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Sinopse
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Final
Epílogo
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pode ser reproduzida ou transmitida por quaisquer meios
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arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem
autorização escrita da autora.
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Igor e Ísis estavam sentados à pequena mesa redonda cheia
de livros e lápis de colorir.
Eu caminhei até eles para observar as pinturas. Meus filhos
gostavam de pintar, e eu não reprimia esse sentimento, apesar de
achar que não era adequado a Igor. Lembro-me, de na infância, meu
avô me levar para andar a cavalo, ou para dirigir karts. Situações que
um homem deve vivenciar. Mas, Igor ainda era tão pequeno... então
eu fingia não ver o quanto ele gostava de coisas como pintura e arte
em geral.
— Papai — ele me disse, assim que ergueu seu pequeno rosto
em minha direção. — Quero mandar esse desenho para a mamãe. O
senhor acha que ela vai gostar?
Meu coração fraquejou porque eu vi, eu senti, a saudade no
tom da voz do meu filho.
— É claro que vai, Igor.
— Vou fazer outro para a babá — ele disse. — Ela virá morar
aqui, né?
— Sim, amanhã.
Ele aceitou facilmente a inclusão da nova babá em sua vida.
Então, voltei meu rosto para minha princesinha. Ísis pintava uma
princesa da Disney com um lápis cor de rosa. Reprimi um sorriso ao
perceber que ela pintava tudo na página de rosa, incluindo o rosto da
personagem.
— E você, amor? Vai mandar seu desenho para a mamãe
também.
Ísis deu os ombros.
— Mamãe não gosta. Uma vez entreguei um desenho para
ela, e ela jogou fora.
Arqueei minhas sobrancelhas, porque não conhecia essa
história.
— Quando foi isso?
— Mamãe estava nervosa — Igor defendeu a mãe. — Ela
disse que não queria ver o desenho naquele dia, mas você ficou
colocando o desenho na mão dela, então mamãe amassou e jogou
no lixo. Culpa sua!
Ísis fez cara de culpada, mas eu sabia que ela não tinha culpa.
Não sei quando foi, as crianças não disseram, mas acreditei que
fosse durante os meses em que falávamos sobre separação. A
verdade é que, desde que Igor nasceu, Analy não estava feliz. Ela
engravidou a segunda vez por descuido, e acreditou que estava
enterrando a vida dela por causa de Ísis.
Eu odeio essa menina, ela me disse uma vez.
Foi a única vez na minha vida que eu levantei a mão para uma
mulher. Foi muito rápido, a estapeei antes que pudesse me controlar.
Naquele momento, soube que estava acabado.
Ísis interrompeu meus pensamentos com uma breve canção
que Arlete lhe ensinou. Ela cantarolou baixinho, enquanto continuava
a esfregar o lápis no papel.
— Vou dar o desenho a Maria Eduarda — ela me disse, depois
de segundos.
Ela nem conhecia a babá, mas já estava se apegando a ela.
Eu fiquei um pouco envergonhado em colocar meus filhos nessa
situação, onde uma estranha seria um apoio, porque a mãe deles não
era.
Deixei o quarto porque não conseguia suportar a ideia.
Minha vida era um inferno...
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O veículo parou diante da enorme escadaria. A mansão se
erigia ao céu, reparei no quanto ela parecia quase fantasmagórica a
um fundo nublado de dia cinzento. Mas, logo meus olhos perderam o
medo pela presença das duas pequenas crianças paradas diante da
porta quatro vezes o tamanho delas.
Eram tão pequenas. E pareciam tão sérias. Eu senti vontade
de descer correndo daquele automóvel e correr até elas, pegá-las no
colo e dizer que estava tudo bem elas serem o que eram: crianças.
— Bom dia, pequenos — disse, assim que desci e caminhei
até eles.
— Bom dia — Igor me respondeu, enquanto Ísis sorriu, um
pouco acanhada. — Arlete disse para nós a recebermos. Bem-vinda
a sua nova casa.
