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2021

Nome da obra: A Noiva Inesperada do Sheik Revisão: Dani


Smith Books
Diagramação: AMARa Literária

Capa: AMARa Literária

Nome do autor: M.C Mari Cardoso

www.mcmaricardoso.com.br

Copyright © 2021 por Mariana Cardoso

INFORMAÇÕES

Esta é uma obra de ficção que não deve ser reproduzida


sem autorização.

Nenhuma parte desta publicação pode ser transmitida ou


fotocopiada, gravada ou repassada por qualquer meio
eletrônico e mecânicos sem autorização por escrito da
autora. Salvo em casos de citações, resenhas e alguns
outros usos não comerciais permitidos na lei de direitos
autorais.

Esse é um trabalho de ficção. Todos os nomes,


personagens, alguns lugares, casos envolvidos, eventos e
incidentes são frutos da imaginação da autora. Qualquer
semelhança com pessoas vivas ou mortas, ou eventos reais
é apenas espelho da realidade ou mera coincidência.
Sinopse

Amor... Ódio... Dor... Inveja

Paixão.

Há muitos sentimentos que mudam como as areias do


deserto se transformam diariamente.

Abdar Khan Al-Abadi Hussain é um herdeiro de um império,


no qual sua família, em uma honrada dinastia comandava
há séculos.

Ciente dos seus deveres como príncipe, trabalhava para


seu povo, mas nunca deixou de curtir a vida como um
convicto solteiro de mais de trinta, CEO das empresas de
investimentos e com muito dinheiro na conta bancária.
Ele sabia que um dia precisaria sossegar e ter filhos,
produzir herdeiros o suficiente para sua família continuar
numerosa e no poder.

Até que um dia, seu pai lhe surpreendeu com uma


promessa de casamento.

Rawan passou a vida longe de casa, estudando em


Londres, se formando em economia e planejando um
grande futuro.

Quando seu pai lhe deu a notícia do casamento, aceitou


por obediência, porém, estava convicta que seria mais que
a noiva inesperada do Sheik.

Sumário

Sinopse

Prólogo | Rawan Aisha

Prólogo | Abdar Khan.

Capítulo 1 | Abdar.

Capítulo 2 | Rawan

Capítulo 3 | Rawan.

Capítulo 4 | Abdar.

Capítulo 5 | Rawan.
Capítulo 6 | Rawan.

Capítulo 7 | Abdar.

Capítulo 8 | Rawan.

Capítulo 9 | Rawan.

Capítulo 11 | Rawan.

Capítulo 13 | Abdar.

Capítulo 14 | Rawan.

Capítulo 15 | Rawan.

Capítulo 16 | Abdar.

Capítulo 17 | Rawan.

Capítulo 18 | Rawan.

Capítulo 19 | Abdar.

Capítulo 20 | Rawan.

Capítulo 21 | Rawan.

Capítulo 22 | Abdar.

Capítulo 23 | Rawan.

Capítulo 24 | Rawan.

Capítulo 25 | Abdar.

Capítulo 26 | Rawan.

Capítulo 27 | Rawan.
Capítulo 28 | Abdar.

Capítulo 29 | Rawan.

Capítulo 30 | Rawan.

Capítulo 31 | Abdar.

Capítulo 32 | Rawan.

Capítulo 33 | Rawan.

Capítulo 34 | Abdar.

Capítulo 35 | Rawan.

Capítulo 36 | Rawan.

Capítulo 37 | Abdar.

Capítulo 38 | Rawan.

Epílogo | Rawan.

Epílogo | Abdar.

Eduardo Medina

Louis e Catarina.

Ethan e Charlotte.

SOBREAAUTORA

AGRADECIMENTOS

A Esposa Contratada do Sheik por D.A Lemoyne Livro 1

Casamentos por Conveniência.


...

A Noiva Inesperada do Sheik por Mari Cardoso

Livro 2

Casamentos por Conveniência.

Dedico essa história para todas as minhas leitoras


apaixonadas. Sem vocês, nada é possível.

When the night has come


And the land is dark

And the moon is the only light we'll see

No I won't be afraid, No I won't be afraid

Just as long as you stand, stand by me

So darling, darling

Stand by me, oh, stand by me

Oh stand, stand by me
Stand by me

Prólogo | Rawan Aisha

Entrei no meu quarto e a mala estava pronta em cima da


cama. Era meu último dia em casa e eu ainda estava com
minha roupa oficial do luto. Coloquei o cabelo atrás da
orelha e me olhei no espelho. Meu rosto estava muito
inchado, devido às semanas de choro e em seguida a
despedida dolorosa da minha mãe, que perdeu a batalha
contra o câncer.

Meu peito ainda doía. Nunca pensei que perderia minha


mãe tão cedo na minha vida. Meu pai mal conseguia olhar
na minha direção, sofrendo tanto que seus olhos eram um
reflexo de dor e desalento. O único conforto que recebi dele
foi um aperto no ombro durante a cerimônia e nada mais.
Minhas tias por parte de mãe viviam na Turquia e não se
davam muito bem, então, foi apenas a família de meu pai e
seus amigos do trabalho.
Minha anne[1] era minha melhor amiga. Nós fazíamos tudo
juntas e quando a doença chegou, tivemos fé que ela seria
curada, que era apenas um degrau complicado na
caminhada que chamávamos de vida em família.

— Será melhor para você. — Baba[2] parou na porta do


meu quarto.

— Eu sei — retruquei como uma filha obediente.

Não estava absolutamente nada feliz em sair do único


lugar que eu conhecia como lar para viver com outras
garotas, de diferentes culturas, que provavelmente teriam
muito preconceito com minhas origens. Era horrível sentir

que meu pai não podia suportar a minha presença por mais
um dia sequer além do necessário. Sem minha mãe, era
como se eu não fosse necessária.

Ele não precisava de mim.

Quem precisaria de mim, agora que minha mãe não estava


mais ali?

Prólogo | Abdar Khan.


Meus irmãos e eu estávamos sentados no corredor em
silêncio, olhando para a porta do quarto dos nossos pais.

Ainda parecia difícil saber que o bebê havia morrido.

Ele sobreviveu por duas horas. O que estava acontecendo


com a mamãe lá dentro? Mohammed, meu irmão caçula,
ficou em pé entre minhas pernas e me deu um sorriso, sem
entender absolutamente o que estava acontecendo. Queria
trocar de lugar com ele, sua inocência de bebê seria uma
salvação para a dor que sentia.

A porta foi aberta e baba saiu, o rosto pálido e uma


expressão dolorosa. Ele engoliu seco antes de pegar
Mohammed no colo e dar-lhe um beijo. Deu um toque
gentil na cabeça dos demais, sem falar nada inicialmente.
Fiquei de pé, eu era o mais velho e queria saber como
mamãe ficaria depois do parto tão difícil e a morte de seu
filho.

— Sua mãe quer te ver, Abdar — Baba falou com calma.


Meu pai era um homem grande, robusto, dono de
expressões severas a maior parte do tempo.

Naquele momento, era só um pai muito triste.

— Nós não vamos entrar? — Said levantou também. Ele era


dois anos e alguns meses mais novo que eu.

— Sua mãe pediu para ver o Abdar — ele falou baixo. —


Vocês devem ir

para o quarto.

— Quero ver a mamãe! — Jamyr subiu na cadeira. — Quero


ver agora!
— Silêncio, Jamyr! — A voz de papai trovejou nos
corredores. As babás apareceram assustadas. — Levem os
meninos para seus respectivos quartos —

pediu e entregou Mohammed, que assistia a tudo com um


dedo na boca e um olhar assustado.

— Ei, carinha. Vai ficar tudo bem. — Passei meu polegar em


sua bochecha. — Vou brincar com você depois.

Ganhei um sorriso doce de volta e ele foi embora,


carregado por sua babá.

Engoli seco e olhei para a porta, tomando coragem de


entrar no quarto. Minha mãe estava no centro da cama,
coberta, seu rosto demonstrava uma tristeza que nunca vi
antes. Eu simplesmente soube que ela me queria ali para
se despedir e com dor na alma, sentei ao seu lado,
segurando sua mão, que apertei suavemente.

Era bom meus irmãos não estarem ali. Eles não mereciam
ter aquela última lembrança da mulher que nos amava
incondicionalmente.

Capítulo 1 | Abdar.

O grito potente do meu pai me fez rir. Ele estava jogado em


uma poltrona, com um mix de almofadas confortáveis,
assistindo ao jogo de futebol do time oficial de Al-Abadi[3],
na copa dos Emirados. Era a primeira partida depois do
Ramadã[4] e ele estava alegremente empolgado. Sarai,
sua esposa, nos serviu com mais bebidas geladas e se
afastou, indo sentar com as filhas, minhas irmãs caçulas.
Meu pai casou duas vezes, a segunda, após a morte
precoce de minha mãe, quando eu tinha oito anos.
Minha mãe lhe deu cinco filhos homens, falecendo no parto
do sexto filho, que também não sobreviveu. Dois dos meus
irmãos depois de mim, faleceram em um acidente de carro,
praticando corrida nas estradas próximo ao deserto.

Ficamos apenas três. Meu irmão do meio, Jamyr, morava no


palácio com meu pai. O caçula, Mohammed, atualmente
vivia na Inglaterra. Ele trabalhava em nossas relações
internacionais.

Sarai nunca tentou ser minha mãe. Eu sequer estava aqui


durante a maior parte da minha vida para termos
quaisquer laços. Ela deu a meu pai mais três meninas. A
mais velha, Jamile, já era casada e vivia na Jordânia com o
marido e dois bebês que choravam muito. Eu a visitei
apenas duas vezes, no nascimento de cada um. Já as mais
novas, ainda meninas, corriam pelos corredores do palácio
com suas bonecas e pediam colo.

Nadia e Laila me deram sorrisos quando perceberam que


estavam sendo observadas. Pisquei e ganhei beijinhos de
volta. Dei um gole do meu jellab[5] e meu pai saltou do
lugar com um gol. Eu até gostava de futebol, mas era
interessado em esportes mais radicais.

— Acalme-se, baba. Você terá um ataque até o final do


jogo. — Soltei uma risada. Meu telefone vibrou com Kaled,
[6] enviando uma figurinha sobre o gol. Enviei uma de
volta, provocando-o. Ele era um dos meus melhores amigos
e nossa rixa sobre futebol era muito longa.

— Tenho uma saúde de ferro, meu filho. Viverei mais que


meus antepassados — garantiu e erguemos nossas mãos
juntos, sorrindo um para o outro.

No intervalo do jogo, uma música animada começou a


tocar e minhas irmãs levantaram, dançando com a mãe.
Meu pai ficou ao redor delas, estalando os dedos. Minha
família sabia como se divertir e meu baba abriu sua mente
desde que minha irmã caçula nasceu. Nós fazíamos parte
do comando, que imperava nas tradições, mas a partir do
momento em que eu passei a viver fora dali, ele começou a
me ouvir mais sobre o futuro das minhas irmãs.

Jamile estava bem com o marido. Ela ensinava crianças em


uma pequena escola do bairro onde morava. Sendo um
emprego simples para uma princesa ou não, minha irmã
tinha direitos porque a rainha de seu país lutava por isso.
Eu me preocupava com a vida que minhas irmãs seriam
obrigadas a ter se Al-Abadi

continuasse fechado para o mundo.

Baba me ouviu ao permitir que as mulheres dirigissem e a


prova disso, foi minha madrasta tirar a carteira de
motorista e conduzir o seu veículo publicamente para
incentivar as demais esposas.

Ainda era difícil ver mulheres abertas a darem suas


opiniões e é claro que enfrentávamos resistência por parte
dos mais tradicionais. Nosso país podia ir além sem
ofender os nossos costumes, que eram muito importantes
para mim.

Como herdeiro, eu respeitava minha origem e tinha muito


orgulho.

Após o jogo, me despedi da minha família e saí com a


comitiva designada a mim até o aeroporto privado. O avião
já me aguardava para a viagem programada à Ibiza para
encontrar com um investidor e amigo de infância, Eduardo
Medina. Ele era um dos meus melhores amigos e precisava
da minha ajuda em uma situação delicada.

Baba dizia que eu queria qualquer motivo para ficar fora de


casa e a verdade não era essa. Eu simplesmente vivia
minha vida estando onde era necessário. Assumi muitos
trabalhos, na segurança pública, na educação infantil e
lidava com questões que ele passava para mim. Como seu
herdeiro, trabalhava até onde estava ao meu alcance.
Provavelmente, deixava meu pai confuso, sempre
confrontando seus conselheiros e equipe política.

Eu cresci fora, fiquei fora por muito tempo e mesmo nunca


me desviando dos conceitos religiosos e regras de Al-Abadi,
eu conheci outro mundo. Na

minha mente e coração, tudo que queria para o meu lar,


era o melhor. Al-Abadi tinha em sua capital a fama de
cidade do futuro.

Meu assistente, conselheiro, cão de guarda e


acompanhante, Kalil Youssef, ocupou a cadeira à minha
frente. Estiquei o braço e peguei uma garrafa de água. Ele
estava com sua inseparável agenda para organizar minha
vida - ou tentar. Eu não costumava facilitar muito.

— Seu pai está requisitando sua presença em algumas


reuniões no próximo mês e sua madrasta gostaria que
comparecesse a algumas inaugurações.

— Tudo bem por mim. É importante. — Dei uns goles.

— E ele gostaria de saber quando irá fixar residência


oficialmente em Al-Abadi. — Seu olhar encontrou o meu. Eu
não tinha uma resposta para dar. —

Você está com trinta e quatro, Abdar. Precisa se aproximar


do papel que irá assumir no futuro. Sua família tem um
histórico de longos reinados e seu pai tem uma excelente
saúde, mas, você é o herdeiro — falou com calma.

— Você viu meu pai pulando sobre um possível gol? Ele


está com um porte atlético de dar inveja! E com tantos
conselheiros ao redor, não precisa de mim ainda.

— Os conselheiros não são herdeiros. Apesar de que eu


digo que alguns gostariam muito de estar no seu lugar. —
Kalil sorriu ironicamente.

— Conversarei com meu pai sobre minha moradia quando


retornar de

viagem. É estranho que ele tenha mandado recado por


você e não voltou a tocar no assunto comigo desde a
minha última viagem. — Passei a mão por minha barba e
puxei um pouco, pensativo. — Sabe de algo que eu não
sei?

— Não sei de nada, mas desconfio. Seu pai não está


satisfeito de que você esteja solteiro à essa idade. Ele quer
netos, Abdar.

Senti um arrepio descer pela minha espinha. Eu queria ter


filhos, porque além da minha necessidade de produzir
herdeiros, eu teria filhos para criá-los bem perto de mim.
No entanto, eu não tinha uma esposa e não estava
apaixonado por ninguém para pensar em filhos. Meu pai
acreditava que tudo era como em seu tempo, um olhar e
duas pessoas se casavam para ter uma prole incontrolável.

Um acordo de casamento no meu país era muito sério, uma


honra. Por isso, eu não flertava ou falava com qualquer
mulher que não fosse da minha família em Al-Abadi. Nunca
tive um relacionamento realmente sério, apenas sexo,
algumas ficantes fixas, mas nunca namoradas. Me
chamavam de galinha por isso e eu não me importava,
porque só eu sabia o quanto um relacionamento era sério e
eu nunca desonraria minhas tradições.

— Se souber de qualquer plano do meu pai, me conte


imediatamente.
Meu velho era conhecido por ter planos que ninguém mais
tinha. Era astuto. Um trapaceiro que agia silenciosamente
até que de repente, nos surpreendia com algo que era
impossível de fugir.

Fiquei perdido nos meus pensamentos por todo voo porque


sabia que minha vida estava prestes a mudar. Kalil
raramente se enganava.

Eu precisava descobrir o que ele estava aprontando e


impedir a tempo, antes que eu ficasse preso em uma
situação que não pudesse fugir de jeito nenhum.

— Vamos falar sobre o motivo da sua ida à Espanha para


ajudar o senhor Medina? — Kalil voltou a um tópico
importante.

— Ele precisa de ajuda e é tudo que irá saber. — Sorri e


finalizei minha garrafa de água.

— Você pode me avisar se for fugir com um dos seus


amiguinhos?

— São amigos e não amiguinhos. E se eu for desaparecer,


eu aviso.

— Não me enlouqueça — avisou em tom severo.

Kalil estava comigo desde que completei nove anos. Meu


pai achou prudente que eu tivesse uma companhia
masculina que não me deixasse esquecer quem era e qual
seria o meu papel no futuro. Ele estava junto comigo em
vários lugares, viajando pelo mundo, me mantendo na
linha e ensinando tudo que eu precisava sobre a vida,
minha família, meu país e nossas tradições.

Meu pai me amava, mas era um Emir, um líder e queria


que eu fosse ainda melhor do que ele. Minha educação foi
rígida e especial, porque ele esperava que falasse muitas
línguas e soubesse como me relacionar com o mundo de

forma ainda melhor que meus antepassados. Ainda tinha


muito tempo até me tornar um Sheik e tomar seu lugar,
simplesmente não estava preparado.

Meu trabalho era focado em ser herdeiro, preocupado com


as finanças, dando conselhos e abrindo a visão para que Al-
Abadi crescesse a cada ano. Nós estávamos muito bem
economicamente, sem conflitos consideráveis e com uma
relação internacional agradável com os Emirados vizinhos.

Kalil percebeu minha inquietação.

— O que foi?

— A ideia de um dia assumir o lugar do meu pai é


completamente assustadora. Estou pronto para isso?
Talvez. Mas será que estarei à altura de todos os meus
antepassados?

Estiquei minhas pernas à frente. Kalil deixou sua agenda de


lado e me encarou bem sério.

— Existe alguém pronto? Isso está no seu sangue, Abdar. É


o seu destino, foi escrito pelo destino no dia que nasceu e é
a vontade de Allah. Eu te preparei para isso e sei que
quando chegar a hora, vai ser o melhor que todos
esperam.

— Obrigado por suas palavras, Kalil. Sorte a nossa que isso


não irá acontecer tão cedo. Meu pai e Sarai ainda planejam
mais um filho.

— É uma condição natural depois do casamento e você


saberia se estivesse casado como os homens da sua idade.
Eu sou um viúvo e minha segunda esposa
está nesse momento muito irritada porque estou aqui com
você. — Arqueou a sobrancelha e eu fingi passar um zíper
nos meus lábios, pronto para não falar mais nada.

Filhos e casamento? O que eles estavam pensando?

Fechei meus olhos ao entender o que eles de fato queriam:


me casar desesperadamente.

Capítulo 2 | Rawan.

Desci da aeronave e meu baba estava me aguardando logo


no fim do tapete vermelho, que se estendia pelo caminho
até a entrada. Os demais passageiros passaram por mim
enquanto meu pai simplesmente ficava parado na minha
frente, sem saber como reagir. Dez anos. Eu só o vi uma
vez depois do funeral da minha mãe, quando ele foi me
visitar em Londres. Me levou para jantar e me deu um
presente de aniversário: meu primeiro hijab, que minha
mãe deixou preparado para mim.

Fiquei menstruada na escola e uma das funcionárias me


explicou como colocar um absorvente, algumas amigas me
deram dicas e eu entendi a mecânica da situação que,
inicialmente, parecia assustadora. O problema começou
quando meu pai me obrigou a usar o hijab mesmo estando
afastada da nossa religião e fora do país. As garotas da
escola não entendiam absolutamente nada sobre a minha
origem (e sequer se importavam), só queriam me fazer
sentir mal.

Eu obedeci, mesmo odiando de vez em quando, mas


obedeci ao meu pai porque prometi à minha mãe em seu
leito de morte que seria uma boa filha. Meu pai não estava
interessado nos meus conflitos pessoais e emocionais, ele
queria que eu dissesse “sim, baba” para absolutamente
tudo. Queria que eu fosse perfeita porque era sua única
filha e desejava o melhor para mim.

Depois da morte de minha mãe, meu pai e eu percebemos


que havia um

enorme abismo entre nós. A prova era que ele não tinha o
que me dizer depois de dez anos separados. Recebia seus
presentes e cartões todo ano no meu aniversário, datas
importantes e de vez em quando, muito raramente, uma
ligação para contar algumas novidades da família. Ele não
me convidava nem mesmo para voltar para casa nas férias.
Meu pai não me queria.

— Você cresceu. — Ele limpou a garganta.

— Dez anos se passaram. — Entrelacei meus dedos na


minha frente.

— Está linda como sua mãe. Ela tinha certeza absoluta que
você se tornaria uma mulher linda e estava certa, como
sempre. — Seu olhar refletiu um pouco de orgulho. —
Vamos para casa.

Baba simplesmente deu as costas e se dirigiu para a saída.


Eu o segui com calma, respeitando os saltos altos e segurei
meu vestido contra a revoada. Seria difícil me acostumar
com a temperatura de casa novamente, principalmente
que estávamos em um dos meses mais quentes do ano e
eu vivi meus últimos anos em um país de temperaturas
amenas. No inverno, era muito frio. No deserto, o tempo
era o senhor da razão.

Os empregados do meu pai pegaram as bagagens e agiram


tão silenciosamente como sempre. Ele ficou trabalhando,
em seu telefone, ignorando minha existência porque era
fácil. Eu era mulher e no mundo em que nasci, mulheres
são reduzidas e silenciadas. Eu tinha que admitir que
algumas coisas estavam mudando e cada vez mais,
ganhávamos liberdade e espaço entre os

homens. Meu pai não era um dos apoiadores dessa


mudança, porém, ele não questionaria o nosso líder.

Em Londres, tirei minha carteira de motorista e dirigia por


todo lado. Em casa, as mulheres ganharam permissão há
pouco mais de um ano. Meu pai respondeu minha
mensagem me autorizando a dirigir, mas informando que
tínhamos funcionários o suficiente para que me
conduzissem onde fosse necessário. Eu era uma mulher e
seu dever era cuidar de mim.

Me perguntei o que faria ali. Em casa. Não havia


absolutamente nada para mim em Al-Abadi. Meu dever era
ser bonita e ficar em casa, esperando que os planos dos
meus pais se revelassem para mim. Enquanto estava em
Londres, estudava, buscava construir minha vida dentro do
possível. Eu não fazia ideia porque baba me trouxe de
volta, se não conhecia absolutamente ninguém e não era
próxima das minhas primas.

— Seu quarto foi reformado. Seu pai expandiu e criou um


closet, mandou comprar todas as melhores roupas. —
Iasmin, minha assistente pessoal que me foi apresentada
poucos minutos antes, falou com alegria. — Fui informada
que adora rosa e dourado, como se tornou uma mulher
adulta, suavizei todos os tons e deixei que escolhesse as
próximas decorações.

— Obrigada por sua atenção, Iasmin. Meu pai deixou


alguma coisa preparada para mim?

— Ele me informou sobre uma agenda social, mas não deu


detalhes,
apenas ordenou que organizasse as suas roupas. Se me
permitir, irei desfazer suas malas e ajeitar seus produtos no
banheiro. — Me deu um aceno gentil e se afastou.

Lhe dei um sorriso e fui até a chaise long próxima da


janela, tirando meus sapatos altos e soltando a gola do
laço que estava em meu pescoço. O voo foi longo,
cansativo, me deixou dolorida e eu queria dormir um
pouco. Meu pai disse que jantaríamos juntos e até fiquei
surpresa. Mesmo quando minha mãe era viva, eles
jantavam juntos e eu comia com a minha babá antes. A
única coisa que meus pais faziam junto comigo, além de
passeios em família, era orar e me colocar para dormir.

Quando fui embora, me senti sozinha. Muito sozinha. Eu


tive que aprender tudo sem ter alguém familiar por perto
segurando minha mão todas as vezes que a dor da solidão
me sucumbia ao ponto de não conseguir conter as
lágrimas. Foi doloroso crescer, mas eu venci, cheguei aos
vinte e dois, prestes a completar vinte e três. Estava
esperançosa que meu pai me esquecesse na Inglaterra até
que me sentisse segura para me tornar uma mulher e ele
não pudesse fazer absolutamente nada sobre isso.

— O que gostaria de vestir para mais tarde? — Iasmin


voltou.

— Algo casual.

— Seu pai mandou entregar todas as joias de sua mãe para


seu uso.

A maior relíquia que uma mulher poderia receber. Joias. Eu


amava todas elas. Embora não usasse muito no dia a dia,
sendo um tanto mais discreta, eu sabia muito bem como
orná-las no momento necessário.
— Eu adoraria usar o conjunto azul turquesa e eu sei quais
joias escolher.

— Ao seu dispor, senhora. — Ela sorriu e voltou para meu


armário.

A banheira foi preparada para meu banho e afundei na


água quente, relaxante, com aroma especial para me
relaxar. Meus músculos doloridos ficaram felizes com o
carinho. Recostei, de olhos fechados, passando a esponja
macia por minha pele. Iasmin escovou e trançou meu
cabelo, deixando a franja solta e prendeu em um coque
firme.

Me maquiei sozinha. Meus olhos expressivos chamavam


atenção quando usava o delineador. Sendo um jantar
apenas com meu pai, preferi usar apenas rímel, explorando
meus cílios volumosos. O vestido ficava lindo em mim,
fechado até o pescoço com botões de pérola que iam até a
cintura. A saia se abria lindamente na altura dos joelhos.
Escolhi um par de scarpins que já estavam confortáveis,
com o formato dos meus pés de tanto que havia usado.

Minha casa era uma das mais bonitas e chamativas da


região. Nós não morávamos no centro comercial, nos
prédios luxuosos do centro de Al-Abadi que era conhecido
mundialmente por sua beleza diversa, misturando deserto
com praia, prédios modernos e carros de luxo e logo ao
lado, bairros com mansões luxuosas como a dos meus pais.

Meu baba tinha uma empresa que lidava com todo tipo de
produto de luxo.

Era um dos homens mais ricos do nosso meio e muito


próspero. Segundo ele, era sua fé em tudo que fazia que
lhe dava tanto retorno financeiro.
— Mandei preparar um banquete para seu retorno. Suas
tias queriam vir te ver e eu decidi que poderiam organizar
um evento de mulheres. — Papai me recebeu e segurou
minha mão, conduzindo-nos para a sala. — Gostou da sua
criada?

— Ela é gentil. Quando começou a trabalhar aqui?

— Quando decidi que você deveria voltar para casa. — Ele


me serviu com uma bebida.

— O que está acontecendo, baba? Pensei que


permaneceria em Londres para terminar meu curso. Eu
imaginei que depois dos meus dezoito anos sem ter
voltado imediatamente…

— O motivo pelo qual não te chamei de volta aos dezoito


anos foi porque não tinha planos para sua permanência
aqui em Al-Abadi. Agora, tenho. Há alguns anos, estou
negociando um casamento que fosse agradável para
ambos os lados e somente agora chegamos a um acordo —
ele falou como se a minha vida fosse mais uma de suas
transações financeiras.

— Fez um acordo de casamento? — Meu coração acelerou


no peito.

— Sim. Seu futuro noivo estará de volta em algumas


semanas e pronto

para começarmos todos os rituais necessários. E claro,


assinar os contratos. —

Baba indicou minha bebida, que eu nem sabia qual era,


sequer estava olhando.

Eu queria vinho.
Beber muito vinho.

— Ele sabe do casamento?

— Isso é com a família dele.

Como assim? Será que meu noivo tinha minha idade para
que a família estivesse à frente das negociações? Eu não
sabia se estava aliviada por ele não ser tão velho, ou
assustada por ainda ser um homem que vivia debaixo das
asas do pai.

— Posso saber quem, baba? — Minha voz saiu muito baixa.

— Claro! Será motivo de muita alegria e honra. — Ele sorriu


ao ponto de seus olhos se esconderem em rugas. — Você
está prometida ao Abdar Khan Al-Abadi Hussain, o futuro
Sheik de Al-Abadi, herdeiro do nosso supremo.

Ainda bem que eu estava sentada, porque senti que


poderia desmaiar.

Capítulo 3 | Rawan.

Meu pai achava que eu não precisava de nenhuma


informação sobre o meu casamento, porque não disse mais
nada no jantar e muito menos nos dias seguintes. Ele não
me informou quando conheceria meu noivo ou se ele
sequer sabia sobre o casamento, dado que o vi em uma
capa de revista, alegando estar solteiro e sem vontade
alguma de mudar o status, curtindo uma festa com
mulheres seminuas em um iate em Ibiza.

Eu não podia reclamar sobre seu comportamento. Era


normal entre os homens, mesmo que dentro de mim,
causasse raiva. Se fosse uma mulher em seu lugar,
certamente seria condenada, aqui e no mundo afora.

Joguei a revista em cima da minha cama, completamente


chocada com o quanto aquilo me irritou. E se ele fosse um
tremendo babaca? Como eu poderia suportar um
casamento com um homem desprezível? Ainda mais com a
futura posição que ele iria ocupar? Esperariam de mim algo
que eu não estava preparada.

Meu baba me mandou para estudar, ser refinada, falar


várias línguas, mas eu não havia me preparado para ser
esposa de um homem tão importante.

Abdar. Quando imaginaria que ficaria noiva de um


herdeiro? Sempre soube que meu pai teria planos
ambiciosos para meu casamento, mas, depois do meu
aniversário de dezoito anos, imaginei que seria um filho de
um grande

empresário ou até mesmo um velho empresário rico. Meu


pai era muito astuto para me prometer para qualquer
homem.

Só não imaginava que era o futuro Sheik de Al-Abadi.

Como minha mãe reagiria ao saber que eu me tornaria a


mulher de um homem tão poderoso? Como reagiria se ele
escolhesse outra esposa no futuro?

Eu não fazia ideia do posicionamento de Abdar em relação


ao casamento e a sua imersão dentro da nossa religião
oficial. E eu o chamaria como? Alteza? Meu senhor? Meu
marido? Oh todo poderoso futuro Sheik de Al-Abadi? Nós
seríamos íntimos? Amigos? Como seria esse casamento?

Era fácil saber como me referir a ele sendo eu uma mulher


completamente desconhecida e ele, o futuro Sheik de Al-
Abadi. Meu estômago doía de pensar que eu me tornaria
sua esposa. Só a evidência que eu ganharia ao lado dele já
me deixava com dor de cabeça.

Me joguei na cama, sem nenhuma vontade de sair do meu


quarto. Inventei que estava com uma enxaqueca terrível
para socializar e cuidar de minha casa como uma mulher
da minha posição. Baba tinha empregadas que faziam
todos os deveres de uma mulher. Me perguntei porque
nunca se casou novamente. Ele era relativamente jovem
quando minha mãe faleceu. Imaginei que não teria outra
esposa enquanto ela estivesse doente, seria de péssimo
gosto, mesmo que ninguém o criticasse por se preocupar
em ter mais filhos herdeiros.

Ele não se casou como não teve mais filhos e esperava que
lhe desse

muitos netos para herdar seu império. Estudei o suficiente


para assumir o seu lugar, mas ele esperava que fosse uma
boa esposa e mãe de muitos, como a minha não pôde ser.
A primeira esposa do Sheik lhe deu cinco filhos, a segunda,
três filhas e ele ainda tinha idade para se casar novamente
e ter mais herdeiros.

Abdar era o mais velho e na idade de trinta e poucos anos,


ninguém cobrava dele casamento e filhos.

Por que será que seu pai havia aceitado um acordo de


casamento? A maioria dos herdeiros aproveitavam suas
vidas até passarem dos quarenta anos e depois,
construíam suas famílias.

Minha assistente pessoal entrou no quarto com um sorriso


enorme e foi para meu closet.

— Iasmin? O que foi?


— A família do seu noivo lhe enviou muitos presentes! Seu
pai está abrindo as caixas agora mesmo! — Sorriu
empolgada e pegou meu hijab e sapatos. — Há
funcionários na sala, ajudando com o peso.

Me perguntei quantas caixas eram para que meu pai


precisasse de ajuda.

