem
misterioso tem um jeito pecaminoso de sorrir. É como se soubesse
de segredos que eu jamais confessei.
— Tentou se matar, Clara. Por que não pediu ajuda a sua
amiga, Maria Flor?
Ele sabia sobre Maria Flor?
— Ela não tem nada a ver com meus problemas.
— Ah, então você não sabe? — ele arqueou as
sobrancelhas.
— Não sei o quê?
— Nada... — murmurou. — Vou deixá-la apenas com o que
sabe. Seu amado André, por exemplo, te roubou tudo.
Lágrimas surgem nos meus olhos.
— Eu confiei nele.
— E colocou tudo em seu nome.
— Meu apartamento... — disse, lágrimas sufocando minha
garganta. — Meu apartamento... não consigo saber se ele... se ele o
vendeu. Não me lembro de ter assinado nada sobre minha casa.
Mas, sobre a empresa... as fazendas... — ergo minhas mãos e
afundo meu rosto entre elas. — Oh, Deus, como pude ser tão burra?
— Eu me perguntei isso também.
Ele está certo em ser irônico.
Meus olhos volvem para a janela. Luzes ao longe mostram
um posto de gasolina. Ele leva o carro naquela direção, para
abastecer. Quando ele desce, diz um “enche o tanque” para o
frentista, e então some em direção a conveniência. Ao longe,
vislumbro seu andar firme, e o vejo pegando dois cafés. Ele o paga
à caixa, uma jovem loira bonita, que sorri para ele.
Pela primeira vez naquela noite sou capaz de vislumbrar um
sorriso em seu rosto. Um sorriso verdadeiro. Algo vibra na minha
barriga, arrepia minha pele. Ele nem parece a mesma pessoa,
parece gentil e doce. E... E eu me sinto atraída por isso.
Desvio os olhos, negando.
Estou louca.
Deve ser fruto da noite tumultuada, de descobrir que André é
um cretino, e desse cara ter me salvado de mim mesma.
Ian...
Eu gosto do som do nome dele. Lembra o nome de alguns
protagonistas de romances que eu lia no ensino médio.
Ian...
Ele retorna, entra no carro e me entrega um copo de isopor.
O café está quente, e isso aquece minha alma.
— Obrigada.
— De nada.
Logo depois, voltamos à estrada. Ian leva o carro por uma
rodovia que dá acesso ao interior, mas não chegamos realmente a
sair da capital. Apenas entramos em um acesso de estrada de terra,
e posso ver que ele mora afastado das luzes e do movimento da
cidade grande.
Quando paramos posso vislumbrar uma placa de correio
perto do portão. Pozo. É um sobrenome bonito. E então eu vejo sua
casa.
Casa, não. Palacete.
Algo realmente imponente, grande, intimidador.
— Você é rico? — questiono.
Porque, não lembro de ninguém na minha escola que tinha
tanto dinheiro quanto eu.
— Surpresa?
— Você parece mais rico do que eu...
— Hoje, qualquer um é mais rico que você, Clara. Está falida.
Faço uma careta, incomodada.
— Quero dizer... Na escola, como eu nunca ouvi falar de
você?
— Eu era um pé-rapado na escola. Mas, a vida muda. Hoje
eu tenho milhões e você não tem sequer um centavo na conta
bancária.
Então ele sai do carro, faz o retorno e abre minha porta. Ele
me ajuda a descer. O vento gelado toca minhas roupas molhadas e
começo a tremer. Ian, contudo, me guia para dentro como se não
notasse meus dentes quase trincando.
Entramos dentro da casa. A primeira visão que eu tenho é de
um rol de entrada ricamente decorado com quadros bonitos. Depois,
ao fundo, posso ver uma sala de estar.
— Quer beber algo para aliviar o frio?
— Não...
— Bom, eu vou tomar um licor, se não se importa.
Por que eu me importaria?
Ele caminha até um pequeno bar e pega um copo baixo.
Depois, o preenche até a metade e caminha até o sofá, senta-se e
me observa, em pé, diante dele, tremendo, molhada e inquisitiva.
Por que ele me trouxe aqui? Quero ouvir sua proposta.
— Vai ficar bebendo?
— Vou.
— Não vai me falar seu plano?
Ele sorri. O mesmo sorriso que deu para a moça do posto de
gasolina.
— Meu plano? Minha proposta é simples, Clara. Eu posso te
dar a vingança contra André, e fazê-lo perder tudo que lhe roubou.
Contudo... Eu quero algo em troca.
— Não tenho nada com que lhe pagar.
— Tem sim — ele ergueu o copo de licor. — Você. Eu quero
você.
4
Ian

O olhar dela brilhou. Nesse instante, eu me lembrei porque gostava


tanto dos seus olhos na adolescência. Era um verde profundo,
escuro, não chamativo como são normalmente os olhos verdes. Era
quase preto, mas podia se ver o traço esmeralda quando ela se
irritava, quando seu brilho ardia na brasa que parecia queimar a sua
alma.
Clara era assim...
Ela podia ser um poço de futilidade, mas havia algo em seu
íntimo que sempre me provocou. Era como se eu soubesse que
havia uma mulher pronta para ser despertada nos pequenos
detalhes de sua feminilidade.
Certa vez, ouvi André dizer a um amigo que ela era muito
ruim na cama. Que abria as pernas e esperava que ele fizesse tudo.
Que ela era “brochante”. Lembro de me irritar com as palavras, de
querer tomar satisfação com aquele cretino. Lembro de arder de
ciúmes, porque ele desprezava o que eu sempre quis. Mas, alçava
que era um fantasma, uma sombra à espreita de Clara. Eu
respeitava esse papel. Não tinha o direito de querer nada além
disso.
Então me calei. Engoli a raiva. E fantasiei muitas vezes trazer
à tona a mulher que ela parecia reprimir.
Eu queria macular Clara. Eu queria inundá-la com meu gozo.
Fazê-la ter orgasmos enquanto eu mamaria suas tetas enormes e
deliciosas.
— Você me quer? — ela murmurou, parecia não acreditar. —
A mim?
— Isso.
— Em que sentido?
— Em todos. Serei seu dono. E é assim que vai me chamar.
De “meu dono”.
Os olhos dela brilharam novamente enquanto ela absorvia a
informação. Oh, céus, são tão fascinantes e bonitos. No entanto,
contrasta um pouco com a respiração ritmada de Clara, que estava
cada vez mais nervosa.
— Por que eu aceitaria isso?
— Porque não tem nada a perder. Estava prestes a se matar.
Comigo, pelo menos terá uma casa bonita, uma vida de luxo,
proteção, e ainda verá André na miséria.
— Como fará isso?
— Isso é comigo. A você, basta dizer sim.
Ela treme. Se encolhe. Parece não conseguir decidir. Então,
eu largo o licor e me levanto.
— Façamos o seguinte. Essa noite tirará essa roupa
molhada, tomará um banho quente, e depois irá dormir. Amanhã,
mais calma, você me dá a sua resposta.
— E se eu disser não?
— Então a levarei embora. Lhe deixarei no seu apartamento
– se é que ainda é seu – e depois é com você. Boa sorte na sua
tentativa de se vingar de André. Não será fácil.
Ela absorve a resposta. Parece ler a situação em sua mente.
Mas, não sabe o que dizer. Posso ver que ela quer dizer sim, não
porque quer ser minha propriedade, mas porque quer vingança.
Contudo, existe uma lacuna de conceitos em sua mente. Ela
cresceu com a ideia de que seria uma boa mulher, esposa e mãe. A
fantasia perfeita de uma dama.
— Durma essa noite, Clara. Amanhã conversamos.
Então faço um sinal para que ela me acompanhe. Ela me
segue, sem questionar. Posso sentir seus pés vacilantes atrás de
mim, enquanto a guio pela escada, corredor do segundo piso e, por
fim, uma suíte enorme, ricamente decorada.
Entramos, e Clara fica completamente chocada. Posso ver
em seus olhos que tudo parece incrível. Até que observa um porta-
retrato num dos armários.
— Quem é?
— Minha falecida esposa.
Vou até o roupeiro. Pego um roupão e entrego a ela. Depois
mostro a porta do banheiro. É muito luxuoso, com banheira de
hidromassagem. Clara abre a boca, espantada. Eu vejo as muitas
perguntas não ditas por seus lábios, mas ela apenas aquiesce
dando os ombros.
Está cansada. Uma vida sem os pais, com um noivo que
nunca a amou, cercada por falsidade... Até mesmo o tio que ela
tanto amava e se importava faleceu...
Ela quer se segurar em mim. Posso ver isso. Ela deseja ter
um homem que a proteja e que se vingue por ela. Mas, ela
igualmente está repleta de questões e complexos.
— Qual era o nome de sua esposa?
— Lídia.
— Ela morreu de quê?
— Não importa. Apenas, fique à vontade e tenha uma boa
noite de sono.
Então giro e me afasto.
A resposta não dita por Clara me enerva. Eu quero que ela
aceite. Quero ficar nesse quarto com ela. Quero transar com ela.
Gozar na sua boceta. Quero ouvir sua respiração no meu ouvido,
sentir seu gosto na minha boca.
Mas, nessa noite, apenas fecho a porta enquanto vou para
meu próprio quarto.
5
Clara

O que eu tenho a perder? Essa pergunta me absorve enquanto


ando pelo quarto que mais parece um sonho.
Tudo aqui é perfeito. Lindo. A cama é tão grande que
facilmente caberia umas cinco pessoas. Sempre me considerei
abastada, mas aparentemente esse local parece muito mais do que
jamais imaginei.
Lágrimas inundam meus olhos.
Eu nunca me importei com essas coisas. Afinal, eu namorava
um rapaz classe média que tudo que tinha era o sentimento que eu
nutria por ele. Mas, André me usou e me roubou, e não me restava
mais nada além...
Da vontade de me vingar.
Ando vagarosamente no quarto. Estou de banho tomado e
meu corpo está coberto por um roupão branco tão macio quando um
ursinho de pelúcia.
Me aproximo do porta-retrato. Uma mulher linda está sentada
atrás de uma mesa de negócios. Uma CEO, empoderada, dona de
si mesma, o tipo de mulher que eu invejava. Uma mulher que não
tinha medo de seguir seu próprio caminho.
Eu nunca tive um caminho.
Eu nunca sonhei com uma profissão.
Me sinto tão burra, agora.
“Me chame de seu dono”.
A frase me tocou, varrendo uma onda de sensações
desconhecidas em mim. Aperto minhas coxas, enquanto imagino
cumprir o que Ian pediu.
Ser dele... Minha boceta pulsa ao pensamento.
E eu nunca me senti assim antes. Porém, existe algo nele...
Provavelmente é porque ele me salvou. Há algo místico em um
cavaleiro surgindo na escuridão e que nos impede de desistir de
tudo.
Mas, como estarei no dia seguinte, quando a racionalidade
voltar para minha mente?
Dizer sim a ele era demais. Era apagar toda a minha
individualidade. Era acabar com a Clara, e me tornar uma coisa, um
objeto.
“Como é tola, Clara. Nem foder você sabe... “.
As palavras de André me avassalam. Eu sempre imaginei
que ser uma mulher passiva era o que um homem queria. Que me
impor ou tomar decisões era coisa de putas. Mas, parece que o
pensamento de André era totalmente diferente.
Dono...
Mas, se eu deixasse Ian ser meu dono, não haveria
princípios, eu seria apenas alguém obedecendo uma ordem...
Espere! Eu realmente estou pensando em dizer sim?
Contudo... O que eu tenho a perder?
Minha barriga vibra.
Ian é... perfeito. Ele é bonito, é grande, é protetor, e a
maneira como ele me olha... Ele realmente me quer. Posso sentir o
desejo despontando forte em meu coração.
Abandono o porta-retrato e vou na direção da cama. Estou
nua por baixo do roupão porque não me atrevi a colocar nenhuma
roupa da falecida esposa de Ian. Acendo o abajur, calculando se
deveria tirar o roupão e dormir rua, ou se era melhor dormir com ele.
Uma parte de mim quer experimentar a sensação de ficar
completamente desprotegida embaixo do teto de Ian. Loucura,
desejo, insanidade. É como se uma nova Clara estivesse surgindo.
Afinal de contas, talvez eu realmente tenha pulado daquele prédio, e
isso tudo agora seja apenas uma vida pós morte em que posso
experimentar o que nunca vivi.
Tirei o pijama e me deitei embaixo do lençol, nua. O tecido de
algodão toca meus pelos arrepiados, me fazendo fechar os olhos. A
imagem de Ian volta a dominar tudo.
Ele me quer...
Quer ser meu dono...
E eu...
Eu gostaria de poder viver isso.
Ser dele. Morando aqui. Sendo sua Lídia. Talvez ele só
queira um conforto pela morte da esposa...
Mas, ele me conhece. Há anos. Não foi uma coincidência
nosso encontro. Isso está claro, como eu posso simplesmente
admitir a possibilidade?
Penso em Ian. Grande. Protetor. Me dizendo que vai se
vingar por mim.
Talvez segurando minha mão.
Talvez se aproximando.
Beijando-me.
Suas mãos grandes me tocando.
Eu esfrego meu clitóris. Meus dedos se curvam.
Minha respiração fica tão alta. Eu começo a estremecer,
enquanto penso em chamá-lo de dono.
Meu dono...
Um gemido escapa dos meus lábios. É alto. Impertinente.
Vergonhoso.
Cubro minha boca com a mão livre enquanto a outra continua
cavando e cavando.
Ouço passos no corredor. Ian está ali, do outro lado da porta.
Minha boceta pinga diante do pensamento.
Meu dono...
E então eu gozo.
Meu dono... Estou tão perdida.
6
Ian

Eu a ouvi na noite anterior. Ouvi seus gemidos altos, e a


tempestade que se avassalou sobre seu corpo. Foi estranho ouvi-la,
contudo. Mesmo quando eu me fingi de técnico da tv a cabo e pus
microfones perto de sua cama, no seu apartamento, anos antes, eu
não tinha ouvido sons tão desesperados.
Era como se ela estivesse se libertando. Sua prisão era sua
consciência. Então eu soube que ela diria sim. Não somente porque
ela queimava de desejo de vingança, mas também porque, sem as
amarras da sua posição e os pré-conceitos sobre como uma moça
de família devia agir, Clara estava livre para ser...
Minha.
Meu pau ficou duro quando a ouvi. Passei boa parte da noite
batendo punheta, seus gemidos ecoando em meus ouvidos mesmo
que o som já havia se passado a muitas horas. Eu a desejava tanto.
Essa raiva e sentimento indecifrável que nutro por ela há tanto
tempo só me faz querê-la mais e mais.
Nunca seria o suficiente para mim.
Na manhã seguinte, estou cansado da noite. Mal preguei os
olhos, mas ainda assim queria me mostrar forte para ela.
Se eu fosse seu dono, devia ser em tudo, absoluto.
Fui tomar um banho quente para aguardá-la para o café da
manhã. Eu mal podia esperar para ouvir sua resposta.
7
Clara

Quando abro meus olhos, posso sentir os lençóis macios tocando


minha pele nua. Meu corpo ingrato, cretino, o mesmo corpo que me
traiu na noite anterior, quando se enredou em desejos pecaminosos
com Ian, agora parecia feliz e animado.
Devia ser assim?
Eu quero sentir vergonha da mulher que me tornei. Mas, um
sorriso surge em meus lábios, subitamente ciente de que posso
mudar tudo agora.
Ian pode mudar tudo.
Eu quero ver André na miséria. Eu quero que ele pague por
tudo que me fez passar. Eu quase me suicidei ontem por causa
dele. Ele acabou com meus sonhos, minhas crenças, a mulher que
eu era. Só restava raiva. De alguma maneira, eu soube, assim, que
nunca houve amor.
Nem mesmo de minha parte...
Porque se houvesse, mesmo que uma réstia de amor... Eu
não devia estar queimando por outro cara.
Pelo meu príncipe encantado...
Meu coração dispara com o pensamento. Levanto-me e vou
até o banheiro. Um banho quente pode me ajudar nesse dia difícil
que virá.
Procuro minha roupa da noite anterior. Eu a coloquei em uma
cadeira para que seque. Ainda está úmida, e fico sem saber se devo
usá-la ou se posso pegar algo de Lídia no guarda-roupa.
Devo falar com Ian, antes. Perguntar se ele não se ofenderia.
Observo novamente o porta-retrato e vejo uma mulher
desesperadamente linda me encarando.
Será que eles se amavam?
Uma ponta de ciúmes surge em mim, mas não é algo
negativo. É quase como apenas uma sensação desconfortável em
saber que o amor existia, quando eu vivi algo tão mentiroso e
ridículo. Como eu pude achar que André me amava?
Quando nos formamos, eu passei a sustentá-lo. Não que eu
não o fizesse desde o ensino médio, já que pagava seu aluguel e
algumas outras despesas, mas André insistia que estava difícil
arrumar um emprego de meio turno por causa da faculdade, e ele
não queria desistir dos seus sonhos de se formar.
Como boa noiva, eu o ajudei...
Então, quando ele finalizou o curso, começou a recusar os
trabalhos que vinham na sua área. Todos tinham empecilho. Ou
pagavam pouco, ou eram desagradáveis, ou o chefe era crítico
demais...
Eu mordo meu lábio, pensando em como não vi o óbvio.
Bom, talvez eu tenha percebido, mas considerava que era
tarde demais. Já estava noiva e... enfim, eu podia sustentá-lo.
Então veio a ideia de que, como mulher, eu não era capaz de
gerir os negócios da família. Ele era homem e era mais preparado.
O terapeuta terminou de me convencer.
Minha garganta arde e eu me vejo saindo do banheiro
usando o roupão. Estou fugindo das lembranças, e quero ver o rosto
de Ian mais que tudo. Porque ele é meu salvador. Preciso dele.
Preciso que ele me diga que ficará tudo bem. Ao custo de meu
corpo? Não importa.
Cruzo o quarto, vestindo o roupão. Nua por debaixo. Uma
necessidade latente entre minhas pernas. Ele me verá assim;
poderia me tomar? Eu permitiria?
Saio pelo corredor, a procurá-lo. Dois quartos depois, vejo a
porta semiaberta e, sem pensar, eu entro. O quarto está vazio, mas
posso ouvir o som do chuveiro. Olho na direção do banheiro, com a
porta escancarada. Recuo dois passos, apenas para que Ian não
me veja, e então me aproximo.
Ele está de costas para a entrada. Seu corpo nu molhado por
água quente. A fumaça o envolve como um ser místico em um filme
de fantasia.
Um filme pornô de fantasia.
Eu me movo mais em direção ao banheiro. Meus olhos estão
capturados por sua figura musculosa, arrebatadora. Ele tem costas
largas, e nádegas firmes. Seu cabelo é escuro como a noite, e
posso sentir como seus ombros estão tensos.
Não só seus ombros.
Ian se move, buscando o sabonete. Seu pau lindo, grande,
pesado e gordo, surge, semiereto. Mordo meus lábios, inebriada de
desejo.
Ele inclina a cabeça para trás. A espuma do shampoo desce
por suas costas, sua bunda, suas coxas...
De repente, ele segura seu caralho. Posso ver que fecha
seus olhos, enquanto balança para frente e para trás.
Suspiro, minhas coxas se apertando, minha barriga
tremendo, minha respiração cada vez mais acelerada. Ian está
sacudindo enquanto meu corpo também parece levado para um
lugar longe de tudo agora.
Ele apoia a mão na parede enquanto balança seus quadris
para frente. Ele está gozando. E eu estou derretendo em lavas
ardentes no meio das pernas.
Vou dizer sim para ele. Não mais só porque quero a vingança
contra André, mas porque quero esse sêmen claro na minha boceta.
Quero que ele empurre dentro de mim, me lave com seu suco.
De repente, o olhar de Ian se volve para a porta. Ele me
encara, está surpreso, mas não com vergonha. Eu fico chocada,
sem saber o que dizer, então faço a única coisa que posso.
Eu fujo em direção ao meu próprio quarto. Entro, olho a
cama, e volto para ela. Afundo-me embaixo das cobertas, tentando
fingir que nada disso aconteceu.
8
Ian

Ela me viu gozar. E talvez soubesse que me toquei pensando nela.


É incrível como os pensamentos gentis e puros da infância,
dominados pela minha sede por sexo na adolescência, e minha
raiva na vida adulta, conseguiram se reverter inteiramente em
agonia e prazer pela simples presença de Clara em minha casa.
Eu nunca me esqueci dela, nem por um segundo.
Enquanto os anos passavam, eu era o fantasma na
escuridão, a observá-la viver. Vi seus cabelos castanhos escuros
ganharem uma tonalidade mais clara. Morena iluminada, foi como a
cabelereira dela chamou. Vi seus seios aumentando, sua cintura
deixando de ser funil e se tornando mais robusta.
Ela foi linda em cada detalhe nesses anos. Mesmo em meu
desprezo, eu ainda podia admirar cada momento.
E eu a quis tanto... Agora, nesse chuveiro, tudo culminou
para o clímax de tê-la tão perto. Era só estender minha mão, e eu
poderia tocá-la.
Desligo o chuveiro e saio pelo banheiro. Ainda nu, mas
saciado, busco a toalha e começo a me secar.
Eu posso tê-la, mas eu a quero absolutamente submissa.
Quero que ela me pague por todos aqueles anos de desprezo. E
farei isso tratando-a como meu objeto. Ouvindo-a chamar de “meu
dono”.
Minhas bolas formigam novamente pela ideia que surge. É
um jogo perigoso, seria fácil cair novamente na armadilha do amor.
E eu não queria me apaixonar por Clara. Eu não aceitava me
apaixonar por ela. Não depois de ser alvo do deboche dela ainda na
adolescência.
Ela desprezou meu amor. Agora só teria meu tesão.

✽✽✽

— Bom dia — a cumprimento, enquanto a vejo descendo as


escadas em direção à sala de estar.
Eu não tenho criados. Tenho robôs aspiradores em todo
canto, e uma senhora vem limpar o resto uma vez por semana. Eu
mal fico em casa, então não vejo a necessidade de ter empregados.
Assim, nessa manhã, fui eu que preparei o café da manhã de Clara.
E tinha tudo que ela gostava. Sucos naturais, queijo, pães...
Pedi para a padaria que sou cliente entregar tudo quente para que
eu pudesse surpreendê-la.
E consegui. Seu olhar ficou assombrado ao ver a mesa.
— Bom dia — ela respondeu.
Estava encabulada. Eu não sei se era porque eu a vi
gemendo na noite anterior, ou por ela ter me visto batendo punheta
nessa manhã. Ainda assim, sentou-se à mesa, e pegou uma xícara
para se servir de café.
— Espero que você tenha dormido bem.
— Sim, sim. Obrigada.
Mordo meu lábio inferior. Posso estudá-la bem sobre a ótica
da manhã. Sua pele pálida está brilhante, e ela traz um traço forte
no olhar. Era como se ela estivesse se segurando para não explodir.
— Suas roupas secaram... — comento, vendo-a vestida
como na noite anterior.
— Sim.
— Então... Pode ir embora agora. Ou pode ficar. O que
decidiu?
Meu pau se contrai quando seus olhos se iluminam.
— Como você fará para se vingar por mim?
— Já disse que isso é problema meu.
— E como posso confiar que irá cumprir o acordo depois de
me comer?
Eu não resisto e solto uma gargalhada antes de buscar minha
xícara e beber um gole de café. O vento gelado balança o vidro da
janela, e eu olho de relance para fora. O inverno seria muito pesado
nesse ano.
— Eu tenho palavra, Clara. Não sou como seu noivo.
— Já fui enganada por um homem antes. Preciso... preciso
de uma prova.
É justo. Eu sei.
— Então, terá. Após isso, voltaremos ao assunto. Por favor,
agora coma. Os pães ainda estão quentes e a manteiga é
maravilhosa.
Ela não se mexe.
— Fale sobre sua esposa.
Minha respiração arde minha garganta. Giro meu olhar para
um quadro de Lídia num dos cantos.
— Ela teve câncer. Terminal.
Seu olhar vacila um pouco.
— Sinto muito.
— Está tudo bem. Lídia e eu aproveitamos muito a vida
enquanto estivemos juntos. Nós dois nos amamos muito.
Ela sorri.
— Ela parece ter sido uma mulher maravilhosa.
— Sim. Foi minha melhor amiga.
É muito difícil falar sobre Lídia. Ainda dói, mesmo já tendo se
passado muito tempo. Lídia foi a única pessoa que me trouxe a
sensação de família. Eu sabia que podia contar com ela,
acontecesse o que fosse. Lídia e eu éramos verdadeiramente
irmãos.
— Foi assim que ficou rico? — ela indagou.
O desprezo na voz estava tangível, apesar de bem
mascarado.
— Foi. Lídia me deixou tudo.
— Então você é um pouco André.
Eu me sinto queimar com aquela comparação. Eu podia me
erguer e avançar contra ela, esbofeteá-la pela simples insinuação.
Mas, tudo que me vejo é respondendo baixo:
— Nunca me compare àquele lixo. Lídia era tudo para mim, e
ela sabia que eu era pobre quando nos casamos. Eu jamais estive
ao lado dela por dinheiro.
— Mas dinheiro é importante.
— Amor é importante. Não é por dinheiro que eu penso em
Lídia todos os dias desde que a perdi.
Ficamos em silêncio. Momento depois, eu abandono o pão
no prato. Perdi a fome. Clara conseguiu estragar minha manhã
perfeita.
9
Clara

O que era esse sentimento de raiva no peito? Meu coração batia


com tanta força, e eu estava tão... tão irritada por causa da esposa
morta dele.
O carro balança quando passamos por um buraco na
estrada. Ian murmura algo sobre como o IPVA é caro e sobre como
o governo é uma bosta. Eu ignoro, meu olhar encarando a rodovia.
Havia uma emoção no meu estômago que fazia minhas mãos
ficarem quentes e meus dedos inquietos. Estou tão confusa, tão...
Fecho meus olhos. Não importa. Estamos indo para meu
apartamento, para eu tentar colocar minha vida nos trilhos
novamente. Precisava saber se André havia vendido meu
apartamento também. Preciso saber se eu ainda tenho alguma
coisa em meu nome.
— Você parece estressada — ele disse e eu tive que segurar
o riso.
— Minha vida está destroçada, então acho que tenho o
direito.
Estranhamente, não é por tudo que André fez. Estou assim
desde que ele disse que amava Lídia. Foi como se eu estivesse
perdendo Ian, e ele era a única coisa segura nesse mundo, no
momento.
Meu olhar vai até ele.
Eu quero dizer que aceito, mesmo sem as provas que ele me
jurou dar.
Eu quero jogar a racionalidade no bueiro e me atirar em seus
braços, sentir aquele pau enorme entre minhas pernas. Ele se
mostrou tão homem e protetor na noite anterior, ele despertou algo
em mim que eu não sabia que existia.
Estou louca. Minhas emoções agitadas. Não estou pensando
direito. Confusa, desesperada. É como se eu estivesse pisando em
nuvens.
Eu queria que ele me amasse como amava Lídia.
Estava com ciúmes da mulher dele.
Porque...
Eu gosto dele.
Como eu posso gostar dele se mal o conheço?
Quando seu automóvel se aproxima do prédio que eu moro,
sinto uma dor no peito ao perceber que pode ser o fim.
Especialmente porque, racionalmente, eu preciso dizer não a sua
proposta descabida.
Que tipo de mulher decente aceitaria?
Ser propriedade de um homem? Deixá-lo fazer com meu
corpo o que ele quiser?
Aperto minhas coxas enquanto vou descendo da SUV.
— Você quer subir e tomar um café? — indago.
Sério? Agora me tornei a dona Florinda?
— Seria um prazer.
E ele o Professor Girafales.
Preciso segurar o riso enquanto passamos pela portaria. Uma
parte de mim espera que o porteiro interrompa meus passos, assim
como a recepcionista da minha antiga empresa o fez, dizendo que
não sou mais proprietária do apartamento. Mas, o senhor José
sequer me vê. Então o direciono até o elevador e subimos em
silêncio.
Depois, vamos até a porta do meu apartamento. Coloco a
chave, abrindo rapidamente e o convidando a entrar. Ele acena com
a cabeça, sorri, e entra, enquanto seus olhos observam meu
apartamento bonito.
— Vou fazer um café — digo, enquanto vou para a cozinha e
aponto o sofá para que ele se sente. Todavia, mal consegui dar um
passo e uma batida na porta me interrompe.
Eu não estava esperando visitas. Fiquei nervosa e ansiosa,
talvez André tenha se arrependido de tudo, e as coisas vão se
resolver, afinal. Meu olhar bate em Ian, que parece sombrio.
Sem saída, caminho até a porta. Abro. Não é André, mas
Maria Flor.
— Oh, amiga — ela diz, me abraçando.
Ainda bem que minha melhor amiga ainda estava ali para
mim. É com alívio que eu a aperto nos braços, enquanto escuto ela
murmurar: “eu já sei de tudo”.
— Como você está? — Maria Flor indaga.
— Triste... arrasada...
Queria continuar a falar, mas Maria Flor percebe o outro
homem na sala
— Eu conheço você — ela diz.
— Sim, estudamos juntos — Ian diz. — Mas, não deve se
lembrar do meu nome.
— Não mesmo. Mas, lembro que era o esquisito — ela ri.
Depois se aproxima de Ian e estende a mão. — Bons tempos de
escola, não é? Sou Maria Flor. Você se chama...?
— Ian.
Ele aperta a mão dela. Seu olhar é misterioso, e eu sei que
ele faz o tipo de minha melhor amiga, simplesmente porque Ian faria
o tipo de qualquer mulher.
— Maria Flor? — interrompo o cumprimento, irritada. — O
que veio fazer aqui?
— Oh, sim — ela gira na minha direção. — Procurei André
hoje e ele me contou que o noivado acabou.
— Porque ele me roubou! — digo, e ela abre a boca,
espantada.
— Deve ser um mal-entendido.
— Não é, amiga.
— Ah... — ela volve para Ian. — Nós precisamos conversar
em particular.
Ela espera que Ian diga que precisa ir, mas ele não se mexe.
Apenas me encara, aqueles olhos negros parecendo me absorver
em seu mundo escuro. Assim, não sou capaz de dizer para ele que
se vá.
— Talvez seja melhor em outra hora, amiga. Não estou bem.
— Mas, é importante.
— Desculpe, de verdade. Mas, realmente não é o melhor
momento.
O tempo parece parar enquanto Maria Flor me encara. Por
fim, ela aceita.
— Ok. Estou indo. Me ligue quando puder conversar, ok?
Pela maneira como Ian me encarava, isso não aconteceria
tão cedo.
Quando ela se foi, minha atenção voltou à Ian.
— Você tem os documentos do apartamento? Outros bens,
como joias e essas coisas?
— Sim...
— Acho melhor guardá-las em outro lugar.
— Que lugar?
— A casa do seu tio.
10
Ian

