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O que sobrou da sua atração

Série O que sobrou: Livro 4


Aline Pádua
Copyright 2018 © Aline Pádua
1° edição – julho 2018

Todo o enredo é de total domínio da autora, sendo todos os direitos


reservados. Proibida qualquer forma de reprodução total ou parcial da obra,
sem autorização prévia e expressa da autora.

Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência.

Revisão e diagramação: Aline Pádua


Ilustração: Queen Designer
Sumário
Sumário
Agradecimentos
Sinopse
Playlist
Prólogo
Parte I
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Parte II
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Bônus
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Epílogo
Nota da autora
Contatos da autora
Outras obras
Agradecimentos
Esse livro tem uma longa trajetória. Pedro e Lola com toda certeza
foram um dos primeiros personagens a me fazer passar horas sonhando,
isso há cerca de três anos atrás. Hoje, quando finalmente consegui encontrar
o caminho certo, sinto-me orgulhosa por poder trazer a vocês a essência de
um casal tão comum mas ao mesmo tempo, encantador. Agradeço a Deus
por ter me iluminado nessa caminhada, e sempre me dado força em
persistir. A meu namorado por ser incrível e me apoiar a todo instante. A
Manuele Cruz que mesmo odiando um deles, nunca deixou de dar suas
opiniões. A Maria Vitória Santos por ter sido incrível desde retornei a esse
livro, e me ajudar com cada detalhe. A Hilana Silva e Kamila Marques por
me aguentarem na madrugada, aos 45 do segundo tempo, dando-me toda
sua sinceridade. A Karla Jacqueline por sempre me salvar do sufoco.
Um agradecimento especial a todos os leitores que há muito me
acompanham e foram pacientes com esse livro. Espero que toda espera seja
recompensada!
Muito obrigada,
Aline Pádua.
Dedicado a todos os leitores incríveis que aguardaram
pacientemente por esse livro...
Sinopse

Paloma “Lola” Gerard foi moldada pelos pais para ser a dama
perfeita, entretanto, um acaso do destino, permitiu com que se libertasse e
pudesse correr atrás de seus verdadeiros sonhos. Lola passou a repudiar
tudo o que a beleza exterior podia causar, escondendo-se por completo de
todos.
Ela estaria a salvo, se não fosse o homem de sorriso fácil e olhar
carinhoso que lhe despertava muito além de amizade. Pedro Soares era
inalcançável para ela, era um fato. Porém, uma noite acaba por mudar tudo
e Lola se vê entregue. Mas nem sempre o fim da noite perfeita corrobora
com o final...
Um amor sufocado pelos anos.
Uma atração que desencadeia a pior e melhor noite de suas vidas.
Um homem insistente.
Uma mulher apaixonada.
O que sobrará dessa atração?
Playlist
Call out my name – The Weeknd
Catch me – Demi Lovato
Deixe-me ir – 1kilo
Feels like home – Chantal Kreviazuk
Happier – Ed Sheeran
Havana – Camila Cabello
Heaven – Julia Michaels
In my blood – Shawn Mendes
Love me like you do - Ellie Goulding
Mercy – Shawn Mendes
Peak – Anne-Marie
Pray – Sam Smith
SexyBack – Justin Timberlake
Skinny love – Birdy
Teatro dos vampiros – Legião Urbana
Then – Anne-Marie
To good at goodbyes – Sam Smith
Worst in me – Julia Michaels
Prólogo
No passado

Lola
— André, eu não posso! — seus olhos se encheram de lágrimas,
assim como os meus. — Eu sinto muito, mas não podemos nos casar
porque nossos pais querem.
— E o que vou fazer, Lola? — leva as mãos aos cabelos negros,
bagunçando-os com raiva. — Sei que a fortuna de nossas famílias não
significa nada pra você, mas eu... Eu amo o que faço, e não quero perder a
futura presidência.
— Isso é arcaico e cruel. — digo com raiva e ele assente,
encostando-se contra o pequeno muro do jardim. — Não podemos ser
coniventes com algo tão...
— Frio. — complementa e eu assinto.
André Ferreira é meu amigo desde que me entendo por gente.
Nossas famílias sempre foram próximas, já que nossos pais são melhores
amigos. Mesmo círculo de pessoas, escola, amigos, festas... Nós somos o
par perfeito que ambas as famílias necessitam para se unir. Porém, nosso
sentimento nunca ultrapassou qualquer linha de amizade. André é como um
irmão para mim, e eu me nego, de todas as formas, a me casar com ele.
— Dé, eu tive uma ideia. Na realidade, aquele velho plano. — digo
de uma vez, e ele me encara espantado.
— Não! — vem até mim, tocando meu rosto. — Não vai
simplesmente fugir para outro lugar, só porque...
— Vai arruinar nossas vidas. — insisto em alto e bom som,
fechando os olhos. — Sei o quanto as empresas significam pra você, e sei
também como Lua é apaixonada por ti. Ambos sabemos que é recíproco.
— Não, Lola! — nega veemente. — Eu a amo, mas não quero
obrigá-la a nada.
— Acredite, talvez, esse seja o destino intervindo por vocês. — toco
seu rosto, e sinto uma lágrima em meus dedos. — Eu amo você, Dé. Mas
me nego a passar o resto da vida ao seu lado, vendo a infelicidade minha,
sua, e da minha irmã.
— Eles não vão aceitar... Eles vão atrás de você...
— Não, porque eu vou para o Rio e simplesmente desaparecer.
Nona vai estar ao meu lado, e você sabe, apenas ela se importa comigo de
todos os grandes Gerard. — debocho, porém, meu coração por dentro se
quebra.
Tinha me acostumado de certa forma a não ser querida por meus
pais e familiares, porém, a dor por ser apenas uma boa moeda de troca, ou
uma dama perfeita para cada um deles, faz-me ressentida a cada dia. O
dinheiro que me cercou até hoje, nunca será o suficiente para tapar os
buracos em meu coração, pela falta de carinho, atenção e principalmente,
amor.
— Lola, somos jovens, talvez...
— Temos apenas dezoito anos, mas teriam nos casado aos doze se
fosse permitido pela lei. — limpo suas lágrimas, e seus olhos escuros
parecem apagados. — Eu nunca sonhei com esse destino, sabe que sonho
em construir uma vida longe daqui.
— Como vai se esconder, Lola?
— Não vai ser difícil. — dou de ombros. — Se preocupe apenas em
ser feliz, e por favor, trate Lua como a princesa que ela é.
— Eu te amo, Lola. — sorrio, e o puxo para o forte abraço.
— Eu também, Dé.
Suspiro fundo, agarrando-me ao único homem que me passou
segurança, e que infelizmente ficará para trás em minha vida.

Semanas depois...

— Nona, acha mesmo que vai dar tudo certo? — pergunto insegura,
e ela apenas segura minha mão, enquanto o avião pousa.
Minutos se passam, desembarcamos, pegamos as malas, e não
obtenho resposta alguma.
— Nona...
Ela então para de andar, e sorri fracamente, tocando meu rosto. Ela é
minha avó materna, mas sempre fez mais do que minha própria mãe. Além
de tudo, apoiou minha decisão de não coibir com o casamento forjado com
André, e construir minha própria história. Nona odeia a forma como meus
pais veem o mundo, pois assim como eu, quer algo além de dinheiro –
amor.
— Um dia, quando fui forçada a casar com seu avô, jurei a mim
mesma que não permitiria que tal coisa acontecesse a minha família mais
uma vez. A vida me abençoou ao colocar em meu caminho, naquela igreja,
além do desconhecido, o homem que sempre será minha alma gêmea. Sua
mãe não foi obrigada a nada, mas Rachel sempre foi ambiciosa demais. Ela
casou por dinheiro, e felizmente, se apaixonou por Tales, que seguiu o
mesmo caminho... Ambos compartilham algo bonito, mas frágil. Por isso, o
casamento forçado entre você e André seria uma segurança.
— Para que eles nunca fiquem sem dinheiro? — pergunto, sentindo
meu estômago revirar.
— Para que não corram o risco de perder um ao outro, pois não
sabem o que é amar sem toda a fortuna que carregam. — sorri triste, e tento
controlar as lágrimas. — Eu falei com ambos antes de virmos, eles sabem
de sua decisão, minha querida. E não vão de forma alguma intervir.
— Porque eles têm Lua para usar. — abaixo a cabeça, sentindo-me
culpada.
— Não, eu não permiti tal coisa. — encaro-a sem entender. —
Jamais deixaria que controlassem o seu futuro ou de Lua, por isso estamos
aqui.
— O que quer dizer, nona?
— Lua tem apenas dezessete anos, e vai estudar fora do país alguns
bons anos... — arregalo os olhos, e ela pela primeira vez, sorri
verdadeiramente. — Sei que ela gosta de André, e ele dela, mas se vão ficar
juntos, eles têm o direito de escolher a hora certa. Não suas respectivas
famílias.
— Mas...
— Sua mãe terá que arcar com as consequências caso não cumpra o
que pedi. — diz tranquilamente.
— Como assim, nona?
— Se te deixasse com eles em Porto Alegre, nunca conseguiria fugir
das garras e cobranças de ambos.
— Meu sonho sempre foi vir para o Rio, nona.
— Por isso, quando completou dezoito te contei sobre o plano de
virmos morar juntas aqui. Sua mãe perde tudo na herança caso intervenha
novamente na sua vida ou na de Lua.
— Nona! — exclamo assustada, e ela sorri de lado, maliciosamente.
— Fui paciente demais... Deixei com que moldassem minhas netas,
mas não vou deixar que vivam presas nos sonhos deles. Vocês são livres,
querida. E tudo o que quero, estando aqui, ao seu lado, é que viva seus
sonhos.
— Obrigada, nona! — abraço-a com força, e choro copiosamente.
Um alívio paira sobre meus ombros, pois mesmo tentando apenas
fazer o melhor, saindo de Porto Alegre, destinei minha irmã a um
casamento, o qual sim, ela até quer, porém, não é sua primeira escolha com
essa idade. Agora, estou eu, no Rio de Janeiro, pronta para recomeçar
minha vida. Finalmente, sinto-me livre.
Parte I
“Os teus olhos sempre me disseram mais que a tua boca. Neles
sempre encontrei a tristeza que você duramente se esforçava pra esconder
atrás de um sorriso. Alguns dizem que os olhos são a janela da alma. Os
seus são a casa inteira.”
[1]
Capítulo 1
No presente

Lola
— Sophie, o que faz aqui? — pergunto curiosa, ao ver minha
melhor amiga entrar em meu escritório. Sophie não é do tipo de pessoa que
passa de vez em quando para dar “oi”.
— Que tal, passando para dar um oi! — sorri amplamente, e eu
bufo.
Mentirosa!
— Sei... — ela se senta à minha frente, e apenas continuo a
encarando. — Desembucha logo o que aconteceu.
— Tá! — bate na mesa, mais animada do que o normal. — Eu
consegui a vaga como assistente executiva!
— O que? — praticamente grito, e me levanto, indo até ela.
— Isso mesmo! — fica estática por alguns segundos. — O chefe
que trabalhava no exterior voltou e precisava de uma assistente daí...
— Meu Deus, Sophie! — grito, e a puxo pra mim, abraçando-a com
força. — Você merece, garota! Logo logo vai conseguir a vaga de
economista e...
Ela então me afasta e bate em meu ombro.
— Vamos apenas comemorar o fato de que depois de três anos
consegui subir de cargo e quem sabe, possa permanecer com ele. — assinto,
e sorrio para ela, abraçando-a novamente.
Sophie Moraes mais do que ninguém em minha vida, merece tudo
de melhor. A conheci na faculdade, poucos meses depois que comecei a
estudar administração. Ela era quieta, mas não do tipo que analisa as
pessoas, apenas sossegada em seu canto. Por incrível que pareça, e ainda
mais com a forma que mudei para não me lembrar dos tempos ao lado de
minha família, ela não se envergonhou quando fizemos um trabalho juntas
em uma disciplina comum entre nossos cursos.
As pessoas gostavam muito de status em nossa faculdade, e
felizmente eu não aparentava a riqueza da qual venho. Uma escolha que fiz,
é não parecer mais com a mulher que meus pais me moldaram para ser.
Mudei, me escondo com roupas largas, e com o rosto sem nenhuma
maquiagem. Porque a qualquer momento que penso em usar algo dessa
forma, lembro-me da forma como tudo se sucedeu em minha vida há alguns
anos.
— Que tal almoçar aqui? — pergunto, e Sophie fica um pouco sem
jeito. — É por conta da casa, mulher!
— Lola, não, eu...
— Relaxa, é o meu presente para a comemoração do seu mais novo
cargo. — sorrio, tentando convencê-la, e felizmente, ela aceita.
Sophie batalha muito para se sustentar, e ainda ajudar a mãe que
mora no interior. Eu sei como é difícil para ela, então da forma que consigo,
às vezes, dando algumas voltas nela para que não negue ou ache que faço
demais, a ajudo. Ela é a única que sabe sobre a história de minha família, e
tudo o que sofri há alguns anos. Sempre foi como uma rocha ao meu lado,
dando-me apoio em momentos que nem pensei que suportaria.
Descemos as escadas do meu escritório, direto para o primeiro
andar, onde fica o restaurante. Olho ao redor e sorrio, vendo quase todas as
mesas ocupadas.
— Uau, hoje é um bom dia! — bate palmas e eu gargalho.
Andamos mais um pouco, e deixo-a em minha mesa favorita, que
felizmente está desocupada.
— Vai escolhendo o que quer, que eu já volto. — pisco pra ela, e
saio.
A passos rápidos vou até a cozinha, e procuro Luís, para fazer um
pedido especial para Sophie. Poderia pedir a Pedro, meu sócio, e o principal
o chefe do restaurante, porém, há alguns dias venho apenas me afastando do
mesmo, tentando de alguma forma, blindar meu coração. Felizmente, ele
teve que sair para resolver um problema pessoal, e Luís é tão bom quanto
ele na cozinha.
— Ei, o que temos aqui? — Luís diz, assim que me vê, e fico apenas
parada num lugar estratégico para não atrapalhar ninguém em seus
respectivos serviços.
— Oi, Luís. — sorrio e ele me encara desconfiado. — Ocupado
demais?
— Bom, não muito... Por que?
— Sabe aquela torta de morango magnífica que fez no meu
aniversário? — assente, e eu levanto as mãos em sinal de expectativa. —
Então, minha melhor amiga está aqui e...
— Eu faço, Lola! — pisca do seu jeito cafajeste e eu solto um
gritinho, fazendo todos me olharem.
— Desculpe! — mordo o lábio, completamente sem jeito.
— Pode demorar um pouco para ficar pronta. — avisa.
— Sem problema, eu levo pra casa dela como surpresa se for
preciso. — sorrio pra ele. — Obrigada, Luís.
— Você que manda, chefe! — sorrio, e saio da cozinha.
Assim que dou alguns passos em direção a área das mesas do
restaurante, lembro-me de que deixei minha agenda no escritório, e preciso
confirmar se realmente fiz uma ligação pela manhã. Cabeça de vento!
Refaço meus passos e subo as escadas novamente para o segundo
andar, e assim que abro minha sala, levo um susto.
— Por Deus! — digo, levando as mãos ao peito, o qual tento
acalmar.
— Ah, oi, Lola! — Pedro diz, e apenas o analiso, sem entender sua
intromissão.
— Precisa de algo?
Ele me encara por alguns instantes e tento não demonstrar
absolutamente nada. O que ele faria, caso soubesse de meus reais
sentimentos? Isso com certeza não resultaria em algo bom.
— Na verdade sim... — suspira fundo, e o encaro sem entender. —
Eu... Olha, você é uma mulher e...
Espero que continue sua fala, porém ele se cala de repente.
— E? — incentivo-o, e logo o vejo ficar completamente sem jeito.
— Quer dizer... É que... Merda! Não sei como simplesmente fazer
uma pergunta.
Parece falar consigo mesmo, enquanto anda de um lado para o
outro, deixando-me completamente confusa.
— Pedro! — chamo-o, e ele me encara, um pouco sem jeito. —
Apenas pergunte.
Ele me encara por alguns segundos, mas nada sai de sua boca. Sinto
novamente aquela pequena dorzinha em meu peito, quando tenho a certeza
de que ele nunca conseguiu me enxergar além de sua sócia.
— O que um cara teria que fazer para te conquistar? — arregalo os
olhos, e tenho certeza que minha cara de espanto é assustadora. — Digo,
hipoteticamente.
— Bom, hipoteticamente... — encaro seus olhos azuis, e tento
manter meu coração seguro.
Teria que ser você – penso em dizer, porém me xingo mentalmente
por tal besteira.
— Ser legal, charmoso, atencioso... Mas além de tudo, verdadeiro.
— respondo sem jeito, e ele presta atenção em cada palavra. — Alguém
que me visse além da aparência, que fosse além de uma simples atração.
— Certo. — passa as mãos pelos cabelos loiros. — Mas e se esse
cara fosse isso tudo, e ao mesmo tempo completamente fascinado por você,
só que nunca deu uma chance pra ele? Ou sabe, demonstrou interesse nele?
O tom de sua voz muda, e fico completamente estática, sem sequer
saber o que responder. Como queria que cada palavra fosse destinada a
mim.
— Atitude. — dou de ombros. — Acho que me faria o olhar de
outra forma. Talvez falte mostrar para essa mulher que a quer.
— Mas... Acho que ela me vê apenas como um amigo, e sabe, não
confia muito nas pessoas.
Uma pulga se instala atrás da minha orelha e sinto meu coração se
despedaçar aos poucos. É horrível a sensação de saber que o homem que
ama, está fascinado por outra mulher.
— Bom, tomar alguma atitude é o melhor! — engulo o choro e tento
me mostrar forte. — Talvez assim ultrapassem a linha de amizade.
Antes que ele responda, pego meu celular sobre a mesa, e saio
rapidamente, sem sequer me despedir. O mundo paira sobre meus ombros,
meu corpo parece sentir o impacto de cada palavra dele como um soco, mas
abro um sorriso, assim que vejo Sophie de longe. É o seu dia, e por ela, vou
ficar inteira.
Capítulo 2

Lola

Arrumo alguns papéis e me estico na cadeira, tentando não dormir


em pleno expediente. Sorrio, ao me lembrar que sou uma das chefes, e ao
menos, teoricamente, posso ir para casa descansar mais cedo. Mas, estar no
Chandel, é minha paz. Ficar em casa sozinha, tem sido meu maior
tormento.
Seguro o pingente pendurado em meu pescoço, e o abro, vendo nele
a foto da pessoa que mais amei nesse mundo, e mesmo tendo perdido,
continuarei amando. Nona... Adélia Gonçalves, a mulher que acreditou em
meus sonhos e no amor, e que me tornou quem sou hoje. Não há um
segundo em minha vida que não sinta sua falta.
Suspiro fundo, limpando uma lágrima que desce por meu rosto.
Escuto duas batidas na porta, que logo é aberta, e levanto meu olhar,
encontrando Pedro, que me encara sem jeito, e um pouco preocupado. Ele
sabe, por partes, como a morte de minha avó acabou comigo.
— Tudo bem?
— Sobrevivendo. — brinco, abrindo um sorriso, e ele assente,
parecendo um pouco sem graça. — Não precisa me olhar assim, Pedro.
— Assim como? — faz-se de desentendido, levando as mãos ao
peito, como se estivesse sendo acusado.
É impossível não sorrir a sua frente. Pedro é o homem mais
encantador que tive o prazer de conhecer. Conviver ao seu lado, se tornou
algo mágico, mesmo que as vezes tente colocar obstáculos entre nós, já que
meu coração está completamente entregue há tempos. Olhar para ele é
como se perder na mais vasta beleza. Alto, que parece conseguir me
proteger do mundo; Olhos azuis, que transbordam todos seus sentimentos
com apenas um olhar; Cabelos loiros bagunçados da forma mais perfeita,
junto a pele bronzeada na medida certa, que sempre indaguei a mim mesma
como ele a consegue; Porte atlético, o que diz claramente que se exercita, e
fora tudo isso, um homem completamente sorridente e devastador. Por onde
passa, ao menos uma dúzia de mulheres fica estática, apenas o olhando.
Assim que me formei na faculdade, nona insistiu em me dar um
presente, e sem ao menos saber, ela o fez. Juntou em um único lugar tudo o
que mais amo – comida, administração e pessoas em harmonia. Foi dessa
forma que ela me apresentou o Chandel, e logo me disse que comprou parte
da sociedade. A qual, foi meu presente. No primeiro instante, surtei por
completo. Mas depois que visitamos o lugar juntas, meu coração se rendeu.
Ela sabia, há cerca de quatro anos, o que me faria feliz, e foi como se
estivesse me preparando o futuro. O qual, de certa forma, aconteceu sem
ela.
Olho para o homem a minha frente, que continua em silêncio, e me
pergunto o que ele faz novamente em minha sala no mesmo dia. Pedro e eu
há pouco tempo tínhamos realmente estabelecido uma amizade, mesmo
assim não consigo ser aberta com ele, por medo de não saber como voltar
se me jogar de cabeça. Ser amiga do homem que sou apaixonada, tem sua
parte boa, de podermos ficar perto sem ser algo constrangedor, mas tem a
parte ruim, onde não posso simplesmente puxá-lo e torná-lo meu.
— Está divagando. — constata e eu assinto.
— Acho que você está fazendo o mesmo. — pontuo, e ele sorri,
sentando-se a minha frente.
— É... Sabe o que lembrei agora? — pergunta e nego com a cabeça.
— De quando me chamava de Senhor Soares. — sorri, e faço o mesmo.
— Ainda não perdi por completo esse hábito. — pisco pra ele, que
me encara por alguns segundos. — É a forma que devo te tratar, já que é
meu chefe.
— Por apenas dois por cento.
— Ainda sim, é mais dono do que eu. — ele dá de ombros. — Mas
duvido que veio falar comigo por conta da forma que te trato.
Arqueio a sobrancelha esquerda, e ele engole em seco, como se
procurasse as palavras certas a dizer.
— É que tem uma festa no sábado, onde preciso estar acompanhado.
— E? — indago sem entender.
— Bom, queria que fosse comigo. — sorri sem jeito, e arregalo os
olhos.
— Eu? — fico completamente chocada. — Pedro, olha pra mim,
não sou o tipo de mulher que vai a evento chiques. — ao menos, não mais.
— Lola, prometo que será rápido, apenas um jantar de negócios
enroscado a uma festa sem necessidade. — chega mais próximo a mim, e
faz um biquinho.
Como alguém pode ficar bonito fazendo isso?
— Ok, sem bico. — encaro-o séria, e o mesmo sorri de lado. — Por
que não chama Débora, pelas tantas vezes que vem aqui e ainda na minha
sala perguntar sobre você, ela adoraria o convite.
— Porque quero ir com você. — diz sério, e é minha vez de engolir
em seco.
— Ok então. — dou de ombros, como se não significasse nada, mas
por dentro, sou um grande caos. — Me manda depois todos os detalhes,
certo?
Ele assente, e se levanta. Quando está próximo da porta para sair, se
vira, e me encara novamente.
— Obrigado, Lola.
Sorrio sem graça, e ele sai, fechando a porta atrás de si. Solto a
respiração que nem percebi que prendia, e levo as mãos à cabeça, tentando
entender o que aconteceu. Para de se iludir, Lola! Óbvio que ele não vai
levar alguém interessada nele, senão, é como sair dando esperanças e tudo
se torna uma grande bola de neve.
Mal sabe ele, que escolheu entre muitas, a garota errada. A que
realmente está apaixonada por ele.
Droga!
Ainda é quarta-feira, e encaro minha sala sem saber o que fazer.
Apenas dois dias me separam de ir a uma festa com ele. Por que acho que é
o acontecimento do ano? Porque talvez seja para mim. O que me põe na
linha tênue de: ir por uma noite contra tudo aquilo que acredito, e me
divertir ao lado dele.
Até sábado, preciso decidir o que realmente vale a pena. Esconder-
me do passado, ou ao menos, em uma noite, mostrar-me ao futuro. É uma
difícil escolha a ser feita.
Capítulo 3

Pedro

— Há quanto tempo?
— Fala logo pra que ligou, idiota. Tenho que trabalhar. — digo
nervoso, e jogo uma toalha nas costas, indo para o banheiro.
Coloco o celular em viva-voz, e deixo em cima da bancada da pia,
enquanto tiro minha roupa.
— Pois é, minha mãe está me enchendo o saco, perguntando onde
diabos o sobrinho favorito dela se meteu.
— Eu sou o único, Chris! — ele gargalha assim como eu. — Mas
diga a tia Lea que domingo passo na casa de vocês, certo?
— Ok, falo pra ela. Agora...
— O que? — coloco o celualr novamente na orelha, e ligo a ducha,
testando a água com uma das mãos.
— Está tomando banho por acaso?
— Claro, com o celular debaixo d’água. — ironizo. — Fala logo
porque ligou.
— Ok. — ouço sua risada baixa. — Como vão as coisas com sua
princesa inabalável?
— Já falei pra não a chamar assim! — sinto a raiva tomar conta do
meu ser, e Chris gargalha com força. — Estou falando sério, Christopher!
— Ok, ok... Mas me diz, algum avanço?
— Não entendo porque tanto interesse na minha vida amorosa. —
bufo, e encosto-me contra a parede de frente a pia.
— Que vida amorosa, Pedro? — reviro os olhos. — Sério, quando
foi a última vez que transou com alguém?
— Débora, há umas duas semanas. — respiro fundo, sem querer
lembrar de como foi um desastre. — Aliás, a culpa é sua, ela vive me
ligando e querendo repetir a dose.
— Eu? Minha culpa?
— Você que nos apresentou, ou não se lembra? — ironizo. — Além
do mais, devia ter me falado que ela...
— Adora homens com nomes respeitados e dinheiro? — respondo
um simples “sim”.
Realmente, ela é desse jeito.
— Mesmo assim, estou a ponto de mandá-la atrás do Soares mais
rico. — provoco.
— O que? Nem pensar! — diz nervoso. — Sério, Pedro!
— Ok, idiota. Agora posso tomar meu banho em paz e trabalhar,
mamãe?
— Não estou te impedindo. — ele é realmente um babaca. — Aliás,
vou fazer uma visitinha a minha administradora favorita.
— Não, nem pensar! — praticamente grito. — Christopher, você
não ousaria...
Noto o silêncio descomunal do outro lado da linha, e encaro o
celular. Ele desligou! Filho da mãe!
Praticamente jogo o celular sobre a pia, e entro debaixo da ducha.
Tentando pensar em outra coisa que não seja socar a cara de Christopher até
que desfaça suas palavras. Ele ainda insiste em cercar Lola, tentando
entender porque ela não dá bola para ele, e a nenhum outro homem ao
redor. Mas eu conheço seu jogo, ele quer me ajudar com ela. Porém,
Christopher Soares não é nem de longe um bom partido para isso.
Ser de uma família conhecida numa das cidades mais famosas do
país, nunca foi uma dificuldade. Porém, encontrar pessoas que não se
importem com tal coisa, sempre foi o problema. Posso contar nos dedos de
uma mão as pessoas que realmente são meus amigos, pelo que sou, não
pelo sobrenome que carrego. Além de que sou a parte dos Soares que não
vive sob holofotes.
Minha mãe sempre odiou a exibição, e meu tio Rodrigo, fez o
máximo para protegê-la. Ainda mais quando se tornou mãe solteira aos
dezoito anos, e meu pai sequer fez questão de me assumir. Os boatos sobre
meu pai foram tantos, pelo que ela me conta, que até filho de um jogador de
futebol famoso me consideraram. As pessoas deveriam é xingar o babaca
que abandona uma mulher grávida com medo do futuro. Porém, a sociedade
enxerga o lado que dá mais audiência, e claro, dinheiro. Por isso, falar da
jovem Clarissa Soares, grávida aos dezoito, foi a melhor matéria naquele
momento.
Mamãe até hoje ri do que aconteceu naquela época, mesmo que
tenha sido difícil. Ela é minha heroína, pois lutou cada dia sem se deixar
abater, por minha causa. Por ela, eu serei eternamente grato. Teve uma
época que meu pai tentou uma aproximação, isso depois que descobriu que
tinha dinheiro. Seria cômico se não fosse trágico. Um pai, anos depois,
decide ser pai, apenas por dinheiro. Porém, isso não me machuca, porque
algo que aprendi com minha mãe faz sentido: só nos machuca, aquilo que
amamos. Quando a dor vem de onde menos esperamos, aí sim, é dor.
A água desce por meu corpo, e meus pensamentos voam para Lola.
Ela é uma completa incógnita para mim. Nos últimos meses que finalmente
consegui alguma aproximação com ela, pensei que teria alguma chance de
mostrar que quero ser mais que um amigo. Porém, ela sempre deixou bem
clara sua posição. Lola é impenetrável, e sinto que a cada dia fica mais
difícil de manter nossa amizade. Um passo para frente e dois para trás, a
cada vez que nos vemos.
Há quatro anos que temos o restaurante juntos, e sei que cada um
deles foi difícil para Lola. Por mais fechada que seja, eu soube que ela
estava destruída no momento que a conheci, pois no seu primeiro dia como
administradora, sua vó acabou falecendo. Fiquei do seu lado, cada
momento que pude, mesmo ainda sendo apenas um desconhecido. Ela me
permitiu de certa forma ajudá-la, mas aos poucos foi se afastando. Nunca,
em toda minha vida, senti-me tão fascinado por uma mulher. Eu quis, e
ainda quero, protegê-la de tudo no mundo. Mesmo que que soe clichê e
romântico demais, pois ela desde o primeiro olhar, deixou-me
completamente encantado.
Termino meu banho, ainda com os pensamentos nela, e assim que
me enxugo, encarando meu reflexo no espelho, abro um sorriso. Ela aceitou
sair comigo, mesmo não sabendo que se trata de um encontro. O primeiro
passo para ser notado é tomar alguma atitude – palavras dela. Mesmo que
não saiba que meu objetivo é conquistá-la. Sempre notei a forma como se
esconde debaixo de roupas grandes, e a falta de maquiagem. Porém, não é
como se faltasse algo nela, que a deixe menos perfeita. Lola é linda de
qualquer forma, vi isso, analisando-a sempre que posso.
Arrumo-me rapidamente para o trabalho, e assim que abro a porta
da frente, dou de cara com Gael, meu melhor amigo desde a faculdade.
— Caiu da cama? — pergunto, fechando a porta, e ele dá de
ombros.
— Vim saber como andam as coisas com Lolita. — encara-me
curioso, e franzo o cenho, odiando a forma como ele se refere a ela.
— Vão bem. — dou de ombros, indo em direção ao elevador.
Gael segue o mesmo caminho, já que somos vizinhos, e com certeza
passou em minha casa apenas para fofocar algo. Ele sempre foi previsível,
porém, tenho odiado a cada dia mais sua proximidade com Lola. Segundo
ele, se conseguir uma amizade com ela, pode me ajudar a conquistá-la. Pior
que Christopher pagando de cupido, apenas Gael.
— Tá com cara de quem comeu e não gostou. — provoca, e
encosto-me contra a parede do elevador.
— Apenas tentando acordar para mais um dia. E você? Como vão as
coisas com Karina?
— No de sempre. — dá de ombros. — Ela quer namorar, e tento
evitar ao máximo chegar a esse assunto. Aí ela diz pra nunca mais voltar ao
apartamento dela, mas quando apareci lá ontem, ela pareceu não ter
lembrado disso.
— Qual o problema, cara? Vocês estão juntos desde o final da
faculdade, e ainda a enrola. — constato o óbvio, e seu olhar muda, como se
pensasse em algo aleatório.
— Karina não é a mulher certa. — encaro-o surpreso.
— Que?
— É a verdade. Não me olhe assim! — levanta as mãos em sinal de
rendição. — Vai me dizer que achou que me casaria com ela?
— Então por que ainda fica com ela? Deixa ela seguir a vida e...
— Há coisas que nunca vai entender, Pedrão! — bate em meu
ombro, no mesmo instante que a porta do elevador se abre. — Te vejo mais
tarde?
Assinto, e o vejo ir em direção a seu carro. Faço o mesmo, e assim
que entro no meu, sinto-me mal por Karina. Realmente tem coisas que
nunca vou entender, e até prefiro que seja assim. Ficar com alguém apenas
para não ser sozinho, faz-me querer ainda mais apenas a companhia de mim
mesmo.
Capítulo 4