Meu cabelo estava preso em um coque elaborado que


Iasmin cismou de fazer logo cedo e apenas coloquei o véu,
prendendo na lateral e calcei meus sapatos baixos. Estava
de calça pantalona de um tecido leve, azul escuro com
uma blusa de gola alta, sem mangas, branca. Desci a
escada apressadamente e congelei.

Eram muitas caixas, que estavam tomando o amplo espaço


da sala de visitas.

— Venha, Rawan. Venha ver o quanto a família do seu


noivo está feliz com esse casamento! — Baba sinalizou,
erguendo um véu com flores costuradas a fio de ouro. —
Muitas joias.

Segurei uma caixa de madeira com anéis de ouro e lembrei


de minha mãe dizendo, enquanto escovava meu cabelo
antes de dormir, que ao me casar, deveria usar todas as
joias que conseguisse em meu corpo. Na época, eu não
sabia o porque e naquele momento, meu estômago doeu.
Se Abdar gritasse o divórcio, levaria comigo apenas o que
pudesse carregar.

— Baba… terei acesso à negociação do contrato?

Ele parou de pegar o véu e virou.

— Por que?

— Eu não quero que meu marido tenha outra esposa.


Todos os funcionários ficaram em silêncio. Apesar de não
ser algo tão bem-visto no nosso meio, Abdar, com meu
consentimento, poderia casar com mais três mulheres e
até o momento, eu não queria que ele tivesse outra
esposa.

— Se é o que quer, farei com que fique bem claro. — Ele


assentiu.

— Obrigada.

Tentei disfarçar o alívio, olhando as peças de roupas


enviadas de presente.

Aquilo era uma exibição plena de riqueza. Eles não


precisavam mostrar o quão ricos eram, porque todos
sabiam que a família era muito rica. O próprio Abdar era
listado como um dos bilionários mais prósperos do mundo.
Ele tinha carros de luxo, cavalos, uma coleção pessoal de
automóveis para brincar no deserto e residências
majestosas no mundo inteiro.

Ainda não sabia quando iria conhecer a família do meu


noivo e o próprio, porque nunca o vi na vida antes. Era um
casamento por contrato, interesse pessoal dos nossos pais,
mas eu tinha que preparar meu corpo e minha mente para
aquilo. Após guardar os presentes, Iasmin e eu fomos para
nossa reserva no salão de beleza. Era um local sofisticado
com a entrada permitida apenas para mulheres.

— Seus cabelos são belos. Tem certeza que gostaria de


cortar?

— Não muito, apenas uns três ou quatro dedos — pedi, me


encarando no espelho. Gostava do meu cabelo longo.

Um dia de beleza fez com que eu me sentisse muito


melhor. No final do dia, nosso carro foi parado para que a
comitiva real passasse pela avenida. Me inclinei no banco
para olhar e senti no meu coração que era o retorno de
Abdar para casa. Todos pararam para assistir a velocidade
dos carros até os portões do grande palácio, onde apenas
os jardins eram abertos ao público. Eu nunca estive lá
dentro. Era inevitável não querer gritar de ansiedade ao
pensar que viveria ali.

Ao chegar em casa, fui direto para meu quarto. Estava


tirando meus anéis e as demais joias quando meu pai
bateu na porta. Virei no banquinho da minha penteadeira
para encará-lo.

— Abdar acaba de retornar para Al-Abadi. Recebi a nota


que o noivado será comemorado em três dias e a partir daí,
começará os preparativos oficiais do casamento — avisou e
com um aceno tranquilo, saiu. Fiquei quieta e virei
novamente para o espelho. Meus olhos estavam
arregalados e meu rosto pálido.

A cada dia que passava, estava ficando ainda mais real. O


que a mamãe diria se estivesse viva? Nunca precisei tanto
de seus conselhos e abraços.

Capítulo 4 | Abdar.

Noivo.

Havia uma mulher esperando por mim para noivar em Al-


Abadi.

Fechei meus olhos e puxei a barba, pensando em como eu


não estava nem um pouco enganado sobre meu pai estar
armando alguma coisa. Kalil também nunca se enganava,
porém, descobriu o noivado tarde demais. Baba fez um
acordo com um homem que eu conhecia bem, leal à minha
família e aos nossos costumes, não tão engessado no
tradicionalismo. Sempre soube que ele tinha uma filha que
estudava na Inglaterra e ele tinha muito orgulho dela.

Rawan Aisha Ahmand Al-Sabbah, filha de Mustafá Omar


Ahmand Al-Sabbah. Minha futura mulher. Minha noiva nem
um pouco esperada.

Voltei a encarar o teto do avião, desejando beber para


finalmente dormir.

Desde que soube do noivado e dos novos planos do meu


pai, perdi o sono. Eu aceitava qualquer posição e trabalho
que ele tinha para me dar, como filho, como herdeiro e
porque toda minha família trabalhava para o melhor de Al-
Abadi, mas o casamento… pensei que seria de minha
escolha. Eu podia negar, assim como a noiva, mas também
sabia que era algo que ela jamais faria e, por obediência, a
não ser que houvesse um desacordo muito sério entre ela e
eu, não desonraria meu pai.

Minha futura noiva não tinha redes sociais. Eu não tinha


uma foto dela

para ver. A curiosidade estava me corroendo e não


consegui pensar em mais nada além dela por toda viagem
até Al-Abadi. Cheguei cansado. Viajar por longas horas,
mesmo no meu boeing moderno e cômodo, era
desconfortável.

Minha comitiva passou pela cidade em alta velocidade e eu


soltei um suspiro quando vi os portões do palácio, seguindo
diretamente para os meus aposentos.

— Salamaleico, Abdar. — Baba entrou na minha sala de


descanso. — Seu discurso foi adorável. Estou orgulhoso do
seu investimento para que Dubamyr[7]
seja coroada a cidade do futuro.

Apenas o encarei. Eu tinha respeito por ele, mas, não


queria dizer que estava bem com sua atitude de me
comprometer em casamento sem meu consentimento.
Parecendo incomodado com meu silêncio, ele continuou.

— Eu faço o que é melhor para nossa família e para Al-


Abadi. Seu casamento com a filha de Ahmand é o que
considero melhor.

— Quero conhecê-la antes do noivado, conversar e ouvir


dela que está bem com o casamento. Ela tem o direito de
dizer não sem punição, assim como eu.

— Claro. Vocês dois podem se conhecer, no entanto, Rawan


é linda de tirar o fôlego. Ela é educada, formada em
economia e seguiria estudando na Inglaterra se não fosse o
casamento. Tem pronúncia fluente no inglês, espanhol e
francês — ele falou orgulhoso. Era admirável uma mulher
tão jovem com sua

formação, mas ela não podia ser resumida a um currículo


agradável para ser uma boa esposa. — Você me encoraja a
um futuro melhor e moderno para suas irmãs.

Nada melhor do que se casar com uma mulher que tem


uma formação que muitos homens não conseguem. Ela é o
orgulho do pai dela e meu também, por representar o que
desejo para suas irmãs.

Suas palavras foram como agulhas no meu coração. Engoli


seco e assenti.

Ele tinha razão, só não precisava ser daquela maneira.

— Irei comunicar a Mustafá que deseja um encontro com


Rawan.
Assim que ele saiu, meus funcionários entraram com
minhas malas e começaram a organizar as coisas. Meu
corpo pedia uma pausa de todo trabalho e agitação, mas a
minha agenda discordava completamente então, foquei no
trabalho. Depois de uma reunião por vídeo, meu irmão,
Jamyr, passeou para dentro, dançando, estalando os dedos
e eu quis socá-lo por rir do meu iminente casamento. Ele
ficou rodopiando, batendo palmas até que o chutei,
fazendo-o cair como um bobo no sofá.

— Casamento!

— Espere que irei providenciar um para você também —


resmunguei.

— Não fique irritado. Tenho certeza de que ela será uma


boa esposa, nosso pai não comete erros quando se trata do
nosso futuro e de Al-Abadi — Jamyr garantiu, sendo
diplomático como sempre. Enquanto eu era um tanto
cabeça

dura, ele sempre foi apaziguador. Nosso irmão caçula era


uma bomba de emoções ambulante, porém, bom no que
fazia.

— Não estou tão irritado, apenas surpreso e levemente


incomodado. Sabe quem é ela?

— Não. Esteve fora por muitos anos, porém, trabalho com o


pai dela. Ele fala dela o tempo todo e sempre exibiu os
diplomas da filha com orgulho. Esse casamento será a
porta para o futuro de Al-Abadi. Muitos irão se inspirar na
sua futura esposa para criação dos seus filhos. — Jamyr
esticou as pernas, relaxando e revirou os olhos. Ele não
apoiava as mudanças. — Sarai está empolgada com os
preparativos do noivado. Será um banquete honroso.

— Ela vive por uma festa. — Abri um sorriso.


Meu irmão e eu conversamos até o começo da madrugada.
Até ligamos para Mohammed, sem nos importar com a
diferença de fuso-horário. Era bom estar reunido com eles.
Por muito tempo, fiquei fora de casa e fiz amigos que eram
muito mais próximos que o sangue do meu sangue. Eu não
sentia culpa pelas amizades que cultivei, porque eles me
viam como um homem, um amigo, não somente como
aquele que iria cuidar de uma nação inteira, com a
responsabilidade de ser um herdeiro. Entre eles, eu era
mais um, porque todos tinham muito em suas mãos.

Nunca me considerei um homem ansioso ou meramente


preocupado com o futuro, porque tinha planos a longo
prazo, mas o casamento me trouxe uma onda

de caos internamente. Não era medo. Apenas, dúvida.


Sobre nós, sobre ela. Um casamento de aparências nunca
fez parte dos meus planos de vida. Eu queria uma vida
próspera e abençoada. Sempre tive fé de um futuro bom.
Como poderia manter esperança se eu estava prometido a
uma mulher que não conhecia?

E se não houvesse absolutamente nada entre nós?

Olhando o contrato pré-dote, ela e seu pai fizeram


exigências comuns e uma em específico me deixou
surpreso. Rawan não queria que eu tivesse uma segunda
esposa, salvo se ela não pudesse conceber filhos. Eu nunca
pretendi ter mais de uma mulher, sem ofender quem ainda
adotava esse costume, mas no pouco que me relacionei
com mulheres ao longo da vida, não podia imaginar ter
duas esposas com exigências diferentes e desejos,
precisando proporcionar a elas tratamento igualitário.

Só de pensar, me sentia enlouquecendo. Uma esposa e


quantos filhos ela pudesse me dar com saúde. Minha mãe
era desesperada em dar ao meu pai mais filhos homens e
perdeu sua vida por isso.
Uma semana após meu retorno, foi marcado o encontro
privado com Rawan. Ela não estaria sozinha, assim como
eu também não. Kalil ficaria na sala, distante para não
ouvir a conversa e ela traria sua assistente pessoal. Eu me
arrumei com roupas comuns, jeans, camiseta, nada de
roupas típicas e tradicionais e enviei uma nota, que ela não
precisava se preocupar

exageradamente. Em Al-Abadi, o uso do hijab era uma


escolha pessoal, não mais obrigatório a todo momento,
apenas nos eventos oficiais e religiosos.

Avisei que, apesar de estar dentro do palácio, ela não


precisava usá-lo. O

motivo era completamente egoísta: eu queria vê-la por


completo, sem nada nos atrapalhando, observar suas
reações e ficar atento ao seu olhar. Também queria ver
seus cabelos, como se portava.

— Está nervoso? — Kalil brincou comigo ao me ver andar


de um lado ao outro dentro da sala. Estava tudo arrumado.
Kaled me enviou uma mensagem mais cedo, também
brincando com o fato de que eu estaria me casando. Para
ele era fácil, já que teve a oportunidade de escrever sua
própria história.

— Estou e não quero falar sobre isso.

Kalil iria retrucar quando a chegada da minha possível


noiva foi anunciada. As portas duplas de um dos salões de
visitas da minha ala foram abertas.

Rawan era mais alta do que eu imaginava, porém, ainda


mais baixa que eu.

Sua cabeça provavelmente bateria abaixo do meu queixo.


Ela usava uma calça de tecido vermelha, uma camiseta
branca com o nome da banda mais famosa da Inglaterra e
saltos altos. O véu estava frouxamente colocado em sua
cabeça, seus cabelos eram longos, estavam soltos e
jogados de lado.

Os olhos eram puxados, expressivos, em um tom de


castanho que

lembrava uísque. A boca, suavemente pintada com um


batom claro. Ela andou decidida, de cabeça erguida e meu
pai estava muito certo ao dizer que sua beleza era de tirar
o fôlego. Percebi que suas bochechas ficaram coradas ao
me fitar de cima a baixo, com uma timidez adorável.

Sua assistente se afastou após um cumprimento respeitoso


e foi para os fundos, sentando-se.

— Salamaleico, Rawan. Seja bem-vinda e obrigado por


aceitar meu convite. Por favor, me chame de Abdar.

— Obrigada por me convidar. Estou honrada por estar aqui


— falou de forma suave, colocando uma mecha do cabelo
atrás da orelha.

Sinalizei para o sofá. Não nos sentamos próximos, mas


pude sentir que seu perfume era doce e floral. Ela estava
nervosa, mas não se deixou abalar. Sua postura era de
uma mulher que enfrentava as próprias inseguranças e o
desconhecido de queixo erguido e desafio no olhar. Havia
muito a ser dito, porém, eu tinha certeza absoluta que se
aquela conversa fosse positiva, fisicamente, não seria
nenhum sacrifício ser casado com uma mulher tão linda.

Capítulo 5 | Rawan.
Abdar estava sentado na minha frente em carne e osso.
Quando meu pai avisou que meu futuro noivo queria me
conhecer antes de qualquer noivado oficial, eu pensei que
ele queria me dizer pessoalmente que não iria prosseguir
com o acordo feito pelos nossos pais. Era sua última
chance antes de tudo se tornar público, depois, seria a
minha completa ruína ser negada pelo futuro Líder de Al-
Abadi. Nenhum outro homem ousaria me pedir em
casamento.

Talvez fosse bom, assim eu voltaria para a Inglaterra e


viveria minha vida como se nada tivesse acontecido. Por
outro lado, uma rejeição doeria. Deveria estar acostumada,
meu próprio pai não me quis por perto, por que outro
homem gostaria?

Abdar parecia incrivelmente interessado nas minhas


palavras. Ele olhava para meus lábios se movendo, sem
parecer entediado com minha resposta sobre como foi
estudar fora por tantos anos. Ele também viveu outras
culturas, em outros países e nunca se desviou do seu
propósito como príncipe-herdeiro de Al-Abadi.

— Meu pai sempre teve grandes planos para mim, ele


queria que eu fosse uma mulher inteligente, estudada,
porque todo restante ele asseguraria. —

Depositei meu copo de jellab na mesinha.

— Seu pai foi um homem incrivelmente sábio em te


preparar para ser uma

mulher formada, um exemplo para muitas outras. — Abdar


também colocou seu copo na mesa. — O casamento foi
uma surpresa para mim, como foi para você.

Eu preciso ouvir de você, com honestidade, sem punição,


que está de acordo com os planos do seu pai. Você tem
direito de dizer não.

Eu realmente tinha? Como meu pai lidaria com o fato de


que neguei um casamento com um futuro Emir? Como ele
reagiria ao arruinar seus planos cuidadosos em uma única
conversa?

— Foi uma surpresa sim, ao mesmo tempo, uma honra. O


cenário completo é assustador e eu vou entender qualquer
posicionamento que tomar.

— Não foi isso que eu perguntei. Eu quero saber se você


está bem em aceitar esse casamento. Esse encontro não é
uma negativa da minha parte e sim, a certeza que está
dizendo sim.

Sua mão se moveu para bem perto da minha. Ele não


podia me tocar. Não ainda.

— Estou dizendo sim. — Minha voz saiu tímida.

Abdar tocou meus dedos suavemente e apertou. Seu toque


foi gostoso e era ridículo da minha parte ficar arrepiada,
mas eu fiquei.

Um único toque.

— Então, ficaremos noivos amanhã. Espero que possamos


construir uma vida juntos, Rawan. Que seja real e bom para
Al-Abadi e, principalmente, para

nós dois.

— Eu aprecio a sua honestidade e o fato de querer ouvir a


minha opinião.

Isso foi muito importante para mim.


Nossa reunião terminou de maneira calma e com muito
respeito. A partir daquele segundo, eu estava sob a
proteção de Abdar e fui apresentada à comitiva de
seguranças e assessores que iriam me acompanhar para
todo lado até o casamento - e após também. Iasmin
seguiria sendo minha assistente pessoal e nós viveríamos
em sua ala do palácio. Eram tantas novas informações que
a minha cabeça deu um completo nó. Eu tinha milhares de
vestidos para escolher, um intenso preparativo nupcial,
enxoval e por um segundo, senti o pânico crescendo.

"Você é uma garotinha linda e muito forte, minha doce


Aisha”. As palavras da minha mãe soaram na minha mente
de maneira confortadora. Ela sempre me chamava de
Aisha, porque foi o nome que escolheu que significava

“a que está viva”. Meus pais perderam três crianças antes


de mim, uma delas, nasceu prematura e viveu por dois
meses até falecer ainda no hospital. Quando eu nasci no
tempo certo, saudável, meus pais entenderam como uma
benção.

Toda minha família comemorou. Eu queria ter vivido mais


tempo com minha mãe. Ela sonhou muito comigo para ficar
ao meu lado apenas no começo da minha vida. Tinha
certeza que cada minuto foi especial, principalmente
depois que descobriu o câncer nos ovários, mas…

Eu agi de modo automático durante todo o preparo do meu


noivado. Baba estava oferecendo um banquete enorme.
Nossa casa parecia uma confusão durante o dia, mas, ficou
bela, organizada e pronta para receber os convidados tão
importantes para o primeiro passo da mudança da minha
vida.

— O que foi, Rawan? — Baba parou ao meu lado ao


perceber minha expressão melancólica. — É tarde demais
para dizer não. Você está linda, filha.
Abdar é um homem de sorte.

— Não é isso. Estou nervosa, mas não é isso. Gostaria que


a mamãe estivesse aqui. Queria passar por esse momento
tão único na vida de uma garota com ela. — Meus olhos se
encheram de lágrimas.

— Eu sei. Ela estaria animada, dançando e faria uma festa


ainda maior porque ela era a melhor em tudo. — Ele secou
minha lágrima com o polegar. —

Sorria essa noite por ela. Te ver adulta, bem encaminhada


na vida, sempre foi o sonho da sua mãe.

Assenti e aprumei minha postura quando ele desceu. A


noiva era a estrela da noite e por isso, aguardei com Iasmin
a hora que foi anunciado todo o começo da nossa tradição
de noivado. Mesmo nervosa, minha voz saiu firme ao
confirmar que aceitava Abdar como meu noivo na presença
de seu pai. Ele estava me aguardando do lado de fora.

Sem o hijab, os convidados suspiraram ao verem as safiras


da minha tiara combinando perfeitamente com meu
vestido vermelho. Abdar ficou de pé e meu

pai me esperava no final da escada. Os dois estenderam a


mão em minha direção e pela primeira vez, outro homem
que não era da minha família estava tocando em mim.

Nossos olhos se encontraram e meu coração saltava no


peito. Seus olhos eram lindos. Ele era muito lindo.

Fui apresentada à toda família dele. Inclusive, suas irmãs


pequenas estavam ansiosas e acenando. A mais nova, no
colo da mãe, me deu um sorriso fofo. Seu pai era um
homem alto com um olhar soberano que me deixou um
pouco intimidada. Ainda bem que meu pai estava bem ao
lado, me passando confiança.
Seus irmãos mais novos pareciam com ele, mas não eram
tão bonitos quanto Abdar, que, com sua barba bem feita,
parecia ser um exemplar de príncipe árabe saído dos
filmes. Ele tinha uma aparência de quem cuidava muito
bem de si mesmo.

Todos os meus piores pesadelos sobre o noivado ser um


completo desastre descansaram quando voltei para meu
quarto naquela noite. Ocorreu tudo muito bem. Eu não
fiquei próxima dele e não sabia ao certo como seria nossa
vida íntima, se até aquele momento ele continuava sendo
um completo desconhecido para mim. Como mulher, meu
corpo ardia na esperança que fosse adorada.

Minha mente também estava pronta para crescer. Eu nunca


havia beijado um homem. Desejava sentir o mesmo
contato físico que minhas amigas da

escola diziam sentir e que depois, na faculdade, eram


viciadas. Vivi através delas, das histórias, curiosamente
pesquisando na internet e querendo conhecer um pouco
mais da intimidade entre um homem e uma mulher.

Abdar parecia viril o suficiente. Ele nunca teve uma


namorada pública, mas eu não era idiota ao pensar que, na
idade dele, com tantas festas de luxo com mulheres
seminuas, ele fosse virgem. Era bom um de nós saber o
que estava fazendo e esperava que ele fosse um professor
paciente. Eu era inteligente, podia aprender rápido.

Eu queria aprender tudo bem rápido.

Me perguntei se meus desejos faziam de mim uma


completa devassa. Se ele esperava uma esposa comedida,
que não demonstrasse prazer ou tesão. Eu não tinha a
mínima noção e não conversaria sobre isso com minhas
tias, muito menos com meu pai. Iasmin era casada com um
dos funcionários de confiança da minha família e talvez ela
pudesse sanar algumas dúvidas que estavam tirando meu
sono.

Encarei o teto e sorri, incrédula. Eu estava noiva de Abdar


Khan Al-Abadi Hussain.

Noiva do futuro Sheik de Al-Abadi.

Capítulo 6 | Rawan.

— Soube se alguma mulher fez parte da vida do Abdar


enquanto estive fora? — perguntei casualmente à Iasmin
enquanto ela catalogava as roupas que eu levaria para o
palácio, após o casamento.

— Nunca ouvi nenhum rumor sobre ele ou o pai com


amantes. Já seu irmão, Jamyr, sei que vive com suas
companheiras, como um namoro, pessoas que vivem
juntos e depois terminam. Ele é discreto, mas falam. — Ela
ergueu o olhar. — Deseja ver se há uma mulher na vida de
seu futuro marido? Podemos fazer uma leitura na borra do
seu café.

— Não. Se Abdar tem alguém, eu prefiro saber dele e


assim, tomar uma atitude. Só me perguntei se a prática de
amantes era algo comum na família dele.

— Voltei a me encarar no espelho. — Não acredito que


enquanto minha mãe estava viva, meu pai teve amantes.
Ele certamente encontrou conforto em alguém, não
oficialmente, com a viuvez. Não sei se aceitaria um
casamento com infidelidade.

— Nenhuma mulher aceita ou está realmente disposta a


dividir a atenção do marido, mas em alguns casos, as
amantes são um alívio — Iasmin falou enigmaticamente e
quando entendi, fiz uma pequena careta. — Alguém já
conversou com você sobre o que é esperado na noite de
núpcias? — Soltou as

roupas e parou atrás de mim. — Sei que tem mais de vinte


e que estudou fora, não precisa me contar nada, mas se
precisar de uma conversa...

— Eu preciso, por favor — admiti, envergonhada. — Apesar


de ter vivido fora por todo esse tempo, eu me guardei,
porque jamais traria qualquer tipo de vergonha ao meu pai.
Sempre soube que ele tinha planos pra mim. — Segurei
meus dedos, nervosa. — Tudo que sei é meio técnico,
através dos livros e também através de histórias das
minhas amigas. Não sei o que fazer — sussurrei,
desesperada.

— Em primeiro lugar, se acalme. — Iasmin sentou na


pontinha da cama e segurou minhas mãos. — Sei que
desde novas, aprendemos que nossos maridos têm direito
sobre nosso corpo, mas isso mudou e a intimidade de um
casal não é do interesse de mais ninguém além do próprio
casal. Seja sincera com seu marido, diga a ele o que sabe,
o que está confortável e principalmente, dite o ritmo de
tudo. Não faça nada que te machuque. Seja sempre
honesta.

— E se ele quiser que dance para ele todas as noites?

— A dança é uma parte muito sensual da intimidade, mas,


faça se quiser.

Se gosta de dançar, se fará o seu marido feliz,


simplesmente dance. Surpreenda-o. — Sorriu torto.

— E o sexo? Ele dói?


— Não vou mentir. As primeiras vezes são desconfortáveis
e se não estiver

relaxada o suficiente, pode ser doloroso, mas como disse


antes, vá no seu ritmo.

Há muita coisa divertida e prazerosa que marido e mulher


podem fazer sem ter a penetração diretamente — garantiu
e assenti, engolindo seco. — Não fique nervosa sobre não
agradar seu marido. Intimidade se constrói. Abdar é mais
velho e responsável, ele tem o dever de te honrar e tratar
como uma princesa.

— Obrigada por conversar comigo. Sem minha mãe, eu me


recuso a ter essa conversa com meu pai ou minhas tias.
Elas são terríveis.

— Conte comigo e já que estamos falando sobre isso,


agendei uma consulta médica nupcial.

— Obrigada por cuidar de tudo.

Sem Iasmin ao meu lado, realmente não saberia o que


fazer. Ela estava sendo uma general de guerra nos
preparativos do casamento. Sarai, a esposa do soberano
Omar Habib, pai de Abdar, também estava fazendo sua
parte em mostrar que a família do noivo estava interessada
no casamento. Já Abdar, me enviava um presente por dia.
Era um mais chamativo e mais caro do que o outro.

Meu futuro marido estava mostrando que tinha condições


de me sustentar como esposa.

Escolhi um presente para ele. Daria após o casamento, na


noite de núpcias, porque queria ver sua expressão e reação
ao receber. Sempre gostei de ganhar presentes, era a única
ligação e carinho que eu tive do meu pai por muito tempo.
Esperava que Abdar não pensasse que presentes
aplacassem a presença física.

Esperava que ele gostasse de ser próximo ou que pelo


menos, tentasse fazer parte da minha vida como eu estava
disposta a fazer parte da vida dele.

Viver em um palácio com muitos detalhes em ouro não me


deslumbrava.

A notícia do noivado se espalhou por Al-Abadi como


pólvora. A mídia internacional noticiou o casamento e
explorou o pouco que sabiam sobre minha vida. Uma foto
oficial foi mandada para a imprensa para que todos
pudessem ter conhecimento do meu rosto e ganhei o
apelido de “A Bela do Sheik”.

Felizmente, a informação que nosso casamento foi um


acordo, não ganhou destaque porque não era tão
incomum.

Os preparativos do casamento eram exaustivos e


ocupavam todo o meu tempo. Do amanhecer ao anoitecer,
eu ficava completamente imersa em todos os detalhes
necessários para que meus três dias de matrimônio fossem
perfeitos e inesquecíveis. Afinal, era o casamento do futuro
líder soberano da nossa nação e da única filha de um
empresário muito rico que estava disposto a gastar muito
dinheiro.

Abdar queria que antes do casamento, fossem feitas fotos


oficiais de noivado para os registros da família. Preparei
meu cabelo, um belíssimo vestido em tom de rosa e as
joias, usei os mesmos brincos de diamante que minha mãe
usou em sua festa de noivado e o colar que Abdar me
enviou no dia seguinte que selamos nosso compromisso.
Eu não era fotogênica. Era o primeiro ensaio fotográfico da
minha vida e

logo um de extremo destaque. Minha comitiva de


segurança era extremamente organizada e eles
literalmente impediam que curiosos me vissem entrar e
sair de estabelecimentos, me fotografassem ou falassem
de mim. Saíram da minha casa em alta velocidade e me
levaram para os jardins do palácio.

Abdar usava a tradicional túnica branca com detalhes em


ouro. Ele estava próximo a um banco, falando com seu
assistente e parou ao me ver. Seu olhar era como se eu
fosse a única mulher naquele jardim e eu me senti
extremamente lisonjeada. Abri um sorriso, minha franja
caiu nos olhos e rapidamente endireitei, me aproximando
com cautela. Não queria virar meu pé.

— Salamaleico, minha noiva. — Abdar tocou meus ombros


e beijou minha testa. — Sua beleza me fascina.

— Obrigada por todos os presentes, eles são graciosos.

— Enquanto vivemos separados, é o que terá de mim, mas


espero que possamos passar muito tempo juntos após o
casamento — Abdar falou com uma pitada divertida.
Minhas bochechas coraram e senti vontade de rir. Seu
assistente tossiu discretamente. — Estou me comportando.
Certo?

— Está sim. Então, vamos começar?

— Primeiro, gostaria de apresentar o jardim da família e


onde ficam todos os pavões. — Abdar ofereceu seu braço e
aceitei, caminhando ao seu lado.

Iasmin e Kalil ficaram muitos passos de distância. — Está


tudo bem com os
preparativos do casamento?

— Honestamente? Eles são exaustivos. — Sorri e olhei para


minha mão em seu braço. — Algumas partes são
divertidas, outras, nem tanto.

— Para a noiva, é muito mais trabalhoso. Imagino que


esteja recebendo apoio de toda equipe. Se precisar de mais
funcionários, enviarei para que estejam à sua disposição.

— Está tudo sob controle — garanti. Iasmin tinha tudo


organizado. — Sua parte é estar lá.

— E eu estarei. — Ele sorriu de maneira encantadora. —


Não quero que fique constrangida, mas, precisamos
conversar sobre um tópico importante.

Método contraceptivo.

Meu rosto esquentou um pouco e imaginei que estava


vermelha - e não era pelo sol.

— Escolhi tomar pílulas em minha consulta pré-nupcial.


Imaginei que seria cedo demais para inserir filhos em um
casamento tão repentino. Talvez devêssemos nos conhecer
melhor…

— Eu concordo plenamente. — Ele aliviou o pequeno


estresse que começou a surgir. Eu era totalmente nova
nessa história de casamento e não pensei em perguntar a
ele se aquela era uma decisão que deveríamos ter tomado
juntos.

— Estar me relacionando com alguém é novo para mim.

— Vai ficar tudo bem. — Ele beijou minha testa e logo em


seguida, olhou para os meus lábios. Inevitavelmente, meu
olhar desceu para sua boca. — O que foi?
— Sua barba é muito bonita e bem feita.

— Sério? Só tem algo a dizer sobre minha barba? — Ele


sorriu. Seus olhos brilharam e teve umas ruguinhas ao
redor que deixaram sua expressão iluminada.

— Está caçando elogios? — Soltei uma risada.

— Por que não? Você é linda e depois do casamento, direi


todo o restante que está na ponta da minha língua. Até lá,
linda terá que ser o suficiente. —

Segurou minhas mãos. Mordi meu lábio e ele suspirou,


como se desejasse mordê-los também.

— Você é um homem muito bonito, Abdar. Eu também


usaria lindo para te descrever, mas não quero ser punida
por ser ousada demais com as minhas palavras. —
Entrelacei nossos dedos.

— Depois do casamento, eu quero ouvir tudo que tem a


dizer. Promete?

— Eu prometo.

O fotógrafo chegou com a equipe e fomos conduzidos ao


local preparado

para as fotografias. Iasmin quis retocar minha maquiagem


e todo nervosismo sobre estar posando para lentes
desconhecidas e próximo do meu futuro marido,
desapareceu após nosso pequeno momento em
privacidade no jardim. Ele foi respeitoso. Agiu como meu
pai pediu que agisse comigo, que não me tratasse como
uma mulher qualquer e me honrasse acima de qualquer
coisa.
Esse gesto de obediência e respeito pelo meu pai, encheu
meu coração de confiança que Abdar tinha um bom caráter
e um coração capaz de compreender que nem todos ainda
estavam prontos para aceitar intimidade antes do
casamento, quebrando as barreiras das nossas tradições.
Eu acreditava no amor e tinha em mim todos os
ensinamentos, tanto que nunca havia me entregado a
nenhum homem. Mas se ele me beijasse no jardim, eu não
o empurraria.

Eu queria o beijo dele.

Capítulo 7 | Abdar.