Ela não pareceu surpresa por eu saber que havia uma casa de tio.
Clara estava resignada com o fato de que eu conhecia muito sobre
sua vida, ou seu torpor pela derrota a dominou.
Ela balança a cabeça, concordando. Então, vai até seu
quarto, em busca dos papeis.
Dois anos antes eu aluguei um apartamento defronte ao dela,
apenas para observá-la da janela. Clara não costumava fechar as
cortinas, talvez acreditando que estivesse segura em sua
privacidade pelo décimo andar e pela distância do prédio da frente.
Mas, eu tinha binóculos. E tinha disposição. Então, eu costumava
ficar horas observando-a andar pelo quarto, ler, ou simplesmente
ver televisão.
Algumas noites ela usava pijamas normais, mas havia noites
em que vestia camisola de cetim. Era adorável, com seus peitos
comprimidos contra o tecido firme.
E numa dessas noites, ela mexeu nos papeis dentro do
closet. Eu não sabia do que se tratava, mas agora, parado na sua
porta e vendo-a ir ao mesmo lugar, pude notar que era onde
guardava a documentação de posse da casa de seu tio.
A casa que ele morou... um palacete muito antigo...
E o apartamento que ele lhe deu quando completou dezoito
anos.
Talvez as únicas coisas que André não pôs a mão.
Não que isso me alegrasse, porque eu a queria sem opções.
Se ela não tivesse uma casa para voltar, ela seria inteiramente...
Minha...
— Vamos?
— Sim... — Sua voz soou tão fraca, pouco mais que um
sussurro.
Apesar de ser tentador deixar que André leve tudo, eu não
sou capaz de fazer isso a Clara. Não que ela não merecesse... Ela
me esnobou, afinal de contas. Sua indiferença na escola ainda
machucava meu ego.
— Talvez seja mais seguro deixar os papeis com Maria Flor...
Minha expressão responde por mim.
— Ela é minha amiga.
— André não irá até a casa do seu tio. Para ele é apenas um
prédio velho. A única coisa que lhe interessa ali é o terreno. Se
demolissem a casa, poderiam construir um condomínio.
— Mas...
— Escute: enquanto estiver comigo, serei seu único amigo,
entendeu? Esqueça Maria Flor. Se aceitar minha oferta, serei seu
dono, e não terá ninguém mais a quem se submeter ou adorar.
Somente a mim.
Seus olhos se arregalam.
— Eu ainda não disse sim.
— Bem lembrado. É melhor se decidir logo, pois não estou
brincando aqui.
E então saio pela porta, esperando ouvir o som de passos
atrás de mim. Felizmente, logo eles ecoaram pelo corredor.

✽✽✽

Talvez André estivesse certo em querer demolir a casa. Ela


era deprimente, velha, acabada, repleta de grama alta malcuidada,
em sua lateral suas paredes estavam prestes a desabar.
Clara dá um passo à frente, e eu quase a intercepto. Não
quero que ela entre nesse lugar, mas logo ela avança e está diante
da porta frontal, com uma chave antiga na mão.
— Fui muito feliz aqui. Meu tio era maravilhoso — ela me
conta, e eu aceno.
Sei disso.
Eu vinha aqui e ficava parado com meu velho Classic 97
perto do portão. Observava a estranha família de um homem velho
e uma adolescente de rabo-de-cavalo e roupas juvenis. Também via
homens entrando de madrugada na casa, e poderia pensar que o
velho submetia Clara a esses homens diversos, não fosse o fato de
um dia eu ter ido espiar e ter visto o tio de Clara de quatro na cama,
sendo enrabado por trás.
Sigo Clara para dentro da casa. Nós entramos pela sala
enorme e eu posso ver colchões velhos em um canto. Também há
cachimbos e garrafas vazias no chão. Aparentemente o local é
acessível para usuários de drogas.
De repente, um soluço. Encaro Clara e a percebo fungar.
Uma parte de mim, uma parte que não aceito, estende a mão para
ela e a toca. Ela me encara, seus olhos profundos repletos de
lágrimas.
— Esse lugar... era tão lindo.
— Eu sinto muito.
— Não posso deixar minhas coisas aqui, pessoas podem
pegar.
Aceno. Era verdade. Não sei porque tive essa ideia idiota.
— Vou colocar no meu cofre da empresa. Fique tranquila. Eu
não devia ter trazido você aqui.
Ela dá um passo na minha direção. Surpreendentemente, seu
rosto encosta em meu peito. Ela busca conforto, ignorando meu
coração acelerado. Eu quero afastá-la porque isso é perigoso
demais, mas me vejo acolhendo-a em mim, apertando-a nos meus
braços, respirando seu cheiro, querendo mais... mais dela.
Mas, Clara logo se afasta. Ela parece assustada e foge para
outro lugar. Está indo para a cozinha, e eu apenas a deixo ir. Sinto
pena dos sentimentos que ela tem, e me recrimino pela misericórdia
que bate no meu peito.
Se eu não prestar atenção nisso... o fato de eu possui-la
sexualmente pode se transformar em algo maior que sexo.
E ela não merece amor.
Ela me desprezou quando meus sentimentos eram puros.
Quando tudo que eu queria era ser dela para sempre.
Me casar com ela. Ter filhos com ela.
Ela riu de mim.
Seus passos continuam avançando. Ela deixa a cozinha e vai
em direção aos quartos. Dessa vez eu a sigo, porque os quartos
ficam isolados no fundo do casarão e eu não quero que ela corra
riscos.
Clara entra numa sala. Posso ver que era onde ela dormia
antigamente. A tinta rosa da parede está lascada, e um roupeiro
secular está com as portas quebradas. Clara avança no quarto e
para bem no centro dele, observando um local que devia ser sua
cama.
Então ela caminha a um dos cantos. Uma caixa de madeira
está escondida atrás de pilhas de madeira, e Clara a abre. Ela tira
de lá uma boneca de pano, e me encara.
— Foi minha mãe que me deu... Está comida pelos ratos...
— Há quanto tempo você não vem aqui?
— Quando meu tio morreu, eu não queria ver a casa, então a
fechei exatamente como no dia que soube de sua morte. Eu não
sabia que os drogados a invadiram, imaginei que encontraria tudo
como no dia que a fechei. Apenas, empoeirado, mas ainda aqui.
Agora, tudo parece maculado, imperfeito, triste.
Ela volta para mim. É quase um ímã, ela quer meu conforto, e
eu não consigo evitar de dá-lo. Novamente, seus braços me
envolvem e ela afunda seu rosto na minha camisa. Ela respira
contra o tecido e eu fecho os olhos, tentando controlar o tesão que
se acumula em mim.
— Eu aceito, Ian... Por favor, seja meu dono...
É isso. Estou acabado.
11
Clara

Eu disse sim.
Agora, eu pertenço a Ian.
Eu disse sim. Não porque queria vingança, mas porque eu
queria que Ian cuidasse de mim. Eu queria que ele me protegesse
em seus braços, me tocasse, me submetesse, me amparasse. Eu
estava tão carente de tantas coisas, ver a casa só me deixou ainda
mais frágil. E ele estava ali, uma fortaleza, gentil, doce... Eu podia
ver um traço de rancor ou qualquer que seja o sentimento que ele
nutre por mim, mas também vejo o quão eu posso ser dele.
Para ele cuidar.
— Eu vou mandar uma equipe para restaurar a casa. E
colocar um serviço de segurança para deixá-la livre dos marginais.
— Ian tirou a boneca das minhas mãos. — E vou mandar restaurar
sua boneca, também. Vou cuidar de tudo.
Meus olhos ardem, enquanto observo seus lábios. Eu queria
tanto descansar nele, beijar sua boca..., mas, eu aceitei ser dele,
chamá-lo de “meu dono” e mesmos os beijos que, talvez,
trocaríamos, teria que partir dele.
— Agora vamos para casa, Clara.

✽✽✽

As mãos de Ian repousaram em minhas coxas durante todo o


trajeto. Ele não fez menção de tornar o toque mais íntimo, nem
deixou claro se iríamos transar quando chegássemos a casa,
contudo, estava disposto a deixar claro que adorou minha resposta
positiva.
Eu tento me lembrar de Ian na escola. E em como as coisas
seriam se eu tivesse dado qualquer olhar em sua direção. Talvez ele
me conquistaria mais que André. Talvez tivéssemos namorado,
casado... Ele nunca conheceria Lídia, e eu nunca teria perdido as
minhas coisas.
Ou talvez ele teria me destroçado mais que André fez. Ele
parecia ser do tipo perigoso, do tipo que passa por sua vida como
um vendaval.
— Por quanto tempo você irá me querer? — indago, ciente
de que ele não iria me desejar por muito tempo. André disse que eu
era uma droga na cama.
— Eu não sei.
— Eu serei livre algum dia, Ian?
Ele me encara rapidamente. Depois volta o olhar para a
estrada.
— Chame-me de “meu senhor”.
Minha boceta pulsa diante da frase.
— Sim, meu senhor...
— Você precisa pegar suas roupas... — ele parece pensar
melhor. — Não... Não quero que vista roupas com as quais André já
a viu. Quero que seja uma nova criatura, somente para mim. Irei
comprar roupas novas para você.
— Posso usar as de Lídia.
Eu só queria ver a sua expressão diante do meu comentário.
Eu não desejava usar as roupas da sua falecida esposa.
Para minha surpresa, ele riu alto.
— Lídia iria adorar. Pode ter certeza de que Lídia ficaria muito
feliz em vê-la usando suas calcinhas e... outras coisas..., mas, não...
Vamos comprar coisas novas.

✽✽✽

São tantas roupas que a vendedora mal consegue empilhá-


las em cima de uma mesa enorme. Estamos em uma boutique num
dos shoppings mais exclusivos do país. Eu me sinto uma criança,
enquanto Ian escolhe tudo que vou vestir, cada peça de roupa, sem
ao menos perguntar a minha opinião.
Ele me quer sensual, mas não vulgar. As saias são acima do
joelho, mas não tão altas. As blusas são em tons claros, há alguns
vestidos, camisolas, sapatos, e roupas íntimas. Essas últimas, em
especial, ele desejou que fossem de seda ou cetim. Eu posso sentir
meu rosto enrubescendo pela maneira como ele toca o tecido.
— Você vai ficar deliciosa nessas lingeries — murmura contra
meu ouvido.
Minha barriga vibra. Ele me desperta de tal jeito que eu mal
consigo pensar. Seu hálito de canela faz minha boceta babar e eu
estou louca para chamá-lo até um dos provadores e implorar que
ele me coma ali mesmo.
— Obrigada pelas roupas, meu senhor — digo a ele, fazendo
seus olhos brilharem.
Ele gostou da minha submissão, e uma satisfação interna me
corrói.
— Você gostou?
— Sim...
— Tem algo mais que gostaria?
— Eu gosto de rendas — murmuro. — Calcinhas com rendas.
Ele parece tão satisfeito. Porque, de alguma forma, ele sabe
que eu o quero. Que estou feliz porque ele está me tomando.
— Vou comprar todas de rendas que a loja tiver, Clara. Você
terá tudo que desejar nessa vida.
Estranhamente, tudo que eu desejava nessa vida não era as
coisas ou a vingança. Era ele. Teria coragem de dizer isso a esse
homem?
12
Ian

Meu corpo inteiro está tenso, e eu sei que poderia facilmente


dobrá-la em meu automóvel e fodê-la no estacionamento do
shopping. Ela me provocou quando falou sobre as rendas, criando
imagens de sua boceta sendo tocada pelo tecido em minha cabeça.
Mas, ainda não é a hora. Eu sei que, talvez por eu tê-la
salvado, sua personalidade submissa está me desejando. Mas, eu
não quero ser apenas o herói que a impediu de pular. Eu quero que
ela me ame. Me adore. Me idolatre. Então, nesse momento, eu irei
desprezá-la.
Exatamente como ela me fez.
Clara está mexendo no celular ao meu lado, enquanto eu
começo a mover o veículo para fora da estrada de asfalto.
Desprezá-la...
Não será fácil.
Deixá-la ir... Estamos a poucas horas juntos e eu já mal
consigo me imaginar longe dela.
Meus olhos resvalam para o lado. De canto, a observo rindo
para algum meme da internet. Ela não parece estar sofrendo pelo
noivo, é como se estivesse no modo automático, sem pensar.
— Você ama André?
Não sei por que indaguei. Não queria a resposta.
— Acreditei a vida toda que sim, mas... Quando acabou, eu
fiquei aliviada.
Aquela resposta me deixou em total estado de surpresa.
Realmente, parecia difícil de acreditar, e na mesma medida, parecia
o óbvio. Clara era uma princesinha, sendo criada para ser uma boa
esposa e mãe. Ela não sabia ou não queria lutar por si mesma.
Queria apenas um homem que fizesse isso por ela.
Tanto é que, quando surgi com a proposta, ela acatou porque
a vingança viria de mim, não dela.
Clara não lutava por nada.
— Por que nunca trabalhou, Clara? — indaguei, porque era
curioso que ela havia se formado e nunca atuou na sua área.
— Nunca precisei.
— Sempre precisou. Mesmo que não fosse na sua área,
devia ter assumido a empresa da sua família, assim não iria ser
roubada.
— Achei que... André faria isso.
— Pare de confiar tanto nos homens. Senão, vai sempre ser
usada.
Ela acena.
— Você, incluso?
Eu devia negar?
— Sim. Eu incluso.
13
Clara

Eu queria perguntar sobre as mudanças que poderia fazer no


quarto de Lídia, agora que ficaria nele, só Deus sabe por quanto
tempo. As fotografias da mulher que Ian amou estavam por toda a
parte, e uma parte de mim se ressentia disso.
Girei na direção de Ian, que trazia minha mala. Eu sorri para
ele, pensando que, talvez, já que ele queria meu corpo, eu devia
dormir na cama dele.
Era um pensamento tentador, mas não tenho coragem de
pedir.
Também não tenho coragem de falar sobre como me
incomoda as imagens de Lídia. De saber que esse quarto foi palco
do amor deles. Como Ian devia ser como amante? Como ele devia
transar quando amava uma mulher?
— Seu telefone está vibrando — ele comenta, apontando
para o aparelho na minha mão.
Estou envolta de uma aura sexual potente. Eu só consigo
pensar em ser desse homem, em deixá-lo me tocar, me beijar, e não
escuto o som baixo e as luzes piscando do aparelho celular. Ignoro.
Quero desligar, mas antes vejo uma mensagem de alerta:
“Onde você está?”.
Maria Flor devia estar preocupada. E eu devia ligar para ela e
contar o que estava acontecendo. Mas, eu não conseguia me
mexer. Não conseguia sair da sensação de que Ian me trazia. Era
como se ele fosse tudo que eu precisasse, mais que isso, ele me
completava totalmente ao ponto de eu não sentir qualquer
necessidade por outro ser humano.
Ian parecia meu amante. E meu melhor amigo. E meu
protetor.
Maria Flor perdeu completamente a importância no trajeto.
— Você precisa de ajuda para desfazer as malas?
Nego.
— Pode usar o roupeiro de Lídia. Coloque as roupas dela no
baú.
Suas ordens são mecânicas. Não tem qualquer coisa além
disso. Ele parece ansioso para se livrar dessa incumbência e sair.
Contudo, enquanto eu abro as malas com minhas novas roupas, Ian
permanece no quarto, observando cada movimento.
Quando pego as calcinhas, seu olhar me queima. Quero dizer
alguma coisa, mas não sei o que falar. Essa situação entre nós é tão
tensa que mal consigo andar enquanto vou guardando as peças
íntimas.
Eu mal posso esperar para usá-las. E mal posso esperar para
ele tirá-las de mim.

✽✽✽
Nós jantamos em silêncio. O telefone de Ian tocou algumas
vezes, e ele atendeu. Assunto de negócios. Claramente ele é o CEO
de alguma grande empresa, e parece muito ocupado com um
empreendimento novo.
— Vai servir — disse para alguém do outro lado da linha. —
Mascare bem, quero que pareça o negócio do século.
Depois que jantamos, fomos até a sala de estar para beber
café enquanto observávamos o crepitar da lareira acesa. Era um
ambiente acolhedor, quente e calmo. Meu corpo começou a acalmar
a tempestade que se encontrava desde o momento que nos vimos
no topo daquele prédio. Aos poucos, fui sentindo as pálpebras
pesarem.
— Diga-me, Clara... Você tem algum sonho?
— Sonho? — desperto para a curiosidade e o sono se vai.
— Sim... Nunca quis ser algo além de mãe e esposa?
Dou os ombros, não sei direito.
— Quando tudo isso acabar, o que fará da sua vida?
— Eu não sei. Talvez eu possa estudar novamente. Quem
sabe algum curso técnico em algo interessante. Eu gosto da ideia
de cozinhar — conto. — Talvez possa estudar gastronomia.
Ele pareceu pensar.
— Vou encontrar um curso para você ocupar sua mente
enquanto passamos os dias. Trabalho muito, e não a quero sem ter
nada para fazer em casa. Mente desocupada é oficina do diabo.
Eu sorrio, porque a ideia é boa. E porque pela primeira vez
começo a desenhar um início, um emprego. Talvez perder tudo foi
bom para mim. Talvez assim eu consiga objetivos e sonhos.
Quero dizer isso a Ian, mas ele verifica o relógio e estica os
braços acima da cabeça. Aparentemente, chegou a hora de dormir.
Enquanto Ian se ergue do sofá, a camisa sobe o suficiente para ver
seu estômago. A pele nua me remete novamente a ele no chuveiro.
Se masturbando.
— Ok. Vamos dormir — ele diz.
E eu quero indagar se eu irei dormir com ele nessa noite.
Porque eu quero. Estou ardendo. Quero que ele me toque, quero
sentir seus músculos contra minha boca, quero seu pau batendo em
mim.
Mas Ian apenas me acompanha até meu quarto, e depois
que eu entro, ele fecha a porta, me deixando sozinha, insatisfeita, e
quase ao ponto de implorar por ele.
Qual é a razão disso tudo, afinal de contas?
Ele exigiu meu corpo, mas não o toma.

✽✽✽

No meu apartamento eu tenho um aquecedor que uso no


banheiro, para aquecê-lo antes de eu tomar banho. É muito melhor
do que resvalar para o chuveiro em dias frios como esse, onde
meus mamilos duros doem, e não apenas por insatisfação sexual.
Me encaro no espelho. Meu cabelo está úmido, e eu tento
secá-lo com a toalha antes de procurar um secador nos armários. O
banheiro de Lídia é enorme, e muito bem planejado. Ela devia ser
uma mulher vaidosa.
Encontro camisinhas numa das gavetas. Pergunto-me se Ian
vinha muito ao seu quarto. Ele dorme em outro, e eu não sei se ele
optou por outro local após a morte da esposa, ou se eles dormiam
separados, por escolha própria.
Eu gostaria de dormir com ele. Na cama dele. Me aconchegar
nos seus braços, sentir sua força me apertando enquanto...
Meus dedos resvalam para meu centro feminino. Ele me faz
queimar, mas o frio que me toma agora, me faz tirar os dedos.
Eu só quero secar meu cabelo, me vestir e ir dormir. Estou
tentando não pensar muito, porque pensar parece perigoso, nesse
plano descabido.
Quando saio do banheiro, o encontro no quarto, me
aguardando. Eu fico tão chocada, que mal consigo respirar. Não
estava aguardando-o, não me arrumei para isso, não coloquei as
calcinhas bonitas que ele me deu, nem fiz qualquer maquiagem.
Estou usando uma camisola qualquer, confortável, e pantufas
quentes. Pareço uma figura patética em comparação a esposa linda
que ele tinha.
— Me dê alguns minutos para me preparar, meu senhor —
peço, e a frase faz seus olhos queimarem.
— Eu não vim para fodê-la, Clara. Apenas para dizer que um
dos meus secretários encontrou um local apropriado para você
estudar gastronomia.
Estou decepcionada, e ainda assim, esperançosa. Apesar do
que disse, ele parece ferver. E posso ver seu cacete despontando
no tecido do roupão.
— Me toque, meu dono...
Eu não acredito que pedi isso. Não acredito que essas
palavras saíram de minha boca. Ian permanece parado, sem se
mover, mas está numa luta interna eu não sei exatamente pelo quê.
Ele comprou minha dignidade, então que a tome agora. Que
acalme a droga dessa tempestade que causou.
— Ian...
Ele permanece parado. Meu coração bate tão forte no peito.
— Deite-se, Clara. Amanhã de manhã a levarei até o curso.
Foda-se o curso!
— Meu dono...
— Vá dormir, Clara. Não faça isso.
Não fazer o quê?
— Me foda, meu senhor.
A mandíbula dele aperta. Seus olhos brilham, desejo e raiva.
Estou disposta a enfrentar os dois.
Eu não tenho medo. Não tenho nada a perder.
14
Ian

Eu a odeio. Agora mais que nunca.


Ela é uma puta oferecida. Como ela se atreve?
Clara devia ser uma princesinha, perfeita, gentil e delicada.
Pelo que André comentou, devia ser pudica, aceitar um homem
entre suas pernas de forma vergonhosa e decente. Mas, não... ela
estava agora me encarando, altiva, como se dominasse a situação.
Ela me chamou de dono, mas era como se quem mandasse
fosse ela.
Eu quero gritar com ela. Avançar. Bater nela. Dizer para que
deixasse de ser essa vagabunda e fosse a mulher honrada que eu
desejo submeter. Como vou maculá-la, se ela já é suja?
Ao mesmo tempo, cá estou eu com o pau duro como uma
rocha, despontando contra meu robe, quase difícil segurar a ereção.
Pareço um menino, como se estivesse em minhas fantasias
adolescentes, sonhando em chupar seus seios enormes, enquanto
rasgo sua camisola e a tomo para mim.
— O que está fazendo? — pergunto, porque é a única coisa
que sou capaz de formular.
— Eu aceito ser sua. Eu disse sim. Então, acalme isso que
causou.
— Você não é assim. Por que está agindo dessa forma?
Ela parece um pouco chocada diante da minha questão.
Seus olhos se arregalam, e então ela acena em concordância, como
se indagasse a si mesma o que estava acontecendo.
Posso ver a tempestade por trás dos mares revoltos dos seus
olhos. Clara está linda, enrubescida, seus mamilos duros
provocando a camisola, e eu sei que sua boceta está implorando
por carícias. Ela quer ser tomada com desespero, mas também quer
explicações do porquê sente isso.
— Talvez seja... porque evitou que eu me matasse — ela
justifica, para si e para mim.
— Provavelmente.
— E porque eu percebi que André nunca despertou nada do
que você despertou, de um jeito louco — ela completou, me fazendo
queimar. — Quando André me olhava, eu sentia que era apenas
parte da minha vida comum. Mas, quando você me olha, eu quero
mais. Eu começo a queimar.
— Não devia ser assim. Não quero que queime.
— Por quê?
— Porque eu não gosto de você. Eu só quero te usar. Vou
pagar por isso, o preço será a destruição do seu ex-noivo. Depois
disso, estará sozinha, vai se virar. Não vou te ajudar em mais nada.
Ela não vacila em um mísero momento. Seu olhar permanece
penetrante, como se pudesse me ler mais do que sou capaz de
decifrar. Isso me angustia. Essa mulher pode me destruir, ela talvez
seja a única com esse poder. E isso me deixa em alerta.
— Veado... — ela murmura, depreciativa, e meu sangue
ferve.
Raiva. Tesão.
— Você não me conhece — eu digo.
— Eu sei o suficiente, seu bundão.
Eu avanço contra ela. Seus dedos agarram meus braços,
como se seu toque pudesse me machucar. Clara suspira, seu hálito
de hortelã invade minha mente, e seu cheiro ativa meus hormônios.
A contração ansiosa do meu pau se contorce.
De repente, ela ri.
— Eu vejo o que faço com você, Ian. Minta para si mesmo o
quanto quiser, me obrigue a chamá-lo de senhor. Mas, nós dois
sabemos quem é que manda, de verdade.
Fico assombrado com suas palavras. Por Deus, meu coração
é dela. Tem sido dela desde nossa infância, foi assim durante todos
esses anos que fui sua sombra, e agora mais que nunca, com essa
verdade escancarada, eu só quero fugir.
— O que você pensa que eu sinto... Está errada...
Seu lábio treme e é inebriante.
— Tem horas que eu acho que pulei daquele prédio. Que
estou em queda-livre, sentindo o resto de vida pulsando em minha
carne. E essa força primordial é você. Minha última chance de
respirar e de sentir que eu existo. Eu fui uma boneca nas mãos de
um ventrículo até então, mas agora me sinto... tão... tão... — ela se
aproxima mais. Seu corpo quase cola ao meu. — Eu me sinto tão
mulher... Eu estou tão molhada...
Minhas bolas se apertam, minha boca treme de vontade de
beber sua boceta. Como deve ser doce seus respingos.
Eu estou quebrando. Clara está me quebrando. Ela está
causando toda ruptura possível em minhas determinações. Estou
apenas carne, a cabeça de baixo tomando a de cima, minha alma
ansiando por ela, mais do que jamais ansiou por qualquer outra
coisa.
Minha mão ergue, toca sua face e depois desliza para a parte
de trás de seu pescoço. Puxo-a para mim, até que eu possa sentir a
suavidade dela através do meu roupão, sua respiração acariciando
minha boca.
Estamos acelerados, ambos.
— Me coma, meu senhor — ela volta a pedir.
E é o que eu quero. Devorá-la em cada pedaço, tomá-la
como se não houvesse nada no mundo que pudesse me impedir.
Consumir.
Dominar.
Perpetuar.
Minha mão esquerda desce pelas suas costas, segurando a
polpa da sua bunda. Eu a aperto, a abro e depois a puxo contra
mim. Quero sentir seu espaço contra meu pau duro, para que ela
possa saber o que está fazendo.
Ela não quer pau? Então que sinta o tamanho daquele que
ela despertou.
Clara geme. Rebola. Sua camisola sobe com o movimento, e
por um espelho lateral que Lídia colocou para poder ver suas
amantes enquanto colava o velcro, eu posso ver Clara moendo,
apertando, roçando no cume em um vai e vem desesperado.
E então, do nada, vem a imagem do riso debochado de Clara
quinze anos antes. A forma como ela riu de mim, me fazendo de
idiota na frente dos seus amigos fúteis. A maneira como ela me fez
sentir, como se ela soubesse o quanto eu era manipulável, o quanto
eu faria tudo que ela desejasse, no momento que ela desejasse.
Me afasto, enquanto ela se contorce. Seu rosto está corado,
e ela quer avançar, mas eu a impeço.
— Não é sobre quanto você quer dar. É sobre quanto eu a
quero comer — digo, e me afasto. — Se realmente está tão
desesperada, implore.
— Eu já implorei.
— Se ajoelhe — digo, e então ela parece em choque.
É mais do que pode suportar.
— Entenda uma coisa, Clara. Você não é tão especial quanto
pensa. Não foi à toa que seu noivo lhe enganou. Há mulheres
melhores por aí. Eu mesmo quero buscar por uma quando tudo isso
acabar.
E então saio do quarto. Vitorioso e insatisfeito como nunca.
15
Clara

Minhas pernas perdem a sustentação assim que Ian sai do quarto.