Aquele menino era tão formal. Tão pequeno, e suas palavras
já eram tão calculadas.
— Muito obrigada, Igor — disse, porque eu não sabia
exatamente o que responder. Continuar a dança da formalidade ou
tentar ser mais maternal? — Gustavo está descarregando minhas
malas, será que podem me mostrar meu quarto?
A pergunta foi apenas uma tentativa de inclui-los na atividade.
Eu podia muito bem entrar na casa e perguntar para Arlete, mas eu
queria que as crianças soubessem que eu não as considerava
intocáveis ou que iria reprimi-las de irem até mim, no quarto que eu
tivesse.
No instante que vi o olhar de Igor se animando um pouco, eu
soube que iria contrariar o pai dele ao menos numa coisa: iria dar a
esse garoto um pouco de carinho, nem que fosse escondida, mesmo
que não pudesse demonstrar o quanto gostava dele em público.
Foi uma ligação imediata. Não que com Ísis não acontecesse
também. Apenas, a menina era mais infantil, mais criança, apesar de
também ser firme e não parecer sequer um pouco saltitante no
momento. Ainda assim, ela tinha aquele brilho animado nos olhos
que me aliviava. Mas, em Igor era apenas uma máscara inatingível,
que me causou profunda tristeza.
Talvez porque me identificava um pouco. Talvez porque na
infância também tive toda alegria roubada de mim.
De repente, senti um toque na mão. Desviei meu olhar de Igor
e percebi que a pequena mão que segurava a minha era de Ísis. Sorri
para ela, e recebi outro sorriso em resposta. Ela era linda, como um
anjo. Pensei que fosse parecida com a mãe, pois não tinha nada do
pai.
— Eu sei onde será seu quarto — ela disse. — Arlete me
mostrou ontem. Vai ser entre o meu e o de Igor — contou, como se
isso explicasse tudo e me localizasse.
— Nunca estive na parte superior da casa. Terá que me
mostrar onde fica — disse.
Ela assentiu e me puxou. Comecei a andar, minha mão firme
na dela. Estendi a mão para o outro lado, imaginando que Igor
também seguraria, mas ele não moveu seu braço para mim.
Quando ele baixou a face, envergonhado, eu retirei a mão.
Não queria forçá-lo.
Subimos em silêncio pelas escadas, e entramos em um
corredor longo. Eu não vi nenhum adulto e achei aquilo um pouco
estranho. Ainda assim, avancei. Podia ouvir os passos de Gustavo
atrás de mim, trazendo as malas.
Quando paramos diante da porta aberta, percebi Arlete ali,
terminando de arrumar as cobertas sobre a cama.
— Oh, Maria Eduarda! — ela exclamou. — Não a ouvi
chegando. Desculpe não a ter ido receber, estava terminando de
arrumar esse quarto.
— Bom dia — a cumprimentei, ignorando a frase de
justificativa, meus olhos vagando pela enorme suíte, quase sem
palavras diante da beleza do lugar.
O lugar era uns três quartos da pensão, fácil. Totalmente
luxuoso – demais, até, para uma criada –, tinha uma cama de dossel
no meio dele. Ao lado da cama, um tapete fofo de peles trazia
conforto. Havia armários de madeira compondo o ambiente. Para
quebrar o clima antigo, um aparelho de som e um televisor estava na
parede oposta a cama.
Gustavo passou por mim, colocando as malas em cima da
cama. Eu larguei a mão de Isis, enquanto andava pelo quarto.
Cheguei até uma porta. A abri. O banheiro ali era simplesmente
maravilhoso. Havia até mesmo uma banheira.
— Tem certeza de que esse é meu quarto? — perguntei a
Arlete.
— Fica entre o das crianças. Será mais fácil para você estar
perto deles — Arlete justificou. Depois ela volveu para Gustavo. —
Como vai sua mãe?