Rawan estava parada no meio do salão de festas do


palácio, olhando para o alto e apontando alguma coisa
sobre o lustre. Ela segurava sua agenda de planejamento
do casamento, falando com a assistente e com minha
madrasta, Sarai. Seus cabelos longos caíam fluídos pelas
costas, usava uma calça jeans bem ajustada e uma camisa
branca, mostrando que por trás da mulher que usava
roupas elegantes e adorava as joias que eu mandava de
presente, havia uma menina de estilo simples, que usava
tênis para os dias agitados.

Ela virou o rosto e me viu parado, abriu um sorriso discreto


e deu atenção ao que Sarai lhe falava. Após alguns
minutos, se despediu delas e veio em minha direção. A
mulher era tão bonita que ainda me deixava parado feito
um idiota, só admirando. O gingar de seus quadris me fazia
ansiar loucamente por uma dança.

Esperava que ela dançasse para mim e que gostasse de


fazer tal coisa, porque eu adorava e amaria ser agraciado
pela minha esposa.
— Invadindo o planejamento da decoração?

— Não. Planejando sequestrar minha noiva para um


passeio. —

Desencostei da parede. — Estamos rodeados de


funcionários, não precisamos de companhia.

— Tudo bem. — Ela sorriu, aceitando minha mão e


andamos juntos.

Por mais que eu entendesse o posicionamento do meu


futuro sogro e

aceitasse de todo meu coração as tradições de casamento


do meu povo, estava louco para experimentar o sabor dos
lábios dela. Rawan era nada para mim quando soube do
noivado, mas quando a vi, ela passou a preencher meus
pensamentos e até invadir meus sonhos. Culpava a
ansiedade, toda a expectativa de me tornar seu marido, a
noite de núpcias e o desejo ardente de vê-la fora de suas
roupas.

Eu queria abraçá-la e sentir seu corpo contra o meu. Queria


coisas que só nos eram permitidas após o casamento,
porque se qualquer coisa acontecesse até lá, Rawan se
tornaria uma renegada e eu jamais destruiria sua honra.

— Soube que foi brincar no deserto. — Ela começou um


assunto leve.

— Meus irmãos gostam de brincar lá, mesmo depois de


tudo. Eu comprei novos carros e eles queriam testar a
potência na estrada. — Enfiei minha mão livre no bolso.

— Seu pai lida bem com isso? — Sua curiosidade era


genuína.
— Já faz tempo.

— Vai permitir que dirija um dos seus carros? — Ela olhou


em meus olhos. Atrevida.

— Depende do quão boa motorista é.

— Homens e seus brinquedos. — Suspirou e sorri. — Sarai


disse que você pretendia me levar para uma lua-de-mel
fora daqui.

— Era pra ser uma surpresa. — Bufei. Sarai não se


continha, ela amava viajar e parecia que o casamento era
dela, de tão imersa nos preparativos. —

Nosso casamento será no auge do verão europeu e


imaginei que poderíamos passar um tempo sozinhos,
velejando em meu iate — expliquei e a expressão dela foi
adorável.

— Eu vou amar, eu amo… eu… nem sei o que dizer, Abdar!


— Seus olhos ficaram marejados e sem aviso prévio, se
jogou em mim, me abraçando. —

Obrigada! Sempre foi meu sonho navegar pela costa,


conhecer praias e países.

— Não sabia, mas estou incrivelmente feliz. — Retribuí o


abraço e ficamos parados, até ela perceber seu impulso e
tensionar. — Não me solte ainda.

— Me desculpe por…

— Não peça desculpas, ninguém está nos vendo — menti.


Provavelmente tinha alguém nos observando, mas eu faria
com que não falassem absolutamente nada. E porra, o
abraço dela era bom.
— Gostei do seu cheiro. — Ela se afastou um pouco e
mantive minhas mãos em sua cintura.

— Seu perfume está em mim desde o primeiro dia.

— Abdar, você é um homem que sabe o que dizer. —


Rawan passou a mão suavemente na minha barba e ao
ouvir uma porta bater, se afastou

completamente com as bochechas vermelhas. Era um


contraste. Ela tinha uma postura perfeita para ser a mulher
de um homem poderoso. Altiva, soberana com seu olhar,
mas ainda pura ao ponto de não saber como lidar com as
emoções carnais de seu corpo. Seria um prazer imenso
observar o desabrochar daquela linda mulher ao meu lado.

— Eu ainda não disse tudo.

— Não sou boa na arte de flertar — confessou, sorrindo.

— Mas é linda. — Continuei, ganhando uma risada de volta.

— Você quer me deixar vermelha.

— Ah, eu quero muitas coisas. — Sorri. Se ela soubesse...

Rawan cobriu o rosto, rindo, e segurei suas mãos,


abaixando-as. Era inadmissível cobrir sua beleza. Coloquei
a mecha de seu cabelo atrás da orelha, olhando bem para
seu rosto.

— Precisarei fazer uma viagem para Dubamyr de apenas


alguns dias, voltarei logo.

— Se cuide — pediu baixinho.

— Eu me cuidarei. Posso te mandar mensagens?

— Vou adorar recebê-las.


Sua assistente se aproximou de forma discreta, então beijei
as mãos da

minha noiva e por último, sua testa. Ela se afastou,


retornando para o salão e sem que ninguém observasse,
olhei o tempo todo para sua bunda. Era uma bela bunda,
que eu estava morrendo de vontade de apertar. Balancei
minha cabeça para sair do transe e virei na direção da
minha saída privada, onde a comitiva me aguardava para
pegar a estrada.

Meu novo carro era um Rolls Royce Ghost dourado porque


eu gostava de ouro. Estava louco para testar sua potência
na estrada, do palácio até o centro de Dubamyr, a cidade
que meu emirado construiu no meio do deserto e era
moderna, tecnológica e queridinha dos turistas que vinham
de vários lugares do mundo.

— Preparado para uma viagem emocionante, Kalil?

— Eu tenho filhos para criar — me respondeu, mal-


humorado.

— Que bom. Eu tenho filhos para fazer. — Sorri e dei a


partida.

Mesmo concentrado na estrada e na delícia que era dirigir


aquele carro, minha mente acabava voltando para Rawan,
seus lábios preenchidos, rosados e o gingar dos seus
quadris alimentando minhas fantasias mais pervertidas.

— Fico feliz em te ver sorrindo com sua noiva. — Kalil


quebrou meus pensamentos com o comentário. — Seu pai
também se orgulha da proximidade de vocês. Ele
comentou comigo que seu casamento é um dos seus
melhores feitos como Sheik e está grato que você não
dificultou nada sobre isso.
— Eu sei qual é o meu papel e o que esperam de mim.
Claro que inicialmente, fiquei chocado, mas Rawan é
encantadora e acredito que possamos ter uma boa
convivência. Sempre soube que a minha vida seria gerida
pelo melhor de Al-Abadi e não dentro dos meus interesses
pessoais. — Apertei um pouco o volante. — Esperava poder
escolher minha esposa? Sim. Talvez tenha demorado
demais.

— Tudo acontece por uma razão, Abdar. Seu destino foi


traçado e não há falhas em nossas vidas. Nasceu um
herdeiro que assumirá Al-Abadi com a mesma honra que o
pai e com uma mulher forte, que reinará ao seu lado e lhe
dará muitos filhos.

Aceitei aquilo, porque era uma mensagem de sabedoria e


prosperidade que um homem como eu merecia ouvir. Que
Kalil estivesse certo.

Meus compromissos na cidade eram muitos, eu mal tive


tempo para comer ou ficar sozinho porque precisei
participar de reuniões e alguns eventos. Me encontrei com
meu gerente financeiro particular e criei um fundo para
Rawan, já separando outros para futuros filhos. Ela,
provavelmente, gostaria de trabalhar nas fundações da
família. Minha madrasta não trabalhava porque não queria,
porém, Rawan tinha muitos diplomas e parecia amar sua
formação. Ela seria um diferencial em Al-Abadi.

No pouco tempo que tive, troquei mensagens com minha


noiva. Ela, bem discreta, não me fez perguntas invasivas
sobre o que estava fazendo fora e

parecia confiar na minha palavra sem nenhum


questionamento. Rawan me passou a impressão que
acreditaria em mim até a primeira mentira. Sorte a nossa
que eu não era um homem mentiroso. Era uma das coisas
que mais odiava na vida. Meu pai me ensinou que não
havia honra em uma mentira e meus amigos, por mais que
ficassem chateados com minha honestidade, apreciavam
que eu sempre seria íntegro com eles.

Leonard, um dos meus melhores amigos e príncipe de um


país no mar celta, sempre brincava que meu rosto era um
espelho da verdade. Se eles queriam saber algo, me
perguntavam. Eu não era de enrolação e Rawan iria me
conhecer. Gostei que não havia insegurança em seu modo
de agir, ela não tinha problemas em seguir o protocolo
esperado e ao mesmo tempo, demonstrava estar
interessada.

Quando me avisou que sairia para escolher suas roupas da


viagem e por consequência, da noite de núpcias, senti a
sua provocação e adorei.

O jantar foi servido com alguns conselheiros do meu pai.


Após o lindíssimo espetáculo de dança, me despedi. Estava
exausto e sem paciência para festejar até o dia amanhecer.
Jamyr, meu irmão, acenou ao sair acompanhado de duas
das dançarinas. Ele tinha o comportamento de um
adolescente quando se tratava de mulheres, era um
problema para mim, mas nosso pai apenas dizia que Jamyr
tinha muitos traumas para lidar e não o repreendia.

Desde a morte dos nossos irmãos, ele se culpava. Eu


deveria estar no

carro, porém, de última hora, precisei fazer uma viagem,


colocando meu outro irmão no lugar. Jamyr já estava no
local da corrida. Enquanto eu voava pelo oceano, o
acidente que devastou nossa família aconteceu. Eu
aceitava o destino, estava escrito que meus irmãos
morreriam naquele dia, por mais doloroso que fosse. Sabia
que eles estavam bem. Jamyr não compartilhava do
mesmo pensamento.
Durante meu luto, pensei no que poderia ter feito para que
nenhum de nós saísse ferido. As corridas sempre fizeram
parte da história da minha família.

Respeitava a curta história deles e honrava suas


existências todos os dias.

Desejei boa noite a Rawan quando deitei para dormir. Ela


ainda estava acordada, estudando, era o único momento
que tinha paz para seguir com seus estudos. O fato de ela
não desistir do que gostava de fazer era mais um motivo
para ter minha admiração completa.

Eu estava em um sono profundo quando ouvi a porta do


meu quarto. Kalil apareceu, ainda vestido com suas roupas
de dormir, o telefone na mão e um olhar assombrado.

— O que aconteceu com Jamyr? — Sentei rapidamente.

— Seu irmão ainda festeja com as senhoras. — Kalil deu


um passo à frente. — É do palácio, Abdar. Seu pai.

Foi ali que meu mundo desmoronou.

Capítulo 8 | Rawan.

Meus passos ecoavam no corredor vazio do palácio. O


clima era pesado, triste, mesmo que ninguém estivesse
falando sobre aquilo. Meu coração estava apertado e eu
estava quebrando uma regra muito rígida do meu pai, que
me avisou de forma explícita que não me queria
completamente sozinha com meu noivo até depois do
casamento. Eu precisava estar com Abdar naquele
momento, estava seguindo o meu instinto e fiz duas
pessoas extremamente obedientes quebrarem as regras
por mim.

Abri a porta sem bater.


— Eu não quero nenhuma das suas mulheres, Jamyr. Saia
dos meus aposentos — Abdar falou sem virar o rosto.

— Seu irmão lhe mandou mulheres? — Soltei a pergunta


sem me conter, sentindo uma pontada de ciúme no
coração.

Abdar virou bruscamente, deixando que algumas


almofadas de seu sofá caíssem e acendeu a luz. Ele me
olhou como se fosse um fantasma e imediatamente me
arrependi de ter sido tão impulsiva em aparecer sem
avisar.

Ele ficou de pé e engoli seco, pensando em como me


explicar.

— Rawan! O que está fazendo?

— Não fui autorizada a participar da despedida do seu pai e


eu achei que apenas mensagens e flores não eram o
suficiente para demonstrar meu apoio

nesse momento. Pedi que Iasmin falasse com Kalil. Eu


queria te ver pessoalmente e meu pai não autorizou —
confessei e ele deu uns passos à frente.

— Sinto muito, Abdar. Eu só… não deveria ter vindo.

— Deveria. Obrigado por vir. — Segurou minhas mãos. —


Eu adorei as flores. Nunca recebi um buquê antes.

— Fico feliz em saber que inovei. — Abri um sorriso.

— Estou surpreso que Kalil tenha permitido sua entrada


aqui, ele é um adorador das regras, mas não quero que
ninguém te veja. Meus funcionários costumam avisar
quando entram, não quero que abram a porta e nos
peguem de surpresa. — Ele girou a fechadura e me levou
para o sofá. Eu estava sozinha com um homem que não
era da minha família pela primeira vez.

— Como você está? — Sentei de lado, olhando-o.

— Nenhum antepassado da minha família morreu antes dos


noventa anos.

Eu nunca imaginei que meu pai quebraria essa linhagem.


— Abdar se inclinou para frente, seu semblante triste. —
Ele tinha uma boa saúde, de modo geral, era um homem
forte. Foi um aneurisma. Inesperado. Minha madrasta não
consegue sair da cama e eu ainda não tive coragem de
contar para minhas irmãs. Jamile está em algum lugar do
palácio com o marido e os filhos. Jamyr está mergulhado
em mulheres e Mohammed se recusa a sair do quarto. Nós
estamos respeitando o luto um do outro da melhor maneira
possível, mas eu sou o líder dessa família agora. O líder
dessa nação. O primeiro de Al-Abadi ainda na faixa etária
dos

trinta.

— O destino tem um propósito, Abdar. Ele nunca falha.


Seus escritos são certos e por mais doloroso que seja
agora, Al-Abadi precisa do seu líder. —

Segurei sua mão e ele olhou em meus olhos, refletidos de


tristeza. — Eu sinto tanto pelo seu pai...

— Eu também sinto. Ele estava sonhando com o nosso


casamento e agora, não estará lá. — As lágrimas caíram e
eu quebrei, puxando-o para um abraço apertado.

— Eu sinto muito, eu sinto tanto...

— Está tudo bem. Nós vamos ficar bem.


Abdar relaxou no lugar e não permitiu que me afastasse.
Deitei minha cabeça em seu ombro, com nossas pernas
esticadas à frente e por mais que eu nunca tivesse estado
tão próxima de um homem, sentir o calor de seu peito e o
conforto dos seus braços mesmo em um momento difícil,
me encheu de acalento e segurança. Nós ficamos
abraçados por muito tempo, conversando baixinho, na
semiescuridão do quarto.

— Seu irmão lhe enviou mulheres? Por que?

— Porque foi a forma que ele encontrou de ter conforto e


eu chamei sua atenção sobre seu comportamento. Ele
disse que precisava relaxar.

— E precisa?

Eu não poderia ajudá-lo daquela maneira e foi ingênuo da


minha parte pensar que só a minha presença bastaria.

— Não. Jamyr é imaturo, age como uma criança em muitos


momentos embora, seja pacífico. Ele não é de brigar,
sempre diz o que o outro quer ouvir e ao mesmo tempo,
segue fazendo o que bem entende. — Ele tocou meu
cabelo e fez um carinho gostoso. — Não sou criança,
Rawan. Sei que ainda não me conhece e por isso, sente
insegurança, mas não sou um homem conduzido pelo sexo.
Gosto muito e desejo que seja algo incrível entre nós dois,
porém, eu posso esperar o nosso casamento.

— Obrigada por ser honesto comigo. Eu sei que ainda não


tenho direitos, mas…

— Assumimos um compromisso, é claro que tem direitos.

Corei um pouco e sorri. Abdar tinha um pensamento muito


diferente do meu pai ou talvez, meu amado baba não
soubesse como lidar comigo e achasse que me colocar
quieta no canto era mais fácil. Meu tempo com meu noivo
chegou ao fim quando Kalil bateu na porta, alegando que
os conselheiros já estavam reunidos aguardando-o para a
reunião. Abdar seria empossado antes do nosso casamento
e dessa vez, eu poderia estar presente.

Al-Abadi estava sentida com a morte inesperada do seu


líder e ao mesmo tempo, animada, porque Abdar nunca
escondeu que desejava levar a nossa nação a um patamar
de igualdade, riqueza, tecnologia e sempre investiu pesado
em

melhorias com apoio do pai. Conhecendo-o um pouco,


imaginava que seu pai deveria ser relutante, porém, aberto
a ouvir.

Kalil me levou de volta para casa e eu agradeci de coração


a sua ajuda. Ele apenas sorriu. Iasmin me esperava na
cozinha, angustiada e sorri para seu rosto aflito.

— Foi tudo bem, ele ficou muito feliz em me ver.

— Ai que lindinhos. Posso colocar vocês dois em um


potinho? — Ela pulou no lugar.

— Saiu de casa, Rawan? — Baba entrou na cozinha e eu


travei, mas logo abri um sorriso.

— Coisas do casamento, elas não param nunca.

— Fico feliz em te ver animada. Se precisar de alguma


coisa, me chame em meu escritório. — Ele saiu depois de
pedir bebidas frescas e respirei aliviada.

Se me procurasse cinco minutos antes, iria descobrir que


saí de casa sem minha acompanhante e questionaria onde
fui.
Iasmin me levou para o quarto. Meu armário estava quase
todo desmontado, pronto para ser enviado com um pouco
de antecedência para o palácio. Abdar informou que eu não
ficaria em uma ala separada, dividiríamos o mesmo
aposento. Recebi uma planta, era um local muito espaçoso
e o local que estive com ele mais cedo era apenas uma das
suas salas de convívio, não o seu

quarto íntimo.

— Seus vestidos irão chegar esta noite e eu já cataloguei


todas as joias.

Falta muito pouco, Rawan. Em nove dias, será a senhora


desse emirado. —

Iasmin estava nas nuvens. Ela ficou triste pela morte do pai
de Abdar, mas ao mesmo tempo, explodindo fogos que eu
me tornaria esposa de um Sheik, não apenas a noiva
inesperada de um herdeiro.

— Será de péssimo gosto se alguém te ouvir com tamanha


alegria.

Sossegue para não ser punida — avisei, mas ri. Ela tinha
muita energia. — Estou feliz que se mudará para o palácio
comigo. Seu marido será muito bem recebido na equipe do
meu noivo.

— Será uma honra servir a vocês dois. — Iasmin sentou na


minha frente.

— Suas primas estão tão empolgadas com seu casamento!

Fiz uma pequena careta. Eu não era próxima dos meus


parentes, do sexo masculino ou feminino, fiquei muito
tempo fora para ter laços. Elas me achavam meio
esquisita, porque tinha prazer por estudar, conhecer coisas
novas e sabia falar várias línguas. Eu sabia que minhas tias
haviam criticado muito meu pai por ter me colocado para
estudar e não me deixado em casa, aprendendo a gerir
nossa mansão e me preparando para ser esposa de um
homem importante um dia.

Talvez elas não entendessem os planos do meu pai, talvez


nem ele soubesse porque desejava um futuro diferente
para mim. Embora tivesse em

mim enraizada a nossa cultura, eu não sabia como cuidar


de uma casa pessoalmente.

Poderia gerir, se me dedicasse, mas esperava que Abdar


não sonhasse com uma esposa exímia cozinheira e que
dominasse a arte de ser dona de casa. Eu era uma
economista formada, me pós-graduando em políticas
internacionais, que falava mais de uma língua. Foi para isso
que meu pai me preparou e eu não sabia qual seria meu
papel ao lado do futuro Sheik.

Eu não sabia se ele queria apenas uma esposa ao seu lado


ou se eu teria autorização para trabalhar em favor da
família e de toda Al-Abadi. Independente do que fosse
determinado, eu sabia que meu destino era mais do que
ser uma esposa. Eu era inteligente e determinada, lutaria
pelo meu direito de ter um local de fala e ajudaria milhares
de mulheres silenciadas pelo mundo.

Olhei para a janela, o sol forte do lado de fora fazia com


que a água da piscina privada do meu pai criasse um
reflexo cristalino na parede. Era um efeito lindo que por
algum motivo, desde pequena, associava à esperança de
que tudo poderia ser diferente, se tentássemos de verdade
lutar por uma mudança. Eu queria desesperadamente que
as mulheres tivessem seus direitos e que o mundo
compreendesse a importância da equidade entre os sexos.
E lutaria por isso com todas as minhas forças.

Capítulo 9 | Rawan.

Aquele era o segundo dia importante naquela semana. O


primeiro foi quando Abdar se tornou soberano de Al-Abadi,
sendo empossado devido à morte prematura do pai. O
segundo, o primeiro dia do nosso casamento. Uma festa
tradicional que levaria três dias. Nós assinamos nosso
contrato e nos tornamos oficialmente marido e mulher.
Trocamos alianças e fomos abençoados com a nossa união,
na presença dos nossos familiares.

Sarai chorou um pouco, ainda toda emocionada e sentida


que o marido não estava ali. Era um momento que ele
havia desejado muito presenciar. Até meu pai pareceu
fungar um pouco. Não olhei diretamente, para que não se
sentisse constrangido. Abdar estava bem, pleno, senti que
ficou um pouco mais distante do que costumava quando
ficávamos sozinhos e eu respeitei sua postura. Ele não era
mais um herdeiro. Era o homem que dava exemplos.

Eu estava me tornando uma mulher casada. Mal dormi. Fui


acordada muito cedo para Iasmin preparar meu cabelo e
maquiagem, eu tinha um total de seis vestidos e
momentos diferentes para curtir minha festa de casamento
nos mínimos detalhes. O segundo dia seria só meu. Abdar
estaria com seus convidados do sexo masculino em outro
lado do palácio.

Minhas primas estavam pintando minhas mãos com


habilidade. Não era a primeira vez delas em um
casamento. Estava ficando perfeito. Enquanto

desenhavam, as demais riam, comiam e dançavam muito.


Meus pés doíam de tanto que já havia dançado e uma das
minhas primas casadas me deu bebidas, aconselhando
sobre a noite de núpcias. Elas falaram tanta coisa, que
minha mente deu um nó e Iasmin implorou para que eu
esquecesse ou ficaria apavorada.

Era estranho pensar no quanto mulheres se permitiam ir


além do desconforto e respeito por si mesmas só para
agradar o marido. Eu me apeguei ao fato de que Abdar
queria que a nossa vida íntima fosse boa para nós dois. Ele
esperava termos uma conexão e não fazia ideia do quanto
aquela simples frase colocou muitos dos meus nervos para
descansar. Eu queria ser mais ousada para falar
abertamente, ainda sentia medo de ser repreendida, por
até então, não sermos casados.

A partir do dia seguinte, nada mais nos impediria.

Pensei que com a morte de seu pai, nossa lua-de-mel fosse


adiada, mas seus conselheiros queriam passar a imagem
de que Al-Abadi seguiria firme e forte, sobrevivendo ao luto
e celebrando o matrimônio do novo líder. Sarai foi contra
adiar, ela foi enfática ao dizer que era um momento único
como casal e que não deveríamos abrir mão. Mohammed, o
irmão de Abdar, disse que ficaria no país, já que foi coroado
como príncipe na ascensão do irmão.

Jamyr se tornou o príncipe herdeiro até que eu desse um


filho homem a Abdar.

Jamile, irmã de Abdar, era gentil e divertida. Ela vivia na


Jordânia e tinha uma mente um pouco mais aberta.

Quando as pinturas terminaram, me afastei um pouco da


comoção para comer. Eu não estava com muito apetite,
Iasmin insistiu muito, me entregando um prato com um
pouco de tudo. Sarai se aproximou, empolgada, com
bebidas e disse que eu deveria aproveitar cada minutinho
do meu casamento por mais nervosa que estivesse. Ela
tinha razão, porém, meus nervos não colaboravam.

Aquela festa era um rito, tradição, mas no dia seguinte,


após a última festa, Abdar e eu ficaríamos sozinhos pela
primeira vez como homem e mulher.

Estava com um misto de sentimentos, ansiedade para me


tornar sua mulher, nervosa por não saber absolutamente
nada para nossa noite de núpcias.

Passaríamos a primeira noite juntos e depois, iríamos


viajar. Nossa primeira parada seria sua casa na França, no
interior e em seguida, iríamos velejar por três semanas
pela costa. Minhas tias estavam dizendo que eu voltaria
grávida, coincidindo meu período fértil com os primeiros
dias. Mal sabiam que eu estava tomando contraceptivos.

Baba me aconselhou a ter filhos depois de um ano de


casamento ou um pouco mais. Ele não me deu conselho
algum, nem íntimo e nem comum, apenas esse. Meus pais
começaram a tentar ter filhos depois de dois anos e meio
juntos, porque para eles, foi muito importante um tempo
sendo apenas um casal. Eu aceitei de coração. Abdar
estava enfrentando uma nova vida. Não era tempo de

ser pai.

Minha festa acabou muito tarde, eu estava exausta, dormi


pouco e no melhor do sono, Iasmin me acordou para comer
e seguir para o salão onde eu teria todo meu tratamento
de noiva. Durante a massagem, dormi, relaxei com os
preparativos e tentei descansar meus nervos quando
começou a maquiagem.

Meu cabelo ficaria longo, cacheado, por baixo do véu.


Cobriria bem, mas era um véu de noiva, com flores
bordadas e um caimento lindo. Era o que eu mais havia
amado em todo meu tradicional vestido branco para meu
terceiro dia de festa de casamento.

Pronta, parei na frente do espelho, me admirando e me


senti a mulher mais bela do mundo inteiro.

— Seus aposentos e as roupas nupciais estão prontas. —


Iasmin parou atrás de mim. Ela percebeu meu olhar
emocionado. — Não conheci sua mãe e todos dizem que
ela era uma mulher incrível. Tenho certeza que estaria
muito orgulhosa e completamente apaixonada por você.

— Obrigada, Iasmin. Sem você, esse casamento não seria


tão perfeito.

Obrigada por tudo.

— Meu dever, minha senhora. — Ela tocou meus ombros.

Baba estava me esperando do lado de fora, ele estava


lindo. Seu olhar em mim foi tão bonito que fiquei marejada.

— Não tenho palavras, minha Rawan. Sua beleza é de tirar


o fôlego. —

Ele segurou minha mão. — Seja feliz em seu casamento,


honre nosso nome e tenha o futuro brilhante que um dia,
sua mãe leu em uma borra de café. Eu te amo.

Não lembrava a última vez que meu pai disse que me


amava. Eu o abracei apertado. Ele nunca foi um homem de
demonstrar afeto e amor por mim, era introspectivo e
distante, me mandou para longe e não soube como lidar
comigo quando minha mãe morreu. Era meu casamento e
me sentia no direito de ser emocional.

— Vamos. Abdar está esperando por você. — Ele se afastou


e limpou a garganta, que estava embargada.
Segurei seu braço e os funcionários foram abrindo as
portas para que eu passasse e me dirigisse até o local da
festa principal. Estava cheio, havia muitos convidados, de
todo lugar do mundo. Abdar fez questão que seus amigos
estivessem presentes, inclusive, Kaled, o Sheik de Rheadur.
Eu estava muito curiosa sobre esse grupo de amigos. As
poucas vezes que conseguimos conversar sobre, fiquei
encantada.

As portas se abriram, as dançarinas e os dançarinos


criaram um corredor, animadamente fazendo com que os
convidados comemorassem a minha entrada junto com
meu pai. Abdar já tinha entrado, me encontrou no meio do
caminho, dançando com um gingado e maestria que me
fizeram rir. Ele apertou a mão do

meu pai, abraçou e em seguida, me deu um beijo na testa,


segurando minhas mãos. Trocamos um sorriso, dando
atenção aos nossos convidados.

A música deixava todos muito fora de seus lugares. Meu


pai fez questão de assumir todos os gastos, mesmo sendo
desnecessário porque a família do meu marido tinha muito
mais dinheiro. Deixei que meu pai exibisse sua riqueza ao
casar a única filha, tanto que todos os meus vestidos
custaram uma fortuna, costurados a ouro e o branco, com
milhares de aplicações de diamantes.

Abdar passou o braço por minha cintura e cochichou que


eu estava linda.

A câmera capturou meu sorriso, porque o flash explodiu no


meu rosto.

Nós dois não tivemos privacidade para sequer falarmos


muito um com o outro durante toda a festividade. Fiquei
feliz em ver todos felizes. Ainda havia uma melancolia pela
morte do pai de Abdar e eu o homenageei, usando a joia
que era símbolo da família. Mohammed, Jamile e Sarai me
agradeceram pelo carinho. Jamyr já estava bêbado quando
entrei e ele não se aproximava muito.

— É hora de ir, Rawan. — Iasmin me pegou durante uma


dança.

— Tudo bem. — Meu coração estava quase explodindo no


peito.

— Vou te ajudar com o vestido e depois…

— Eu sei.

Respirei fundo e coloquei um sorriso no rosto, saindo


discretamente da festa em direção aos meus novos
aposentos. Iasmin e Jamile, irmã de Abdar, me

ajudaram a sair do vestido com suas muitas saias e


anáguas. Elas me deixaram sozinha com um risinho e eu
devolvi, mas de puro ataque histérico que estava
borbulhando dentro de mim.

Preparei toda a iluminação do quarto e vesti minha roupa,


sentindo que o top ficou um pouco apertado. Minha saia
era longa, com véus de várias cores e a cintura, de
pedrarias. Vesti minhas joias e me preparei, aguardando o
momento em que meu noivo entraria no nosso quarto e eu
o surpreenderia com uma dança para nossa noite de
núpcias.

Capítulo 10 | Abdar.

A festa de casamento estava cheia. A maioria dos


convidados, meu pai, quando ainda vivo, convidou para
mostrar generosidade e poder. A outra parte, o pai de
Rawan, ansioso em exibir sua riqueza. Ele fez questão de
cobrir cada centavo, mesmo que a minha família não
precisasse. Era um dos casamentos mais luxuosos que já
havia comparecido.

Era o meu casamento.

Rawan estava linda. Deslumbrante de uma maneira que eu


jamais poderia descrever. Ela homenageou meu pai em sua
vestimenta, foi doce e divertida ao ser apresentada aos
meus amigos, levando na esportiva as piadas de Eduardo,
a polidez de Leonard e arregalou os olhos ao conhecer
Kaled, Sheik de Rheadur.

Nós bebemos e dançamos, comemorando mesmo com a


dor do luto, que ainda estava em nossos corações.

Minha noiva, melhor dizendo, esposa, saiu da festa


discretamente para que ninguém alardeasse a entrada da
nossa vida a dois. A partir dali, seríamos apenas eu e ela
como uma família, casados em prol do lugar que
amávamos e lutando por uma vida melhor. Observei-a ir
com sua assistente, segurando o volumoso vestido e
troquei um olhar com Kaled. De todos os meus amigos, ele
era o único que realmente compreendia a tradição daquele
momento.

Não era qualquer uma. Era minha esposa. Por alguns


segundos, fiquei

assustado com a realidade de que havia me tornado um


marido, o provedor, o porto seguro, o abraço de acalento e
o sustento de uma pessoa e em breve, de uma família
inteira. Rawan me daria filhos. Ela deixou claro que estava
disposta a ter numerosas crianças, não só para me dar
herdeiros e sim, para sermos felizes.
Ela estava me esperando para nossa noite de núpcias, a
primeira vez de sua vida. Discretamente, me despedi dos
meus amigos e me afastei pelos corredores até minha ala.
De longe, vi Jamyr beber e festejar com seus amigos. Ele
saiu da minha festa de casamento quando ficou
socialmente aceitável, mesmo que nosso irmão,
Mohammed, tenha pedido um pouco mais de respeito por
mim, que além de mais velho, me tornei o seu líder.

A entrada da minha ala estava vazia, assim como todos os


cômodos até meu quarto. Abri a porta e estranhei o
ambiente estar escuro, com algumas velas acesas, minha
cama perfeitamente arrumada.