Eu resvalo ao chão, mal acreditando no que acabou de acontecer.
O que diabos acabou de acontecer?
Lágrimas caem pelo meu rosto, encharcando-a. É vergonha,
indignação. E, ao mesmo tempo, é culpa. Eu me sinto tão culpada
por ser mulher e por sentir desejo. Nunca aconteceu com André,
com ele eu apenas seguia o fluxo quando ele queria. Nunca pedi.
Não era coisa de mulher decente.
Mas, cá estou eu. Sentada no chão do quarto de uma mulher
morta, tendo acabado de implorar para que um homem me foda.
Um soluço desponta dos meus lábios. Eu olho em volta,
querendo meu celular, querendo ligar para Maria Flor e pedir que ela
me dê algum conselho. Minha amiga sempre foi uma pessoa aberta
a relações sexuais, e eu sei que ela transa com os caras no primeiro
encontro, coisa que jamais passaria pela minha cabeça.
Até agora.
Estou queimando. O choro me toma, na mesma medida que
o tesão permanece. Estou tão excitada e tão humilhada... Pela
primeira vez na minha vida me permito ser livre e expressar meus
desejos, e escuto aquilo...
Subitamente, contudo, me recordo do seu olhar. Eu sei o que
desperto dele. Eu sei o que vi quando ele me salvou, lembro-me da
forma como seus olhos brilharam para mim na casa do meu tio...
Em como ele tentou não demonstrar o quanto era protetor com
palavras duras, mas agindo de forma diferente...
E o quanto estava excitado agora.
Ele me quer. Muito. Admitir é algo diferente, mas eu sei que
Ian me deseja. Eu senti seu pau contra minha barriga, duro,
grande... Ah, meus olhos se fecham quando me recordo em como
ele se tocou no chuveiro.
Ergo a face. Minha porta ainda está aberta, e há luz no
corredor. Alguns passos, e eu estarei no quarto dele. Ele já me
rejeitou antes, eu devia arriscar mais uma vez?
Me levanto. Por que não? Já vendi minha dignidade mesmo...
Chego até o corredor e escuto o som do seu chuveiro. Banho
frio, posso jurar. Ele realmente acredita que vai acalmar o calor que
eu desperto com água gelada e punheta?
Minhas coxas se abram por instinto. Me aproximo de sua
porta, tocando a madeira com uma das mãos enquanto com a outra,
deslizo pelos meus grandes lábios, esfregando meu clitóris para
cima e para baixo, me contorcendo enquanto imagino que o toque
na porta é o toque em sua pele.
Imagens de Ian esfregando seu caralho me tomam e minha
boca se enche de saliva. Eu quero provar sua porra, deslizar seu
cacete na minha garganta, beber seu leite. Eu quero tanto Ian que
tudo dói no meu corpo.
Meus dedos aceleram em torno do meu clitóris, meu corpo
ondula e um gemido escapa no mesmo instante que a água cessa
de cair. Eu sei que devo sair dali, mas não quero. Então, permaneço
estática, gemendo, enquanto a porta abre e Ian surge, nu, caralho
firme e duro, me observando masturbando-me.
Ian não se mexe enquanto eu continuo. Seu pau está
completamente duro e eu me pergunto como ele não está se
tocando, quando tudo em mim é mãos esfregando-me com ardor.
Por fim, eu grito o nome dele. O clímax me atinge e eu gozo
resvalando no chão da sua porta, meu rosto enrubescido de tensão
e tesão, desespero, vergonha, arrependimento e paixão.
— Terminou? — ele indaga, quando minha respiração
acalma.
Aceno.
— Consegue ir para o seu quarto?
Eu não sei. Não tenho forças para me mexer. Então apenas
nego, lágrimas se formando enquanto imagino que Ian vai me deixar
ali, sentada no chão à sua porta, completamente entregue a paixão
que ele despertou, mas que não é capaz de me saciar.
Contudo, logo ele me ergue em seus braços. É tão acolhedor
que só quero que ele permaneça comigo, me dê seu conforto, esteja
ao meu lado cada segundo até o fim dos nossos dias.
Mas, isso é loucura e tudo que Ian pode me dar é sua
momentânea piedade.
Ele me leva até meu quarto, me coloca na cama. Eu penso
se ele vai dar as costas e ir para seu próprio quarto, quando o
percebo se deitando ao meu lado. Seu cacete duro, com sua cabeça
vermelha e gorda, está úmido e uma ponta perolada surge no topo.
Eu quero lambê-la, mas estou destruída.
Então, tudo que faço é abrir minhas pernas enquanto ele
segura seu caralho entre minhas coxas e começa a puxá-lo mais e
mais, numa punheta enérgica contra minha xana.
Nossos olhares se cruzam. Ian se masturba me encarando, e
eu permaneço firme, até ouvi-lo gemer mais e mais alto, molhando
minhas coxas e meus pelos, fazendo com que seu calor me derreta
em pedaços.
Eu mal posso respirar.
Isso tudo é íntimo demais. Nós acabamos de observarmos
um ao outro nos masturbando e eu sequer estou com vergonha.
Então, Ian respira pesado, fatigado. Minhas mãos queimam
de vontade de tocar seus cabelos negros, um contraste tão bonito
com o linho branco da fronha. Mas, tudo que faço é me inclinar um
pouco e beijar seu pescoço, como num carinho mudo de boa noite.
— Boa noite, meu senhor — digo, antes dos olhos pesarem
tanto que não sou capaz de fazer mais nada.

✽✽✽

Na manhã seguinte eu desço as escadas da mansão de Ian


um tanto temerosa, sem saber exatamente como me sentir depois
do que aconteceu.
Podia tudo ter sido um sonho, não fosse o fato de que havia
porra seca no meu corpo, e uma ponta de insatisfação na minha
boceta.
Meu olhar cruza com o dele. Ian está vestido com um terno
escuro, seu cabelo um pouco úmido, e sua barba não foi feita essa
manhã. Ele está impecável, e ainda assim, parece cansado.
— Está com fome? — questionou. — Posso levá-la para
tomar café da manhã em alguma padaria.
Eu nego.
— Como eu disse ontem, meu secretário encontrou um curso
para você. Gostaria que fosse conhecer a estrutura hoje.
Não sei o que dizer.
— Então eu vou levá-la e buscá-la. Você não deve pegar
carona com ninguém, nem ligar para ninguém durante o tempo que
eu estiver trabalhando. Sua prioridade agora sou eu.
Concordo. É o que mais quero.
— Nós jantaremos juntos todas as noites.
— Certo.
— E nos falaremos sempre durante o almoço.
— Ok.
— Hum, e a noite, você só deve me procurar, se isso for do
meu desejo.
É tão humilhante. Eu enrubesço, na mesma medida que eu
sei que é do desejo dele. Esse cretino pode negar o quanto quiser,
mas ele gosta de mim.
— Seu desejo expresso com palavras ou seu pau duro já
serve? — devolvo apenas para vê-lo engasgar enquanto me encara
com olhar assombrado.
— Você mudou — ele disse.
— Perder tudo e me tornar sua propriedade causou isso.
Um sorriso safado então surge em seus lábios. Minha boceta
vibra com aquele sorriso.
— Seja uma boa menina, Clara. Uma boa mulher. Prudente.
Gentil. E talvez tenha minha piedade. Quando tudo isso acabar,
posso ser bondoso com você.
— Não quero sua bondade. Não preciso dela. Quando tudo
isso acabar, quero André agonizando na miséria, quero estar
satisfeita sexualmente, e quero recomeçar com meus próprios
esforços. Nunca mais vou depender de um homem para nada,
especialmente emocionalmente.
16
Ian

Ela me surpreende. A cada segundo. O que aconteceu com a


garota temerosa e infantil? Agora, ela estava eclodindo em uma
mulher que eu não conhecia. E que me dava medo.
Porque... eu não vou gostar dela. Nunca.
Eu sei quem ela é. Eu sei como Clara me desprezou, riu de
mim. O fato de meu coração bater tão forte em sua presença não
pode e não deve significar nada.
Eu sempre me senti um fantasma em sua vida. E quero
manter esse posto. É seguro. O fato de eu gozar em suas coxas e
sentir tanto prazer com ela não pode alçar minha alma.
Ela é só mais uma... eu já tive tantas.
Com o canto dos olhos a observo. Ela está sentada ao meu
lado no automóvel, parece tranquila em sua ida para a escola de
gastronomia.
Não sei por que quero que ela tenha uma profissão. Quero
que ela tenha um futuro. Quero que ela tenha sua independência.
Eu devia pouco me importar.
Paro em frente à escola. Eu planejei descer com ela e
observar o ambiente. Saber se era agradável. Mas, isso seria...
ridículo.
— Hoje será sua primeira aula. Eu já fiz sua inscrição. Terá
aulas com uma professora própria, não em turma.
— Por que não em turma?
— Porque não sabe sequer fritar um ovo e não quero que
atrase as outras pessoas — despejei e o olhar dela queimou. — Eu
ligo ao meio-dia, fique com o celular à postos.
— E se eu não atender?
— Esqueceu das regras? Eu sou seu dono, sou eu que
mando. Você vai atender, ou o acordo está quebrado!
Seu olhar queima. Eu a observo sair, sua bolsa no ombro,
seu corpo altivo em um casaco novo. Quando ela está nas escadas,
eu ouço seu telefone tocar. Clara observa o visor e atende. Escuto o
nome de Maria Flor.
Eu devia contar a verdade para Clara? Mas, não sei se devo.
Talvez eu possa usar aquela puta a meu favor.
17
Clara

— Eu não consigo falar com você. Não está me atendendo! Diga-


me onde está agora, e eu irei até você!
— Maria Flor... — Murmuro.
— Droga, Clara! Eu sou sua amiga! Estou preocupada! Você
nunca me ignorou antes. Está acontecendo alguma coisa. Esse cara
que estava com você no apartamento...
Eu não quero falar de Ian para ela. É como se ele fosse a
chave da minha liberdade. E isso é íntimo demais até para minha
melhor amiga.
Ergo o olhar. Percebo a recepcionista da escola de culinária
me encarando.
— Amiga, preciso desligar. Tenho aula agora.
— Aula? De quê? Já é formada.
— Formada em algo que nunca quis. Algo que não tenho
aptidão. Estou reconstruindo minha vida depois de André.
Ela pareceu suspirar.
— Sei que está magoada, mas ainda te restou seu
apartamento, não é? Não deu aquele prédio lindo para André. Você
está com os documentos?
— Sim, num local seguro.
— Que local?
Eu não quero responder. Talvez ela percebeu porque em
seguida faz outra pergunta:
— Amiga, onde você está passando as noites? Fui até seu
apartamento...
— Estou ficando com Ian.
— Onde?
Não respondo.
— Maria Flor, desculpe, mas preciso ir...
— Clara! Não desliguei! Estou preocupada, amiga! Quem é
esse Ian? Qual o sobrenome dele? Você está ficando com esse
cara? Ele pode ser um estuprador!
Eu quase ri. Se ela soubesse os esforços que eu fiz para que
ele me levasse para a cama, não diria isso.
— Não precisa se preocupar, estou bem.
Então desligo o celular. Me sinto livre com o ato.
18
Ian

— Senhor Pozo — minha secretária Jocélia me cumprimentou


naquela manhã agradável.
Eu a encaro, percebendo que seu sorriso habitual parece
mais empolgado.
— Jocélia. O que aconteceu?
— Ah, Henrique ganhou o prêmio — disse, me fazendo sorrir
com a mesma felicidade que transparecia nela. — Obrigada, Senhor
Pozo.
— Não deve me agradecer. Seu filho mereceu porque se
esforçou.
Henrique, o filho de Jocélia, era um garoto incrivelmente
inteligente, que ganhou uma bolsa de estudos para estudar fora do
país. Contudo, ele precisava de dinheiro para as passagens e para
se virar nos primeiros meses. Eu dei isso a ele. E não devia receber
gratidão, já que o dinheiro era de Lídia.
Fiz isso por Lídia. Ela com certeza teria tido a mesma atitude
com sua secretária. Lídia tinha um coração enorme.
— Senhor Pozo, Pedro Lopes está em sua sala. Ele chegou
cedo essa manhã, deixei que entrasse e lhe servi um café.
— Certo, muito obrigado, Jocélia.
Quando abri a porta, minha primeira visão foi o enorme
quadro com o retrato de Lídia. Ele ficava acima da minha mesa
presidencial, acima também da janela que mostrava a cidade ao
fundo. Era uma visão magnífica, Lídia a adorava. Eu mantive o
escritório como ela deixou, porque sabia que ela iria querer daquele
jeito.
As vezes pensava em como tudo ficaria quando eu também
me fosse. Quem iria herdar tudo isso? Tanto eu quanto Lídia não
queríamos deixar para parentes desprezíveis, e não tive filhos,
assim como ela, para que alguém seguisse esse legado.
Mas, diferente dela, eu ainda tinha uma chance. Uma criança,
talvez quando eu fosse mais velho. Eu podia conseguir uma esposa,
ou uma barriga de aluguel. Não era um pensamento agradável, já
que nunca me imaginei pai. Ainda assim, eu não estava ficando
mais jovem a cada ano que se passava, e um dia teria que arcar
com as consequências de minha vida desgarrada.
— Bom dia, Pedro — cumprimentei meu secretário pessoal,
que cuidava externamente de muitos dos assuntos da empresa.
— Senhor Pozo. Trago boas notícias. Conseguimos encaixar
a “Reap” num sistema de gerenciamento de investimentos com uma
renda fixa de 15% ao mês. Os acionistas estão loucos, mas
estamos cuidando para que poucas pessoas possam conseguir
comprar “Reap’s”. O lema usado está sendo: “um negócio para
poucos” e o maior acionista é o senhor.
Meu sorriso se alarga. Eu gosto dessa notícia.
— Conversou com os chineses que eu lhe indiquei?
— Sim. Oferecemos um percentual pequeno, apenas para
que eles possam “sentir o gosto”. Claro, eles logo espalharão a
informação para outros. Um negócio assim não fica em segredo por
muito tempo.
— Ótimo. E a reforma da casa que lhe falei? Já conseguiu
uma equipe?
— Sim, senhor. Mas, antes precisamos do aval da prefeitura
por se tratar de um local histórico.
— Ótimo. Está fazendo um bom trabalho, Pedro.
Ele logo se vai, me deixando sabendo que meus planos estão
seguindo um bom caminho.
19
Clara

Quando eu morava com tio Luiz, todas as sextas à noite nós


costumávamos fazer o jantar juntos. Era sempre algum prato típico
da minha falecida avó, envolvendo massas e molhos. E era um
momento incrível da minha adolescência, que me trazia lembranças
adoráveis.
Talvez por isso eu adorei a sensação de estar novamente
numa cozinha, sendo ensinada o básico sobre temperos e
temperatura do cozimento, coisa que qualquer pessoa já devia
saber, mas que eu desconhecia por não entrar numa cozinha a
anos.
A professora era muito gentil. Ela me ensinou com tanta
calma e paciência que me senti bem e feliz pela primeira vez depois
de muito tempo.
Ian me ligou quando eu estava no refeitório, almoçando. Foi
bom ouvir sua voz, e seus questionamentos de como havia sido a
manhã. Ele me causava esse aquecimento, esse conforto, de que
eu não estava sozinha e de que ele sempre estaria ali para me
ouvir.
O que era uma mentira, claro. Ele estava preparado para me
deixar assim que seu plano se findasse... e assim que me tivesse.
O resto do dia passou calmamente. Eu realmente sentia que
teria uma nova vida, e uma nova oportunidade depois disso. Quem
sabe eu não poderia trabalhar em um restaurante? Quem sabe eu
não poderia ter um restaurante? Eu poderia vender meu
apartamento, me mudar para um mais simples, e investir o restante
do dinheiro em um negócio próprio.
Sorri.
Ian estava me dando realmente uma nova chance.

✽✽✽

As dezessete horas Ian estacionou defronte ao prédio e


baixou o vidro do automóvel, para que eu visse seu rosto. Não que
eu não fosse reconhecer seu carro. Não é todo dia que se vê um
Rolls-Royce preto cruzando as ruas da cidade.
Um carro exclusivo para um homem exclusivo.
— Como foi seu dia? — indaguei ao entrar no veículo,
apenas por cortesia.
— Foi incrível — ele sorriu.
Parecia animado, e eu não entendia por quais motivos. A vida
como CEO devia ser realmente muito emocionante, pelo sorriso que
ele me deu nesse instante.
O homem pouco sorria, mas agora eu era capaz de ver todos
os seus dentes.
— Fico feliz por você — disse.
Por cortesia, mais uma vez.
— Sabe, Ian... eu estava pensando... Sobre você.
As sobrancelhas dele se unem, inquisitivas.
— Sobre mim? Não há nada de interessante sobre mim,
Clara.
— Ao contrário, acho que tem muita coisa sobre você que
deve ser do meu interesse. Começando por Lídia.
— Lídia? — a voz dele era de saudade.
Isso me cortou aos pedaços. Eu podia ver o amor
transbordando nele, e a odiei demais nesse momento.
— O que tem Lídia? Ela está morta.
— Você colocou outra mulher para dormir no quarto de sua
esposa. Aliás, quero entender isso: por que sua esposa tinha um
quarto separado?
— Eu ronco — ele riu. — E solto gases dormindo —
completou, um riso infantil e debochado.
— Mentira. Não ouvi nada quando dormiu comigo noite
passada.
O olhar dele brilhou. Ian entrou numa avenida movimentada e
logo parou no semáforo.
— Por que sua mulher tinha um quarto separado, Ian?
— Porque sim. Isso é da intimidade de cada casal.
Eu gostaria de nunca ter perguntado. Eu gostaria de nunca
saber da cumplicidade deles e de como a relação deles parecia
inabalável mesmo com o fato de dormirem separados.
— Isso não responde nada — murmurei.
O automóvel voltou a andar. Logo estávamos na rodovia que
levava a casa dele. O silêncio parecia me cortar aos pedaços.
— Você quer realmente saber?
Estava sério. Muito sério. Entramos na estrada de terra e
logo chegávamos aos portões do casarão. Olhei a estrutura enorme
que se elevava ao fundo, indagando se realmente queria saber.
— Você a amava?
— Muito.
— E ela te amava?
— Evidente.
Ian passa pelos portões e nos leva até a garagem. Pego
minha bolsa no banco de trás, e saio apressada do carro.
Ouvir da sua boca sobre amar outra mulher... É muito difícil.
Eu quero me agarrar nele e fazê-lo desmentir, mas não é justo. Lídia
foi a esposa dele, o que eu estava pensando?
Eu o encontrei a poucos dias. Mas, ele já mudou tudo. Eu já
não consigo imaginar como será minha vida quando me for. Como
será viver sem sentir sua presença?
Eu entro na enorme sala, e estou pronta para fugir para o
quarto, mas Ian surge atrás de mim e aponta a cozinha.
— Está frio. Vamos tomar um chá.
Eu o sigo. Entro na cozinha, e me sento à mesa, enquanto
ele vai ferver a água e buscar o pacote metálico com a cidreira.
— Minha relação com Lídia não era tradicional — ele explica,
quando a água esquenta. Logo coloca uma xícara fumegante diante
de mim. — Lídia tinha seu quarto próprio porque era lá que se
encontrava com... outras pessoas.
Eu perco o ar.
Não tradicional? Era imundo!
— Você deixava outros homens virem a sua casa dormir com
sua esposa? — questiono, porque estou enojada com o ato.
E decepcionada. Ele parece um homem tão firme, tão altivo,
tão imponente. E não passa de um corno, banana...
Mas, Ian ri e interrompe meus pensamentos.
— Lídia tinha sua própria vida. Mas, você não tem esse
poder. Você é minha, não terá olhos para mais ninguém enquanto
estiver comigo. Nem amigos.
Uma lembrança surge na minha mente.
— Preciso ver Maria Flor. Ela está preocupada comigo.
— Esqueça. Essa sua amiga é uma cadela. Não a quero
perto dela.
— Mas...
— Eu disse não — ele é firme.
— Por que não foi tão enérgico assim com sua esposa? Ah,
era porque o dinheiro era dela? Você era apenas um golpista?
Ele riu novamente. Era como se a minha opinião não
importasse.
— Como eu disse, jamais entenderia. O amor verdadeiro é
mais amplo que isso.
— Amor verdadeiro?
— Parece que te incomoda o fato de minha falecida esposa
ter amantes.
— Como não incomoda você? Que tipo de homem você é?
— Sou seu dono. Por sua própria escolha. E isso é tudo que
precisa saber.
Ele bebe um pouco de chá, mas seus olhos ainda estão em
mim.
— Não basta para mim — digo.
— O que você quer, então?
Você. Um macho alfa, que vai cuidar de mim. Um ser
poderoso, que vai me proteger de tudo. Não um corno idiota.
— Eu não sei o que quero.
Quero o fogo. Quero o que você desperta com sua força.
Quero paixão. Quero enlouquecer de prazer e desejo.
Ele estende a mão, seus dedos afastando uma mecha do
meu cabelo do meu rosto. Eu o encaro, seu ato parece tão gentil.
— Eu sou o homem que vai se vingar por você, Clara. É tudo
que precisa saber.
Eu concordo.
— Em troca do meu corpo.
— Em troca do que eu quiser fazer com seu corpo.
Tenho arrepios deliciosos cruzando minha espinha. Fecho os
joelhos com força.
— Serei sua propriedade, Ian.
— Bom...
— Me explique sobre Lídia — pedi. — É importante para
mim.
Porque eu desejo o homem que é grande e poderoso. É esse
homem que faz minha boceta estremecer. Estou cansada de
homens como André. De idiotas. De fracos.
— Lídia era... minha melhor amiga.
— Ela traiu você — perseverei.
— Lídia nunca me traiu.
Meus olhos estão focados. Eu quero entender.
— Eu conheci Lídia quando comecei a trabalhar para ela. Ela
era minha chefe, e se tornou minha melhor amiga em pouco tempo.
Ela era linda, como você pode ver nas fotos, mas era gay assumida,
e isso causava furor em sua família. Quando Lídia descobriu que
estava morrendo, ela me propôs casamento porque não queria que
o dinheiro que lutou para ter fosse para parentes que sempre foram
preconceituosos com ela. Bem da verdade, Lídia nunca trouxe uma
amante depois que nos casamos, porque ela estava com câncer
terminal, e seus últimos dias foram de agonia.
Meus olhos se arregalam diante da história. Eu posso
perceber o quanto essa história ainda o machucava.
— Eu sinto muito.
— Eu assumi o lugar de Lídia depois disso. Sua casa... seus
bens. A família até entrou na justiça para me tomar tudo, mas meu
casamento com Lídia foi confirmado, inclusive por um juiz de paz. E
havia testemunhas de que nosso casamento foi por amor, porque
nós realmente nos amávamos. Éramos confidentes, amigos...
Sinto a dor dele. Eu vejo isso em seus olhos, na curva de
seus ombros, na tensão em sua voz.
— Você acha que ela iria gostar de mim?
Ele riu.
— Ela iria adorar te ver na cama dela. Você era exatamente o
tipo de Lídia — ele brincou.
Meus lábios se abrem num sorriso. Pela primeira vez sinto
carinho pelo falecida esposa de Ian, o ciúme morrendo rapidamente.
— Talvez o fantasma dela vá no quarto me foder — digo,
enquanto me levanto e vou me afastando. — Já que você não faz —
provoco, e então saio rindo da cozinha, indiferente ao olhar chocado
de Ian.
20
Ian

Eu jamais falei sobre essa verdade, a verdade de Lídia, com


qualquer outra pessoa. Eu esperava que Clara agisse com horror ou
nojo, mas ela pareceu estranhamente curiosa e respeitosa à
situação. Até sua frase final, claro.
Eu seguro o riso, enquanto a figura dela desaparece em
direção ao corredor.
Não devia me surpreender, o tio de Clara era gay. E era um
homem bom, gentil e muito responsável. Um exemplo de homem.
Lembro-me de, na época, ele tentar terminar com o namoro da
sobrinha porque não confiava em André, mas Clara era tola demais
para perceber as nuances da falsidade de André.
Bem... essa faceta parecia ter ficado no passado, já que
agora Clara estava mais atrevida que nunca.
No jantar, eu preparo frango assado. Faço isso
principalmente porque o forno esquenta a cozinha e alivia um pouco
o frio de cortar os ossos que está fazendo nos últimos dias.
— Estou com fome — Clara diz, entrando na cozinha horas
depois. — Meu dono, me alimente.
Ela está fazendo de propósito. Essa provocação, esse
queimor... ela quer me reduzir a cinzas.
— Preparei batatas cozinhas, também. E iria lavar a alface
para fazer uma salada...
— Eu posso fazer isso, se me permitir, meu dono.
Hesito por um momento. Ela está dominando a cozinha, e
está prestes a me comandar. Se eu não tomar cuidado, meu tiro
sairá pela culatra e será Clara que me terá quando quer.
— Como sabia onde eu estava, Ian? Como sabia que eu iria
pular daquele prédio, naquele dia?
A pergunta adversa me deixou confuso. Eu não a esperava.
— Eu estava de olho em você.
— Por quê?
— Porque você me desprezou na escola. E eu queria vê-la se
foder.
Seus olhos parecem brilhar.
— Mas, não permitiu.
— Não. Não permiti.
— Por quê?
Balanço minha cabeça.
— Eu não sei.
— Talvez goste de mim.
— Com certeza não é essa a resposta.
— Não esteja tão certo.
Ela cruzou a cozinha e ficou perto de mim. Posso sentir o
cheiro do seu shampoo inundando minha mente e meu pau se
contorce.
— Está sendo imprudente, Clara. Não me conhece.
— Sei o que desperto. Eu vi como gozou nas minhas coxas.
Eu fico zonzo de tesão. Eu quero espremê-la contra a mesa
agora, e meter nela até acalmar essa lava ardente que cruza pelas
minhas veias.
— Para seu próprio bem, é melhor se afastar. — Quando ela
não parece disposta a isso, me volto para o acordo. — É uma
ordem.
Só então Clara retrocede. Ainda mantêm seu sorriso no rosto,
todavia.
Ah, estou tão perdido.
21
Clara

Mesmo que eu o chame de dono, preciso manter claro que não


estou tão entregue. Ainda tenho algum poder. Ian é poderoso, mas
há algo em mim que o destrói.
Somos dois anti-heróis numa história suja.
Ian assou frango. Ele parece preferir carne branca. Frango e
peixe. Ele sempre complementa com alguma coisa a mais. Nessa
noite, são batatas cozidas temperadas com orégano. Ian cozinha
bem, mais do que jamais vi antes, mesmo nos melhores
restaurantes.
Ele é tão perfeito. Não só bonito, como bom dono de casa.
Meu pensamento volta para Lídia. Uma parte de mim fica feliz
porque os últimos dias dela foram ao lado do melhor amigo. Ter
alguém para você é algo muito importante. Meu coração volve para
Maria Flor.
Eu não estava sozinha, eu tinha Maria Flor.
Lembrei-me que ela estava preocupada com os papeis. Por
quê? Será que André andava atrás dos documentos da casa? Sem
minha assinatura ele não poderia fazer qualquer transferência.
Mordo um pedaço de carne.
Será que ele tinha minha assinatura? Ele tinha procurações,
precisaria de algo a mais?
— Está quieta — Ian comenta.
— Pensando na vida — digo, indiferente. — Estou com um
pouco de saudades de Maria Flor.
O olhar de Ian queima.
— Por quê?
— Você também teve uma melhor amiga. Achei que
entenderia. Ela é como se fosse minha irmã.
— Nunca, jamais, compare Lídia a Maria Flor.
O tom dele é tão carregado que me vejo assentindo.
— Certo, não precisa se exaltar.
Ian suspira profundamente, como se tentasse recuperar sua
habitual frieza.
— Maria Flor não tem lugar na sua vida comigo, estamos
claro?
— Sim. Na minha nova vida, só existe você.
Os olhos dele brilham. Ele sabe que é uma provocação, e
parece gostar.
— Como se sente?
— Como se fosse um sonho.
— Pesadelo?
— Não. Sonho mesmo.
Ele ri, e voltamos ao jantar. Comemos em silêncio. Lá fora o
vento uivava, parecia que seria uma noite mais fria que a habitual,
naquele longo inverno.
✽✽✽

Depois do jantar, nós nos sentamos diante da lareira para


beber café. Na televisão ao fundo, era possível ver uma reportagem
simples sobre crianças na escola e em como os computadores
estavam substituindo os cadernos, lápis e canetas.
— Eu gostava da sua caligrafia — ele comenta, me
surpreendendo.
— Mesmo?
— Ela toda perfeitinha, com corações substituindo os pingos
nos “is”.
Ele se lembrava disso?
— Você me amava? — pergunto, porque realmente me
interessa.
— Talvez. Mas, não era o cara para você. Eu era meio
antissocial e você era a princesinha da escola.
— Hum, daria um bom livro juvenil.
Ian gargalha diante da ideia.
— Um bom filme adolescente, com certeza.
— E o que sente hoje?
Eu seguro a respiração aguardando a resposta. Eu espero
que ele confirme ou negue, mas o que diz deixa meus pés em
suspenso. É como se eu estivesse flutuando aqui.
— Não sei.
Novamente, o silêncio. Novamente, o som do vento uivando o
inverno. Novamente a sensação de que tudo isso é mais mentira do
que a que vivi com André.
— Você me excita — digo, quebrando suas defesas.
— Porque eu salvei você da morte.
— Pode ser — confirmo. — Mas, tem algo a mais. Você me
derruba. Você me faz esquecer meus conceitos de mulher. Com
você, eu só quero ser sua.
Silêncio. Ian me analisa com seus olhos vidrados.
— Clara... — ele começa, mas o interrompo.
— Eu adorei ver você no banheiro. E adorei tê-lo ontem na
minha cama, gozando na minha coxa. Eu só consigo pensar no
quanto eu o quero dentro de mim.
Seus olhos ficam ferozes. Ele é como um tigre espreitando a
presa. Sua mandíbula está dura. Posso senti-lo pensando, oscilando
nas dúvidas que o tomam.
Ele quer, é claro.
Mas, não quer que seja eu a decidir isso.
Talvez se eu não estivesse pronta. Talvez se eu não o
desejasse. Assim, ele se permitiria; mas saber que eu também o
desejo, isso o faz vacilar.
Então ele se levanta da poltrona e caminha até a escada.
Para. Trava. Seu queixo treme levemente, e ele parece num conflito
gigantesco. Eu quero rir dessa situação, rir do poder que tenho
sobre ele, mas meus pensamentos morrem quando ele diz:
— Eu te espero no quarto de Lídia.