Eles começaram um diálogo que não me importou. Ignorei os
dois adultos enquanto entrava no banheiro. Meus dedos rasparam na
pia de algum tipo pedra e o frio me tomou.
— Você gostou?
A voz me fez girar em direção à porta.
— Eu amei — respondi a Igor. — Mas, é tão grande. Nunca
tive um quarto tão grande.
— O meu é maior ainda — ele rebateu. — Se sentir-se sozinha
poderá ficar comigo sempre que quiser.
Meu Deus... Esse garotinho era tão adorável. Ele percebeu
que eu estava entrando em pânico? E ele estava abrindo espaço na
sua vida para mim?
— Obrigada, querido... Você também pode vir ficar comigo
quando se sentir solitário.
— Homens não podem se sentir solitários. Nem ter medo —
ele negou. — Papai não permite.
Eu quero dizer algo que aliviasse a dor que vejo refletida na
criança. Mas, não consigo dizer nada, porque não sei quanto posso
avançar e o quanto posso me aproximar. Eu preciso seguir as regras
para não perder o emprego, mas como vou negar amor a uma
criança que, claramente, precisa tanto do sentimento?
— Onde ela está? — Ouço a voz masculina vindo do quarto.
Então começo a sair do banheiro. Igor me segue. Logo,
percebo ser Otávio Figueiredo, em sua costumeira roupa escura,
entrando no quarto.
Seus olhos cravam em mim e eu derreto em mil pedaços, sem
conseguir entender o motivo.
— Papai! — Ísis se aproximou dele.
Pela maneira como ele me disse que educava Igor, imaginei
que ele fosse reprimir a crescente alegria da menina, mas o vi a
levantando nos braços. Meus olhos desviaram um pouco para minha
lateral e percebi o rosto um pouco magoado de Igor.
O conde não percebia que a diferença que fazia entre os filhos
acabava com seu garotinho?
— Senhorita — ele me encarou. — Creio que gostou dos seus
novos aposentos.
— Sim, senhor. Eu amei — respondi.
Havia um veneno na minha voz que eu não consegui evitar.
Mas, Otávio nem percebeu.
— Coloquei vários cobertores nos armários — Arlete se
intrometeu. Naquele instante percebi que Gustavo já havia ido. —
Faz muito frio na casa quando anoitece.
— Muito obrigada — respondi a ela.
— Bom, isso é tudo — ele pareceu indiferente e querendo
cortar a conversa. — Vamos deixá-la se ajeitar — ele fez sinal com a
mão para que Igor o seguisse. — Ao meio-dia em ponto, almoçamos.
Por favor, nos dê o prazer de sua companhia.
Eu não sabia se devia comer com eles. Encarei Arlete, e ela
apenas assentiu.
— Muito obrigada, senhor. Farei isso.
Quando todos saíram, eu sentei-me na cama. Só nesse
momento eu percebi que minhas mãos estavam tremulas e meu
coração parecia prestes a arrebentar meu peito.
Capítulo 6
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Ela estava na cozinha quando eu entrei. Preparava uma
bandeja com pães, ovos e frutas. Percebi que eram para as crianças.
Ela desenhou um rostinho sorridente com ketchup em cima da
omelete.
— O senhor quer que eu prepare algo para comer? — ela me
indagou, quando me percebeu girando os olhos e procurando Arlete.
— Eu não costumo tomar café da manhã. Apenas bebo café
preto, mas Arlete deve ter colocado um bule no meu escritório.
— Sim, ela acabou de ir para lá.
— Ótimo...
Eu devia dar meia volta agora, mas não conseguia desviar
meus olhos dela.
— Passou bem a noite? A cama era confortável?
— Sim, muito. O quarto é maravilhoso. Apenas...
— Apenas?
— A casa faz barulho — ela murmurou e eu precisei conter um
sorriso.
— É uma casa velha.
— Lembra filmes de casas mal-assombradas — disse.