— Rawan?

— Estou aqui — ela falou baixinho de algum lugar do


quarto. — Pode trancar a porta e sentar na cama?

— O que está acontecendo? Por que está escondida?

— Eu vou dançar para você, estou nervosa e ansiosa,


então, faça o que pedi. — A voz dela soou trêmula e sorri,
com expectativas. Jamais imaginei que

ela escolhesse dançar, pensei que seria algo inexistente ou


que precisaria convencê-la. Sentei na cama, afrouxando
minha roupa e esperei. Ela espiou do seu lado do quarto,
onde ficava seu escritório privado, closet e uma sala.

Sorrindo, ligou o som e, lentamente, começou a dançar.

Passei a mão na minha barba para ter certeza de que meu


queixo não havia caído no chão e rolado pelos meus pés.
Rawan não parecia que sabia mover os quadris daquele
jeito. Era hipnotizante, sexy, se ela estava nervosa, queria
saber como seria estando totalmente à vontade. Seu olhar
encontrou o meu, sorri e movi meus ombros no ritmo da
música, evitando ficar parado como um idiota, porque
parecia hipnotizado.

Durante toda a minha vida, milhares de mulheres


dançaram na minha frente, nenhuma delas foi tão especial
quanto o presente surpresa que minha esposa estava me
dando em nossas núpcias. Em um determinado
movimento, seu sutiã de pedras verdes soltou. Ela se
assustou, envolveu o braço cobrindo os seios e foi quando
saí do meu lugar. Seu peito subia e descia, pela dança e,
claramente, pelo nervosismo.

— Continue dançando comigo — pedi baixo, tirando seu


braço da frente e agarrando sua cintura. Ela ofegou, me
segurando, com os seios pressionados no meu peito.
Rawan era mais baixa do que eu, no entanto, parecíamos
ter nos encaixado muito bem. — Você estava maravilhosa
como noiva e agora, está ainda mais incrível. — Beijei seu
queixo. — Sonhei com o dia que finalmente

poderia te beijar — sussurrei contra seus lábios.

— Me beija logo. — Ela subiu as mãos pelos meus braços.

Encostei meus lábios nos dela suavemente, começando


devagar, mas ao sentir o seu gosto, foi como um gatilho
disparado. Beijei-a como queria, tomado no intenso prazer
de finalmente poder tocar a mulher que foi escolhida para
mim, que estava se entregando e se derretendo em meus
braços. Rawan ficou na ponta dos pés, correspondendo o
beijo como sabia, seguindo seu instinto. Desci minhas
mãos para seu bumbum arrebitado.

Era ainda mais bonito. Me afastei um pouco, tirando todo


véu da frente e olhei pelo espelho. Ela ficou confusa
inicialmente e depois, riu. Me bateu no braço, sem graça,
percebendo que estava com os seios expostos. Sem dar-lhe
tempo para permitir que a timidez tirasse toda sua
concentração de mim, com cuidado, levei-a para mais
próximo da cama.

— Você vai ficar vestido? — Ela parou um pouco, incerta.

— Quer que eu me dispa?

— É que estou muito consciente da minha semi-nudez e


como está vestido, me sinto exposta — gaguejou um
pouco.

— E o propósito da noite é ficarmos nus? — brinquei um


pouco.

— Quer adiar nossas núpcias? — Seus olhos arregalaram.

— Não precisamos fazer absolutamente nada, podemos


conversar,

conhecer um ao outro, nos divertir e ir com calma. —


Segurei seus ombros.

— E se eu não quiser ir com calma? — Mordeu o lábio. —


Não me entenda mal, não quero soar desesperada, é que
eu me preparei muito para essa noite e quero que
aconteça. Eu quero acordar amanhã e me sentir sua
mulher por completo. — Olhou em meus olhos.

Meu sangue esquentou completamente com as palavras e


enfiei minha mão em seus cabelos, segurando uma grande
parte e tomando sua boca. Ela já era minha.

— Tire minha roupa, esposa — comandei baixinho.

Seus dedos estavam trêmulos quando começou a tirar a


parte de cima da minha roupa, dissolvendo os laços e aos
poucos, abrindo. Ela tocou meu peitoral com curiosidade,
descendo para o abdômen e mordeu o lábio, me encarando
com um sorriso traquina. Por baixo, usava uma cueca preta
e sua expressão ao me analisar completamente foi muito
adorável.

— Por baixo das roupas é ainda melhor.

— Eu que o diga. — Engatei meus dedos em sua saia,


abrindo e permitindo que caísse no chão. Ela usava uma
calcinha branca, fio dental, de renda. Caí de joelhos à sua
frente, segurando seus quadris e dessa vez, ela não se
cobriu. Beijei seu ventre, acariciando seu corpo, chegando
perto dos seios e descendo novamente. — Vá para a cama.
— Agarrei o frasco de óleo.

— Isso é para a massagem nupcial.

— Sei disso, mas sinto desapontar, não quero tirar minhas


mãos de você.

— Sorri e apontei para a cama. Obediente, ela caminhou


sem pressa, com meu olhar muito atento em seu rebolar.
Deitou e me esperou. Ajoelhei entre suas pernas, pingando
algumas gotas de óleo nelas.

Lentamente, espalhei pelas coxas e voltei para o tornozelo,


dando um beijo suave. Rawan se apoiou nos cotovelos, me
observando e seus mamilos arrepiados sugeriram o quanto
um simples toque lhe afetou. Repeti o mesmo processo do
outro lado, subindo beijos até o meio de suas coxas. Ela
prendeu a respiração quando pulei para sua barriga. Deixei
que as gotas escorressem até seu umbigo antes de
espalhar bem, passando o indicador pelo contorno dos
seios.

— Isso é bom?

— Está sendo ótimo. — Suspirou, fechando os olhos


brevemente. Me inclinei e assoprei seus mamilos. Rawan
soltou um gemido.
— E agora, ainda está bom?

— Isso parece profano. — Sorriu um pouco.

— Espere até… — Tomei seu mamilo entre meus lábios e


lhe dei uma deliciosa chupada.

— Abdar! — Ela soltou um resmungo, perdida na


descoberta do prazer.

— Ainda profano?

— Sempre me disseram que coisas profanas e pecadoras


eram boas, agora, eu tenho certeza e entendo o porquê.

Ela ainda não entendia totalmente. Pretendia dar a ela


tanto prazer que ficaria completamente tonta. Aquela noite
era nossa. Uma conexão muito importante para o resto dos
nossos dias como marido e mulher. Levei minha boca para
seu outro peito, saboreando, necessitado. Rawan gemeu,
agarrando meu cabelo e eu simplesmente amei que ela
não estava se contendo.

— Não sinta vergonha, quero ter intimidade e ser um só


com você. — Fui sincero.

— Também quero ser uma só com você. — Seus olhos


brilharam. Sem resistir à sua boca tentadora, beijei-a,
pressionando nossos corpos.

— É bom sentir você assim… em tudo. — Seu olhar


encontrou o meu. Me movi sugestivamente, não de
maneira agressiva, mostrando minha ereção dolorosa em
sua calcinha.

Passei meu braço por sua cintura e nos viramos na cama.


Ela soltou um gritinho com o movimento brusco e riu.
Sempre contida e distante durante o nosso noivado, ouvir
sua risada foi lindo. Ela tinha um sorriso muito bonito.

Rawan era encantadora, principalmente usando só uma


calcinha, sentada em cima de mim e passando as mãos
pelo meu corpo como se quisesse memorizar

cada contorno.

— Feche os olhos. Ouvi dizer que privar um dos sentidos


diante do toque, aumenta a sensação. Podemos tentar?

Obediente, fechei meus olhos e deixei que ela pingasse


óleo no meu peito, começando sua massagem nupcial,
enquanto minhas mãos descansavam em suas coxas. Eu
nunca confiaria em ficar com uma mulher daquele modo.
Sempre fui controlador e dominante dentro e fora da cama.
Permitir que Rawan me tocasse sem minha interferência
era uma novidade.

Algo que só minha esposa conseguiria de mim.

Capítulo 11 | Rawan.

Em muitas das minhas conversas sobre a noite de núpcias,


cheguei à conclusão que era importante começar e
terminar. Eu não desejava arrastar aquela ansiedade e
insegurança por mais nenhum dia, mesmo que muito
surpresa com a sugestão de Abdar, que nós não
precisávamos ir muito além. Fiquei nervosa, sem conseguir
comer, me desafiei a uma dança para não acontecer nada?
Não conseguia aceitar.

Ainda bem que ele entendeu o meu lado e ainda assim,


não estava com pressa. Deitado, com os olhos fechados e
um sorriso, ele estava apreciando meu toque. Descobrir
seu corpo era uma maravilha. Por baixo das roupas
refinadas, havia um corpo definido muito atraente. Me
inclinei e beijei sua garganta, bem acima de sua pulsação,
ele exalou e me abraçou, capturando meus lábios em um
beijo capaz de me deixar incendiada.

Sentia sua ereção bem acomodada entre minhas pernas.


Ela me causava arrepios. Ele enfiou o rosto no meu
pescoço e deu uma breve chupada, me levou a ficar
sentada, puxando minhas pernas e ficamos engatados. Me
inclinando para trás, chupou meus mamilos e assoprou.
Reagi com um movimento brusco no quadril que nos levou
a gemer juntos.

— Adoro sentir sua pele na minha boca.

Abdar era bom em sussurrar palavras picantes.

— E quero sentir ainda mais — murmurou e me colocou


deitada. — Quero minha língua em todo lugar, te beijar em
tudo.

Sabia o que ele queria dizer e com um misto de emoções


avassaladoras duelando dentro de mim, apenas assenti,
deitando e permitindo que ele tirasse minha calcinha. Fiz
uma depilação completa para meu casamento. Era meu
costume e não queria mudar nada por estar me casando.
Abdar mal desviou os olhos do ápice entre minhas pernas.
Não houve espaço para sentir dúvidas. As inseguranças
desapareceram feito fumaça.

Aquele homem era meu marido e além de seu dever


matrimonial, me desejava ardentemente. Meu coração
martelava no peito conforme seus beijos se aproximavam.
Ele tocou meu ponto sensível com delicadeza, começando
um estímulo gostoso até que, aos poucos, me vi agarrando
o lençol sob seu olhar atento e me sentindo cada vez mais
desejosa. Molhada.
Abdar me beijou lá. Eram muitos primeiros beijos em uma
única noite e definitivamente, não estava reclamando.
Minha tensão pegou as malas e saiu, me deixando sozinha
com o prazer que meu marido estava disposto a dar com
sua boca. E era simplesmente a sensação mais incrível de
toda minha vida.

— Oh… Uau.

Segurei o cabelo dele, sentindo um tremor subir pelas


minhas pernas, contraí o abdômen e ele manteve minhas
coxas afastadas por quase sufocá-lo.

Havia uma onda crescendo dentro de mim, ele não parava


e os gemidos que

saíam da minha boca estavam cada vez mais frequentes,


profundos. Pensei que iria me quebrar no meio.

— Nunca vi algo mais belo do que você chegando ao


orgasmo. — Abdar lambeu os lábios.

— Eu nunca senti algo tão intenso. — Minha voz ainda


estava sôfrega. Ele sorriu de um jeito safado que me fez rir
e me beijou. Senti meu gosto em seus lábios, não me
importei, era erótico. Íntimo. Ainda sentia o efeito do
orgasmo, um desejo latejando entre minhas pernas, me
colocando em uma posição de mulher sedenta por mais. Eu
queria desesperadamente mais. — Quero você.

— Sou todo seu, Rawan — ele prometeu.

E não perguntou se eu tinha certeza novamente, saindo de


sua cueca. Foi inevitável não arregalar os olhos ao ver seu
membro ereto, com a cabeça brilhando e veias salientes.
Me apoiei nos cotovelos, sacudi a cabeça para meu cabelo
sair da frente, mas estavam grudados na testa. Ele sorriu,
tocando a si mesmo, mordendo o lábio inferior, com o olhar
passeando pelo meu corpo.

— Não tenho palavras para descrever sua perfeição. Você é


o meu presente, Rawan. Irei cuidar de você e estarei ao seu
lado, farei o que puder para que seja feliz. — Ele se
aproximou e senti seu pênis na minha entrada. Ao invés de
empurrar, simplesmente começou a provocar as mesmas
sensações de antes.

— Como seu homem, prometo te enlouquecer de prazer e


me dedicar aos melhores orgasmos. É muito provável que
te deixe maluca, mas será de paixão

também.

Que safado! Ele não podia fazer aquela promessa em


público, quando nos casamos.

— Eu digo o mesmo, obrigada por se abrir a tentar um laço


entre nós.

Obrigada por acreditar que podemos ser mais que dois


estranhos unidos no matrimônio. — Abdar sorriu e me
beijou, posicionando-se para me fazer dele
completamente.

Foi esquisito. A invasão foi um pouco dolorosa, incômoda,


mas eu estava bem lubrificada e ele parou quando
percebeu meu rosto amassado de dor, tomando muito
cuidado ao se mover. As estocadas me faziam ver estrelas
em mais de um sentido, mas eu amei a sensação de ter
seu corpo tão próximo ao meu, sentir seu calor, sentir-nos
conectados intensamente. Seus olhos nunca desviaram dos
meus, exceto quando me beijava, se entregando. Chegou
ao orgasmo com um ruído de prazer e o mesmo tremor
intenso que me lavou antes.
Eu estava dolorida, mas consegui me deixar ir, com seus
dedos provocando meus pontos sensíveis e a boca fazendo
maravilhas na minha.

Os lençóis estavam uma bagunça e eu vi pequenos riscos


de sangue em seu pênis, assim como uma mancha no véu
que ficou embaixo de mim.

— Deixe-me tirar você dessa bagunça. — Ele me puxou de


pé e deu um beijo. Estremeci, nua, sentindo seu esperma
descer. — Vem…

Abdar me levou para o banheiro que iríamos compartilhar.


Tomamos banho juntos e ele me fez relaxar novamente,
sem pensar que fizemos sexo, consumamos nosso
casamento.

— Nada de roupas. — Ele me abraçou por trás quando fiz


menção em pegar meu roupão de cetim. Iasmin mandou
bordar meu nome, era lindo para usar naquela ocasião. —
Não tive o suficiente do seu corpo nu. Eu não vou colocar
roupas.

— Vai bancar o nudista?

— Estamos dentro do nosso quarto, podemos fazer o que


quisermos. —

Me beijou e me levou para a cama, arrumando os


travesseiros e almofadas. —

Quer beber algo?

— Eu não consegui comer muito no casamento e estou


com sede.

Não disfarcei o meu deleite em vê-lo andar pelo quarto,


servindo nossas bebidas nas taças, montando um prato
com o melhor dos aperitivos que Iasmin deixou no quarto
antes de sair. Ela se antecipou ao imaginar que, depois das
nossas atividades, sentiríamos fome. Abdar me alimentou e
depois de engolir, sorri.

— Não pode ficar me mimando assim, ficarei mal


acostumada.

— Por que não posso? — Ele beijou meu pescoço só para


me deixar arrepiada.

— Eu não sei. Fui criada com a ideia de que eu deveria te


servir a todo momento e estava pensando como iria me
posicionar em relação a isso. Está me surpreendendo.

— Eu amo nosso país, amo nossas tradições, mas, sempre


tive a ideia de que o casamento era uma entrega mútua.
Não fiquei próximo do meu pai com a Sarai, porém, lembro
que ele era um parceiro com minha mãe. Minha posição
exigirá muito de nós, tenho certeza que teremos conflitos…

— Não faz ideia de como ter uma esposa, não é?

Ele sorriu suavemente.

— Não, irei aprender.

— Também não sei ser uma esposa, apesar de ter sido bem
educada, sou boa com números, estudos, artigos
científicos…

— Vamos aprender juntos — garantiu. Virei meu rosto e


beijei seus lábios.

— Nas primeiras horas, já estamos nos saindo bem.

— É verdade. Você entrou para a estatística dos que


fizeram a esposa virgem chegar ao orgasmo na noite de
núpcias. Isso é raro — provoquei-o. —
Parabéns por fazer sua obrigação.

Abdar soltou uma gargalhada.

— Eu sabia que havia fogo debaixo dessas bochechas


coradas. — Ele brincou e pegou minha taça, colocando na
mesa ao lado e avançando para cima

de mim. — O que mais minha adorável esposa está


escondendo de mim?

— Eu? Jamais esconderia algo de você, marido — sussurrei.

— Não sei porque me deu um tesão enorme te ouvir me


chamar de marido… — E me beijou bem gostoso.

Nós reacendemos o fogo, ao ponto que me fez querer mais


uma vez. Foi doloroso e eu sinceramente não sabia o que
tinha na cabeça, mas não quis que parasse. A conexão era
muito intensa e boa demais para romper. Pelo menos, tive
a absoluta certeza de que não era mais virgem e que eu
realmente iria apreciar cada momento de comunhão a dois.
Não seria um sacrifício ter sexo com meu marido gostoso e
muito disposto.

Deitamos juntos, abraçados, ainda sem roupa.


Inicialmente, fiquei sobre ele, com minha perna em cima
da dele e a cabeça em seu peito. Ele falava baixinho,
fazendo uma carícia no meu cabelo. Desde que me viu de
cabelos soltos, sempre dava um jeito de segurar uma
mecha e com liberdade, não tirava a mão. Peguei no sono,
exausta e incrivelmente satisfeita.

Fui bruscamente acordada com batidas na porta. Estava de


lado, com Abdar atrás de mim, me abraçando. Ele pareceu
se assustar também e mesmo nu, reagiu de maneira
protetora comigo, me cobrindo melhor até que a voz
embriagada de seu irmão soou do outro lado.
— Ei, irmão. Sua esposa já deve ter ido para o quarto dela
e eu trouxe

dois presentes, prontas para te satisfazer. Duvido muito


que sua jovem esposa virgem tenha te…

— Cale a boca, Jamyr! — Abdar gritou de volta. Jamyr


respondeu com um soluço. — Saia dos meus aposentos
agora! — Sua voz de comando me deixou assustada. Ele
pegou seu telefone e não foi nada gentil com quem estava
do outro lado, por permitir a passagem de seu irmão com
mulheres em nosso lado privado.

Em minha casa.

Me senti completamente desrespeitada.

Abdar jogou seu telefone na mesinha, irritado, com o rosto


e o cabelo amassados de sono.

— Por que seu irmão está sempre lhe oferecendo


mulheres? — Segurei o lençol contra meu peito, não
querendo estar exposta.

— Ele é um tolo e não me conhece. — Abdar estava com


raiva.

— Ele é um lobo em pele de cordeiro, tem fala doce, um


jeito pacífico, mas se eu não tivesse sentido o quanto foi
bom estarmos juntos, a frase dele sobre não te satisfazer
criaria um buraco dentro de mim em uma noite tão
importante quanto essa. — Fui bem franca, olhando em
seus olhos. — Não quero isso, Abdar. Não quero seu irmão
trazendo mulheres para o lugar que vamos viver e
futuramente criar nossos filhos. Não quero a alusão que
tenha

amantes.
— Hey, Rawan. — Ele segurou meu rosto. — Jamyr não fará
mais isso e eu nunca faltarei com respeito a você, como
minha esposa e ao nosso lar. Eu prometo com a minha
vida.

— Tudo bem. — Acreditei nele.

— Não vamos deixar que isso estrague a nossa noite. — Ele


beijou meus dedos e quando sentiu que não morderia seu
rosto, beijou minha boca, deitando novamente, me levando
junto em seus braços. Fiquei confortável, aquecida, me
sentindo segura e voltei a dormir facilmente.

Capítulo 12 | Rawan.

— Dorminhoca, acorde. Nós chegamos — Abdar falou


baixinho e beijou minha testa. Ele tirou meu cabelo do
rosto e deu um sorriso logo que abri os olhos. Cobri minha
boca para abafar o bocejo, sorri de volta, percebendo que o
carro havia parado. Cochilei na viagem do aeroporto para a
casa de campo do meu marido na França.

Antes da nossa viagem pela costa, ele achou que


poderíamos tirar uns dias totalmente privados em sua
residência.

Ele saiu do carro primeiro e deu a volta, abrindo a porta


para mim.

Estávamos sozinhos. Completamente sozinhos. Sua


comitiva, com Kalil, ficariam hospedados em uma mansão
há oito quilômetros da casa. Estavam perto o suficiente
para nos ajudar se fosse necessário. Abdar solicitou que a
casa estivesse abastecida com comida, bebida, roupas
limpas e que os funcionários saíssem para nossa chegada.
Olhei para o céu, estava um dia lindo. Quente. Meu marido
esticou a mão, me convidando a seguir com ele para
dentro de casa. Nossas malas foram enviadas mais cedo,
ele queria ter certeza de que eu não me preocupasse com
nada além de relaxar e apreciar nosso momento sozinhos.
O vento bateu, levando meu véu, que não estava muito
preso. Coloquei-o para sair oficialmente de Al-Abadi e na
frente dos funcionários.

Não era obrigatório o uso diariamente, apenas dentro dos


templos, eventos

oficiais e comemorações. No entanto, eu era a esposa do


Abdar e não queria desrespeitar todas as famílias que
ainda usavam, porque fazia parte de nós. Da nossa cultura.
Abdar adorava meus cabelos soltos. Ele me observou
escová-los na manhã que saímos para viajar.

Com três dias de casados, vi meu pai muito brevemente


antes de sair e ele me desejou boas férias. Achei
engraçado que ele evitou a palavra lua-de-mel a todo
custo. Abdar e eu trocamos um olhar discreto, querendo rir.
Meu pai não queria associar sua filhinha em comunhão com
o marido.

Em público, fomos bastante polidos um com o outro, até


bem distantes.

Em nossa primeira aparição após o casamento, Abdar


ofereceu um banquete para nossa família. Jamyr me tratou
como uma rainha, implorando minhas desculpas pelo seu
comportamento embriagado. Ele disse que não estava
passando por um bom momento e que havia prometido ao
irmão se cuidar. Eu havia pedido ao meu marido que não
obrigasse o irmão a pedir desculpas, além de poder não ser
sincero, não queria alimentar nenhum tipo de desconforto.
Abdar jurou que não o fez e que Jamyr pediu por conta
própria. Ainda não confiava nele e sentia algo, no meu
coração, que não era bom. Jamais havia expressado esse
pensamento em voz alta. Afinal, ele era irmão do meu
marido, parente por casamento e eu uma recém-chegada.
Aceitei as desculpas e disse que não precisávamos falar
sobre aquilo. Jamile e Mohammed eram muito divertidos.

O irmão mais novo era jovem, não estava bem, era muito
grudado com o pai e com isso, estava grudando em Abdar.
Eu entendia e, mesmo querendo ficar com meu marido,
abri mão dele nos dias antes da nossa viagem.

— Nada de expressão pensativa. — Abdar me deu um beijo


surpresa. —

Quer um tour pela casa? Ou quer comer? Não quis comer


nada no voo.

— Quero comer. Fiquei preocupada em enjoar, não fico


muito bem no avião.

— Faz sentido que optou por capotar com o remédio.

Apenas sorri e fomos para o quarto primeiro, trocar de


roupa, nos refrescar.

Como estávamos sozinhos, prendi meu cabelo e escolhi um


vestido de verão até os joelhos, de alça, com um decote
singelo. Eu tinha muitas roupas consideradas ocidentais,
devido aos anos que vivi fora de Al-Abadi. Eu adorava
moda.

— Depois podemos aproveitar o dia na piscina. O que


acha? Está um dia lindo. — Olhei para a janela enquanto
Abdar ainda estava sem camisa e pelo visto, ele não
colocaria uma.
— Depende. Vai usar um biquíni ou ficará nua?

— Eu não vou ficar nua na piscina! — Rebati, rindo. Por


mais privada que a casa fosse, Abdar tinha um ímã
adorável para a imprensa.

Ele suspirou dramaticamente.

— Vou mandar construir uma em nosso quarto.

— Eu não disse que não ficaria nua fora do quarto, apenas


que não tiraria minha roupa lá fora e sim, vou usar um
biquíni. O que achou que iria usar?

Estamos sozinhos!

Eu não usaria um biquíni em público, apenas maiô e me


manteria preservada o máximo que o ambiente permitisse
sem destoar. Não me faltava bom senso, porém, sozinha
com meu marido podia ficar mais relaxada.

Abdar compreendeu que eu não estava me opondo a


nenhuma diversão fora do quarto, contanto que não fosse
do lado de fora. Ele podia lidar em não ser chamado
atenção por atentado ao pudor pelas autoridades locais.

Rindo, me agarrou e beijou, pressionando-me


deliciosamente contra a parede.

— Jantar nudista. — Seus olhos brilhavam.

— Alguém já te disse que é muito criativo quando se trata


de safadeza?

— É um dom particular. — Piscou, ainda sorrindo.

Descemos juntos. A casa estava fechada na frente, apesar


de não haver vizinhos em quilômetros, Abdar queria ter
certeza de que ninguém olharia pelas janelas. Abri a
geladeira e os armários, analisando o que tinha de
mantimentos.

Minhas habilidades na cozinha eram muito limitadas.


Sobrevivia com delivery e com a funcionária que meu pai
pagava para cuidar do apartamento que vivi durante a
faculdade. Ela limpava e cozinhava.

— Você vai cortar seu dedo segurando a faca desse jeito. —


Abdar pegou da minha mão. — Fique abastecendo meu
copo e sente-se bem bonita ali. Eu vou fazer o almoço.

— Ainda bem que meu pai não prometeu uma esposa


prendada. — Puxei um banquinho e sentei, apoiando os
cotovelos no balcão.

— Ainda bem que não precisamos que cozinhe — brincou


de volta. — Sei cozinhar porque vivi sozinho por muito
tempo e particularmente, gosto muito.

Na verdade, em meus anos vivendo por aí, sempre gostei


de experimentar as culinárias locais.

A visão dele dominando a cozinha não era nada ruim.


Apenas sorri e guardei meu pensamento. Ele me deu um
olhar que entendia bem o que estava pensando.

— Quando vivi em Londres, eu experimentei algumas


coisas, mas eu não tenho certeza se era a mesma coisa
que o original. Qual a sua culinária favorita sem ser a
nossa?

— Meu pódio se divide em italiana, mexicana, porque gosto


dos pratos apimentados e eu também aprecio muito os
doces franceses. No entanto, eu adoro qualquer coisa que
tenha massas e frutos do mar. Quando estive na Grécia
para visitar Apolo, eu pensei que teria uma intoxicação
alimentar ou uma crise alérgica. — Sorriu torto. Apolo era
um dos amigos que conheci no casamento.

Durante o preparo do almoço, descobri seu lado


aventureiro, que gostava muito de viajar e conhecer outras
culturas. Ele me contou histórias divertidas que me fizeram
crer que ele soube como aproveitar a vida.

Ele podia.

Era homem, nasceu herdeiro, o pai investiu em sua


educação e fez com que ele honrasse quem era, mas
também deu liberdade. Meu pai não podia fazer o mesmo
por mim, mesmo que quisesse. Eu nasci mulher. Era
agridoce, porque eu fui além do que muitas mulheres eram
permitidas, não só em uma cultura como a minha, mas
pelo mundo.

Haviam mulheres ainda presas em seus deveres


exclusivamente femininos porque a sociedade era incapaz
de aceitar suas capacidades e ceder novos espaços. A
sociedade era machista de uma maneira cruel. Além de
crenças e religiões, mulheres eram subjugadas a nada
diariamente.

— Sei que combinamos não conversar sobre trabalho


durante nosso momento a dois, mas, é algo importante e
que tenho pensado muito. — Peguei uma uva e comi,
analisando a expressão dele.

— O que foi?

— Quando foi coroado príncipe herdeiro, em seu discurso,


disse que pretendia dar voz àqueles que não tinham. Isso
inclui mulheres ou apenas pequenos comerciantes?

— Nossa. Você tinha quantos anos quando fui coroado?


Joguei uma uva nele.

— Não importa. Além do mais, a nossa diferença de idade


só prova que você é o vovô da equação. Estou no auge da
minha idade.

Abdar parou de cortar as frutas.

— Vovô? Nós vamos conversar sobre isso daqui a pouco —


falou severamente e dei de ombros. — Respondendo à sua
pergunta, sim. Inclui. Quer falar sobre tudo agora?

— Não. O restante posso deixar para quando voltarmos.

— Ansiosa. — Se inclinou e me deu um beijo suave nos


lábios.

Nós almoçamos e, como ele cozinhou, lavei a louça. Seu


telefone tocou e com um suspiro, pediu licença para
atender. Ele podia se afastar, mas nunca totalmente. Voltei
para o quarto e peguei minhas roupas de banho, me
trocando e não o esperei, aproveitando o sol sozinha,
protegida da visão externa pelas árvores. Iasmin me enviou
uma mensagem, preocupada comigo e respondi que estava
bem. Fiquei surpresa que havia uma do meu pai.

Enquanto eu estava em Londres, ele cuidava da minha


segurança e bem estar, mesmo longe, controlava tudo na
minha vida. Casada, me perguntei o que faria. Baba vivia
para o trabalho e para gerir minha vida. Respondi, deixei o
telefone na mesinha, não coloquei música para apreciar o
som dos pássaros e do

vento, sussurrando entre as folhas das árvores.

A piscina era enorme, parecia convidativa, mas eu não era


muito atraída por nadar. Era louca para conhecer o mar.
Abri os olhos quando Abdar saiu pelas portas. Ele estava
enrolado no roupão, olhou ao redor e cobri minha boca ao
ver que por baixo não tinha nada.

Me deu um sorriso e mergulhou. Comecei a rir. Eu disse


que não ficaria nua, nada sobre ele não ficar nu também.
Seu senso de humor era muito contagiante.

— Entra, vem.

— Deve estar fria. — Analisei de longe.

— Eu vou te aquecer.

Fiz um pequeno beicinho.

— Parece tentador.

Tirei o vestido, revelando o conjunto branco que usava. Ele


soltou um som apreciativo, batendo palmas e me ajudou a
entrar com cuidado. Soltei um gritinho porque estava fria
mesmo. O calor não era o suficiente, então ele me abraçou.

— Se o seu corpo fosse o suficiente para me aquecer nessa


água, Jack não teria morrido em Titanic. Parece que
derreteram um iceberg aqui dentro! —

Tentei fugir de volta para a cadeira e ele não deixou, me


levando para o fundo.

— Jack morreu porque Rose era egoísta. Eu não sou


egoísta, porque vou te aquecer de outras maneiras…

Ao sentir seu beijo no meu ombro, subindo para o pescoço,


eu não discuti mais.

Capítulo 13 | Abdar.
Rawan estava deitada na beira da piscina, pegando sol,
quieta e eu podia ver o suave vermelho em seu rosto. O
cabelo estava molhado, meio bagunçado e parecia ainda
mais linda. Me apoiei na beirada e lhe dei um beijo,
avisando que era melhor entrarmos. Com preguiça, ela se
esticou, pegou o roupão e ficou de pé, me entregando uma
toalha.

Entramos em casa e fechei as portas, nos isolando. Ela foi


para a cozinha, pegou água e me olhou, estava cansada.
Nós não tínhamos dormido muito desde o primeiro dia do
casamento. Nos dias anteriores à viagem, trabalhei para
deixar o máximo organizado e poder relaxar em lua-de-mel
com minha esposa. Rawan andou por todo lado com Sarai e
minhas irmãs. Laila e Nadia estavam encantadas, querendo
brincar e ter a atenção dela o tempo todo.

— Por que não descansamos um pouco antes do jantar?


Nossa reserva é em três horas — sugeri e ela concordou,
passando por mim. Fui logo atrás.

Pensei que seria muito estranho viajar com alguém que


havia acabado de conhecer e tão rapidamente quanto um
piscar de olhos, nos tornamos marido e mulher.