✽✽✽

Minha boceta lateja diante do pensamento. Eu o observo


subindo as escadas, e então me sinto seguindo-o como um cão
velho a seu tutor. Se bem que nada do que penso é animalesco.
Eu o quero. Eu o desejo. Não sei sobre o que a Clara da
adolescência estava pensando, mas a Clara adulta mal pode
esperar para ter esse presunçoso.
Eu gosto de tudo nele. Gosto de como o olhar dele é tão
escuro, e de como ele sempre parece ter algo em mente quando me
observa.
Com ele, me sinto mulher. Me sinto tão feminina. Labaredas
de fogo dançam sobre minha pele, e mesmo as coisas que antes
me davam insegurança, como meus peitos grandes ou minha
cintura um pouco quadrada, agora me faz sentir gostosa.
Entramos no quarto. Ele fica parado do lado da porta, ainda
em conflito, enquanto eu ando até a cama. Sento-me.
— Você não vem? — provoco.
— Eu gosto de olhar para você — ele assume, e faz meu
coração disparar.
Ele sabe tudo sobre mim. Sinal de que ele me olha a muito
tempo. Ele é como um fantasma, uma sombra, vendo minha vida
passar e não se envolvendo com ela. Mas, agora isso não basta
mais.
— Por quê?
— Você não sabe, mas é linda.
Perco o ar. Porque é sincero. A vida inteira eu acreditei que
os elogios das pessoas eram mascarados de alguma coisa. As
moças das lojas que eu frequentava queriam a comissão das
vendas, assim como os cabelereiros. Até mesmo André sempre
parecia me elogiar com outro pensamento. A única que dizia a
verdade era Maria Flor, talvez por isso eu gostasse tanto dela.
“Você é bonitinha, mas não tem aquela coisa que deixa as
pessoas loucas”, ela dizia. “Precisa melhorar essa sua
personalidade”.
Mas, aqui, nesse quarto, eu sou linda.
Linda para Ian.
Então ele se move. São passos vagarosos, como se ele
quisesse me acostumar a sua presença. Posso sentir o cheiro dele,
amadeirado, inundando meus sentidos. E então sua mão toca meu
rosto, seus dedos traçam minha mandíbula e então tocam meus
lábios.
Ele os acaricia, como se estudasse a cor e o formato. Minha
respiração acelera, e eu sinto minha boca abrir, e meus lábios
chupando seu dedo indicador.
E então ele coloca um dos joelhos na cama, seu corpo
elevado acima do meu, sua camisa saindo e seu tórax a altura dos
meus olhos. Posso ver o gominho da sua barriga, e os pelos ralos
de seu peito.
Minha boca saliva, e então vou de encontro a sua pele.
Eu o beijo. No peito, desço para a barriga, minha língua
traçando o caminho perigoso de sua masculinidade.
O calor de Ian me deixa zonza. Posso senti-lo puxando minha
camiseta para cima, revelando meu sutiã de seda cor-de-rosa. Sinto
seus dedos amassando meus peitos, sinto sua respiração correndo
acelerada pela minha face.
— Tão linda — ele diz e eu incendeio.
Estou queimando num ritmo cada vez mais perigoso. Fracos
gemidos rompem minha garganta quando seus lábios pressionam
minha boca, num beijo que me traz arrepios maravilhosos. Envolvo
meus braços em seu pescoço e me abro mais.
Seu beijo potente molha minha boca, me arrasta para um
turbilhão de sentimentos que jamais experimentei. Lábios macios e
quentes, tão gentis que nem parecem ser de Ian.
Sua língua empurra dentro da minha boca. Eu posso ouvir o
som baixo que ele murmura, algo como uma recriminação a si
mesmo por ser tão doce.
Eu não esperava isso. Não de Ian. Doçura não parece
combinar com ele. Eu esperava que ele me jogasse na cama e
metesse sem preliminares. Mas, Ian parece tão gentil que dói.
... E me faz amá-lo.
Minha língua se contorce contra a dele. Os pequenos ruídos
que exalo entram no mesmo ritmo dele e posso sentir como esse
beijo foi esperado por ele, talvez mais do que eu jamais pensei.
Talvez... ele me ame... talvez... Quem sabe... Só um pouco...
É ridículo pensar nisso. Contudo, ele me abraça tão forte
agora, me empurrando contra a cama, deitando-se em cima de mim,
sua boca pressionando tão forte... É como se Ian quisesse dizer em
gestos o que ele jamais diria com palavras.
O beijo interrompe. Abro meus olhos, e o vejo me encarando.
Seus lábios estão inchados e um pouco machucados, acho que eu o
mordi. Não posso conter o sorriso em meu rosto.
Ele corre os dedos pelo meu cabelo. É um carinho tão doce
que me faz tremer.
— Você é uma bruxa, Clara — ele diz enquanto seus dedos
agarram meus cabelos em punho, com força, inclinando minha
cabeça para trás. Eu gemo de prazer, enquanto a boca dele lambe
minha garganta. — Uma coisinha tão má, Clara — Ian afirma. —
Mas, minha, não é? Minha Clara.
— Sua — confirmo. — Sua, sempre.
Ele solta meu cabelo, seus dedos correndo pela lateral do
meu corpo. Meus seios doem e imploram por cuidados, e Ian parece
saber disso, já que a mão direita tira meu seio do sutiã e o leva a
boca.
Eu fecho meus olhos, a sensação poderosa da sua língua
correndo pelo meu mamilo, suas lambidas fazendo minhas coxas
tremerem e se elevarem a altura do seu cacete.
Moo contra ele. Posso sentir sua dureza contra meu centro,
meu clitóris balança de prazer. Ondas me arrepiam enquanto Ian
chupa forte, seu pau duro batendo através da roupa contra mim.
Então ele afasta a cabeça um pouco. Abre o fecho do sutiã,
que é frontal, e sua expressão arde na visão dos meus seios nus.
Eu quase quero escondê-los, porque meus mamilos escuros estão
tão duros que é vergonhoso, mas Ian parece deliciado.
— Eu sempre imaginei como seria.
— Você nunca me viu tomando banho? — eu provoco,
porque claramente ele me observava de muitas formas.
— Algumas vezes você não fechava a janela do banheiro —
ele confirmou e isso me fez ficar pasma. — Mas, a distância e a
minha memória não são dignas da realidade. — Seu olhar parece se
tornar divertido. — Surpresa por eu observar?
— Não — minto. Quero que ele saiba que eu não o temo. —
Só triste porque não pude te dar memórias mais... marcantes.
Ian gargalha diante da frase. Então ele se eleva um pouco e
puxa minha calça e minha calcinha ao mesmo tempo. Estou nua e
molhada diante do seu olhar.
— Pelinhos fofos — ele mergulha os dedos em mim,
apertando um pouco e me fazendo gritar.
Não de medo, de prazer.
— Eu gosto da forma como eles ficam arrepiados.
Seus dedos esfregam, puxam, brincam, provocando faíscas
no meu clitóris. Nossos olhares estão fixos um no outro, e posso
sentir meu corpo vibrando de ansiedade, meu quadril balançando de
encontro as suas mãos.
— Quer gozar na minha mão? — ele sorri, se deliciando.
— Preciso no seu pau.
— Ah, Clara... — Ele tira seus dedos molhados de mim e o
leva a boca. No movimento, ele coloca o joelho entre minhas
pernas, a sua coxa coberta pelo tecido da sua calça esfrega minha
boceta. Eu não consigo resistir, e começo a moer contra sua coxa,
puxando seu rosto contra mim e exigindo outro beijo.
É bom demais.
Nunca vivi isso com outro homem. Com André era tudo muito
básico, escondido, a luz apagada e embaixo do lençol. Com Ian
estou com as luzes acesas, permitindo que ele veja tudo, cada
pedaço de mim, e não me importo.
Eu me esfrego contra a coxa de Ian mais e mais. Sua
respiração está no meu rosto, quente e constante. Eu gemo pedindo
mais e mais. Esfrego mais rápido, com mais força, gritos ecoando
no meu ouvido. É minha própria boca que geme sem controle, como
uma louca.
— Ian — eu grito, me segurando nele.
— Você fica linda com tesão.
E de repente eu estou explodindo como nunca, chegando ao
topo mais alto do mundo e me jogando de lá. Eu estou gozando,
meu clitóris tremendo, apertando, minha boceta machucando de
tanta força que faço contra a calça de Ian.
Eu estremeço e gemo alto quando gozo. Sinto seu riso
tocando minha face e então ele volta a se elevar contra mim. Vejo
seu pau duro e grande pressionando a calça e levo minhas mãos
até seu caralho.
Aperto, amasso.
— Você gostou, Clara?
— Sim.
— Sim, o quê?
— Sim, meu dono.
22
Ian

Ela é como nos meus sonhos molhados da adolescência. Ela reage


da mesma forma, sua boca exala os mesmos gemidos, ela é tudo
que eu sempre quis.
Fico em pé, meus olhos observando a doce mulher na cama,
entorpecida pelo orgasmo. Tiro a calça, e a percebo enrubescer
pela visão do meu caralho grande.
Estou excitado. Meu pau se contorce entre nós, como se
implorando por libertação. Mas, essa tortura é saborosa porque sei
que ele vai experimentar sua boceta lisa e apertada.
Minha boca saliva com a ideia. Ainda não conheço seu sabor,
mas o quero. Então, fico de joelhos entre suas pernas, meu rosto
afundando-se em suas coxas claras, minha língua procurando sua
parte interna.
Eu pressiono meu nariz e respiro seu cheiro.
— Ian — ela grita.
Eu gosto do seu desespero. Ela acabou de gozar, mas não
basta para mim. Quero reduzi-la a cinzas de prazer nessa noite.
Pressiono meus lábios contra sua boceta. Esfrego meu nariz
em seu pequeno botão e o sinto duro. Ela está novamente tendo
espasmos de prazer, e eu provo sua umidade frenética, minha
língua empurrando para dentro, sentindo sua textura, seu sabor.
Clara é um prato que sempre sonhei em degustar. Agora vou
prová-lo de todas as formas.
Seu quadril começa a ondular contra meu rosto. Seguro sua
bunda, pressionando mais, enquanto chupo e chupo. Seus dedos
seguram meu cabelo e apertam. Ergo meus olhos e a percebo
inclinada, o bico dos seus seios ereto para o céu, uma deusa pagã
num ritual de prazer.
Afasto meu rosto um pouco e olho para sua boceta vermelha
pelas minhas chupadas. Ela é linda, toda adorável, tem cheiro de
mulher, está pronta para ser minha. Uma fenda brilhante e gostosa,
como tudo nela.
— Ian — ela clama, mais uma vez.
Ela quer gozar na minha boca. Uma segunda vez naquela
noite. E eu quero sentir o gosto dela nos lábios, o gosto do prazer
máximo. Volto minha boca em sua boceta, e fico observando-a
enquanto eu chupo mais e mais forte. Sua cabeça está inclinada
para trás, seus olhos estão fechados.
— Ian, coloca — ela pede.
Uma parte de mim quer meter. Outra, odeia que ela parece
estar me guiando na relação, sendo que sou eu quem manda aqui.
Então ao invés do meu pau, eu volto a pressionar a minha boca,
chupando mais e mais forte, até que ela grita desesperada, seu
corpo serpenteando na cama, a tensão explodindo em gemidos tão
altos que parecem me enlouquecer.
Meu pau pula, desesperado. Eu preciso segurá-lo e batê-lo
um pouco para aliviar. O gosto do novo orgasmo de Clara é mel nos
meus lábios e eu lambo tanto que ela fica entorpecida.
Suas pernas caem de lado, e ela parece exausta. Eu me
afasto, sento-me na cama, e então seguro meu caralho.
Uma puxada. Duas...
É gostoso, mas eu...
Olho para a boceta lisa dela. Pingando. Úmida e convidativa,
Inclino-me contra ela e bato uma na extremidade do seu
núcleo, apenas para que meu pau sinta a sensação.
— Ah, Ian... — ela volta a falar.
A forma como ela diz meu nome é de enlouquecer.
— Cale a boca — aviso.
— Me fode...
— Você devia ser inocente, mas é uma garota suja.
Ela ri. Meu pau se contorce novamente ao som.
— Você me tornou assim.
— Assim como?
— Ansiosa por você.
Minhas bolas parecem que vão explodir. Eu estou em
pedaços, diante dessa mulher. Quero me afastar, e sumir, mas não
consigo. Talvez ela possa ver meu conflito, mas se senta na cama, e
suas mãos tocam meu rosto.
Nós nos encaramos. Era quase inacreditável que eu
realmente a estava olhando pela primeira vez, verdadeiramente,
desde que a trouxe para mim. Eu podia ver a antiga Clara ali, seus
olhos maliciosos, mas doces, e eu sinto que o ar some dos meus
pulmões.
— Você me ama, Ian... — ela diz.
Não é uma pergunta. É uma afirmação. Eu me sinto explodir
em pedaços.
— Nunca — nego desesperadamente, mais para mim do que
para ela.
Seus dedos então deixam o meu rosto. Logo, ela está
segurando meu pau. Sua mão alisa, sentindo a protuberância.
— Tão duro... — murmura.
Seu hálito me deixa tonto. Desejo, paixão... Amor?
— Eu sou sua, Ian. Você é meu dono, me tome...
Sua mão bate uma, duas. Ela puxa a pele da cabeça e circula
o indicador no topo, num carinho que me faz gemer.
— Você é tão homem, Ian... tão incrível. Eu gosto de como
você parece grande... maior que sua própria altura. Eu gosto de
como me faz sentir.
Então eu a empurro na cama. Fico entre suas pernas,
abrindo mais suas coxas. Pressiono a cabeça em sua fenda, e a
deixo com a sensação de vitória.
Momentânea.
Não vou comê-la. Vou apenas brincar na sua entrada. Não
vou meter. Não quando ela pediu.
Quem manda sou eu.
— Ah, que gostoso...
Eu não meti. Estou brincando na entrada, meu pau inchado
para frente e parar trás na sua fenda úmida.
— Ian!
Fico moendo duro por alguns minutos, enquanto Clara
envolve as pernas em volta da minha cintura e se move contra mim.
Ela me abraça, parecendo implorar por algo que eu não vou dar.
— Eu vou gozar em cima de sua buceta, Clara.
Aviso, enquanto seguro a ponta do meu caralho, esfregando-
o na umidade de Clara, sentindo minhas bolas apertadas cada vez
mais.
— Sim... por favor, Ian...
Estou no limite. Minha respiração está irregular, meu pau
pulsando enquanto minhas bolas apertam.
Ela fica tensa, estremece, se contorce contra mim.
Eu começo a ejacular, despejando meu esperma por toda a
sua boceta. Eu sei que não basta para ela, mas quando meu pau
finalmente amolece, eu me sinto vitorioso pela primeira vez naquela
noite.

✽✽✽
Eu devia ter ido dormir no meu próprio quarto. Mas, cá estou,
no recinto de Lídia, onde minha amiga esfregava a boceta nas
outras que estivessem disponíveis. Lídia era bem assanhada, talvez
o fantasma dela estivesse satisfeito por ver Clara tendo três
orgasmos numa noite.
Clara se aconchega em meus braços. Ela parece tão
pequena, agora. Dorme, como se estivesse no lugar mais seguro do
mundo, e isso me deixa em desespero.
Não é seguro.
Não a amo.
Por que diabos ela está tão convencida disso?
23
Clara

O cheiro dele está no meu corpo. Mesmo que o quarto esteja


vazio, ainda sinto Ian em mim, uma parte de sua essência
descansando em minhas coxas já secas, um tom amadeirado e
almiscarado, extremamente masculino, que nunca senti antes.
Ele não me tomou, mas me deu mais prazer do que jamais
pensei em experimentar na vida.
Ian me traz segurança. Quando eu o tenho perto de mim, é
como se fosse imbatível. É como se o mundo inteiro existisse
apenas na sua presença. É como se Ian fosse o suficiente.
E ele era...
Mas, o dia tem que começar. Eu tenho aulas de culinária de
manhã e ele, que já deve estar tomando o café da manhã, irá para o
trabalho em breve. Respiro fundo, empurrando as cobertas e indo
até o banheiro. Um banho quente vai me trazer energia. Não que eu
não a sinta correr em minhas veias.
Nunca estive tão mais disposta.

✽✽✽

Eu o encaro quando entro na cozinha. Ele está impecável em


seu terno, os cabelos molhados escovados para trás, e uma
pequena e curta barba rala tocando sem queixo.
— Bom dia — eu digo, e ele apenas acena.
Ok. Mudo essa manhã?
É claro que ele se culpa por se sentir indefeso na cama. Ele
quer mandar, mas até então fez quase todas as minhas vontades. É
uma guerra em que ambos somos vitoriosos. Como ele não vê isso?
— Acordou cedo? — indaguei, porque após o banho, notei
que não eram nem sete horas.
— Sim.
— Parece bem. Teve uma boa noite?
Um pequeno riso surge no canto dos seus lábios. Meu clitóris
formiga com essa pequena demonstração. Eu me sinto uma
ninfomaníaca quando olho para ele. Nada de Ian parece o
suficiente. Eu quero mais.
— Tome seu café da manhã — ordena.
Mas, o que quer dizer de verdade é que eu cale a boca.
— Não estou com fome.
— Não é um pedido.
Meu coração palpita.
— Certo, meu senhor. Como ordenou, irei me alimentar.
Ele me deu outro sorriso.
Ah, Ian... era tão fácil te dominar.

✽✽✽
Posso sentir o cheiro de pão assado assim que abro a porta
do carro e ergo os olhos em direção a escola de artes domésticas e
culinária. Sorrio. Antes, eu nem sabia que existia algo assim no
mundo, mas teoricamente, escolas de culinária são a nova “onda”
de uma sociedade buscando valores longe do mundo
industrializado.
Nas minhas mãos estão os materiais que ganhei no dia
anterior. Busco um folheto sobre alimentação vegetariana e o
mostro para Ian, que sai do carro naquele instante e me acompanha
até o portão.
— Não consigo me imaginar vivendo sem carne — ele diz.
— Eu gostaria de experimentar.
— Certa vez comi uma tal de carne de glúten — ele me
contou. — Uma das namoradas de Lídia preparou. É incrível. Mas,
demora para se fazer, e nem Lídia e nem eu tínhamos disposição.
— Eu posso tentar — sorrio.
Ele ergue a mão e toca meu rosco. Logo, ele me puxa para
ele, e me beija. Meu coração palpita de prazer, porque tudo em Ian
parece me deixar em fogo.
— Ligo para você na hora do almoço.
Eu concordo. Enquanto ele se afasta, sinto borboletas no
estômago. O mundo parece tão cor-de-rosa.
Então eu me viro para entrar na escola. É nesse instante que
dou de cara com Maria Flor.

✽✽✽

— Que porra é essa? — ela quase grita.


Algumas pessoas cruzam por nós com olhos interessados, e
então eu a seguro no braço, conduzindo-a para uma lanchonete que
fica perto dali.
— Como me achou? — indago.
— Não foi fácil. Eu estava preocupada com você! Não fique
zangada, mas paguei um cara na internet para rastrear seu celular.
Ele conseguiu de achar ontem, quando seu número estava nessa
região. Hoje vim no mesmo horário ver se te encontrava. Estava
preocupada com você — ratificou. — Meu Deus, Clara, você sumiu!
Chegamos à lanchonete. Eu a conduzo até uma mesa, e
ficamos de frente uma para a outra. Um garçom aparece e peço
dois cafés.
— Clara, você estava beijando outro homem.
— Sim.
— Você... — ela parece não acreditar. — Você é noiva!
— Não sou mais. André me enganou.
— E você já arruma outro cara, assim? Tão rápido? Você é o
quê? Uma vagabunda?
Eu não consigo me defender, porque é exatamente o que eu
sinto. E gosto da ideia de ser puta. A puta de Ian.
— E sobre André... Tudo foi um mal-entendido.
— Não há nenhum mal-entendido, Maria Flor.
Ela ri, como se fosse engraçado.
— Amiga, André te ama. Ele estava muito nervoso quando
você o questionou, mas ele vendeu a empresa para investir em
coisas melhores e ter mais tempo para você.
Mesmo que isso fosse verdade, o que eu tinha certeza de
que não era, eu pouco me importava. André já era passado, eu não
queria vê-lo mais. Não sei como passei tantos anos sendo de um
cara que nunca despertou nenhum fogo abrasador em mim.
— Minha doce Clarinha... Esse Ian... Ele era aquele emo
esquisito da escola, não é?
— Não lembro dele. E não importa.
— Ele está manipulando você.
— Não importa.
— Como não importa, amiga? Não vou deixar você voltar
com ele. Vamos para casa, agora. André irá até lá para vocês
conversarem.
A expressão dela, uma que eu nunca reparei antes, agora me
deu vertigem. Repugnância. Sentia como se ela quisesse me
influenciar, mas eu não estava disposta. Talvez a antiga Clara
seguiria sua amiga como um cordeiro, sem reclamar do matadouro,
mas essa nova Clara está disposta a tudo para ser independente.
Mesmo que isso me custasse a amizade de Maria Flor.
Mesmo que eu ficasse sozinha para o resto da vida.
De repente, a solidão que antes me doía e me deixava tão
temerosa, agora não era nada. Era apenas um estado que eu
poderia completar com literatura ou séries de televisão.
Eu posso ficar sozinha. Eu posso ser livre.
Eu posso tudo.
— Eu não vou. E não me interessa o que André tem a dizer.
Diga a ele que aproveite bem o dinheiro, porque lhe custará caro.
— Como assim?
— Apenas isso. Eu sou livre dele, agora. E se você não é
capaz de aceitar-me como sou agora, é melhor ir embora.
Ela parece horrorizada.
— Clara...
Sinto um pouco de culpa pela forma como a estou deixando.
Maria Flor é minha única amiga, minha única confidente.
— Maria Flor, não é o melhor momento para definirmos nossa
amizade. O melhor é me dar espaço, por um tempo.
Ela suspira alto, e então toca meu braço.
— Amiga, desculpe, eu só estou muito preocupada... André e
você sempre foram um casal exemplo para mim, e agora aparece
esse homem... Sinto como se ele estivesse se aproveitando de uma
briga entre André e você.
— Ele não está.
— Você está apaixonada... — ela parece se dar conta, talvez
lendo algo que eu seja incapaz de assumir ainda.
— Talvez.
Então surge um grande sorriso em seu rosto. O mesmo
sorriso que sempre me deu e que me tranquilizava.
— Me conte, amiga. Como é com ele?
Eu não devo dizer. Ian não me quer perto dela, mas fofocar
sobre Ian pareceu tão irresistível. Eu queria contar para alguém.
— Ele é atencioso e... ele me faz sentir coisas... Enfim,
quando ele me beija ou me toca...
— Mas, entende que você mal o conhece, não é? Que talvez
esse fogo é só de palha? Que amor é algo construído pelos anos,
como é seu caso com André?
Eu não quero ouvir falar de André. Ela não se toca? Então eu
me levanto, e pego minha bolsa.
— Desculpe, estou ocupada e preciso ir. Foi bom vê-la,
amiga, mas peço que me dê espaço.
— Para se dar mal? Para esse cara abusar de você?
— Sim — eu sorrio. — Quero ser devidamente abusada por
Ian. Então, respeite isso — e me afasto.

✽✽✽

— Maria Flor esteve aqui? Como ela te achou?


— Não sei.
— Você ligou para ela?
— Não.
— Está mentindo.
Ele estava furioso. Eu não achei que despertaria sua raiva
por contar sobre minha amiga.
Respiro fundo.
Lembro-me das histórias de que homens manipuladores te
afastam de todas as suas amigas, porque sozinha você fica mais
vulnerável nas mãos deles. Todavia, essa raiva que Ian manifestava
não parecia com nada sobre me ter vulnerável.
Ele já tinha.
Um acordo sobre ser meu dono.
— Eu não estou mentindo. Ela conseguiu me encontrar. O
que te incomoda tanto?
Ian aperta o volante. Talvez ele aperte o volante para evitar
de apertar a minha garganta. Mas, subitamente ele ri. Isso me deixa
muito surpresa. Então, Ian move o veículo e começa a dirigir como
se não houvesse nada o deixando desconfortável.
— Por que não gosta de Maria Flor? — insisto.
— Porque não.
— Isso não é resposta.
— É a minha resposta. Satisfaça-se com ela.
Cruzamos por algumas ruas, e paramos num semáforo. Lá
fora, um artista de rua mostrava como equilibrar varetas no pé.
— Contou a ela sobre eu ser seu dono?
— Não, meu senhor.
— Bom.
E era isso. Palavras não ditas e muito mistério.
Como Ian era irritante!
24
Ian

É uma tola. Uma idiota! Quando será que perceberia que Maria
Flor era amante de André? Quando conseguiria ver que o mundo
não era cor-de-rosa e que as pessoas eram falsas e te
apunhalavam por trás?
Entramos na casa. Ela cruza o rol de entrada e vai direto para
a escada. Subitamente, para. Volve o rosto para mim. Posso ver um
sorriso em sua face, e sei no que ela está pensando.
Gozar... foder...
Clara está brincando de ser uma cadela manipulada, e eu
sou a chave principal disso.
Ela está me usando. Eu devia ficar revoltado. Mas, mal
consigo pensar enquanto imagens da noite anterior me tomam. Eu
gozei me esfregando nela. Era ridículo, eu devia fodê-la logo e
acabar com essa obsessão. Normalmente meu desejo por uma
mulher acabava depois de eu enfiar no buraco dela.
Eu não sou nenhum cavalheiro e Clara não é uma dama. Ela
entrou no jogo porque quis, então...
— Você vem? — ela indaga.
Seu pequeno clitóris deve estar excitado, estimulado por
pensamentos imundos.
— Vou tomar um banho, primeiro.
— Faça a barba — me pede. — Você não fez hoje, e quando
raspar nas minhas coxas vai machucar.
Puta que pariu! Ela está fazendo de propósito.
— Você não manda em mim — devolvo.
Ela sorri largamente.
— Tem razão, meu dono...
Meu pau está se contorcendo, desejando liberação.
— Quem está precisando raspar algo é você. Sua boceta não
é lisa como estou acostumado. Devia fazer depilação.
— Minha vagina te incomoda, meu Senhor? Eu posso raspá-
la no banho.
Mas, que merda! Ela não recuava um milímetro?
— Deixe que eu raspe. Quero que abra suas pernas para
mim no chuveiro.
— Sim, senhor.
Então ela sobe as escadas, me deixando completamente
sem ar no saguão de entrada.
— Meu dono, vai demorar?
— Você gosta de provocar, Clara?
Sua sobrancelha arqueia e seus olhos brilham.
— Isso te deixa molhada?
Ela concorda.
— Não devia gostar, Clara. Vou te punir por isso.
Ela abre seus lábios lindos num gemido doce. Eu não
consigo tirar meus olhos dessa mulher.
— Sim, meu dono. Me puna quando eu não for obediente.
Meu pau está ficando como rocha e meu batimento cardíaco
está acelerado.
Eu quero destruir essa mulher, mas a sensação que tenho é
de que serei eu o destruído quando tudo isso acabar.
25
Clara

Quando a porta fecha naquele final de tarde, nos separa do resto


do mundo. Enfim, isolados. Enfim, meu dono irá me punir.
Eu fui tão desobediente. Eu entendo.
Sinto a mão de Ian segurando minha nuca por trás. Eu estava
pronta para ir até a cama, mas ele me impede com a força com que
me puxa para trás. Sua boca toma a minha, e seu beijo machuca
meus lábios.
A dor é agradável. Eu gosto da dor.
Seu beijo demora. Sua língua brinca contra meus dentes, e o
gosto dele tem sabor de bala de hortelã.
Eu começo a tremer, sendo levada pela carga sexual que ele
consegue ter sobre mim.
Seu corpo avança. Ele é forte e consegue me empurrar até a
parede ao lado. Os botões da minha camisa voam com a força com
que Ian a abre. Meus seios surgem diante dos seus olhos,
endurecidos pelo tecido do sutiã e por sua mão grande que segura e
aperta como se ele desejasse me ferir.
Seu corpo volta a me espremer enquanto ele me aperta na
parede, me beija, seu pau tão duro contra minha barriga, grande e
pedindo passagem.
Sua perna roça entre as minhas. Ele abre os botões da minha
calça e sua mão avança na minha boceta. Eu gemo alto enquanto
ele permanece com seu toque rude.
Gosto da forma como ele me pune. Eu gosto da maneira
como Ian não se segura, ele quer machucar, mas também dar
prazer, e não há nada que o impeça.
Ele me odeia.
Mas, ele também me ama.
É incrível como tudo nele é quente, é gostoso.
— Tire a roupa — ele murmura.
— Aqui?
Uma parte de mim quer um suporte para me segurar. A cama
seria o ideal.
— No banheiro. Já disse que não gosto de pelos na sua
boceta. Vou raspá-los.
Eu devia ficar revoltada com isso. Devia mandá-lo se foder.
Mas, estava excitada demais, então apenas assenti e me afastei.