— Garanto que não há fantasmas aqui. Apenas, talvez, algum
sentimento de insatisfação.
O que eu estava dizendo? Seus olhos brilharam, curiosos, e
eu soube que precisava me afastar antes de avançar e levá-la de
volta a cama.
— Bom, vou deixá-la com as crianças e o café da manhã
divertido — apontei a omelete. — Tenho muito trabalho.
Ela assentiu, gentil. Ela inteira era doce. Delicada. Não
maliciosa. É verdade que ela lembrava muito Analy fisicamente, mas
agora que estava a conhecendo melhor, percebia a diferença gritante.
Minha ex jamais perdia a oportunidade de flertar. Maria Eduarda era
avessa a isso. Mesmo na noite anterior, quando, por impulso, ela
segurou minha mão, eu vi a culpa resplandecendo nela logo em
seguida. Quando ela fugiu de mim, e do que estava cada vez mais
forte sendo despertado em nós, a comparação com Analy se tornou
intensa.
Analy não fugiria. Ela gostava da arte da sedução.
Mas, Maria Eduarda parecia tão inocente e...
Será que já teve um homem? Não devia ser virgem, claro... já
tinha quase trinta anos. Mas, o quão experiente ela era?
Eu saí da cozinha, passos reticentes. Não queria me afastar
dela, estar perto dela parecia tão... tão bom. Mas, era tão perigoso,
também. O melhor seria me manter o mais longe possível, até porque
não queria criar nela qualquer tipo de sentimento.
Mais uma vez, me lembrei de que um conde não fica com uma
empregada.
Na porta do escritório, esbarrei em Arlete.
— Bom dia — disse a ela.
— Sr. Bernardo ligou. Disse que precisa ir até o escritório para
resolver algumas pendências inesperadas com dois ou três contratos,
e que Gustavo viria pegá-lo em uma hora.
Eu sabia quais eram as pendências inesperadas. Alguns
investimentos entraram em retrocesso com a queda da bolsa na noite
anterior.
— Ok. Quando Gustavo chegar me avise.
Arlete saiu do escritório fechando a porta atrás de si. Me servi
de uma xícara de café, enquanto ligava o computador e verificava os
e-mails.
No fundo, era uma sorte. Um bom dia de trabalho longe de
casa me manteria afastado da babá dos meus filhos e,
consequentemente, me colocaria nos eixos, novamente.
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Um ano depois
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Limpei as lágrimas com um lenço de papel, antes de voltar
para a cozinha.
— A deixou na creche? — Salete me perguntou.
Assenti. Era muito difícil.
— Ela vai ficar bem, Maria Eduarda — me garantiu, apertando
meus braços tentando me animar.
O dia se arrastou. Por mais que eu me esforçasse em servir
bem os clientes da padaria, estava com minha cabeça em Isabella. E
se ela chorasse? Sentisse minha falta? E se as meninas da creche a
deixassem sozinha e houvesse um acidente?
Eu não sei por que estava sendo tão trágica. E, sinceramente,
nesse momento, pensei em como Analy teve coragem de deixar os
próprios filhos sozinhos por tanto tempo? Eu jamais deixaria.
Evitava pensar em Ísis e Igor, mas as crianças sempre vinham
em minha mente. Eu queria ter dito adeus a eles, ter me despedido,
ter dito que os amava. Mas, eu era apenas a babá e talvez eles já
houvessem esquecido de mim.
— Ei! — Jonas me cumprimentou, enquanto entrava na
padaria. — Bem-vinda de volta.
Ele era sempre o primeiro a chegar, em torno das 4 horas da
manhã, para colocar o pão para assar. Então, quando eu chegava as
oito para abrir a padaria, ele ia para casa dormir. Ele voltava perto do
meio-dia para as fornadas da tarde. Era uma vida exaustiva, mas
Jonas me confessou que não trocaria ela para voltar a ser
assalariado. Salete ainda trabalhava numa casa de família três vezes
na semana, mas se a padaria continuasse a ir tão bem, ela estava
pensando em vir trabalhar aqui também.