Rawan era divertida na privacidade. Seu humor era muito


inteligente, suas piadas eram de um nível acima de
qualquer um, ainda um tanto tímida, quando se soltava,
dava as melhores tiradas. Era o tipo de mulher que eu não
estava

acostumado. Pensava por si mesma com fortes opiniões e


ao mesmo tempo, possuía muito respeito por mim e
desejava que nossas decisões de vida fossem sempre em
conjunto.

— Você quer tomar banho primeiro? — Ela ofereceu e eu


tentava me conter, ir devagar, mas Rawan e eu tínhamos
uma química que não conseguia me controlar.

— Quero tomar banho com você.

Ela parou de pegar suas roupas e me deu um olhar calmo,


mas o sorriso…

— Que bom, porque eu também quero.

Ainda bem que eu não era o único a sentir que


absolutamente tudo entre nós era perfeito.

Decidi que poderíamos ficar na banheira, juntinhos,


preparei o banho e ela apareceu, ainda vestida. Eu estava
nu há horas.

— Amarrei forte demais, pode me ajudar a tirar o laço? —


Virou de costas e ergueu o cabelo. Desfiz o nó, e,
aproveitando a proximidade, puxei o outro laço. Ela riu e
por instinto, cobriu os seios. — Você é terrível.

— Estamos no quarto. — Beijei sua bochecha.

— E o jantar nudista?

— Depois. Primeiro banho, e eu vou te colocar para dormir.


Não quero

ninguém me acusando que estou exaurindo minha jovem


esposa.

— Sim, senhor — provocou de volta e tirou a calcinha.


Comparada aos biquínis que mulheres usavam pelo mundo
afora, minha esposa escolheu um modelo bem
comportado.

Rawan era mais de dez anos mais nova que eu. Ela estava
prestes a completar vinte e três e eu, trinta e cinco. Meus
amigos brincavam muito sobre a diferença de idade. Não
era nada incomum. Ainda era jovem e nós dois tínhamos
muito a viver juntos.

— Eu tenho a virilidade de um adolescente quando se trata


de você. —

Ajudei-a a entrar.

Ela ergueu o olhar para minha virilha e sorriu torto, afundei


em meu lugar e relaxamos. Rawan inclinou a cabeça para o
lado, analisando.

— É engraçado como tudo é diferente do que imaginei. —


Peguei seu pé, massageando. — Não sei porque, na minha
cabeça, um casamento tradicional não seria como nos
filmes. Com intimidade, conversa, brincadeira…

— Seus pais não conversavam? — questionei com


curiosidade genuína.

— Minha mãe era absolutamente tudo para meu pai e eu


só sei disso porque ele perdeu seu norte quando ela
morreu. No mais, era pequena para perceber tudo. Cresci
isolada. Eu estive dentro de uma bolha, aprendendo tudo
sobre nós de longe, sem de fato ver como era a vida em Al-
Abadi.

— Achou que eu iria reivindicar meus direitos como marido


e dar as costas?

— Iasmin foi a única a me dar um pouco de esperança


sobre uma relação a dois. Minhas tias me assustaram um
pouco.

— A maioria dos casais vivem algo real, com altos e baixos,


eles só…
gostam de assustar os novatos. Eu ouvi muitos conselhos,
guardei alguns e decidi deixar outros de lado. Não somos
crianças, podemos construir uma vida juntos e nos
descobrir, caso contrário, estamos fadados ao fracasso.
Sou o líder de Al-Abadi, nunca irei fracassar. — Inclinamos
para frente ao mesmo tempo e rimos. Ela segurou meu
rosto, olhando em meus olhos e pela primeira vez, tomou
iniciativa para me beijar. Não foi um beijo tímido ou
inseguro, ela demonstrou o quanto queria mais que um
banho ali.

Rawan não era o tipo de mulher que fazia joguinhos, se ela


estava insegura, demonstrava, se não queria, dizia que não
e se queria, deixava bem claro da maneira que
encontrasse. Nós fizemos sexo delicioso na banheira, uma
nova experiência para nós dois e como prometido, levei-a
para a cama, para dormir. Ela não levou dez minutos para
pegar no sono e enquanto isso, trabalhei em meu
computador, me comunicando com a comitiva que me
acompanhava na França e a equipe que ficou em Al-Abadi.

Ela acordou sozinha, assustada e virou na cama,


percebendo que já era noite.

— Quanto tempo acha que preciso para me arrumar?

— Não faço a mínima ideia. — Fui sincero.

— Como pode pensar que eu, com esse cabelo enorme,


possa ficar pronta em trinta minutos para nossa reserva de
jantar? — Começou a rir, mesmo tentando soar séria.

— Vai dar tempo — garanti.

Com um beicinho, saiu da cama e foi para o closet. Não me


movi do lugar até que ela avisou que começaria a se
maquiar. Se fosse uma reserva em um restaurante,
estaríamos atrasados e provavelmente, “perderíamos
nossos lugares”. No entanto, dificilmente um restaurante
reclamaria do meu atraso e eu ainda não queria nos expor.
Era o começo do nosso casamento e não tivemos um
namoro, mal fomos autorizados a nos ver antes. Rawan não
estava pronta para exposição em massa. Ela precisava de
mais tempo antes de ser jogada no olho do furacão.

Fiquei pronto antes dela e saí do quarto, para conferir se


tudo estava acertado. Ela me surpreendeu ao descer
apenas alguns minutos depois e parei na ponta da escada,
admirado. Usava um vestido vermelho, que apesar de não
ter nenhum decote de mangas até o cotovelo, delineava
seu corpo e me hipnotizava com suas curvas. O véu em
seu pescoço também era vermelho, mostrando o cabelo
solto, com cachos e as joias que lhe dei de presente.

— Não sei se sentirei frio, está ventando lá fora… — Tirou o


xale fino e dobrou.

— Dizer que está linda será repetitivo e irritante, mas direi


novamente. —

Segurei sua mão e beijei. Ela sorriu, encantada.

— Não me importo quantas vezes pareça repetitivo, diga


sempre. Está muito belo, marido. Azul combina com você.

— Muito obrigado, esposa. Vou deixar que tire minha roupa


mais tarde.

— Agradeço antecipadamente.

Coloquei sua mão em meu braço e abri a porta da frente.


Ela ficou confusa quando não fomos para o carro e não
havia uma comitiva ali nos aguardando para sair. Seus
saltos eram finos, porém, a trilha pavimentada até o
gazebo não era muito longa. A equipe que nos serviria pela
noite estava ali, alinhada, aguardando. O chão estava
coberto de pétalas de rosas, a mesa com uma toalha
escura e velas. As flores dos arranjos eram brancas.

Rawan me deu um sorriso lindo, caminhando na frente para


olhar tudo.

Cumprimentou a todos e permitiu que puxasse sua cadeira,


ocupei o lugar na frente e ela ainda estava admirada.

— Você me enganou. Como sabe que eu sempre quis um


jantar em um gazebo?

— Iasmin. Em minha defesa, eu queria te surpreender com


algo familiar e agradável.

— Bom. Acertou. — Sorriu, maravilhada. — Estava nervosa


em comer em público. Sei que a mídia sabe que estamos
aqui e eu estava com medo que alguém nos encontrasse.

— Imaginei que ainda não estava pronta para tanta


exposição e confesso que eu também não.

O casamento era novo e uma surpresa para nós dois. Não


muito mais que três meses atrás, eu estava festejando com
meus amigos, podendo desaparecer sem que ninguém se
importasse e em um piscar de olhos, meu pai faleceu, me
tornei o líder de Al-Abadi e um homem casado. Ainda
precisava compreender muitas coisas e eu queria um
tempo com Rawan.

— Se eu não gostar dessa coisa, vou jogar em você — ela


resmungou sobre o polvo em seu prato, me fazendo rir. —
Quando disse que amava frutos do mar, pensei que era
sobre peixes, no máximo, lagosta e camarões. Por acaso já
viu Procurando Dory? Eu simplesmente me sinto comendo
o personagem do filme — tagarelou, pegou um pedaço e
provou. — Droga, eu não deveria ter comido porque gostei.
— Não vou contar para ninguém.

Rawan disfarçadamente pegou uma das pernas do bicho,


colocou na frente do rosto e imitou um bigode.
Imediatamente peguei meu telefone e fotografei.

Ela riu e percebeu que o garçom nos deu uma olhada


discreta, colocou no lugar e voltou a comer. Antes da
sobremesa, tirei do meu bolso um saquinho de veludo

com um colar que mandei fazer para ela.

— Esse é meu presente oficial de núpcias. Sei que lhe dei


muitos ao longo do noivado, mas espero que use essa joia
ciente que é especial para mim. Tenho orgulho do que você
representa para o futuro de Al-Abadi. — Entreguei a ela.

Curiosa, abriu o saquinho e tirou o colar.

— Meu nome com o símbolo de Al-Abadi. Isso é tão lindo,


Abdar.

Obrigada. — Ela saiu do seu lugar, empurrei minha cadeira


para trás e dei espaço para que sentasse em meu colo. —
Tire o que estou usando e coloque esse em mim — pediu
baixinho.

Cheguei seu cabelo para o lado e abri o outro colar, tirando


com cuidado e prendi o novo. Ela tocou e virou o rosto,
beijando meus lábios. Não permiti que voltasse para seu
lugar. Compartilhamos a sobremesa, dançamos e a levei de
volta para a privacidade da casa. Na sala, deixei o
ambiente agradável, ela tirou as sandálias e balançou os
dedinhos.

— Eu vou pegar mais vinho. Quer algum em especial?


— Pode escolher. Tenho que buscar algo nas minhas coisas,
já volto.

Busquei a bebida e esperei que retornasse. Segurando uma


caixa, ajoelhou na minha frente no sofá, parecendo
ansiosa.

— Não foi o único a pedir ajuda. Abordei Kalil e perguntei a


ele sobre seus gostos. Ele disse que tem uma coleção de
relógios e gosta de estrelas. Meu pai

me ajudou, não é algo que eu entenda e acho que vai


gostar. — Abriu a caixa, que revelou um Louis Moinet
Meteoris. Só havia quatro no mundo e eu quis matar um
dos meus amigos por comprar o último disponível. — Baba
disse que me amava muito porque foi irritante conseguir,
então, espero que goste.

— Eu queria muito esse relógio. Sabia que o criador era


apaixonado por astronomia? Ele contém um pedaço de um
meteorito raro em sua composição.

Animada, ela tirou o que eu estava usando e colocou o seu


presente. Ficou muito bom no meu pulso e o sorriso dela
era mais importante que o relógio em si. Sua alegria em
me fazer feliz aqueceu o meu coração e desejei dar a ela a
mesma felicidade. Em meu colo, serviu vinho em uma só
taça e bebemos, compartilhando o sabor em nossas
línguas em um beijo que foi só o primeiro da nossa noite.

Capítulo 14 | Rawan.

Desde menina, sonhava em conhecer o mar. Meu pai


detestava praia e minha mãe não era muito chegada,
então, nunca foi um passeio que minha família gostaria de
fazer. Depois, nunca era autorizada, até porque, meu pai se
preocupava que roupa iria usar e como iria me expor.
Abdar tinha um iate enorme, de luxo, com muitos quartos e
vários ambientes de lazer. Levei um tempo para olhar tudo,
explorando cada canto. Era como um navio aos meus olhos
leigos.

A tripulação foi reduzida para nos dar o máximo de


privacidade possível.

Em alto mar, aceitei usar um biquíni, porque não estava


sendo observada e sozinha com meu marido. Ele estava
deitado, de olhos fechados, usando um calção de banho
caído nos quadris. Nosso protocolo exigia outro tipo de
vestimenta em público.

— Quer dar um mergulho agora?

De maneira alguma eu ia mergulhar em alto mar. Abdar já


havia mergulhado várias vezes e eu só espiei, preocupada.
Fiz careta, olhando para a imensidão azul, com medo e o
encarei, incerta. Não queria ser a chata incapaz de
aproveitar tudo que tínhamos à disposição.

— Nem com salva vidas?

— Vai me segurar?

— Claro que sim, só quero que tenha a experiência de um


mergulho, não que fique o tempo todo entrando na água.
— Ele ficou de pé e esticou a mão.

Levantei e juntos fomos para a escada. Ele prendeu o


colete em mim, mostrando que estava bem firme e foi
descendo na frente, mergulhando. Engoli seco, com o
coração martelando no peito, mas nunca fui uma mulher
de fugir do que me assustava. Abdar apertou minha bunda
conforme descia e bati em sua mão, pensei que ia cair com
o movimento e agarrei a escada.
A água estava fria, quase desisti, mas eu tinha um marido
determinado que me pegou pela cintura e nos levou para o
mar sem pena. Odiava água fria com todas as minhas
forças e ele parecia adorar me ver me contorcendo.
Agarrei-o, abraçando com minhas pernas e ganhei um beijo
no queixo, outro nos lábios.

— Relaxa, vai se acostumar — garantiu, estávamos bem


perto da escada.

— É muito fundo — sussurrei, ainda assustada.

— Calma… você consegue.

Mesmo com medo, me permiti inclinar para trás, boiar um


pouco e olhei para o céu azul, emocionada por finalmente
estar mergulhando. Era a realização do sonho da Rawan
pequena que via o mar nos livros e na televisão, querendo
conhecer. Havia uma praia no centro de Dubamyr, era o
centro comercial tecnológico e futurístico, banhado com as
águas cristalinas. Meu pai nunca permitiu que fosse lá, nem
mesmo para visitar, porque havia turistas do mundo
inteiro.

Voltamos para o barco, ele tirou o colete e olhou em meus


olhos.

— Você foi muito bem!

— Seus ombros estão com marcas das minhas unhas. —


Apontei e beijei o local. — Me desculpa.

— Vai fazer conjunto com os arranhões nas costas da noite


anterior. —

Segurou meu queixo e me deu um beijo suave nos lábios.


— Não estou reclamando de nenhum deles.
Ele me agarrou, dando um abraço apertado.

— Que tal irmos para o ofurô agora? É uma das coisas que
também nunca experimentei. Não é um sonho de menina,
mas… — Parei e comecei a falar mais baixo. — Eu posso
ficar agradavelmente como vim ao mundo apreciando uma
boa massagem.

Abdar tinha como missão de vida me deixar sem roupa.


Todas as minhas camisolas e roupas nupciais foram
descartadas segundos depois de aparecerem na frente
dele. Eu também descobri que adorava dormir próximo a
meu marido, sentir seu corpo, seus pés e encostar minha
bochecha em suas costas. Quando ele me abraçava, eu me
sentia segura. Inteira. Eu vivi sozinha por tanto tempo,
quase de lado, fora do seio familiar e ter alguém acordando
a cada movimento meu e pegando água porque tossi em
meu sono era uma novidade. Era bom.

Gostoso.

A banheira ficava em uma sala próxima ao nosso quarto.


Abdar fechou as portas e ligou para a cozinha, pedindo
bebidas e alguns aperitivos. Tomei banho para tirar a água
salgada, lavei meu cabelo e me enrolei no roupão
enquanto ele preparava o ofurô. Em meu telefone, havia
muitas fotos nossas, selfies na cama, ele tirando fotos
minhas descobrindo os lugares e outras que posamos
juntos.

Enviei uma para meu pai, em frente a um museu na


França.

Sem controle da minha vida em tempo real, meu baba


estava enviando mensagens toda manhã e todo fim de
tarde. Eu nunca me senti tão próxima dele.
Voltei minha atenção para meu marido nu saindo do
chuveiro após receber nossos pedidos. Aquele homem era
lindo, era meu e o sexo, estava muito bom.

Não era à toa que não parávamos de fazer. A dor e o


desconforto da virgindade já estavam começando a ser
uma memória distante. Abdar me deixava pronta,
lubrificada e com desejo de sobra para não pensar em
motivos para ficar tensa e doer. Algumas posições me
deixavam chocada com a proximidade e com as novas
sensações.

— Quer mais espumante? — Ele ofereceu. Assenti. Era uma


das minhas bebidas favoritas.

— Já ficou muito embriagado antes? — Tirei meu roupão e


entrei na água morna.

— Muitas vezes e já faz muito tempo que não bebo ao


ponto de perder os sentidos, chega um momento da vida
que esse comportamento deixa de ter

qualquer graça. Se a vida não ensina o momento de parar,


nada mais irá. — Me entregou a taça. — E você?

— Nunca bebi nada muito alcoólico até o nosso casamento.


Nunca gostei da ideia de perder o controle de mim mesma.

— Muito certinha, esposa — debochou. — Na sua idade, eu


estava começando a pós-graduação em Londres e acho
que bebia uma garrafa de uísque por dia. Festejava muito.
Nunca foi a uma festa de fraternidade?

— Eu nasci com um útero e um hímen, isso significa que


certas coisas nunca seriam permitidas. — Rebati, meio
irritada. — Desculpa. Não é exatamente sua culpa, no
entanto, isso me faz pensar…
— Se tivermos uma filha? Penso nisso direto. Minha irmã
teve uma criação bem menos rígida que minha madrasta e
espero ser uma figura compreensiva com as pequenas.
Elas ainda não sabem nada da vida e perderam o pai muito
cedo. — Ele relaxou na minha frente. — Quero que minha
filha tenha um nome respeitado, possa ir e vir, construir a
sua vida. Se ela quiser ficar e ter filhos, ótimo, se ela quiser
estudar como a mãe e ter uma carreira? Ótimo também.
No entanto, essa não é uma luta que se ganha com um
nocaute. É uma guerra de várias batalhas.

— Será que conseguiremos fazer com que Al-Abadi consiga


enxergar que há mais espaço para mulheres?

— O machismo nunca deixará de existir, mas, temos leis


que podem mudar. Allah deseja o melhor para todos. Eu
desejo o melhor para Al-Abadi.

Atravessei o pequeno espaço que nos separava e deitei em


cima dele, colocando minha cabeça em seu peito,
relaxando com a massagem que os jatos proporcionavam.
Abdar ficou acariciando minhas costas, a ponta dos dedos
subindo e descendo pela minha espinha. Ergui meu rosto e
beijei seus lábios. Ele diminuiu o tamanho de sua barba
para o casamento, estava bem batida comparada ao nosso
noivado.

Puxei-o por ali, sem machucar, ele riu e me beijou. Sua


mão desceu para meu mamilo, dando um puxão certeiro
que irradiou desejo por todo meu corpo.

Levando a mão para entre minhas pernas, começou a


acariciar meu clitóris. Seus movimentos eram bons, cada
golpe arrancava um suspiro e um arrepio, crescendo o
desejo quase desesperador de mais. Era um fogo lento que
ia crescendo até explodir.
Gozei, gemendo alto, sem me importar em ser ouvida, sem
vergonha. Era libertador. Mordi seu ombro, montei em seu
colo e parei. Nunca fizemos naquela posição. Ele passou o
braço na minha cintura e nos levou sentados para a borda.

— Sabemos que rebolar não é um problema — me


provocou. — Isso, faz muito bem e muito gostoso. Estou
delirando em te ter por cima. — Sua voz escorria tesão.

— Vai me ajudar?

— Com toda certeza, minha rainha. — Agarrou minha


bunda e me ajudou a me posicionar sobre ele. Foi uma
sensação tão nova e avassaladora que precisei parar para
ajustá-lo. — Está tudo bem?

— Estou perfeita. É bom… é muito bom. — Suspirei com


um gemido.

Abdar e eu ficamos muito próximos, nos movimentando


juntos, sem desviar os olhos um do outro e, para uma
mulher que sempre se sentiu deslocada, sem pertencer a
lugar nenhum, me sentir completamente conectada e
entregue totalmente a ele era um sentimento tão
avassalador que as lágrimas chegaram junto com o
orgasmo. Ele me abraçou, carinhoso e ao mesmo tempo
preocupado, sem saber o que dizer para minha explosão
emocional.

— Estou bem. Foi intenso.

— Quando não é? Nunca pensei que fosse possível sentir


algo tão forte no ato sexual. Não sei se é porque somos
casados ou se nós dois somos uma explosão.

— Ou os dois juntos. — Deitei minha cabeça em seu ombro.


Ficamos em silêncio e de volta à água quentinha. Ele não
me soltou, mesmo quando quis e deu um suave aperto na
minha cintura. Me afastei e olhei para seu rosto.

— Lágrimas de prazer são sempre bem-vindas, mas eu


quero saber absolutamente tudo sobre você. O que
pensou?

— Provavelmente irei me arrepender de abrir meu coração


dessa maneira.

Eu nunca me senti tão bem-vinda e tão próxima a outra


pessoa. Sempre fui sozinha, fiquei isolada e esses dias ao
seu lado são como se eu fosse importante.

Isso é perigoso.

Abdar amoleceu a expressão, segurando meu rosto e me


obrigou a olhar em seus olhos.

— Farei de tudo para ser digno do seu coração, e confie em


mim, o dia que eu fizer você se sentir menos do que
importante em tudo na minha vida como seu marido, serei
a metade de um homem que nunca quero ser.

— Eu só te peço… não me machuque. Eu posso lidar com


qualquer coisa, por mais difícil que seja, mas não sei se
tenho armadura para lidar com meu coração aberto a você,
sem segredos e isso ser usado contra mim.

— Somos uma dupla agora, uma só carne, o que te


machucar irá me machucar. Essa é uma promessa. — E ele
a selou com um beijo. Confiei, mesmo não querendo,
confiei nele e me entreguei mais uma vez a uma sessão
incrível de amor.

Eu iria me apaixonar perdidamente por Abdar porque não


havia nada freando os sentimentos por ele dentro de mim.
Capítulo 15 | Rawan.

Al-Abadi celebrou nosso retorno e a equipe de Abdar


parecia que estava ansiosa, porque nos colocou em todos
os eventos possíveis. Era estranho estar ao lado dele,
principalmente em silêncio, quando em alguns momentos
chegava a me contorcer no lugar querendo falar. Eu tinha
que confiar que não era o momento para mudanças
bruscas e que uma transição mais suave era o indicado.

No entanto, eu era a primeira esposa a participar das


reuniões em que só havia homens.

Todos sabiam que estava me pós-graduando em relações


internacionais e defesa, tinha me especializado em política
junto com minha formação em economia. Ainda pretendia
estudar um pouco mais, porém, precisava alinhar meus
planos profissionais com nossos planos familiares. Abdar
estava bem em esperar um pouco mais para ter filhos, no
entanto, esse tempo não poderia ser para sempre.

Eu estava anotando absolutamente tudo que ouvia e,


falando baixinho, fui pega de surpresa com um dos
conselheiros perguntando minha opinião. Cheguei a olhar
para o lado, para ter certeza que era comigo. Abdar
assentiu, me tranquilizando e me aprumei, sendo
cuidadosa, mas demonstrando que entendia muito bem.
Assim que terminei de falar, percebi que muitos estavam
com expressões fechadas, porém, aceitaram minha
palavra. Outros apenas balançaram suas cabeças.

Era uma nova geração. Algo novo estava surgindo ali.


Entendia perfeitamente que os mais velhos sentissem
desconforto, porém, a expressão do irmão do Abdar
acendeu a pequena chama de hesitação que tinha com ele.
Jamyr me incomodava. Mohammed me deu uma piscada
discreta, também pronto para me acalmar por ter ficado
em evidência.

Voltei para meu caderno, concentrada e decidi ignorar o


desconforto.

Algumas das minhas notas, Abdar pegava para estudar e


analisar com muita calma o que foi falado. Ele era
paciente, sempre atento, o que era um bônus ao tomar
decisões que afetariam a vida de milhares de pessoas.

— Irei me encontrar com Sarai e as meninas no jardim —


avisei a Abdar no fim da reunião. — Nos encontramos
depois.

— Te esperarei para comer — ele falou baixo, carinhoso.

Mohammed e Jamyr se aproximaram.

— Sua postura é sempre exemplar, cunhada. —


Mohammed me deu uma pequena reverência.

— Não se atrase para encontrar as meninas, elas não


param de falar sobre você. Minhas irmãs precisam de um
exemplo feminino enquanto Sarai está sofrendo — Jamyr
comentou e senti quase como uma alfinetada.

— Minha esposa não é mãe das meninas e Sarai está bem.


— Abdar cortou Jamyr.

Mohammed se ofereceu para me acompanhar até o jardim


e aceitei. Nós caminhamos lado a lado, com uma distância
respeitosa através dos largos corredores do palácio. Eu
estava com um vestido Jasmim, os cabelos presos e
agradavelmente bela para qualquer saída urgente e para
estar em público.
— Jamyr não é uma pessoa fácil, ele pode ter doces
sorrisos e belas falas, mas tem um gênio que nem Allah é
capaz de suportar. Espero que seus ouvidos não absorvam
o que ele diz — Mohammed falou quando chegamos à
porta de saída. — Divirta-se com as meninas.

— Obrigada pelo conselho.

Pensativa, atravessei o gramado até a tenda que foi


montada para o piquenique. Nadia e Laila eram duas bolas
de energia que pareciam nunca dormir. Elas falavam muito.
A pequena parecia três vezes mais terrível que a mais
velha. Sarai estava com as mãos cheias. Elas adoravam
mexer no meu cabelo e ficavam suspirando com as joias
que usava. Abdar deu a cada uma pequenos brincos e
cordões, porque eram jovens demais para coisas pesadas.

Elas amaram, porém, apontaram para meu pescoço


querendo as safiras que eu usava no dia.

— Como foi a reunião? — Sarai me recebeu com um


sorriso.

— Aprendi um pouco mais. Empolgada por participar.

— Você é inteligente. Sempre que meu marido pedia minha


companhia, eu

morria de tédio, até que ele percebeu e me liberou da


tarefa. Fui criada com uma limitação de informações, nada
do que eles falavam fazia sentido, fico feliz que minhas
filhas terão um futuro diferente. — Ela segurou Nadia em
seus braços.

— Jamile foi promovida em seu trabalho. Agora ela


gerencia a escola.

— Ela se sairá muito bem.


Sarai parou e me olhou com cautela.

— Como está se adaptando? É uma grande


responsabilidade assumir tanto ao lado do seu marido.
Abdar sempre foi muito gentil, o pai o preparou bem, mas
você…

— Ainda é novidade. Nós dois estamos aprendendo a viver


juntos, mas ele, como Sheik, nunca irá decepcionar Al-
Abadi.

— Acha que ele vai te decepcionar como marido? O pai


dele foi o homem mais gentil que conheci na minha vida.
Meu pai e meus irmãos sempre foram violentos e
grosseiros, quando me casei, estava com medo porque dor
era tudo que conhecia. Ele me ensinou tudo sobre amor.
Abdar foi enviado para longe para ser educado, para no
futuro, ser um líder melhor, mas nunca foi violento ou
minimamente estúpido em suas palavras. — Ela escovou o
cabelo da filha. —

Claro que já o vi furioso e nesse momento, ninguém é


capaz de segurá-lo. De todos os filhos, o destino escolheu
certo. Mohammed é muito sensível e Jamyr…

bem, ele nunca me aceitou. Aprendemos a conviver um


com o outro. Era muito próximo da mãe e foi o que mais
sentiu. Entendo.

— Jamyr e eu ainda não chegamos a um acordo de


convivência.

— Ele não se intromete muito, apesar das mulheres em


abundância e bebidas, logo vai voltar para seus interesses
e perder o foco em você.

A perseguição não era algo exclusivo para mim, talvez ele


fosse muito protetor com quem amava. Me senti menos
pior. Já estava preocupada com o que poderia ter feito para
que ele agisse de maneira tão estranha comigo.

Nosso piquenique foi divertido. Brinquei de pega-pega e


fiquei com o cabelo todo embolado depois que elas me
convenceram a soltar e permitir que penteassem. Bebi
chás deliciosos e comi frutas secas, não querendo perder o
apetite para jantar com Abdar. Desde que retornamos,
comíamos em família, o que foi muito bom para estreitar
laços. Naquele mesmo dia mais cedo, logo que acordei, ele
já tinha malhado e me avisou que havia pedido o jantar
privado.

Não discuti. Gostava de ficar sozinha com ele.

Iasmin me encontrou no meio do caminho, ela estava


adorando viver no palácio e era impressionante o quanto
de informação era capaz de colher andando por lá, sendo
silenciosa como uma sombra. Ela me contou tudo que
ouviu no dia, inclusive que as funcionárias da cozinha
estavam ansiosas em me agradar com os jantares e eu não
havia dito absolutamente nada sobre a comida.

Minha cabeça começou a doer porque eu não fazia ideia de


que tinha que falar alguma coisa.

— Será que devo ir até lá dizer algo ou enviar uma nota?

— Talvez uma pequena aparição com um sorriso possa


ajudar na política de convivência.

Relaxei minha expressão tensa e tentei ajeitar meu cabelo


o máximo possível. Meu vestido estava sujo de terra e
grama. Esperava que elas não se ofendessem. Esperei que
Iasmin avisasse minha entrada e fiz um breve discurso
sobre a importância de todas elas no funcionamento pleno
do palácio, que meu marido e eu agradecíamos muito.
Todas pareceram felizes, o que aliviou a pressão no meu
peito de que talvez, eu não fosse boa em papéis exclusivos
de uma esposa.

Talvez, elas apenas sorriram para não me constranger.

Entrei no quarto, fechei a porta e suspirei, encostada nela.

— Tudo bem? — Abdar surgiu de seu armário, estava


descalço, tirando o relógio.

— Acabei de gaguejar em um discurso na cozinha. Achei


que fui maravilhosa quando, na verdade, devo ter parecido
uma tola.

— O que disse a elas?

— Agradeci por colaborarem com o bom funcionamento do


palácio. Quem vai até uma cozinha e diz uma coisa dessas?

Abdar sorriu e me pressionou contra a porta.

— Tenho certeza que todos ficam incrivelmente encantados


apenas por ter um pouco da sua atenção, como eu estou
agora. Seu marido passou por reuniões enfadonhas
repletas de homens carrancudos e feios, estava ansioso
para chegar aqui e ver seu rosto belo. — Me deu um beijo.
— Temos um tempo antes do jantar, o que quer fazer?

Agarrei sua roupa pelas lapelas.

— Podemos discutir sobre a economia mundial ou… —


Levei-o até nosso banheiro compartilhado. — Podemos
esperar o jantar em um tipo de conversa que envolve mais
gemidos do que palavras. Principalmente que estou
ansiando por um banho para limpar todas as energias do
dia com meu marido.

— Eu adoro a segunda opção. Vamos limpar todas as


impurezas com safadeza? Rawan Aisha, que ideia genial. —
Soltou uma risada.

— É melhor parar de rir, porque eu vou tirar minha roupa


agora.

Ele se afastou o suficiente para assistir meu pequeno


showzinho de me despir e retribuiu o favor. Mais tarde,
depois do jantar, estávamos na cama nus, embolados nos
lençóis e um no outro. Abdar tinha umas cicatrizes de suas
aventuras pelo mundo e uma delas, era longa e parecia ter
sido de um ferimento muito fundo.

— Eu me acidentei no deserto alguns meses depois que


meus irmãos morreram. Hoje eu sei que entrei em uma
espiral de dor que soube lidar fazendo

coisas impulsivas, como se desafiasse o destino. Como ele


poderia me escolher e levar meus irmãos? — Abdar
refletiu. — Dois jovens felizes e cheios de vida.

Said não deveria estar no carro. Eu tinha que estar lá e de


última hora, recebi uma ligação e programei uma viagem.
Ele foi todo empolgado e iria experimentar meu carro novo
antes de mim. Não soube como lidar com a culpa.

— Eles perderam o controle do carro?

— Baba não quis saber. Eu queria investigar o que


aconteceu, porém, entendi meu pai e respeitei. Era dor
demais ficar lidando com aquilo, com processos,
investigações. Respeitamos a dor.

— Sinto muito. Ainda bem que parou com coisas


impulsivas.

— Ainda gosto de correr nas estradas, espero poder te


levar um dia, mas sempre verifico os carros com uma
equipe de confiança e faço testes. Agora, mais do que
nunca, eu tenho muitas responsabilidades para
simplesmente ser imprudente em uma corrida. — Beijou
minha testa e assenti. — Você não tem nenhuma cicatriz.
Não foi uma criança arteira?