✽✽✽

Ian não me seguiu imediatamente. Talvez ele quisesse


recuperar o autocontrole, talvez quisesse me mostrar que ele não
era tão entregue quanto eu pensava, mas a verdade é que eu sabia
que bastaria ele ver minha boceta úmida, ele cairia de joelhos.
Estou nua, sentada na bancada do banheiro quando ele
entra. Meus seios estão empinados, os mamilos duros, e minha
boceta completamente encharcada. Meu líquido toca o mármore da
pia, e é essa visão que Ian tem quando entra.
Ele queima. Eu sei. Posso ver seu pau duro apertando a
calça.
— Incline-se e abra mais as pernas — ele diz.
Eu faço mais que isso. Ergo os joelhos para que ele possa
ver meu buraco aberto, pulsando por ele.
— Cadela — ele xinga e eu dou risada.
— Está nervoso, senhor? Acha que não consegue controlar a
gilete?
Ian ri enquanto se aproxima. Ele corre os dedos pelas minhas
coxas, abrindo-as mais, até sua mão parar na minha boceta. Ele a
aperta, meus pelos afofando seus dedos.
— Mulheres com pelos é tão nojento.
— Todas as mulheres têm pelos, Ian. Talvez você goste de
homem.
— Você não fala como uma submissa — ele contrapõe. —
Você se atreve demais. Talvez eu devesse ensiná-la a calar a boca.
— Sim, por favor.
Ele parece feroz. Então abre os botões da camisa que está
usando e fica desnudo da cintura para cima. Seu torso me faz
gemer. Eu amo a vista que tenho, amo ver seus músculos
poderosos, a forma como ele me dá formigamentos sem sequer me
tocar.
Algo dói no meu íntimo quando ele pega um banco e o coloca
entre minhas pernas. Ele arruma a espuma de barbear e começa a
passar o barbeador.
Fecho meus olhos, estou tremendo com o toque do aparelho.
Costumo aparar meus pelos e sei que não estou peluda, assim não
é vergonha que me toma agora. É cada vez mais excitação. O toque
do barbeador, o toque dos dedos de Ian resvalando entre minha
virilha, a respiração quente dele perto do meu clitóris.
É uma estranha sensação. Parece uma carícia.
Eu não sei quanto tempo fico assim, exposta dessa maneira.
Eu devia me sentir enojada comigo mesmo, mas tudo que faço é
aceitar cada coisa que ele quer fazer, como se eu fosse um
brinquedo caro.
Quando ele termina, sinto o toque da toalha limpando o resto
da espuma de barbear. Estamos ao lado da torneira, e ele derrama
um pouco de água quente contra minha boceta para tirar quaisquer
resquícios. A temperatura é quase a do seu sêmen, e eu gemo alto
de prazer.
— Ian...
— O quê?
— Por favor — imploro.
Ele afunda sua cabeça entre minhas pernas, sua língua
dançando entre meus lábios, em movimentos ritmados e forçados.
— Ian! — eu grito.
Ele me chupa com força, como se estivesse esfomeado,
apenas aguardando o prato principal estar pronto. Suas mãos
seguram meu quadril e posso ver os músculos nos seus ombros se
contraindo.
— Mete seu caralho, Ian — grito.
Logo, sua calça desce até o chão. Seu pau é guiado até a
minha entrada úmida. Ele empurra fundo, até o talo, num movimento
certeiro.
Foi dessa forma que ele me comeu pela primeira vez.
A sensação é brilhante, como se Ian estivesse exatamente no
local que ele devia estar. Eu me sinto tão protegida, tão dele,
apenas com a sensação das suas veias tocando minhas paredes
internas, sua boca buscando a minha, nossos corpos ritmados
batendo um no outro.
E estava tudo bem. Ele era meu dono.
— Ah... ah... ah... — Gemi contra cada investida contra mim,
puxando seus cabelos enquanto eu flexionava meus joelhos para
deixar mais aberto.
Para que ele se afundasse mais. O momento mais erótico
que já vivi.
— Ian!
— Vou gozar nessa boceta lisinha — ele disse.
Eu levantava o quadril para encontrar cada impulso
— Mais forte!
E então minha boceta explodiu, apertando seu pau enquanto
Ian bateu duro, mais uma vez, e outra, sons de agonia escapando
dos seus lábios, rasgando sua sanidade, deixando-o exposto.
Expondo o que ele sentia.
Enquanto ele se derramava, eu percebi o brilho em seus
olhos. Não que fosse surpresa. Eu sentia que ele me amava. Ele
podia negar o quanto quisesse, mas estava ali, em cada batida dura
contra mim.
26
Ian

Lídia e eu costumávamos nos banhar nessa banheira, cada qual


em um lado, mergulhados na espuma, conversando enquanto
relaxávamos em água quente. O assunto variava entre negócios ou
prazer. Lídia sempre tinha uma nova garota e eu adorava ouvir suas
histórias.
Ela não costumava ter apego, apesar de ter se apaixonado
algumas vezes. Eu nunca lhe contei sobre Clara. Ela não iria
entender, afinal nem eu mesmo entendia.
Suspirei, sentindo o perfume dos cabelos de Clara em meu
nariz. Ela estava deitada em meu peito, aninhada, quase dormindo,
a água quente limpando nossa noite ardente.
Eu quero dizer muitas coisas para ela. Mas, eu não sei o que
falar. Não devíamos estar assim, como um casal apaixonado. Mas,
eu não consigo evitar. Tudo nela me arrebata. Ela é exatamente
tudo que eu sempre quis.
27
Clara

Ian cuida de mim. Essa rotina me acalma. Eu gosto do fato de ele


me levar a escola de culinária todas as manhãs e tomar banho
comigo todas as noites. Eu gosto de tomarmos o café da manhã
juntos, e de jantarmos juntos à noite.
Eu amo como ele sempre liga ao meio-dia, e como ele manda
uma mensagem cinco minutos antes de aparecer para me buscar, a
fim de que eu me prepare e vá aguardá-lo na rua em frente ao
curso.
Ele é cuidadoso. E quente. Suas mãos são macias e seu
toque é sempre áspero.
Ele me deixa em nuvens. Eu gosto da sensação.
Eu mal percebi quando os dias foram se transformando em
semanas, e as semanas em meses.
— E a vingança? — indaguei, numa noite, após o jantar.
— Está tudo pronto — ele respondeu. — Estou tentando não
me atropelar pela pressa. Meus passos são cuidadosos, André tem
que vir até mim.
Fazia muito tempo que eu não ouvia o nome do meu ex-
noivo, ou sequer pensava nele. Uma sensação estranha me toma, a
sensação de que eu não preciso de vingança, porque André não
importa mais. Ian é tudo que importa.
— Você vai me contar o que fará?
— Não.
Me ajeito no sofá. Ele está sorrindo na poltrona a minha
frente. Uma xícara de chá exala uma fumaça perfumada de cima da
mesa.
— Por que não?
— Porque é tola e vai estragar tudo.
— Eu não sou tola.
Seus lábios pressionam.
— É a mais tola de todas as mulheres, Clara.
Sua frase rebateu no meu peito e machucou meu coração.

✽✽✽

Quando eu acordo na manhã seguinte, ainda estou


pensando no que Ian disse. Talvez ele estivesse certo. Talvez
houvesse percebido os sentimentos que ecoavam em meu peito, e
no quão ridículo isso soava.
Ian e eu... tínhamos prazo de validade. E tudo se encerraria
quando ele me desse o que vim buscar: minha vingança.
Porém, quanto mais tempo se passava, mais eu queria que
tudo continuasse, que Ian e eu ficássemos juntos para sempre.
Ergo meus olhos e observo a mulher bonita no porta-retrato.
A loira me encara, sorrindo. Lídia parecia debochar dos meus
sentimentos. Ela entenderia o que passei a nutrir por seu marido?
Sinto-me sufocada e com calor, apesar de a temperatura
estar baixa. Quero tomar um banho antes de sair para a escola de
culinária, mas prossigo deitada na cama, amargurada por um tempo
que não sei precisar.
Eu amo a sensação de Ian ser meu dono. Amo como ele me
faz gemer e como seu pau grande e duro bate em mim.
Eu amo a maneira como ele olha.
Como ele me faz chamá-lo de dono...
Eu o amo...
Ok, isso é algo a se temer.
Ouço passos no corredor. Ian abre a porta e me avisa que o
café está servido.
Ele sempre acorda mais cedo. Ele sempre prepara o que eu
gosto.
Eu podia ficar para sempre ao seu lado. Sendo cuidada por
ele. Sendo mimada por ele. Sendo comida por ele.
Mas não basta. Nunca basta.
A vida é mais do que isso. E um dia eu teria que voltar a
realidade.
28
Ian

Eu quase não consegui acreditar quando minha secretária avisou


que André Mendonça estava me aguardando na recepção. Era uma
estranha sensação de que as coisas estavam indo fáceis demais e,
na mesma medida, estavam seguindo como planejado.
Quando ele entrou no meu escritório, não me levantei para
cumprimentá-lo. Havia muitas coisas que eu não faria nessa vida, e
uma delas era estender a mão para esse lixo de homem. Todavia,
apontei a cadeira para que ele se acomodasse. André seguiu minha
sugestão e pareceu ansioso, o que me fez sorrir.
— Pozo — ele murmurou o nome na plaqueta. — Ian Pozo?
Posso chamá-lo de Ian?
Claramente, ele não reconhecia meu nome da época de
escola, e aparentemente eu era merda demais para Maria Flor ter
me citado para ele. Provavelmente, a amante de André apenas
comentou que Clara havia ido com um velho amigo, e meu nome
não foi dito.
— Me chame de senhor Pozo — adverti.
O olhar dele queimou. Provavelmente não gostou da minha
forma de falar.
— Estou aqui porque vários parceiros comerciais estão
falando dos investimentos na Reap.
— Hum... Certo. Nossa colheita está extraordinária.
— Sim, eu soube que o investimento está rendendo valores
absurdos. E, bom... eu tenho um ótimo valor para investir.
Ele me estendeu um papel, que figurava em torno de 30% do
que Clara perdeu para ele.
— Esse valor? Você deve estar brincando comigo — joguei o
valor de volta. — Sou um homem com tempo escasso, senhor
Mendonça. Estão, se não tiver uma proposta interessante, por favor,
não ocupe meu tempo.
— Mas, esse valor é muito bom para um investimento inicial.
— Esse valor não interessa ao nosso fundo. A Reap não é
uma piada. Traga pelo menos três vezes esse valor, e podemos
conversar. Não vou garantir sua vaga na Reap, mas posso ao
menos ouvir seu interesse.
— Mas...
— Se não se importa, eu estou ocupado.
André me encarou como se não acreditasse que eu o
estivesse dispensando assim. Porém, reuniu seu resto de dignidade
– se é que tinha alguma – e saiu pela porta. Eu sorri quando a figura
patética dele desapareceu.
Era uma guerra ganha.

✽✽✽
Clara tornou meus dias felizes. Eu posso sentir prazer ao seu
lado, de todas as formas, não apenas sexual. Clara é doce e gentil,
mas sabe me fazer queimar como ninguém.
Ela provoca e recua. Ela tem um jeito que sempre me deixa
em alerta.
E ela é minha.
De todas as formas que sempre quis. Ela se entrega de
maneiras diversas. Não há medo, nem receio. Apenas paixão e
tesão.
Eu posso dizer que sou feliz. Depois da morte de Lídia, enfim,
encontrei um motivo para viver.
Clara não teria aula naquele dia, então eu não tive sua
companhia no café da manhã e nem precisei ligar para ela ao meio-
dia. Senti sua falta como se fosse um espinho na carne, me
incomodando o dia inteiro, e tudo que quis foi que o tempo passasse
rápido e que eu pudesse ver seu rosto.
Quando entro em casa naquela noite de sexta-feira e a
encontro de banho tomado e rosto sorridente na escada, eu não
penso muito em cumprimentos. Tudo que quero é correr até ela e
beijar seus lábios. Mas, isso seria uma atitude passional demais,
então eu apenas penduro o casaco ao lado da porta e a encaro.
— Eu vi André hoje — disse, e ela arregalou os olhos.
— André?
— Está conversando com Maria Flor por telefone?
Clara nega.
— Não quero que fale com ela. Você pode colocar todo o
meu plano a perder.
— Por quê? Maria Flor é de confiança.
Uma gargalhada estoura na minha garganta e eu me vejo
curvando-me enquanto seguro o riso. Na minha frente, Clara
permanece imóvel, como se eu estivesse louco. Oh, se ela
soubesse... Eu devia contar a ela? Mas, a verdade sobre Maria Flor
ainda era segredo. Um segredo que eu poderia usar contra Clara,
em momento oportuno.
Eu afrouxo minha gravata lentamente, e desabotoo minha
camisa. Estamos na sala, mas eu quero sexo. Quero sexo porque
estou com raiva. Raiva por André ainda não ter caído. Raiva por
Clara ser uma idiota que não percebe a verdade sobre a amiga.
— Tire a roupa — digo a ela.
Seus olhos vacilam um pouco.
— Vamos subir? — ela me convida.
— Não. Estou mandando você tirar a roupa, aqui. Sou seu
dono, esqueceu?
Clara parece pestanejar. São breves segundos que vejo uma
leve resistência. Por fim, contudo, ela começa a puxar o vestido de
lã. O ar frio toca sua pele, e a percebo arrepiada. Eu gosto da
maneira como os bicos dos seus seios estão duros e como eles
apontam para mim.
— Tire a calcinha e o sutiã.
Ela obedece.
Seu corpo é delicioso. Traços delicados, femininos. Clara é
tão preparada para ser minha que dói.
Meu pau vibra, enquanto desabotoo a calça. Ele surge, ereto,
quando me desnudo completamente.
— Vire de costas — ordeno. — Se segure na escada.
Não consigo ler sua expressão. Ela parece em conflito, mas
eu não entendo no quê.
— Não vou dar a bunda — diz, por fim.
Outra gargalhada surge nos meus lábios.
— Está com medo?
— Talvez.
— Sou seu dono, se eu quiser meter o caralho no seu cu, eu
meto.
— Não. Única coisa que não aceito — ela diz. — É muito...
degradante.
Meu sorriso some. A vontade que tenho é de comer sua
bunda agora, só por ela ter recusado, mas me vejo concordando.
— Eu não quero seu cu, Clara. Não estou a fim de ter merda
no meu caralho. Só quero te comer a boceta por trás. Então se vire.
Eu subo os dois lances de escada que me separam dela.
Enfim, ela gira e se segura no corrimão de madeira. Posso ver sua
bunda linda, polpuda, ao dispor das minhas mãos. Eu a estapeio
apenas para ver a pele branca, avermelhada.
— Ah — ela geme de prazer ao sentir o golpe.
— Você gosta de dor, não é? — indago, me aproximando,
fazendo com que ela sinta a extensão do meu pau em meio as suas
nádegas.
Clara suspira.
— Talvez.
Meu pau está pronto, minhas bolas apertadas. Sinto-me
como um homem faminto, diante de um prato de comida, um
sedento perante a água límpida. Abaixo um pouco apenas para
encaixar a cabeça no seu buraco molhado enquanto ela empina a
bunda para mim. Clara está molhada e moe em sua necessidade.
— Por favor, Ian... por favor...
Deliciosos golpes de sua boceta deixam meu pau tão duro.
Eu adoro resvalar em seu buraco, antes de entrar.
— Ian, eu estava pensando...
Pensando... Esse realmente não é o momento.
— Não devia usar camisinha?
Uma parte de mim vacila. Fico sem ar por um momento.
— Camisinha? Você não usa anticoncepcional?
— Não...
Eu travo. Estamos transando há semanas e ela só me diz
isso agora?
Meu pau está inchado, estourando de vontade, e eu não
quero parar, mesmo diante da possibilidade de uma gravidez.
— Tem camisinhas no quarto de Lídia. Eu vi quando cheguei,
na primeira noite — ela murmura.
— É um pouco tarde, não acha? — murmuro.
— A obrigação de se cuidar era sua. Eu poderia ter alguma
doença.
É verdade. Eu me condeno porque sempre transei de
preservativos. As camisinhas no quarto de Lídia era para quando ela
dividia suas amantes comigo.
— Eu não tenho nenhuma doença — Clara murmurou.
— André se protegia?
— Sim, ele dizia que não devíamos ter um bebê ainda. E eu...
eu não uso anticoncepcional porque... dizem que não faz bem para
saúde e meus momentos com meu ex-noivo eram raros... quase
não aconteciam.
Era verdade. André nunca gostou de transar com ela. Talvez
o fizesse apenas por obrigação.
— Bom... talvez você já esteja grávida. Podemos fazer um
teste, se for da sua vontade.
Ela ficou imóvel, como se estivesse absorvendo a
informação.
— Então que tudo vá para a puta que pariu, eu não vou usar
camisinha — digo, porque meu pau está doendo muito.
Eu aperto seus peitos, num abraço desengonçado. Então, me
encaixo melhor, e vou me afundando. Levanto um dos seus joelhos
para que sua boceta estique mais, e eu possa aproveitar o espaço.
Dessa forma pressiono a ponta do meu pau, esfrego para frente e
para trás, provocando.
Clara geme, segurando-se na madeira.
— Você é tão grande — ela elogia e eu rio com a
observação.
— Você realmente sabe como acariciar meu ego.
Eu movo meus quadris. Um impulso. Outro. Afundo nela,
saboreando o momento.
— Ian...
Ela balança. Me acompanha enquanto bato sua boceta,
provocando o orgasmo que parece prestes a estourar.
29
Clara

Meu corpo dolorido resvala na escada. Manter-me de pé enquanto


Ian me fode é difícil, mas ele parece satisfeito por ter de mim o que
desejou.
Ele queria me comer ali. E eu dei sem reclamar. A submissa
que faz todas as suas vontades. Parece perfeito para meu dono.
Então, de repente, Ian me segura. Ele me ergue como se
estivesse carregando uma pena. Sua força me deixa calma, eu
gosto da intensidade dela. Uma parte de mim se sente a fêmea com
o melhor macho. Talvez a natureza clame em minha alma.
Natureza...
Meu pensamento circula pela conversa de pouco tempo
atrás. Ian me leva até o quarto e me deixa na cama. Depois, ele vai
para o banheiro. Está arrumando a água na banheira e eu penso em
como um banho quente seria bom para meus músculos doloridos.
Natureza...
O pensamento volta com força. Talvez eu esteja grávida. O
que eu faria se estivesse? Um bebê não estava no acordo, e eu não
posso imaginar a reação de Ian perante uma gravidez.
Eu devia ter tomado anticoncepcional. Na verdade, eu tomei
uma vez e passei muito mal. Então, deixei de tomar. Além disso,
meus momentos com André eram tão raros... Eu não me
preocupava muito com o fato. Nem pensei nisso quando vim para
Ian.
Era como... se fossemos dois lados de um imã, atraindo-se
um ao outro.
— Venha, eu te arrumei um banho — Ian disse da porta do
banheiro.
Eu me ergui com um pouco de exaustão e andei até lá. Ian já
havia entrado na água e eu fui ao lado oposto da banheira. Afundei-
me na água quente, sentindo o calor acalmando meus conflitos.
— No que está pensando? — Ian indaga.
— Só estou cansada.
— Não gosta de fazer sexo em pé — ele constatou e eu não
neguei. — Uma parte de você é bem tradicional.
— Eu apenas cumpro meu dever, meu senhor.
Ele gosta disso. Ele gosta quando eu deixo claro minha
submissão. De repente, Ian grunhe e avança. Ele me beija, e sua
língua é feroz e molhada. Ele se move mais rápido, logo posso
sentir suas bolas, seu pau duro. Não sei de onde ele tira tanta
disposição.
— Quer fazer aqui? — ele indaga.
Não consigo pensar direito. Estou cansada e preocupada
com a possibilidade de uma barriga. Mas, Ian não parece estar
pensando nisso.
— Toque meu pau, Clara... Sinta como ele está duro.
Ergo as mãos e o acaricio. É macio e firme. Ian se move,
pairando em cima de mim.
— Isso é tão bom...
Eu gemo porque é erótico. Meus pensamentos ficam
dominados por Ian em segundos. Logo, estou puxando seu rosto
contra mim, beijando sua boca, permitindo que ele se acomode
entre minhas pernas. Eu gemo novamente quando ele desliza para
dentro.
De novo, e de novo.
— Vou gozar dentro de você. Vou te encher com a minha
porra.
Eu quero que Ian goze dentro de mim, mesmo ao custo de
uma gravidez.
— O que você fará se eu ficar grávida?
Ele não deixa de meter. Parece não se importar.
— Você não vai tirar, Clara. Eu nunca deixaria.
— Não tiraria — neguei. — Mas, não sei o que fazer.
— Vamos pensar nisso se acontecer. Agora, olhe a minha
porra vindo.
Solavancos molhados e quentes me atingem, impulsos
eróticos e desesperados. Eu o aperto com força enquanto minha
boceta recebe cada gota. Ele não se afasta, apenas deixa vir, seus
jatos quentes me inundando, me fazendo gritar de prazer.
— Eu te amo, Ian — eu murmuro.
Ele para de repente. Então, tira seu pau. Ele já gozou, mas
parece que não terminou. Se afasta como se eu o tivesse agredido.
Vai do outro lado da banheira, e evita meu olhar.
Estou mortificada. Envergonhada. Então apenas me levanto e
vou até o chuveiro. Eu tomo uma ducha rápida e fujo para o quarto.
Esconder-me entre as cobertas é a melhor coi

✽✽✽

Ian optou por ignorar minha frase. Quando ele saiu do


banheiro, acomodou-se ao meu lado na cama e descansou, como
se fosse apenas mais uma noite comum entre dois amantes.
E então me pergunto de novo se estou grávida. Grávida e
apaixonada por um homem que não me quer. Ao menos ele não vai
me obrigar a abortar. Mas, o que faria diante da certeza de um
bebê?
30
Ian

“Eu te amo”. A frase, com certeza, foi dita no calor do momento.


Eu mal conseguia acreditar que Clara havia pronunciado isso. E,
mesmo sabendo da falsidade de cada palavra, ainda me senti
estranho e encabulado diante dela.
Como se eu fosse um menino. O mesmo idiota que ficava
observando a princesa adorada na escola, sonhando com uma
única oportunidade de estar com ela, imaginando como seria me
casar com ela, ter filhos com ela, tê-la para sempre ao meu lado.
Um monte de baboseira. Sonhos infantis que nunca se
concretizarão.
Até porque a vida é uma merda. Uma poça fedorenta de
estrume. Só havia espaço para sexo e ambição.
E vingança...
Quando Clara me deixa sozinho na banheira, tento focar
meus pensamentos novamente na Reap e em como destruir André.
Mas, é ilógico o quanto mais tento pensar nos meus planos
elaborados, mais penso no fato de que ela pode estar ou pode ficar
grávida.

✽✽✽

Quando acordo no dia seguinte, Clara não está na cama. A


porta do quarto está aberta, e posso sentir o cheiro de café passado
vindo da ala inferior.
Eu afasto os cobertores e coloco o roupão de lã. Minha
garganta dói um pouco, sinal de que o tempo está mais que frio,
está úmido. Talvez chova mais nesse inverno cada vez mais gelado.
— Clara? — eu a chamo, enquanto desço as escadas.
A encontro na cozinha, lendo algo no celular.
— Bom dia — a cumprimento.
Parece formal demais, e Clara apenas acena em resposta.
Sento-me a mesa, e sirvo o café. Lá fora o minuano uiva,
claramente o sábado será mais gelado do que imaginei.
— Maria Flor me mandou uma mensagem me pedindo para
encontrá-la.
— Você não vai — digo.
— Sabe o que penso? — ela retruca.
— Não. E não me importo.
— O primeiro sinal de um homem abusivo é tentar afastar a
mulher das suas amigas.
Eu quase cuspo o café diante de sua frase. Porque... há um
fundo de verdade nela. Realmente, um abusador sempre vai tentar
afastar a mulher do seu círculo de confiança. O problema nessa
história é que Clara não tinha um. Maria Flor era uma serpente que
estava prestes a picar seu calcanhar.
— Você é uma idiota — murmuro.
— Por quê?
— Porque o café está muito forte — digo, desconversando.
Ela me encara com olhos indiferentes.
— Hoje é meu dia de folga, e ficará comigo.
Então, tão surpreendentemente quanto a frase no dia
anterior, percebo seus olhos ficarem repletos de lágrimas e sua
boca avisar, antes dela sair da cozinha, pisando duro.
— Eu te odeio, Ian.
Era realmente um contraste. Não que isso me importasse.
31
Clara

Estou sensível. Não sei se é ao fato de eu realmente estar


sensível, se é por ter dito besteira na noite anterior, falando de
sentimentos que não sei se sinto, ou se é pela possibilidade de estar
grávida.
Eu devia fazer um teste. Seria mais tranquilo.
Mas, ele não me deixa sair de casa. Nem mesmo ver Maria
Flor. Eu sinto saudades da minha amiga. Talvez ela pudesse me
ajudar, me dar dicas de como agir.
Eu volto para a cozinha dez minutos depois de sair. Eu havia
assado pães de queijo e não deixaria de comê-los por causa desse
pau no cu. E fui eu que fiz o café. Forte como eu gostava. Ian não
iria me afastar do único prazer da minha vida, que era comer.
Único prazer... Ah, que merda!
Sento-me diante dele. Eu o encaro, porque ele tem que saber
que eu não sinto medo nem receio, por mais cara feia que ele faça.
Ian está particularmente bonito na luz da manhã. Seus cílios
escuros, sua barba por fazer. Ele me faz fraquejar, especialmente
diante do sorriso que surge em seu rosto.
— Fome?
— Sim.
— Se estiver grávida, com esse apetite, vai engordar e ficar
uma baleia.
— Você é um filho da puta, sabia?
— Um filho da puta magro. E você ficará uma pequena rolha
de poço — ele despreza. — Ah, Clara... Nós homens somos tão
felizardos. Somos como o vinho, cada vez mais perfeitos com o
passar do tempo. Mas, vocês, apodrecem como frutas com os anos.
Meu coração palpita. Estou quente, quero discutir com ele,
mas sei que ele está me provocando, só não entendo o porquê.
— Está com medo — murmuro, subitamente me dando conta.
— O quê? — ele aperta os olhos. — De quê?
— Está apaixonado por mim. E tem medo disso. Tem medo
de que eu vá embora e o deixe sozinho.
Ele não se move. Fica parado, apenas olhando.
— Quanta merda... — diz, num suspiro, depois de segundos
que parecem séculos.
Eu sorrio. Acertei precisamente.
— Sua vida sempre foi assim, não? Não lembro de você, mas
posso jurar que seus pais não ligavam para você. Também nunca
teve um relacionamento firme e verdadeiro. Até mesmo Lídia
morreu. E me tem ao seu lado por um acordo. Um acordo que pode
ser quebrado a qualquer momento. Deve estar apavorado.
Seu maxilar treme. Ele é forte, arrogante, mas está
despedaçando a minha frente, sem palavras. Talvez ele até
quisesse me estapear pela coragem de dizer tal coisa, mas não
consegue sequer se mexer.
— Você está com fome, querida? Talvez eu devesse levá-la
para almoçar fora.
Mudar de assunto parece seguro para Ian. Eu não consigo
parar de sorrir. É perfeito. Encontrei o ponto fraco dele.
— É claro, querido. Ansiosa para que me leve a um
restaurante agradável.