Lola

Jogo minha bolsa sobre a mesa, e tento encarar esse dia como outro
qualquer. Porém, não passa de uma mentira que digo a mim mesma todos
os anos. Essa data traz consigo meus piores demônios. Quatro anos em que
perdi a parte sólida de minha vida. Minha querida e amada nona.
Olho ao redor do apartamento, e a passos incertos vou até o quarto
que costumava ser seu, que mantenho da mesma forma que deixou. Abro a
porta devagar, temendo desabar em algum momento. Assim que meus olhos
encaram o interior do cômodo, as lembranças mais felizes de minha vida
me atingem como uma flecha. Suspiro fundo, vendo cada parte colorida do
lugar, que ainda a representa.
As flores em minhas mãos são para levar ao cemitério, o que todo
ano tento fazer, mas acabo não conseguindo. Lembrar do dia de seu enterro,
da forma que tudo aconteceu, faz-me sentir doente. Dói sua perda, e ainda
mais lembrar o circo que nossos familiares fizeram em torno de tudo. A
única coisa que realmente importou para cada um deles foi a herança. Se
Nona estivesse viva, apenas daria de ombros, pois ela já não se surpreendia
com nenhuma ação de nossos parentes, e pior, de minha mãe, sua própria
filha.
Sento-me em sua cama, e deixo as rosas sobre a colcha branca. Em
seu criado mudo, pego uma foto nossa, do primeiro dia no Rio de Janeiro,
de como foi incrível conhecer o Cristo Redentor e as praias. Sentar na areia
e assistir o entardecer que acabou se tornando nosso passeio especial de
todos os domingos. Sorrio de nossa semelhança física, olhos azuis, cabelos
loiros, pele clara que não fica bronzeada de forma alguma. Porém, o que
mais me orgulha, é por sermos principalmente, parecidas por dentro.
Lágrimas descem por meu rosto, e nem faço questão de limpá-las.
Ainda são sete da manhã, e o dia nublado, parece tão cinza quanto meu
coração. Meu celular toca, e nem preciso olhar para saber quem é. André
sempre me liga todos os anos no mesmo horário, como se fosse nossa
promessa silenciosa.
— Oi, Dé! — respiro fundo, tentando me acalmar.
— Ei, pequena. — ouvir sua voz é como sentir um abraço apertado
nesse momento tão doloroso. — Como estão as coisas?
— Bom, tentando levar. — sou sincera. — Nem parece que se
passaram quatro anos. O tempo voou e a cada dia parece que dói mais.
— Adélia não ia te querer assim, Lola. — diz, e sei que está certo.
— Lembra que tudo o que ela sempre quis foi sua felicidade.
Nona me ensinou o que realmente importa na vida – viver com
plenitude, sem medo. Mas ainda não tinha descoberto como o fazer sem ela.
— Eu sei. — digo, completamente vencida. — E Lua?
— Bom, presa no banheiro, sem me dizer porquê. — conta, e franzo
o cenho sem entender.
— Como assim?
— Espera... — escuto-o falar algo com minha irmã, e de repente um
grito.
— Dé! Lua! — chamo, e demora alguns segundos para obter
resposta.
— Lola! — minha irmã diz, e sinto meu coração mais calmo.
Lua é a melhor parte minha, que felizmente, meus pais não
conseguiram mudar ou estragar. Ela fez seu próprio caminho, assim como
André. Estudou alguns anos fora, e logo após terminar, convenceu André a
ir vê-la. Casaram-se na Itália, e só saíram de lá no dia que André assumiu a
presidência da empresa de sua família. Eles vivem no sul, mas sei que
sonho de ambos é voltar a viver no exterior. Com certeza, o realizarão um
dia.
— O que são esses gritos que ouvi? — pergunto intrigada.
— Hoje é um dia de merda, todos sabemos disso! — direta como
sempre. — Mas, acho que nossa nona, é tão especial que quis tornar esse
dia em algo melhor.
— Como assim? — pergunto, completamente perdida.
— Estou grávida, maninha!
Fico estática, sem saber o que dizer.
— Lua.. Isso é... Meu Deus! — levo a mão a boca, ainda digerindo a
notícia. — Eu vou ter tia! — grito animada.
Lua começa a falar algo, e ao mesmo tempo, encaro a foto de nossa
nona. É como se o sorriso dela para a câmera, iluminasse mais uma vez este
apartamento. Como se de alguma forma, ela tenha transformado esse dia
tão horrível, ao menos, em uma data com algo bom para se recordar. O dia
em que descobri que serei tia, e ainda, que Lua e André serão pais. Um
sobrinho ou sobrinha... Mais um componente da pequenina e real família
que tenho.
— Lola, diz alguma coisa! — minha irmã diz, e pisco, vendo que
sequer prestei atenção.
— Desculpe, eu...
— Vai ser madrinha, sim! — arregalo os olhos. — A resposta é sim
ou claro. Pode dizer!
— Meu Deus, Lua! É claro que vou! — sorrio, em meio as lágrimas
que descem por meu rosto. — Obrigada por esse presente!
— Eu é que vou ficar louca daqui nove meses com ele ou ela... Você
vai fazer sua obrigação de nos ajudar. — sorrio, sabendo que mesmo
brincando ela fala sério.
— Ok, maninha. Eu vou! — respondo ainda emocionada. — Como
André está?
— Caído na cama, encarando o teto, como se perguntasse: como
vou ser pai?
Gargalhamos, e consigo imaginar a cena perfeitamente.
— Ele vai dar conta.
— Claro que vai! Deu conta de fazer, agora...
— Sem detalhes, pelo amor! — corto-a rapidamente, e ela gargalha.
— Agora, vou beijar meu marido até desmaiar. — diz animada. —
Eu te amo, maninha! Antes que imagine vou te visitar!
— Ok, pentelha. Eu também te amo.
Ela desfaz a ligação e fico sorrindo em direção ao celular, enquanto
lágrimas tomam conta de mim. Olho pela janela, e vejo o sol sair dentre as
nuvens. Como pode tudo parecer tão sincronizado?
Passo as mãos de leve pelas rosas sobre a cama de nona, e acabo as
pegando. Preciso tomar coragem, por ela, pela vida, de ao menos dessa vez,
ir até o cemitério. Não que ela esteja lá, mas por poder criar alguma
lembrança menos dolorosa daquele lugar.

Assim que encaro as pequenas ruas, e ando até onde me indicaram,


sinto meu coração cada vez mais pesado. Como se fosse mandada para um
exato momento no passado, sinto meu corpo mole e me seguro para não
desabar.
— Não! Vou enterrá-la no sul. — minha mãe gritou diante de toda
nossa família, que de repente estava dentro do apartamento que dividia
com nona.
Não consegui dizer nada, amparada por Lua, após tomar algum
calmante para não surtar mais uma vez. O choque da morte de minha nona
foi tão doloroso que ficar sã, não era mais uma possibilidade naquele dia.
— Ela deixou um testamento, senhora Gerard. Onde exige que seja
enterrada no Rio de Janeiro. — o advogado disse sem temer.
— O testamento que ainda quero que leia, por que não o faz? —
mamãe insistiu, e senti meu coração despedaçar ainda mais.
A mãe dela estava morta, e tudo o que ela pensava era no
testamento.
— Apenas uma semana após o enterro que isso será feito. É o
pedido da senhora Gonçalves, e não podemos mudar.
— Ok, então! Vamos enterrá-la ainda hoje. — disse de forma fria,
como se não significasse nada.
Senti minha mente pesar, meus olhos quererem fechar, mas a
indignação que me atingiu foi ainda maior. Como ela ousava?
— Como pode?
Minha voz saiu baixa, e o aperto de Lua ao meu redor aumentou.
Senti os olhares de todos sobre mim.
— Do que está falando, Paloma?
— Como ousa? Como ao menos não finge que dói perder sua mãe?
— meu tom de voz aumentou, e os olhos azuis de minha mãe se
arregalaram.
— Paloma...
— Lola. — corrigi-a no mesmo instante. — O nome que minha nona
deu, que minha verdadeira mãe me chamava! — disse com raiva, com a dor
crescendo em meu interior. — O que faz aqui? Por que fez questão de vir
ao Rio? Por que não ficou na sua mansão escondida do mundo, fingindo
que nem eu nem ela existimos?
— Palo...
— Não fez questão alguma durante todos os anos que se passaram.
— soltei-me do aperto de Lua, e me levantei, indo até minha mãe. — Não
fez questão de saber de sua própria filha, e agora quer dar...
— Olhe bem o que vai dizer, Paloma.
— Meu nome é Lola! — disse alto, a encarando com raiva. — Sabe
o que faz aqui? Faz o papel de boa filha, mas nem questão de dar
continuidade tem. Está aqui por dinheiro! Como todos! Quer o dinheiro da
mãe que acabou de perder, da mulher que teve coragem o suficiente de não
viver nesse lixo que você chama de vida!
Nem precisei prever, para saber seu próximo ato. Sua mão esquerda
se encontrou com meu rosto, e eu sorri, encarando-a com mais nojo.
— Se eu choro hoje, não é pela avó que perdi. Mas pela mãe que ela
foi, e sempre será pra mim. — enfrentei-a, e o silêncio ao redor deixou
claro que ninguém se intrometeria. — Eu tenho nojo de ser sua filha,
Rachel.
Virei-me de costas, e escutei meu pai me chamar, mas não o encarei.
Fui até onde Lua estava e abri um sorriso sem dentes. Respirei fundo e me
virei para todos.
— Fora do meu apartamento! — exigi, e todos arregalaram os
olhos, mas um a um, saíram dali.
Antes de ir embora, senti o olhar de minha “mãe” sobre mim, como
se me analisasse.
— Ao menos, tenha a decência de ir arrumada ao enterro de sua vó.
— disse por fim, e saiu.
Sorrio pelo ódio que toma conta de meu corpo. Encostei-me no colo
de Lua, e senti carinhos de André em meu cabelo. Nunca, em toda minha,
senti-me tão só.
Paro então a frente do túmulo de minha querida nona. Coloco no
vaso vazio, as flores que comprei com todo carinho – rosas amarelas, suas
favoritas. Lembro-me de como foi horrível aquele dia, o como minha mãe
se importou com suas roupas durante todo o enterro, como se não existisse
algo mais importante.
Mas existia...
Sempre existirá para mim.
— Oi nona. — digo com pesar. — Sei que não está aqui, mas...
Sinto muito não ter vindo nos outros anos. Dói demais saber que foi aqui
que te deixei na última vez. Eu mudei muito, nona. Se me olhasse agora,
com certeza pegaria sua maleta de maquiagem e me mimaria. Era assim,
não é? — sorrio sozinha. — Eu não faço isso há anos... Digo, me arrumar.
Dói imaginar que a beleza exterior é tão importante, não sinto falta dela.
Mas sabe, tem esse cara... O nome dele é Pedro, já falei sobre ele algumas
vezes com você, em sonhos ou divagando pelo apartamento. Ele é diferente,
não que me olhe além do que vê, mas eu gosto dele. Você o conheceu, e me
dizia, que era um bom partido. — sorrio, com lágrimas descendo por meu
rosto. — Ele realmente é, mas não me vê da mesma forma. Me convidou
para uma festa sábado, quer dizer, não é um encontro. Mas com certeza a
festa exige algum tipo de vestimenta, como social... Se você estivesse aqui,
eu saberia o que fazer... — calo-me, sentindo-me completamente perdida.
Fecho os olhos, e uma leve brisa passa por mim, como se me
acalmasse. Por um segundo, vejo a cena de minha nona com a sua maleta
de maquiagem em mãos sorrindo, como se estivesse animada para me
preparar para algo.
— Vai ficar linda, minha querida.
Pisco, e abro os olhos no mesmo instante, vendo que as flores estão
paradas no mesmo lugar. Sorrio, olhando para o céu, como se fosse um
sinal. Talvez seja a hora de deixar o passado no lugar dele e finalmente,
seguir em frente.
— Obrigada, nona.
Saio do cemitério com o rosto banhado de lágrimas, mas com o
coração pela primeira vez em anos, leve. Talvez o certo seja me encontrar
novamente, testar quem sou... Sem pensar em minha família, ou a dor que
passei. Aperto novamente o pingente em meu colar, sentindo-me mais perto
dela, como se tivesse novamente seu abraço quente e carinhoso. Por ela, e
principalmente, por mim, darei uma chance ao me expor. Hipoteticamente,
matamos um leão a cada dia... Eu preciso matar meus medos e vencer meus
demônios para ser feliz novamente.
Capítulo 5

Lola

Analiso alguns papéis, e tento me concentrar em apenas continuar


trabalhando nesse dia. Porém, meus pensamentos estão longe. Em minha
nona, em meu primeiro sobrinho ou sobrinha, e ainda, na festa de sábado.
Respiro fundo, tentando não pensar tanto a respeito. Criar expectativas
sobre algo é sempre o pior. Não posso imaginar o que vai acontecer, sendo
que Pedro me convidou por algum motivo qualquer.
Escuto batidas em minha porta, e logo ela se abre. Sorrio ao ver
Gael, que traz consigo um buquê de flores. Sorrio sem jeito, e me levanto,
indo até ele. Gael é o melhor amigo de Pedro, mas acabou se tornando
alguém muito próximo a mim. Sei bem que ele desconfia de meus
sentimentos por Pedro, mas nunca pressionou algo a respeito. Agradeço
imensamente por isso.
Abraço-o com carinho, e logo me afasto.
— Perdido por aqui? — pergunto, e me encosto contra a mesa.
— Passei pra almoçar, e claro, lembrei de uma amiga. — estende-
me as rosas brancas, e sorrio sem graça. — Sei que é um dia difícil pra
você. Saiba que estou aqui, ok?
— Obrigada. — sinto a vontade de perguntar como ele sabe a
respeito, mas me contenho, aceitando as flores. — Elas são realmente
lindas. — não toco no assunto do meu dia difícil, por conta que nada
mudará. Gael é sim próximo, mas não a pessoa com a qual quero me abrir.
— Então, como está indo? — pergunta um pouco sem jeito, e
encaro-o sem entender.
Ele sempre é animado, insistente, e tenta melhorar o astral de todos.
O próprio Pedro o chama de seu palhaço exclusivo. Por essa razão, estranho
por completo a atitude dele comigo.
— Bem, vivendo um dia de cada vez. — dou de ombros. — E você?
— Morto de fome. — é direto, e sorrio.
— Vou deixar as flores aqui, e te acompanhar até sua mesa. Que tal?
— ele assente, e saímos do escritório.
Descemos as escadas conversando amenidades, e finalmente o Gael
que conheço está de volta. Faz-me sorrir a cada passo dado, diante de suas
brincadeiras, e histórias que ambos sabemos, não passam de invenções.
Encaro-o por alguns segundos, enquanto conta algo aleatório, e me
pergunto: Por que? Por que não posso me apaixonar por um homem como
ele? Pedro vem em minha mente no mesmo instante, e sinto todo meu corpo
estremecer.
A resposta é clara. Estar perto de Gael não me causa nada, mesmo
sendo um moreno lindo, de pele bronzeada, olhos castanhos claros e um
porte atlético invejável. Além de ser um homem atencioso, carinhoso, e
melhor, parece não se importar com minha aparência. Os mistérios do
coração são mesmo indecifráveis.
Levo Gael até sua mesa, e ele me convida para almoçar, porém
nego. Tenho apenas tentado sobreviver a esse dia, enfiando a cara no
trabalho. Com toda certeza, não sou uma boa companhia.
Vou até o balcão principal, onde alguns doces maravilhosos ficam
expostos, e tenho a ideia brilhante e mais do que incrível: comer alguma
gordice para que ao menos meu estômago fique feliz. Entro no balcão, e
Luciana, uma das meninas que atendem ali, encara-me com um sorriso de
lado, como se já soubesse o que vou fazer.
— Quer que pegue para senhora? — Luciana pergunta, e eu a
encaro de forma desgostosa.
— Apenas Lola, Luci.
— É a força do hábito, senhora... Quer dizer, Lola. — sorri meio
sem jeito, e eu pisco para ela.
— O doce mais enjoativo que tiver, preciso adocicar a vida. —
peço, e em seguida ela abre uma das portas debaixo do balcão.
Enquanto a vejo procurar o doce, uma voz conhecida chama minha
atenção, além de estar sendo dirigida para mim.
— Pode não ser de um doce que precisa.
Encaro-o e me escoro sobre o balcão. Christopher mantém seu
melhor semblante cafajeste, e não preciso olhar ao redor para saber que
muitas de minhas funcionárias estão babando por ele.
— Como vai, senhor Soares? — pergunto educamente, provocando-
o.
Sei o quanto ele odeia que seja impessoal.
— Pensei que já tínhamos passado dessa fase. — finge indignação,
fazendo-me rir. — Pode me chamar de Chris, e se achar apropriado,
gostosão.
— Por Deus, Chris! — gargalho baixo. — Qual o seu problema?
— No momento, você! — encaro-o sem entender. — Mulher
nenhuma resiste a mim, como você faz?
Arqueio uma sobrancelha e escuto Luciana me chamar. Assim que a
olho, vejo suas bochechas coradas diante de Christopher Soares, também,
não basta o homem ser um cafajeste de primeira, é um belo pedaço de mal
caminho. Deve ser carma da família... Porque Pedro é ainda mais lindo que
ele.
Pego o doce com Luciana e agradeço. Ela praticamente corre para o
outro lado do balcão, acho que com medo de ser demitida por ficar secando
o primo do chefe.
— Sou algum tipo de experiência para você? — provoco, e ele sorri
de lado.
Homem cafajeste quando sorri de lado é o mesmo que pedir para
que a mulher a sua frente suspire. Felizmente, para ele, não tenho essa
reação.
— Acredite, você se tornou meu ratinho de laboratório favorito. —
brinca, e o encaro indignada mas sorrindo. — Agora me diz, qual o segredo
para ser imune a mim?
— Nenhum. — dou de ombros, olhando a tortinha de chocolate que
Luciana escolheu.
Eu pedi algo enjoativo e bem doce... Uma torta com três tipos de
chocolate é simplesmente perfeito.
— Qual é, Lola? — insiste. — Tem que existir um segredo.
— Vamos dizer que as mulheres imunes a você sejam todas aquelas
que já tem outro homem em seus pensamentos. — simplifico, e de repente,
o dono dos meus, escolhe o pior momento para aparecer.
— Adora deixar Lola sem graça, não é?
Olho de Pedro para Christopher, que parece se divertir com essa
situação.
— Estou adorando a companhia do seu primo. — debocho, e Chris
finge que levou uma flechada no coração. — Olha como ele é adulto!
Depois ainda tem coragem de me perguntar porque não lhe dou bola.
— E o que você respondeu? — encaro Pedro incrédula, sem
entender porque de ele estar dando atenção para a pergunta besta de seu
primo.
— Que tem outro homem em seus pensamentos. — Chris se
adianta, e eu confirmo com a cabeça.
Continuo a encarar Pedro, e pergunto como tudo seria se ele
soubesse que é justamente o homem que não sai da minha mente.
— E quem é ele? — assusto-me com sua pergunta, sem ter qualquer
reação.
— Alguém que não nos interessa. — Christopher diz, e o encaro
aliviada. — Está nos pensamentos nela, e não tem porque sabermos, não é,
Lola?
— É. — respondo de relance, já com vontade de enfiar minha
cabeça em algum buraco.
— Tenho que voltar para a cozinha. — Pedro diz num tom diferente.
— Vejo você no domingo, e pare de atormentar minha sócia.
— Au revoir , priminho!
[2]

Assim que Pedro sai de meu campo de visão, solto o ar que nem
sabia que segurava. Essa conversa só tenderia piorar caso ele insistisse.
— Então... — encaro Chris, que limpa sua garganta para chamar
minha atenção. — Agora entendi o porquê de não me dar bola.
— Chris. — penso em como enganá-lo, ou até mesmo mentir,
porém seu olhar é tão penetrante que não consigo fugir. Além de que estou
cansada de esconder tal sentimento. — Obrigada.
— De nada, minha não mais incógnita favorita. — provoca, e tento
não sorrir mas é em vão.
— Chris... Por favor, não...
— Fique tranquila. — pisca em minha direção. — A história
pertence a vocês.
Abro a boca para dizer algo, porém ele é mais rápido.
— Passei apenas para dar um oi, tenho uma reunião agora. Até
mais, Lola!
— Até! — então o vejo sair pela porta da frente.
Encaro novamente o doce em minhas mãos, e sei que é exatamente
disso que preciso. Que o açúcar me dê o foco necessário para terminar esse
dia, pois ele nunca pareceu tão surpreendente. Retomo meu caminho para o
escritório, e assim que entro, ao olhar para as flores que Gael trouxe,
lembro-me de fato a dor que assola meu peito. Ao menos, a conversa
estranha com Pedro e Chris, fez-me esquecer um pouco da realidade. Sento-
me em frente aos intermináveis papéis, e abro meu doce, já sentindo o
cheiro maravilhosos de chocolate. Torço para que o chocolate faça o
mesmo, consiga me desligar do mundo.
Capítulo 6

Pedro
O expediente se encerra, e saio pela porta dos fundos do restaurante,
tentando espairecer minha mente. Já tirei a touca e o avental, que são
usados para garantir ainda mais a higiene de cada prato preparado. Sorrio,
mesmo muito cansado, após mais um longo dia de trabalho. É gratificante
trabalhar com o que amo – cozinhar.
Passo as mãos por meus cabelos, e novamente mexo as mãos de
forma nervosa, a ansiedade me atingindo com força. Pego rapidamente um
chiclete no bolso traseiro da calça, e o jogo na boca. Comecei a fumar com
dezoito anos, e facilmente me viciei. Foi difícil abandonar o cigarro, mas
aos poucos e insistindo muito, pelo meu sonho, acabei conseguindo. Mas
nunca falta um chiclete em meu bolso, para tentar aliviar a tensão de
momentos que apenas consigo pensar na nicotina como calmante.
Retorno para dentro do restaurante, e me despeço dos últimos
funcionários. Logo a cozinha se encontra vazia, e sorrio olhando ao redor.
Esse lugar foi meu sonho desde o primeiro momento que entrei no mesmo,
quando ainda era um garoto. Chandel, o nome do meu restaurante favorito
na infância, e agora, meu restaurante. Quem diria?
Saio dali, e assim que chego próximo ao balcão de doces, encontro
Lola, um pouco enrolada com um buquê de rosas nas mãos. Mas o que?
— Ei! — digo, tentando retrair minha curiosidade e desconforto,
mas parece impossível.
— Oi. — me encara, pegando algo na bolsa, e quase derrubando as
flores no chão.
Não seria algo ruim, de todo jeito.
— Precisa de ajuda? — pergunto solícito
Ela bufa baixinho, e meio sem jeito me entrega o buquê. A vontade
que tenho é de arremessá-lo longe, ou melhor, no lixo mais próximo. Quem
teria lhe dado flores?
Apenas fico parado, vendo-a procurar algo na enorme bolsa, e
ignorando meus ciúmes, aproveito o momento para admirá-la. Deus, nunca
vi mulher mais linda! Os cabelos loiros longos de tonalidades diferentes em
cada mecha, a pele clara que só consigo imaginar com a marca de meus
beijos, o corpo curvilíneo que percebo mesmo debaixo de uma blusa larga
que ela usa junto a uma calça jeans não muito justa.
— Achei! — diz animada, e mostra-me uma chave.
Porém, fico parado, encantado com o azul de seus olhos, a boca
naturalmente rosada e a pele livre de qualquer maquiagem. Essa mulher é
um pecado, ou melhor, meu pecado mais lindo.
— Terra chamando Pedro! — pisco algumas vezes, vendo que
sequer ouvi uma palavra dela.
— Oi, desculpe. — digo sem jeito e ela sorri de lado.
— Anda no mundo da lua. — provoca, e dou de ombros. Se ela
soubesse o mundo que ando... — Achei as chaves do carro, quase tive um
treco pensando que as perdi.
— Isso não seria algo bom. — ela assente. — Onde quer que deixe
essas flores? — pergunto, um pouco desdenhoso.
— Ah, vou levá-las para casa. — as pega, e noto como olha com
admiração para cada rosa. — Está indo embora?
— Sim, apenas vou terminar de fechar tudo.
— Bom, eu já vou indo então. — sorri, e passa por mim.
— Ah, Lola! — chamo-a, e ela se vira para me encarar. — É alguma
data especial? Digo, por conta das flores. — explico-me, um pouco sem
jeito, e vejo seu semblante mudar por completo.
Notei que ela passou o dia todo trancada no escritório, raro o
momento que a vi conversando com meu primo, e pude vê-la. Algo estava
estranho com ela por todo dia, e me senti um idiota por não saber.
— Faz quatros anos que comecei a trabalhar aqui. — diz baixo,
como se as palavras doessem.
Por um segundo não consigo entender porque não está feliz pelo
tempo que completa aqui. Porém, rapidamente a realidade me dá um soco.
Há quatro anos, no mesmo dia, sua avó veio a falecer.
— Eu...
Não sei o que dizer, e ajo por instinto. Dou dois passos até ela, e
puxo-a para meus braços. Lola não nega, entregando-se a meu aperto.
Escuto-a fungar, e sei que seu choro corre livre. Nunca fomos tão íntimos,
mas sei como a morte de sua avó a marcou, e até hoje, o faz.
Lembro-me de ter comentado com Gael a respeito disso há alguns
dias, enquanto falava sobre Lola, só não sei como me esqueci por completo
de falar com ela justamente hoje. Sinto-me um completo imbecil.
— Ela com certeza tem muito orgulho da mulher que se tornou. —
digo baixinho em seu ouvido, ouvindo-a suspirar fundo.
Afastamo-nos um pouco, e passo as mãos por seu rosto, limpando
cada lágrima com meus dedos.
— Não devia ter vindo trabalhar. — digo com carinho, ainda sem
conseguir me afastar.
Ela sorri um pouco sem jeito, e uma mecha cai sobre seus olhos.
Como no momento mais clichê de minha vida, coloco a mecha atrás de sua
orelha esquerda, e pela primeira vez, vejo-a demonstrar algo. Ela cora
lindamente, fazendo-me sentir o homem mais sortudo do mundo. Porque
por mais indiferente que ela seja a mim, ao menos, consegui causar algo.
— Está tudo bem. Precisava distrair a cabeça. — passa as mãos nos
olhos, e afasto as minhas, dando um passo para trás. — Obrigada! — sua
sinceridade é nítida.
Sei que nesse momento ela simplesmente vai se virar e ir embora.
Então dou novamente um passo e a puxo, dando um leve beijo em sua testa.
— Estou aqui, para o que precisar. — deixo meu coração falar, e
sinto seu corpo relaxar.
— Eu sei, Pedro. — encara-me, e me surpreendendo por completo,
deixa um leve beijo em meu rosto. — Até amanhã!
Ela então se vira e vai embora. Esqueço-me por completo das flores,
e de meus ciúmes, apenas sentindo o lado esquerdo de meu rosto formigar.
Feito um verdadeiro adolescente, fico ali, completamente estático. Levo a
mão esquerda até minha bochecha e sorrio feito bobo. Pela primeira vez na
vida cogito a possibilidade de nunca mais lavar o rosto.
Capítulo 7

Lola

Olho para o espelho, e sequer consigo acreditar no que vejo. Respiro


fundo, tentando absorver minha própria imagem, mas parece impossível.
Há quanto tempo não uso um vestido?
Prendo meus cabelos no alto da cabeça, e encaro de todas as formas
o espelho do provador. A imagem que tenho me atinge em cheio. Lembro-
me claramente da forma como fui criada, das normas disfarçadas de dicas, e
por um segundo a pergunta mais idiota do mundo passa por minha mente:
Rachel aprovaria isso?
Reviro os olhos, e a resposta é clara, ela odiaria, por não ser de uma
marca conhecida e mais cinquenta defeitos que com certeza inventaria. Tiro
o vestido tomara que caia de um vinho escuro beirando o roxo, e parto para
o próximo. Não sei quanto tempo se passa, mas parece uma eternidade
dentro do provador.
Em algum momento da tarde de sexta-feira, na qual não trabalho,
vi-me já em direção ao shopping, para assistir algum filme e comer muita
pipoca. O problema é que sequer cheguei ao cinema, sendo que parei na
primeira loja de vestidos, vidrada na vitrine deles. O que me motivou a
entrar é a vontade de provar a mim mesma que sou capaz de superar o fato
de que beleza não é tudo, mas nem por isso preciso simplesmente ignorar
minhas próprias vontades.
Eu quero ir ao jantar com Pedro. Quero de alguma forma estar em
um vestido lindo e poder desfilar com ele para cima e para baixo. O quão
ruim isso pode ser? Acho que nem um pouco, sendo que é uma escolha que
fiz, nada imposto. Portanto, estou aqui, encarando o último vestido que
peguei, e torcendo internamente para que ao menos esse dê certo.
Assim que o vestido se ajusta ao meu corpo, arregalo os olhos para
como me vejo. Os outros me causaram certa surpresa, mas pelo fato de
depois de anos estar dentro de uma peça como essas, entretanto, esse parece
ter sido feito sob medida para mim. Um sorriso se abre em meu rosto,
imaginando como nona piraria se me visse dessa forma. Analiso cada
detalhe, e opto por levá-lo, pois de alguma forma, quero me encontrar
novamente.
Saio do provador após o tirar e me vestir, e sorrio sem graça para a
vendedora que pacientemente me esperou do lado de fora. Entrego a ela o
vestido e um sorriso amplo se abre em seu rosto. Com certeza, sua
comissão será boa.
— Obrigada. — digo ao passar pelo caixa e saio de lá com uma
sacola linda em mãos.
Há quanto tempo não faço isso?
Vou em direção a praça de alimentação, e acabo desistindo do
cinema por simplesmente estar exausta e querer logo minha cama. A
preguiça de ter que cozinhar me atinge, e peço uma batata recheada. Algo
rápido e que posso comer com tranquilidade, depois ir para casa e apenas
capotar na cama.
Assim que meu pedido está pronto, pego-o e vou em direção a uma
mesa. Coloco a sacola na cadeira ao meu lado, e cheiro com vontade a
batata a minha frente. Batata recheada à bolonhesa, como algo pode ser tão
bom? Ou melhor, o que pode não ser bom com batata?
Começo a comer tranquilamente, e me assusto no segundo que sinto
duas mãos sobre meus ombros. Meu embaraço é tanto, que assim que
encaro o homem atrás de mim, bato com força em seu peito.
— Que susto, Gael!
— Ei! — gargalha e o encaro com raiva. — Não podia te encontrar
aqui e simplesmente dizer “oi”. Tinha que ser épico.
— Um verdadeiro cavalheiro. — provoco e ele pisca, sentando-se a
minha frente.
— Veio as compras? — pergunta, olhando em direção a sacola, e
dou de ombros, assentindo.
— Meio que isso, misturado ao fato de estar morta de fome no
momento. — tomo um pouco do refrigerante, e o encaro. — E você, o que
faz por aqui?
— Me escondendo dos problemas. — franzo o cenho sem entender,
e ele apoia os cotovelos na mesa, encarando-me um pouco sem jeito. — É
complicado demais para explicar.
— Tudo bem. — sorrio com carinho. — Tem coisas que apenas não
dá pra dizer.
— É. — complementa sem graça, e me analisa por alguns instantes.
— Como vão as coisas no restaurante?
— Bem, aliás, não estou faltando no trabalho. —arqueio a
sobrancelha e ele ri de lado. — É minha folga hoje.
— Pedro me falou a respeito em algum momento.
Só de ouvir o nome de Pedro um suspiro profundo me escapa.
Felizmente, Gael engata num monólogo a respeito da batata que como, e
acabo forçando alguns poucos sorrisos sem querer ser inconveniente e falar
a respeito de meus sentimentos por seu melhor amigo.
Acabo viajando em meu mundinho, e lembro do que conversei com
Gael a tempos atrás. Não sei em que momento chegamos ao assunto, num
dos dias que ele foi ao restaurante, mas de repente, falamos sobre Pedro, e
ele me contou algumas das aventuras dos dois, principalmente, amorosas.
Isso ainda paira sobre minha mente, e principalmente meu coração.
Como saber mais sobre o homem que amo, sendo que não tenho coragem
de perguntar algo a seu melhor amigo, e muito menos para o próprio?
— Você está em qualquer lugar... Menos aqui. — pisco algumas
vezes, e forço mais um sorriso. — Não precisa fingir nada comigo, Lola. Se
estou te entediando só me dizer.
Seu olhar não é magoado, ele apenas me observa e espera a
resposta. Mas o que dizer? Que estou perdida em pensamentos a respeito de
Pedro?
— Posso fazer uma pergunta completamente aleatória? — tomo
coragem, e ele me encara curioso.
— Vá em frente!
— Lembra de quando me falou sobre a “mulher que Pedro ama”?
Há um mês, eu acho... Não me lembro bem.
Eu me lembrava bem de suas palavras... Porém, tentei não levar a
sério. Gael adorava contar histórias, e considerei, através de meu coração
apaixonado, que fora apenas uma brincadeira a respeito de Pedro ser
solteiro. Mas quem sabe... Poderia ser real.
— Eu me lembro. — responde de forma estranha e seu semblante
muda.
— Quem é ela? Digo, por que ela seria uma mulher impossível? —
não resisto em perguntar.
Gael se encosta na cadeira, e antes que desconfie de meus
sentimentos, tento disfarçar.
— Digo, vocês dois são solteiros. Você eu sei que por opção, certo?
— ele assente. — Mas por que Pedro não vai atrás dessa mulher?
Ele parece pensar um pouco, e me encara um pouco sem graça.
— Bom, digamos que é complicado. — dá de ombros. — Ela casou
muito nova por conta de uma gravidez... Isso é o que ele me contou por
cima. Eles perderam o contato por muito tempo, e pelo que sei, está casada
até hoje.
— Isso faz quanto tempo?
— Uns dez anos, desde a última vez que realmente estiveram juntos.
— arregalo os olhos, estática com suas palavras.
— Ele deve amá-la muito. — as palavras saem praticamente
forçadas de minha boca, e com gosto horrível da tristeza.
— Do jeito dele, com toda certeza. — sorri de lado. — Mas e você?
É uma mulher linda, inteligente, interessante... Não me diga que esse
coraçãozinho tem dono desde sempre?
— Ah! — sou pega de surpresa com sua pergunta, e por um
segundo penso em confessar a ele o que realmente sinto, porém, me nego.
Pode apenas piorar tudo, e Pedro descobrir sobre o que sinto, e
assim, acabar destruindo a paz em meu querido restaurante. Ainda mais
agora tendo a certeza de que o coração dele tem dona, e pelo jeito, ela ainda
o será por um bom tempo.
— Pela sua cara, tenho certeza de que sim.
— Não, quer dizer...
— Lola, está tudo bem. Pedro é louco por Melissa há tanto tempo
que qualquer pessoa que é apaixonada por outra, eu não tenho direito algum
de julgar, já que tenho exemplo de perto.
— Melissa? — pergunto um pouco sem jeito, e ele assente.
— É o nome dela. — esclarece, dando de ombros. — Pelo que sei
ela casou com um cara tão rico quanto ela, e são donos da empresa de
telecomunicações mais famosa do país.
— Ah sim. — tento disfarçar a tristeza em meu sorriso. — Isso deve
machucar Pedro.
— Ele supera... Um dia. — assinto, e felizmente, Gael muda de
assunto.