— Não. Sempre enfiada nos livros e depois, sozinha demais


para aprontar.

Não significava que eu não tinha um monte de cicatrizes


em meu coração.

Capítulo 16 | Abdar.

Rawan me enviou uma mensagem, avisando que havia


acabado de chegar na casa do pai e que provavelmente
não iria demorar. Desde que retornamos da lua-de-mel, ela
não tinha conseguido falar com ele e eu incentivei uma
visita. O

homem era tradicional demais e não faria visitas se não


fosse formalmente convidado, não querendo atrapalhar a
vida e a rotina da filha. Eu sentia falta do meu pai todos os
dias e não queria que ela perdesse qualquer momento com
o dela.

Tirei algumas horas de folga para lidar com questões


pessoais. Meu advogado me deu um olhar completamente
confuso com meu pedido de transferir um fundo financeiro
para Rawan. Eu prometi que cuidaria dela para sempre e
isso significava assegurar uma boa vida se algo
acontecesse comigo.

Apesar de jovem, a vida era uma caixinha de surpresas e


eu não podia adivinhar o que o destino queria para mim. As
areias do deserto mudavam todos os dias, por que seria
diferente comigo?
— Ela terá direito a muito mais quando lhe der herdeiros.

— Meu casamento não será assegurado por filhos. Esse


dinheiro é pessoal, não tem nada a ver com a herança de
meu pai e os fundos que foram deixados para meu uso. Eu
quero que essa quantia seja da minha esposa.

Rawan não usaria o dinheiro. Ela recebia uma mesada e a


não ser por

roupas para eventos e mimar excessivamente minhas


irmãs, ela não gastava com absolutamente nada. Cresceu
com dinheiro a disposição e muitos cuidados luxuosos, no
entanto, era uma mulher bem prática no cotidiano, o que
me fazia admirá-la ainda mais. Tínhamos gostos em
comum, mais do que imaginei inicialmente.

— Se essa é a sua vontade. Incluo as propriedades em


Londres?

— Sim.

— Se vocês se divorciarem, esses bens não poderão ser


recuperados.

— Não haverá divórcio. — Finalizei.

Ele me informou que me retornaria em breve e pediu


licença. Logo que saiu, meus irmãos entraram em meu
escritório. Mohammed me deu um olhar claramente
exasperado.

— Ouvi dizer que Sarai deseja passar uma temporada com


as meninas na Jordânia com nossa irmã — Mohammed
começou a falar.

— É verdade. O que tem? — Confirmei, olhando as


mensagens dos meus amigos no grupo e respondi
algumas. Eduardo, como sempre, estava enviando piadas
que só ele achava engraçadas.

— Acha que isso é correto, irmão? — Jamyr se inclinou,


unindo as mãos.

— Ela pode estar planejando uma fuga. Se Sarai quer sair


do palácio, ótimo. As meninas são nossa responsabilidade.

— Nadia e Laila são minha responsabilidade e se eu decidir


que elas podem viver com a mãe onde ela escolher, assim
ficará decidido. — Deixei meu telefone na mesa. — Jamais
tirarei as meninas da convivência de Sarai. Não há mal
nenhum que elas sejam criadas em um ambiente com
amor, seja aqui ou perto de Jamile, que também é nossa
irmã.

— Elas precisam ser preparadas — Jamyr falou


calmamente. Seu tom de voz monótono me irritava em
muitos momentos e naquela conversa desnecessária,
principalmente. — Sabemos o que acontece quando as
meninas são enviadas para ter educação moderna e
ocidental. Voltam acreditando que podem sentar com os
homens.

— Há algo que realmente gostaria de dizer? — Enfrentei-o,


que imediatamente recuou.

— Pensando especificamente no melhor para minhas irmãs.

— Não preciso dos seus pensamentos e opiniões. Tenho


mais o que fazer.

Jamyr saiu de sua cadeira e foi embora. Mohammed


escorregou um pouco mais no lugar, massageando as
têmporas e soltou um suspiro. Me perguntei a quanto
tempo Jamyr estava infernizando-o com esse assunto até
que finalmente chegaram a mim. Sarai me pediu
autorização para viajar com as meninas e sair um pouco do
palácio, onde ela viveu anos com meu pai e ainda não
estava bem com o luto.

— Sei que não é da minha conta, estou apenas


comunicando, há um crescente rumor sobre Rawan ainda
não ter anunciado um herdeiro. Com a repentina morte do
papai, os conselheiros estão preocupados com o futuro de
Al-Abadi caso você não tenha herdeiros. Sei que é um fardo
pensar em filhos para dar continuidade…

— Obrigado por me contar.

— Preciso voltar para Londres e resolver pendências, se


precisar de mim, voltarei o mais rápido possível.

— Apenas faça o que tem que fazer e se cuide.

Meu tempo para mim foi engolido com atividades de última


hora que exigiam minha atenção antes da viagem para
Dubamyr. Rawan e eu passaríamos uma temporada na
cidade. Como Emir, eu tinha muitos compromissos,
principalmente que havia milhares de empresas que
tomavam minha concentração. Meu pai sempre me disse
que ser quem éramos, era uma doação diária e sacrifícios,
mas eu também estava experimentando o sabor de poder
mudar o nosso mundo.

O emirado de Al-Abadi estava no começo de uma nova era.


Por Rawan e minhas irmãs, era necessária uma mudança
que meu pai já estava ensaiando há alguns anos. Eu não
estava interessado em como os outros emirados da
federação agiriam dentro dos seus territórios, participaria
ativamente para fortalecer nosso status político e
econômico internacionalmente, mas também

tinha planos bem ambiciosos.


No final do dia, meus ombros estavam doloridos devido à
tensão da minha última reunião. Precisei de um tempo
conectado comigo mesmo, meditando, me purificando para
poder voltar a circular pelo palácio.

— Seu presente para Rawan acaba de chegar. — Kalil me


abordou no meio do caminho. — Já enviei para a equipe
fazer toda a vistoria.

— Quero vê-lo, porém, mantenha em segredo. É uma


surpresa. —

Caminhei com ele, com a sensação de estar sendo


observado. Não deveria ser incomum. Os funcionários do
palácio costumavam ser bem silenciosos e evitavam o meu
caminho. — Ela vai adorar ter seu próprio carro.

— Tudo porque não quer que ela dirija os seus.

— Até testar suas habilidades, meus carros ficarão longe


das mãos dela —

brinquei.

Rawan passou a compartilhar sua secreta paixão por carros


de luxo e que tinha vontade de dirigir um. Seu pai nunca
autorizou. Ele queria que ela ficasse segura e fosse
protegida. Mesmo sendo um homem de poucas palavras,
era bem óbvio para mim, que manter a filha viva era a
verdadeira religião do meu sogro.

— Logo que receber o relatório, irei informar. Manterei o


carro em segredo.

Pedi à cozinha um jantar especial para ser servido em


minha ala privada.
Embora gostasse da companhia dos meus irmãos, eu
preferia ficar sozinho com minha esposa. Ela passou as
últimas noites estudando e concentrada em suas
anotações, brigou comigo por assistir a um filme alto
demais e deixar algumas coisas bagunçadas. Estava uma
pilha.

Apoiar seus estudos era o mínimo que podia fazer e


mandar preparar uma das suas comidas favoritas não era
muito.

— Como foi seu dia hoje? — Ela entrou em nosso quarto e


me encontrou sentado no chão, lendo. Deixei o último livro
que meu pai recomendou antes de morrer de lado e dei
espaço para que ela me cumprimentasse com um beijo.

— Como todo dia.

— Então, foi bom. Todos os seus dias são bons porque são
iluminados pelo sol. — Beijou meus lábios mais uma vez e
a impedi de sair de perto.

— E seu pai?

— Teimoso. Ele esteve doente e proibiu que me contassem.


Foi só uma gripe — resmungou. Sua expressão emburrada
era linda. — Depois de muito custo, conseguimos ter uma
conversa. Sarai está arrumando as malas, feliz por passar
um tempo fora e eu entendo. Deve ser muito difícil ainda
dormir na cama que compartilhou com o marido por muitos
anos. Nós temos pouco tempo juntos e senti sua falta
quando viajou.

— Assuma que sente minha falta o tempo todo…

— Hum… — Ela se fez de difícil.

— Eu sinto sua falta todo tempo. — Beijei sua bochecha.


— Talvez eu sinta — brincou comigo. — Hoje parece estar
mais calmo.

— Você parece estar mais calma. Não fui eu que comecei


uma briga por causa de um sapato fora do lugar.

— Assim faz parecer que eu sou maluca, não que você tem
uma enorme dificuldade de colocar seus sapatos no lugar
certo. Ninguém nunca te ensinou a dobrar roupas?

— Não.

— Não seja orgulhoso disso. — Ela seguiu brigando, sem


perceber que estava implicando com ela. — Sei que temos
um time inteiro de pessoas disponíveis a cuidar das nossas
coisas, mas isso não quer dizer que temos que ser
bagunceiros. Não é educado.

— Terminou? Esse assunto é tão chato.

Rawan virou bruscamente no meu colo e me pegou


sorrindo. Ela relaxou e riu, mas estava prontinha para
brigar. Passei meu braço por baixo de seus joelhos e a
joguei na cama. Ela riu e sua saia subiu um pouco,
revelando as pernas maravilhosas. Me inclinei e dei um
beijo em seu joelho. Ela já estava sem sandálias. Soltando
o cabelo, tirou as pulseiras e deixou de lado.

— Nós daremos uma pausa nesse assunto, apenas porque


fiquei com

saudades, mas vamos falar sobre ser bagunceiro — ela


avisou severamente e ao mesmo tempo, me puxou para
dar um beijo. — Gosto da sua barba assim…

— Assuma que gosta de mim de qualquer jeito.


— Seu senso de humor é terrível. — Balançou a cabeça
negativamente, me fazendo rir. — Sim, gosto de qualquer
jeito, mas prefiro assim porque eu posso puxar e te beijar.

Rawan era polida e distante em público, dentro do quarto,


ela não escondia quem era e a cada dia que passava, se
tornava meu sol, meu norte, minha companheira.
Compartilhar cada aspecto da minha vida com ela era
incrível.

Meu pai me deu uma esposa, querendo continuar sua


linhagem e acertar minha vida, mas na verdade, sem
saber, ele escolheu a melhor amiga que eu poderia ter.

Capítulo 17 | Rawan.

Dubamyr era a cidade mais bonita de toda Al-Abadi, talvez


por ter sido exclusivamente criada para causar
encantamento e paixão em seus visitantes. Era minha
primeira vez ali e fiquei deslumbrada. Abdar tinha uma
série de eventos e reuniões, alguns precisavam da minha
presença, outros, eu pude me afastar para explorar o
centro comercial com Iasmin.

Não resisti e fiz compras. Encontrei uma loja de roupas


íntimas na qual as vendedoras eram extremamente
discretas e simpáticas. Fui ao salão e me preparei para me
reunir com esposas de empresários de todo o mundo que
estavam na cidade para um dos eventos.

Foi um jantar só de mulheres, oferecido por mim,


conduzido para estreitar laços. Sendo o primeiro evento
que organizei, estava nervosa, porque nunca havia feito
absolutamente nada sozinha e Abdar me deu carta branca
para gerenciar da maneira que achasse melhor. Era a
primeira semana de um novo decreto que abalou as
colunas sociais, estava sendo falado no mundo inteiro e
que me fez enxergar o quanto a maioria das pessoas
receberam a notícia com facilidade.

Há anos, o uso do hijab havia sido reduzido para eventos


oficiais e religiosos, em alguns lugares mais tradicionais,
como a região do palácio, ainda era necessário o véu como
shayla. As roupas, no entanto, sempre tradicionais e

fechadas. Abdar mudou a regra de vestimenta das


mulheres. Era possível usar vestidos até os joelhos em
público, ombros cobertos, mas houve a aprovação de
decotes singelos. Roupas coloridas se tornaram bem-
vindas.

Era o começo de uma nova era. Para comemorar, eu não


estava usando nenhum tipo de véu cobrindo meus cabelos.
Meu vestido era mais fechado, porque era do meu estilo
pessoal não usar roupas que revelassem muito da minha
pele, mas ele era justo o suficiente e com um lindo
caimento dos meus joelhos ao meio da panturrilha.

Meu marido disse que a cor era perfeita em mim, mas ele
era um bobo e dizia isso em todos os tons que usava.
Concordava que azul me caía muito bem e isso elevou meu
espírito para conhecer mulheres de outras culturas, com
um menu delicioso, oferecendo o melhor da nossa
culinária, com alguns doces representando a maioria dos
países. Foi discutido muito sobre o lugar da mulher na
sociedade. Aprendi com elas e pude ensinar um pouco do
meu mundo.

Quando acabou, ainda parecia difícil acreditar que Abdar


havia confiado em mim para um evento tão importante. No
caminho de volta para a cobertura que pertencia a ele na
cidade, Iasmin me atualizou de todos os detalhes dos
bastidores que não prestei atenção por estar ocupada. Ela
falava sem parar e sorri para sua ansiedade. Meus nervos
estavam mais tranquilos porque estava indo para casa
esperar Abdar chegar e falar sobre.

A cobertura era enorme e nós não estávamos totalmente


sozinhos nela,

havia funcionários no andar inferior assim como a comitiva


de seguranças por todo o prédio. Do nosso lado, estava
silencioso e meio escuro. Acendi as luzes necessárias, fui
direto para o closet tirar minhas roupas, escolhi algo
confortável para dormir e segui para o banheiro. Retirar
toda a maquiagem pesada levou tempo e meu cabelo,
cheio de produto para manter os cachos no lugar, parecia
pesado.

Tomei um banho, cantarolando baixinho, secando meu


cabelo apenas com a toalha, vesti a longa camisola bonita
que comprei na França e me envolvi no roupão de cetim.
Fui apagando as luzes e virei em direção ao quarto,
tomando um susto ao ver Abdar na cama, com um livro,
apenas a luz do abajur acesa.

— Estou aqui esse tempo todo e não falou nada.

— Estava na secreta esperança de te ver sem roupa


acreditando estar sozinha — retrucou e fechou o livro. — Te
ouvi cantarolar, feliz, não quis atrapalhar.

— Ainda bem que eu não fiz nada constrangedor.

— Eu já te ouvi indo ao banheiro, não se preocupe, não me


assustou.

Depois do seu primeiro ciclo menstrual e seu humor


psicótico, nada me fará sair correndo. Como foi o jantar?

— Primeiro eu quero saber porque está em casa tão cedo.


Pensei que ficaria festejando com os homens até tarde. Da
última vez, eu cansei de te

esperar acordada. — Esfreguei o creme nos braços. —


Aconteceu alguma coisa que te desagradou?

— Foi tudo bem e não achei necessário estender minha


presença além do programado. E o seu jantar?

— Foi incrível! — Me joguei na cama e montei em seu colo.


— Todas foram e estavam lindas! E mais que isso, no
primeiro dia do decreto, as ruas estavam cheias! Muitos
casais andando lado-a-lado pela primeira vez! Alguns
homens até tocaram as costas de suas esposas! Crianças
correndo nas praças! Eu fiquei tão encantada!

Abdar segurou meu rosto e sorriu, passando o polegar em


meus lábios e me inclinei, beijando sua boca macia.

— Eu recebi tantas ligações sobre isso que minha mente


está quase explodindo. Jamile chegou a chorar e ao mesmo
tempo…

— Sempre soube que haveria resistência daqueles que


ainda não conseguem enxergar os benefícios a longo
prazo. Tem certeza que está bem?

Estou te sentindo muito amuado para um dia importante.

— Apenas cansado. Sonhando com os dias em que


poderemos sair apenas nós dois novamente e tirar um
tempo longe de tudo.

— Quer uma massagem? — Ofereci, incerta sobre ele estar


realmente bem.

— Estou bem, prometo. — Me deu um beijo e descobriu


meu lado da cama, escorreguei para meu lugar. Ele não
voltou a ler, apagou a luz e me abraçou. Peguei no sono,
cansada, acordei sentindo um pouco de frio e virei na
cama. Sozinha. O lado dele estava gelado.

Confusa e preocupada, saí à sua procura. Abdar estava


sentado em um dos sofás próximo à varanda, olhando para
fora, pensativo. Eu queria deixá-lo sozinho e dar tempo de
me dizer o que realmente estava sentindo. Não consegui.

Me aproximei com cautela e o abracei por trás, beijando


sua nuca. Ele segurou minha mão e a beijou.

— Quer ficar sozinho? Não quer conversar? Estou


preocupada.

— Não sei dizer o que está acontecendo, apenas sinto uma


inquietação angustiante. Estou com um pressentimento
ruim desde cedo. No pouco que dormi, tive sonhos ruins. —
Ele parecia tão preocupado que meu coração apertou.

— Com o que sonhou? — Mudei de lugar e ajoelhei na sua


frente, porque ele não teria como esconder o rosto. Seus
olhos eram sempre um espelho de suas emoções.

— Não quero falar…

— Por que? Estou aqui com você. — Segurei suas mãos.

Abdar ficou em silêncio.

— Sonhei que você morria — falou tão baixo que pensei


que não tinha ouvido direito. — Eu entrava em nosso
quarto e você estava tão fria na cama… e havia uma nota,
que dizia que tudo que eu quero fazer me traria
consequências dolorosas. Não sei se é a apreensão,
ansiedade ou apenas o fato de que nem todos irão aceitar,
mesmo que a minha palavra seja tudo que importa aqui.
— É ansiedade. Estou bem, nada vai acontecer comigo, sou
bem protegida e cuidada por você. — Abracei-o apertado.
— Estou aqui. Não fique angustiado sozinho.

— Sei que não deveria, mas, eu estou com tanta coisa na


cabeça que acabei me deixando levar com essas emoções.
— Ele tirou meu cabelo do caminho e beijou meus lábios. —
Não faz ideia do quanto é preciosa para mim, Rawan. Não
quero que nada te aconteça.

— Nada vai acontecer — garanti. Eu tinha certeza que


ficaria bem. Era saudável e não havia motivos para
qualquer um querer me machucar. — Vem, vamos para a
cama. Não quero que pense nem mais um segundo em
coisas ruins.

Abdar passou a noite inteira grudado em mim. Não era algo


que normalmente me incomodava, mas eu sabia que ele
estava preso no pesadelo e deveria ter sido muito real
porque ele nunca demonstrou ser um homem de remoer as
mesmas coisas. Tive um sono agitado e piorou tudo pela
manhã quando as ostras que comi no jantar decidiram
fazer o caminho inverso. Saí da

cama correndo, sentindo contrações dolorosas.

— Quando comemos ostras na nossa lua de mel, você


também passou mal.

Talvez seja um tipo de prato que deve ficar fora das suas
escolhas. — Abdar segurou meus cabelos. Lavei minha
boca, arrepiada. — Ou nós encomendamos um bebê. Sua
menstruação ainda não desceu.

O arrepio desceu completamente diferente dessa vez.

— Tenho seguido com os cuidados… quando lembro.


— Nenhum método é cem por cento eficaz quando tem que
acontecer e alguns dias, a senhora esqueceu, lembrou de
tomar sua pílula apenas de madrugada. — Ele rebateu e ri,
de puro nervoso. — Quer fazer um teste?

— Só por que passei mal? Sabemos que foi as ostras e


vamos deixar assim.

— Escovei os dentes e sequei a boca novamente. — Quer


um bebê agora?

— Quero um bebê quando quiser. — Beijou meus lábios. —


Vem, vou te levar para a cama.

Abdar ficou me vigiando, preocupado se iria me sentir mal


novamente.

Quando precisou sair, no final da manhã, agarrei o teste


que pedi que Iasmin desse um jeito de comprar. O fiz
sozinha, no meu quarto. Esperei o resultado com o coração
martelando no peito, tão concentrada que não o ouvi
entrar. Ele parou na porta e cruzou os braços.

— Vamos deixar que foram as ostras, Rawan?

— Não brigue comigo. Fiquei paranoica.

— Esse é o tipo de coisa que deveríamos fazer juntos. —


Ele estava visivelmente chateado. — O resultado saiu?

— Ainda não. Por que está tão…?

— Tão o quê? Chateado que quis fazer um teste sozinha?

— E se eu quisesse fazer uma surpresa? — retruquei,


arqueando a sobrancelha. — Tenho direito a escolher como
te contaria sobre um bebê e para nossa sorte, deu
negativo.
Ele pegou o teste e me encarou.

— Por que sorte?

Suspirei e o abracei, beijando seu pescoço.

— Sei que está irritado e com medo de me perder, por isso


está pensando que ter um filho agora, com tantas
mudanças sendo implementadas não é uma boa ideia.
Calma, temos tempo e eu quero sim ter muitos filhos, só
não quero engravidar quando a sua agenda está repleta de
viagens porque está decretando o novo tempo de Al-Abadi.
— Olhei para seu rosto. — Pretendo ter toda sua atenção
quando engravidar, se acontecer, tudo bem, mas se for
planejado…

— Odeio dizer que tem razão — resmungou e sorri. Meu


rabugento favorito.

— Sempre tenho. Vai ficar tudo bem, confie em mim.

Ele só beijou minha testa e me manteve em seus braços


por mais tempo, ainda incerto.

Capítulo 18 | Rawan.

Seis meses depois do meu casamento, eu tinha algumas


coisas a dizer sobre casamentos organizados por contrato.
Em primeiro lugar, as diferenças se tornavam ainda
maiores no dia a dia, fazia todo sentido o fato de as
pessoas namorarem antes de um matrimônio. Em segundo
lugar, mesmo com os problemas de convivência que
explodiam no cotidiano, era possível encontrar um parceiro
incrível, um melhor amigo e meu coração estupidamente
apaixonado não conseguia não derreter de amor por Abdar.
Nossa vida em Al-Abadi estava se ajustando. Todo dia havia
algo novo a ser enfrentado ou uma conversa exaustiva
antes de dormir. Isso quando estávamos com paciência
para discutir. Dormimos brigados um com o outro mais de
uma vez. No dia seguinte, fazíamos as pazes do melhor
jeito possível.

Apenas algumas brigas levaram muito mais tempo para


resolver e sempre envolvia alguma coisa relacionada à
família. Seja o irmão dele e a quantidade de mulheres
vivendo no palácio sem serem suas esposas e o jeito
ranzinza do meu pai.

E isso nos levava a mais uma discussão.

— Seu irmão deveria ter o próprio lugar dele. Vai dizer que
quando era solteiro, também tinha esse comportamento
deplorável de trazer milhares de mulheres para casa?

Abdar suspirou.

— Não. Eu não vivia aqui o tempo todo — resmungou,


pegando alguns ternos.

— E por que ele não pode ter um lugar para transar? Eu


realmente odeio dizer isso, mas aqui, ele faz orgias! Dez
dançarinas não passam a noite inteira apenas dançando!

— Não posso expulsar meu irmão do palácio.

E as cobras de estimação? Jamyr tinha um aquário com


muitas e elas me davam nos nervos. Prometi que iria parar
de implicar com animais peçonhentos dentro do palácio
porque ele tinha direito de ter seus bichos de estimação
mesmo que fossem assustadores.

Respirei fundo e voltei a falar.


— Não estou dizendo para expulsar, estou pedindo que ele
encontre um outro lugar para festejar. A música ecoou aqui
no quarto essa noite, parecia que Jamyr sabia que não
passaria a noite em casa. Não consegui dormir e sim, estou
irritada por isso!

— Conversarei com ele, mais uma vez, sobre seu


comportamento. —

Finalizou e estava atravessado na minha garganta. —


Rawan, entenda que não estou escolhendo entre você e
meu irmão. Jamyr é mais complicado que uma simples
ordem. Ele é meu irmão e o único a ficar em casa a todo
tempo.

— E só por isso ele pode fazer o que bem entender? —


Coloquei minhas mãos na cintura.

— Não. Podemos dar uma pausa nesse assunto?

— Tanto faz.

Voltei para meu armário, recolhendo minhas roupas para


organizar na mala e ao voltar, Abdar já não estava mais no
quarto. Meu humor estava irritante, eu tinha plena ciência
disso, mas o sono era algo que me afetava diretamente.
Jamyr tinha um comportamento insuportável e o próprio
Abdar assumiu que seu irmão estava demonstrando ser
uma pessoa diferente a cada novo dia. Ele não era assim
quando o pai estava vivo.

Eu culpava o luto, que não passava rapidamente como a


maioria das pessoas gostavam de pensar. Abdar ainda
sentia falta do pai e nem por isso, usava como desculpa
para fazer o que bem entendia. Os irmãos também
estavam brigando sobre os novos decretos e em como Al-
Abadi estava reagindo àquilo. A maioria dos conselhos e
membros do governo estavam fazendo parte de cada
processo, nada era decidido com rapidez ou impulsividade.

Abdar era jovem e muito sábio.

Mesmo irritada, eu não conseguia parar de admirar meu


marido. Eu queria ficar furiosa com ele em tudo. Terminada
as malas, vesti minha roupa de viagem, confortável, com
um casaco e minha bolsa de mão. Iasmin abriu as portas
para

que os funcionários pegassem as bagagens e fui informada


que seria conduzida sozinha para o aeroporto.

Mal consegui esconder minha expressão irritada porque


Abdar sequer me enviou uma mensagem avisando que iria
se atrasar. Iasmin seguiu quieta ao meu lado. A viagem até
o aeroporto era relativamente longa.

— Esses dias longe de casa te farão bem, tente descansar


o máximo que conseguir e tenha um pouco de calma.
Aproveite os dias e a cidade romântica para se reconectar
consigo mesma. Você é muito jovem e, com isso, muito
intensa. Está mergulhada nos projetos políticos,
acompanhando seu marido, estudando, cuidando do seu
pai e isso é muito para qualquer pessoa. — Iasmin colocou
minha mão entre as suas. — Lemos na sua borra que você
teria um grande futuro e que precisaria de
responsabilidade para lidar com as mudanças.

Cuidar de si mesma também faz parte.

— Eu sei. Vou tentar descansar e voltar renovada.

— Sei que não pediu minha opinião, mas tente se


reconectar com seu marido. Vocês casaram agora,
precisam de um tempo de ajuste. Seja um pouquinho mais
paciente.
— Obrigada pelos seus conselhos.

No aeroporto, minha entrada foi bem discreta e para


esperar Abdar, fui levada para uma sala reservada. A nova
equipe de segurança gostava de se

disfarçar na multidão. Fiquei com Iasmin, fazendo hora, até


que cansei de ficar sentada e parei próximo à uma janela.
Havia uma comitiva embarcando também e era do meu
cunhado, Jamyr. Depois de festejar, ele iria para os jogos
europeus com os amigos.

Ele olhou para cima antes de embarcar e com um sorriso


debochado, acenou para mim. Eu não me dei ao trabalho
de me mover. Ele sabia que estava me irritando e com isso,
fazia mais e mais. Precisava aprender a lidar com ele antes
que não existisse mais a possibilidade de vivermos no
mesmo lugar, colocando Abdar no meio daquela guerra.

Sentia algo no meu coração que não era bom. Baba dizia
para nunca ignorar meus instintos e talvez, nesse caso,
devesse ignorar e tentar de tudo para ter uma boa relação.
Sarai e as meninas faziam falta. Elas ainda estavam na
Jordânia com Jamile. Elas vieram algumas vezes, ficaram
por algumas semanas e logo voltaram. Abdar não estava
implicando com as viagens da madrasta com as irmãs, era
importante para ele que elas ficassem felizes.

Abdar abriu a porta da sala.

— Peço desculpas pelo atraso. — Ele caminhou diretamente


na minha direção e deu um beijo na minha testa. —
Estaremos prontos para voar em alguns minutos.

Iasmin nos deu privacidade e saímos quando estava tudo


pronto para viajarmos. Ficamos afastados o voo inteiro, ele
trabalhando e eu lendo, fazendo
qualquer coisa para não conversarmos. Havia um clima
pesado porque havíamos passado as últimas semanas
brigando. Era difícil.

— Não quer comer nada? — Abdar falou comigo pela


primeira vez dentro do avião.

— Não. Eu vou deitar um pouco no quarto, me avise


quando for a hora de pousar.

Saí do meu lugar e sequer olhei para trás. A cama estava


feita como todas as vezes que viajamos. Não descobri
nada, só tirei os sapatos, abracei um travesseiro e tentei
dormir. Alguns minutos depois, ouvi a porta ser aberta e ele
afundou atrás de mim.

— Rawan... eu simplesmente odeio isso.

— Eu sei.

— Como vamos nos entender? — Beijou meu ombro.

— Não sei. Me sinto mal, estou cansada e irritada, me


sentindo culpada por despejar minhas reclamações em
você e tento me segurar ao máximo porque sei que tem
muito nas mãos diariamente. — Virei de frente e ele tirou
meu cabelo do rosto, beijando meus lábios. — Sinto muito.

— Não. Quero te ouvir mesmo quando está irritada. E eu


juro, de todo meu coração, que sim, entendo. Sei que a
rotina está muito cansativa e que as atitudes petulantes do
Jamyr fazem qualquer um perder um pouco da paz de
espírito. Só

nunca quis que tudo isso se tornasse um problema entre


nós, que afetasse a nossa comunicação ao ponto de não
nos tocarmos. — Me puxou mais para perto e me apertou
em seus braços. — Sinto falta de dormir com você.
— Tudo bem, vamos lidar com uma coisa de cada vez e
tirar o peso dessas responsabilidades nos próximos dias.
Estou ansiosa por um pouco de descanso e momentos a
dois. — Me estiquei e beijei seus lábios. — Também sinto
falta de uma coisa em especial…

— Ah, isso? Estou vivendo por esse momento de


reconexão. Me desculpe por todas as brigas e por ficar
extremamente ocupado nos últimos dias.

— Me desculpe por estar tão chata.

— Essa é uma condição permanente, será que deve mesmo


se desculpar?

— me provocou e belisquei sua barriga, rindo. — Está


perdoada.

— Eu te desculpo também.

Ficamos o restante do voo na cama, conversando e


brincando como sempre. Era o nosso jeito, que eu amava
muito. Ao pousar, ficamos de mãos dadas dentro do carro e
eu nunca me senti tão feliz ao entrar na nossa casa no
interior da França, completamente sozinhos. Foi o primeiro
lugar que ficamos sozinhos, que compartilhamos muita
intimidade e estar ali depois de tantas brigas foi especial.
Fizemos amor deliciosamente sem qualquer contato
externo e por quatro dias, foi tudo sobre nós dois.

No final do quinto dia, umas horas antes de precisarmos


viajar para Paris e assim começar a agenda de
compromissos profissionais de Abdar, ele estava deitado
com a cabeça no meu ventre. Nós nos divertimos com uma
chamada de vídeo com alguns dos seus amigos. Eram um
grupinho e tanto, sempre morria de rir com as histórias.

— Estive pensando…
— Espero que não esteja pensando em problemas —
reclamou com a voz abafada.

— Não, bobo. Estive pensando que, talvez, pudéssemos


fazer uma viagem a dois, como foi em nossa lua-de-mel, no
nosso aniversário de um ano. —

Acariciei seus cabelos.

— Pensei que fosse dizer para termos um bebê.

— Depois que me formar, não tenho objeções. — Desci


minha mão para puxar sua barba um pouco. — Quero ter
meu diploma, não posso deixar isso de lado agora.

— Claro que terá. Sinto orgulho dos seus estudos e adoro


te ver discursar em nossas reuniões. Me dá um tesão te ver
toda poderosa.

— Cale a boca. Você tem tesão até quando quero te matar.

— Te ver irritada é particularmente excitante porque não há


absolutamente nada que te acalme melhor que sexo. Fica
mansinha. — Deu uma mordida na

minha barriga.