✽✽✽

Uma mulher está cantarolando uma música da MPB no canto


do restaurante chique. Eu não gosto desse tipo de ambiente, porque
ele parece me engolir e eu me sinto pequena e frágil nele, mas Ian é
cavalheiro o suficiente para me ajudar a sentar-me e estender o
menu para mim, deixando-me livre para escolher a entrada e o
almoço.
— Sua esposa vai adorar a salada de rúcula. Temos um
molho preparado pelo chef que ganhou diversos prêmios da
culinária internacional — a maître comenta, volvendo para Ian após
eu indicar a entrada.
O olhar de Ian queima para mim. Mas, ele não nega as
palavras, apenas acena para a mulher que se afasta.
A música permanece. Parece um pouco alta demais, aguda
demais, e eu imagino se a sensação ruim é pela letra ser um dos
sucessos de Caetano Veloso e eu não gostar de Caetano Veloso.
Ou talvez não seja Caetano Veloso e sim o silêncio nessa mesa.
— Como estão os planos para destruir André? — indago,
apenas para termos assunto.
— Bem.
— Só isso? Só bem?
— Sim.
Eu odeio o fato de ele ser horrivelmente monossilábico. Mas,
estou faminta e tudo em que penso é no prato que logo é colocado
diante de mim. Meu estômago sorri pelo gosto delicioso do molho.
— Você é linda, Clara.
A frase surpreendente me faz erguer os olhos para ele.
— O quê?
— Eu disse que é linda.
— Por que está dizendo isso?
— Porque eu fui cruel de manhã. Mulheres são sempre
adoráveis grávidas e eu não sou balança para me importar com o
peso de uma. Eu só queria te magoar.
Essa sinceridade me deixou pasma. Eu realmente não sabia
como agir diante dela.
— Por que queria me magoar?
— Eu não sei.
Silêncio novamente. Quase palpável. Cruel. Chegava a doer.
— Está tudo bem, Ian.
Ele sorri, e volta a atenção a comida.
Ao fundo, Caetano Veloso permanece na melodia da mulher.
Agora a música escolhida é “Sozinho”.
♪ Não sou nem quero ser o seu dono
É que um carinho, às vezes, cai bem ♫
Suspiro. Sorrio.
Talvez seja o destino. Não sei. Mas, estou tranquila diante
desse homem. Ele não me dá medo, apesar de as vezes me dar
nos nervos.
32
Ian

O problema óbvio entre Clara e eu é que algo está explodindo


entre nós. Uma ogiva que permaneceu intocável por anos, mas que
agora não parecia ser contida. Era uma tensão, uma presença
palpável que tornava nossa convivência quase impossível.
Eu devia pedir que ela fosse embora. Eu cumpriria minha
parte no acordo, não precisava que ela ficasse na minha casa para
isso. Mas, eu não conseguia fazer isso. Eu precisava dela, uma
parte de mim se tornou tão dependente. Era assustador. Era...
pecaminoso.
Ela se balança ao meu lado, me fazendo observá-la com o
canto dos olhos. Está mexendo no celular, olhando comentários
sobre a última fofoca de algum artista de televisão. Ela gosta desse
mundo de fantasia, onde não precisa encarar a realidade.
A realidade de que nunca foi amada por um homem. De que
era apenas um instrumento para algo.
Para André, dinheiro.
Para mim, vingança.
Algo queima em meu íntimo, talvez a sugestão de que nunca
foi vingança. Porque eu não sabia direito porque a odiava. Como ter
mágoa de uma adolescente? Era ridículo. Os anos passaram, Clara
mudou.
Eu mudei.
Talvez mais do que imaginava.
Meu olhar cai em sua barriga. E se ela realmente estivesse
grávida? O que faríamos?
Volto meus olhos na estrada. Estou em dúvidas crescentes.
Machucá-la ou protegê-la?
— O que vamos fazer hoje? — sua frase me desvia a
atenção.
— Ficar em casa? — não é uma afirmação. Até porque
realmente não estou a fim de voltar para casa e ficar entre quatro
paredes com uma Clara que parece estar destruindo minhas
barreiras.
— Que tal irmos caminhar no parque?
— Nesse frio? — indago.
— Você realmente não tem espírito de aventura.
Um sorriso se forma no canto da minha boca. Então, dou a
seta e vou para o acostamento, tentando fazer o retorno quando os
demais carros cruzassem.
— Ok. Se você quer ir ao parque, vamos no parque.

✽✽✽

Como eu imaginei, estava ventando gelado e não havia um


único ser humano parado naquele vento meio garoa, observando
árvores secas pelo inverno rigoroso. Clara se escondeu na sua
manta, seu pescoço sumindo em meio a lã grossa, mas eu podia ver
seu sorriso camuflado, rindo porque eu estava tremendo enquanto
andava ao seu lado.
— Adoro caminhar entre a natureza — ela disse.
Não é surpresa. Eu sei disso. Eu sei tudo sobre ela.
Tudo, menos o que de verdade ela está sentindo agora.
— Como você se sente? — indago.
Minha mão resvala na dela. Clara segura meus dedos
imediatamente. Não é gentileza, é busca de calor.
— Como assim?
— Enjoos... Desejos... Essas coisas de grávida.
— Não estou grávida.
— Como tem certeza? Fez algum teste?
— De que jeito? Eu nem saí de casa desde que falamos
sobre isso. E hoje, quando me trouxe ao restaurante... enfim, não
tinha nenhuma farmácia por perto.
— Você quer fazer?
Uma parte de mim desejava saber se ela estava. Eu queria
que ela estivesse. Assim, presa a mim para sempre. Não importa o
que acontecesse, teríamos um laço. Mas, por outro lado estava
apavorado com a possibilidade.
Clara e eu não éramos um casal. Não tínhamos um
relacionamento. Era tudo um jogo de poder e ódio. Como uma
criança poderia surgir desse tipo de vínculo?
— Eu não quero fazer ainda — ela murmurou. — Porque,
quando eu fizer, será a certeza... Certezas me apavoram.
— Foi por isso que se fez de cega com André? Não vai me
dizer que não desconfiava que tinha algo errado?
Para meu assombro, ela assentiu antes de parar diante de
um punhado de ervas plantadas na lateral da calçada.
— Cidreira — murmurou.
— Conhece plantas?
— Só essa. Meu tio amava o chá.
Se ela estivesse grávida, teria novamente uma família. Não ia
ser de todo mal. Clara se sentia muito sozinha desde que o tio
faleceu.
— Vamos para casa? — ela indagou, por fim.
Mal estivemos alguns minutos ali e ela já queria ir embora.
Iria rir e debochar de sua atitude, mas vi lágrimas em seus olhos.
Por esse motivo, calei-me.

✽✽✽

Eu estava confuso. Era um fato que não podia evitar. Havia


algo em Clara que despertava sentimentos avassaladores em mim.
Aceitar isso, era complicado. Mas, admitir, ao menos em meu
íntimo, não era de todo mal.
Clara está ao meu lado no automóvel. Quieta, talvez mais
que o normal. Minha mão direita abandona o volante e segura seus
dedos. Estão gelados, e eu os esfrego entre os meus.
— Ian — ela murmura, e eu olho rapidamente para ela.
— Sim?
— Quando chegarmos em casa, vamos fazer amor?
Fazer amor...
— Vamos — eu concordo.
Como não concordar?
Mais silêncio. Um carro claro cruza por mim na rodovia.
Outro. O trânsito está normal, a vida segue seu ritmo calmamente.
Subitamente, sinto seu toque no meu colo. Suas mãos frias vão até
minha calça e abrem meu zíper.
É instantâneo. Clara me toca e eu fico duro como rocha.
— Ian...
Eu gosto quando ela chama meu nome. É impróprio, sujo e,
na mesma medida, quente como o inferno. Minhas bolas apertam.
— Se toque, Clara — peço.
Ela leva as mãos a própria calça, logo, ela a abaixa um pouco
e posso ver sua boceta raspada. Então ela se esfrega, e seu gemido
baixo atiça um lado meu que é tão selvagem que quase me faz
bater o carro.
— Você é tão safada.
— Sim, meu dono...
— Não goze... quero que goze com meu pau enterrado em
você.
— Não posso aguentar...
Então eu mando qualquer precaução às favas. Dou sinal e
estaciono o veículo ao lado de uma mata fechada. Clara se inclina
contra o vidro enquanto eu tiro o cinto de segurança. Logo, estou
pairando sob ela, minhas mãos apoiadas em sua lateral, meu pau
se guiando para sua bocetinha encharcada.
— Você está tão molhada.
Eu mergulho em sua fenda e ela geme por mim.
— Ian...
Afundo até o talo. Está tão molhada que é fácil.
— Ian... eu te quero muito.
Eu a fodo com força. Ela ainda é apertada, apesar do som
molhado que escapa entre nossos corpos. Eu me movo em círculos,
profundamente, batendo, empurrando, sentindo Clara me apertando
com sua boceta.
Então eu encho essa boceta apertada com minha semente.
Impulsos frenéticos que me fazem bater com cada vez mais força.
Nossos sons se tornam cúmplices, gememos no mesmo ritmo, até
que caímos no poço profundo de nossos próprios sentimentos.
Eu estou acabado.
Destruído.
Clara já é parte da minha carne. Se ela estiver com meu filho
na barriga, será pior ainda.
Talvez não reste nada de mim quando toda essa história
acabar.
33
Clara

Na manhã de domingo, estou dolorida pela noite anterior. Ian foi


gentil, mas completamente insatisfeito. Ele sempre queria mais, e
chegou um momento da noite que pedi misericórdia. Estava
acabada, ofegante, suada, exausta e sem energia.
— O que é isso? — indago, quando acordo e percebo que ele
arrumou uma bandeja com frutas e pães, para me servir o café na
cama.
— Só um agrado, não se acostume — ele retruca.
Eu sorrio. Ele sorri.
Não há como evitar o que está transbordando em mim.
✽✽✽

O telefone tocou insistentemente na manhã de segunda. Eu


não quero ir para o curso, quero ficar entre as cobertas nesse dia
frio, mas igualmente não quero desistir porque desistir parece uma
característica minha. Contudo, a forma como o telefone não para de
vibrar me faz perceber que Maria Flor vai me procurar e não sei se
estou preparada para vê-la.
Ian me encara quando me vê desligando o telefone.
— Sua amiga?
— Sim.
— Lembra das minhas ordens?
Ordens... Comecei a odiá-las, apesar de saber que faziam
parte do acordo. Porém... Eu estava aqui porque eu queria. Era
minha escolha. Não atender Maria Flor, era minha escolha. Apesar
de parecer cruel, estava apenas cumprindo meus desejos. Saber
que Ian acreditava que eu era apenas uma mulher obediente me
incomodava.
Então, eu puxei o telefone, liguei-o e retornei a ligação.
Assim, na frente dele. Apenas para vê-lo queimar de raiva.
O telefone toca uma ou duas vezes. Cai na caixa de
mensagens.
— Amiga, estou indo para o curso. Se precisar falar comigo,
me ligue mais tarde ou me procure lá — digo, e então desligo.
Ian joga o pão no prato e sai pisando duro. Eu ainda termino
meu café, independente da vontade dele.

✽✽✽

Maria Flor me abraça quando me vê perto da lanchonete que


nos encontramos naquele dia. Ela parece cheia de saudade e eu me
sinto culpada pela maneira como a tratei.
— Amiga, André quer se matar. Ele tentou ligar para você...
— Eu bloqueei o número dele — contei, interrompendo-a.
Fiz isso numa das noites após o sexo com Ian. André estava
mandando mensagens que eu não queria ver. Ele era passado e eu
me incomodava só de pensar que já fui para cama com ele. Ian era
tão superior em tudo. Ian me deixava fervendo.
— Amiga, precisa falar com André... Não é certo...
— Ele me roubou.
— Não amada, ele só vendeu a fazenda para investir o
dinheiro em outra coisa. Ele iria te contar, mas você chegou gritando
e surtando, e ele estava irritado... enfim, foi tudo um mal-entendido.
Não me importa.
— Isso é passado — eu digo a ela. — Eu estou numa fase
fantástica. Está sendo incrível. Estou me redescobrindo.
Ela parece tão chocada, seus olhos tão arregalados enquanto
fica boquiaberta para mim.
— Meu Deus, Clara... Você não pode fazer isso. André é o
amor da sua vida.
— Não. Ele foi apenas... Algo que eu me acostumei. Uma
coisa de adolescente que eu levei para a vida adulta, mas eu devia
ter terminado com ele quando entrei para a faculdade. Eu deixei de
viver coisas lindas, momentos legais, porque estava presa a ele.
E eu podia ter conhecido Ian antes. Eu podia ter me
apaixonado antes. Eu podia ter perdido minha virgindade com Ian.
Teria sido perfeito.
— André te ama.
— Sinto muito. Eu não o amo.
— Está apenas confusa e magoada.
— Nunca estive mais lúcida.
Há um milhão de razões para isso. Todas elas se centram em
Ian.
Na forma como Ian me olha.
Na forma como Ian me beija.
Na forma como Ian fala comigo.
Na maneira como Ian me faz ver o mundo.
No calor que Ian emana.
— Apenas, por favor... Eu imploro... Fale com André. Olhe,
estarei junto com você, não deixarei que nada te aconteça. Estarei
ao seu lado... Apenas, fale com André... Ele foi seu namorado por
anos, se acabou, diga pessoalmente.
Eu penso por alguns momentos. Talvez eu devesse perguntar
a Ian o que ele acha. Ian é meu dono...
Porém, me vejo concordando. Eu quero mesmo dizer na
cara de André que eu amo outro homem.
34
Ian

Jocélia e Pedro Lopes estavam conversando animadamente


quando eu entrei no escritório. Ambos me cumprimentaram
formalmente, e depois minha secretária se sentou como se tivesse
sido pega em flagrante de algo ilícito enquanto Pedro me seguiu até
minha sala.
— Você sabe que ela é casada, não sabe?
Pedro me encarou. Sei que ele quis negar, mas por fim
assentiu, com ar de culpa.
Eu não queria esse tipo de problema no escritório, porque
infidelidade entre funcionários sempre poderia trazer complicações
extras. Pelo meu tom, deixei isso claro a Pedro.
— André Mendonça ligou hoje.
— Mesmo?
— Ele aumentou a oferta para 50% do valor que o senhor
deseja.
— Metade? Não serve. Eu sei exatamente quanto ele roubou
de Clara e quero o máximo possível desse valor. Sei que ele gastou
um tanto com futilidades, mas o resto eu desejo.
— Vou ligar para ele e dizer que não aceitamos.
— Deixe explícito de que a Reap é algo sério e se ele não
oferecer o valor mínimo, nem precisa nos ligar mais.
Pedro assentiu.
— Acha que ele vai arriscar tudo?
— Você só dá valor para o dinheiro que suou para conquistar.
E André nunca se esforçou por um tostão.
Resvalo na cadeira. Estou um pouco cansado das atividades
do final de semana. Clara foi enérgica e devoradora. Ela não parou,
não cessou, enquanto não estava completamente e absolutamente
saciada.
Isso me faz pensar que eu possa ter esfolado meu pau em
algum momento, porque não paramos de transar.
— Ah, senhor Pozo, a boneca ficou pronta.
Eu arqueei as sobrancelhas sem entender, até que Pedro
abriu sua maleta e tirou uma boneca de pano do lugar. Era a boneca
que Clara ganhou da mãe e encontrou em mal estado na casa do
tio.
Eu nem me lembrava mais do brinquedo. Jurei que o
arrumaria para ela, e realmente ele parecia estar novo.
— O artesão que consertou fez um ótimo trabalho.
Peguei a boneca e encarei seus olhos mortos. Azuis como o
céu.
— É um presente para uma criança? — Pedro indaga, uma
pergunta cordial, não questionadora.
— Para uma mulher.
— Mesmo? Uma boneca?
— É... tem valor sentimental.
Pedro não indagou mais nada. Apenas se retirou momentos
depois, deixando-me sozinho com a boneca de Clara, e com as
perguntas que me deixavam inquieto.
Por que diabos eu estava mimando essa mulher?

✽✽✽

— Eu arrumei a boneca em uma caixa de papelão preto, e


depois pus laços — Jocélia me mostrou. — Acho que é um ótimo
agrado.
Eu concordei.
— Senhor, a festa do aniversário da empresa... A senhora
Lídia sempre fazia um evento de gala com convidados, acionistas...
Enfim, eu gostaria de saber se vamos seguir o mesmo projeto esse
ano.
Assenti. Seria o primeiro ano sem Lídia.
— Vou trazer uma acompanhante — avisei, e Jocélia
arregalou os olhos. — Você acha muito cedo?
— Não, senhor. Já se passou mais de um ano... Ano passado
não fizemos porque o falecimento de Lídia era muito recente..., mas
agora, uma festa... o senhor seguindo em frente...
— Não sei se estou seguindo em frente, Jocélia. Apenas
sinto que estou encarando o passado por tempo demais. Não
consigo me desvencilhar, é como se fosse uma teia de aranha que
me agarrou... me sufocou.
Eu não costumava desabafar com ninguém, mas sabia que
Jocélia entenderia.
— Se um relacionamento não te faz bem, deve terminá-lo.
— Me faz bem, Jocélia. Esse é o problema.
— Se sente culpado por causa de Lídia? Ela está morta,
senhor. E tem o direito de seguir sua vida.
Todos sabiam que Lídia era gay, mas igualmente sabiam que
eu a amava. Só não entendiam que era como amiga.
— Qual é o nome dela?
— Clara.
— Que lindo nome.
— É. Ela também é linda. E pode estar grávida.
Jocélia abriu a boca, embasbacada.
— Isso é maravilhoso, Sr.
— Não temos certeza, ainda. Não sei o que fazer, Jocélia. Eu
queria que Lídia estivesse aqui... Desculpe estar desabafando com
você, mas... Você era amiga de Lídia, então... é um pouco minha
também.
Ela sorri. Logo se senta diante da minha mesa.
— Sr. Ian, o senhor a ama?
— Clara?
— Sim.
— Não sei. Provavelmente. Mas, é difícil aceitar. Nossa
relação não começou do jeito certo.
— Como começou não importa. O que importa é como vai
segui-la. Se a ama, lute por ela. Porque amor é algo importante
demais para a gente deixar passar. Se perder essa possibilidade só
viverá com a culpa, depois.
Suas palavras cavam em mim.
Era o certo, não é. Clara e eu construímos algo. Fato que foi
algo baseado em vingança e sexo, mas era algo. E nós nos
dávamos bem, juntos. Ela já havia dito que me amava...
E eu sentia algo, apesar de não conseguir confessar ou
aceitar isso.
35
Clara

— Cabelo é uma arte — Vanusa, minha colega de curso,


comenta. — Saber a textura, os produtos certos, saber montar
cronograma, sério... é bom demais. É meio viciante. Estou louca
para fazer curso de corte, de luzes, aprender a fazer hidratação.
Ergo a mão e a pouso nas minhas próprias madeixas um
tanto desidratadas. Eu nunca me importei muito com essas coisas, e
não estava esperando que um dia fosse me importar. Agora,
contudo, eu estou interessada em aprender.
Com o passar dos dias, percebi que culinária não era para
mim. Fiquei um tanto envergonhada para contar isso para Ian, mas
vendo as meninas falando sobre maquiagem e cabelo, comecei a
mudar o interesse. Vi alguns vídeos no Youtube e descobri que eu
podia sim ter vocação.
Eu nunca fui relapsa. Mas, estava ansiosa para experimentar
tudo que eu pudesse. Pela primeira vez na vida eu percebia que a
vida só se vive uma vez. Mas, como eu diria para Ian que iria
desistir de algo que ele já pagou para me aventurar em outra coisa?
De repente, sinto uma mão no meu ombro. Maria Flor surge,
sorrindo para Vanusa de um jeito desconfortável, e logo minha
parceira de aula se despediu.
— Sua amiga é bem gorda — Maria Flor comentou, me
deixando embaraçada. — Você já reparou nos braços dela? As
mangas da camiseta quase rasgam — riu, debochada.
Eu me senti profundamente incomodada com aquele
comentário.
— Eu a acho muito bonita — disse, por fim, e Maria Flor fez
um sinal negativo com a face.
O sino da igreja próxima soa, informando que é o meio-dia.
Pego meu celular, porque Ian me liga sempre nesse horário, mas
quando o encontro, percebo que a tela não acende.
— O que foi? — Maria Flor indaga.
— Acho que acabou a bateria.
— Ah. Não trouxe carregador?
— Não.
— Pede para alguém te emprestar.
Um choro súbito trava minha garganta porque mesmo que
alguém tenha o mesmo modelo do meu celular – o que é difícil, já
que é de uma marca cara - e me empreste o carregador, ainda
assim vou perder a conversa diária com Ian.
E eu quero tanto ouvir a voz dele.
Maria Flor suspira enquanto observa.
— Clara, o que você tem? É só a droga de um celular.
Ela tem razão. Eu não devia estar tão sensível, mas não
consigo evitar. Lágrimas já borbulham em mim. Me sinto tão
envergonhada e idiota.
O moço da cantina me traz um copo de água. Já sou cliente
dele desde que entrei para o curso, e apenas agradeço sua
gentileza com a voz embargada.
— É que ele me liga ao meio-dia...
— Me diz uma coisa, Clara... Esse cara que está te dando um
lugar para morar... Como é mesmo o nome dele? — Não respondo,
e ela continua. — Esse cara... Esse cara está abusando de você?
Está chorando por medo, é isso?
Eu gostaria de poder explicar, mas não existe uma
explicação. Estou com os nervos à flor da pele, porque falar com Ian
é algo que eu amo fazer. E perder isso, essa parte do dia... é
doloroso como um espinho cravando na carne.
E existe a regra. Ele sempre fala comigo ao meio-dia. Como
sua propriedade, eu devo cumprir a regra.
— Clara, você precisa me contar se está sendo vítima de
algo, entendeu?
— Vítima?
— Você quer que eu chame a polícia?
Eu dou risada, o choro sumindo, despertando uma
gargalhada. Maria Flor me encara como se eu tivesse perdido o
juízo.
— Eu estou bem — digo, acalmando minha amiga. — Por
que veio aqui?
— Falei com André e quero combinar a data e a hora com
você para o encontro.
Suspiro, cansada. Eu não quero ver André. Mas, eu sei que
devo.
— Que dia fica melhor para você? — Maria Flor exige.
Dou os ombros. Qualquer dia está bom. Contanto que Ian
não saiba. Sei que devo contar a ele, e provavelmente o farei, mas
não quero que ele ache que estou recaindo por André. Ian é meu
tudo, agora. Só ele me importa.
36
Ian

Como ela se atreve a ter desligado o telefone?


Busco a xícara de café em minha mesa, tentando me acalmar
com um gole da bebida quente. Todavia, a cafeína tem poder
contrário, e estou ao ponto de retorcer o aparelho nas mãos, da
mesma forma que quero fazer ao pescoço de Clara.
É isso, então?
Ela acha que conseguiu me manipular o suficiente para
simplesmente não cumprir o que foi acordado entre nós?
Eu me levanto. Ando até a janela que dá vista para a cidade.
O telefone soando em toques ritmados no meu ouvido. Nem sei
quantas vezes tentei ligar desde o meio-dia, e em todas fui
ignorado.
Estou com raiva. Uma tremenda raiva.
Mas, estou tentando manter a neutralidade.
Quem está perdendo é ela, em não cumprir o acordo. Se ela
quebrou, eu posso desistir de tudo, incluindo da sua vingança. Já a
comi, não tenho anda a perder. Clara foi só uma boa boceta, mas
existem outras melhores por aí.
Droga... Droga...

✽✽✽

Eu me senti um idiota durante toda à tarde. Tinha


compromissos importantes com a empresa, mas a cada momento
de pausa, estava eu, como um cachorrinho, tentando ligar para ela.
— Está namorando, senhor? — Pedro entra na minha sala no
final do dia, com o relatório diário da Reap.
— O quê? — indago, para em seguida perceber que Jocélia
falou demais. — Não é um namoro.
— Ora, mas não vai trazer a moça para conhecer as pessoas
da empresa? Ficamos todos muito felizes que está seguindo em
frente. Sabemos o quanto o senhor e a dona Lídia eram apegados
um no outro.
O que será que eles imaginavam que rolava entre Lídia e eu?
Uma bissexualidade do lado dela? Ou simplesmente
companheirismo? Todos sabiam que Lídia era lésbica, mas
igualmente respeitavam que havia amor entre nós.
— E como vai com André Mendonça?
— Ele insiste naquele valor. Já recusamos, mas ele ligou
mais algumas vezes para mim.
— E você?
— Pedi que não me ligasse mais, porque existe um grupo de
investidores querendo a Reap’s e que respeita o valor mínimo.
— Bom...
— Ah, e sobre a moça que pediu para eu investigar... Maria...
Maria não lembro...
— Maria Flor.
— Isso! Maria Flor! Bem, parece que ela e o senhor André
não andam em bons termos. Afinal de contas, a mulher está quase
sendo despejada do apartamento dela. Sabia que a ex-noiva de
André pagava o aluguel de Maria Flor? Parece que parou de pagar
a algum tempo, e mesmo com o dinheiro que André Mendonça
adquiriu, ele não ajudou a amante.
Eu imaginava isso. Maria Flor me viu numa das visitas a
Clara. Como eu já desconfiava, aparentemente ela não contou a
André sobre mim e sobre o fato de ser eu a estar escoltando Clara.
Eu imaginei que, então, havia problemas no paraíso.
André, claro, não reconheceu meu nome nem a minha cara
quando veio me ver. Isso não me admirou, eu era um nada na
escola para ele. Mesmo Clara não se lembrava de mim.
Busco o telefone mais uma vez. Nada. Clara me ignorou o dia
inteiro.
— Tudo bem, senhor? — Pedro perguntou provavelmente
pela minha carranca.
— Tudo... Só estou pensando, acho que devia marcar um
almoço com Maria Flor.
Pedro pegou sua caderneta para anotar qualquer ordem
minha, mas não a disse. Não era algo formal, como ele imaginou.
Eu precisava ver Maria Flor para saber que jogo ela estava
jogando, e o que iria querer caso o vencesse.
37
Clara

Ele está furioso. Eu posso sentir isso apenas pelo olhar que ele me
destina quando eu me aproximo do seu veículo.
— Oi — eu digo, assim que me sento ao seu lado.
Sem respostas. Sua mandíbula treme e eu me pergunto o
quanto isso é louco e ilógico. Esse homem é um dominador, e
mulher nenhuma devia se sentir culpada por não atender a uma
ligação. Ainda assim, cá estou eu, com o coração acelerado,
preparada para enchê-lo de explicações, preocupada com o que ele
vai achar de tudo isso.
— Ian...
— Cale a boca.
E isso é tudo que ele diz enquanto arranca o veículo.
Sua direção é irritada, ele avança pela estrada com uma
velocidade acima do que eu estou acostumada. Isso me dá
calafrios.
— Vá devagar.
— Me obrigue — retruca.
Parece que ele quer nos matar.
— Eu posso estar grávida, lembra? — murmuro.
E só isso o fez tirar o pé do acelerador.
Ian respira forte. Suspira forte. Morde seu lábio inferior quase
ao ponto de sangrar. Só cerca de cinco minutos depois, ele
consegue falar algo sem parecer prestes a pular em cima de mim.
— Por que não atendeu o telefone?
— Descarregou e eu esqueci o carregador em casa.
— Certo — ele rebate.
Não sei se acredita. Ele não demonstra nada.
— Ian — eu chamo.
Ele me olha rapidamente. Logo volta a encarar a estrada.
— Eu esqueci o carregador — reafirmo. É importante para
mim que ele saiba que eu queria receber sua ligação. — Eu sinto
muito.
Nada.
Lágrimas se formam nos meus olhos, mas eu não quero que
ele as perceba. Então apenas encaro a janela.
Essa relação é estúpida e abusiva de todas as formas que eu
jamais imaginei viver. Ele não percebia isso?