Quando chego em casa, cerca de uma hora depois. Deixo a sacola


sobre o sofá, e sem pensar duas vezes pego o notebook jogado sobre a mesa
de centro. Assim que abro o navegador de internet, digito rapidamente o
nome da mulher que Pedro tem em seu coração, e relaciono a
telecomunicações, na esperança de encontrar algo.
Felizmente ou infelizmente, várias fotos dela infestam minha
pesquisa, assim como de seu marido. Clico na mais recente, e me assusto ao
ler a respeito de um assunto sobre eles. Pelo que parece ela sofreu um feio
acidente, e ele está afastado da empresa para lhe dar toda atenção. Pelos
olhares que ambos dão um ao outro, é fácil reconhecer o amor que os une.
A admiração nos olhos verdes dele por ela, é incrível, assim como os
castanhos dela brilham por ele. Pelo que a matéria diz, é uma foto de cerca
de meses atrás. Eles parecem tão felizes, que consigo sentir a dor de Pedro
por vê-la dessa forma.
Fecho o notebook sem querer saber de mais nada, e meus olhos
recaem sobre a sacola, o que me faz pensar no dia de amanhã. Tinha
confirmado minha presença com Pedro, e tudo o que quero fazer é
simplesmente me esconder e encontrar um jeito de arrancá-lo de meu
coração.
De repente, uma ideia sem nexo me bate na mente, sobre como as
coisas seriam, caso ele pudesse se apaixonar por outra pessoa... No caso, eu.
Talvez, exista alguma chance do mesmo olhar ao redor e me encontrar
amanhã, e quem sabe, se demonstrar algum interesse, seus olhos passem de
amigo para algo “mais”. Esconder-me não o fará me enxergar, muito menos
esquecer a tal Melissa. Preciso de alguma forma, mostrar a ele quem sou, e
que posso ser a dona de seu coração.
Capítulo 8

Pedro

Aguardo a frente de seu prédio, encostado em meu carro, sem saber


muito bem como disfarçar minha ansiedade em vê-la. Depois desses quatro
anos, é a primeira vez que tomo coragem de chamá-la para sair.
Tecnicamente é um jantar de negócios, mas ela não precisa saber que ele
não existe. Que na realidade, ninguém além de nós dividirá uma mesa nessa
noite.
Olho em meu relógio as horas e fico cada vez mais impaciente.
Liguei para ela há poucos minutos, a qual me disse que estava descendo,
porém, ainda nenhum sinal. Mexo as mãos nervosamente e tento não pensar
muito em como agir, pois não quero parecer um completo idiota,
demonstrando de cara que armei tudo. Talvez ela entenda, porém, pode
simplesmente me mandar a merda e nunca mais querer olhar na minha cara.
Bato os pés repetidas vezes na calçada, e olho para seu prédio a cada
dois segundos. Nunca, em toda minha vida me senti dessa forma por
alguém.
Meu celular toca e sem sequer olhar no visor, o atendo. Já com a
esperança de que seja ela.
— Oi, aconteceu alguma coisa?
— Eu que pergunto, Pedrão! — franzo o cenho.
— O que foi, Gael?
Passo as mãos por meus cabelos, e levanto meu olhar. Meu corpo
todo paralisa com a visão que tenho. Escuto Gael do outro lado da ligação,
mas não consigo responder. Meu foco é a mulher que caminha
perfeitamente até mim.
— Nos falamos depois. — digo no automático e desfaço a ligação,
colocando o celular no bolso.
Tenho certeza de que minha boca está aberta e minha surpresa
nítida. De todas as formas que imaginei Lola vestida para essa noite,
nenhuma delas faz jus a mulher a minha frente. É quase impossível
reconhecê-la, diante da forma que se veste, que seu rosto está.
— Nossa. — a palavra escapa de minha boca, enquanto ela ainda
caminha até mim.
Tento me recompor, mas é impossível. Lola usa um vestido preto
curto que delineia perfeitamente seu corpo, com um decote profundo e
mangas compridas, e que parece ter sido feito para ela. Não entendo nada
sobre tecidos, mas a cada passo que ela dá, um certo brilho aparece e some
do preto, como se me hipnotizasse. Minha inspeção não acaba, ainda mais
quando chego em seu rosto, e... Uau! Ela não usa nada extravagante, mas a
pouca maquiagem já chama ainda mais atenção a seus olhos azuis bem
marcados, e os lábios num tom de vermelho. Os cabelos estão presos no
alto da cabeça, deixando seu pescoço exposto, e tudo o que mais sonho
nesse instante, e um dia, poder marcá-la bem ali.
Deus que me ajude nessa noite!
— Pedro! — engulo em seco, só então notando que ela está apenas a
dois passos. — Tudo bem?
— Não... — desencosto-me do carro, tentando não parecer um
idiota. — Quer dizer, sim! Claro que sim!
— Ah... pareceu estar divagando de novo. — sorri, e não faço a
mínima ideia de como meu coração não parou.
Seu cheiro me inebria no mesmo instante, um perfume que me
marca como ferro quente. Num ato de coragem, aproximo-me, e a puxo
para perto, dando um leve beijo em seu rosto.
— Desculpe meus maus modos. — digo, afastando-me lentamente
dela.
O ar ao nosso redor de repente se torna pesado, me pergunto como
ela pode ser tão indiferente a mim? Sendo que estou queimando por ela.
— Tudo bem. — sorri, mordendo levemente o lábio.
Porra!
— Pronto? — assinto, abrindo a porta do carro, a convidando para
entrar.
Ela então se senta, e cruza fatalmente as pernas, deixando-me
boquiaberto. Engulo em seco mais uma vez, controlando-me ao máximo
para não jogar tudo no ventilador, e beijá-la como sempre sonhei.
— Obrigada. — diz um pouco tímida, e minha Lola de sempre está
ali.
Ela é a mistura mais inédita e única que conheci. Hoje vejo um lado
de Lola que sequer sabia da existência, uma mulher fatal, ao mesmo tempo
que vejo a mulher doce que sempre convivi.
— Você está linda. — digo e ela abre a boca, mas nada sai.
Sorrio, fechando a porta do carro, e dando a volta rapidamente até a
do motorista. Assim que entro no carro, fecho a porta e coloco o cinto,
levanto rapidamente o olhar para ela, que me encara, analisando-me por
completo.
— Está muito bonito também. — diz, surpreendendo-me.
Ela então sorri abertamente, como se fosse a dona de toda a
situação. E porra, ela é! Por completo!
— Você está vermelho, Pedro! — olho no mesmo instante o
retrovisor, enquanto escuto sua risada baixa. — Como se nenhuma mulher
tivesse te chamado assim antes.
Nenhuma que me importasse...
Constato o que ela diz, assim que vejo meu reflexo. Por essa reação,
de fato, nunca esperei. Porém, como um homem pode ficar diante da
mulher que o tem por completo? Com certeza, entregue.
— Ok, piadista da noite. — tento suavizar a situação, e a encaro. —
Preparada para o jantar?
— Quem vai conversar com eles será você, não é? — assinto
automaticamente, diante da minha mentira. Sou péssimo nisso. — Então,
tudo tranquilo.
— Vamos então!
Dou partida com o carro, e tento me concentrar no caminho, mesmo
sendo puxado para a mulher sentada ao meu lado, que parece um
verdadeiro imã. Não sei se ela sente o mesmo, mas assim que paro no
primeiro semáforo, Lola começa a mexer no painel, e coloca uma música,
sem ao menos perguntar ou dizer algo.
Sorrio, vendo que está mais solta comigo. Mas a música que com
toda certeza seria para nos deixar mais confortáveis, parece por fim,
traduzir a situação. Ao menos, a minha.

“You're just too good to be true


I can't take my eyes off you
You'd be like heaven to touch
I wanna hold you so much
At long last love has arrived
And I thank God I'm alive
You're just too good to be true

Can't take my eyes off you

Pardon the way that I stare


There's nothing else to compare
The sight of you leaves me weak
There are no words left to speak
But if you feel like I feel
Please let me know that is real
You're just too good to be true
I can't take my eyes off you” [3]

Seu olhar está preso no meu, e tudo o que consigo pensar é em ter o
gosto dos seus lábios. O ar fica ainda mais pesado, a boca de Lola se abre,
como se quisesse dizer algo, e por um segundo, temo que fuja. Porém, no
seguinte, o som alto de buzinas me faz voltar a realidade, e Lola vira
rapidamente a cabeça em direção a janela. Saio com o carro, com os
pensamentos ainda mais confusos. Por um breve momento, tive a certeza de
que ela me quer também.
Capítulo 9

Lola
Pedro finalmente para o carro de frente a um belo restaurante, e
solto o ar profundamente, tentando não focar no homem lindo ao meu lado.
— A festa também vai ser aqui? — indago incerta, notando que o
local não parece tão amplo para acomodar uma festa pós jantar de negócios
como o mesmo tinha comentado.
— Bom... — encaro-o, e ele ajeita as mangas da blusa social cinza
chumbo. — Foi o que me passaram. Acho que não será algo de grande
parte.
Assinto, já tendo em mente como a cabeça da maioria das pessoas
que negociamos funciona. Muitos adoram esbanjar dinheiro. Então, um
jantar seguido de uma festa, com certeza é a cara deles, ainda mais para
comemorar, quem sabe, um novo contrato.
Tiro o cinto de segurança, e escuto a porta de Pedro abrir, e
rapidamente, ele dá a volta no carro, abrindo a minha. Sorrio sem jeito,
assim que encontro seu olhar no meu. Ele parece um pouco sem jeito, o que
me deixa intrigada. Noto como me encara, e uma pequena pontada acerta
meu coração. Será que minha aparência mudou tanto que ele sequer me
reconhece?
Saio do carro, e o vejo entregar a chave a um rapaz simpático do
restaurante que vai estacioná-lo.
— Obrigada.
Incrível como não me sinto tão estranha sobre um salto alto fino,
estando agora ainda mais próxima de Pedro. Ele então sorri de lado, o que
me faz quebrar por dentro, sem conseguir evitar uma nova análise. Com
toda certeza é o homem mais lindo que já vi. Não sei descrever ao certo
como o faz, mas sua presença é tão imponente, assim como o olhar doce
que me lança. Por um segundo é como se lesse minha alma, sinto-me
completamente exposta.
— Vamos! — tomo coragem de dizer, e ele assente, oferecendo-me
seu braço.
Abro a boca uma vez pensando no que dizer e acabo desistindo.
Olho-o novamente, e o sorriso nervoso em seu rosto, faz-me sentir pela
primeira vez na noite uma mulher poderosa. De alguma forma, Pedro está
afetado.
Engancho-me em seu braço, e no mesmo instante, sinto seu perfume
ao meu redor, inebriando-me. Como no carro, a tensão no ar parece
palpável. Tento afastar os pensamentos de que há poucos minutos senti que
o mesmo ia me beijar. Minha sonhadora e tola cabeça apaixonada, como
sempre, armando para meu coração.
— Tudo bem? — pergunta baixinho, e recuso-me a olhá-lo.
Sinto como se essa noite fosse a primeira que vivo em anos. Pedro
parece entender meu silêncio e logo adentramos o restaurante. Enquanto o
mesmo fala sobre nossa reserva com uma mulher que o encara como um
belo pedaço de carne, tento me segurar para não o tocar como quero, e
deixar claro a quem ele pertence. Ao menos, em meus pensamentos, posso
sonhar com isso.
Vejo-o sorrir de forma sedutora para a mulher e meu sangue ferve,
como nunca antes. Eu sei bem que ele não é um santo, mas o assistir em
ação é completamente diferente do que vê-lo dispensando alguém.
— Pedro. — chamo-o sem conseguir me segurar.
Ele então parece lembrar de minha presença e dá alguns passos em
minha direção, já que me afastei, na falha tentativa de disfarçar meu foco
em “seu momento”.
— Oi, desculpe. — diz um pouco sem jeito. — Parece que os
anfitriões não virão, a mulher de um deles passou mal e foram ao hospital,
minutos antes de chegarmos.
Arregalo os olhos, surpresa com a situação.
— Nossa! Mas ela está bem? — Pedro fica branco feito papel, e
franzo o cenho sem entender.
— Vou mandar uma mensagem para o marido dela e desejar
melhoras. — força um sorriso, e mal o reconheço.
O Pedro que conheço é solto, alegre, brincalhão.... Nunca tão rígido
como o que está a minha frente.
— Então, nós já vamos? — pergunto sem graça, sem conseguir
pensar diante de sua imponência.
— Por que não aproveitamos a reserva e jantamos juntos? —
surpreende-me por completo. — Claro se não tiver...
— Tudo bem. — digo rapidamente, finalmente tomando uma
atitude.
Pela primeira vez em anos, me maquiei, coloquei saltos e um
vestido sexy, e simplesmente não consigo jantar com ele?
Decidi no momento que aceitei o convite que nessa é a noite na qual
quero mostrar a Pedro tudo o que conseguir sobre mim, ao menos, algo que
ele ainda não tenha visto ou conheça. Esconder-me feito uma boba e não ter
atitude alguma, não mudará a situação. Vou continuar sendo apenas a sócia
que suspira pelos cantos e não consegue assumir o que sente.
Mas eu quero mais... muito mais. Seja lá o que Pedro possa me
oferecer, nessa noite, vou além.

Assim que sentamos em nossa mesa, o clima entre nós continua


tenso, e tento encontrar em minha mente algo que possa melhorar isso.
— Tem certeza de que quer jantar aqui? Quer dizer, comigo? —
tomo a iniciativa, e Pedro me encara sem graça.
— Devo estar parecendo um idiota.
Sua sinceridade é tão nítida, que novamente algo dentro de mim é
tocado. Sorrio, vendo-o colocar os braços sobre a mesa, e logo levando uma
mão ao cabelo, dando a ele um aspecto selvagem. Num ato de coragem,
toco sua mão, e o formigamento que percorre todo meu corpo me faz
encará-lo no mesmo instante. Seus olhos estão nos meus, como se sentisse o
mesmo. Resolvo então, pela primeira vez, apenas aproveitar o momento.
— Nem se quisesse, ia conseguir ser um idiota.
Ele então sorri, do modo cafajeste que o deixa irresistível. Antes que
eu possa puxar minha mão de volta, ele as entrelaça, levando-a rapidamente
a sua boca, onde deposita um leve beijo.
— Obrigado.
— Pelo que? — indago, ainda perdida por seu toque tão íntimo.
— Por ser quem é, Lola. — surpreendo-me mais uma vez nessa
noite. — Por ser uma mulher incrível.
— Pedro...
— Sei que pode parecer estranho, mas... Droga, eu nem sei o que
dizer. — suspira fundo, por um segundo noto sua insegurança. — Quero
que me enxergue além de seu sócio nessa noite.
Tenho certeza de que minha boca está entreaberta, e que não há mais
nada que possa me deixar espantada no momento. Simplesmente, tudo o
que não esperava está acontecendo. Um sorriso se abre em meu rosto sem
que precise pensar. Apenas ajo, tentando encontrar muito além que mim
mesma, mas o homem que amo.
— Só se fizer o mesmo. — o desafio, e ele arqueia a sobrancelha
esquerda, demonstrando que não esperava tal resposta.
— Então... Lola. — diz meu nome de forma tão sexy que sinto meu
corpo queimar por dentro. — O que vai pedir essa noite?
Você!
Tento encontrar as palavras certas, entender-me novamente. Mas
acabo por me deixar levar. É uma escolha que me pertence, e o olhar de
Pedro apenas demonstra que se eu der um passo, ele vai pular comigo.
Recosto-me contra a cadeira, e puxo minha mão delicadamente da
sua. Encaro-o da forma que sempre quis, mostrando que sou muito além de
tímida, doce e reservada. Sou a mulher que pode enlouquecê-lo.
— Então? — insiste.
Pega o cardápio a sua frente, olhando-o de relance, como se não
estivesse interessado na comida. Ao menos, eu não estou.
— Você.
Minha voz sai firme, em alto e bom som. Vejo-o engolir em seco,
como se sentisse desconfortável de repente, deixando o cardápio de volta a
mesa.
— Lola...
— É o meu pedido da noite, Pedro.
De repente toda a insegurança de Pedro parece se esvair, e tudo o
que consigo pensar, é em sua reação. Ele então curva os lábios ligeiramente
para o lado, com os olhos atentos a cada parte minha, como se quisesse me
guardar em sua memória.
— Seu pedido é uma ordem, boneca.
Capítulo 10

Lola

Pedro não pensa duas vezes e levanta a mão, chamando o garçom. O


vejo pedir a conta e se desculpar por alguma coisa, porém meu foco são
seus olhos, que nunca estiveram tão vivos a minha frente. Quando seu olhar
retorna ao meu, tenho a certeza – nessa noite, serei dele.
— Obrigado. — diz ao garçom e me encara cauteloso.
Sua mão toca a minha mais uma vez sobre a mesa, e sinto aquela
conexão palpável entre nossas peles. É algo clichê dos livros, porém, nunca
foi tão real como nesse instante. Ele então se levanta, e por instinto, faço o
mesmo. Realmente, não sei ao certo o que estou fazendo!
Saímos do restaurante e assim que o ar da noite toca minha pele,
fico completamente inerte, sem saber como fugir ou até mesmo o que dizer
para continuar. Uma de suas mãos está na base da minha cintura, e esse
simples gesto, me tem acesa para ele. A questão é: o que ele sente a
respeito?
— Pedro. — decido tomar alguma atitude.
Seu olhar encontra o meu, e noto a diferença com a qual me encara.
Algo está acontecendo, não posso ser a única a pirar.
— Lola, olha...
— Não, não diz nada. — peço, e me aproximo dele, tomando
coragem de tocar seu rosto.
A barba por fazer faz minha pele se arrepiar, além do calor que sua
pele emana. Seus olhos se fecham por um instante, e sinto que estou indo
pelo caminho certo. Ele também sente a mesma atração... Encaro a
realidade nesse momento.
Quando meus dedos tocam seus lábios, num leve carinho, ele abre
os olhos azuis, e os noto nublados pelo desejo. Sem que eu precise dizer
algo, apenas sinto uma de suas mãos tirando a minha de seu rosto, e a
deixando atrás de seu pescoço. E ali, na frente do restaurante, numa noite
amena, sinto pela primeira vez, o gosto dos seus lábios.
O beijo se inicia leve, e aos poucos aprendo que nada se compara a
estar nos braços do homem pelo qual sou apaixonada. O toque dele em
minhas costas, puxando-me ainda mais para perto, a delicadeza que sua
língua pede passagem para minha, e de repente, estou imersa no momento
mais pecaminoso. Pois de fora, tenho certeza, que não há nada além do que
dois amantes se pegando literalmente. Mas quem se importa?
Eu estou nos braços do homem que amo, como sempre quis estar.
Nada mais me importa.
Ele aos poucos solta minha nuca, e o beijo vai ficando calmo, até
que nos separamos de vez. Encaramo-nos, e acabo sorrindo, sem ao menos
saber porque. Estou feliz, pois nunca imaginei que nessa noite, o teria tão
próximo a mim. Ele não diz nada, apenas passa a mão de leve por meus
lábios, acho que limpando um pouco do batom que com certeza está
manchado, e em seguida, segura de leve minha cintura, guiando-me até seu
carro.
Assim que entro no veículo, tento fingir que nada me abalou, mas é
impossível. Tento não olhar para Pedro, mas no instante em que o mesmo
coloca o cinto de segurança, ele toca de leve meu queixo, e me olha
profundamente.
— Está arrependida?
Surpreendo-me com sua pergunta, e apenas nego com a cabeça.
— Não vamos fazer nada que não queira. — diz, e noto sua voz
mais rouca que o normal. Ele parece perdido, mas ao mesmo tempo,
completamente decidido sobre o que quer. — Apenas me diz o que quer,
boneca.
— Eu já disse. — engulo em seco, e o vejo me encarar com ainda
mais desejo.
— Diz mais uma vez, só para eu ter certeza de que não estou
maluco.
Sorrio de lado e noto que posso ter poder por esse homem... Basta
saber jogar seu jogo.
— Você, Pedro Soares. — digo firme, e seu toque em meu queixo
aumenta, deixando-me ainda mais desejosa por ele. — Quero você!
— Você vai me ter, boneca. — dá-me um leve selinho, e se afasta.
Fico atordoada por alguns segundos, mas assim que sinto sua mão
direta em minha coxa esquerda, num aperto dolorido, sei que ambos
precisamos dessa noite. Algo mudou dentro daquele restaurante. E
enquanto Pedro dirige, eu sei que muito mais pode mudar.
Não sei porque, mas assim que Pedro abre a porta do seu
apartamento, sinto que estou cometendo o pior erro da minha vida. Ele não
me tocou mais após sairmos do carro, e ficou apenas me encarando feito um
predador pelo reflexo do espelho do elevador. Eu estou aqui, apenas
esperando um passo seu, pois de todas as vezes em que estive com alguém
em minha vida, essa é a primeira em que a insegurança me bate.
E se for ruim?
E se for um completo desastre?
Suspiro fundo, e seguro minha bolsa com força. Talvez o certo seja
deixar para lá e simplesmente ir embora. Decidida, viro-me para contar a
ele, no instante em que escuto o trinco da porta.
Viro-me e nem tenho tempo para pensar, seus lábios cobrem os
meus. Seguro-me contra suas costas, que agora não estão mais cobertas por
nenhum tecido. Não sei em que momento ele o fez, mas aproveito para
tatear cada pequeno pedacinho de sua pele, que me deixa ainda mais pronta.
Seu corpo levanta o meu, e em seguida, ele se afasta, olhando-me com
devoção.
Sem dizer nada, ele me leva por um corredor, e quando noto,
estamos em seu quarto, e eu sobre sua cama. Pedro fica de pé, apenas me
encarando por alguns segundos. Não sei o que ele pensa... Mas sei que nada
mais faz sentido. Eu apenas o quero. Toda a insegurança voando para longe.
— Eu pensei em te atacar no carro... — começa a dizer, no segundo
em que abre o botão da calça, e o que faço é assistir a cena mais erótica de
minha vida. — Dentro do elevador... — calças fora, e fico completamente
inerte diante do seu corpo que parece ter sido esculpido para me
desorientar.
Apenas de cueca, Pedro sobe na cama, e me encurrala. Sinto-me a
sua mercê, mas ao mesmo tempo como a dona do momento. Ele está dessa
forma por mim, e para mim. Como não sentir meu coração pular no peito, e
meu corpo reagir instantaneamente?
— Mas eu não o fiz. — desce seu rosto para meu pescoço e deixa
um leve beijo, fazendo-me arfar.
— Não. — finalmente encontro minha voz, e ele sorri, presunçoso.
— Porque se o fizesse, não ia conseguir parar. — encara-me
profundamente. — Tem certeza?
— Sim. — digo com toda verdade que explode em meu peito, e seus
olhos mostram um brilho que não sei explicar.
— Não vai se arrepender, boneca. — toca de leve meu rosto. — Isso
é uma promessa.
Seus lábios descem para os meus, e me agarro a ele no mesmo
instante. Pedro me seduz da forma que ninguém, em momento algum,
sequer, pensou em fazer. Assim, só penso que posso mostrar a ele, que sou
a única capaz de deixá-lo fora de si. Ao menos, posso tentar.
Meio sem jeito, lembro-me das aulas de luta que tive há algum
tempo, e consigo virá-lo na cama, ficando sobre seu corpo. Pedro me encara
surpreso, e antes que pense em fazer algo, apenas puxo o zíper do vestido, e
o tiro pela cabeça. Ficando apenas lingerie sobre ele. Pedro passa as mãos
de leve por meus quadris, e quando percebo, suas mãos tomam conta de
minha bunda, fazendo-me derreter ali mesmo.
— Você é perfeita. — diz, admirando-me com paixão.
Solto o sutiã, e deixo cair do lado cama, e vagarosamente consigo
tirar minha calcinha. Pedro engole em seco, dando-me espaço para levantar
e me livrar da última peça. Meus cabelos antes num coque, bagunçados por
nossos beijos, são soltos e caem sobre nós, como uma cortina. Pedro se
senta na cama, e em instantes fica nu, fazendo-me babar diante dele.
No quarto, a luz está acesa, e só nesse momento me dou conta do
quão exposta estou. Porém não me importo, e sem sequer dizer algo, vou
até ele, sentando-me sobre seu colo, e encontrando meu próprio paraíso.
Pedro me beija com paixão e retribuo, sentindo novamente o mesmo me
colocar contra o colchão. No momento em que me toca, solta um baixo
rosnado, e acabo sorrindo em meio a um gemido.
— Não, sem preliminares. — praticamente imploro, vendo qual é
sua intenção.
Ele assente, e o vejo pegar a camisinha no criado mudo. Ele a veste,
rapidamente, e assim que seu corpo está novamente sobre o meu, seus olhos
me encaram profundamente, e em um impulso, o mesmo está dentro de
mim. Seguro um grito, pela sensação do desejo ainda mais inflamado, e do
meu corpo que já começa a pedir para ser tomado com força.
— Boneca...
Sua respiração sai falha, assim como a minha, entretanto, palavras
não são necessárias. Ele parece entender, ou ao menos, sente o mesmo. Pois
logo o sinto tomar conta de mim, assim como eu de si. Tudo o que nos
envolve é a sensação de nossos corpos sendo jogados para a beira do
precipício.
E por Pedro, permito-me cair.
Capítulo 11

Pedro
Acordo sentindo a luz do sol tocando minha pele, e antes mesmo de
abrir os olhos, imagens da noite que passei com Lola vem em minha mente.
Sorrio, jogando meu corpo para o lado, e com cuidado coloco meu braço
sobre...
Abro os olhos espantado, assim que não encontro Lola ao meu lado
da cama, e ainda pior, os lençóis frios. O que?
Sento-me na cama e fico olhando ao redor por alguns segundos,
tentando me reorientar. Onde Lola se meteu? Levanto-me, e pego a cueca
jogada sobre o piso, colocando-a rapidamente. Caminho até o banheiro e
bato na porta, esperando por alguma resposta.
— Lola?
Bato mais algumas vezes na porta e novamente fico sem resposta.
Toco a maçaneta e resolvo tentar abrir, e me surpreendendo, a porta se abre.
Feito um tolo vasculho o banheiro com o olhar, apenas confirmar de fato
que ela não está.
Passo as mãos por meus cabelos, sentindo-me um pouco perdido e
vou em direção a cozinha. Os minutos se passam e acabo apenas não
olhando debaixo da cama, mas cada canto da casa foi vasculhado, e nenhum
sinal de Lola. Frustrado, sento-me novamente sobre a cama e pego meu
celular, discando seu número.
Na primeira tentativa a chamada vai direto para a caixa-postal e me
seguro para não jogar o celular contra a parede. Solto-o contra a cama, e
levo as mãos à cabeça, tentando entender por que ela foi embora. A noite foi
perfeita... na realidade, a madrugada toda em que nos amamos.
Por que ela simplesmente foi embora sem me dizer nada?
As perguntas giram em minha mente e não consigo encontrar
nenhuma resposta. Mando uma mensagem para ela, tentando ao menos ter
algum sinal, porém, permaneço sem uma resposta qualquer. Acabo ficando
feito um louco, andando de um lado para o outro no apartamento,
procurando algum sentido para sua fuga.
Talvez eu esteja pensando demais, e encarando como algo ruim.
Afinal, foram anos lado a lado como amigos, e em uma noite, que ela
sequer imaginava ou cogitava a possibilidade, acabamos nos envolvendo.
Talvez ela só precise digerir o que aconteceu, e possamos conversar sobre.
Isso, Pedro! Raciocina!
Se ela soubesse que quero muito mais que conversar... Depois dessa
noite, eu jamais terei o suficiente de Lola. Ela me tem desde o primeiro
olhar, mas após nossa noite, apenas reafirmei que é perfeita, sob medida
para mim. Eu a quero por completo.
— Merda!
Xingo para o nada, e pego o celular novamente, finalmente tomando
ciência de que para ela a noite pode parecer apenas uma confusão, ou até
mesmo, nada demais. Mas vi em seus olhos, em seu toque, suas reações...
Ela pareceu me querer tanto a ponto de minha mente tola viajar,
imaginando que ela sente o mesmo.
Porém, tenho paciência para esperar, para que ela me escute, e ainda
mais, para fazê-la me amar. Assim, digito uma mensagem, e espero a
resposta por alguns instantes, porém, como na outra, não obtenho nada.
Tentando negar a mim mesmo a frustração de não acordar ao lado
da mulher que amo, após fazer amor com ela a noite toda, vou para debaixo
do chuveiro. Ali, enquanto a água quente cai sobre meu corpo, sorrio,
sabendo que estou literalmente de joelhos por essa mulher.