— Sei que falamos muito sobre a minha vontade de ter


filhos, mas quando quiser, precisamos conversar e nos
ajustar. Às vezes, meu lado maternal pode ficar adormecido
e o seu acordado ou o contrário. Somos um casal, podemos
chegar a um ponto de acordo em tudo e sei que não
importa quando tivermos um bebê, será perfeito. — Ele
ergueu a cabeça com minha fala e subiu um pouco mais,
pairando próximo ao meu rosto.

— Será incrível porque te amo e mal vejo a hora de


vivermos o resto da nossa vida sendo felizes.
— Eu te amo muito.

Abdar sorriu, maravilhado e me beijou apaixonadamente.

Capítulo 19 | Abdar.

Um grupo de dançarinas fazia um verdadeiro espetáculo no


centro do salão de festas do palácio. Com a música alta e
contagiante, era simplesmente impossível ficar parado.
Movendo meus ombros, estalei os dedos, sorrindo.

Rawan estava belíssima, dançando discretamente em seu


lugar, batendo palmas e seu sorriso era tão radiante que
eu não conseguia desviar o olhar rápido o suficiente. Ela
percebeu meu encantamento e piscou. Perfeita da cabeça
aos pés.

Os aplausos do fim da dança chamaram minha atenção e


eu bati palmas junto. Sentada ao meu lado, Rawan se
inclinou para conversar com a esposa de um dos
conselheiros. Era um jantar comemorativo, misto, no qual
homens e mulheres estavam juntos em prol de uma
felicidade em comum. A comida em abundância era um
presente para meu povo.

A festa terminou tarde. Quando retornei para meu quarto,


Rawan estava no banho. Ela lavava seu cabelo longo, me
deu um olhar interessante, erguendo o indicador e me
atraindo como uma mariposa. Tirei minha roupa
rapidamente, passando para o vapor apaixonante que
cobria seu corpo nu. Era a minha canção favorita.

Eu a amava. Rawan era uma parte da minha vida que achei


que não precisava, que nunca sentiria falta e que poderia
viver para sempre sem amor, sem uma companheira e sem
sua vida iluminando meus dias.
E claro, me dando cabelos brancos precoces.

Com intimidade e mais contato na rotina, minha esposa


mostrava que era dona de um gênio indomável que, por
muitos anos oprimida e sempre obediente, nem ela mesma
conhecia.

O casamento nos trouxe liberdade. Brigar com ela era


minha maior dor de cabeça, detestava, me sentia culpado,
era difícil lidar com as emoções que um desentendimento
causava entre nós e no equilíbrio do nosso relacionamento.

Encurralei-a contra a parede, beijando sua boca


maravilhosa com todo meu corpo clamando por uma
necessidade que nunca tinha fim. Desci beijos por seu
pescoço, lambendo um caminho até os mamilos. Rawan
gemeu, segurando meu cabelo e erguendo a perna,
encontrando fricção na minha coxa.

— Eu quero você. Preciso de você — choramingou,


arranhando minha nuca.

— Sei muito bem do que precisa. — Escorreguei para o


chão, ficando de joelhos e passei sua perna em meu
ombro. Ela mordeu o lábio e me deu o olhar safado que eu
era completamente apaixonado. Minha esposa sentindo
prazer era o meu céu.

Seu corpo inteiro tremeu chegando ao orgasmo, provoquei


seu clitóris mais um pouco e ela quase derreteu no lugar.
Aos beijos, fomos para a cama, ela riu ao tropeçar e me
empurrou, me fazendo cair e esperei pacientemente que

subisse em cima de mim. Ela acariciou minhas coxas,


dando uma breve mordida na minha barriga e lambeu toda
minha extensão. Enfiei minhas mãos em seu cabelo,
manipulando suas chupadas até sentir que estava prestes
a gozar.
Rawan puxou um dos seus véus que estava no canto,
começando a dançar de joelhos ao meu lado,
completamente nua. Ela ia me dar um ataque cardíaco em
breve.

Puxei-a pelo véu e a joguei na cama, rolando para cima e


tomando sua boca. Eu queria me fundir a ela para sempre.

— Acho que vou dançar nua mais vezes. — Ela caiu


ofegante, sorrindo.

— Não sei se tenho coração para isso. — Suspirei,


abraçando-a apertado.

— Temos só algumas horas para dormir.

Ela soltou um resmungo. Diminuir o tempo de sono dela


era um perigo.

Rawan com sono era pior que vinte mulheres de tpm.

— Eu sei. Meu pai está muito ansioso para essa viagem, ele
ficou realmente feliz com o convite de conhecer sua
propriedade e seus cavalos em Londres. Será a minha
primeira competição automobilística. Já correu em algum
desses carros?

— Já e eu adoro. Da última vez que estive em Londres,


andei pessoalmente no carro que estou patrocinando e
espero poder dar uma volta nele antes da corrida oficial. É
a minha maneira de sentir o motor. — Beijei sua

bochecha. — Por que?

— Também quero.

— Nem nos seus sonhos eu vou permitir. É perigoso, não


quero que se machuque.
— Eu dirijo no deserto e você não fala nada.

— Quero que tenha segurança na direção e se acostume a


andar sozinha, ter independência, mas entrar em um carro
de fórmula 1 é demais. Não tenho saúde para isso.

— Deixe de ser bobo. Eu acho que seria incrível!

— Eu acho que devemos mudar de assunto. — Bufei. Ela


não ia parar até conseguir.

— Acho que você é um fracote. — Me cutucou.

— Cale-se — ordenei. Ela riu, fingiu que passou um zíper


nos lábios e jogou a chave fora.

Rawan demorou uma eternidade para sair da cama, não


quis malhar e comeu pouco, emburrada pela falta de sono.
Ela saiu apenas quando já estávamos muito atrasados para
o voo e seu pai nos aguardava com nossa comitiva.

— Estou ansiosa para voltar a Londres depois de tantos


anos. — Rawan se

cobriu no voo.

— Vai querer reencontrar alguém? — Arqueei minha


sobrancelha. Ela nunca falava do tempo que viveu lá, só
que estudou e nada mais.

— Como se eu tivesse feito alguma amizade na cidade. —


Revirou os olhos e seu pai limpou a garganta
ruidosamente. — Me desculpe pelo comportamento, baba.
Mas é verdade. — Adicionou um sorriso.

— Foi enviada para estudar e não para se perder — ele


retrucou, ainda severo.
— Não sou uma perdida. — Rawan fez um beicinho e
mesmo sem transparecer muito, seu pai amoleceu o olhar.

— Não. Se tornou uma mulher linda. — Ele pegou a mão


dela e apertou.

— Se ela se perdesse, eu iria encontrá-la. — Pisquei.

— Me deixe em paz, homem. — Rawan brincou, nos


fazendo rir.

Seu pai ainda não estava totalmente acostumado à


maneira que Rawan e eu brincávamos um com o outro,
mas não reclamou. Afinal, eu era o marido e se não estava
incomodado como minha esposa agia comigo, ninguém
tinha o direito de se intrometer.

Minha residência em Londres ficava no coração dos


palácios. Era um lugar que eu quase não aparecia, porque
optava por ficar em apartamentos menores e mais
cômodos para minhas atividades. Com meu sogro e Rawan,
a mansão era

mais adequada, principalmente porque não estávamos


sozinhos. Toda nossa comitiva ficaria hospedada conosco,
para trabalhar em conjunto com os compromissos.

— Estarei no escritório. Precisa de ajuda com alguma coisa?


— Deixei a bolsa de Rawan em cima da cama. Ela estava
abrindo todas as portas e olhando tudo.

— Vou explorar a casa e levar meu pai para olhar a cidade.


Não se divirta muito trabalhando sem mim. — Me deu um
beijo suave. — Me ligue se precisar.

— Quando cansar de falar com todas as pessoas feias, irei


te ligar e ser contemplado com sua beleza. Ou com sua
bunda. — Dei um tapinha em sua nádega.
— Que tal fotografar e colocar como plano de fundo no
telefone?

— Fotografar? Eu já fiz, só não sou ousado o suficiente para


expor a todos.

— Me inclinei e mordi. Ela gritou e bateu na minha cabeça.


— Te vejo daqui a pouco. Eu te amo.

— Também te amo. — Me deu um beijo e saiu, empolgada.

Kalil já estava me esperando no escritório e pela sua


expressão, não era nada bom. Peguei os relatórios e sentei
em minha cadeira, me deparando com a quantidade de
gastos do meu irmão e suas estripulias pelos países.

Parecia que Jamyr havia esperado que nosso pai morresse


para mostrar

sua verdadeira face. Ele seguia agindo como um monge na


minha frente e falando tudo que queria ouvir. Por trás, fazia
fofoca, implicava com minha esposa, debochava dos
decretos e agia como um moleque irritante gastando
desmedidamente, desafiando as autoridades dos locais que
passava.

Ele estava testando todos os meus limites. Ficou irritado


quando proibi que levasse mulheres para sua ala do
palácio, dei a ele uma mansão para as festas e pedi que
fosse mais discreto. Jamyr era solteiro, porém, seu
comportamento afetava o respeito que eu desejava que as
mulheres tivessem em Al-Abadi.

Mohammed também era solteiro, tinha seus casos e até


namoradas fora do país, mas não agia de maneira tão
indisciplinada, me desafiando o tempo todo. Eu não era pai
deles, inferno! Já tinha muito para cuidar e resolver.
— No momento, ele está voltando para Al-Abadi. Na noite
anterior, ele ofereceu uma festa na qual três meninas,
menores de idade, foram levadas para o hospital com
overdose. Uma delas, com dezessete anos de idade,
infelizmente, não resistiu. Saiu em todo lugar. — Kalil me
mostrou as matérias. "Festa de Príncipe Herdeiro de Al-
Abadi termina em morte”. Joguei o iPad na mesa, furioso.

— A idade dele não é desculpa, é um homem formado! Ele


precisa ser responsável! Representa o nome do nosso país,
da nossa família! — Bati na mesa, com raiva. — Avise a
toda comitiva que ele não pode sair do palácio! Será como
um prisioneiro! Ele vai me esperar voltar e ouvir tudo que
tenho a dizer!

— E quanto às contas?

— Bloqueie todas. Eu não quero que ele tenha chance de


fugir de mim novamente. — Esfreguei minhas têmporas.

— Sua esposa acaba de sair com seu pai, sua assistente e


os seguranças.

Eles devem almoçar na rua e retornar após as compras. O


trajeto está sendo monitorado em tempo real. Vou dar um
tempo para acalmar sua mente. Gostaria de um café? —
Kalil sempre sabia o que eu precisava.

— Sim e o mais forte que puder. Será preciso muita cafeína


para aguentar.

— Peguei meu telefone para responder todas as


mensagens pendentes.

Senti vontade de largar tudo e ir encontrar com minha


esposa, me divertir com suas tiradas e rir das expressões
exasperadas de seu pai. Era muito melhor do que perceber
que eu podia ser o melhor para Al-Abadi, mas nunca
conseguiria controlar meu irmão e apagar o histórico de
dor da nossa família que nos consumia por dentro.

Capítulo 20 | Rawan.

Estar de volta a Londres com meu pai foi meio agridoce. Ali
foi a cidade que ele basicamente me despejou e por muito
tempo, acreditei que era porque ele não me amava o
suficiente e não me queria por perto. Depois que me casei,
simplesmente entendi que meu pai não sabia mesmo como
lidar comigo porque eu era uma menina. Ele queria que
tivesse o melhor futuro possível e ficar em Al-Abadi, com
uma educação tradicional, nunca foi o que ele ou minha
mãe planejaram para mim.

Convivendo um pouco melhor, eu entendi que ele me


amava, só não sabia demonstrar. Ranzinza, sempre
emburrado, ficava o tempo todo preocupado com minha
postura e com o que falariam de mim. A prova disso, era
aguentar o passeio, as compras e visitas aos museus sem
reclamar nada. Ainda fomos almoçar em um local que ele
nunca permitiu, porém, eu era casada e ele não podia me
dizer o que fazer.

— Seu filé parece ótimo, baba. Quer provar minha codorna?

— Nunca gostei muito. Prefiro um grande e gordo frango


em meu prato.

— Ele riu um pouco. — Demorou muito a comer, tem que


se alimentar corretamente ou ficará doente. Não é certo
um corpo não receber todos os nutrientes. Passou a viagem
inteira comendo besteira.

— Eu como direito, só tem dias que não quero comer. —


Sorri para sua
reprimenda. — Obrigada por aceitar vir nessa viagem. É
muito importante para nós a sua presença em nossa vida.
Espero que quando tiver filhos, seja um avô presente. Será
o único na vida das minhas crianças.

— Que seja abençoado o seu ventre para muitos filhos. —


Ele segurou minha mão. — Sua mãe adoraria ver seus
filhos. Ela seria uma avó incrível.

— Ela seria sim.

Apesar da breve melancolia em falar sobre minha mãe,


nosso almoço foi perfeito. Depois de mais algumas
compras para o armário de Abdar em lojas de luxo,
seguimos de volta para a mansão. Parados em um sinal, a
televisão de uma loja atraiu minha atenção. Era a imagem
de Jamyr. A chamada dizia que sua festa estava repleta de
meninas menores de idade e uma delas havia falecido de
overdose. Os pais deram uma entrevista, alegando que
iriam entrar com todas as medidas legais possíveis contra
Jamyr.

Eu não sabia se ele usava drogas diretamente, mas não


duvidava que sua festa estivesse cheia delas, afinal, ele
fazia tudo que seus amigos idiotas e fúteis queriam. Aquele
era o tipo de escândalo que tiraria Abdar do eixo.

— Vou descansar dessa maratona que me levou. Me chame


se precisar de mim. — Baba se despediu na escada e eu
dei um breve aceno, seguindo direto para o escritório do
meu marido.

Bati na porta antes de entrar e abri, espiando-o. Estava


com as mãos nos

cabelos, inclinado na mesa, parecendo frustrado e muito


cansado. Pouco passava da hora do almoço para que ele
estivesse tão destruído. Fechei a porta atrás de mim,
diminuí as luzes e empurrei-o, sentando na mesa. Seus
olhos estavam vermelhos, alterados e os cabelos em um
desalinho atípico.

— Jamyr jura que não sabia que as meninas eram menores


de idade e que ele não ofereceu drogas, mas também não
sabe dizer quem foi que ofereceu —

falou baixinho, o rosto escondido no vão do meu pescoço.


— Estou com um enorme problema diplomático nas mãos.
Eu não tenho desculpas o suficiente para aqueles pais, não
tenho nada o que dizer, eu simplesmente me sinto
devastado. Me sinto cansado. Que exemplo meu irmão está
dando em nome de minha família? Eu festejei muito por aí,
muito mesmo, só que sempre tomei cuidado em não
ofender nossos costumes e desonrar meu pai.

— Eu sinto muito, Abdar.

— Também sinto. Não há nenhuma maneira que possa ir na


corrida amanhã. Será um completo desrespeito à família da
jovem. Espero que seu pai entenda.

— Claro que sim. Se ele ainda quiser ir, o que duvido muito,
poderá ir com Kalil. Nós vamos ficar bem, precisa sair
daqui, tirar um tempo, para dizer a coisa certa e acalmar
os ânimos por todos os lados. — Beijei sua testa. — Vem
comigo, me deixa cuidar de você. — Segurei suas mãos e
pulei da mesa.

Abdar não protestou como normalmente faria. Ele sempre


dizia que

precisava terminar um trabalho ou outro para tirar um


tempo. Nós fomos para o quarto, deixei tudo escuro, tirei
as roupas dele e deitamos juntos, abraçados. Se ele
precisava ficar agarrado em mim, eu certamente não tinha
problema nenhum em ficar quieta, dando a energia que
precisava. Ele pegou no sono, tirando um cochilo de quase
uma hora.

— Tive uma ideia — falou assim que abriu os olhos, me


assustando um pouco.

— O que? Qual?

— Como prova de que Al-Abadi não está isentando seu


príncipe herdeiro de sua culpa, enviarei Jamyr para a
França, para colaborar com as investigações.
Ele precisará responder todas as perguntas, dentro da
embaixada, enviar fotos dos convidados e ajudar a achar
quem drogou as meninas. Se ele estiver mentindo, que
pague por isso, por mais que me doa.

— Talvez ele aprenda a lição, se controle, deseje mudar e


amadureça. Eu realmente não sei se seu irmão usa drogas,
não parece ser o estilo dele, se as meninas estivessem em
coma alcoólico, certamente diria que ele tinha os dez
dedos nisso. — Suspirei, preocupada com a reação de
todos. — Será duro para ele, não vejo outra alternativa.
Além de precisar aprender, ele precisa parar com esse
comportamento.

— Jamyr nunca irá me perdoar. — Abdar esfregou o rosto,


pensativo.

— Ele é seu irmão. É claro que vai te perdoar, por mais que
briguem e que sejam diferentes um do outro, se amam. A
diferença é que, como Emir, precisa pensar politicamente.
O mundo nos enxerga como selvagens, sofremos
preconceito apenas pelo que acreditamos, pagamos pelas
escolhas dos radicais e isso pode ser um passo para uma
relação diplomática melhor. — Entrelacei nossos dedos. —
Vamos superar isso. É um degrau de amadurecimento.

— Amadurecer dói.

— Muito. Todo dia temos um aprendizado completamente


doloroso desde que nos casamos, desde a nossa
convivência à governar um país. Quase um ano, parece
que estamos nos saindo bem. Tudo na nossa vida a dois
começou de maneira inesperada e eu entendo ficarmos
confusos de vez em quando. — Ele beijou minha mão, me
ouvindo atentamente. — Quanto ao seu irmão, não é uma
novidade. Ele se continha, mas a personalidade dele
sempre esteve à borda.
Deixar que ele saia impune é corroborar para que homens
nunca sejam punidos por seus feitos. Ela será julgada por
ter ido a uma festa, não ter sido esperta o suficiente aos
dezessete anos e seus pais, culpados por não controlarem
a filha.

Em uma situação como essa, é preciso aceitar que a justiça


tem que ser feita.

— Acha que eu passo a mão na cabeça do meu irmão?

— Toda vez que o trata como um menino imaturo aos trinta


anos de idade?

Sim.

Abdar fez um pequeno beicinho e grunhiu. Ele odiava estar


errado.

Entendia que a relação paternalista com os irmãos tinha


muito a ver com a morte de dois deles, por ser mais velho,
herdeiro e no momento, a única fonte de liderança que
todos tinham. Só não era nenhum pouco justo que Jamyr se
escondesse em Al-Abadi sem prestar o devido respeito ao
país que permitiu sua entrada e lhe confiou estadia.

Após ordenar que Jamyr retornasse à França e junto com


Mohammed, participou de ligações diplomáticas e voltou
para o quarto. Meu pai estava cansado e quis jantar em seu
quarto, assistindo televisão. Ele não tinha costume de
andar tanto quanto andou mais cedo e respeitei seu
descanso. Sem precisarmos sair da cama, meu marido
pediu o jantar e nós comemos assistindo televisão, sem
falar de nada remotamente preocupante.

A tela de seu telefone acendeu e vi que era uma


mensagem de Jamyr, pedindo desculpas e que aceitava
seu destino. Estava a caminho da França para prestar
depoimento, não para ser preso. Ele iria dramatizar e
culpar Abdar de não protegê-lo da exposição em massa da
mídia internacional. Todas as pessoas do mundo que não
sabiam da nossa existência, passaram a conhecer. Meu
rosto apareceu na televisão muito mais que na época do
casamento.

Duas manhãs depois, Abdar entrou no quarto, avisando


que Jamyr havia dado seu depoimento, assim como fotos e
vídeos da festa. A polícia foi capaz de reconhecer um
traficante procurado, que não estava na lista de
convidados e entrou pelos fundos, com a equipe de
garçons, e passou pela festa como

convidado. No entanto, Jamyr foi penalizado e multado por


ferir milhares de leis francesas além de uma carta de
reprimenda no bolso.

Eu não quis expressar mais nenhuma opinião sobre o


assunto para não brigar com meu marido. Ele fez o que
achou certo, todos agiram dentro do que podiam e
esperavam e a família da vítima recebeu a justiça que
precisava.

— Ainda bem que teremos alguns dias em Rainland.[8] Em


minhas pesquisas, vi que é um lugar lindo e é a nossa
primeira visita oficial a um país.

— Ofereci outro assunto. — Estou muito ansiosa para


conhecer Charlotte, Princesa de Rainland. [9]Ela é tão
linda! É uma pena que a mídia a odeie.

— A mídia não deveria ser parâmetro. Eles destroem a vida


de uma jovem como ela apenas porque, supostamente,
não preenche todos os requisitos. —

Abdar tirou a gravata, sem precisar estar formalmente


vestido. Soltei um assobio. Ele era lindo.
— Em uma das revistas que li, uma jornalista insinuava que
o noivado dela com o Duque de Glouchester [10]é por
contrato. Considerando a natureza do nosso casamento,
não duvido.

— Não vamos falar sobre isso lá, será indelicado, portanto,


quieta.

Ergui minhas mãos, rindo. Abdar era um péssimo


fofoqueiro, devido à proximidade com o irmão da princesa,
ele certamente sabia de algo e não queria me contar.

— Eu sei guardar segredo.

— Quieta, Rawan. — Ele riu e foi para o banheiro. —


Mulher, vem tomar banho comigo!

Saí da cama correndo, tirando meu vestido e quem sabe,


conseguiria arrancar a informação interessante de outra
maneira. Nada como pedir com jeitinho…

Capítulo 21 | Rawan.

Rainland era um país lindo, mas eu estava muito feliz de


estar de volta a Al-Abadi depois de duas semanas. Meu pai
estava mostrando as fotografias que tirou de mim sem que
eu percebesse e ri. Ele era um orgulhoso. Discursei em um
evento que a Rainha Victória, de Rainland me convidou
para falar sobre economia para mulheres e me senti muito
honrada pelo convite. Foi a certeza de que eu estava no
caminho certo e fazendo o que amava.

Mohammed, meu cunhado, me ajudou no discurso porque


eu não conhecia pessoa melhor com as palavras. Era
tímido, sempre trabalhando nos bastidores e ao mesmo
tempo, capaz de trazer para minhas ideias um jeito
romântico e carinhoso que eu ainda precisava aprender
para falar em público. Foi emocionante. Abdar foi o
primeiro a me aplaudir de pé. Eu amava o apoio
incondicional do meu marido.

Ele estava em um carro diferente do meu porque iria direto


para uma cidade não muito longe do palácio para participar
da inauguração após reformas de uma mesquita. Em
seguida, faria parte de reuniões de investimento na cidade.

Na mesma estrada, dividimos a comitiva por um pedaço e


pouco antes de uma bifurcação na estrada, ouvi um
estrondo enorme. Virei no banco e comecei a gritar. Um
dos carros explodiu e o outro, capotou.

— Não! Parem o carro! Parem o carro! — Bati no banco. —


Não!

— Eu sinto muito, eles precisam te levar para o local


seguro. — Iasmin me abraçou, contendo meus braços.

— Não! Abdar, não!

Virei no banco, batendo no vidro, não conseguia ver nada


devido à fumaça e a velocidade. Eles estavam me
afastando de onde queria estar! O carro do Abdar que
explodiu? Meu coração estava quase saindo da boca. Eles
não pararam até entrarem em uma casa que eu não
conhecia. Era o local seguro estúpido.

— Me levem de volta ao meu marido agora mesmo! —


Avancei no chefe da segurança.

— Tenho ordens para manter a senhora segura acima de


qualquer coisa —
ele me respondeu, sem me machucar, mas contendo meus
braços.

— Diz que não foi o carro dele que explodiu, por favor, me
diz. — Agarrei as lapelas de sua camisa. — Por favor, Jamil.
Me diga que não foi o carro dele.

— Ainda não sabemos, senhora — ele falou baixo.

Escorreguei para o chão com um som horrível de dor


explodindo pela minha boca, nada comparado ao que
sentia em meu peito apertado. Senti os braços do meu pai
me sustentando, tentando me acalmar e me conter, mas
eu não conseguia parar. Fui levada para dentro de casa,
colocada no sofá e mesmo que as lágrimas não parassem
de cair, queria prestar atenção na movimentação do

lado de fora.

Iasmin saltou de pé, enxergando o que eu não conseguia e


quando Abdar passou pela porta, levantei bruscamente,
correndo para seus braços. Ele estava com o supercílio
cortado e mancava um pouco, mas aguentou meu peso e
me abraçou de volta, muito apertado. Enfiou o rosto no
meu pescoço, sussurrando baixinho, grato que eu estava
bem.

— Eu pensei que tivesse sido seu carro. — Segurei seu


rosto, beijando sua boca. Estava tão aliviada que ele estava
bem ali na minha frente, inteiro, um pouco machucado,
mas bem. — Kalil está bem?

— Quebrou o braço e machucou a perna quando o carro


capotou.

— Foi o carro da frente que explodiu?


— O carro que eu deveria estar. Na confusão do aeroporto,
entrei no de trás com Kalil e os seguranças trocaram a
ordem conosco para não me fazer sair.

Ninguém sobreviveu no carro e quando viram que eu não


tinha grandes ferimentos, me tiraram de lá o mais rápido
possível. — Encostou a testa na minha. — Eu tenho que ir,
só vim te ver e te acalmar. Sabia que estava histérica.

Por enquanto, quero que fique aqui em segurança.

— Estão tentando te matar, não quero que saia daqui. — As


lágrimas voltaram a cair. — Por favor, por favor!

— Eu preciso descobrir imediatamente o que aconteceu e


dar justiça aos

meus homens. — Ele me segurou pelos ombros. — Eu te


amo e você estará muito segura aqui. Prometo voltar.

Abdar sinalizou para meu pai me segurar para que ele


pudesse sair. Eu caí contra meu pai, chorando. Me
protegendo dos olhos penosos de quem nos acompanhava,
me levou para um dos quartos. Me joguei na cama, com
medo, preocupada e com tantas paranóias surgindo que
não conseguia pensar direito.

Havia pessoas que eram contra as mudanças de Abdar,


mas nunca imaginei que alguém pudesse ser tão extremo.

Tentativa de assassinato era muito sério.

Afinal, não foi uma tentativa. Ele só não entrou no carro


esperado, o que significava que alguém sabia todo
esquema de segurança. Eu não podia confiar em ninguém
ali, mesmo os que estavam ao meu redor. Um entre nós
vazou a informação do carro, a localização, horário da
nossa chegada e até o fato de que Abdar estaria em uma
comitiva separada da minha devido à agenda.

Meu pai estava extremamente estressado e desconfiado.


Ele mandou chamar sua equipe de seguranças e a empresa
de um amigo, que era especialista em proteção. A
quantidade de homem irritado e mal encarado no quintal
da pequena casa me assustou um pouco. Abdar não deixou
de comparecer ao evento, o que me deixou um pouco
nervosa. E se alguém resolvesse atacá-lo em público?

Não havia nada na mídia sobre a explosão. Normalmente,


as estradas eram

fechadas no horário que a comitiva precisasse passar.


Certamente, ele agiu para que ninguém soubesse. O
curativo em seu supercílio era pequeno, discreto e ele não
deu explicações sobre isso em seu discurso. Não pude
assistir tudo, meu pai achou que era o momento ideal de
me levar para o palácio.

Sem Abdar, meu coração estava apertado no peito. Passei


pelos corredores de cabeça erguida, sem demonstrar que
havia qualquer coisa me abalando. Jamyr estava no topo
das escadas para o lado que dava para sua ala e eu o
ignorei, sem energia para seus sorrisos irritantes e
alfinetadas. Protegida por meu pai, Iasmin e quatro
seguranças, entrei no meu lado e ordenei que ficasse
fechado. Não queria a presença de nenhum funcionário.

— Quando você era menina, sua mãe gostava de cantar


uma canção muito antiga que havia aprendido com sua
avó. — Meu pai me levou para a cama e me colocou
deitada, cobrindo-me com uma colcha. Para minha
completa surpresa, ele começou a cantar baixinho, sem
jeito, um pouco desafinado, mas trouxe acalento e carinho
que sempre sonhei em receber dele.
Adormeci por estar cansada fisicamente, porém, tive um
sonho agitado que me fez acordar assustada. Abdar estava
ao meu lado, sonolento, abriu os olhos e gemeu um pouco
de dor. A luz de seu abajur estava acesa, iluminando o
peito o suficiente para que eu visse a marca do cinto e um
hematoma enorme em sua costela. Ele colocou a mão no
pescoço e suspirou.

— Essa porra dói.

— Boca suja. — Me inclinei e beijei seus lábios. — Quer


alguma medicação?

— O médico me deu remédio para dor, foi o que me ajudou


a dormir.

— Por que não me acordou para te acompanhar no


atendimento?

— Estava muito cansada. Está tudo bem, fiquei preso no


cinto, só sinto dor no quadril e pescoço, um gigante
incômodo na costela e tive alguns cortes —

falou baixo e me ajeitei na cama para olhá-lo melhor. —


Estou bem! Confie em mim…

— Como está Kalil?

— Sendo mimado pela esposa. — Abriu um sorrisinho. —


Estamos bem.

— Eu ouvi a explosão. Vi o carro capotar. Pensei que tivesse


te perdido e naqueles longos minutos, tudo que vinha na
minha mente era que eu jamais conseguiria viver sem
você. Eu te amo tanto! — Beijei sua testa com cuidado e os
lábios. — Não desejo para o meu pior inimigo a sensação
que tive hoje.
— Estou grato por estar vivo, ainda mais grato que você
não estava no carro comigo, que pelo destino, saímos
separados. Não suportaria sobreviver ao carro em chamas
se você estivesse dentro dele. Por um segundo, no
aeroporto, Kalil me corrigiu quando eu disse que você iria
no carro da frente. Foi ideia dele separar as comitivas,
discordando da segurança e eu nunca fui tão grato. —

Abdar segurou minha mão e beijou. — Não vamos viver


sem o outro e eu já

descobri quem foi, ele só não confessou quem mandou.


Não vejo porque ele faria aquilo sozinho, discordar das
mudanças não é o suficiente para um ataque tão radical.

— Nós vamos descobrir. — Escorreguei no lugar e deitei


perto dele, mas sem pressionar, porque não queria
machucar.

— Ei, volta aqui. Quero ser beijado, mimado, quero minha


esposa fazendo esforço por cima. — Ele sequer conseguiu
terminar de falar, rindo. Sentei novamente e coloquei
minhas mãos na cintura. — Só um pouquinho de diversão.

Vou ficar curado rapidinho.

— Sossega, suas costelas estão doendo e o pescoço. Se eu


tivesse ido à sua consulta, o senhor estaria internado, sob
os devidos cuidados.

— E dormir longe da minha mulher? Nunca.

— Meu pai foi embora?

— Não. Ele está em um dos nossos quartos, disse que


ficaria de vigia.
Quando cheguei aqui, estava sentado ao seu lado, todo
protetor.

— Pela primeira vez, ou pelo menos que me lembre, ele


cantou para mim.

— Meus olhos se encheram de lágrimas. — Foi um dia tão…

— Foi emocionalmente exaustivo. Vem aqui, deita perto de


mim. — Ele me puxou para seus braços. — Não importa o
que aconteça, no final, nós vamos sempre ficar assim, bem
juntos. O destino nos uniu, Rawan. Nada é mais

poderoso do que a profecia que cruzou nossos caminhos.

Beijei seu peito, acreditando em suas palavras. Ele estava


certo. Nada iria nos separar.

Capítulo 22 | Abdar.

Nunca coloquei muito esforço em pensar no amor. Era algo


hipotético.

Inalcançável. Um dia, se tivesse sorte, se fosse para


acontecer. Nada certo. Nada que me tocasse ao ponto de
refletir sobre, até Rawan e o nosso casamento se
desenvolver sólido no cotidiano. Até ela me ensinar o que
era amor de verdade.

Eu a amava, não escondia e estava bem em aceitar isso.


Não fazia sentido na minha cabeça negar o sentimento
bom que estava crescendo em meu peito.