— Aconteceu uma coisa — ele me disse. — Um cara bateu lá
em casa, dizendo que estava procurando você. Ele disse que era seu
patrão, acho que quer que volte a trabalhar para ele.
Arqueei as sobrancelhas.
— Quem?
— Ah... droga... eu não lembro o nome. Ele disse que
conseguiu meu endereço na pensão. — Jonas bateu na cabeça. —
Acho que ele não me disse o nome — justificou, mudando a frase. —
Eu falei que você trabalhava aqui e ele poderia vir conversar
pessoalmente à tarde.
Acenei.
De qualquer maneira, eu não sabia se poderia voltar a cuidar
de crianças. Depois de Ísis e Igor, era muito difícil encarar o
sentimento pelos pequenos sem me comprometer demais.
Capítulo 24
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Podia ser uma armadilha? Claro que sim. Eu sabia que o fato
de Analy ter me pedido que fosse sozinha encontrá-la poderia me
colocar em risco. Ela roubou os filhos, tentou me induzir a matar a
minha, o que mais ela faria?
Ainda assim eu entrei naquele quarto de hotel com a mesma
dignidade que tive quando me vi sozinha com Isabella e optei por
gerá-la e criá-la não importando as dificuldades. Eu não iria fugir nem
temer Analy. Especialmente porque eu queria e iria lutar pelas
crianças.
— Duda! — um gritinho infantil que me tocou o coração fez-me
ficar de joelhos no chão enquanto abraçava Ísis.
Igor veio logo depois. Nenhum dos dois pareceu assustado ou
vítima de maus-tratos.
— Mamãe nos levou para tomar sorvete — Igor me contou e
eu sorri, assentindo, tentando amenizar a situação com um aceno da
fronte.
Então encarei Analy. Ela me observava com o rosto
inexpressivo.
Não sabia o que sentir por ela. Já experimentei tantas
sensações com essa mulher. De começo, a invejei. Depois, tive
ciúmes. Raiva. Tristeza. Agora, nem sabia o que estava
experimentando.
— Venha, Maria Eduarda — ela me convidou para sentar-me
diante de uma mesa redonda no quarto.
As duas crianças, como era educadas para fazer, ao
perceberem que os adultos teriam uma conversa, se afastaram e
voltaram para perto da televisão. Então eu rumei para a mesa, sentei-
me e pus a bolsa no colo.
— O que aconteceu? — perguntei.
— Eu ia levar as crianças para a Argentina.
— Por quê?
— Por vingança.
Neguei com a face, perplexa.
— Vingança de quê, Analy?
Ela tirou uma caixa de cigarros da bolsa. Puxou um e o levou a
boca. Acendeu tão rápido, como se dependesse da fumaça para
viver. Pela primeira vez, ela pareceu um pouco humana, longe
daquela postura sempre tão fingida, tão superficial. Agora ela tinha o
rosto apático, rastros de lágrimas vibrando no brilho de seus olhos.
— Otávio se apaixonou por mim no momento que me viu. O
achei meio... sei lá... deslumbrado demais. Foi divertido na primeira
noite, mas depois ele parecia apaixonado ao ponto de sufocar. Eu ia
dar um fora nele, quando descobri que era um conde. Nossa, achei
varonil — disse com seu sotaque em espanhol. — Macho —
completou. — Então aceitei os avanços dele, e me casei com ele
poucos meses depois. Ele me levou para o Casarão, uma casa dos
sueños, de filme.
Ela parou um pouco de falar. Tragou duas vezes, depois
apagou o cigarro num cinzeiro sujo sobre a mesa. Pareceu pensar.