Lola

A porta do apartamento finalmente se abre, e Sophie arregala os


olhos, tirando uma grande caneca da boca, e abrindo um dos braços,
puxando-me para ela. Não sei como a porta é fechada e muito menos onde
ela deposita a caneca, mas logo sinto seus braços ao meu redor, e ela faz
carinhos em minhas costas.
Ali, eu desabo mais uma vez.
Já perdi as contas de quantas vezes me permiti chorar nessa
madrugada, mais uma vez, ultrajada pelos meus demônios, e ainda mais,
pela realidade. Pedro ama outra mulher, e sequer o meu toque, e muito
menos a noite juntos, o fez esquecer. Ou ao menos, pensar em mim.
Foi o nome dela que ele chamou por vários segundos em seu
sonho... Mel.
Senti a ânsia me atingir, e acabo soluçando nos braços de minha
amiga, que tenta me confortar.
— Vai ficar tudo bem.
Ela sequer sabe o que aconteceu, e ainda assim tenta me fazer
melhorar. É impossível, logo depois de ouvir o homem que amo, chamar o
nome da mulher que ele ama após nos amarmos por horas... ou melhor,
após eu amá-lo.
Acordei sentindo um corpo quente envolto no meu, sorri antes
mesmo de abrir os olhos. Uma de suas mãos cobria meu seio nu, e ele
dormia serenamente. Virei-me com cuidado para não o acordar, e já senti
falta de seu toque.
Como ele é lindo – pensei encantada. Os cabelos loiros
bagunçados, a barba por fazer, o rosto másculo encostado contra o
travesseiro, num sono tranquilo. Suspirei, descendo meu olhar, e tendo
novamente a visão do verdadeiro pecado na terra. Passei a mão levemente
por seu rosto, e tentei conter o sorriso bobo em meu rosto.
Mas para que?
Nunca tinha me sentindo tão feliz e completa como nos momentos
em seus braços. Só conseguia pensar em como queria ter isso todos os
dias... Tê-lo próximo assim, para pode tocar, beijar, amar... Ele era meu
sonho de tanto tempo. Virei-me de costas para cama, e acabei batendo
meus pés de leve contra a mesma, como uma adolescente feliz.
Eu estava... Ele me fez. Existia uma complexidade no sentimento
que me invadia, que sequer sabia explicar. Se aquilo não era amor, não
fazia ideia do que mais seria.
Escutei um sussurro, e logo uma de suas mãos tocou meu cabelo,
num carinho terno. Olhei-o rapidamente, pensando que já estava acordado,
mas me surpreendi ao vê-lo de olhos fechados. Tão lindo... Sonhando.
Pensei em acordá-lo ou dar-lhe um simples beijo, para ter esse
momento eternizado, porém, me contive, tentando ouvir o que ele dizia. Ele
repetiu a mesma palavra algumas vezes, e estranhei, pensando se ele estava
com fome ou vontade daquilo.
— Mel...
Ele repetiu mais uma vez, e o carinho em meu cabelo se
intensificou, e no mesmo instante arregalei os olhos, tendo noção do que
acontecia. Deus, não podia ser!
— Sinto sua falta, Mel!
Fechei meus olhos com força, e segurei as lágrimas que já se
formavam. Afastei-me de seu toque como se me queimasse, e fiquei de pé,
com o lençol envolto do corpo. Ele procurava pelo travesseiro, sussurrando
várias vezes que sentia falta de Mel...
Como eu poderia competir com aquilo?
Apenas pensei em uma coisa, ir embora, e fingir que nunca fui tão
humilhada em toda minha vida.
— Ei, Lola!
A voz de Sophie me tira de meus devaneios, e agradeço
silenciosamente por não estar presa novamente aquele momento. Ele me
quebrou... Melhor, Pedro Soares apenas pisoteou no que restava de meu
coração.
Capítulo 12

Lola

Olho para meu reflexo no espelho e suspiro fundo, sem a mínima


vontade de sair de casa. Já é terça-feira, e depois de fugir na segunda do
restaurante, preciso ir trabalhar. Só de me imaginar perto de Pedro
novamente, sinto meu corpo retesar. Nunca imaginei que a melhor noite da
minha vida, também se tornaria a pior. Pedro tem um poder tão grande
sobre mim, que sequer imaginava.
Meu celular vibra e olho-o com desgosto, imaginando ser mais uma
mensagem de Pedro. Eu já o respondi que estava bem, mas ele de repente
resolveu mandar “Boa noite”, “Bom dia” e pior, “Sinto sua falta”. A última
mensagem eu fingir não ler. Ser a segunda opção de alguém não é uma
escolha plausível.
Quero ser amada por ele, mas ser a única... assim como eu o vejo.
Suspiro e leio a mensagem que na realidade é de Gael, mais uma vez me
chamando para tomar um café. Ele sempre foi um pouco próximo, por ser o
melhor amigo de Pedro, mas ultimamente tornou-se insistente.
Respondo um simples “sim”, só que para amanhã, e jogo o celular
na bolsa. Meu objetivo de conversar com Gael é entender mais a respeito
dos sentimentos de Pedro, por mais que sejam claros, depois de ele chamar
o nome dela.
— Força, Lola!
Falo para mim mesma, tentando me convencer de que consigo
enfrentar esse dia. Passo o batom nude e amarro meus cabelos no alto da
cabeça. Só então noto o quanto estou diferente, e novamente a dura
realidade me atinge. Pedro me notou naquela noite... Justo quando resolvi
me mostrar completamente produzida.
— Ele não é sua família, Lola! — coloco a chave na fechadura, e
suspiro fundo. — Ele só é um homem.
Saio de casa e a cada passo na rua, sinto um bolo se formando em
minha garganta. A cada passo, nos saltos não muito altos, sinto o coração na
boca.
Assim que passo pela porta principal, cumprimento a todos e forço
um sorriso.
— Bom dia, coisa linda. — abro meu primeiro sorriso verdadeiro
em dias, virando meu olhar para Luís.
— Oi, seu descarado.
— Parece que caiu da cama. — dou de ombros, acompanhando-o
até perto da cozinha.
— Preciso é voltar a trabalhar. — sorrio sem jeito. — Não se
esquece das tortinhas maravilhosas.
Ele sorri, assentindo. Em seguida entra na cozinha, e meu sorriso se
desfaz instantaneamente. Suspiro fundo, mudando em direção para as
escadas, e as subo devagar, até minha sala.
De relance olho para a porta de Pedro, e sinto um alívio por estar
fechada. Abro a minha, e fecho em seguida, finalmente respirando em paz.
Então, sinto a presença de alguém e travo, virando-me devagar.
Assim, o olhar de Pedro Soares encontra o meu. O ar fica escasso, e
por um segundo, tudo que quero fazer é me jogar em seus braços. Mas
então seus sussurros voltam a minha mente.
— Oi. — digo baixo, dando a volta na mesa, onde ele está
encostado.
Deixo minha bolsa sobre a mesma, e sento-me na cadeira. Apenas
consigo imaginar um porquê de ele estar aqui, e ver sua pena estampada,
não é algo que queira.
— Ei, por que parece tão distante? — arrisco olhá-lo e me
surpreendo ao ver um sorriso, e um olhar carinhoso em seu rosto. — Está
tudo bem?
— Por que não estaria? — dou de ombros.
Faço-me de desentendida e olho para o teto, tentando não lembrar
da nossa noite. Foi tudo tão perfeito, que tê-lo assim, tão próximo, faz-me
sentir presa novamente a seu corpo. Olho-o mais uma vez, sinto-me
queimar.
Ok, hora de fingir!
— Algum problema? Assinatura?
Pedro franze o cenho e finjo normalidade. Ele então leva as mãos
aos cabelos, como se estivesse confuso. O que ele quer?
— Vai ser assim? — sua voz sai ácida, e tento evitar minha
surpresa. — Vai fingir que nada aconteceu?
— O que vamos ganhar falando sobre aquela noite? — tento parecer
insensível, mas parece impossível.
— Por isso me respondeu tão... tão sem vontade? — praticamente
explode, e raiva cresce dentro de mim.
Por que não está atrás de Melissa, afinal?
Ah é, ela é casada...
— Vamos mesmo fazer um caso sobre isso?
O tom de deboche em minha voz não sai despercebido, e vejo a
respiração de Pedro vacilar. Sua boca abre e fecha várias vezes, e o amor e
mágoa que sinto se misturam. O que ele quer de mim, afinal?
Batidas na porta nos interrompem e agradeço mentalmente por isso.
De repente a porta se abre e uma mulher que tenho gravada em minha
memória entra. Débora... Uma das noites de Pedro, que simplesmente não
desiste.
Olho com a sobrancelha esquerda arqueada, e praticamente o
enfrento para prosseguir. Ele quer mesmo falar sobre nossa noite, sendo que
uma outra noite antiga dele está a nossa frente?
— Pê! — ela sorri, dando um grande beijo em seu rosto. — Já que
não atendeu minhas ligações, pensei em...
— Pensou errado, Débora.
A voz de Pedro é sombria, e ela pisca algumas vezes, claramente
atingida. Seu olhar recai no meu, e abro um falso sorriso. Ela sempre
deixou claro, todas as vezes que veio aqui, que não gosta de mim. O que eu
fiz a ela? Nada! Porém, o desgosto está se tornando recíproco.
— Como vai, querida?
— Isso são olheiras? — provoca, e sorrio ainda mais. — Pelo jeito
mudou as roupas, mas isso não ajuda se não souber usar a make pra...
— O que quer, Débora? — Pedro a olha com raiva, como se fosse
explodir. — Não tenho tempo pra isso.
— Sabe bem o que quero. — toca o peito dele e Pedro segura a mão
dela de relance.
— Olha, se querem continuar a cena de casal, já podem mudar de
sala. — digo impaciente, e bato um livro na mesa.
Pedro sequer me olha e sai da sala, claramente chateado. Débora
empina o nariz, e me olha com desdém.
— Pelo jeito conseguiu o que queria. — sorri sarcástica. — Mas
Pedro é meu, e com toda certeza não quer uma coisinha como você.
— Você é um pouco esperta! — escoro-me na mesa, e a olho com
deboche. — Mas se ainda não entendeu, sou eu que não o quero. Não sou
você que insiste em tentar prender um homem rico pra ser feliz.
Ela fica sem resposta, e sai dali, fechando a porta com força.
Fecho meu sorriso, e seguro um grito que vem com força. Além de
tudo, o homem que amo ainda quer me iludir com algo... quem sabe afim de
repetir nossa noite.
Bufo, olhando ao redor da sala e tenho uma ideia. Preciso de tempo
de Pedro, para tentar esquecer, e principalmente me reencontrar. Ter me
entregado a ele foi só um começo para o fim... E preciso de muito mais,
muito mais para ser feliz.
Tenho que tornar Pedro Soares, apenas uma sombra a minha volta.
Não mais o homem que amo.

Semanas depois...

Evitei ao máximo me aproximar de Pedro, e ele finalmente pareceu


respeitar meu silêncio ou como o mesmo disse na última vez que tentamos
conversar.
—Vou fingir que não se lembra da nossa noite, porque deve estar
confusa. Mas vamos conversar e vai entender que é minha.
Suas palavras me deixaram ainda mais confusa, mas o que ele falou
em seu sonho ainda me atormenta, assim acabei fugindo de uma conversa
com Gael, com medo de que soubesse ainda mais do amor de Pedro por
Melissa.
Desço as escadas ao escutar gritos vindos de perto do banheiro, e
levo um susto ao ver Pedro com o rosto machucado, e em seguida dando
um soco em cheio num homem moreno a sua frente. Eu o reconheço, assim
como a mulher ao seu lado, que parece perdida na situação.
— Nunca mais! — Pedro grita. — Nunca mais a trate dessa
maneira!
Engulo em seco diante da cena e tento me controlar. Pelo jeito
Melissa não está mais junto ao marido... Então, noto Levi Gutterman com o
rosto ainda mais machucado que o de Pedro, assim ligo um mais um.
Olho para os papéis em minhas mãos, e tento não me odiar por ter
adiado tanto o pedido de sua assinatura. Preciso para hoje, mas exatamente
para agora. Engulo o choro, e repenso minha fala, diante da cena a minha
frente. Ok, eu preciso enfrentar Pedro! Enfrentar esse sentimento!
Fecho os olhos, suspiro fundo e tomo coragem.
— Senhor Soares, eu gostaria de...
Travo e seguro a dor em meu peito, ao olhar para a mulher que me
encara, que tem um rosto angelical. Pelas fotos na internet sei bem quem
ela é, e ainda mais, pela forma como parece íntima de Pedro. Eles estão
abraçados, e isso parte meu coração.
— Desculpe, eu volto depois. — digo, desistindo de fingir, e
praticamente corro dali.
Como o diabo foge da cruz, corro para minha sala e fecho a porta.
Uma lágrima desce, sinto-me quebrar. Por um instante pensei que ele
estivesse mesmo me dando um tempo, que talvez esquecesse Melissa, mas
ela está aqui, a sua frente.
Ele não vai esquecer, muito menos agora... Preciso – eu – esquecê-
lo o mais rápido possível.
Parte II
“O amor é frágil. E nem sempre cuidamos dele muito bem. A gente
se vira e faz o melhor que pode, e torcemos para que esta coisa frágil,
sobreviva apesar de tudo.”
[4]
Capítulo 13
Meses depois...

Lola
— Já disse o quanto ficou linda com esse cabelo curto? —
Christopher diz mais uma vez, e reviro os olhos.
Depois de tantos anos finalmente tinha cortado meus cabelos, e essa
mudança foi um passo crucial. Uma forma de dizer tanto a mim mesma,
quanto ao próprio Pedro de que não estou aqui para seus caprichos.
Ele tinha dito, em mais uma tentativa falha de conversarmos que
amava meus cabelos longos, e minha raiva foi tanta, que virei as costas e fui
embora, sem sequer dar uma resposta. Ele me cercava sempre que podia, e
assim, com toda raiva acumulada, ainda mais por vê-lo com Melissa dentro
do restaurante, simplesmente fui ao cabelereiro e cortei chanel.
Como disse a minha melhor amiga, Sophie, ao menos, tirei o gosto
dele de achar algo bonito em sua segunda opção. O mais louco de tudo é
Sophie estar envolvida com Daniel Lourenzinni, o irmão de Melissa. O
mundo é mesmo muito pequeno.
— Não adianta tentar, não vai me ganhar com essa cantada barata e
esse sorrisinho fácil. — provoco Christopher, que dá de ombros, olhando-
me com mais atenção. — O que foi?
— Nem me olhe assim, você que está distante faz tempo.
Por que ele tem que ser tão perspicaz?
— Pedro comentou que passa mais tempo fora do restaurante do que
dentro, aliás acabei reparando. Claro que esse é um direito seu, já que é
uma das sócias majoritárias, mas nunca o fez desde que abriram o
restaurante.
— É complicado, Chris. — sorrio sem vontade. — Mas por que
todo esse interesse?
— Sei quando meu primo sofre, e por mais maricas que pareça, eu
me preocupo com ele. — dá de ombros, e tento absorver suas palavras.
— Como assim? Por que ele está sofrendo?
O nome de Melissa vem em minha mente, e me sinto uma completa
idiota. Por que não consigo simplesmente seguir em frente?
— Por você.
— Eu? — praticamente grito, e Christopher sorri amplamente.
— Não se abandona um cara da forma como você fez. — coro no
mesmo instante, e Chris gargalha, vendo meu embaraço. — Pedro está
ficando louco com essa distância.
— Você entendeu que gosto dele naquele dia, há alguns meses... Por
que só agora tocou no assunto?
— Porque meu primo está sendo um pé no saco. — brinca, porém o
olho com determinação e ele cede. — Porque não consigo entender você. O
deixou e o ignora, sendo que acabou de readmitir que gosta dele.
— É complicado lutar pelo coração de alguém, Chris. Não estou
pronta pra isso.
— Para o amor, você quer dizer? — assinto com pesar, vendo que
não consigo falar abertamente sobre Pedro.
— Podemos só... não conversar mais sobre isso? — ele assente, e
agradeço internamente.
— Que bons ventos te trazem?
Essa voz...
Os dois Soares a minha frente se cumprimentam, e me perco por
alguns segundos na beleza de Pedro. Por que simplesmente não o espanto
de minha vida? Por que meu coração insiste em bater de forma tão
desesperada por ele? Nem mesmo a mágoa parece capaz de me fazer
esquecer.
— Oi, boneca. — tento fingir que o apelido não me afeta, e forço
um sorriso.
Pedro não tem sido muito sútil depois que percebeu que não vou
tocar no assunto daquela noite. Além de que resolvi passar mais tempo
trabalhando em casa do que no restaurante, afastando-o ainda mais. Mesmo
assim, nos poucos momentos que nos encontramos, ainda mais, quando
estou em busca de algum doce no balcão e acabo ficando exposta, ele tenta
chamar minha atenção.
Tudo o que me pergunto é: por que?
— Bom, vou deixar vocês conversarem. — coloco o brigadeiro
inteiro na boca, e abro um sorriso sem dentes, dando um tchauzinho para
Chris.
Saio dali, em direção ao banheiro, feito um foguete. Assim que abro
a porta, a cena que me recebe, me assusta por completo. Olho com desgosto
para Débora que segura o braço de uma mulher ruiva, claramente
incomodada.
— Algum problema aqui? — pergunto desconfiada.
— Tudo ótimo. — Débora diz com desdém, e solta o braço da outra
mulher. — Olha aqui empregadinha...
Débora escolheu o dia errado para me provocar. Estou farta de
tantas coisas na vida, que ela não tem ideia do que está procurando.
— Olha aqui você! — digo com um falsa calma. — Eu te conheço
há tempos Débora, assim como ronda Pedro e o primo dele, sei que dá em
cima de todos os outros clientes ricos do restaurante. Você só entrou aqui
hoje porque convenceu algum velho idiota pra te trazer.
— Olha aqui...
— Ah, cala a boca! Sai logo daqui, antes que eu chame os
seguranças. — ela enrubesce, claramente furiosa, mas não cedo.
— Quem você pensa que é Lola? — pergunta e me encara, em claro
desafio. — Não passa da empregadinha que dá pro chefe e...
Sua frase nem termina e simplesmente acerto seu rosto com força.
Seu rosto vira, e em meus pensamentos, até a imagino me agradecendo por
ter sido um tapa, mal sabe ela a força do meu soco. Eu estou simplesmente
farta de ouvir calada seus insultos.
— Pra você é Paloma! — uso meu tom mais afiado, as palavras
simplesmente correm soltas. — E sobre dar para o chefe, pelo menos ele é
solteiro e me quer, não é? — pergunto com deboche, e no mesmo instante
Débora tenta revidar o tapa, o qual não consegue, já que sou mais rápida e
seguro sua mão no ar. — Não, não! Vamos sair daqui!
Saio praticamente arrastando Débora para fora do banheiro e deixo-
a ao lado de um segurança que está próximo ao corredor.
— Segure ela aqui, não deixe que ela se mexa! — exijo, e ele
apenas assente.
— Eu trabalho para o marido daquela mulher, estávamos apenas
conversando! — Débora diz furiosa. — Vou processar essa espelunca!
Só então interligo a imagem do homem que vi junto a mulher ruiva
no banheiro, e acabo entendendo tudo. Lembro-me bem dele, quando o
encontrei num mercadinho perto de casa, claramente perdido. Um homem
lindo e perdido. Pelo jeito muito bem casado, e Débora a fim de se
aproveitar da situação.
— Tente! — enfrento-a e olho novamente para o segurança. —
Segure ela aqui, eu já volto!
Volto para o banheiro, pois sei que não devia tratar uma cliente
daquela forma, muito menos na frente de outra.
— Me desculpe pelo transtorno, mas eu já estava sem paciência há
meses com Débora. Aliás, ela gritou um pouco quando a coloquei pra fora,
dizendo que trabalha para o seu marido, e se seu marido for aquele pedaço
de mau caminho lá fora, minha filha, sei que ela não tem chance.
— O que? — pergunto já perdida.
— Sou Paloma Gerard, mas todo mundo me chama de Lola. Quer
dizer, todo mundo menos a Débora. Bom, eu meio que sou perspicaz com
algumas coisas e me intrometo na vida das pessoas, sinto muito por isso.
Mas encontrei seu marido há um tempo no mercado perto de casa, ele
estava olhando para as bebidas sem saber qual comprar. Na hora eu fiquei
pensando: que homem como ele não sabe o que beber? Mas já senti que
tinha algo a ver com mulher, e no caso, a mulher é você. Espero que esteja
tudo bem. — nessa hora percebo que sempre falo demais com
desconhecidos. Isso é um mal que não consigo mudar.
— Eu...
— Nem diz nada, vai lá com o teu homem. — digo e ela sorri. — É
um prazer...
— Carla Gutterman! — arregalo os olhos diante de sua
apresentação.
— Meu Deus! Aquele lá é Ricardo, o irmão de Levi? — pergunto
assustada, e ela assente.
— Por quê?
— É que minha melhor amiga é enrolada com o irmão da Melissa,
ex-mulher do Levi. — explico sem jeito e felizmente, ela sorri.
— Sim, somos uma bagunça.
— Bom, espero que isso não faça você odiar o restaurante, e, aliás,
vou pedir para preparem a melhor sobremesa, por conta da casa. — digo
sem graça, e lhe dou uma piscadela.
— Não precisa, já...
— Claro que precisa. — dou de ombros, sorrindo. — Tenho que
voltar, pois sei que vou ouvir algumas idiotices daqui a pouco. Até mais,
Carla!
— Mas...
Saio dali, já perdida em meio as coincidências da vida, e no mesmo
instante que encontro Débora com o segurança, agradeço-o, e a pego pelos
braços, levando até a saída.
— Me solta! — Débora diz, e eu a ignoro, indo pela cozinha,
colocando-a pra fora, pela porta de trás do restaurante. — Eu vou falar com
Pedro e isso...
— Ah, faça-me o favor, Débora! — reviro os olhos. — Ok, transou
com Pedro e blá blá. E daí? Isso não muda nada.
— Assim como não mudou pra você, né empregadinha? — zomba e
sorri, com o rosto vermelho do tapa que dei.
Dou um sorriso forçado, e já me viro pra entrar no restaurante, mas
consigo ouvir suas palavras.
— Sempre será apenas mais uma pra ele.
Fecho a porta atrás de mim e respiro fundo, então um dos ajudantes
da cozinha passa e me encara um pouco sem jeito. Abro um falso sorriso e
já tento sair de perto, mas assim que dou dois passos para ir até meu
escritório, escuto a voz de Pedro.
— Merda!
— Merda é o que o senhor que está sozinho na mesa esperando
Débora voltar vai pensar desse restaurante. — diz, então me viro pra ele.
Malditos olhos claros!
Maldito cabelo perfeitamente bagunçado!
Maldita barba por fazer!
— Ah. — dou de ombros, fazendo-me de desentendida. — Não fiz
nada demais.
— Lola...
Saio andando em direção ao segundo andar, e subo rapidamente,
tentando o mais rápido possível ficar longe dele. Tem sido assim entre nós,
tudo acaba em uma briga desnecessária.
Abro a porta do meu escritório, e antes que eu possa fechá-la, ele
entra também, praticamente me derrubando.
— O que quer ouvir, Pedro? — pergunto e ele leva as mãos à
cabeça, claramente nervoso. — Débora estava incomodando uma cliente no
banheiro, dizendo barbaridades. Queria que eu a deixasse aqui, causando na
frente de todos?
— E você pode causar? — devolve a pergunta e eu gargalho.
— Carla adorou o que fiz, aliás, se está tão incomodado, devia ligar
para Débora. Ela está louca esperando uma ligação sua. — implico, e me
viro, pegando minha bolsa sobre a mesa.
— Sabe muito bem que a única mulher que quero... — ele me
prensa contra a mesa e suspiro fundo. — É você. — sussurra em meu
ouvido.
— Olha, ele e o papo maluco sobre a noite que transamos. — digo e
me viro em sua direção. — Aquela noite não foi nada, sabe disso.
— Eu sei que você foge de mim desde então, e não entendo por que.
— Porque eu cansei. — digo e abro um sorriso falso, tocando em
seu rosto. — Aliás, eu tenho que encontrar alguns fornecedores e você
cuidar do restaurante, querido sócio.
— Nós ainda vamos falar sobre aquela noite. — diz e eu tiro a mão
de seu rosto, saindo de perto dele. — Isso é uma promessa, Lola!
Abro a porta do escritório e fico estática por um instante.
— Mais uma promessa que vai quebrar... — digo baixinho, e saio,
deixando para trás o homem que amo, mas que infelizmente, nunca me
olhou antes de tudo.
Antes de minhas roupas mudarem, da maquiagem se tornar um
hábito... Antes de me entregar de corpo e alma, e simplesmente sair
completamente machucada. Pedro é uma incógnita, e a cada dia apenas dói
mais.
A cada dia sinto-me sufocar, e quero gritar tudo em seu rosto. Gritar
que sei a verdade, sobre o que sente pela tal Melissa, e que não quero mais
sua insistência. Não quero mais apenas tê-lo como parte de um sexo
incrível. O quero por inteiro. Infelizmente, não tenho esse direito.
Saio do restaurante, e bato de frente com um corpo de alguém que
me segura, e tento não quebrar ali. Estou cansada e completamente exausta.
Não tenho cabeça para o trabalho, não diante da dor que carrego no peito.
Amar Pedro me sufoca.
— Desculpe.
A mulher a minha frente apenas sorri, e saio dali, andando em
direção a meu apartamento. O trabalho que espere, a vida que me deixe...
Preciso apenas permitir que a dor se esvaia. Chego em casa, e jogo a bolsa
no chão, indo até a cozinha, e pegando a garrafa de meu vinho favorito.
Rio de mim mesma e o abro, dando um gole generoso. Vi
tantas vezes em filmes e livros meus personagens afogando as mágoas no
álcool, que, bom, essa é minha vez. Torcendo que em meio a falta de
lucidez esqueça meus sentimentos. Que esqueça por completo que sou uma
verdadeira covarde.
Capítulo 14

Pedro
Olho para as portas fechadas do restaurante, e completamente
perdido caminho até meu carro. Mais um dia em minha vida, onde tento
entender o porquê não posso ter a mulher que quero ao meu lado. Qual é o
meu maldito problema?
Entro no carro, e antes de dar partida, olho rapidamente o celular,
em busca de uma mensagem dela. Estou há meses esperando algum indício
de Lola, para podermos conversar, mas tudo o que ela tem feito é fugir.
Sinto-me acuado, com medo de agir de cabeça quente, e acabar estragando
tudo de vez. Mas estragar o que? Se nossa noite parece não ter significado
nada pra ela.
O celular vibra em minhas mãos e atendo no mesmo instante em que
o nome “Boneca” aparece na tela.
— Lola. — digo rapidamente. — Oi.
Deus, eu sequer sei falar com ela ao telefone!
— Como vai, gostosão? — franzo o cenho diante de suas palavras.
— Como vão as coisas?
— Lola... Você está bem? — pergunto, e escuto sua gargalhada.
— Melhor do que nunca! — praticamente grita, e pisco algumas
vezes, encarando o celular rapidamente, confirmando que é mesmo seu
número.
— Lola, me diz, o que está acontecendo?
Fico em alerta, e novamente escuto sua risada.
— Eu amo um homem. — fecho os olhos com força, sentindo-me
quebrar. — Mas ele não me quer... O que eu faço?
Suas palavras saem um pouco embaralhadas, e seu tom está
completamente fora do habitual. A dor dilacera meu peito, por agora saber o
que de fato a afasta de mim, seu coração já tem um dono. Mas apenas foco
na forma como ela parece estar, por sua voz, completamente bêbada.
— Boneca, apenas me diz onde está. — peço calmo, e de repente
escuto um choro baixinho. — Lola?
— Eu quero que ele me ame. — seus soluços são mais altos. — Por
que ele não pode me amar?
— Boneca, por favor... — meu peito dói ainda mais por vê-la sofrer
dessa forma. — Você está em casa?
— Aham. — diz baixo, e escuto seu suspiro profundo. — Por favor,
traz o homem que eu amo.
Ela então desfaz a ligação e encaro o celular completamente
preocupado. Lembro-me que seu apartamento fica a algumas quadras daqui,
e que por muitas vezes ela vem a pé, quando não tem compromissos fora do
restaurante ao decorrer do dia. Deixo meu carro no estacionamento, e
aciono o alarme. A passos rápidos chego a frente de seu prédio, discando
várias vezes seu número, já que não tenho o número de seu apartamento.
Assim que paro a frente da portaria, ligo mais uma vez para ela, e
novamente toca várias vezes, até a chamada ser encaminhada para a caixa-
postal.
— Merda!
— Soares? — viro minha cabeça rapidamente, e encaro o homem a
minha frente, reconhecendo-o. — Como vai, Pedro?
— Vou bem, Gustavo. — o cumprimento, e ele permanece sério,
como sempre. — E você?
— Parece que num dia melhor que o seu. — olha-me com atenção.
— Precisa subir? — indica o prédio e assinto sem jeito.
— Uma amiga me ligou bêbada, e agora não atende o telefone, e
sequer sei o número do apartamento... — passo as mãos por meus cabelos.
— Pareço um idiota.
— Parece apaixonado. — arregalo os olhos diante de sua
declaração.
Gustavo Di Lucca não é o verdadeiro exemplo de conhecido que
acaba dando sua opinião sobre algo. Ele parece muito mudado. Ao menos,
em relação a época que o via pra cima e pra baixo com meu primo mais
velho, Caleb. O encontro ultimamente em festas em comum, que ele
participa por sua empresa, e eu, na representação do Chandel.
— Pode-se dizer que sim. — dou de ombros. — Ela é diferente.
— Bom, se quiser pode subir comigo.
— Sério? — pergunto de relance, sem acreditar.
— Mas precisa descobrir o apartamento da sua amiga, e o andar...
Porque senão vai ser impossível a encontrar.
— Merda! — reclamo, e disco novamente o número de Lola.
Gustavo vai a minha frente, entrando no prédio, assim o sigo, e logo
estamos no elevador. Ele aperta o botão da cobertura, e sequer me espanto,
já que mesmo sendo de uma família rica, sei o quanto os Di Lucca são
poderosos.
Após três andares Lola finalmente atende, e agradeço internamente
por isso.
— Boneca, por favor, me diz qual é o seu andar e o apartamento. —
praticamente suplico, e de relance, noto o olhar evasivo de Gustavo.
Ao menos ele disfarça bem a curiosidade.
— Eu tava tentando atender, mas...
— Lola! — chamo sua atenção. — Apenas me dê os números.
— Sexto andar, apartamento 609. — diz meio embolada, mas aperto
rapidamente no painel o número seis.
— Ok, estou chegando! — ela sussurra um simples “ok”, e apenas
continuo ouvindo sua respiração através do telefone.
Finalmente o elevador para no sexto andar, e as portas se abrem.
Olho rapidamente para Gustavo, e ele apenas acena com a cabeça.
— Obrigado! — ele apenas assente.
Logo saio do elevador, e as portas se fecham. Suspiro fundo,
caminhando até seu apartamento, e ela permanece em silêncio o outro lado
da linha.
— Boneca, estou aqui na frente. — digo, no mesmo instante que
paro a frente de sua porta. — Vou tocar a campainha, aí você abre, ok?
— Tá bom!
Toco a campainha, e deixo o celular fora da orelha. Em poucos
segundos a porta se abre, e uma Lola completamente diferente do habitual
aparece. Suspiro fundo, vendo a dor em seus olhos, e a forma como parece
afetada.
— Você. — diz com um sorriso, em meio as lágrimas já derramadas
em seu rosto. — Você trouxe ele.
— Ei, boneca.
Ela então abre mais a porta, e me dá espaço para entrar. Posso ver
pela forma como me encara, que o álcool ainda está alto em seu organismo.
Ela então fecha a porta, trancando-a em seguida, e logo deixa seu celular
sobre uma mesinha.
Encaro seu apartamento rapidamente, e logo volto minha atenção
para ela. Está a um passo de mim, mesmo assim, nunca a senti tão distante.
Todo esse tempo longe dela abriu uma cratera entre nós. Depois de tê-la por
completo, apenas imaginei que as coisas mudariam para melhor, não que a
teria a um braço de distância, e que ela fugiria. Mas isso não importa agora,
pois preciso apenas verificar se ela está bem.
— O que aconteceu, boneca? — pergunto baixo, e ela suspira.
Em um passo ela me alcança, e seus pequenos braços me envolvem.
Suspiro fundo, abraçando-a, tendo-a em minhas mãos novamente. Por um
segundo, sinto-me completo. Tê-la é como um bálsamo para todos os
problemas.
Porém, vê-la bêbada dessa forma pelo tal homem que ama, apenas
me atinge por inteiro. Ela ama e sofre, assim como eu... O quão perdido
meu sentimento por ela deve se tornar?
— Você trouxe ele. — aconchega-se em meu peito, inalando meu
cheiro, deixando-me completamente inerte. — Você trouxe.
— Do que está falando? — pergunto com carinho, afastando-me um
pouco para encará-la. — Preciso te colocar num banho e fazer um café bem
forte. Onde fica o banheiro?
— Não. — diz de repente, e fica na ponta dos pés, tocando meu
rosto.
— Lola.
— Você trouxe... não pode mais ir. — sua voz sai fraca, e noto a
confusão em seus olhos.
— O que eu trouxe, boneca? — sorrio, vendo que ela está apenas
distorcendo a realidade.
— O homem que amo.
Por um segundo prendo a respiração, sem saber o que dizer, muito
menos o que responder. Ela está bêbada! Fora da razão... por isso está
dizendo isso. Porém, minha mente funciona a todo vapor, tentando não
acreditar que é real. Entretanto, o que mais quero, é que de fato seja.
— Eu? — acabo perguntando, mesmo me sentindo um idiota.
Ela sorri lindamente, passando a mão com carinho por meu rosto.
— Sempre foi você. — confessa, e sinto meu coração bater
freneticamente. — Pra sempre você, Pedro Soares.
Tento dizer a mim mesmo que não é real, que ela está me
confundindo com alguém. Porém meu nome saiu de seus lábios, e mesmo
bêbada, noto que me diz a verdade. Talvez, o álcool apenas tenha colocado
seus sentimentos reais a mostra. Ela me ama?
Eu preciso ouvir isso de minha boneca, só que com ela sóbria.
— Eu também te amo, boneca. — confesso, e toco seu rosto com
todo amor que sinto. — Mas primeiro precisa de um banho, e em seguida
um café forte. Depois vamos conversar, tudo bem?
— Você me ama?
Praticamente pula em meu colo, e a seguro com carinho, e aproveito
sua entrega para procurar pelo banheiro. Assim que entramos num dos
últimos cômodos, noto que é seu quarto, e vejo uma porta ao fundo, que
felizmente é o banheiro.
Lola permanece em meu colo, deitada em meu ombro, sussurrando
que me ama. Se isso é um sonho, por favor, que eu nunca mais acorde.
Capítulo 15