✽✽✽

Ian entra na casa e vai direto até o uísque que está na


estante, diante das poltronas. Ele nem tirou o casaco antes de se
servir uma dose. Simplesmente parece buscar no álcool algum tipo
de energia ou coragem que não tem na realidade.
— Eu vou subir e tomar um banho — digo, esperando que ele
concorde.
— Não admito que você desrespeite as ordens que eu te dou
— ele diz, me fazendo estremecer.
Não consigo dar um passo. Meu coração acelera quando ele
me encara. Seus olhos são quentes, e sua boca está entreaberta,
me fazendo salivar de vontade de tomá-lo.
— Sim, senhor.
Ian tira o casaco. O joga no chão. Depois, ele desabotoa os
punhos, e abre os botões da camisa, revelando seu peito.
— Você é uma garota muito má, Clara. Eu tenho que puni-la
por toda essa desobediência.
— E como fará isso?
— Talvez eu devesse bater em você.
Uma parte de mim fica apavorada com a possibilidade. É
completamente repugnante que um homem me levante a mão, é
mais do que eu posso aceitar. Eu permiti que ele tirasse todo traço
de dignidade de mim, eu o chamava de dono, eu me submeti a tudo,
até mesmo que ele raspasse minha boceta, mas isso... isso era
demais...
— Não assim, Clara — ele falou, era como se estivesse me
lendo como um livro. — No bumbum.
O sentimento no meu coração faz mais sentido do que as
palavras soam na minha cabeça.
Meu coração bate forte enquanto minha boceta começa a
pulsar loucamente.
Sim... dessa forma... dessa forma eu não apenas aceitava,
como queria.
Ian leva a mão até o zíper da calça, o puxa para baixo. Posso
ver seu pau se movimentando ali, entre o tecido da cueca. Minha
boca saliva e preciso apertar minhas coxas para conter a
inquietação que me toma. Então ele se senta na poltrona. Sua mão
bate na coxa, e eu sei que ele está me chamando.
Começo a perder o ar. Estou muito excitada. Sem pensar
direito, eu levo as mãos até minha saia longa e a puxo até se
embrulhar na minha cintura. Tiro a meia calça de lã, e fico apenas
de calcinha embaixo da saia. O ar gelado daquele final de inverno
me toma, arrepiando-me mais ainda.
Com meus passos trêmulos, vou andando até ele. Um sorriso
desponta nos lábios carnudos de Ian enquanto eu me deito no seu
colo de barriga para baixo, minha bunda disponível para ele bater.
Ian ergue minha saia, e depois puxa minha calcinha. A
sensação de prazer me toma, e eu começo a ficar muito úmida. Eu
sei que ele pode me ver, pode ver meu líquido babado na minha
boceta, e isso me deixa ainda mais desejosa.
— Ian — eu murmuro.
Seu pau está firme na minha barriga. Um gemido escapa dos
meus lábios. Só a possibilidade de sentir dor me leva a um clímax.
— Nunca mais — ele diz, erguendo a mão. — Nunca mais se
atreva a não atender uma ligação minha.
E então sua palmada estala na minha bunda. É forte, bruto.
E delicioso.
— Ian...
Eu gemo seu nome, enquanto outra palmada estala alto na
sala de estar. Minhas pernas vacilam e eu fico completamente a sua
mercê. Não tenho forças para me segurar enquanto ele levanta e
ergue o braço, cada vez mais forte. Tudo que consigo é rebolar
sobre a ponta dura que aperta minha barriga.
— Ai... Ian...
Eu estou muito quente. O inverno parece ter se ido, e meu
corpo queima.
— Está ficando tão escorregadia, Clara... — Seus dedos
apertam minha bunda, e depois deslizam para minha fenda. —
Como você se atreve a se excitar com algo que devia te fazer
chorar?
A pergunta não é séria. Eu sei que não. Um sorriso se forma
no meu rosto enquanto ele fode minha boceta com os dedos.
Depois, outra palmada forte. Estou à beira de um orgasmo, e me
aperto contra ele, moendo, desesperada pela libertação.
Mais uma palmada, e outra. Sua mão se choca contra minha
boceta toda vez que ele bate, e minha bunda se inclina para deixar
o espaço mais livre.
— Ian... Ian...
Mais batidas. Eu não consigo contabilizá-las. São tantas,
todas fortes e que machucam. Minha bunda deve estar vermelha,
minha boceta recebe cada golpe. Eu mal consigo respirar, o ar cada
vez mais acelerado entrando nos meus pulmões. Exalo forte
enquanto balanço cada vez mais ritmada.
De repente, sua mão cessa as palmadas.
— Sai do meu colo, Clara.
Eu fico zonza, sem entender, mas quando eu o olho, percebo
que ele também está quase gozando.
— Me chupa — ele manda.
Eu me afasto brevemente, fico de joelhos imediatamente. Ian
abre mais a calça, afasta a cueca, e seu pau grande e duro surge
diante dos meus olhos. Posso ver a pérola que coroa sua cabeça, e
minha boca saliva.
Eu o tomo na minha boca. Sua mão forma um punho nos
meus cabelos e ele força minha cabeça mais e mais contra seu
cacete. Minha cabeça balança enquanto seu pau entra e sai
rapidamente dos meus lábios, cada vez em golpes mais intensos.
Minha mão direita aperta meu clitóris e eu começo a me
masturbar enquanto sinto o líquido de Ian descendo pela minha
garganta.
Então, explodo em estrelas, enquanto atinjo o pico do prazer.
Escuto o suspiro de Ian nos meus ouvidos, uma música ritmada
que, entendo, são gemidos satisfeitos.
É assim. Com Ian é sempre assim.
Um prazer sem limite. Uma satisfação que parece ser dada à
alma.
38
Ian

Maria Flor entrou com passos seguros no restaurante onde Pedro


Lopes marcou nosso encontro. Assim que ela se aproximou, ergui-
me respeitosamente e estendi a mão.
Seus olhos são brilhantes, e ela gosta do gesto. Estendeu
seus dedos delicados, onde deposito um beijo gentil, como um
cavalheiro que não sou.
— Fico feliz que tenha vindo — Vou até ela e ajeito a cadeira
para que ela possa se sentar. — Eu queria muito falar com você.
— Mesmo?
— Sim. Mas, antes, quer beber ou comer algo?
— Um vinho está bom.
Eu estendo a mão para o garçom e peço uma boa safra. Sou
um homem generoso com as vontades de uma mulher.
— Então... Por que queria me ver?
— Você sabe porquê...
— Não faço a menor ideia — afirmou. — Sei que tenta
afastar minha amiga de mim, mas podia ter me escorraçado sem
precisar me pagar um vinho.
Ah, ela é inteligente. Tem outras qualidades, mas o que eu
mais gosto é que é esperta. Bonita, também. Gostosa pra caramba.
O que uma mulher dessas estava fazendo sendo o estepe de André
Mendonça?
— Por que não contou a André que eu sou o protetor de
Clara?
— Quem disse que eu não contei?
— Ele é um pamonha. Se tivesse contado, ele teria deixado
escapar que me reconhecia num encontro que tivemos esses dias.
Minhas palavras são aliviadas por um sorriso. O garçom se
aproxima com as taças e a garrafa. Maria Flor aguarda que ele a
sirva, e só depois que o homem se vai, ela bebe um gole, antes de
falar:
— Eu não odeio Clara.
— É claro que você a odeia...
— Está enganado. Ah, Ian... você ainda é o menino bobo que
eu conheci, não é? Não que eu tivesse prestado muita atenção em
você, mas não mudou nada. Ainda acredita no que os seus olhos
veem.
O que ela queria dizer com isso?
— Eu a amava — surpreendeu-me. — Talvez eu ainda a
ame. Não sei mais, os anos vão passando e os sentimentos vão
mudando.
É quase sufocante a sensação de eu não sentir mentira nela.
Mas, é claro que mente. Não é possível que...
— Eu vi André com você na escola, durante o ensino médio.
— É mesmo? — ela ergueu uma sobrancelha. Parecia
inabalável.
— Você estava chupando o pau dele no vestiário.
— É... eu fiz isso algumas vezes. Era uma merda. Um
peruzinho sem graça, xoxo, me dá ânsia de vômito só de pensar.
— Por que fez isso?
— O que eu posso dizer. Era uma menina. Boba. Idiota. E
cheia de culpa e vergonha. André sabia disso. Então ele me
chantageou. E continuou a chantagem por anos e anos.
— Culpa e vergonha... — repito as palavras, só então as
coisas começam a ficar claras.
Maria Flor era como Lídia.
— Você era apaixonada por Clara?
Seus olhos se iluminam.
— Isso.
— E para ele não contar a ela, você aceitou transar com
André.
— E com os amigos dele.
— Por que se permitiu isso?
— Por medo. Medo de que quando Clara soubesse, ela fosse
me afastar. Me odiar. Então eu aceitei tudo. Até André roubar tudo
de Clara.
— Clara tinha um tio gay...
— Uma coisa é aceitar os gays. Outra é ter um apaixonado
por você.
Touché.
— Você foi ao apartamento para saber dos documentos.
— Ele deixou uma procuração de transferência do
apartamento de Clara junto aos documentos dela. Eu queria a
procuração para destruí-la. Agora André está atrás de Clara, e está
usando gravações minhas, de sexo com ele e com seus amigos,
para me fazer levá-la até ele.
— E você está aceitando? Por que não fala a verdade para
ela?
— Eu a amava. Mas, por causa dela, minha vida está
destruída.
— Ela não tem culpa.
— Talvez não. Mas, eu também não tinha. E agora, olha o
rolo que eu me meti.
Um silêncio emerge entre nós. Maria Flor volta a segurar a
taça, e a beber o líquido.
— Estou tentando fazer André investir o que roubou de Clara
num projeto meu.
— Sim, eu soube.
— Convença-o a entrar. Se fizer isso, eu consigo colocá-lo
numa situação pela qual sequer pensará em usar suas gravações.
Um sorriso aparece nos lábios de Maria Flor. Pela primeira
vez, ela realmente demonstra estar interessada.

✽✽✽

— Uma festa?
— Aniversário da Empresa.
— E eu irei?
— Isso.
— Ao seu lado?
Clara piscou os lindos olhos de mar rapidamente, me fazendo
sorrir.
— Ao meu lado — afirmei.
Um sorriso floresce em seu rosto. Ela se remexe na cama,
onde estamos deitados, nus.
— Posso usar aquele vestido preto que você comprou.
— Pode. Ou um vermelho. Destaca seus olhos.
De repente, eu me lembro do presente que guardei para
Clara durante todos esses dias. Me desvencilho dos seus braços e
vou até o armário do meu próprio quarto buscá-lo. Quando ela vê a
caixa preta nas minhas mãos, senta-se na cama, interessada pelo
que quer que esteja ali.
Dou a caixa a ela. Os laços são soltos imediatamente, e seus
olhos transbordam lágrimas e emoções quando ela percebe a
boneca de pano totalmente reformada.
— Ian... Eu vou dar a minha filha, quando a tiver.
O pensamento me toma. De repente, lembro-me das dúvidas
sobre a sua barriga. Algumas vezes eu agia como se ela estivesse
grávida, porque eu queria tanto que ela estivesse. Então
simplesmente volto a cama, e a tomo novamente.
Se Clara estiver grávida, ou se ela engravidar futuramente,
aqui nessa casa, será fácil tê-la para sempre, mesmo após a
vingança de André.

✽✽✽

Eu olho para a foto de Lídia, com seus lindos e longos


cabelos loiros, acima da minha mesa. Queria que Lídia estivesse
aqui. Queria ser novamente seu funcionário e, acima de tudo, seu
amigo. Queria que ela pudesse me ouvir falar sobre Clara e sobre
como eu pensava que ela podia estar esperando um filho meu.
— Bom dia, Sr. Pozo — Pedro acessa minha sala com um
sorriso no rosto.
— Bom dia.
— Trago notícias.
— Sobre André?
— Não. Sobre a casa que mandou reformar. Tudo
organizado. Está basicamente pronta, a prefeitura aceitou todo o
projeto e os arquitetos conseguiram manter a estrutura antiga,
apenas consertando e limpando. Permita-me dizer que está linda,
estive lá ontem, e é um lugar de sonhos.
— Que bom.
— As chaves estão aqui — ele deposita um molho em minha
mesa. — Colocamos seguranças para que ninguém tenha acesso
nos primeiros dias, até a pessoa que for morar ocupar o imóvel.
De repente, dou-me conta de que Clara pode ir para lá ou
voltar ao seu apartamento a qualquer momento. Ela poderia ir
embora, já me deu seu corpo, eu poderia cumprir o acordo de
qualquer forma.
— Obrigado pelo trabalho duro — disse, pegando as chaves
e colocando-as no bolso. — Entregue os relatórios para que Jocélia
possa lançar no sistema.
Ele concordou e saiu.
✽✽✽

Eu levei trabalho para casa depois de meses. Acredito que o


tempo que passo pensando em Clara no trabalho está tirando meu
tempo de ocupação. Então, começo a analisar planilhas e relatórios
pelo meu notebook. Estou sentado na poltrona da sala, a lareira não
foi acesa essa noite porque o tempo está começando a esquentar.
Clara surge das escadas e me observa trabalhar. Penso que
ela irá ligar o televisor para ocupar o tempo, mas ela se senta diante
de mim, e me interrompe.
— André quer falar comigo.
Ergo meus olhos. Meus dedos que batiam freneticamente no
teclado, agora estão apenas levantados, imóveis, aguardando as
ordens do meu cérebro. Mas, ele está ocupado demais tentando
processar a nova informação. Não a de que André queria vê-la - eu
ja sabia disso -, mas a de que ela parece disposta a ir até ele.
— André quer falar comigo — ela repetiu, como se eu não
ouvisse. — Maria Flor disse que ele precisa... Enfim, eu quero falar
com ele — ela me conta, e eu preciso me segurar para não saltar
em cima dela e esganar esse pescoço branco. — Porque eu quero
finalizar essa etapa da minha vida. Eu quero dizer isso para ele.
— Parece-me que já está decidida.
— Estou.
— Não é uma boa propriedade, Clara. Devia querer ouvir a
minha opinião.
— Mas, não quero. Não me interessa sua opinião. Eu vou
encontrar André, e vou vê-lo para lhe dizer algumas verdades, seja
sua vontade ou não.
Eu bato o notebook enquanto eu o fecho. Ergo-me e vou para
meu quarto. Fecho a porta. Nessa noite, não procuro Clara. Apenas
ardo em raiva.
Mulher tola.
Idiota.
Que ela vá para o diabo!
39
Clara

— Por que as vezes parece que você me odeia?


Ian me encara da cama. Ele está deitado, acostado nos
travesseiros, o corpo meio ereto, nas mãos tem o celular, e nos
olhos uma inquietude que já me acostumei a ver.
— Já te disse. Você me humilhou.
Estou diante dele. Em pé, ao lado da cama.
— Como assim?
— Eu fui conversar com você, trombei em você, sequer me
olhou, e saiu rindo de mim, com seus amigos.
— Está me falando da escola? Que coisa... idiota... Já se
passaram muitos anos. Que tipo de imbecil rancoroso é você?
— Um que não esquece.
Merda! Não me lembrava de ter pisado nos sentimentos de
Ian. Mas, era possível. Eu era bem boba nessa época. Aprendi a ter
um pouco mais de humildade convivendo com meu tio, e vendo
como as demais pessoas o tratavam quando sabiam que ele era
gay. Assistir a indiferença, o horror e o desprezo contra alguém que
você ama é muito forte.
— Sinto muito — disse, com sinceridade.
— O que importa isso agora? — ele desdenhou.
— O quão louco você é por guardar ressentimento de uma
menina?
— Talvez eu te amasse — ele apontou. — E por isso tenha
doido tanto.
— Amado com parca idade? Isso não existe.
— Existiu para mim.
Lágrimas despontam nos meus olhos. Eu vou para o
banheiro, e me encaro no espelho, percebendo meu rosto nublado.
Eu quero o amor de Ian, eu sei que ele ainda sente algo por mim,
mas ele não diz nada. Ele nunca fala. Ele nunca sequer chegou
perto. Ele só despeja raiva, mesmo que suas ações sejam brandas
e carinhosas.
De repente, percebo Ian na porta do banheiro.
— Pode me dar privacidade? — indago.
Só quero que ele se vá.
— Você está sangrando.
— O quê?
— Sua bunda... Está manchada de sangue.
Eu levo a mão para trás e sinto a umidade. Então
rapidamente a desço a calcinha e percebo aquele início de
menstruação um tanto pegajosa. Um choro compulsório desponta
na minha garganta.
Eu estou chorando pelo que perdi. Uma única pessoa, uma
pessoa real... eu teria alguém para mim. Um bebê... Um bebê de
Ian... Eu teria sido mãe...
Isso nunca aconteceu.
Eu vou até a ducha para me limpar. As lágrimas descem
pelos meus olhos, indiferentes a presença máscula do outro lado do
banheiro, olhando tudo.
Talvez Ian nunca soubesse ou percebesse o quanto ficar
grávida importava para mim.
— Eu sinto muito — ele diz.
Sozinha de novo. Nessa bosta de mundo. Nada de bebê para
eu amar e cuidar. Nada de vínculo eterno com Ian. Provavelmente
agora ele usaria proteção. Não arriscaria duas vezes.
— Eu preciso de absorvente — digo a ele.
— Lídia tinha alguns pacotes na despensa. Vou buscar.
Quando ele volta e me entrega, eu estou mais calma. Limpa,
visto-me e vou descansar. Sinto a barriga inchada e sei que o atraso
nas regras teve motivo. Foi o montante de coisas que vivi aqui,
mexeu com o meu psicológico e com a minha fisiologia.
No fundo, era uma sorte. Eu precisava de tempo para
reconstruir a minha vida. Não de um bebê, um bebê de Ian, para
atrapalhar tudo.
Mais um choro surge na minha garganta.
Um bebê de Ian...
Um bebê que eu nunca terei.

✽✽✽

Maria Flor aponta a cadeira. Eu me sento nela, e fico defronte


a André.
Exigi que o encontro fosse num local público. Eu queria ter a
certeza de que André não iria tentar nada inapropriado.
— Como vai, Clara? — ele indaga.
— Bem.
Seus olhos são simplesmente vazios. Sempre o foram, mas
só agora eu os percebia. Começo a dolorosa análise comparativa do
homem à minha frente com Ian Pozo, e André se torna uma barata
esmagada no piso.
— Eu precisava ver você, Clara... Não atende os meus
telefonemas...
— Eu te bloqueei.
— Clara... — ele fez um sinal negativo com a face. Depois,
encarou Maria Flor. — Pedi para que nossa amiga marcasse esse
encontro porque precisava te falar algumas coisas.
Eu aguardei pelas desculpas. Não que as quisesse, mas
achei que fosse isso que ele fosse dizer. Mas, sua explicação, como
sempre, aliviava para o seu lado.
— Clara, querida... Eu estava nervoso naquela noite. Não fui
honesto e decente em te explicar tudo...
— Confiei em você, e você me roubou.
— Você me pediu para cuidar de tudo, e era isso que eu
estava fazendo. Então eu vendi todas as fazendas, e alguns
imóveis, para investir em outras coisas. Coisas mais lucrativas. Mas,
o valor não foi o suficiente... Aquela noite que conversamos, eu
estava muito irritado, e então...
— Posso relembrar algumas das suas frases: “Você achou
mesmo que eu a amava? Como é tola, Clara”, “Nem foder você
sabe”, “Você devia se enxergar mais, Clara. Sabe por que sempre
foi a popular? Porque tem dinheiro”, “Não é bonita, nem tem
qualquer talento”, “Você devia agradecer por um cara como eu
trepar com você de vez em quando”.
— Clara...
— Você é um lixo, André. Quando você me disse tudo aquilo,
eu realmente pensei que era uma porcaria. Mas, então descobri que
a porcaria é você. Você, esse pinto pequeno e sem graça, você e
sua incompetência, ao ponto de sequer gerir uma fortuna. Você é
uma porcaria de homem. Não sei como perdi tantos anos da minha
vida ao seu lado.
— Não vou levar a mal suas palavras, Clara, porque sei que
são motivadas pela raiva.
— Eu conheci outro homem. Ele me faz gritar na cama.
Maria Flor arregalou os olhos, e encarou André. Ele parecia
prestes a explodir, mas estava se contendo. Foi bom que o encontro
tenha sido realizado em um local público. André com certeza teria
tentado me matar se não houvesse pessoas ao redor.
— Não é verdade.
— Eu não quero mais você. Pode ficar com o dinheiro, ele
ainda saiu barato pelo prazer de não te ter mais na minha vida.
Ele buscou um copo de água que estava na sua frente, e
bebeu um gole.
— Clara...
— Era só isso que eu queria te dizer. Não sei por que está
aqui, tentando qualquer coisa, provavelmente ainda quer o
apartamento que eu tenho, deve ter percebido que ficou alguma
coisa para trás. Mas, não terá. Você é passado. E espero que perca
cada centavo que me roubou, que alguém faça com você o que fez
comigo.
Levantei-me e então, sem me despedir, me afastei.
Meus passos retos me levam para longe dele.
40
Ian

Uma batida na porta me interrompe no meio de uma análise


financeira. Ergo meus olhos da tela do computador, e encaro Pedro
Lopes, tentando exigir que ele seja breve.
— André Mendonça ligou. Você venceu.
Um sorriso se forma no meu rosto, mas não estou
necessariamente feliz. Talvez estivesse se não tivesse visto o
sangue de Clara correndo, e a certeza de que ela não esperava um
bebê meu avassalando qualquer outra sensação.
— Eu sempre venço — rebato ao meu secretário.
Mentira.
Eu perdi.
Pedro sorri, alheio a tempestade que se forma no meu íntimo.
É isso. Tudo está acabando. Foi bom enquanto durou. Clara
com certeza foi especial, mas ela agora seguiria sua própria vida, e
eu iria por outro caminho. Provavelmente não nos encontraríamos
novamente.
— Tem algo... Andei investigando André, e ele já perdeu uma
boa quantia do dinheiro que pegou da ex-noiva. Ele está contando
com a Reap para conseguir lucro rápido e evitar uma falência.
— Não me diga — resvalo para trás, recostando-me na
cadeira de presidente.
— Bom, o homem não tem tino para os negócios e, tão logo
viu o dinheiro fácil da ex, comprou um carro esportivo, que bateu no
primeiro mês...
— E não tinha seguro — disse o óbvio, porque sabia que um
imbecil daqueles se acharia o senhor super motorista e não passava
pela sua cabeça que acidentes acontecem.
— Pois é, não. Ele também viajou duas semanas para fora do
estado, e gastou uma bolada com mulheres e festas... Por isso,
quando ele ofereceu apenas 75% do valor que o senhor desejava,
num cálculo rápido, percebi que era tudo que ele tinha, e aceitei.
— Fez bem.
— Preciso informá-lo de que se a Reap não lhe der lucro, ele
ficará na miséria.
Sorrio, um contentamento despontando no peito.
— Não me diga. Seria uma pena que a colheita dele fosse
uma desgraça, não?
41
Clara

O vento frio roça meu rosto. Eu sorrio sentindo as gotículas de


água daquela chuva rasa me tocando.
Livre.
Enfim, estou livre.
Era uma sensação incrível. André agora era passado. Meu
sorriso morre quando percebo que logo Ian também será. Mas, era
o trato, não é? Se André andava atrás de mim, estava precisando
desesperadamente de dinheiro e queria o pouco que ainda não
havia tirado de mim. Se ele estava falindo, Ian estava cumprindo a
sua palavra.
— Clara...
Senti uma mão segurando meu braço. Encarei Maria Flor e
sorri para ela. Ela sorriu de volta, mesmo que seus esforços para
que eu voltasse para André fossem constrangedores.
— Eu preciso te contar algo.
— O quê?
— Aqui, não. Não no meio da rua — ela disse. — Vamos para
um barzinho?
Eu assenti. Segurei na mão dela e corremos pela chuva. Me
senti jovem e feliz. Era a primeira vez em anos que me sentia assim
ao lado da minha melhor amiga.

✽✽✽

— Eu... eu não entendo — murmurei.


Ao fundo a voz do Roupa Nova cantarolava Chuva de Prata
no rádio, num tom baixo, quase como um sussurro gentil. O local
vazio parecia um ambiente mal-assombrado, não fosse a presença
de um garçom recostado no balcão, mexendo no celular.
— Eu transo com André desde a época da escola — ela
repetiu, e eu senti uma ânsia de vômito que pareceu surgir tão forte
que eu quase sufoquei.
— Mentira — disse, nem sei por quê.
Era claro que era verdade.
— Como você...? Como pôde...?
— Antes de surtar, deixe-me te explicar tudo.
— Explicar? Você me traía com meu noivo! — despejei.
Não conseguia acreditar nisso. Estava quase desmaiando.
Era uma dor profunda. Mesmo que eu imaginasse que André me
traía, com Maria Flor era doloroso demais.
— Se serve de consolo, eu não queria transar com ele.
— Ah sim, você vai me dizer que era incontrolável? Que o
amor que sentia por ele era forte demais? Não vou cair nesses
clichês...
— Está errada. Nunca senti nada por ele. Mas sentia por
você.
— O quê? Raiva? Inveja? Nunca te fiz nada para desejar me
fazer mal!
Maria Flor suspirou profundamente.
— Não. Ao contrário. Eu te amava. Eu era apaixonada por
você.
Meus olhos arregalaram de surpresa. Eu não conseguia
entender aquilo tudo. Era louco demais, inconcebível demais para
mim.
— Mas, você...
— Eu amava você. Eu amava muito. Eu faria qualquer coisa
para ficar perto de você. Quando André me chantageou dizendo que
te contaria a verdade, eu fiquei morta de medo de que se afastasse
de mim. Eu não podia perder você, então aceitei dar para ele. Perdi
minha virgindade com ele, foi horrível, mas pior foi saber depois que
ele gravou escondido. Assim, ele me teve nas mãos todos esses
anos. E foram anos horríveis. Ele me gravou sendo abusada pelos
seus amigos, ele me dava a vários homens, eu perdi um pouco da
minha dignidade nisso.
Eu estava tão espantada com suas palavras que não
conseguia lhe trazer qualquer consolo. Mas, eu acreditava nela,
porque eu sabia mais que ninguém do que André era capaz. Então,
tentei segurar sua mão, mas ela a retirou.
— Com o tempo eu passei a ter ódio de você — ela disse. —
Porque sempre foi cega, nunca percebeu nada, foi capaz de perder
tudo para André. Ele me forçou a ir atrás de você, tentar roubar o
que te restava, mas eu consegui esconder dele que Ian Pozo te
salvou. Ian está fazendo negócios com André, e ele sequer sabe
que Ian é seu defensor. É um idiota, vai perder tudo para aquele
esquisito da nossa escola.
— Maria Flor...
— A verdade, Clara... Eu só queria te dizer a verdade. Eu
quero ficar livre de André, e Ian me jurou conseguir as gravações.
Depois disso, vou embora do estado, vou reconstruir a minha vida.
Eu nunca mais quero ver André, mas acima de tudo, eu nunca mais
quero ver você.
Eu podia sentir claramente a dor dela. A raiva. A mulher que
ela se tornou, em parte, foi por mim. E ela detestava essa mulher.
— Clara, por favor, nunca mais me ligue.
Depois disso, ela pegou sua bolsa. Saiu sem olhar para trás.
Maria Flor devia estar aliviada, mas eu também me sentia
assim.
Eu estava livre dela, tanto quanto ela de mim. Em algum
momento da nossa caminhada, uma foi o peso da outra. Mas, eu
não queria aceitar isso. Não queria admitir que a amizade havia
acabado, então a ação teve que partir de Maria Flor.
Eu sou grata a ela por isso. Eu também nunca mais queria
vê-la.
42
Ian

O advogado Arthur Vasconcellos ergueu os olhos, e se levantou da


sua cadeira estofada, abandonando os papeis que estava lendo.
Logo, estendeu a mão na minha direção, cuja aceitei sem medo.
Um cumprimento formal.
— É um prazer encontrá-lo, Sr. Pozo — ele comentou.
Na cadeira à sua frente, a figura taciturna de André
Mendonça parecia patética e apavorada. Ele tentou de muitas
formas entrar para a Reap, eu quase cheguei a suspeitar do motivo.
Não fosse as palavras de Pedro, de que o idiota estava começando
a perder tudo, eu realmente pensaria que ele tramava algo.
— Bom dia, Sr. Mendonça — disse a ele. — Leu o contrato?
Sentei-me na outra cadeira, diante da mesa do advogado.
— Sim, eu li... Não entendo direito os termos jurídicos...
— Talvez deva pedir ajuda a seu advogado — comentei.
O olhar de Arthur queimou na minha direção. Ele sabia que
se tratava de uma pirâmide financeira, e me comentou isso na
ligação que me fez naquela manhã. Pior que isso, disse que o
contrato que havia redigido sob minhas ordens estava passando a
responsabilidade, assim como a promessa de lucro, para André.
Quando a Reap falhasse, assim como falham todas as pirâmides,
André perderia tudo. Meu advogado só não imaginava que isso
aconteceria um momento depois de André assinar o contrato.
Por fim, falei-lhe que isso era problema de André, e meu
advogado aquiesceu.
— Não tenho tempo para isso — comentou André. — Somos
homens e sei que jamais faria algo para prejudicar-me. Li sobre seu
histórico, é um economista renomado, sua empresa é uma das
maiores...
— Sim, sim... Então se não se importa, pode assinar logo?
Tenho outros compromissos hoje.
André buscou a caneta e assinou. As assinaturas seriam
reconhecidas firmas na mesma manhã, por Arthur. Mais alguns
momentos... e tudo estaria acabado.
— Bom, foi bom fazer negócio com o senhor — disse a ele,
tão logo assinou o contrato. — Nos veremos em breve.
— Certo.
Com um aceno, me despeço de Arthur. Saio do seu
escritório, e me dirijo ao estacionamento. É sorrindo que
cumprimento o porteiro, e depois entro no meu automóvel parado
diante do prédio. Pedro Lopes me aguarda lá dentro.
Tao logo me sento ao seu lado, ele me estende uma planilha
de investimentos da Reap.
— Bloqueie o dinheiro dos investidores, e os visite ainda hoje.
Faça com que realizem uma retirada estratégica do que investiram,
para que não tenham nenhum prejuízo.
— O prejuízo será nosso... Os 15% do tempo que o valor
esteve na Reap...
— Eu sei... Tire esse dinheiro da minha conta. Enfim... Valeu
a pena. Foi extasiante. — disse para Pedro. — É incrível como a
vingança tem sabor de mel.
43
Clara

Seus olhos parecem mortificados. Não que seus olhos negros


fossem muito diferentes do que ele sempre demonstra, mas agora
queima na certeza de que acabou.
É um tipo de luto. Uma perda. Uma morte. Acabou.
Assim, como o suspiro final de uma vida. Como começou,
acabou. Rápido, sem muito espaço para pensar. Assim, o término.
— Aqui está — Ian me estende o molho de chaves que
imagino ser da casa do meu tio. Também me dá um envelope, que
abro com dedos trêmulos.
Diferente dos dias quentes da semana, nessa tarde uma
chuva mansa cai sobre a cidade, e o vento gelado bate nas
paredes, como o último suspiro de um inverno que já vai embora.
— O que é isso?
Eu não consigo entender direito. São papeis de uma conta
bancária, com um depósito substancial. Meu estômago gela com o
valor. É quase tudo que eu já tive, em números bem expressivos.
— Seu dinheiro.
— O dinheiro que André me roubou?
— Isso. Eu o transferi hoje para sua conta.
— Como... Como conseguiu?
Eu luto para não chorar, porque a satisfação que devia sentir
é tão longe, tão afastada de mim. O olhar de Ian compreende isso,
pois ele também está mortificado.
— Não importa — rebateu. — Aí está. O seu dinheiro. E a
casa do seu tio, em perfeito estado. Você cumpriu sua parte no
acordo, e eu cumpri a minha.
Dói como o diabo. Eu estou quase sufocando.
— Eu quero te levar para ver André — ele diz. — Para dizer a
ele que está falido, e que perdeu tudo para você.
Assenti. Seria minhas últimas horas ao lado de Ian, e eu só
queria estar perto dele. Se para isso eu precisasse rever André, que
o fosse.