— Ter um filho dele era o correto, então quando Igor nasceu,
eu estava satisfeita. Um filho hombre. Eu era a esposa perfeita e ele
tinha o filho perfeito. Mas, o tempo foi passando, Igor foi se tornando
quieto, enfadonho, e eu comecei a me sentir sufocada na casa. Então
descobri que estava grávida de novo, e me senti como se estivesse
presa. Eu não queria a criança porque ela iria atestar minha prisão.
Encarei Ísis. Eu não conseguia imaginar como ela se sentia,
porque eu amava Ísis, e amava Isabella, mesmo diante de todas as
dificuldades em tê-la.
— Quando decidi ir embora com Bernardo, eu sabia que
sempre poderia voltar caso não desse certo, porque Otávio sempre
me amaria. Contudo, você apareceu, e não importava o quanto eu
tentasse seduzi-lo, ele não me queria mais.
Não sabia o que responder a ela. Estava quase sentindo pena,
apesar de saber que ela era a maior responsável por sua própria
tragédia. Analy quis uma vida de princesa, sem as obrigações da
realeza. Isso não existia. Felicidade eterna não existia. O que existe
são momentos felizes numa família, e é nisso que você deve se
agarrar.
— O que você pretende fazer agora? — indaguei.
— Vou deixar as crianças com você e ir embora — ela
murmurou.
Senti muito alívio pelas palavras.
— O que te fez mudar de ideia em levá-las?
— Disse as crianças que íamos passear quando as peguei no
bosque. Então enquanto dirigia, Igor me contou sobre como estava
feliz com a nova irmãzinha. Encarei meu filho, e pela primeira vez na
minha vida, eu senti um amor tão grande por ele... Ele estava com os
olhos tão brilhantes e felizes, e eu pensei: Porque eu nunca lutei por
ele, para deixá-lo feliz? Eu deixei que Otávio o “educasse” sem
questionar nada, mesmo sendo a mãe. Eu o deixei a própria sorte.
Mas, você, apenas a babá, mudou tudo. Você lutou para mostrar para
Otávio que ele estava errado. E hoje meu filho é tão feliz.
Estendi minha mão pela mesa e toquei na mão dela. Analy me
encarou.
— Você não precisa desaparecer. É a mãe e sempre será.
Pode recomeçar. Pode dar amor a eles. Otávio é justo e você terá
seu tempo com as crianças sempre que quiser. Eu te prometo que
elas nunca saberão o que aconteceu, nem que as rejeitou.
Ela fungou, segurando as lágrimas.
— Eu não sei como começar — admitiu.
— Você fez faculdade de moda, não é? Comece buscando um
emprego. Depois, arrume um lugar seu. Não precisa ser aqui nessa
cidade, pode ser num lugar onde você se sinta bem. Quando estiver
estabelecida, as crianças podem ir te visitar. Ou você pode vir visitá-
las. Você pode encontrar o amor e ser feliz. Talvez até ter mais filhos.
Não é porque errou uma vez que está fadada ao inferno para sempre.
Se há arrependimento, há esperança.
Analy pareceu absorver as palavras. Então se levantou e foi
em direção aos filhos.
— Ísis — chamou. — Igor — se curvou e estendeu os braços.
— Venham dar um abraço de despedida na mamãe. — As crianças
obedeceram imediatamente. Então ela os beijou no rosto,
demorando-se um pouco mais em Ísis. — Vou ficar um tempo fora,
mas prometo que voltarei para vê-los. A outra mamãe vai cuidar bem
de vocês. Por favor, nunca deixem de acreditar que os amo. Porque
eu amo — admitiu, e eu sei que foi difícil para ela. — Cuidem da irmã
de vocês, ok? Especialmente você, Igor. É o mais velho, responsável
pelas suas irmãs.
Depois disso, ela se levantou, pegou a própria bolsa. Sem me
encarar, saiu pela porta. Eu não sabia quando a veria de novo, mas
entendia por que Analy precisava ir.
Esperava que ela encontrasse a felicidade que tanto
procurava.
Final