Lola

Minha cabeça dói de forma estrondosa, e levo uma mão até o couro
cabeludo, massageando-o. A dor parece apenas piorar, e tento me mover,
ficando sentada na cama. Respiro fundo algumas vezes, antes de abrir os
olhos e focar na luz que entra pela janela. Que horas devem ser?
Com o apoio da cabeceira da cama, tento me levantar, porém,
apenas sinto uma forte náusea e tudo girar, fazendo com que meu corpo caia
novamente na cama. Suspiro fundo, sem entender ao certo como estou
dessa forma.
— Merda!
— Ei, boneca. — braços fortes me amparam, e arregalo os olhos.
Olho-o sobre meu ombro e fico chocada com sua imagem relaxada
sobre minha cama.
— O que faz aqui? — pergunto de uma vez, sentindo-me culpada no
segundo seguinte pelo tom grosso que saiu de minha boca.
— Eu... — suspira fundo, afastando seus braços de meu corpo. —
Você me ligou bêbada e fiquei preocupado.
— Ah. — fecho os olhos por um instante, sentindo a vergonha me
atingir. — Me desculpe. — sou sincera. — Há anos que não bebo, e com
toda certeza meu corpo não está mais acostumado a passar de algumas taças
de vinho.
— Você bebeu a garrafa toda, boneca.
Arregalo os olhos, e ele sorri, deixando a situação um pouco menos
desconfortável. Não sei o que fazer, ao olhar para o homem que amo, sobre
minha cama, olhando-me de forma tão profunda. Não quero me iludir mais
uma vez, e vê-lo assim, faz-me querer apenas mergulhar em seu ser... Ser
dele mais uma vez.
— Eu estou bem. — tento soar calma. — Desculpe por te preocupar.
— Boneca, eu não consigo entender o que está acontecendo
conosco. — diz de repente, e tenta me tocar, mas acabo me afastando,
ficando longe dele.
— Não faz isso, Pedro. — peço, e tento de algum jeito, fingir que
não me afeta.
Mas é impossível. Estou entregue há tanto tempo, apenas tentando
fazer com que ele me olhe, e que de alguma forma seja recíproco. Porém,
só depois de mudar, mostrar a parte “bonita” superficial, que ele me notou.
Dói ver que nunca seria a mulher escolhida por ele, se não fosse alguns tons
de maquiagem, e roupas bonitas.
— Lola, eu...
— Só me deixa. — peço, e saio de perto dele, em direção a sacada.
Noto que estou com as mesmas roupas do trabalho de ontem, e
imagino que devo ter apagado na cama. Suspiro fundo, ao abrir a porta de
vidro, e o ar frio encontrar com meu corpo. Sinto-me quebrada, sem saber o
que fazer. Eu quero Pedro, não sei como fugir de tal sentimento, mas temo a
despedida. Temo me entregar novamente, e nunca mais me sentir inteira.
Então, sinto os braços fortes de Pedro me cercarem, e meu coração
acelera, minha boca seca e todo meu corpo implora para ficar ali para
sempre.
— Você disse que me ama.
Fecho os olhos com força, digerindo suas palavras. O que?
— Não! — soltei baixo, sem acreditar no que fui capaz de fazer. —
Não pode ser!
— Você disse. — virou-me para si, encarando-me, e não sei como
fugir. — Disse muitas vezes, mas eu sei que não estava sóbria. Até porque
no momento que me afastei para tentar preparar um banho, quando voltei,
já estava adormecida na cama.
— Me desculpe, eu...
— Tudo o que quis, é que sã, repetisse cada palavra. — suspira
fundo, tocando meu rosto. Fico completamente inerte, sem saber para onde
isso caminhará. — Eu sou louco por você, boneca.
— Pedro.
— Lola.
Nossos rostos se aproximam, e nenhum de nós fala nada. A atração
é palpável, assim como a forma que meu coração pela primeira vez está
exposto para ele, por completo. Sinto-me cair mais uma vez, sem querer
esquecer que da última vez fui quebrada.
Amar um homem que ama outra mulher, é o mesmo que pedir para
ter uma transa inesquecível e em algum momento ter que ouvi-lo suspirar
por ela. Assim que os lábios de Pedro tocam os meus, suspiro fundo,
sentindo-me quebrar. Não consigo.
— Não posso. — digo de uma vez, afastando-me, e me nego a
encará-lo. — Por favor, vá embora!
— Mas, boneca...
— Lola. — corto-o, e continuo encarando meus pés. — Meu nome é
Lola.
— Por que está me afastando, boneca? — noto sua voz trêmula, e
arrisco olhá-lo. — Por que?
Seu olhar está quebrado, como reflexo do meu. O que ele quer me
mostrar? Por que não se contentou apenas com uma noite e pula para a
próxima mulher? Por que pisar em meu coração?
— Sabe o que sinto, Pedro. — o olho determinada, e tento respirar
direito. — Mas isso não muda nada.
— Isso muda tudo, bone... Quer dizer, Lola. — sua voz é
completamente diferente do habitual, e tento de alguma forma não me
iludir. — Isso é tudo o que esperei.
— Por favor, eu não posso! — insisto, e passo por ele, saindo da
sacada. — Só quero ficar sozinha. Peço desculpas por ser uma bêbada
idiota, não vai se repetir.
— Lola...
— Apenas vá, Pedro!
— Mas eu te amo, porra!
Meu coração falha uma batida, e tento fingir que não me atingiu.
Uma lágrima desce por meu rosto, e sei que nunca estive tão perdida. Ele
chamou a mulher que ama após passarmos uma noite incrível juntos... E
agora, aparece dizendo que me ama. Não, Pedro Soares não me ama. Sou
apenas a segunda opção disponível, e isso me mata por dentro.
— Vá embora! — insisto, sem olhá-lo.
— Eu disse que te amo, Lola. — sua voz é mais baixa. — Você
ouviu?
— Ouvi. — suspiro, tentando segurar as lágrimas. — E isso não
muda nada.
— Eu...
Sinto então o silêncio recair sobre o quarto, e apenas espero que o
mesmo vá embora. Contrariando-me, ele me puxa para seu corpo, forçando-
me a encará-lo.
— Olhe pra mim! — toca meu rosto, e me nego. — Eu sou seu, o
tanto quanto é minha. — diz determinado. — Talvez precise de um tempo
para ter certeza, mas foi minha desde o momento em que atravessou o
Chandel há quatro anos. Eu te amo, boneca, e vou te esperar.
Sinto então um beijo sobre minha testa, e em poucos segundos, o
corpo do homem que amo se afasta, deixando-me sozinha. Ouço a porta da
sala bater, e desabo, sem saber o que fazer. Não consigo entender mais
nada, nem mesmo sei no que acreditar... Uma hora ele ama Melissa, na
outra, se declara como um homem apaixonado por mim. Preciso de tempo
para pensar, mas por um instante, permito-me quebrar. Choro por todo amor
que sinto, e por não saber por onde seguir.
Capítulo 16

Lola

Olho para o teto por diversas horas, como se tentando fugir da


realidade, tentando entender como cheguei até aqui. A voz de Pedro ecoa ao
meu redor, como se suas palavras tivessem ficado marcadas além de meu
coração e mente, em minha própria casa.
Penso no que fazer, e como melhorar meu humor, como fingir que
nada aconteceu. Mas tudo parece me pressionar para continuar deitada na
cama, sem saber para onde seguir. Num momento eu tenho Pedro, no outro
o perco... Essa situação me dilacera e me deixa perdida.
A campainha toca, porém, a vontade de levantar se torna inexistente.
Não quero encarar ninguém, e das possibilidades de quem está em minha
porta, apenas pode ser minha melhor amiga, ou pior, Pedro Soares.
Suspiro fundo, me enrolando ainda mais nos lençóis e tento focar
apenas em como resolver essa situação. Minha vontade é gritar em seu
rosto suas palavras, de como seu coração não é meu, e sim de Melissa.
Porém, o medo de assistir a verdade em seus olhos me paralisa.
A campainha soa novamente e coloco o travesseiro sobre a cabeça,
tentando fingir que não estou. Seja quem for, não é o horário e momento
certo. Felizmente o barulho para, e então tiro o travesseiro da cabeça, viro-
me novamente, encarando o teto. Minha vida nunca pareceu tão perdida e
sem graça como nesse momento.
Quero correr para os braços de Pedro, porém, ainda temos um
empecilho – o coração dele.
— E eu achando que a casa estava vazia! — a voz tão familiar
chega ao meus ouvidos, e arregalo os olhos, levantando o olhar. —
Surpresa!
Uma lágrima escorre de meu rosto, no momento em que minha
cópia mais nova abre os braços, e antes que possa me levantar, ela está
sobre mim, praticamente me esmagando na cama. Noto então a barriga já
arredondada, e ao mesmo tempo que a abraço, acaricio o sobrinho ou
sobrinha que me espera.
Lua sorri em meio ao abraço, e assim que escutamos um barulho
forte no piso, ela se afasta, jogando-se na cama para o lado. Ali está meu
melhor amigo, o homem no qual confio de olhos fechados. André abre um
sorriso enorme, com todo seu charme e jeito de menino.
— Então aqui é a reunião das mulheres da minha vida?
Como sempre, um cavalheiro sem igual.
Levanto-me da cama e vou até ele, abraçando-o com força. Ele faz o
mesmo, acariciando meus cabelos, e de alguma forma, fazendo-me sentir
em casa novamente.
Assim que nos afastamos, reparo na folga em que minha irmã se
encontra, toda jogada contra a cama, sorrindo animada, e ao mesmo tempo
passando a mão pela barriga. Ver que nossa família vai crescer, faz-me
deixar todos os problemas de lado, e só focar em uma coisa – no futuro.
— Então, como brotaram de repente aqui? — pergunto
descontraída.
— Corta essa! — minha irmã me encara séria, e fico sem entender.
— Seu rosto está péssimo, e tenho certeza que tem a ver com o tal Pedro.
Vamos lá! Irmã caçula chata a postos, além do seu melhor amigo
insuportável aí... — aponta para André que pisca para ela, claramente, a
irritando. — Pode contar tudo!
— Mas...
— “Mas” nada, Lola! — dá de ombros com um sorriso ameno. —
Cansei de viver longe da única família que realmente tenho, e ainda mais,
de não cuidar de você.
— Eu quem deveria cuidar de você e...
— Você o fez, há muitos anos, quando foi contra tudo e todos, e
veio para o Rio com a nona. — suspira fundo, como se fosse uma boa
lembrança. — Eu vivi anos num colégio fora do país, longe daqueles que se
dizem nossos pais, e nas férias, sempre estive aqui, com vocês. Você me fez
acreditar em família, Lola.
— Irmã, eu... — digo sem jeito, e vou até ela. Sentando-me ao seu
lado.
— Chega de distância. — segura minha mão, sorrindo animada.
Fico sem entender o que quer dizer. — Temos um bebê a caminho, duas
propostas maravilhosas de emprego e além disso, nossa família aqui. —
aperta minha mão com força. — Não vai se livrar de nós, nunca mais!
— Não acredito! — digo incrédula.
— Pode começar a acreditar, Lola. — a voz de André está próxima,
e logo o noto ao nosso lado. — Vivi anos à frente da empresa da família
acreditando ser meu sonho, mas aos poucos fui descobrindo que não era
nada disso. Sua irmã e eu, decidimos que queremos mudar e sim, ficarmos
próximos de você.
— Eu nem sei o que dizer. — sorrio abertamente.
— Pode começar contando o porquê os sorrisos nesse rostinho estão
tão sem vida. — minha irmã se pronuncia, e em seguida toca meus cabelos.
— Além de ter que me passar cada detalhe dessa mudança no visual. O que
aconteceu, Lola?
Olho de um para o outro, e noto que não vão desistir do que querem.
Eles sempre foram superprotetores, e gostam de estar a par de tudo. Suspiro
vencida, e me sento mais perto da cabeceira da cama, encostando-me.
Fecho os olhos por um instante, e começo a contar tudo, sem deixar um
detalhe fora. A cada palavra que sai de minha boca, um peso de cinco quilos
parece ir embora.
Realmente, aqui, está minha família.

Pedro

Caminho perdido pelo parque, sem saber muito bem o que fazer, ou
para onde ir. Na realidade, o que quero realmente é voltar para o
apartamento da mulher mais teimosa que conheço e fazê-la me ver como
seu. Passo as mãos por meus cabelos e tento controlar a ansiedade que me
atinge. Porém, como aceitar novamente que meus sonhos ruíram?
Lola mal sabe o quanto é importante para mim, e no momento que
resolvo finalmente confessar meu amor, ela é reticente, e além de tudo,
manda-me embora. Suspiro, completamente frustrado. Olho ao redor e vejo
as pessoas sorrindo umas para outras, casais claramente apaixonados, e
crianças ao redor... O que daria para sermos nós, nessa exata situação?
Se alguém me perguntasse, anos antes de conhecer Lola, que meus
sonhos envolveriam casamento e filhos, negaria por completo. Entretanto,
foi necessário apenas seus olhos azuis encararem os meus, para qualquer
plano se dissolver.
Lola se tornou meu plano pessoal, instigando e levando-me a
loucura sem ao menos perceber. Nunca fui crédulo sobre amor à primeira
vista, mesmo que em minha antiga casa tenham centenas de romance
espalhados, e muitos com toda certeza falam a respeito. Clarissa Soares,
minha mãe, acreditou no amor após o canalha do meu pai, tanto que vive
seu conto de fadas com meu padrasto. Contudo, amor à primeira vista
parece tão surreal que apenas livros podem retratá-lo. Ledo engano, eu caí
perdidamente por Lola na primeira vez que nos esbarramos. Ela foi e ainda
é, minha incógnita favorita.
Sinto um calafrio percorrer meu corpo, e acabo me sentando em um
banco. Não sei explicar de onde vem esse mal-estar. Passo as mãos por meu
rosto e em seguida encaro o nada... De repente, o nada se torna meu tudo.
Abro um sorriso ao vê-la tão livre e solta, sorrindo animada para algo, com
uma casquinha de sorvete em mãos.
Levanto-me no mesmo instante e penso em ir até Lola, porém, no
segundo passo, meu corpo trava por completo. Um homem o qual não
conheço enlaça sua cintura, fazendo-a rir ainda mais, e a vejo olhá-lo com
carinho e até mesmo... amor. Sinto-me quebrar nesse instante.
A minha frente está a resposta que tanto quero a respeito de nós.
Finalmente entendo... “Nós” nunca existiu. A declaração de Lola com
certeza se deveu ao fato de me confundir com o cara, quem sabe. Eles então
se abraçam, e sinto todo meu corpo ser movido pela adrenalina.
Em meio segundo estou ao lado deles, e a puxo levemente para me
encarar. Seus olhos se arregalam, e vejo que fica perdida entre me olhar, e
olhar para ele. Nem perco tempo respirando fundo, e apenas ajo de impulso.
— É por ele? — pergunto, e as palavras saem amargas de minha
boca. — É por isso que tem brincado tanto comigo? O quão engraçado tem
sido rir pelas minhas costas?
— Pedro...
— Ei, cara! Vamos nos acalmar e...
— Chega, Lola! — solto seu braço e seguro as lágrimas que querem
descer. — Vou fazer o que tanto me pediu.
— Pedro. — sua voz sai fraca e ela segura minha mão.
Nossos olhos se encontram e nunca me senti tão humilhado como
nesse instante.
— O que quer? — solto-me dela, e me viro de costas. — Não sei o
que queria, mas sei de algo que conseguiu. — viro-me apenas para encará-
la sobre meus ombros. — Você quebrou a porra do meu coração!
Finalmente saio dali, a passos largos até meu carro. Não olho para
trás, sentindo-me o maior idiota do século, isso para não dizer, trouxa.
Assim que entro em meu carro, tento segurar a raiva e dor que se acumulam
em meu ser. Quando finalmente estou no meu apartamento, olho ao redor, e
soco a primeira coisa que encontro – a parede. Meus dedos sangram, a dor
se instaura no local, mas não me incomodo. Vou até o pequeno barzinho e
pego dali um uísque, o primeiro gole desce queimando minha garganta, mas
não me importo.
Sou um idiota por beber para esquecer um amor não correspondido,
e ainda mais, um amor que brincou comigo. Mas que se dane qualquer tipo
de razão! Beber é a única forma de esquecer Paloma Gerard e meus
sentimentos por ela, nem que fosse por alguns segundos. Pois uma certeza
permanece, eu ainda a amo, apesar de tudo.
Capítulo 17

Lola

Fico estática por um minuto, porém no seguinte vou a passos


rápidos por onde vi Pedro andar. Entretanto, quando paro na calçada, vejo
seu carro há uma distância considerável.
— Não! — digo sozinha, e uma lágrima desce por meu rosto.
O desespero toma conta de meu corpo e começo a tremer, como se
meu próprio fisiológico avisasse o que está errado. Eu preciso fazer algo, e
finalmente entender o que está acontecendo entre nós. Conversei por um
longo tempo com minha irmã, e ela me fez perceber que não vou chegar a
nada se continuar fingindo que vou superá-lo. Preciso ter uma conversa
franca com Pedro para seguir em frente.
Mas por que mesmo sabendo que ele ama outra, e ainda assim me
ama, sinto-me culpada por feri-lo?
Você quebrou a porra do meu coração!
A dor nítida em seus olhos parece viva em minha mente, assim
como as palavras ditas. Tudo parece entrar em colapso, e me viro
rapidamente, batendo com tudo contra André.
— Ei! — diz baixo. — Calma!
— Não, Dé! — digo em desespero. — Sinto que preciso falar com
ele. Sinto que...
Fica difícil respirar, algo dentro de mim se contorce, e por um
segundo sinto meu corpo fraquejar.
— Pequena!
— Eu não sei o que fazer, Dé! — digo com dificuldade. — Eu o
amo, mas agora...
— Onde ele mora? — pergunta de repente, encarando-me solícito.
Minha irmã aparece ao nosso lado de repente, e nos olha de forma
estranha.
— O que houve? — segura meu braço, claramente notando a forma
como estou. — Lola?
— Pedro me viu abraçada a André e...
— Ele pensou algo errado, disse que Lola quebrou o coração dele.
— meu amigo complementa, e tento me acalmar.
— Agora tudo ficou lindo mesmo! — Lua revira os olhos. — Você
vai até ele e vão ter uma conversa franca.
— Mas...
— “Mas” nada! — Lua diz nervosa.
— Eu acabei de pedir o endereço dele, mas Lola parece em outro
mundo.
— Ei! — minha irmã segura meus braços, chamando minha
atenção.
Meus pensamentos estão longe, no homem que tanto amo e que no
momento sinto que destruí. Por mais confuso que tudo pareça, finalmente
sinto a força necessária para lutar por ele... por nós.
— Vamos lá!
Logo estamos dentro de meu carro e André dirige pelas ruas do Rio
de Janeiro. Internamente, torço para que Pedro esteja em seu apartamento,
já que não faço ideia para onde ele tenha ido. Penso em ligar, porém o medo
de ser rejeitada é maior. Acabo escolhendo me arriscar.
Minutos depois André estaciona o carro em frente ao prédio de
Pedro e olho rapidamente para minha irmã, que apenas assente com a
cabeça, como se me incentivando. Suspiro fundo e saio do carro, indo até a
portaria. Converso rapidamente com o porteiro e digo meu nome, em
seguida o andar e apartamento de Pedro. Por dentro, sinto que vou pirar a
qualquer momento, já que ele pode simplesmente não me deixar subir, ou
pior, não estar em casa.
— O senhor Soares autorizou sua entrada, senhorita Gerard.
— Obrigada. — digo sem jeito, e viro minha cabeça em direção do
carro.
Faço um gesto positivo com as mãos para minha irmã e cunhado e
ambos entendem, já que combinamos de me deixar aqui, que avisaria caso
tudo desse errado e precisasse ir para casa rapidamente. Eles saem com o
carro e sorrio para o porteiro, que abre o portão.
Assim que adentro o imponente prédio, peço o elevador e aguardo.
Respiro de forma pesada, com o coração na boca e meu nervosismo no
ápice. Sei agora que ele me espera, e temo a forma como nossa conversa
ocorrerá. O elevador para, e logo as portas se abrem. Uma mulher ruiva me
encara sem graça, com o rosto vermelho, e forço um sorriso.
Ela entra no elevador, no mesmo momento que saio, assim sigo em
direção a porta de Pedro. Toco a campainha e espero, por dentro todo o caos
do mundo parece me preencher. Sinto-me péssima, e ao mesmo tempo,
esperançosa. Não sei imaginar como será nossa conversa.
Adiei por tanto tempo falar sobre isso, que agora, as palavras
pareceram sumir. A porta finalmente se abre, e respiro fundo, ao encarar
Pedro. Ele parece tão perdido quanto eu, apenas vestido numa calça de
moletom e com um copo nas mãos. Reparo rapidamente no líquido dentro,
e arrisco que seja uísque.
Antes que pergunte se posso entrar, ele abre mais a porta e me dá
espaço para passar. Vejo sua postura rígida e me sinto completamente
perdida.
Assim que adentro o apartamento, as lembranças de nós dois ali me
atingem em cheio. Lembro-me perfeitamente de seu toque, seu cheiro, seu
gosto... Por que tudo tem que ser tão complicado?
— Eu não quero ser grosso, Lola. — Pedro diz de repente, enquanto
fecha a porta.
Ele vira o restante do líquido no copo, e o deixa de lado, sobre a
mesa de centro de sua sala. Estou parada ao lado do sofá, sem saber o que
dizer, sem saber como agir.
— Não estou no meu melhor momento, e você vir aqui não foi uma
boa ideia. — vai em direção ao grande balcão que separa a cozinha da sala
e se encosta. — Sou uma péssima companhia hoje.
— Eu só quero conversar. — finalmente encontro minha voz.
— Agora? — indaga desgostoso, cruzando os braços, sem me
encarar. — Sabe há quanto tempo que tento fazer isso? — ri sem vontade.
— Claro que sabe, deve ter rido muito de todas as minhas falhas tentativas.
— Pedro, eu não ri de nada disso. — digo firme, e seus olhos
encontram os meus. — Sei que tudo está confuso, não imagina o quanto
está na minha mente, e principalmente, em meu coração.
Um silêncio ensurdecedor se instala entre nós, e dou um passo à
frente, tentando ficar mais próxima dele, vendo que sua dor é clara, assim
como a minha.
— Esquece ele. — diz de repente, e seus olhos azuis parecem
desesperados.
Ele dá um passo à frente, e sem me permitir resposta, toca meu rosto
com as duas mãos.
— Eu posso ser o homem que quer... — fecha os olhos, e encosta
nossas testas, deixando-me pasma. — Eu posso te conquistar, te fazer me
amar e...
— Mais ainda? — pergunto, deixando as lágrimas descerem.
Seus olhos se abrem, e ele demonstra clara confusão.
— Mais do que já amo? — a dor em meu peito explode, mas sigo
em frente. — Eu me apaixonei por você desde...
— O primeiro dia. — ele complementa, deixando-me boquiaberta, e
fico sem reação. — Por que estamos separados então? Por que está com
ele?
— Ele na verdade é meu cunhado, e melhor amigo. — explico, e
Pedro arregala os olhos, claramente surpreso. — Ele e minha irmã vieram
fazer uma surpresa no Rio.
— Eu pensei que... — coloco dois dedos em sua boca, calando-o.
— Nunca, em toda minha vida, fui tão afetada por um homem,
como sou por você. — confesso, meu coração finalmente entregue. — Mas
é difícil pra mim, tem que entender. — afasto-me um pouco, tentando
respirar com calma.
— Boneca, eu estou perdido aqui.
Fico de costas para ele por alguns instantes, e limpo as lágrimas,
tentando me conter. Assim que me viro, noto seus olhos atentos, e começo a
falar:
— Eu sei que ama outra mulher, ao menos, sente algo por ela. — as
palavras saem amargas de minha boca e Pedro franze o cenho. Tenta se
aproximar, porém dou um passo atrás, e ele entende o recado. — Gael me
contou por cima sobre seus sentimentos por Melissa, e quando chamou o
nome dela em seus sonhos logo após fazermos amor, eu...
— O que? — Pedro praticamente grita, e fico perplexa. — Gael te
disse isso? E como assim chamei o nome de Melissa? — ele parece
completamente perdido.
— Desculpa, eu acabei... Eu queria saber mais sobre você e
perguntei pra ele porque era solteiro, aí ele me disse que é apaixonado há
muito tempo pela mesma mulher. Enfim, isso...
— Não! — Pedro diz claramente nervoso. — Sou sim apaixonado
pela mesma mulher há muito tempo... — meu coração se aperta. — Mas
nunca foi Melissa, por Deus, boneca... Sempre foi você! — arregalo os
olhos, sendo minha vez de ficar quase sem chão.
— Mas você chamou por ela... Disse que sentia falta.
— O que exatamente eu disse dormindo? — pergunta, dando um
passo à frente, ficando bem próximo a mim.
— Eu sinto sua falta, Mel. — repito a frase que me quebrou naquela
noite e Pedro leva uma mão ao rosto, claramente transtornado. — Eu sei
que devia ter contado antes a respeito, mas... Não consegui. Dói demais
saber que...
— Que o que, boneca? — respira fundo e me encara. — Que
ficamos separados porque Gael resolveu enlouquecer e encher sua mente, e
porque chamei o nome de minha irmã dormindo?
O que?
— Irmã? — pergunto surpresa, e me sinto uma completa imbecil.
— Eu sonho com ela desde que veio a falecer quando ainda éramos
crianças. — diz com calma, e forçando um sorriso. — Éramos gêmeos, e
bom, perdi uma parte minha aos oito anos. Sempre sonho com ela, mas
lembro em partes que após nossa noite, ela conversou comigo, engraçado
que consigo vê-la como adulta nos sonhos... Enfim, ela disse que
finalmente eu tinha encontrado a companheira que precisava, e que iria
embora. — dá de ombros. — Já cheguei a ter muitos sonhos estranhos com
ela, mas em todos, eu sempre digo que sinto falta... Pois é a pura verdade.
— encara-me profundamente. — O nome dela era Melaine.
Capítulo 18