✽✽✽

André abriu a porta do seu apartamento, surpreso pela minha


presença e pela presença de Ian. Ele imediatamente ficou
enrubescido, e logo volveu para trás, buscando o sofá para se
sentar, como se buscasse algo que o mantivesse firme, já que suas
pernas não suportavam seu peso. Foi dessa forma que se deu conta
de que havia perdido tudo.
— Acho que você já sabe... — Ian disse.
Eu olhei rapidamente para Ian, e depois para André, de novo.
— O chinês que me indicou esse negócio me ligou avisando
que... a Reap... Que ele fez uma retirada do que investiu, e me
avisou para fazer a mesma coisa... Porém, quando eu fui atrás...
Não há mais nada.
— Sabe o que se significa "Reap"?
— Ceifar...
— Ou colher. Tudo que se planta, se colhe.
Eu estou petrificada. Não consigo dizer nada, mesmo quando
o olhar de André bate no meu, parecendo destrutivo. Dou um passo
para trás, mas a presença máscula de Ian me acalma. André não
conseguirá nada, não na presença de Ian.
— Acabou para você, André. E vamos ser francos, você tem
mais a perder do que o dinheiro — Ian falou.
— Você me roubou tudo... — André murmura.
— Engraçado você dizer isso, quando foi você que começou
a brincadeira — Ian comentou. — Mas, como estava dizendo, você
tem mais a perder do que a grana.
— O quê?
— Sua liberdade. Você tentou armar uma pirâmide financeira
no Brasil. Tenho provas, tenho sua assinatura em contrato. A Reap
começou como um investimento, mas se tornou, por suas tentativas,
um crime. Eu posso te pôr na cadeia...
André arregalou os olhos.
— Seu filho da puta... — disse, sem elevar a voz. Parecia
assombrado demais para isso. — Por que não o faz?
— Porque não quero. Não é do meu interesse te ver mofando
numa cadeia. Prefiro fazer um acordo de cavalheiro com você. Me
dê sua palavra de honra de que não vai vazar os vídeos íntimos de
Maria Flor. Se o fizer, eu te entrego para a Polícia Federal. Não sei
se sabe, mas roubar o governo é a única coisa que realmente dá
cadeia nesse país.
André não tem escolha.
— Até nunca mais, André — digo. E dessa vez é verdadeiro.
Graças a Deus, nunca mais o verei na minha vida.

✽✽✽
Ian estaciona perto de um ponto de táxi. Eu respiro fundo
antes de volver para ele.
— Obrigada por tudo, Ian.
Ele sorri. Eu posso ver um traço de tristeza no seu sorriso.
Quero lhe dizer que não precisamos nos despedir, que podemos
ficar juntos para sempre, mas nossa história é doentia e errada
demais para que isso dê certo.
— Sabe... Se estivesse grávida... Nós teríamos um vínculo —
ele comentou.
— Sim — minha voz soa patética, quase chorosa. — Eu teria
gostado de ter um bebê seu.
Ele concordou. Então, abro a porta do carro e saio.
— Meu secretário irá levar suas coisas — ele diz. — Seja
feliz, Clara.
— Você também — retruco.
Eu queria ser feliz com ele. Eu queria ficar para sempre ao
seu lado.
Mas, quando a porta do carro se fecha e o veículo se move,
levando Ian para longe de mim, eu sei que não há razão para isso
continuar.
— Adeus, Ian — eu murmuro.
E bem-vinda nova vida. Eu vou renascer das cinzas como a
fênix. Obrigada Ian por ter me descoberto embaixo da carapuça
triste de uma mulher abatida.
44
Ian

6 Meses depois.

— Não se preocupe, Sr. Pozo. Um dia vai conhecer uma moça


adorável que fará sua vida mais leve. O amor tem dessas coisas.
Ele é cúmplice e brando. Ele acalma.
Observei Jocélia com um sorriso no rosto. Minha secretária
havia conseguido o divórcio meses antes, e agora estava saindo
com Pedro. Ambos haviam assumido seu romance na festa da
empresa, cuja minha presença foi ausente.
Eu não pude aparecer no evento porque o imaginei ao lado
de Clara. Quando a vingança se firmou, eu decidi que era hora de
deixá-la ir. Clara estava ao meu lado por um motivo. E quando esse
motivo não mais existia, sentimentalismos não eram bem-vindos.
Ela havia dito que me amava, certa vez. Foi no calor do
momento, mas falou. E provavelmente eu sentia a mesma coisa.
Mas, o que começou daquela forma, não era para dar certo. Jurei a
mim mesmo que, caso ela estivesse grávida, eu ficaria ao seu lado.
Mas, quando seu sangue desceu, percebi que era um aviso divino
de que tudo que começa errado, termina errado.
— Bom, estou feliz por você.
— Obrigada.
— E decidiram se casar?
— Uma cerimônia simples na praia. Aproveitar o calor.
Assenti. O calor estava realmente sufocante. Nós tivemos o
pior inverno dos últimos cem anos, e o calor também estava sendo
abrasador. Em alguns locais do Sul a temperatura chegou a quase
50º.
— O senhor irá, não é?
— Claro, Jocélia. — Fecho meu notebook e o guardo na
pasta. — Mas, agora vou almoçar. Já passou das 13 horas e ainda
não comi nada.
— Quer que eu peça alguma coisa?
— Não... Vou comer em algum restaurante. Assim posso
respirar um pouco fora do trabalho.
Jocélia assentiu. Depois disso, saiu do meu escritório.
Recolhi minhas coisas com pressa, e então observei o
quadro de Lídia.
— Eu sinto sua falta — disse a ela, antes de ir.
Não era só de Lídia que eu sentia falta. Mas, não me atrevia
a pensar na outra mulher que povoava meus sonhos.

✽✽✽

— Eu quero um pão pita... Tahine... — aponto para o creme


de gergelim no cardápio. — E quero... Makluba — sinto meu
estômago aquecer de fome.
— Para beber? — o homem vestido de árabe me pergunta.
— Pode ser água com gás, por favor.
O homem se afasta e eu pego meu celular. Meu dedo anda
para cima e para baixo, a procura de qualquer informação sem
importância, apenas para passar o tempo.
A atriz Suzana Ribas se casou. De novo. Quinta vez, pelo
que o fofoqueiro de plantão dizia. Agora era para sempre. O
felizardo era o homem com quem ela teve um caso meses antes.
Deixo a notícia e vou mais para baixo na timeline. Meu time ganhou
o jogo de ontem. Dois a zero. Está na semifinal do campeonato
estadual. O time adversário jura que o segundo gol foi “roubado”.
Mais notícias. A bolsa está em queda, de novo. A gasolina vai
subir. De novo.
O mundo gira, o tempo passa, mas as notícias sempre
parecem iguais. Rostos diferentes vivendo a mesma história.
Um carro buzina para outro na rua. Ergo a face e observo
pela parede envidraçada a cidade que se movimenta em ritmo
rápido. Um homem assovia para uma loira que cruza a rua, uma
criança derruba o sorvete no chão e chora para uma mãe
desconfortável.
De repente, uma silhueta conhecida anda na direção de um
prédio.
Meu coração acelera quando reconheço Clara.
Ela está linda, o cabelo cortado a altura dos ombros, luzes
claras nas pontas, a pele de porcelana usando uma maquiagem
leve. Sorri para alguém na porta do prédio, então entra.
— Seu almoço, senhor — o homem coloca os pratos à minha
frente, mas eu perdi a fome.
— Ah, desculpe... eu tenho um compromisso — digo a ele, já
puxando a carteira.
Coloco o valor do almoço, mais gorjeta, na mesa, e me
levanto. Saio rapidamente pela porta e cruzo a rua, em direção ao
prédio. É um salão de beleza, e percebo estar cheio de mulheres
animadas. Olho pelo vidro e imagino que Clara vai se sentar na
cadeira de cliente para fazer o cabelo ou as unhas, mas ela agora
está colocando um avental enquanto conversa animadamente com
outra mulher.
Clara pega uma tesoura. Ela se tornou cabelereira?
Eu fico pasmo com a cena, porque nunca a imaginei assim,
trabalhando dessa forma. Mas, ela parece muito feliz. Animada.
Ela seguiu em frente...

✽✽✽

O garçom árabe já me conhece. Todos os dias, às 13 horas,


eu entro no restaurante e me sento na mesma cadeira, ao lado do
vidro espelhado. Todos os dias eu peço os mesmos pratos, e passo
a tarde observando a mulher do outro lado da rua trabalhando.
Todos os dias eu vigio Clara.
É um pouco feliz. Novamente, eu tenho um motivo para viver.
Minha vida sempre foi ser seu fantasma. Em alguns
momentos, eu pensei que isso teria acabado. Quando eu a tive, eu
fiquei tão afoito e desesperado por ela, que não conseguia ter paz.
Depois, quando a perdi, eu senti que não havia nenhuma razão de
existir.
Mas, agora... Poder vê-la novamente... Cada dia... cada
momento... Era meu tempo mais especial.
Numa sexta-feira, sabendo que poderia não vê-la no final de
semana, eu a segui, porque não sabia se ela ainda morava no
mesmo lugar. E não morava. Clara voltou a casa do tio, e agora
dividia as paredes com um cachorro caramelo e um gato malhado.
Eu gostava de ficar sentado no meu carro a observando. Ela
sempre deixava a cortina aberta e eu a podia ver mimando o gato
enquanto o cachorro se deitava no seu colo no sofá, e eles
assistiam séries na televisão.
Ela não tinha amigos. Também não tinha namorados.
Acredito que Clara se afastou das pessoas porque, depois de
André, Maria Flor e de mim, ela percebeu que as pessoas eram más
demais, e que a solidão não era tão horrorosa quanto se imaginava.
✽✽✽

Eu imaginei que essa seria minha vida, novamente. Vê-la ao


longe. Como sua sombra, um dia percebê-la apaixonada. Casando-
se. Tendo filhos. Eu, sempre ao longe, de olho para sabê-la segura
e feliz.
Até que um dia ela saiu da casa. Era um sábado à noite, e
ela havia trabalhado até às 18 horas. Fiquei imaginando aonde ela
iria, porque parecia cansada, mas seus passos rumaram em direção
ao meu veículo.
De repente ela ficou ao meu lado, e bateu no vidro.
Mortificado, eu o baixei.
— Quando você vai deixar de ser covarde e ir falar comigo?
— Inquiriu.
Não sei o que fazer.
— Você sabia que eu estava aqui?
— Você acha que eu sou cega e não o vi todos os dias
parado perto do salão? Você quer ser meu fantasma, novamente?
Quer continuar olhando de longe? Você é um covarde, Ian.
Eu não sei o que dizer. O que fazer. Eu estou tomado pela
vergonha e pela perplexidade.
— Vamos entrar, Ian — ela convidou.
Então, eu a segui. Passos retos em direção ao paraíso.
45
Clara

O caminho que nos levou um ao outro foi tortuoso. Senti cada


segundo que passei longe de Ian, cada momento que não o vi me
corroeu a alma, mas busquei seguir em frente.
Eu o amava. Soube disso ainda em sua casa. Tive certeza
quando o vi partir. E chorei de dor em sua ausência. Então, quando
o percebi almoçando em frente ao salão de beleza, com os olhos
fixos em mim durante meu expediente de trabalho, senti como se
uma tonelada fosse arrancada dos meus ombros.
Eu fiquei leve como uma pena. Eu quase podia flutuar. Dei-
me conta, assim, que Ian estava também me seguindo, podia
vislumbrá-lo do outro lado da rua, em seu automóvel chamativo, a
observar minha casa.
Ele queria ser novamente uma sombra? Isso para mim não
bastava.
Eu não me importo com os adjetivos que nossa relação tem.
Eu o amo, e o quero. Isso basta.
— Você quer beber algo? — indago a ele.
Ian nega. Aponto o sofá e ele se senta ao lado de Sam, meu
cachorro vira-latas, que o encara com perplexidade, já que nunca
viu outro humano em minha casa. Ian parece estranhamente
nervoso. Sento-me diante dele, e aguardo por justificativas que não
vêm. Então, o incentivo.
— Estava me seguindo?
— É difícil resistir — comenta, como se isso aliviasse tudo.
— Te basta isso?
— É o que eu tenho. Estou feliz por vivenciar o quanto você
cresceu.
Sorrio diante da sua frase. Meus dedos batem na minha coxa
levemente, sinal de nervosismo.
— Eu fiz um curso de cabelereira.
— Percebi. Você parece ter jeito para isso.
— Eu gosto de fazer as pessoas se sentirem bem com elas
mesmas.
— E se mudou do apartamento...
— Eu o vendi. O dinheiro está no banco para alguma
emergência. Consigo viver bem trabalhando.
Meu coração bate tão forte enquanto eu conto isso para ele.
Estou tão feliz que posso ter essa conversa.
— Devo tudo a você, Ian. Abriu meus olhos.
Ele sorri novamente.
— Eu só queria que ficasse bem quando tudo aquilo
acabasse.
— E eu fiquei. Sou muita grata.
Seus olhos ficam inquietos por alguns momentos, e eu tento
entender o que se passa em seu íntimo.
— Eu não devia estar vigiando-a — admite. — Não quero que
ache que estou tentando atrapalhar sua vida.
— Ian...
— Não vou prejudicá-la. Eu... Eu não farei mais isso...
— Ian — o interrompo. — Você não percebe? É exatamente
o que eu quero que faça. Que olhe para mim. Que me perceba para
sempre. Que nunca me deixe longe dos seus olhos.
Ian me encarava como se não conseguisse acreditar em
nada do que sai da minha boca. Então, eu me ergui e fui até ele.
Segurei sua face em minhas mãos e o trouxe para um beijo.
Eu estava voltando para casa. Eu pertencia ao espaço gentil
do seu abraço.

✽✽✽

Abro os olhos naquela manhã e percebo que o homem ao


meu lado já acordou. Estamos deitados lado a lado, desnudos em
tudo, inclusive em nossa alma, nos encarando cada qual sem
acreditar que aquilo realmente havia acontecido.
— Eu te amo, Clara — ele disse.
Pela primeira vez.
Meu coração fraqueja diante disso. Eu sinto lágrimas
inundando meus olhos, e mal posso acreditar que estava
acontecendo.
— Eu te amo, Ian — digo, me aproximando, encostando nele,
minha boca o procurando, um beijo nos levando ao céu.
Vai levar algum tempo para me acostumar a ser feliz. Vai
levar algum tempo para eu acreditar que tudo isso estava de fato
acontecendo. Seus lábios são macios e quentes. Sua língua me
prova lentamente.
E então ele está duro. De novo. No ponto exato que nos
conecta.
Contorço-me contra ele, querendo mais do que já tive.
Estou tão feliz quando Ian avança, afunda, entra.
Ele é meu.
Seu sexo, seus beijos, sua alma.
E isso é incrível.
Epílogo
Clara

Quando a luz do sol ilumina nossa casa, os barulhos começam. É


sempre assim, a cada manhã, a mais de dez anos. Os gêmeos
acordam cedo, e a nossa Lídia sempre o seguem, tão logo percebe
que o dia raiou.
Eu posso ouvir os gritos vindo da cozinha, risadas infantis
animadas acompanhadas pelo latido de nosso velho Sam. Abro os
olhos e percebo o leito vazio. Ian já se levantou, provavelmente
percebeu que as crianças acordaram antes de mim e foi arrumar-
lhes o café.
Ergo o olhar para o quadro da mulher loira no fundo.
— O que você acha, Lídia? — indago a falecida esposa de
Ian. — Essa casa não está muito barulhenta para seu fantasma?
Ela sorri para mim. Está sempre sorrindo. Eu gosto de Lídia
porque ela sempre parece pertencer a cada pedaço desse lar. Outra
Lídia invade o espaço do quarto e se joga na cama. Diferente da
loira do quadro, essa tem orgulhosos cabelos castanhos em ondas
cada vez mais escuras, como as do pai.
— Mama! — exclama, pulando na cama. — Acorde, Mama!
Precisa arrumar meu cabelo para eu ir para a escola.
Eu sorrio para minha pequena de três anos. Primeiro dia de
aula é sempre difícil, especialmente quando percebo que ela irá
passar o dia longe de mim. A puxo para meus braços, e a aperto
contra meu peito.
— Ok. Você vai ficar linda — digo, e ela acena.
Não era uma tarefa difícil.

✽✽✽

Os gêmeos Felipe e Luiz têm nove anos, e já são mocinhos


adoráveis, com os mesmos olhos escuros e provocantes do pai.
Eles me cumprimentam quando entro na cozinha, e reclamam
quando eu puxo seus rostos para depositar um beijo na face de
cada um.
— Ah, mãe! Que droga!
Eles odeiam grude. Gostam de parecer mais velhos do que
são. E isso inclui ficar enrubescido ao receber beijos da mamãe.
Pego uma fatia de mortadela e coloco no chão, para Dean,
meu gato malhado, mordiscar. Depois, sorrio em direção a Ian, que
me encara cúmplice. Logo vou até meu marido e lhe dou um beijo
nos lábios.
— Oh, omelete — comento, olhando o fogão. — Põe tomate
no meu? — peço, e ele acena.
Outro beijo. Mais outro. Paramos porque os meninos
começam a reclamar.
Sento-me na mesa, e Lídia surge na cozinha com a boneca
de pano que lhe dei nos braços. Eu a puxo para meu colo, no exato
momento que meu esposo coloca a omelete no meu prato.
— Pai, tem jogo essa noite. Pode nos levar? — Felipe pede,
e Ian concorda.
— E amanhã tem a apresentação de balé de Lídia — digo,
para recordá-lo do próximo compromisso que ele não pode perder.
— Não esqueceria disso — ele diz na direção da nossa
pequena. — Estou ansioso para ver minha princesinha dançando.
Ela ri, feliz com a atenção. Por alguns segundos, a cozinha
fica em silêncio. Observo, orgulhosa, minha família, enquanto a
brevidade do momento se quebra e as palavras voltam.
Escola, trabalho, horas que precisam serem cumpridas. A
vida corre, nenhum segundo espera uma segunda chance, por isso
a importância de viver cada um deles, sem arrependimentos.

✽✽✽

Coloco o casaco de lã em Lídia, e ajeito seus cachos


embaixo da touca. O dia está gelado. Adoro o inverno porque foi
nele que me conectei com Ian.
Os gêmeos já estão esperando no carro. Agora, temos uma
enorme SUV porque nenhum carro esportivo sobrevive muito tempo
numa família com três crianças.
— Espere no carro, Lídia — Ian diz para nossa pequena, que
corre em direção ao automóvel. Nós a aguardamos entrar no
veículo, antes de voltarmos um ao outro. — Falei com Jocélia, ela
me indicou uma babá muito boa... Estou pensando em contratá-la
para termos um tempo um para o outro.
— Um tempo? — eu ri. Isso nunca dava certo. Nós sempre
ficávamos preocupados em deixarmos as crianças com outra
pessoa.
— Um tempo para jantarmos, e depois irmos dançar — ele
murmurou, aproximando-se, e buscando minha boca. — O que você
acha? — perguntou, após o beijo.
— Eu gostei da ideia. Mas, quero entrevistar a babá antes.
— Claro.
Outro beijo. A buzina soou, indicando que Luiz estava com
pressa de ir para a escola e não tinha tempo para assistir os beijos
de seus pais.
— Eu te amo — digo, quando ele arqueia a sobrancelha em
direção ao carro. — Eu te amo, meu dono — murmuro bem
baixinho, numa provocação.
— Você não vale nada, Clara. Vou ficar pensando nisso
agora, o dia inteiro — ele riu.
— De noite, me submeta, meu senhor — retifico, fazendo seu
olhar arder, minha pergunta fazendo faíscas em ambos.
— Como queira, minha esposa.
Mais um beijo. Então ele se afasta.
Eu o percebo entrando no automóvel com um sorriso nos
lábios. Logo, o automóvel se move, e minha família vai em direção
aos seus afazeres diários. Por algum motivo, me lembrei do dia que,
resoluta, tentei pular do prédio. Tantas coisas aconteceram desde
então. Eu estava afundada em desespero, não via saída, jamais
poderia imaginar que, por conta daquela dor, hoje eu tinha um
marido que me amava e filhos maravilhosos.
A vida podia ser tão fantástica... Estou feliz por não ter
desistido dela.
Fim.
— Então, nunca teve um homem?
Nego.
— Nem um namorado?
— Não, senhor.
Ele ri. Acredito que seja pelo “senhor”.
— Quantos anos tem?
— Vinte.
Minha boca está seca. Se ele me oferecesse o conhaque,
com certeza eu o beberia num único gole, apesar do sabor
horroroso que deve ter.
— Li sua ficha de cadastro. Você está disposta a tudo. Anal
também?
Anal? Pera... ele vai meter no meu cu?
Começo a gaguejar sem conseguir responder.
— Você é muito bonita, Gisele. Mas, ter vinte anos e ser
virgem... é quase inacreditável. Faz a gente pensar se não teve um
namoradinho por aí que metia no anus, só para você não perder o
hímen. Ou talvez se masturbasse nas suas coxas ou no meio dos
seus seios enormes... Já teve um pau deslizando no seu peito,
Gisele?
Enquanto eu negava sem palavras, porque realmente não
conseguia dizer nada, comecei a imaginar o que aconteceria se eu
caísse dura ali. Desmaiada. Mortinha da silva. Como eles
explicariam isso para minha mãe?
— Eu nunca... nunca fiquei com nenhum homem. Eu
nunca.... eu...
— Está tudo bem, querida. Eu não devia falar assim, mas
queria ver a sua reação. A forma como você ficou envergonhada diz
mais para mim que qualquer contrato.
Ele se aproximou. Sua mão deslizou pelo meu rosto. Era
gentil.
— Eu paguei por você não só porque queria ser seu primeiro
homem, mas porque quero fazer você realmente entender o que é
sexo.
Subitamente, a curta distância entre nós se quebra. Alex
toma meus lábios, suas mãos segurando meu pescoço, me puxando
contra ele para que eu possa ficar livre para beijá-lo. E eu
correspondi, não porque ele pagou, mas porque ele foi tão gentil
naquele beijo, e porque ele me atraia de uma forma louca, que não
pude evitar.
Ele é tão forte que quando me puxa sobre ele, facilmente
estou contra seu corpo duro, seu membro despontando contra
minha barriga, me deixando num tal estado que logo estou ofegante
e sem ar.
— Tire o vestido, Gisele. Eu quero vê-la nua.
Fico em pé diante dele. Em nenhum momento Alex soltou o
copo de conhaque, e ele volta a beber enquanto observa eu
remover o vestido pela cabeça. Depois, o sutiã vermelho e a
calcinha.
Nunca me mostrei assim para ninguém. Meus seios grandes
estão aos seus olhos, minha boceta recém depilada está úmida, e a
forma como Alex me olha, deixa claro que ele gostou do que viu.
Alex está faminto e eu sou sua comida.
LEIA COMPLETO
— Você é tão submissa... Eu gosto tanto desse seu lado.
A lembrança sobre o que ele falou sobre filhos me tomou.
Gael não os queria comigo porque eu era sua puta por 48 meses.
Ele não iria querer um bebê de uma mulher que se vendeu.
O misto de dor e calor me tomou quando sua mão percorreu
minhas costas, abrindo o zíper do meu vestido. Sua mão percorreu
minha pele nua me causando arrepios, e achegou-se na minha
cintura. Levemente, ele segurou-me ali e me puxou contra ele.
Eu não pude esconder o som de meus lábios quando senti
sua carne dura pressionando minha bunda.
— Ah, esse seu bundão, Celina... Me deixa doido, tem ideia?
De repente outra mão me empurrou para frente, para que eu
me segurasse no dossel da cama. Eu fiquei curvada, a bunda
elevada para ele, e uma parte de mim se perguntou o que diabos
ele iria fazer.
Era uma posição desconfortável, e vergonhosa. Eu, Celina,
estava abaixo, e minha bunda, acima. Era indigno.
— Pare com isso — murmurei.
— Você tem vergonha? Não teve de me falar sobre fedelhos,
e sobre aceitar a ideia ridícula de um casamento para sua mãe.
Você me provocou, Celina...
Ele desceu meu vestido. Meus seios suspensos no ar, minha
pele completamente exposta para ele. Uma mão quente se moveu
contra minhas coxas, e a sensação do seu aperto me fez gemer
alto.
Vergonha, indignação... Prazer...
Meu coração batia tão forte que achei que não fosse
aguentar.
Dedos se moveram pela pele. Minha calcinha foi arrancada
como se não fosse nem um pouco resistente. Subitamente, seus
dedos separaram meus lábios da boceta, e eu choraminguei.
Então ele ergueu a mão. Eu pude ver o movimento por um
espelho lateral. Mesmo assim, uma parte de mim só acreditou
quando senti o tapa forte na minha bunda, boceta, me fazendo
contorcer.
O que era isso. Minha boceta latejou sobre o toque forte e eu
gemi alto, não conseguindo resistir ao prazer que ele provocou.
Sua mão desceu novamente.
Eu gritei. Minha vagina amou a força da palmada, minha
carne estava arrepiada, eu respirava tão forte que só conseguia
ansiar pelo próximo toque.
Eu sei. Era repugnante. E forte. E latejante.
Eu não conseguia parar de me contorcer, minha vagina
pingava de antecipação. Eu podia gozar só pelos tapas.
Mais uma palmada. Outra. Eu tentei apertar as coxas para
aliviar um pouco, mas Gael pegou as duas polpas da minha bunda,
abrindo-as, me fazendo gritar alto, chamando pelo nome dele,
fazendo com que eu me sentisse a pior das criaturas.
Ele acelerou o ritmo. Eu comecei a me contorcer, enquanto
meu corpo inteiro sacudia.
— Gael — eu gritei.
— O quê? Você quer gozar?
— Gael! Eu estou... por favor...
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Josiane Biancon da Veiga nasceu no Rio Grande do Sul.


Desde cedo, apaixonou-se por literatura, e teve em Alexandre
Dumas e Moacyr Scliar seus primeiros amores.
Aos doze anos, lançou o primeiro livro “A caminho do céu”, e
até então já escreveu mais de vinte livros, dos quais, vários se
destacaram em vendas na Amazon Brasileira.
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