Lola

Fico chocada com suas palavras e me escoro no sofá, tentando


permanecer em pé. Penso então sobre todas as coisas que passaram por
minha mente, de Pedro ter escolhido justo aquela noite comigo para termos
algo. Como o relacionei e ainda associei a minha mãe, como se tivesse
ficado comigo por estar bonita. Seu olhar é tão nítido, nunca foi por isso. E
agora tenho a certeza, que nunca foi por ser sua segunda opção.
— Eu me sinto uma idiota. — confesso, e levo as mãos aos cabelos,
tentando encontrar as palavras certas. — Eu sinto muito, Pedro.
Ele vira de costas, segurando-se contra o balcão, como se tentando
raciocinar a respeito de tudo. Não resisto, e vou até ele, abraçando-o por
trás, sentindo novamente a pele quente contra meus dedos.
Sem saber o que dizer, resolvo agir, e espalho beijos por suas costas.
O corpo dele se arrepia no mesmo instante, e de relance vejo que segura
com força o balcão. Passo as unhas de leve por cada parte de seu peito,
descendo para o abdome e noto seu corpo enrijecer.
Me surpreendendo, ele se vira de repente, e toca meu rosto, como se
querendo me marcar como sua.
— Como pôde pensar que quero outra? — pergunta, claramente
frustrado. — Se quando te perguntei a respeito de conquistar uma mulher,
era sobre você que falava... — fico perplexa com sua confissão. — Por isso
inventei aquele jantar de negócios com festa, até mesmo que alguém tinha
ficado doente. — arregalo os olhos, sem saber como ele consegue me
surpreender ainda mais. — Tudo porque queria ficar a sós com você longe
do trabalho, para que me enxergasse além do seu sócio, além de seu
amigo...
— Como meu homem. — intrometo-me e ele assente.
— Diga que não vai me deixar. — pede, olhando-me
profundamente.
— Não vou. — abraço-o pela cintura, trazendo-o ainda mais para
perto.
— Diga que depois de hoje será minha.
— Eu já sou. — ele sorri, e uma lágrima desce por seu lindo rosto.
— Não sabe o quanto esperei pra te ter assim. — fecha os olhos por
um segundo. — Acho que estou sonhando, que não é real.
— Eu estou bem aqui, amor. — ele abre os olhos, presenteando-me
com um sorriso encantador, claramente aprovando a forma como o chamo.
— Diga que me ama.
Sorrio, enquanto lágrimas de felicidade descem por meu rosto.
— Eu amo você. — digo com todo amor que sinto, livre para viver a
minha história. — Só você, Pedro.
— Boneca...
Antes que ele continue, uno nossos lábios, e sem se fazer de rogado,
Pedro me puxa para si com força. Enlaço sua cintura com as pernas, e antes
que possa raciocinar, ele me senta sobre o balcão, e só se afasta o suficiente
para puxar minha blusa junto com o sutiã para cima.
— Perfeita. — suspiro ao sentir novamente seus lábios nos meus, e
percorro toda sua pele com as unhas, marcando-o.
Nossos beijos ficam ainda mais ferozes, deixo-me levar pelo
momento, sem querer pensar em mais nada que não seja nós. Até porque, é
real, somos apenas nós. Ele me ama, eu o amo.
Em poucos segundos estamos nus, e antes que precise reclamar,
Pedro me toma para si. Agarro com força seus cabelos, e tento controlar o
prazer tão próximo. Nos olhos dele vejo a mesma necessidade, como se
ambos precisássemos dessa conexão para reafirmar o que sentimos, como
se nada além da entrega seja necessário. E não é.
— Eu te amo. — diz, e morde com força meu pescoço, fazendo-me
ficar ainda mais perto da borda.
— Pedro, eu...
— Não diz nada, boneca. — espalha várias mordidas por meu
ombro, e logo chega aos meus seios, fazendo-me arfar. — Apenas seja
minha.
Entrego-me a ele mais uma vez, tendo a certeza de que mesmo com
todos os erros e acertos, estou onde devo estar. Nos braços do homem que
amo, sendo apenas dele, e ele, sendo apenas meu. Os minutos parecem
infinitos, enquanto o sangue parece percorrer ainda mais rápido todo meu
corpo, e o prazer se instala em cada poro de meu ser. Pedro me olha de
forma devastadora, e assim, deixo-me ir, dizendo em alto e bom som que o
amo, perdidamente.
Pedro
Olho para a mulher deitada em meu peito e sorrio, velando seu sono.
Lola dorme agarrada ao meu corpo, feito uma gatinha. Dou uma geral em
meu corpo e o vejo todo marcado, que demonstra que é mesmo uma
gatinha, com garras afiadas. Ouço a campainha e bufo baixinho, já
querendo correr dali para não acordar Lola.
Afasto-me com cuidado dela, porém, ela logo abre os olhos azuis.
— O que foi? — pergunta um pouco perdida.
— Tem alguém na porta. — acomodo-a no travesseiro, e sorrio. —
Eu já volto pra você, boneca.
— Promete?
Sua pergunta me pega de surpresa, e só então noto sua fragilidade. E
pensar que temos tanto para conversar... tanto para falar sobre nós. Mas
agora, apenas foco no seu olhar sincero, e beijo de leve seus lábios.
— Prometo. — passo a mão por seu rosto. — Descansa, que eu já
volto.
— Eu te amo. — diz, e cora lindamente, fazendo-me sentir o
homem mais sortudo do mundo.
A mulher que amo, me ama... A sensação desse momento é
indescritível.
— Eu também te amo.
Ela então sorri, se aconchega aos lençóis, fechando os olhos mais
uma vez. A campainha soa novamente, e bufo, levantando-me. Pego a calça
de moletom jogada perto da sala e visto, passando as mãos em meus
cabelos, e abrindo a porta em seguida.
— Amigo, eu...
Fecho meu semblante no mesmo instante, assim que encaro Gael.
Ele parece completamente fora de si, praticamente caindo em pé. Quando
dá um passo à frente, quase cai sobre mim, e acabo tendo que escorá-lo.
— O que faz aqui? — sou direto. — Ainda mais bêbado desse jeito.
Saio com ele do apartamento, e o escoro em meus braços, levando-o
para o seu, que fica a frente. Felizmente a porta está aberta, e assim que
consigo, jogo-o contra o sofá.
— O que quer, Gael? — pergunto, completamente frustrado. —
Nem sei se vale a pena ter essa conversa com você, ainda mais estando
dessa forma. Mas saiba que tem muito a me explicar.
— Ela me deixou. — diz, fechando os olhos, e de repente muda seu
semblante. — Ela disse que me viu com outra, mas... Eu não estive com
ninguém... Ela...
— Karina? — pergunto sem vontade, e ele abre os olhos.
— Ela tá aqui? — parece desesperado e tenta se levantar, falha, e
cai novamente contra o sofá. — Chama ela, Pedro, eu...
— Precisa de um banho gelado e dormir! — levo as mãos à cabeça.
Resolvo deixar nossa conversa para depois e logo estou com Gael
no box de seu banheiro. Abro a ducha gelada sobre ele, que reclama, mas
de alguma forma consegue se manter um pouco de pé.
Alguns minutos depois, lhe estendo a toalha, e murmurando
algumas coisas sem nexo, ele se enxuga, enrolando em seguida a toalha na
cintura.
— Ela vai voltar, né? — pergunta, e sequer consigo reconhece-lo.
Deixo-o sobre a cama, e vou até a cozinha, em busca de um café.
Assim que fica pronto, volto para o quarto, e reviro os olhos, vendo que
apagou, caído sobre o tapete. Como ele chegou ali? Com certeza tentando ir
a algum lugar.
Pego um travesseiro sobre a cama e coloco debaixo de sua cabeça.
Gael resmunga algumas coisas, mas está completamente apagado. Meu
amigo com certeza percebeu tarde demais que perderia Karina. Deixo para
depois nossa conversa, e vou até a cozinha, deixando a caneca com café
sobre a pia.
Saio de seu apartamento, e volto para o meu, sem querer pensar em
Gael, e muito menos em seus problemas. Ele tinha causado um pior em
minha vida, o qual ainda não sei o motivo, mas preciso descobrir.
Assim que fecho a porta atrás de mim e levanto meu olhar, a cena
que me espera, faz-me sorrir feito um adolescente apaixonado. Lola está
parada no meio da sala, com um copo em mãos, olhando os quadros na
parede, vestindo minha camiseta favorita.
Não resisto e vou até ela, abraçando-a por trás, a qual se assusta. Ela
então vira seu rosto para o meu, oferecendo seus lábios. Dou-lhe um leve
selinho e logo vejo um sorriso aberto em seu rosto. Finalmente, estamos
juntos.
Bônus

Karina

Quando vejo a mulher sair do seu apartamento, claramente após


uma noite juntos, sinto-me uma completa idiota por estar aqui novamente.
Mais uma vez insistindo em um homem que só soube me colocar em
segundo plano em sua vida.
Gael Novaes tem sido minha perdição desde que meus olhos
pararam nos seus na festa de calouros da universidade. Nunca fui uma
mulher que esconde o que quer, e eu o quis, e claro, não facilitei a vida de
ninguém ao redor apenas para tê-lo numa noite em minha cama.
Porém, uma noite se tornou duas, até se passar uma semana, e
perceber que estava me ligando a um homem claramente livre, assim como
eu. Deixamos em aberto nossa relação, mas após vê-lo beijar outra mulher
em uma festa, acabei decidindo me afastar. Não soube lidar com aquela
carga emocional, e decidi que criar sentimentos por alguém poderia me tirar
o foco do que realmente importava durante a faculdade – estudar.
Os anos se passaram, nos tornamos veteranos, assim como eu, ele
estava se formando em administração. Ambos tínhamos objetivos
parecidos, fazíamos parte da mesma turma, e foi muito difícil permanecer
longe após ter tido o gosto dele em meu ser. Porém, nada me preparou para
o último semestre, onde estagiamos na mesma empresa, e além do mais,
que carrega o sobrenome da minha família.
Pensei várias vezes em mudar de estágio, porém, meus pais nunca
concordariam. Ainda mais se soubessem do meu interesse pessoal no
estagiário que passou em primeiro lugar na prova da empresa, fariam
questão de me manter próxima dele, pois já o veriam como um futuro genro
brilhante. Foi complicado, árduo, e além e tudo, perigoso para nós. Mas me
mantive afastada o máximo que o trabalho permitia, tentando esquecer o
fato de meu corpo e coração estarem tão apavorados por ele. Mas tudo
mudou em uma noite, onde ficamos inertes no trabalho, e de repente, estava
em seus braços, sobre a mesa da sala de reuniões.
Não existiu lógica naquele instante, e após aquele beijo nada
discreto, durante o fim do expediente da maioria das pessoas, acabamos
finalizando a noite em seu apartamento. A partir dali, Gael se tornou meu
inferno pessoal.
Demorei muito para aceitar meus sentimentos por ele, e ainda mais,
para começar a demonstrar. Gael age como eu, pensamos muito parecido,
mas durante os quatros que se passaram, tudo parece o mesmo para ele.
Esperei até quando pude, até quando meu coração aguentou. Porém,
cheguei ao ponto de não poder mais, precisava de um amor que não se
resguardasse de mim. Ou melhor, reciprocidade.
Gael foi posto contra a parede, e pensou que tudo seria como nos
nossos inúmeros términos ao passar dos anos, mas estava decidida. Ele
demorou para enxergar a realidade, que não estou mais em suas mãos, mas
também resolvi não o deixar me usar novamente. Meses fugindo do homem
que amo e da sua insistência, tentando fazê-lo perceber que sou a mulher
que ele ama também. Ledo engano.
A mulher morena sorri para mim ao passar, e entra no elevador.
Noto a forma como ela está bagunçada e lembro de como fico após passar a
noite com Gael. Suas mensagens foram tão desesperadas que decidi vir até
ele, que decidi explicar tudo. Mas ele têm outras, como sempre suspeitei,
mas nunca me permiti admitir ou acreditar.
Lágrimas descem por meu rosto e tento me controlar. Prendo meus
cabelos ruivos de qualquer forma no alto da cabeça e vou em direção ao
elevador. Aguardo-o chegar, e assim que adentro o mesmo, encosto-me
contra a parede de metal, segurando-me para não quebrar ali. Quando as
portas se fecham, outra lágrima desce, e no meu reflexo assumo, nunca
serei feliz com Gael.
Capítulo 19

Lola

— Eu prometo que conto tudo quando chegar.


— Não acredito que vai fazer isso com sua irmã grávida! — Lua diz
indignada, fazendo-me rir.
— Pedro está no banho, não tem como eu falar disso agora.
— E o que faz falando comigo, em vez de estar no banho com ele?
Vai logo!
Desfaz a ligação, e encaro o celular, sorrindo.
Lua sendo Lua!
Deixo meu celular sobre o criado mudo e analiso por alguns
instantes o quarto de Pedro. As paredes têm um tom cinza, os móveis na cor
preta, e os lençóis variam entre a cor branca e azul. Um típico quarto
masculino de solteiro. Levanto-me da cama, e puxo a camiseta que visto
para baixo, a qual cobre parcialmente minhas coxas. Sorrio, sentindo-me
pela primeira vez, imersa em um romance.
Paro a frente de um porta-retratos que não tinha notado, já que
nunca reparei de fato em seu quarto. Sendo que da outra vez estive apenas
entregue a ele. Pedro está sorrindo junto a uma mulher bem parecida com
ele, com a diferença nos cabelos negros dela. Passo as mãos por sua
imagem, na qual acredito que ele tenha uns vinte anos.
— Clarissa Soares, minha mãe.
Dou um pulo com o porta-retratos em mãos, e balanço a cabeça
sorrindo. Só hoje, Pedro conseguiu me assustar duas vezes. Não sei como
consegue ser tão silencioso.
— Ela é linda. — comento. — Ela mora aqui no Rio, certo?
Olho para Pedro, que adentra uma porta, na qual acredito ser o
closet. Ele logo volta vestindo uma calça de moletom branca e uma camisa
cinza, que se agarra perfeitamente a seus músculos.
— Sim, na casa que cresci, junto com meu padrasto. — sorri, e vem
até mim. — Você a conheceu de relance, algumas vezes em que ela
apareceu de surpresa no restaurante.
— Me lembro em partes disso. — dou de ombros, e logo sinto seus
braços ao meu redor. — Não sou muito boa de memória.
— Com fome? — pergunta, fazendo carinhos em meu cabelo.
— Um pouco. — confesso, e ele sorri.
— O que que tirou suas forças, senhorita Gerard? — sorrio de lado,
revirando os olhos.
— Um cafajeste, senhor Soares? — provoco.
— Posso ter mil e uma faces. — pisca, sorrindo de lado.
Em seguida coloco o porta-retratos de volta no lugar, sobre uma
prateleira. E Pedro permanece me cercando.
— E qual face está a mostra agora?
Puxa-me para si, fazendo-me encará-lo.
— A do homem que te ama.
Lhe dou um leve selinho que logo se torna um beijo profundo. Com
toda certeza, essa é minha face favorita.

— Eu até agora não consigo acreditar que nunca percebeu os


olhares que te lanço. — Pedro diz de repente, ao colocar os ovos mexidos
que cheiram divinamente bem sobre o prato a minha frente.
Olho-o sem graça e fico sem saber o que dizer.
— Ei! — levanta meu queixo, fazendo-me o encarar. — O que foi?
— Você me notou antes mesmo de eu mudar o visual, não é? —
pergunto, mesmo já sabendo a resposta.
— Sim. — responde de relance. — Eu sou apaixonado por quem
você é, não apenas pelo que vejo.
— Mas com certeza notou o quanto minhas roupas mudaram, e...
Bom tem um porquê nisso.
Pedro se afasta rapidamente, pegando dois refrigerantes de latinha
na geladeira e deixando um aberto a minha frente, para em seguida se servir
dos ovos mexidos.
— Quer falar sobre isso? — pergunta atencioso, e assinto no mesmo
instante.
Se realmente quero ficar com ele, é necessário abrir meu coração
além do que sinto. Pedro merece me conhecer, saber quem realmente sou.
— Como sabe, meu sobrenome é Gerard... Talvez não tenha muita
noção sobre, mas ele tem um grande peso de onde venho.
— Como assim? — bebe um pouco de seu refrigerante e me encara.
— Assim como os Soares?
— Bem, não sei se tanto quanto, mas com certeza minha família...
Quer dizer, meus pais e outros parentes, se importam muito com isso. —
respiro fundo, e mexo de leve com o garfo na comida. — Fui moldada
desde pequena para ser uma dama na sociedade, mas nunca parei pra pensar
realmente porquê. Até que meus pais anunciaram, ou melhor, ordenaram
que me casasse com André. Ele é o homem com o qual me viu abraçada...
Ele é como um irmão de coração pra mim, e que desde aquela época,
quando tínhamos apenas dezoito, era apaixonado por minha irmã mais nova
e ela por ele.
— Como conseguiu fugir disso? — pergunta, claramente intrigado.
— Minha nona. — sorrio apenas por falar dela. — Ela foi quem me
trouxe para o Rio, conseguiu impedir que meus pais usassem Lua, minha
irmã, em meu lugar... Enfim, assim nos conhecemos. — ele então aperta
minha mão esquerda, que está sobre a mesa, como se dando todo o apoio.
— Eu sei tudo sobre etiqueta, roupas, maquiagem... mas deixei pra trás, no
dia em que nona faleceu e minha mãe simplesmente se importou mais com
as roupas, fotos e declarações para jornais, do que para a própria mãe.
Percebi que fui criada numa mentira. Meus pais eram uma mentira, e eu
seguia pelo mesmo caminho.
— Por isso resolveu se esconder debaixo de roupas largas e sem
maquiagem? — apenas assinto para sua pergunta, e o olho com pesar. —
Mas você gosta de se vestir da forma como está agora, não é?
— Sim. — confesso, sentindo-me mais aliviada. — Quando me
chamou para ir aquele jantar de negócios, ponderei sobre tudo, pois sabia
que não podia simplesmente ir de qualquer forma. Consegui superar muitas
coisas desde então... Pois queria mostrar a você o que realmente sou, com
ou sem maquiagem, com ou sem roupas bonitas... Apenas eu.
— Você me tem nas mãos apenas por me olhar. — emociono-me
com suas palavras. — Sei bem como é isso que está dizendo. Minha mãe
sentiu na pele o peso do sobrenome, ainda quando engravidou de mim e
Melaine. Uma Soares solteira foi uma notícia e tanto... E bom, sobre status
e família. Acredite, os Soares têm alguns casamentos arranjados ao longo
da família, e vi isso acontecer com um primo meu. Agora, sobre mim, sei
bem como é ter alguém que devia te amar além de tudo, e que na realidade,
apenas quer algo de você.
— Seu pai? — pergunto cautelosa, e ele assente. — Eu sinto muito!
— Não sinta. — dá de ombros. — Ele sequer pode ser chamado
disso, e nunca me fez falta. Felizmente minha mãe conheceu Fábio no
momento certo, e meu padrasto realmente cuidou de mim e Melaine. Ele
nos ajudou muito quando a perdemos para o câncer. — diz com pesar, e
aperto sua mão com força. — Bom, vejo Fábio como meu real pai. Já o
outro lá... — sorri em deboche. — Só apareceu em minha vida duas vezes,
quando precisou de dinheiro, e neguei de todas as formas.
— Nossas famílias são mais parecidas do que imaginei. — sou
sincera, e ele assente.
— Infelizmente. — pisca, um pouco mais descontraído. — Mas pela
forma que fala de sua irmã e do marido dela, parece ser bem próximos.
— São de fato minha família. — sorrio, e pego o refrigerante,
tomando um gole. — Ah, e logo mais serei tia! — conto animada.
— Isso deve ser incrível. — diz de repente, e assinto fervorosa.
— Minha pequena família finalmente está aumentando.
— Espero estar incluso nessa contagem. — arregalo os olhos e ele
puxa de leve minha mão, dando um leve beijo em seguida. — Estou falando
sério, boneca.
— Não é muito cedo para pensarmos assim? — indago incerta.
Por dentro, tudo o que quero gritar é “Sim, você já é uma parte
minha.”
— Demoramos quatro anos para finalmente estarmos assim... Já
passou tempo demais, garanto.
— Como sempre, direto e sincero. — ele solta minha mão e come
um pouco.
— O que posso dizer, sou um homem irresistível.
— Não, não vamos entrar nesse mérito! — faço uma careta ao
lembrar de como as mulheres ficam perto dele. — Vou aproveitar e me
deliciar com essa comida, e depois vamos conversar mais, Pedro.
— Sobre o que? — faz-se de inocente.
— Sobre suas “conquistas”. — faço aspas com as mãos e ele sorri,
mostrando seu lado galanteador.
— Como a minha mulher quiser.
Sorrio encantada e volto atenção para comida. Pedro começa a falar
a respeito de algumas coisas de sua família, e fico atenta a cada palavra,
principalmente sobre sua ligação forte com Christopher. Tê-lo ao meu
alcance é a melhor sensação que poderia experimentar.
Capítulo 20

Pedro

Lola me dá mais um beijo fervoroso, e seguro sua cintura com força,


não querendo deixá-la ir. Ela sorri em meio ao beijo e se afasta um pouco.
— Preciso ir. — diz, de forma não muito convincente.
— Aham. — dou uma leve mordida em seu lábio inferior, puxando-
o.
— Você me desconcerta. — acusa, dando-me mais um selinho. —
Mas se não for agora, não vou mais.
— Então não vá! — peço, tocando levemente seu cabelo. — Vou
sentir sua falta.
— Eu também. — toca meu rosto com carinho. — Eu te amo.
— E eu a você, boneca. — beijo-a mais uma vez. — Agora vai,
antes que eu te sequestre e nunca mais permita que saia do meu
apartamento.
Ela sorri e finalmente abre a porta do carro, saindo pela mesma.
Observo-a entrar pelos portões do prédio, e só assim saio dali.
No caminho até o apartamento, tudo o que vivemos durante os
últimos dois dias se passa por minha mente. Ter Lola em meus braços,
finalmente poder ser honesto sobre meus sentimentos... Amá-la me
apavora, e ao mesmo tempo, me completa. Felizmente nenhum de nós
trabalhava nesse fim de semana, e mesmo sendo o chefe principal do
restaurante, sei que posso confiar em meu pessoal. Assim, passamos o
máximo de tempo possível juntos.
Por mim, apenas passaríamos em seu apartamento para pegar
algumas roupas e voltarmos para o meu, e iríamos trabalhar juntos amanhã,
mas a família de Lola está na cidade, e como me contou, pretendem se
mudar para o Rio, e sei o quanto é importante para ela fazer parte desse
momento.
Quando finalmente estou parado a frente de meu apartamento já é
em torno das oito da noite, e suspiro, colocando a chave na porta. Antes que
possa abri-la, escuto o barulho do apartamento a frente, e logo vejo Gael
saindo do mesmo. Meu amigo nem de longe parece estar bem. Na
realidade, está mais do que péssimo.
— E aí! — diz sem muita vontade, trancando seu apartamento.
Lembro-me no mesmo instante do que Lola me contou e acabo me
virando para ele. De algum jeito, preciso entender, porque meu melhor
amigo, sabendo dos meus sentimentos por ela, a iludiu de algo sem
cabimento.
— Precisamos conversar. — sou direto.
— Não é uma boa hora, Pedrão. — leva as mãos ao rosto. — Minha
vida está uma merda!
— E a minha estava, em partes, por sua culpa. — acuso-o, e ele
arregala os olhos.
— O que eu fiz bêbado? — pergunta cauteloso.
— Do que está falando? — indago sem entender.
— Esquece, vamos entrar e conversar. — diz, e abre a porta do seu
apartamento.
Apenas tiro a chave do trinco da minha, e o sigo. Gael anda até o
sofá e praticamente se joga, mostrando o quanto está acabado. Fecho a
porta atrás de mim, e me encosto contra a mesma.
— Acordei duas vezes dentro do meu apartamento, sem fazer a
mínima ideia de como cheguei até aqui. — confessa. — Devo ter feito
alguma merda bêbado, estou certo?
— Bom, se fez, não tenho ideia. — ele me encara curioso. — Mas o
que quero saber é porque falou para Lola que amo Melissa? De onde tirou
uma merda dessas? A única vez que comentamos a respeito dela foi quando
conversamos sobre paixões adolescentes, e só. Agora, você sabe bem que
amo Lola e... Por que fez essa merda?
— Isso? — olha-me com desdém. — Eu tentei me aproximar de
Lola, ser amigo dela, para te ajudar. Não sou muito bom com relações, mas
fiz de tudo para que ela me escutasse.
— E então resolveu dizer a ela que amo outra mulher? — pergunto
inconformado.
— Não! — meneia a cabeça. — Quer dizer, sim! Mas porque estava
na cara dela que gosta de você, e quis dar um empurrão. Karina me disse
uma vez que mulheres agem com ainda mais garra quando se sentem
ameaçadas. — termina a fala um pouco sem vontade. — Eu só queria
ajudar!
— Porra, Gael! — levo as mãos aos cabelos, inconformado. —
Quase ferrou comigo e Lola.
— Sério? — pergunta alarmado. — Eu sou realmente um merda em
tudo! — reclama baixo, mas vejo o quão decepcionado está. — Eu juro, só
estava tentando ser legal com ela, abaixar aquela armadura de mulher fria.
Até levei flores, agi de forma que um amigo e...
— Você que deu rosas pra ela? — pergunto, lembrando-me do dia
que ela estava com um buquê em mãos, sentindo a fúria me invadir.
— Sim, tentando ser amigo. — esclarece, finalmente entendendo o
que estou pensando a respeito. — Olha, eu segui algumas dicas que Karina
me deu, quando ainda conversávamos sobre tudo... — suspira fundo. —
Não precisa me olhar como se eu fosse interessado na mulher que você
ama. — acusa-me. — Eu posso ser um babaca, até mesmo insensível, mas
nunca trairia alguém.
— Ok! — digo por fim, vendo a forma como é sincero.
— Eu até mesmo me considerei amigo de Lola... Tentei marcar com
ela para conversar a respeito de Karina, e quem sabe, ela me ajudaria a
entender o que fazer para melhorar as coisas.
— O que aconteceu? — pergunto, notando que de algum jeito, ele
sofre a cada momento que o nome Karina sai de sua boca.
— Karina me deixou, e dessa vez, é pra valer. — diz de forma dura.
— Venho tentando consertar as coisas, mas a cada vez que tento, tudo piora.
— Eu te avisei sobre ela, e me disse que não pretendia algo sério. —
contesto, e ele ri, parecendo de si mesmo.
— Você nunca vai entender, nem ela... Nem ninguém. — diz com
pesar. — Deixa pra lá, preciso é focar no trabalho.
— Gael. — ele me encara sem vontade.
— Preciso passar na empresa ainda hoje. — levanta-se, sem me dar
chance pra falar. — Eu sinto muito, Pedrão. — vem até mim, e bate em
meu ombro. — Sou um péssimo cupido, admito.
— Você é terrível! — finalmente sorrio, e meu amigo força um. —
Vou te deixar espairecer ou seja lá o que o trabalho signifique pra você
agora. Mas se precisar de ajuda com Karina, saiba que estou aqui!
Ele assente, e então abro a porta, saindo por ela. Logo ele faz o
mesmo e em seguida a tranca. Vejo a forma como Gael está e só então noto
o quão machucado parece.
— Você a ama. — constato o óbvio, e ele dá de ombros. — Por que
demorou tanto tempo para admitir isso?
— Acredite eu já sei disso há muito tempo. — sorri sem vontade. —
Mas simplesmente não podemos ficar juntos.
— Ela te ama, cara. Por que não assumem um relacionamento de
uma vez? — pergunto, completamente perdido.
— Porque ela merece mais, muito mais do que posso oferecer. —
coloca as chaves no bolso e ajeita a camisa branca. — Não se preocupa com
isso, vai ficar tudo bem.
— Se você diz.
Gael sai sem dizer mais nada, e balanço a cabeça, sem conseguir
entender porque complicamos tanto quando se trata de amor. Lola e eu
somos o exemplo perfeito disso. Anos longe pelo simples medo da rejeição,
e depois de finalmente nos entregarmos, mais meses distantes por uma
simples confusão no caminho. Talvez essa seja uma das peculiaridades do
amor, que minha mãe sempre comentou. Ao menos eu, nesse instante,
posso sorrir com tal sentimento.
Capítulo 21

Lola

— Não precisam de uma casa, podem muito bem ficar aqui comigo!
— digo, mais uma vez, encarando meu melhor amigo.
André toma um pouco de café, encostado contra a geladeira. Minha
irmã nunca foi de acordar cedo, e com a gravidez, André disse que o sono
dela triplicou, ou seja, continua apagada na cama, e deve sair de lá por volta
do meio-dia. Minha irmã só assumiria seu novo cargo numa galeria em
algumas semanas, e André tinha flexibilidade entre o escritório de
advocacia novo e trabalhar em casa.
— Não é tão simples, pequena. — dá de ombros.
— É sim! — bufo, pegando minha bolsa sobre o balcão. — Esse
apartamento é enorme, Dé!
— Lola...
— Vou deixar que pensem sobre, ok? — digo, indo até ele e dando
um leve beijo em seu rosto. — Vejo vocês mais tarde.
— Sim, senhora! — pisca sorrindo.
Escuto o interfone tocar, assim que estou próxima da porta, e me
viro, vendo André atendê-lo. Ele sorri malicioso em minha direção e logo
coloca o telefone no gancho.
— O que foi? — pergunto curiosa.
— O porteiro disse que Pedro Soares está aí embaixo, te
esperando... — deixa a frase no ar.
— Mas nós não combinamos de nos ver antes do trabalho.
— Talvez ele queira te surpreender. — dá de ombros. — Vai logo,
mulher!
— Ok. — sorrio.
Saio de casa e assim que entro no elevador, começo a ponderar se
em algum momento combinei de me encontrar com Pedro a frente de meu
prédio. Tudo bem que meu apartamento fica a poucas quadras do
restaurante, mas sei que o dele fica no mínimo há uns quinze minutos de
carro, isso em um dia com o trânsito tranquilo, pelo que me contou.
Assim que chego a saída do prédio, ando um pouco cautelosa,
procurando-o ali na frente. Cumprimento meu porteiro, que sorri de forma
cordial como sempre, e logo abre os portões. Olho para o lado esquerdo e
não vejo nada, pegando meu celular no mesmo instante. Porém, quando
viro meu olhar para o outro lado, a imagem que tenho faz meu coração
acelerar.
Pedro Soares com seu sorriso sedutor está encostado próximo de
uma árvore, e logo vem em minha direção. O momento parece passar em
câmera lenta, quando noto que ele traz um buquê de rosas vermelhas nas
mãos, e a cada passo, sinto meu corpo implorar pelo seu.
Ele então fica a minha frente, olhando-me profundamente, e antes
que possa dizer algo, seus lábios estão nos meus. Um leve selinho, mas que
faz o dia realmente começar a ser bom, e relembrar o porquê amo tanto esse
homem. Estar perto dele é como encontrar uma paz que nunca imaginei ser
capaz de desfrutar. Pedro com toda certeza é o amor que minha nona tanto
falou, o amor de várias vidas, que só com um olhar, reconhece-se.
Me afasto o máximo para poder tocar seu lindo rosto, e ele dá um
beijo em minha mão. Sorrio apaixonada, não sabendo como agradecer por
toda felicidade que me atinge.
— Oi, boneca. — diz carinhoso, e me oferece as flores. — Bom dia.
— Bom dia.
Pego as rosas com cuidado e toco com carinho, inalando o cheiro,
que logo percebo é o seu perfume.
— Bom, minha mãe disse que o melhor cheiro em rosas é do
homem que as manda. — conta, com um sorrisinho de lado.
Por um segundo me questiono se sua mãe já sabe sobre nós, e fico
um tanto apavorada.
— Ei, dona Clarissa sabe de você há muito tempo. — arregalo os
olhos, e ele enlaça minha cintura. — Mamãe é minha confidente.
— Têm uma relação linda pelo que me conta. — assente, e toca meu
rosto. — Eu amei as flores, obrigada! — dou-lhe um leve beijo.
— Bom, resolvi pegar minha garota para irmos ao nosso restaurante.
— diz um pouco sem graça. — Exagerei?
— Em aparecer de surpresa com rosas, e ainda por cima me chamar
de “sua garota”? — nego com a cabeça. — Nenhum exagero, eu amei! —
ele sorri amplamente. — Mas seu olhar me acusa que tem algo mais para
me dizer. — digo, notando que parece se conter.
— Bom... — respira fundo. — Isso só mais tarde.
— Pedro. — lança-me um sorriso de lado e dou-lhe um tapa no
peito. — Me fala.
— Mais tarde, boneca. — afasta-se, entrelaçando nossos dedos, e
sorrio pelo gesto. — Agora vamos para o trabalho.
— Mandão. — reviro os olhos, andando ao seu lado.
— Nunca imaginei que fosse curiosa. — sorri, tocando meu rosto.
— Tem até um bico nesse rosto, Lola.
— Eu sou virginiana, gosto de ter controle sobre tudo e saber tudo o
que acontece. — confesso, como se fosse uma bela desculpa, e Pedro
apenas sorri.
Quando finalmente chegamos ao restaurante, penso a respeito da
forma que todos nos encararão. Acho que ninguém desconfiava sobre nós
ou até mesmo pensou que seus chefes poderiam ficar juntos. Porém, não me
afasto de Pedro, sentindo-me completa por tê-lo ao meu lado, e quando
passamos pela recepção do restaurante, e encontramos alguns funcionários
pelo caminho, noto sorrisos em vários lugares.
Todos parecem animados ao notar nossos dedos entrelaçados, e
quando vejo Luís, um sorriso enorme se abre em seu rosto.
— Finalmente, chefe! — pisca pra mim. — Quer dizer, chefes.
Olho em direção a Pedro, que parece mais do que confortável em
sua própria pele.
— Finalmente consegui conquistar a minha boneca. — diz em alto e
bom som, fazendo-me corar diante de todos.
Subimos as escadas para nossos escritórios e antes que possa abrir
minha porta, Pedro praticamente me arrasta até a sua sala. Após trancar,
apenas sinto o buquê ser tirado de minhas mãos e no momento seguinte
estou contra a porta de sua sala sendo beijada da forma mais desejosa
possível. Correspondo o beijo com fervor, segurando com força contra seu
corpo, tendo a certeza de que nunca terei o suficiente desse homem.
Aos poucos o beijo vai se acalmando, e os lábios de Pedro migram
para meu pescoço, dando leve mordidas.
— Pedro... — tento raciocinar, mas fica difícil.
— Senti sua falta, boneca. — olha-me com desejo e dou-lhe um leve
selinho.
— Também.
Logo ele me solta de forma que posso ficar de pé sozinha, porém
não tira as mãos de minha cintura.
— Desculpe por isso, mas eu já não conseguia me conter. —
confessa, um pouco envergonhado. — Nunca agi dessa forma antes, e
pareço um desesperado por você.
Sorrio de sua confissão e sei exatamente como se sente. Uma
atração como a nossa é forte demais para ser evitada após todos os
tormentos que passamos. Mas o que toca meu coração é saber que somos
muito além disso. Por um segundo a pergunta do que realmente somos
passa por minha mente, porém a deixo de lado. Nunca fui adepta a rótulos,
e com toda certeza, não o seria agora.
— Vai ser difícil trabalhar sabendo que está tão perto. — toca meu
rosto com carinho. — Me pergunto por que perdemos tanto tempo.
— Porque o amor não é fácil. — mordo o lábio inferior, sabendo
que minha alma romântica está solta. Pedro me olha com tanto carinho que
acabo por continuar. — Amar alguém nunca é simples, e ainda mais, duas
pessoas tão confusas como nós. — ele sorri assim como eu.
Estar nos seus braços é como finalmente ter meu lar.

— Obrigada, eu entro em contato. — desfaço a ligação e deixo o


celular sobre a mesa.
Estico-me um pouco e giro com a cadeira em seguida. O dia estava
sendo normal, porém em alguns momentos me vi perdida em pensamentos
os quais não me agradam nem um pouco. Após sair da sala de Pedro e ele ir
para cozinha, um vazio se instalou em meu ser. Não por sua ausência, mas
como um aviso de que algo ia acontecer.
A velha desconfiança de quando tudo começa a entrar nos eixos me
assombra. Suspiro fundo, levando as mãos a meus cabelos, tentando não
pensar em coisas ruins, muito menos fazer de um momento feliz, algo a se
temer. Uma vida para aprender a amar e confiar... Eu tenho isso com Pedro,
um começo de algo que pode dar certo, de algo que toca meu coração de
forma encantadora.
Sorrio sozinha, e como se fosse o destino, no mesmo instante uma
mensagem chega em meu celular. Sorrio ao ver o nome Pedro no remetente,
e ainda mais pelo que me pede para fazer.
Remetente: Pedro
Abra a porta, boneca.

Levanto-me da cadeira e abro a porta rapidamente. Surpreendo-me


ao dar de cara com um enorme buquê de rosas brancas, logo à frente do
homem que amo, tampando seu rosto. Logo ele abaixa o buquê com um
sorriso sincero no rosto, deixando-me completamente perdida.
— Você só pode ter feito algo muito errado. — brinco, assim que
me entrega o buquê, e ele franze o cenho. — Ouvi dizer que homens dão
muitas flores logo após fazer algo que se arrependem.
— Bom. — sorri de lado, do modo que me devasta. — Eu só quero
fazer um convite.
— Qual seria? — pergunto, cheirando as flores delicadas.
— Aceita jantar comigo hoje a noite? — olho-o curiosa. — Da
primeira vez não fui corajoso o bastante pra fazer esse convite diretamente,
mas o que mais quero é poder te levar a algo romântico, boneca.
— Sério? Nunca te imaginei como um homem romântico. —
provoco-o, e o mesmo se faz de magoado.
— Como já disse, tenho muitas faces. — pisca, fazendo-me segurar
em seu pescoço em seguida, e dar-lhe um leve selinho. — Isso é um sim?
— Com todas as letras, amor.
Pedro me olha feito um predador, e noto como gosta que o chame de
tal forma. Aos poucos construímos algo, e pelo que me contou nos dias que
passamos juntos, isso é muito novo para ele, assim como para mim. Ambos
nunca embarcamos em algo sério, que imaginávamos um futuro junto com
a outra pessoa. Porém, é assim que nos enxergamos, um passo de cada vez.
— Então temos um encontro marcado? — assinto freneticamente e
ele sorri. — Preciso voltar pra cozinha, mas prometo te recompensar a
noite.
— Sei que vai.
Dando-me um último beijo ele sai em direção as escadas e volto
para minha sala, suspirando feito uma adolescente. Deixo o enorme buquê
ao lado do de rosas vermelhas, e sem conseguir me conter, acabo girando
sozinha pelo meu escritório, feliz demais para conseguir descrever.
Batidas na porta me pegam de surpresa e abro um sorriso enorme já
imaginando ser Pedro, com toda certeza, querendo me dar um beijo como
de manhã. Num segundo abro a porta e tudo o que meus olhos veem, acaba
me chocando. Uma versão minha de cabelos pretos longos, que ostenta um
sorriso quase sem vida, e segura a bolsa firmemente contra seu corpo. Meu
sorriso morre e ela nota claramente que não é um momento bom.
— Rachel. — finalmente encontro minha voz, e ela força um
sorriso.
— Oi, fi... — limpa a garganta rapidamente. — Lola, oi!
Fico chocada com a forma que me chama, e por um instante não
parece que estou diante da mesma mulher de anos atrás... Jogo tais
pensamentos para longe, e apenas tento espantar minha surpresa, é apenas
Rachel Gerrard, minha mãe.
Capítulo 22

Lola

— Desculpe aparecer sem avisar. — começa a dizer e fico sem


reação. — Podemos conversar?
Olho-a como se não pudesse acreditar. Ela está vestida com um
jeans e uma camisa social branca solta, sem uma grama de maquiagem
sobre o rosto, deixando à mostra suas sardas. Não consigo esconder minha
inspeção, muito menos a surpresa.
— Você está diferente. — assumo e ela assente sem graça. — Entre.
Dou-lhe espaço para passar e logo está sentada a frente de minha
mesa. Dou a volta na mesma e me sento, e ambas ficamos algum tempo
apenas nos encarando. Tinham se passado quatro anos desde nossa última
conversa, e com certeza não é uma lembrança bonita.
— Eu sei que não devia estar aqui, não depois de tanto tempo. —
olha-me com pesar. — Muita coisa aconteceu depois que sua avó morreu.
Muita coisa mudou na minha vida e em mim, Lola. Eu nunca me esqueci do
que fiz a você, a sua irmã, e até mesmo, como agi com a morte da minha
própria mãe. Sou humana como todos, mas não posso comparar isso a um
simples erro... Foi o meu caráter que simplesmente desapareceu no instante
em que preferi dinheiro ao sofrer o luto. Acredite, sofri muito após isso.
— Do que estamos falando aqui? — pergunto sem saber onde quer
chegar. — Quer dizer que não é mais a pessoa que conheci?
— Não sei o que vai achar de mim, Lola. Mas eu demorei muito pra
tomar coragem e vir aqui. Na verdade muitas vezes vim ao Rio e
simplesmente não consegui vir até o restaurante. Sou uma covarde. —
admite, e noto seus olhos cheios de lágrimas.
— O que quer me dizer?
— Quero pedir, na verdade. — engole em seco. — Não posso pedir
perdão porque não tenho esse direito. Fui mesquinha, supérflua,
ambiciosa... Me casei com um homem por sua riqueza, isso com toda
certeza diz muito sobre mim. Mas eu mudei, e quero poder provar a você e
a sua irmã isso. Eu as perdi há muito tempo, e agora, que descobrimos pelos
pais de André que sua irmã está grávida, só posso ver que vou perder ainda
mais minha família. Não quero mais ficar longe por medo de pedir pra fazer
parte da vida de vocês, mesmo que apenas como espectadora.
Suas palavras me chocam por completo e me levanto, levando as
mãos à cabeça.
— De todas as coisas que imaginei ao te reencontrar, nenhuma delas
foi isso. — sou sincera. — Não sei dizer o que mudou ou não, Rachel. Não
sei...
— Isso me mata por dentro. — uma lágrima desce por seu rosto. —
De minha própria filha não conseguir me chamar de mãe. Sei que mereço,
ou melhor, não mereço ser chamada assim. Mas eu quero um dia poder
recompensar nem que seja 1% do que devia ter sido a você e Lua. Poder ser
uma avó como minha mãe foi, e ainda mais, ser de fato uma mãe.
— O que aconteceu nesses quatro anos? — pergunto, sem conseguir
me conter.
Rachel suspira fundo e passa as mãos pelo rosto, limpando algumas
lágrimas. Sei que o que vai sair da sua boca, com toda certeza me
surpreenderá.
— Não quero sinta pena de mim, Lola. — diz com pesar. — É uma
história complicada e...
— Se quer fazer parte da minha vida, eu tenho que fazer parte da
sua. — olho-a com cautela. — Os anos passaram, somos pessoas diferentes.
As coisas podem se complicar ainda mais se não entender porque de
repente...
— Seu pai me deixou um dia após o enterro da sua avó. — arregalo
os olhos, chocada com suas palavras. — Tales e eu tivemos uma briga feia,
a qual resultou na nossa separação. Ele me acusou de interesseira e todos os
outros sinônimos que imaginar para isso, e apenas devolvi. Eu pensei que
ele também tivesse se casado comigo por dinheiro e se apaixonado depois,
mas... Tales deixou claro naquela noite que não me amava.
— Mas Tales é louco por você. — intervenho, e Rachel sorri
fracamente.
— Naquela época tudo ficou um caos entre nós. Me vi sozinha e não
consegui seguir em frente. As coisas saíram do eixo e me vi numa
depressão profunda, mas não tinha a quem recorrer. — suspira fundo, e
sinto sua dor. — Deixei tudo para seu tio Manuel, e mudei de Porto Alegre.
Fui morar no interior e tentei de alguma forma seguir com um tratamento, e
perdoar a mim mesma. Resumindo, passei cinco meses presa numa casa
afastada de tudo, bom, apenas com livros. Eu mal me alimentava, pois
evitei ao máximo sair de casa. Um dia, quando pensei que tudo acabaria,
que não aguentaria mais, seu pai apareceu lá, desesperado. Eu tinha deixado
tudo pra trás, e de alguma forma, ele ficou louco e tentou me encontrar...
Demorou um pouco mas conseguiu. Eu não o queria lá. Não me sentia
digna dele, de minhas filhas, da mãe que tive. Eu era um monstro, Lola.
Percebi isso tarde demais, e só encontrava uma solução.
— Qual? — pergunto num fio de voz.
— Foram duas tentativas. — conta sem jeito. — Na primeira o
senhor que entregava leite achou estranho a leiteira não estar à frente da
casa e como era o interior, entrou... Ele me encontrou caída no chão e levou
para o hospital. Conseguiram fazer a lavagem, e minha vida seguiu. —
lágrimas se formam em meus olhos e tento me segurar contra a mesa. — Na
segunda foi o dia que seu pai apareceu, ele me salvou e disse que nunca me
deixaria. Que iria me mostrar que alguém precisava de mim. No caso, ele.
— Deus! — levo as mãos à cabeça, inconformada.
— Eu entrei num tratamento para a depressão e estou há três anos
tentando melhorar o bastante para vir até vocês. — suspira fundo. — Eu
sinto muito pela demora, eu tentei vir antes mas não me senti digna. — ela
pisca algumas vezes, como se para afastar as lágrimas.
Uma dor me atinge em cheio, e sei que apesar de tudo, de nunca ter
sido de fato uma mãe, jamais poderia odiá-la. Jamais poderia saber de sua
morte e aceitar facilmente.
— Eu não vim aqui pra contar sobre isso... Mas com certeza meu
visual te chocou, o tanto quanto vai chocar Lua. — dá de ombros. — Eu
sinto muito por tudo, Lola. — se levanta rapidamente, e antes que possa
impedi-la, já está do lado da porta. — Eu só quero fazer parte da vida de
vocês, sinto falta do que não vivi.
Fecho os olhos com força, e uma lembrança da infância me bate
com toda força. Lembro-me de momentos onde ela passava as mãos em
meus cabelos e após dar-me um beijo na testa, cantava a música que dizia
ser sua favorita.
— “E é só você que tem a cura pro meu vício de insistir nessa
saudade que eu sinto... — Rachel me encara espantada, mas continuo, com
as lágrimas descendo livremente por meu rosto. — De tudo que eu ainda
não vi.”
[5]

— Nunca fui fã de canção de ninar. — diz, finalmente abrindo um


sorriso verdadeiro. — Obrigada por me receber e principalmente, por me
ouvir.
— Aqui. — pego um papel rapidamente e escrevo meu número,
entregando a ela. — Me ligue para marcarmos algo. Lua com certeza vai
ficar feliz em te ver.
— Você realmente acha isso? — pergunta surpresa.
— Sim.
Lembro-me de como Lua é muito mais leve do que eu, ainda mais,
por não ter sido tão influenciada por todos. Com toda certeza, ela ficará
feliz em ter uma avó presente para o seu filho.
— Obrigada. — sorri e eu assinto.
— Onde Tales está? — pergunto curiosa.
A mágoa por ele não era tão grande quanto por Rachel, pois com
toda certeza ele foi mais amoroso, presente no passado, porém, ainda não
conseguia chamá-lo de pai. Agora entendo porque ele voltou ao Rio após o
dia do enterro, e ficou comigo por uma semana. Ele com certeza não
concordou com que aconteceu, e tentou me dar o apoio necessário. Pensei,
que após ter voltado para o sul ele me esqueceria mais uma vez, como fez
enquanto nona estava viva, mas conversávamos esporadicamente por
telefone, e de algum jeito meio torto, ele tentava estar presente.
— Ele deve estar no hotel. Não contei a ele que vinha, e
praticamente saí escondida. — confessa sem jeito. — Queria poder falar a
sós com você, Lola.
— Entendo. — forcei um sorriso.
— Ele sente a falta das suas meninas. — conta com um sorriso
triste. — Tales errou muito também, mas ambos queremos ser bons pais, ao
menos, tentar ser algo bom na vida de vocês. Deixar alguma memória boa.
— Então precisamos todos sair e conversar, não é? — ofereço e ela
me encara surpresa. — Não vou afastá-los. É óbvio o quanto está
arrependida, e apesar de tudo, sou sua filha.
Aproximo-me dela, e nos encaramos por alguns instantes. Ela então
toca meu rosto com carinho, de forma cautelosa e lágrimas banham nossas
faces. O quanto eu perderia por deixa-la fazer parte da minha vida? Nada,
com toda certeza.
— Obrigada, Lola.
Ela então me dá um leve beijo na testa, e em seguida sai, deixando-
me perdida em pensamentos e lágrimas. A porta se abre minutos depois, e o
sorriso de Pedro morre quando encara meu estado. Com toda certeza não é
uma cena bonita. Ver-me escorada contra a mesa, praticamente desabando
todos meus sentimentos.
Logo estou em seus braços e ele me coloca sobre seu colo, na
poltrona perto de uma prateleira. Choro toda mágoa que sinto, toda a dor
que me assola, tentando aos poucos me controlar. Em seus braços, encontro
um porto-seguro.
Algum tempo se passa e finalmente meu choro cessa. Respiro fundo
algumas vezes, tentando me recompor, mas antes que possa limpar meu
rosto, Pedro o faz com suas mãos.
— Boneca, o que houve? — pergunta, claramente angustiado.
O carinho que vejo em seus olhos me atinge, e finalmente sei com
quem posso contar, além de uma vida calma, os meus medos mais
profundos. Ele já os sabia, fiz questão que soubesse. Ali, em seus braços, só
pude pensar em como tudo acontece no momento certo.
— Eu te amo. — toco seu rosto com todo amor que sinto. —
Obrigada por existir, Pedro.
— Boneca... — sorri, claramente perdido. — Eu também te amo.
Ele entende que prefiro ficar assim, em seus braços, antes de falar
do que houve, e acata por completo. Ali, em seus olhos encontro o que
preciso, alguém disposto a me ouvir, a cuidar. Ele ultrapassou todas as
barreiras impostas, e me deu muito mais que um amante ou amigo. Ele se
doa apenas com o olhar, e isso, é tudo para mim.
Capítulo 23

Lola

— Uau!
Minha irmã bate palmas e solta um gritinho ao me ver, e faço uma
pose na porta do closet. Pisco para ela, que gargalha e parece suspirar.
— Você tá linda!
Sorrio em sua direção, andando até a penteadeira, e olhando para as
diversas maquiagens que tinha reposto há pouco tempo. Olho para meu
reflexo no espelho e não me sinto mal com isso, ainda mais depois de ter
enfrentado o meu medo mais interno – minha própria mãe.
Depois de chorar no colo de Pedro e lhe contar o que tinha
acontecido, ele sugeriu para apenas ficarmos em casa juntos, mas jamais
abriria mão do nosso encontro, ainda mais por apenas ter sido um momento
de desabafo. Foi difícil convencê-lo, mas passaria em minha casa por volta
das 21h30, e me levaria a um lugar surpresa.
Escolhi um vestido branco curto que delineia meu corpo, alças finas
chamando atenção para a fina gargantilha, e aos outros acessórios. Começo
a me maquiar e de relance escuto o que minha irmã diz a respeito de
Rachel. Contar a ela sobre o que aconteceu foi muito fácil, Lua tem um
coração que mal cabe em seu peito. Claro que não entrei em detalhes da
vida de Rachel, minha irmã merece saber disso diretamente por ela. Mas só
de saber que seu neném terá avós presentes, Lua chorou emocionada.
Depois de finalizar a maquiagem com um batom rosa queimado, me
viro em direção a Lua que parece perdida em seu próprio mundo, deitada
em minha cama.
— O que acha? — pergunto um pouco receosa.
Minha irmã me encara com lágrimas nos olhos e fico um pouco
perdida.
— O que foi, Lua? — levanto-me da cadeira e vou até ela, parando
a sua frente. — Está sentindo algo?
— Nostalgia conta? — uma lágrima desce por seu rosto. — Olhar
você tão de perto, apenas me lembra o quanto sempre me inspirei em você.
— arregalo os olhos diante de sua confissão. — Sempre foi a mais forte de
nós, Lola. Sempre buscando seus sonhos, suas conquistas, e te ver assim,
tão feliz, me faz finalmente poder aceitar minha própria felicidade.
— Ei! — toco seu rosto. — Que besteira é essa?
— Sempre torci pela sua felicidade, da mesma forma que tanto você
e nona lutaram pela minha, quando sequer tive escolha. — sorri com
carinho. — Eu te amo muito, irmã.
— Eu também, baixinha. — puxo-a para um abraço, e acaricio sua
barriga. — E o meu afilhado ou afilhada. — ambas sorrimos.
— Dá pra acreditar que vou ser mãe?
— Você vai ser a melhor. — sou sincera. — E prometo ser a melhor
madrinha do mundo.
— Você já é a melhor irmã, não será muito difícil.
Abraço-a novamente, e finalmente estou completa. As coisas foram
complicadas para todos, mas realmente, nunca imaginei que Lua pensasse
em mim dessa forma. Nunca me vi como patamar para alguém se inspirar,
muito menos que fosse uma boa irmã. Só posso agradecer por tê-la em
minha vida.

Passo pelos portões de meu prédio e então procuro por Pedro, que já
tinha tocado meu interfone. Encontro-o novamente perto da mesma árvore e
ele vem em minha direção com seu sorriso sedutor. Logo estou em seus
braços, e ele me analisa minuciosamente.
— Linda. — toco seu rosto com carinho, e noto um brilho diferente
em seu olhar. — O que foi, boneca?
— Parece ansioso. — ele sorri de lado, misterioso. — Pedro!
— Vamos? — corta-me e bufo baixinho. — Curiosa, minha boneca.
Sem conseguir mais resistir, sentindo a barba por fazer em meus
dedos, olhando-o perfeitamente vestido em uma camisa azul clara, com as
mangas arregaçadas até os cotovelos, moldando perfeitamente seu corpo,
puxo-a para mim, e o beijo com toda vontade que sinto.
Pedro me corresponde com fervor, e por um segundo me esqueço
que estou no meio da calçada, onde qualquer um pode nos ver. Com certeza
precisamos aprender a lidar com essa atração.
— Me ajuda, boneca. — pede, praticamente implorando. — Não
sabe o que faz comigo.
— O mesmo que faz comigo? — implico, e noto seu olhar nublado
pelo desejo. — Mas sei que é um cavalheiro. — provoco.
— Sou tudo o que quiser, milady. — sorrio, no mesmo instante que
ele se curva e deixa um leve beijo em minha mão direita.
Entramos em seu carro e logo sua mão está sobre minha coxa
esquerda, no aperto doloroso que me faz lembrar de nossa primeira noite
juntos. Pedro dirige devagar, e antes que uma música sequer comece a
tocar, vejo-o fazer uma curva muito conhecida por mim, e parando no nosso
restaurante.
Franzo o cenho sem entender, mas antes que possa perguntar algo,
Pedro sai do carro, e está ao lado da minha porta, abrindo-a.
— Milady? — brinca, e tiro meu cinto, dando-lhe minha mão.
Sentindo novamente a brisa do Rio de Janeiro em meu corpo, olho-o
um pouco perdida. Ainda mais por reparar que as luzes do Chandel estão
completamente diferentes do habitual.
— O que está acontecendo? — arrisco perguntar.
Pedro praticamente me ignora, enlaçando minha cintura, e levando-
me em direção a entrada do restaurante. Olho-o completamente perdida e
antes que possa dizer algo, adentramos o restaurante.
Minha boca se abre, e nenhum som sai. Noto que há apenas uma
mesa no enorme salão, e tudo está com o clima mais romântico possível.
Velas espalhadas, uma meia luz vermelha, deixando um ambiente ainda
mais aconchegante, e para brindar em cheio, uma foto minha e de Pedro
está colocada sobre o balcão principal, num porta-retratos delicado.
Uma foto antiga, de quanto reabrimos o restaurante há quatro anos.
Passo a mão com carinho por nossas feições, e só assim noto o olhar
apaixonado de ambos pelo nosso negócio.
— Nós dois nos conhecemos aqui. — ouço a voz de Pedro atrás de
mim. — Me apaixonei por você aqui, e... — suspira fundo, abraçando-me
por trás. — Só quero poder continuar nossa história junto ao nosso sonho.
Nunca pensei que o Chandel me traria algo além do amor por esse lugar.
Mas me trouxe você... — viro meu olhar para o seu. — Trouxe nós.
— Pedro.
Ele então se afasta um pouco, e antes que possa dizer algo, ele se
ajoelha, tirando uma caixinha de veludo do seu bolso traseiro.
— Meu Deus! — levo as mãos a boca, completamente
embasbacada.
— Pensei em fazer isso depois do jantar. — começa, claramente
nervoso. — Mas eu não consigo mais esconder. Sou um homem paciente
em muitos aspectos da vida, boneca. Sei que pode parecer cedo, para
muitos, claramente é. Mas eu te amo, você me ama... Não quero passar
mais tempo longe do seu toque, do seu ser.
Ele então abre a caixinha, mostrando uma linda aliança prata,
delicada, com uma rosa ao redor da pedra de cor azul claro.
— Tenho dois pedidos a fazer, boneca. — olho-o tentando segurar a
emoção. — Um pode parecer óbvio. — sorri em direção a aliança. — O
outro, é sobre não conseguir mais ficar longe.
— Pedro...
— Os dias com você no meu apartamento foram os melhores em
tempos. — confessa. — Te ter lá, na minha cama... É o que quero todos os
dias.
Ele então fica em silêncio, claramente buscando as palavras certas.
— Pode dizer, amor. — digo, sorrindo pra ele.
— Aceita namorar comigo, boneca? — sorrio em meio as lágrimas e
assinto várias vezes.
Pedro se levanta, beija-me com fervor, ao mesmo tempo que coloca
a bela aliança em meu dedo anelar direito.
— Continua. — peço, tocando seu rosto, já tendo a noção sobre seu
segundo pedido.
— Não se assusta, por favor. — sorrio, beijando seu rosto. — Mora
comigo?
Seguro com as duas mãos seu rosto, incrédula diante dele. Não por
suas propostas, pois assim que começou a falar, Pedro transpareceu tudo o
que queria. Ele é assim, aberto com seus sentimentos. Mas estou perplexa
por encontrar alguém disposto a ter tudo comigo. Ainda mais, sem medo de
dar um passo adiante.
— Tem certeza? — pergunto, receosa por ele ter medo de pular.
Eu já estou em queda-livre por ele há muito tempo.
— O que mais quero é acordar e poder ver a confusão loira de seu
cabelo ao meu lado. Poder ter seu corpo agarrado ao meu. — suspira,
tocando meu rosto. — Eu te amo muito, boneca.
— Eu também. — sorrio, e ele limpa algumas lágrimas que descem
por meu rosto. — E eu aceito.
— Sério? — ele arregala os olhos como se não acreditasse.
— Com você, eu quero tudo. — abraço-o com carinho.
Ele então me puxa para cima, fazendo-me enlaçar sua cintura, e
sorrio na curva do seu pescoço.
— Apenas com você, boneca.
Agarro-me a ele, e uno nossos lábios. Uma noite perfeita, a entrega
ao homem que amo. É a realidade, ambos não queremos esperar, sem medo
de que não dê certo, que seja muito cedo. O amor as vezes apresenta
urgência, após tanto tempo de calmaria. Com ele, não tenho que pensar
duas vezes em me lançar ao desconhecido. O desconhecido mais importante
e bonito de toda minha vida.
Capítulo 24
Semanas depois...

Lola
Olho para atendente da farmácia e tento respirar fundo, tentando
controlar todo o nervoso que toma conta de meu ser. Ela me dá a cestinha
com os três testes dentro e sigo rapidamente para o caixa. Assim que pago,
pego a sacola e praticamente corro até meu carro. Respiro fundo ao encarar
a sacola no banco do carona, tentando entender como tudo se sucedeu até
aqui.
Uma única vez me vem em mente... Quando eu e Pedro nos
acertamos. Não nos lembramos de nada naquele instante além de nossos
próprios corpos. Levo a mão a cabeça sem saber direito o que pensar, mas
tendo a certeza que preciso fazer os testes de gravidez. Suspiro fundo, no
mesmo instante que meu celular toca. Pego-o meio desesperada e olho para
o nome no visor – Amor.
Passo as mãos por meu rosto, tentando me controlar. Ainda sequer
sei qual será o resultado, tudo o que me fez desconfiar, é minha
menstruação ter atrasado, sendo que nunca aconteceu.
Calma, Lola!
Pode ser apenas por conta das mudanças na sua vida!
O celular continua a tocar e fico sem coragem de atender, pois tudo
o que quero fazer é perguntar a Pedro a respeito de filhos. Deus do céu!
Deixo o celular de lado e resolvo me acalmar. Coloco o cinto de segurança
e no instante que o encaixo, encaro minha barriga plana. Imaginar que ela
pode estar arredondada e maior daqui alguns meses, faz um desespero
completo tomar conta de meu corpo.
— Respira, Lola! — digo repetidas vezes, enquanto dirijo até o
apartamento de Pedro, ou melhor, nosso apartamento.
As últimas semanas tinham passado tão rápido, tão animadas, tão
completas... Nada ao redor me chamou a atenção, a não ser olhar para o
homem dormindo serenamente ao meu lado todos os dias. Olhar Pedro em
seu sono tornou-se um vício, o qual pratico todas as manhãs, sem conseguir
acreditar que chegamos a esse patamar.
Compartilhando muito mais que um sentimento, uma vida, uma
casa... E agora? Penso a respeito de ser mãe e todo o medo do mundo se
instala em meu ser. Toda a figura de nona me vem mente, como aquela que
tenho para seguir. Mas não sou ela, muito menos Rachel, o que serei? Meu
maior medo é decepcionar meu filho ou filha.
Meu peito se aperta pois já estou praticamente considerando a
gravidez sem ter prova alguma. Pirando diante de algo que não é real... ao
menos, ainda não. Estaciono o carro na vaga, e vou direto para o elevador.
Com a sacola em mãos, digito rapidamente uma mensagem para Pedro,
alegando que estava dirigindo. O celular toca cerca de um minuto depois de
minha mensagem ser enviada, e resolvo atendê-lo, tentando ao máximo não
falar demais.
— Oi, boneca.
— Oi amor. — suspiro fundo, tentando não pirar diante dos testes de
gravidez que refletem no espelho do elevador.
— Tem certeza que não precisa de ajuda em casa?
Sorrio, finalmente me acalmando um pouco. É tão gostoso ouvi-lo
me tratar dessa forma, preocupado e ao mesmo tempo, zeloso. Pedro é
realmente um homem de mil faces, e cada descoberta, o amo ainda mais.
— Tenho. — o elevador para e eu saio. — Ainda mais que minha
irmã vem aqui antes, pra dar uma ideia melhor da disposição na mesa.
— Sabe que se...
— Pedro, está tudo bem. — corto-o rapidamente. — O dia no
restaurante está corrido, sei que precisa ter atenção na cozinha. Consigo dar
conta de arrumar o apartamento, fica tranquilo.
— Ok, eu...
Escuto um grito ao fundo: Chefe!
— Vai lá, amor! — interrompo-o. — Eu te amo, até mais tarde.
— Eu te amo, boneca.
Desfaço a ligação antes que ele continue, já que Pedro sempre pensa
que posso desmanchar a cada segundo. Como se quisesse me proteger de
tudo ao redor, mesmo sabendo que o que mais me fere sou eu mesma.
Deixo a bolsa sobre o sofá, e pego a sacola em mãos,
completamente perdida. Escuto o barulho da mensagem, e vejo ser André,
falando que Lua está praticamente apagada na cama e que duvida que
conseguirá levantar dali tão cedo. Sorrio, respondendo rapidamente. Os dois
por fim aceitaram ficar com meu apartamento, que na realidade, nona
deixou para mim e Lua.
Olho para sacola em minha mão e acabo deixando-a do lado de uma
almofada, sem conseguir pensar se faço ou não os testes antes do jantar. A
ansiedade me corrói, entretanto, não sei como lidar com tudo, além de meus
pais virem, e conhecer os pais de Pedro. Eu sou um desastre, completo.
Fecho os olhos, me imaginando com uma mini versão minha e de
Pedro. Tudo se refazendo em minha mente, desde o primeiro momento que
o vi, até onde viemos parar. Somos rápidos em relação a muitos casais,
porém, ainda fico perdida em meio a intensidade de nossos sentimentos. É
algo que não conseguimos controlar ou fingir.
A campainha toca e vou até a porta sem muita vontade, já
imaginando ser Gael. Tínhamos nos tornado amigos, após Pedro me contar
quais eram mesmo as intenções dele, e ainda mais, ele mesmo ter pedido
desculpas. Torço profundamente para que ele se acerte com a mulher que
ama. Porém, ele me lê muito bem e com certeza vai perceber que tem algo
errado.
Abro a porta com um sorriso forçado e quase caio para trás para
quem vejo a minha frente. Clarissa Soares tem um sorriso enorme no rosto,
e antes que possa dizer algo, ela me puxa para seus braços. Sem saber como
ou por que, faço o mesmo, sentindo que de alguma forma, a mesma mulher
que temo tanto desapontar, por ser a mãe do homem que amo, abraça-me de
forma como uma mãe realmente faz.
Quando nos afastamos, ela me encara completamente carinhosa.
— Oi, querida. — sorri mais amplo se possível. — Sou Clarissa,
mas isso já deve saber.
Sorrio sem graça, dando-lhe espaço para entrar no apartamento.
— Sou Paloma Gerrard, mas todo mundo me chama de Lola. — ela
passa por mim, e sorri.
— Finalmente vejo cores nesse apartamento. — diz animada. —
Gosto de você desde que Pedro me falou que estava apaixonado. Aquele
menino é muito especial para não escolher alguém como você.
Sinto meu rosto queimar no mesmo instante.
— Calma, querida. Vim mais cedo pra poder te conhecer antes.
Pedro me falou por cima que tem medo de mim. — brinca e arregalo os
olhos. — Ele exagera um pouco, tenho certeza. Mas que tal conversarmos?
E assim, te ajudo a arrumar tudo.
— Eu fico muito feliz, ah... — travo, pois não sei ao certo como
chamá-la.
— Clarissa. — pisca em minha direção. — Ou pode me chamar de
sogra, sem receio.
— Desculpe por fugir todo esse tempo. — digo com pesar. —
Fiquei receosa de que não me aprovasse.
— Aprovar o que? — revira os olhos. — Você faz meu filho feliz,
isso basta.
— Desculpe mesmo assim. — digo mais à vontade.
— Bom, por onde podemos começar? — olha ao redor, e parece se
lembrar de algo. — Ah, um minuto, lembrei de algo.
Ela então mexe na almofada no sofá e arregalo os olhos. Antes que
possa impedi-la, a sacola cai no chão, esparramando os testes. Olho-a
completamente perdida e Clarissa leva as mãos a boca, claramente
envergonhada.
— Eu queria pegar o controle da tv. — conta rapidamente. — Pedro
sempre o deixa perto dessa almofada e... Desculpe, querida!
— Tudo bem. — digo meio gaguejando, e com medo de sua reação.
— Quer falar a respeito?
Fico chocada com sua reação e tento encontrar as palavras corretas.
— Estou com... medo. — respiro fundo, confessando. — Nunca me
imaginei como mãe, e... Nem sei o que imaginar.
— Vem cá. — chama-me para perto, levando-me até o sofá.
Sento-me ao seu lado e não consigo encará-la.
— Quando descobri que estava grávida, meu namorado me deixou.
— diz com descaso. — Mas sabe qual foi meu maior medo? — nego com a
cabeça, finalmente levantando meu olhar. — Não ser uma mãe boa o
suficiente, para o que descobri mais tarde, serem dois.
— Mas a senhora é incrível. — confesso, através de tudo o que
Pedro me contou.
— Bom, mas o medo sempre está aqui. — aponta para meu peito.
— Ser mãe é algo que muda nossas vidas, querida. Tenho certeza que se
aquele teste der positivo, você vai se empenhar e dar tudo pelo sorriso do
seu pequeno ou pequena. Além de que meu filho vai surtar com a notícia.
— Sequer pensei na reação dele. — digo envergonhada. — Só
pensei que não quero ser uma mãe ruim.
— Pelo que Pedro me contou sobre você, por ver o desespero no seu
olhar agora, sei que vai tirar de letra. — sorri carinhosa. — Serão muitas
noites sem dormir, mas querida, vale cada hora de sono perdida.
— Acha que devia fazer agora? — pergunto perdida.
— O que você acha?
— Não faço ideia. — levo as mãos à cabeça, completamente fora de
minha mente. — Parece um sonho estranho.
— Pode ser a realidade mais linda da sua vida.
Olho-a de relance e acabo decidindo. Pego os testes caídos no chão
e olho para minha sogra que sorri, claramente emocionada.
— Vou fazer. — digo decidida.
— Estarei bem aqui.
Saio da sala rapidamente e vou em direção ao banheiro do quarto.
Faço os três testes e um minuto nunca demorou tanto para passar em toda
minha vida.
Respiro fundo após o celular apitar e olho para os testes. Uma
divisão clara se abre dentro de mim, ao ver as duas listrinhas em cada teste.
É real, estou grávida. Lágrimas banham meu rosto e não consigo me
controlar. Saio do banheiro praticamente devastada, e rumo em direção a
sala. Clarissa levanta no mesmo instante que me vê, e sem precisar dizer
algo, ela me abraça, chorando junto a mim. Nossa vida mudou, por
completo.

Tudo está arrumado, os pais de Pedro tinham chegado, minha


melhor amiga e seu namorado, assim como Christopher. Minha sogra fez
um sinal discreto com a cabeça para irmos ao quarto, e inventei algo para
Pedro, indo rapidamente para lá. Segundos depois ela estava no quarto, e
me entregou uma sacola.
— Sei que não deve ter pensado como contar, mas trouxe algo. —
estende-me a sacola.
Abro-a rapidamente e vejo um lindo macacão branco com detalhes
em dourado. Sorrio para ela, completamente emocionada. Agora sim, teria
algum jeito de contar a Pedro que estou grávida. Sequer consegui pensar em
como o fazer.
— Obrigada, mesmo. — abraço-a com carinho.
Em seguida guardo a sacola dentro do closet, bem no alto. Volto até
ela, que me encara ansiosa.
— Sabe, pode parecer estranho, mas... Sinto que será uma menina.
— sorrio para ela, tentando controlar as lágrimas.
— Podem ser duas. — brinco, e ela arregala os olhos.
— Meu Deus! — leva as mãos a boca. — Pode mesmo, querida.
— Obrigada por em tão pouco tempo ter feito tudo isso.
— Venha cá, querida! — puxa-me para seus braços. — Preciso dizer
que Melaine ia te amar. — não consigo mais segurar as lágrimas. — Assim
como eu e Fábio, já te amamos. Obrigada por trazer esse sorriso lindo ao
rosto dele, depois de tantos anos sem tê-lo visto assim.
Batidas na porta chamam nossa atenção, e viro meu olhar, notando
Pedro. Ali está ele, a causa de todas minhas alegrias, de minhas emoções.
Olho de relance para minha sogra, e sabemos bem, essa noite, será mais do
que especial.
Capítulo 25

Pedro
Meu apartamento com toda certeza tinha mudado em vários
aspectos. Não era mais tão cinza, nem preto, muito menos escuro. Lola,
desde que se mudou há algumas semanas, trouxe uma luz que sequer
imaginei dentro do meu próprio lar, porém, faz-me ainda mais feliz aqui
dentro.
É tarde da noite, mais certo um sábado. Todas as pessoas
importantes para nós estão presentes. Lola conversou comigo a respeito de
marcar um encontro com seus pais, mas que pudesse não ser algo
intimidador. Algo que os acolhesse em sua vida e de sua irmã. A ideia de
fazer isso trazendo meus pais fez com que Lola negasse a princípio, porém,
tinha a boa desculpa de poder finalmente apresentá-la a minha mãe.
Lola corre de Clarissa Soares como o diabo foge da cruz. Mamãe
percebeu isso de início, quando contei que moraria junto com Lola, e a todo
custo quis nos visitar. Porém, Lola pareceu tão reticente, que acabamos
adiando. Não sei o porquê, mas Lola parece ter taquicardia só de pensar em
conhecer minha mãe. Já lhe falei que sua preocupação é desnecessária, e
que minha mãe sem ao menos conversar com ela a adora, por fazer o filho
dela feliz. Nessa noite, Lola não tem como fugir.
— Ei, cunhado.
Sorrio em direção a Lua, após abrir a porta, e a mesma beija meu
rosto. Ela é a cópia de Lola, mostrando apenas diferença na altura e agora,
na barriga arredondada de grávida. Por um segundo, enquanto cumprimento
André, sinto-me viajar e imaginar Lola dessa forma. Com toda certeza, é
um sonho o qual quero compartilhar com minha boneca.
— Cara, você tá muito ferrado.
André diz, como se lesse meus pensamentos. Com certeza não fui
muito sútil.
— Cedo demais para sonhar em ser pai? — sussurro e ele dá de
ombros.
— Lola nunca falou a respeito, mas com você ela parece tão feliz
que duvido não querer filhos num futuro próximo.
Sorrio já mais animado, se o melhor amigo dela acha isso, quem sou
eu para discordar?
Fecho a porta atrás de mim, e acomodo-os no apartamento. Vejo
meu padrasto tomando vinho na cozinha, conversando animado com
Christopher, que como sempre, está com o uísque, sua bebida favorita.
Sophie, a melhor amiga de Lola, que me fez no mínimo cem ameaças
quando ajudou Lola a se mudar, está abraçado ao namorado, Daniel
Lourenzinni. Todos bem entrosados, conversando algo de viagens.
Apresento-lhes Lua e André, e logo eles embarcam numa conversa. Isso
para mim é mais do que importante, ter a família de ambos os lados se
dando bem.
— Pai. — chamo Fábio, que me olha rapidamente. — Onde mamãe
se meteu?
— Ela saiu atrás de Lola há alguns minutos. — sorri. — Conhece
bem sua mãe, não vai parar até conseguir fazer daquela menina uma filha
pra ela.
— Mamãe não tem jeito. — sorrio, e vou em direção aos quartos,
onde Lola tinha dito que ia.
A campainha soa mais uma vez e mudo meu caminho, indo em
direção a porta. Abro-a rapidamente, e me espanto um pouco ao ver Karina
com os dedos entrelaçados aos de Gael. Olho meu melhor amigo com
curiosidade, e ele dá de ombros.
— Boa noite, gente. — Karina parece um pouco sem jeito, então
primeiro a cumprimento. — Continua linda, Ka.
Ela sorri sem graça, corando lindamente, e logo Gael a tira de meus
braços.
— Espaço, por favor. — Gael diz, claramente enciumado, e
gargalho.
— Entra logo, babaca. — sorrio, e Karina o encara um tanto
espantada. — Fiquem à vontade.
Assim que vou fechar a porta, levanto meu olhar e me surpreendo
ao ver duas pessoas ali, paradas, como se não soubessem como
simplesmente falar “boa noite”. Reconheço-os após alguns segundos, e
sorrio em sua direção. Ambos parecem um pouco mais calmos, e em
seguida se aproximam da porta.
— Boa noite, senhor e senhora Gerard. — estendo minha mão para
o pai de Lola, que logo a aperta, e em seguida para sua mãe. — Sou Pedro
Soares, namorado da filha de vocês. É um prazer conhecê-los.
Um pouco acanhados os dois me saúdam, e logo os levo para dentro
do apartamento. Apresento-lhes a todos ali, e me surpreendo ao ver Lua
abraçar tanto a mãe quanto o pai. Ela parece claramente emocionada por tê-
los por perto.
— Eu senti tanta saudade. — ouço-a dizer baixinho, nos braços da
mãe.
Sorrio em direção a cena, e vejo o quanto Lola merece ver, e quem
sabe, até mesmo participar.
— Fiquem à vontade, eu já volto!
Saio da cozinha em direção ao nosso quarto, e logo noto a porta
entreaberta. A cena que me espera, deixa-me espantado, mas ao mesmo
tempo, muito feliz. A mulher que amo está abraçada a minha mãe. Sorrio, e
penso em sair dali, e esperar que retornem para a sala, mas volto em minha
vontade, quando noto lágrimas no rosto de minha boneca.
Bato levemente na porta, e o olhar de minha mãe é o primeiro a me
encontrar.
— O que houve? — pergunto com cautela, e mamãe sorri
enigmática.
— Segredo de mulher. — mamãe se adianta.
Vou até Lola e toco seu rosto com carinho, dando um leve beijo em
sua testa. Logo noto um sorriso contido em seu rosto, e fico ainda mais
curioso.
— Sério que vão me esconder algo? — Lola assente. — Boneca!
— Já quase me matou de curiosidade várias vezes, amor. —
provoca, e me calo, sabendo que é verdade. — Prometo que depois falamos
sobre, ok?
— Ok. — concordo sem muita vontade.
— Não seja um sapo, Pedro. — mamãe puxa minha orelha, fazendo-
me rir. — Te criei pra ser um príncipe, garoto.
— Eu sou. — sorrio para mamãe, beijando seu rosto.
— Ok, vou deixar se iludir.
Lola gargalha de minha mãe e faço-me de ofendido.
— Isso é complô?
— É a realidade, amor. — dá-me um leve selinho. — Vamos para a
sala, tudo bem?
Sem me dar chance de respostas, ela sai a minha frente, e sigo ao
lado de minha mãe, que sorri amplamente.
— Quem não te conhece que te compre, dona Clarissa. — olha-me,
fazendo-se de confusa. — “Segredo de mulher”.
— Me respeita, garoto.
Ela então dá passos largos, e fico completamente chocado. Elas
estão escondendo algo, e me retorço por dentro pela curiosidade. Assim que
chego a sala, a cena que me aguarda, faz-me esquecer de tudo por um
momento. Lola está abraçada aos pais, junto a Lua. Com certeza, essa noite
está seguindo para o melhor caminho.

O jantar passa tranquilo, com muitas risadas e felizmente, interação


de todos. O objetivo da noite era trazer os pais de Lola para perto das filhas,
e que claramente, parece ter sido alcançado. Aperto a mão de minha boneca
sobre a mesa, e ela sorri lindamente, tendo um brilho no olhar que me
encanta.
— E filhos, garoto? — meu padrasto pergunta de repente, e o encaro
atento. — Estamos falando sobre a gravidez de Lua... — explica e assinto.
— O que pensa a respeito de ter filhos?
Olho rapidamente para Lola, que está atenta a mim, e dou de
ombros.
— Não consigo me imaginar com menos de cinco crianças. —
brinco, e Lola arregala os olhos, claramente assustada. — Brincadeira,
boneca.
Todos da mesa gargalham, e Gael é o primeiro a se manifestar.
— Deve ser verdade, Lola. Esse cara aí sempre foi louco por
crianças. — comenta e concordo com a cabeça.
— Mas podemos começar apenas com um, não é? — pisco em
direção a Lola, que me olha ansiosa.
— Preciso ir ao banheiro. — diz rapidamente. — Se me dão licença.
Tento corrigir minha fala, porém ela sai em disparado.
— Acho que assustou a garota, filho.
Olho para todos com vergonha e resolvo tomar um pouco de água,
já me sentindo nervoso. Penso em que desculpa dar para sair da mesa, e
quando estou afastando a cadeira, mamãe me olha determinada.
— Acho melhor continuar sentado, filho.
Fico sem entender suas palavras, e então vejo Lola parada perto da
mesa, com uma sacola em mãos. Logo ela está novamente ao meu lado,
porém, permanece em pé.
— Eu só queria agradecer a todos pela presença aqui nessa noite. —
sorri, claramente feliz, e noto seus olhos marejados. — Todos que estão
aqui são muito importantes para nós. Queremos sempre que puder repetir
um jantar assim, e... Bom, tenho um presente especial. — a voz de Lola sai
meio falhada, e ela me estende a sacola. — Acho que é um presente
especial para todos, mas, quero que seja o... — olho rapidamente para
minha mãe. — O terceiro a receber.
Uma lágrima desce por seu rosto e meu coração dispara, sem
conseguir entender o que está acontecendo. Abro a sacola com cuidado e
quando retiro de dentro o macacão de bebê, minha respiração falha, meu
coração acelera, e tudo ao meu redor se perde.
— Boneca! — olho-a com cuidado. — Diz pra mim que não tô
sonhando.
Todos começam a gritar e bater palmas, e antes que possa raciocinar
melhor, ajoelho-me aos seus pés, e beijo sua barriga plana. Lola se debulha
em lágrimas, assim como eu, completamente perdido nas emoções.
— Eu te amo, Pedro Soares. — diz, puxando-me para ela.
Dou-lhe um beijo apaixonado, e ao mesmo acaricio sua barriga. Eu
vou ser pai... No mesmo instante consigo imaginar Melaine feliz em minha
mente, e nada mais importa. Tudo está em seu devido lugar, e abraço com
cuidado minha mulher. Minha, sua, nosso.. É o nosso amor.
Afasto-me apenas para receber as felicitações, mas mesmo quando
Lola está abraçada a melhor amiga e irmã, seu olhar permanece no meu.
— Uma conexão como essa é rara, filho. — mamãe diz, vendo o
mesmo que eu.
— De outras vidas, mãe. — deixo as lágrimas descerem. — Com
uma nova a caminho.
Sou um homem comum, com sonhos comuns, nada fora do normal.
Mas nesse instante tenho certeza que em algum momento quando pedi a
felicidade há anos atrás, ela veio, abençoando-me de forma sem igual. Tudo
faz sentido, tudo está em seu lugar. Pois no fim do dia, quando tudo está
quieto, não estou mais sozinho. Posso olhar para mulher que amo, e agora,
nos imaginar em três. O mais comum dos sonhos, e também mais difícil, ser
família. Sermos nós.
Epílogo

“Eu amo você. Eu sou quem eu sou por sua causa. Você é toda a razão, toda a esperança e
todos os sonhos que eu já tive na vida, e aconteça o que acontecer no futuro, cada dia que estamos
juntos é o melhor dia da minha vida. Serei sempre sua. E você, meu querido, será sempre meu.”[6]

Lola olhou para seu marido inconformada, sem conseguir entender


de onde ele tinha tirado tamanha besteira. Ela sabia que Pedro tinha ciúmes,
assim como ela, mas nunca pensou que chegaria ao nível de desconfiança.
Por que diabos ele desconfiaria dela?
— Eu vou fingir que não ouvi isso. — disse cansada, e puxou o
lençol para si, saindo do quarto em seguida.
Migrou para o quarto das gêmeas, e trancou a porta atrás de si. Ali
ela teria paz, e poderia fingir que seu casamento não estava abalado. De
repente, tudo o que tanto amava em Pedro, parecia desaparecer. Isso,
porque um fornecedor do restaurante, que sempre lhe jogou cantadas
baratas, chamou-a para sair. Sem tempo para ter reação, Lola apenas viu seu
marido furioso, e teve que impedir que aquilo terminasse numa briga sem
necessidade.
Sempre tinha cortado tal homem, até porque nunca deu espaço para
homem algum agir de tal forma. Aquele era insistente, até mesmo babaca,
mesmo assim, nunca ultrapassou linha alguma. Quando descobriu que ela
era casada, pediu mil desculpas, e ela sequer conseguia imaginar como o
homem não enxergou a enorme pedra azul em seu dedo anelar esquerdo.
Enfim, pensou que tudo tinha se acalmado, e tentou falar com
Pedro. Entretanto, ele simplesmente decidiu ignorá-la por todo dia no
trabalho, e pior, sequer esperar-lhe para ir para casa. Aquela atitude abrupta
a chocou, e tudo piorou quando chegou em casa, encontrando sua mãe com
as filhas gêmeas, Adélia e Melaine, sorrindo lindamente. Olhar para elas,
era como se lembrar do homem incrível que Pedro era, porém, tudo o que
queria fazer era lhe dar um soco na cara.
Pedro já estava em casa, de banho tomado e pelo que Rachel contou,
tinha brincado um pouco com as meninas. Ele não estava bem, Lola tinha
notado a algum tempo, só não conseguia entender o que lhe atingia tanto.
Era como se Pedro não acreditasse em seu amor, porém, ela relevava, já que
nunca lhe disse nada em voz alta.
Quando os olhos de ambos se encontraram, dentro de sua casa, o
coração de Lola acelerou, embasbaca com a visão dele, lindo como sempre,
e ao mesmo tempo, o dono de tudo nela. Ele tinha lhe feito tão feliz nos
últimos anos, que nunca imaginou que teriam um momento de crise no
casamento. Não daquela forma.
Por um instante pensou em ir até ele, e lhe dar o beijo costumeiro.
Mas ao receber um olhar frio, escolheu por preservar a si mesma, e até
mesmo ele, de uma briga que era certa. Sua mãe logo se despediu, e Lola a
abraçou com carinho, agradecendo-a.
Rachel Gerard tinha se tornado outra mulher, e cuidava tanto dela,
quanto de suas filhas, sempre que podia. Assim como seu pai, Tales, que os
visitava sempre, só não ficava mais, devido a correria na empresa.
— Obrigada por ficar com elas hoje, mãe. — Rachel olhou para
filha emocionada, mesmo depois de Lola já ter passado a chama-la de tal
forma, nunca se acostumaria. Ter sua família de volta, era seu maior
orgulho. — Não me lembrei que era feriado e... Juro que teria me
organizado melhor e não te...
— Elas são minhas princesas. — beijou a testa de Lola. — Se
pudesse ficava com elas todos os dias, uma pena que elas já são tão grandes
que tem que ir pra escola.
— O tempo voa. — Lola tentou sorrir, mas não conseguiu. Era
sufocante o sentimento de angústia em seu peito.
— O que foi, filha?
Rachel a olhava claramente preocupada, mas Lola não queria abrir
seu coração sobre, por mais que a mãe pudesse lhe ajudar. Queria poder
sentar com o homem que amava, e conversar abertamente, entender o que
vinha acontecendo nas últimas semanas, e principalmente, a reação
descabia dele no restaurante.
— Vai ficar tudo bem. — despediu-se da mãe por mais alguns
minutos e logo fechou a porta. — Eu espero. — disse pra si, e voltou
atenção para as filhas que estavam confortavelmente jogadas no sofá,
assistindo pela milésima vez o filme da pequena sereia.
— Brincaram muito com a vovó, anjos? — perguntou, sentando-se
no meio das duas.
Suas filhas eram seus tesouros, a melhor parte de si, e finalmente
compreendia o que Clarissa Soares lhe disse sobre ser a realidade mais
bonita da vida. Elas eram seu tudo. Melaine com seu jeitinho um pouco
tímido, Adélia o oposto, totalmente espoleta. Porém ambas eram tão
carinhosas que lhe faltavam palavras, e logo se acomodaram, no colo da
mãe, de forma que podia acariciar os cabelos loiros das duas.
Nunca imaginou que a brincadeira sobre gêmeas idênticas se
tornaria real, mas ali estava a prova viva. Duas bagunças de cabelos loiros,
olhos azuis brilhantes e sorrisos enormes. Eram suas joias raras. Não soube
dizer em que momento, mas acabara pegando no sonov ali. Apenas
acordou, ao sentir falta dos corpinhos quentes, e ao perceber que todas as
luzes estavam apagadas, viu que Pedro sequer fez o costumeiro, que era
levar-lhe para o quarto em seu colo.
Realmente, aquilo a apavorava.
Agora, trancada no quarto de suas filhas, após ter que ouvir seu
marido dizer que não confiava nela, tudo parecia desabar. Lola foi para o
banheiro das meninas e se trancou no mesmo, com o lençol em mãos,
tentando conter o choro. Era difícil, mas não podia demonstrar as meninas
que tudo ao redor ruía.
O que estava acontecendo com eles, afinal?
Voltou para o quarto das meninas minutos depois e se aconchegou
na poltrona grande e confortável que ficava mais no canto. Onde ela por
muito tempo amamentou suas filhas. Suspirou pensando em momentos
felizes, em tudo o que tinha de mais importante. Novamente a imagem de
Pedro veio a sua mente, e ali, ela entendia, que já não o reconhecia.
Tentando não chorar, fechou os olhos e pediu aos céus que
conseguisse dormir. O dia seguinte era um sábado, e ela precisava estar
disposta para passar o dia com as filhas, sem ficar presa as desconfianças de
Pedro. Se ele queria se afundar, que o fizesse sozinho. Ela se negava a
sofrer por algo que nunca fez, muito menos lhe deu motivos. Em algum
momento, finalmente, conseguira dormir.
Eram exatamente seis da manhã quando acordou, e notou que
dormir na poltrona não fora uma boa ideia. Seu corpo todo reclamava, além
de pedir um banho quente para relaxar. Suas meninas ainda dormiam feito
anjos, e resolveu que mesmo com todo receio de ver Pedro, precisava
cuidar de si mesma.
Saiu do quarto com cuidado para não as acordar, e quando chegou
ao seu, suspirou profundamente, ao ver que Pedro sequer estava na cama.
Era aquela sua realidade? Ser evitada e ignorada pelo homem que lhe
prometeu tudo, e ao qual fez o mesmo?
Incrédula, foi direto para o banheiro e ligou a ducha quente. Já
despida, deixou com que a água caísse, por fim, tentando fazer com que
todos seus medos se esvaíssem. Não conseguia entender quando de repente
Pedro ficou tão inseguro a respeito deles. Suspirou perdida, e ficou por
vários minutos ali, tentando encontrar uma resposta para a pergunta que a
atormentava.
Quando saiu do banheiro, enrolada em seu roupão, não esperava
encontrar Pedro parado ao lado da porta do quarto, com um rosto muito pior
que o dela. Pedro olhou para sua esposa e sentiu-se um maldito bastardo.
Sabia que tinha exagerado em seus ciúmes, ainda mais por ter a coragem de
dizer que não confiava nela. Como não poderia fazê-lo? Lola era a mulher
que o completava, e sempre o respeitou.
Em seus olhos viu a dor que tanto causara, e sentiu-se um inútil.
Tinha lhe prometido a felicidade, e agora, tinha se tornado o grande
causador de sua tristeza. Era difícil admitir sua insegurança, pois após anos
juntos, nunca se sentiu tão ameaçado a respeito. Um medo o abalava
profundamente, de não ser um bom marido, um homem o suficiente para
ela. Parecia estar em uma crise existencial, tudo desencadeado por começar
a reparar quantos homens babavam sem disfarce algum por sua mulher.
Ela era doce e perfeita, além de linda por fora. Qual homem não iria
querê-la? Porém, Pedro se sentia perdido, pois de alguma forma, parecia
insuficiente para ela. Muitos acusavam que apenas mulheres sofrem com
essas questões, mas Pedro Soares, vinha sendo atormentado por cada uma
delas. O medo de ser abandonado por ela, era surreal. Até que não
conseguiu aguentar, e explodiu.
— Eu sinto muito. — disse, totalmente perdido. — Fui um idiota,
babaca, e tudo o que quiser me chamar. Nunca me deu motivos para
desconfiar, boneca. Eu só...
— O que está acontecendo, Pedro?
Nada de “amor”, e aquilo o atingiu em cheio. Talvez, o que faria
perdê-la eram suas atitudes inseguras.
— Depois do dia que aquele cara mais novo te mandou o número
dele e uma taça de champanhe, antes de chegar no nosso jantar, eu não
consegui mais parar de pensar sobre. — foi sincero, lembrando claramente
daquela noite.
Foi a partir dali que tudo o atormentou por completo.
— Como assim? Nós rimos da situação, e você acabou tomando o
champanhe. — Lola se aproximou dele, sem conseguir entender nada.
Naquele instante notou a fragilidade em seus olhos, vendo que
Pedro estava bem longe dali.
— Comecei a pensar em quantas vezes aquilo acontecia com você...
E pensar que talvez um dia, algum cara mais novo pode chamar sua atenção
e...
— De onde tirou uma merda dessas? — perguntou alarmada, e
tocou o rosto másculo, que naquele instante, aparentava um garoto perdido.
— Eu sou o homem que praticamente te encurralou após ficarmos
juntos e...
— Você nunca fez isso. — disse concisa. — Se aceitei o seu pedido
de namoro e morar com você foi porque te amava... Porque te amo!
Sem dar chances para Pedro pensar, Lola colou seus lábios nos dele,
seduzindo-a da forma que apenas ela conseguia e sabia. Pedro não teve
outra opção a não ser corresponder e tocar a mulher que tanto temia perder,
da forma que lhe mostrasse todo seu amor, sua paixão e principalmente, seu
desejo.
Lola não lhe deu escapatória, finalmente entendendo o que lhe
atormentava.
— Como pode pensar que vou olhar pra outro homem? — jogou-lhe
contra a cama, e sentou sobre seu corpo.
Sem pensar duas vezes deixou as mãos deles acima da cabeça, e só
com um olhar, Pedro entendeu, teria que as deixar ali.
— Você é tudo que sempre quis, Pedro Soares... — passou os dedos
por cada pedaço de seu abdome, deixando-o cada vez mais louco por ela.
— Cada parte do seu corpo que me tem louca... — ficou sobre ele,
deixando os lábios bem próximos. — Cada parte minha... — puxou as mãos
dele para suas costas, e passou por cada curva de seu corpo, deixando
ambos perdidos no prazer. — Que lhe pertence. — completou, e lhe beijou
com toda vontade que sentia.
Pedro soube naquele instante o quanto estava errado em pensar que
poderia perdê-la, e no momento que se tornaram um, confirmou mais uma
vez que não existiam espaços para inseguranças. Ela era sua, o tanto quanto
ele a pertencia. Duas almas destinadas, sem chance de se afastar, sem
alternativa diferente. Eles se completavam.
Mal sabiam que aquele momento de reconciliação lhes renderia um
fruto ainda mais lindo de seu amor, um filho. O qual viria apenas para
reconfirmar tal sentimento, e completar sua família.
No amor nem tudo são flores, ambos aprenderam com o passar dos
anos. Muitos sentimentos desnecessários acabam fluindo em momentos
errados, nos quais, apenas o amor deveria vencer. Porém, ficar juntos era
um aprendizado, no qual, mesmo após erros, eles se entendiam. Pois no fim
do dia, Lola e Pedro tinham a certeza que nada além de seus corpos
entrelaçados importava, e que nem mesmo o tempo, acabaria com tal amor.
Eles eram eternos.
Fim
Nota da autora
Olá leitor (a), fico feliz que tenha chegado ao fim de mais uma
história minha. Bom, a Série O que sobrou é composta por mais alguns
livros, e o próximo a ser lançado se chama “O que sobrou do meu coração”,
que contará a história de Gael e Karina.
Até breve!
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Muito obrigada e até a próxima!
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TRILOGIA SOARES
O homem que não amei – Livro 1: aqui
A mulher que amei – Livro 2: aqui
A quem amei para sempre – Livro 3: aqui
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SÉRIE O QUE SOBROU


O que sobrou do meu amor – Livro 1: aqui
O que sobrou do nosso amor – Livro 1.5: aqui
O que sobrou da sua paixão – Livro 2: aqui
O que sobrou do nosso passado – Livro 3: aqui
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TRILOGIA DESENCONTROS DE AMOR


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DUOLOGIA A REDENÇÃO DE UM HOMEM


Davi – Parte 1: aqui
Davi – Parte 2: aqui

CONTOS
De encontro ao amor: aqui
Me dê seu amor: aqui
[1]
Trecho do livro Querido John escrito por Nicholas Sparks.
[2]
Adeus em francês.
[3]
Canção intitulada Can't Take My Eyes Off You do artista Frankie Valli, 1967. Você é boa
demais para ser verdade/Não consigo tirar meus olhos de você/Você é como tocar o céu/Quero tanto
te abraçar/Enfim, o amor verdadeiro chegou/E agradeço a Deus por estar vivo/Você é boa demais
para ser verdade/Não consigo tirar meus olhos de você/Perdoe a maneira como te olho/Não há nada
que se compare/Ver você me enfraquece/Não restam palavras para falar/Então se você sente como
me sinto/Por favor, deixe-me saber que isso é real/Você é boa demais para ser verdade/Não consigo
tirar os meu olhos de você.
[4]
Trecho do livro A última música escrito por Nicholas Sparks.
[5]
Trecho da canção Índios, da banda brasileira Legião Urbana.
[6]
Trecho do livro Diário de uma paixão escrito por Nicholas Sparks.
Table of Contents
Sumário
Agradecimentos
Sinopse
Playlist
Prólogo
Parte I
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Parte II
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Bônus
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Epílogo
Nota da autora
Contatos da autora
Outras obras

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