No entanto, depois que vi um carro explodir e girei várias


vezes dentro de um, eu entendi um lado desesperador do
amor.
O medo de perder.

Era a pior sensação do mundo. Perder o amor. Perder a


mulher que me fazia sorrir todos os dias. Ela era a única.
Pela manhã, olhar seu rosto pacífico adormecido ao meu
lado me enchia de acalento, ouvir sua risada preenchia
algo no meu peito que eu sequer sabia descrever e quando
ela me tocava, era como sentir um pedaço do paraíso.
Rawan era minha alma gêmea. Minha companheira e
melhor amiga. Eu a amava tanto que o pavor estava me
dominando.

E se ela estivesse no carro que explodiu? E se fosse eu a


pessoa chorando por perder o amor da minha vida? O
pensamento era desesperador ao ponto de eu não querer
que ela saísse de casa. Cancelei algumas viagens e
agendei a maior parte dos trabalhos para o palácio, assim
minha nova e rígida equipe de

segurança tinha controle absoluto de tudo ao meu redor.

— O senhor tem hora marcada? — Ouvi um dos guardas


impedir a entrada de alguém.

— E desde quando preciso agendar um horário para ver o


meu irmão? —

Jamyr retrucou calmamente. — O que está acontecendo?

— O senhor tem hora marcada? — O guarda insistiu, me


fazendo rir.

— Não preciso marcar um horário! Sou o príncipe herdeiro


de Al-Abadi!

— Ele perdeu a paciência. — Abdar Khan Al-Abadi Hussain!


— Me chamou pelo nome completo.
— Deixe-o passar. Tenho cinco minutos — falei do meu
lugar na sala e o guarda permitiu a entrada. Jamyr passou
pela porta emburrado. — Cinco minutos e aproveite.

— O que está acontecendo? A maioria dos funcionários do


palácio foram demitidos, sua esposa está reclusa dentro do
quarto e há todos esses protocolos e senhas. As que recebi
não acessam todas as áreas do palácio.

— Eu defini quem pode acessar qual área. Se não me


engano, você não tem acesso à ala de Sarai, à minha e aos
escritórios que não são do seu interesse.

Algum problema nisso?

Jamyr crispou os lábios.

— Claro que não, sei que sempre faz o melhor por nós. —
Ele uniu as

mãos. — Como está sua esposa?

— Descansando — menti. Rawan estava em provas finais,


estressada, com um humor terrível e pronta para morder
um. Também estava em seu período menstrual, para
melhorar toda a condição. Sorte que isso não me abalava
mais.

— Precisa de algo mais?

— Estimo melhoras. — Ele se inclinou e saiu.

Franzi meu cenho. Eu disse que ela estava descansando,


não doente. Ainda estava muito chateado com meu irmão
e seu comportamento, não conseguia ser falso e fingir que
estava tudo bem, além do mais, ele precisava me respeitar
e com isso, estava impondo uma distância entre nós. Não
que um dia tenhamos sido realmente próximos, como
melhores amigos. Eu tinha amigos que eram mais
chegados e mais leais a mim com muito respeito por quem
eu era.

Durante o dia de trabalho, foi difícil manter meus


pensamentos longe de Rawan. Não fiquei nem mais um
segundo a mais em meu escritório quando deu a hora.
Segui para nosso quarto e ela estava jogada no tapete,
olhando para o teto, seu computador ao lado e um monte
de papel espalhado. O olhar desanimado encontrou o meu
e ri.

— Nada?

— Duzentas palavras. Eu passei o dia inteiro e só escrevi


duzentas palavras — choramingou e continuei rindo. — Por
favor, escreva minha tese.

Sou sua esposa, eu te amo.

— Deixe de bobeira. Acho que vai conseguir escrever


melhor quando parar de surtar.

— Está me chamando de surtada?

— Sim. Totalmente. Que tal uma massagem relaxante? Sua


menstruação foi embora?

— Não. Quero a massagem mesmo assim. — Bufou.

— Só queria saber para sugerir aqui ou na banheira, mas é


melhor aqui.

— Por favor, escreva a minha tese! — voltou a


choramingar.

— Não. Eu já me formei e não pedi para ninguém escrever


a minha. —
Cutuquei-a com o pé. Ela enfiou a unha na minha canela,
por baixo da calça e saltei para longe. — Parece uma
maldita gata. Calma, vai dar certo. Quer que leia suas
anotações antes do jantar?

— Tudo bem, se é tudo que pode fazer por mim. — Fez um


beicinho.

Maldita. Ela desviou o olhar antes que saísse de seu papel


e risse. Sentei no chão ao seu lado, beijei seus lábios e a
abracei.

— É a mulher mais inteligente que conheço, seu primeiro


trabalho está se tornando referência na Universidade de
Cambridge e será a primeira mulher em Al-Abadi com uma
pós-graduação, abrindo caminho para muitas outras. Essa
tese será incrível como você.

Rawan derreteu contra mim, feliz e um pouco mais


confiante. Ficamos alguns minutos sem fazer nada, só
aproveitando a companhia um do outro. Seu perfume era
delicioso e ficava na minha roupa. Quando sentia seu
cheiro, não trocava de camisa, mesmo ela dizendo que não
era de bom tom sair por aí com uma fragrância feminina.

Peguei suas notas e comecei a ler em voz alta. Ela suspirou


e voltou a digitar, concentrada, parando de tempos em
tempos para debatermos. Em pouco mais de uma hora, ela
tinha páginas inteiras e um sorriso mais animado.

Fazermos coisas juntos se tornou algo comum, tentávamos


manter nossos compromissos separados e algumas
atividades em casal, era muito melhor.

Como prometido, fiz a massagem. Ela cochilou um pouco,


cansada pela mente cheia. Pedi nosso jantar. Carnes
grelhadas acompanhadas de babaganoush, pães, homus e
salada fatuche. Rawan acordou quando abri as tampas
para conferir tudo e saiu da cama, fazendo sons
apreciativos.

— Estou faminta. Apesar de não ter me movido, sinto que


andei uma milha. — Pegou um bolinho e enfiou na
pastinha.

— Eu gostaria de saber se nas suas férias, poderá me


acompanhar em uma importante viagem até a Grécia. Meu
amigo de longa data, Apolo Megalos, estará inaugurando
sua empresa. É um momento importante e por isso
gostaria de estar presente.

— É claro que sim! Eu sou louca para conhecer a Grécia.


Será que

podemos esticar em algum lugar paradisíaco? Temos um


mês e meio para organizar tudo…

— Eu vou encontrar um lugar para descansarmos, talvez


não seja muito tempo, no máximo, quatro dias. Será o
suficiente para recarregar as energias.

— Obrigada. — Me deu um beijo e eu queria mais, porém,


ela queria a comida. Ficar entre Rawan e coisas que ela
amava era um perigo.

A cama e a comida tinham um lugar em seu coração que


nem eu podia disputar. Ela me enlouquecia no sexo, era
safada, divertida, sexy em tudo, cada vez era melhor que a
anterior. Desinibida, aceitava tudo, experimentava
produtos e até brinquedos. Entre nós dois não havia tabu
nenhum. Todo seu amor por mim não era páreo quando
queria dormir e comer.

E ela comia até a minha comida se eu não me atentasse.


Era magra e precisava ser estudada cientificamente. Como
cabia tudo em seu estômago era digno de pesquisa.
— Quer mais? — brinquei, empurrando meu prato.

— Estou satisfeita. — Lambeu os dedos sujos.

— Seu período te transforma em um monstro.

— Espere só até quando ficar grávida. Provavelmente, terá


cabelos brancos. — Me deu a língua e ri. Eu simplesmente
amava ouvir o quanto ela desejava ser mãe dos meus
filhos.

Era o começo da nossa família. Filhos sempre


representaram ter herdeiros para continuar a linhagem da
minha família. Depois do casamento, se tornou a realização
de um sonho a dois. Claro que eu queria ser um pai
diferente do meu, ele foi ótimo, mas me manteve longe.
Não me arrependia de nada na minha vida, mas eu senti
falta de estar com minha família e queria ter meus filhos
por perto.

— Você já me enlouquece. — Beijei sua mão.

— Mohammed estará em casa a partir da próxima semana


e Sarai retornará com as meninas. Sei que ainda está
magoado com Jamyr, porém, é o momento de uma festa
em família. Muita dança, comida, bebida e lembrar porque
o destino nos quis ligados um ao outro de alguma maneira.
— Entrelaçou os dedos nos meus. — Sua família é
importante acima das ações de Jamyr. Ninguém é perfeito
e talvez com um pouco mais de união, ele não sinta
necessidade de tantos desafios.

— Já te disse que amo quando é toda soberana e sábia?

— Eu falharia em meu papel de sua esposa, meu adorado


marido. — Abriu um sorriso indulgente e piscou.
Minha noiva inesperada foi a melhor surpresa da minha
vida. Minha melhor pessoa.

Capítulo 23 | Rawan.

Santorini era um dos lugares mais lindos do mundo, as


pequenas ilhas ao redor eram ainda mais belas. Abdar me
deu um olhar de desafio e eu só respirei fundo, saindo
correndo e me jogando no oceano. Ouvi seu grito e em
seguida o som do mergulho. Emergi, rindo e ele me
alcançou, preocupado, me puxando para seus braços.

— Era para pularmos juntos! Quase me matou de susto! —


Me ergueu e cruzei minhas pernas em sua cintura.

— Eu quis fazer sozinha! Mergulhei sozinha! — Passei a


mão em meu cabelo, tirando-o do rosto. Toda vez que
superava a mim mesma, sentia um orgulho sobrenatural.
Eu podia fazer tantas coisas se me permitisse de verdade…

— Fui bem?

— Parecia uma bola, mas foi bem — me provocou. Dei a


língua. — Nada de fazer isso sozinha. Não tem prática
nadando em mar aberto.

Ele tinha razão. Eu não sabia nadar muito bem e com isso,
não podia me arriscar em alto mar. Com ele, confiava em
fazer algumas brincadeiras porque ficava por perto, sempre
me segurando. Nadamos ao redor do barco e quando a
fome bateu, ele me ajudou a subir. Peguei a toalha,
babando nas gotas que escorriam por seu corpo.

— Não me olhe assim em público — falou baixinho.


— Assim como? — Me fiz de boba. — Como alguém que te
quer muito?

— Eu te quero o tempo todo, recebendo um olhar desse,


me faz considerar te levar para um dos quartos. — Me
pressionou contra a parede e sorri, beijando-o. — Rawan,
não estamos sozinhos.

— Só por isso não estou te puxando para a escada. —


Beijei-o novamente.

— Linda. — Acariciou meu rosto. — Vem, me deixe te


alimentar.

Nosso passeio foi maravilhoso e no final da tarde,


retornamos para o resort que estávamos hospedados.
Abdar mandou fechar uma parte para nossa comitiva,
reservando três quartos principais porque meu pai estava
nos acompanhando. Ele não quis ir no passeio de barco,
turistando pela cidade com seus seguranças.

Nunca imaginei que meu pai tomasse gosto por viajar e


não estava reclamando, eu amava a companhia dele e
Abdar não ligava que ele estivesse conosco, até porque,
baba não era intrometido e nos dava privacidade nos
momentos certos.

Em nosso quarto, tarde da noite, Abdar tirou a roupa. Eu


amava o quanto um tempo no sol lhe fazia muito bem. Sem
cinto, sua calça ficava um pouco caída e ele tinha o
caminho da perdição que era tentador lamber. Talvez eu
fizesse isso.

— Acabou ficando muito bronzeado. Está ardendo?

— Estou perfeitamente bem para deitar e rolar nessa cama


com você.
— Ótimo. — Prendi meu cabelo.

— Chego a ficar arrepiado quando prende o cabelo e abre


minha calça, por favor, continue. — Sinalizou com o
sorrisinho safado que acendia o fogo dentro de mim.

Dei uma mordida em sua barriga, ele gemeu de dor e não


falou nada, muito ansioso com meus dedos no zíper. Deixá-
lo nu antes era motivo de ter as bochechas vermelhas de
vergonha. Qualquer nível de intimidade com meu marido
era um universo absurdo em minha cabeça. Depois, ficou
tão natural quanto respirar.

De joelhos na cama, deixei meu marido maluco, enquanto


o chupava e olhava em seus olhos. Abdar amava a atenção
especial que dava a cabeça, brincando com minha língua e
em seguida, levava tudo à boca. Completamente.

Ele trincou os dentes e segurou meu cabelo com um pouco


mais de força, lutando contra a vontade de gozar e perdeu
a batalha, porque eu simplesmente não parei até conseguir
o que queria.

Avançando para cima de mim na cama, ele me tomou com


paixão. Eu não podia imaginar ter tanto amor e conexão
com outra pessoa a não ser Abdar.

— Será que um dia sexo ficará ruim? — Ergui meu rosto,


deitada praticamente em cima dele, com sua mão
acariciando minhas costas.

— Impossível. — Ele suspirou e deu um aperto na minha


bunda. — A não ser que acabe o desejo, a vontade de estar
junto… de sentir tesão.

— Isso sim parece impossível. — Beijei seus lábios.


— Nunca foi assim. Você é a única que eu acordo e durmo
pensando, que tenho vontade de fazer planos e quero
realizar seus sonhos. Talvez seja por isso que o sexo é bom,
porque não é só ele o ingrediente principal. É o conjunto.

— Acho que seus amigos solteiros ainda não descobriram


isso.

Abdar sorriu torto.

— Definitivamente não, mas eles vão entender quando


descobrirem e torço para que todos encontrem alguém
como eu encontrei você.

Me afastei um pouco, fazendo uma expressão intolerante.

— Seu pai me encontrou, cara de pau. Se dependesse da


sua vontade, ainda estaria solteiro, curtindo festinhas em
iates por aí e transando com tudo que tem uma bela
bunda.

— Tudo não. — Ele riu e bati nele. — Claro que existiu a


possibilidade de retornar para Al-Abadi e te encontrar em
algum evento.

— Meu pai não me mandaria de volta. Ele me manteria


longe e estudando.

Você nunca encontraria comigo. — Apertei seu nariz. Ele


me prendeu firme em seus braços. — Assuma.

— Assumo que meu pai te encontrou, satisfeita? Eu sou


grato a ele todos os dias porque, como sempre, ele sabia o
que era melhor pra mim sem que eu enxergasse.

— Um brinde à sabedoria dos nossos pais.

Abdar sorriu melancolicamente, olhou em meus olhos e


disse que me amava. Cada vez que as palavras saíam de
sua boca, meu coração parecia que ia explodir como se
fosse a primeira vez. Ele nunca deixou de dizer, porém,
depois da explosão do carro, se tornou uma promessa. A
preocupação ainda ficava no fundo da minha mente,
quando pensava muito em quem poderia ter mandado
matar meu marido, tinha pesadelos que abatiam meu
humor.

Nós não falamos sobre o assunto com sua família. Primeiro


que Sarai estava começando a se recuperar do luto,
voltando a sorrir, as meninas ainda perguntavam muito do
pai. Mohammed poderia ter um surto e Jamyr era imaturo
demais para lidar com esse tipo de notícia. Sabe se lá que
tipo de vício ele poderia aderir para superar problemas. A
relação dos irmãos ainda estava estremecida.

Retornamos para casa depois de mais dois dias. A agenda


de Abdar estava lotada e eu tinha meus estudos finais para
me concentrar. Assim que tive meu trabalho concluído,
interrompi seu trabalho no meio do dia para entregar uma
cópia e pedi que lesse.

— Conversamos no jantar? — Ele aceitou a pasta e me


puxou para um

beijo.

— Ansiosa por isso.

— Você está linda hoje. — Subiu a mão pelo meu vestido e


bati nelas.

— Estou linda todos os dias e nós vamos acabar transando


aqui. Se quiser sexo, só me seguir.

Saí de seu escritório, andando calmamente. Ouvi ele dizer


a Kalil que tinha algo a resolver e voltava logo. Disfarcei
minha risada e não olhei para trás, ciente que ele me
seguia com alguns bons passos de distância. Assim que
entramos em nossa ala, ele me agarrou pela cintura e nos
levou para a cama.

Quando voltou para o trabalho, teve uma reunião com os


conselheiros na qual ele mal disfarçava o excelente humor.

Na minha vez de passar os números sobre meu trabalho na


fundação que oferecia tratamento para crianças especiais,
com atendimento médico, terapia ocupacional e uma nova
fonte de renda, após Abdar decretar que mulheres
poderiam trabalhar fora em atendimento ao público, foi
difícil. Muitos homens resistiram, até que os comerciantes
começaram a sentir uma mudança na economia. Mais
pessoas trabalhando, mais compras elas faziam e isso era
normal.

A fundação tinha um polo em todas as cidades e aldeias de


Al-Abadi. Era um projeto que Sarai idealizou quando
engravidou, mas nunca teve coragem de

ir à frente, entregando a Abdar, que fez acontecer, mas


não tinha se aprofundado, até que eu me interessei e meti
meu nariz curioso. Sempre que eu terminava de falar,
sentia um desconforto no estômago, mas desde que me
casei, não era mais a única mulher nessas reuniões.

Abdar convocou para sua equipe várias mulheres de outros


países. Uma delas, da Turquia, era psicóloga, outra, nascida
na Jordânia e criada em Londres, era advogada. Aos
poucos, aqueles velhos conselheiros estavam aceitando a
presença feminina. Um deles, procurou meu pai para saber
sobre as escolas que eu estudei para que pudesse enviar
as netas. Inclusive, era projeto de Abdar trazer uma
educação de primeira linha para Al-Abadi. Já havia novos
cursos na universidade, que até cinco anos atrás, era
frequentada apenas por homens.
Eu estava orgulhosa do rumo que Al-Abadi estava
tomando. Um lugar relativamente pequeno, comparado a
outros países enormes, mas que era rico e com muito a
crescer. Poderia se tornar uma referência mundial.

— Gostaria de cortar um pouco meu cabelo. Acho que está


muito longo —

comentei com Iasmin, à noite, no meu quarto. Ela parou de


guardar minhas maquiagens. — Um palmo, talvez?

— Um corte moderno ou algo mais clássico?

— Moderno. Quero mudar um pouco…

— Talvez não muito curto, você adora penteados, se cortar


demais, será

uma tarefa quase impossível. Vou agendar um horário para


que venham até o palácio.

— Obrigada. Então, soube que seu filho está com uma


pretendente?

— Não me lembre. Aquele menino tem dezessete anos,


como ele pode ter uma pretendente? — Colocou as mãos
na cintura e comecei a rir. Ela era tão ciumenta. — Não sei
se vai durar. Ela é adorável, mas é tão jovem quanto e eu
acho que os dois podem esperar um pouco mais.

— Tem certeza que é só isso? — provoquei.

— Vai entender quando for mãe.

— Espero que em breve.

— Vai ser um momento muito lindo na sua vida, porém,


mesmo com todo suporte e poder que tem, cuidar de uma
criança exige sacrifícios. Você vai perceber que será capaz
de tudo pelo seu filho. — Colocou a mão em meu ombro. —
Será uma mãe exemplar.

— Vivi pouco com a minha, mas se eu for só um pouquinho


como ela, meu filho ou filha será uma criança de muita
sorte.

— Se for um menino, será destinado a Al-Abadi. Essa


criança representa o futuro.

Senti um peso em meu coração. Meu filho teria um grande


futuro, por nascer homem, já era esperado muito dele, mas
eu estava lutando para que

minha filha também tivesse espaço para ser o que


quisesse. Ela iria encontrar um mundo cruel, mas também,
encontraria exemplos para sempre lutar pelos seus ideais.

Capítulo 24 | Rawan.

Cruzei meus braços, emburrada por ter que assistir o


pronunciamento do novo decreto de Al-Abadi pela
televisão. Abdar só me comunicou que não precisava da
minha presença, saindo sem me dar tempo de rebater e eu
me senti excluída, perdida. Ele ia falar sobre as novas leis
de trânsito no centro comercial, beneficiando comerciantes
pequenos, podendo colocar mais bancas nas calçadas e
proibindo o acesso de carros.

A rua inteira ficaria segura. Era simples, mas simbólico.


Mostrava que ele se importava. Não vi porque eu não
poderia estar ao seu lado. Iasmin estava rindo da minha
expressão. Sempre o acompanhava em tudo. Detestava
ficar de fora. Até fiz um beicinho ao ver a câmera focando
em seu rosto. Lindo. Queria voar em seu pescoço, mas era
lindo da cabeça aos pés. Seus dedos eram meio esquisitos,
porém, meus olhos apaixonados ignoravam.

Deixei a televisão no mudo enquanto ele falava.

— Se eu fosse você, aumentava o som. — Iasmin


cantarolou atrás de mim.

— Por que?

— Aumenta o som, Rawan. — Ela castigou.

Iasmin nunca brigava comigo, peguei o controle e


aumentei, bem acomodada no sofá. Abdar anunciou que a
partir daquele momento, mulheres poderiam morar
sozinhas sem a permissão de um homem e em seguida,
citou

todas as regras de segurança que as famílias deveriam


seguir. Ainda bem que estava sentada ou iria cair. A
câmera focou rapidamente na expressão estupefata de
Jamyr e na alegria de Mohammed.

Liberdade para mulheres solteiras e viúvas, que eram


obrigadas a permanecer nas casas de suas famílias, muitas
vezes numerosas e desconfortáveis. Mulheres que
gostariam de trabalhar fora e estudar, conquistando sua
independência. Eu morei sozinha por muitos anos com
autorização do meu pai, por contra própria, jamais poderia.
Era um passo tão importante! Logo, ele introduziu o
assunto sobre os novos empregos em Dubamyr e o nível de
interesse mundial em nossas cidades.

Em anos, estávamos na rota dos turistas.

Muitos diziam que Abdar era a voz do futuro, sem perceber,


que na verdade, Al-Abadi ficou presa no passado. Ele só
estava nos levando ao mesmo nível que os outros países.
Sarai entrou na minha sala com os olhos cheios de
lágrimas. Ela estava livre para viver com as meninas onde
quisesse.

— Eu não acredito que ele fez isso. — Me abraçou


apertado.

— Ele fez. Tudo que Abdar deseja é que você e as meninas


sejam felizes.

— Nós não deixaremos Al-Abadi, mas é hora de viver em


outro lugar.

— Sei que viver aqui te faz sofrer de saudades e um dia,


talvez, deixe de

doer tanto. Eu entendo, sentirei muito a sua falta se decidir


ir viver em uma das casas da nossa família com as
meninas.

— Poderá me visitar para as tardes de piquenique. Uma


mulher como você precisa ficar perto das minhas filhas.
Elas terão um excelente exemplo a seguir.

Eu tinha quase certeza que as constantes perseguições de


Jamyr eram o verdadeiro motivo para Sarai querer deixar o
palácio. Sendo viúva, a responsabilidade pelas meninas era
de Abdar. Ele não iria separar a mãe das meninas e ao
mesmo tempo, havia uma lei idiota que impedia Sarai de
viver sozinha.

O problema foi resolvido.

Esperei meu marido voltar da rua com ansiedade. Soube


quando chegou, fui até seu escritório e fiquei de um lado
ao outro, andando, batendo meu telefone na mão. Ele
passou pela porta do nosso quarto já rindo. Pulei nele sem
nenhuma cerimônia e enchi seu rosto de beijos.
— Por que não me contou?

— Surpresa para vocês e eu duvido muito que conseguiria


disfarçar sua expressão ao vivo.

— Não ia mesmo. — Beijei-o novamente. — Sarai ficou


muito feliz.

— Eu sei. E você?

— Ainda mais apaixonada pelo homem que você é. Eu te


amo.

— Faria milhões de decretos só para ouvir isso.

— Eu te amo muito, bobo.

Abdar ainda me manteve em seu colo e foi andando para a


cama, me jogou bruscamente e ri, cobrindo minha boca.

— Pelo olhar que me deu quando saí de casa, não era


amor, era assassinato.

— O fato de te amar não me impede de querer torcer o seu


pescoço quando me deixa furiosa. Talvez eu não faça
porque te amo. Confuso, não?

— Louca.

— Não há nada que possa fazer em relação à minha


loucura. Eu fico infinitamente mais calma depois de uma
sessão completa de amor.

— Estou aqui para isso. — Ele começou tirando minhas


sandálias.

Seu telefone começou a tocar e era o de trabalho, ele não


podia ignorar.
Suspirando, puxou os cabelos e me deu um olhar que
combinava perfeitamente com um beicinho. Com um beijo,
se despediu e foi para o escritório. Sem nada para fazer,
estando de folga, entrei no quarto de brincar das meninas
e fiz uma bagunça enorme. Espalhar brinquedos e fingir
fazer comidinhas era comigo mesma. Elas adoravam
minhas ideias, tinham tanta energia que não conseguiam
parar mesmo quando eu cansava.

Brincando de pega-pega entre os móveis e brinquedos,


percebi que Abdar,

Jamyr, Mohammed e Sarai nos observavam. As garotinhas


correram para os irmãos, falando sem parar.

— Tenho certeza que meus futuros sobrinhos serão muito


felizes com uma mãe tão divertida. — Mohammed sorriu
torto. — Talvez meu irmão deva reforçar os vidros do
palácio porque os gritos davam para ouvir de fora. Se Laila
gritasse mais uma vez, as taças não iriam sobreviver.

— Não será em um futuro distante. — Abdar me deu um


sorriso.

— Definitivamente, não será — concordei.

Sarai bateu palmas, alegre, comentando que o palácio


precisava de cheirinho de bebê pelos corredores
novamente. Nós nos reunimos na sala, com música, comida
e bebida. As meninas começaram a dançar, me puxando
para o centro do tapete. Sarai se juntou a mim. Mohammed
se empolgou e também dançou ao nosso redor, Abdar só
batia palmas, incentivando, mas eu o puxei, ele riu da
minha força e me abraçou.

Dançamos juntos, sem manter o decoro em público mesmo


com sua família. Cada funcionário que entrava, ria para
nossa alegria, acabava movendo os ombros no ritmo
apaixonante da nossa música, que era única, alegre. Ele
me deu um selinho suave e uma piscada cúmplice.

— Abdar beijou Rawan, mamãe! — Nadia gritou, com os


olhos arregalados.

— Ele é marido dela. — Mohammed a pegou no colo, rindo.

— Beijo é nojento — Laila resmungou.

— Eu adoro esse pensamento, menina. Beijos são terríveis


e nojentos.

Lembre-se disso até os seus trinta anos! — Abdar fez


cosquinhas nela.

— Trinta anos? — Jamyr se manifestou pela primeira vez. —


Agora as mulheres terão direito a se casar tão tarde?

Ele estava segurando seus comentários sobre o novo


decreto.

— E em algum momento, elas são obrigadas a casar?


Saímos desse período faz tempo, apesar dos acordos entre
as famílias, a noiva tem todo direito a dizer não. —
Mohammed rebateu no mesmo instante. — Isso é bom para
você, afinal, vai parar de arruinar a vida de tantas moças.

— Não vivemos na idade da pedra, Jamyr.

— Só estamos caminhando para um país promíscuo sem


respeito às nossas tradições. — Ele bufou, bebendo seu
vinho. Tão irritante!

— O que tem a dizer sobre promiscuidade? Por acaso está


se guardando para alguma noiva que não sei ou as
mulheres que vivem em sua ala são simplesmente uma
ilusão de ótica? Seja menos hipócrita, irmão. Isso sim é um
tremendo desrespeito às nossas tradições. — Abdar
colocou Laila no chão. —

Chega desse assunto, minhas decisões não estão em pauta


para discussões no jantar. Vamos comer em família e em
paz.

Meu marido segurou minha mão e eu podia sentir o olhar


feroz de Jamyr na minha nuca, como se houvesse um alvo
ali. Ele me culpava pelas mudanças.

Acreditava que Abdar estava sendo induzido por minha


causa, a esposa louca e feminista, que queria transformar
o país em um antro no qual as mulheres tivessem direitos
de falar por si só.

Ele não conhecia o próprio irmão. Abdar foi criado fora dali,
ele conhecia o mundo e era um admirador do direito para
todos. Respeitava e amava Al-Abadi, mas como todo líder
ambicioso, desejava mais e não existia avanço sócio e
econômico sem mudanças.

Não sabia ao certo qual era o problema de Jamyr. Ele era


muito jovem para ser tão amargurado, mas não cabia a
mim julgar a maneira que ele resolveu lidar com a morte
dos irmãos e anos depois, do pai. Eu fazia o meu papel em
ser simpática, tratá-lo bem e ficar distante para não ter
mais atritos com Abdar. Meu casamento era mais
importante que a opinião do meu cunhado.

Mohammed soube como mudar o assunto quando nos


reunimos à mesa e o jantar foi delicioso, como se não
tivéssemos participado de um climão minutos antes. As
meninas eram um charme à parte, cheias de gracinhas e
palavras erradas, ganhavam o amor e atenção de todos.
Abdar era paciente e bobo, bem brincalhão, eu me peguei
sonhando com a maneira doce que ele seria como pai,
presente e amoroso na vida dos nossos filhos.
Talvez meu útero estivesse começando a desejar uma
ocupação.

Capítulo 25 | Abdar.

Rawan estava ao meu lado, emburrada e com fome. Ela


queria ter comido antes de sair, mas dormiu demais e
saímos de casa atrasados. Me recusei a dizer onde
estávamos indo. Era uma surpresa, mesmo que ela
estivesse me importunando a cada cinco minutos. Seu
estômago roncou alto o suficiente para ouvir e ri, ela me
bateu.

— Não tem nenhum doce nesse carro? — Ela começou a


abrir os compartimentos. — Camisinhas? Temos. — Jogou
os pacotes de volta no lugar.

— Nada de alimentos no meu carro, camisinha, no entanto,


é uma necessidade. Vai que fica empolgada e resolvemos
fazer uma festinha no deserto?

— Você é um homem que pensa em tudo.

Eu sabia que ela não gostava de se sentir bagunçada


depois do sexo se não estávamos em casa. Rawan
dificilmente negava uma festinha fora do nosso ambiente
de conforto. Transamos em diversos cômodos do palácio e
em lugares diferentes em nossas viagens. Não estava
levando-a em um lugar para transar e sim, para finalmente
realizar seu sonho de correr pelas estradas do deserto. Ela
dirigia sozinha pela cidade, só nunca se aventurou em
viajar e muito menos em estar conduzindo um carro
esportivo em alta velocidade.

Percebendo o acampamento com carros na estrada, ela


começou a gritar e
pular no banco. Soltou o cinto e se jogou em mim, beijando
meu rosto repetidas vezes. Diminuí a velocidade e parei a
poucos metros de onde minha equipe nos aguardava. Kalil
já estava segurando um saco de papel com comida para
minha esposa emburrada.

Rawan agarrou e mordeu um pãozinho, pulando no lugar,


apontando os carros e praticamente me deixou falando
sozinho enquanto queria olhar tudo. Ela quase se perdeu
no acampamento, mexendo em absolutamente tudo.
Depois de comer, levei-a até o carro que iria correr e era
dela.

— Seu presente de formatura. — Apontei.

O gritinho da minha esposa podia ser ouvido a quilômetros


de distância.

Era um Aston Martin MA-RB001 vermelho, com as


maçanetas em ouro para minha linda e adorada mulher. Ela
me abraçou apertado e me beijou. Nós nunca havíamos
nos beijado em público. Ouvi um clique de um fotógrafo e
ignorei, para não deixá-la constrangida.

— E eu vou poder correr ou só olhar?

— Não tive coragem de te inscrever na competição, mas a


estrada ficará livre depois e aí, nós poderemos fazer uma
corrida juntos. O que acha?

— Maravilhoso. E você, vai correr?

— Só uma volta. Estou patrocinando um dos carros.

— Cuidado, ok? — Ajeitou o colarinho da minha blusa.

Rawan ficou em um lugar reservado na sombra, bebendo


água, de chapéu e conversando com quem parava para
puxar assunto. Seus seguranças ficaram o tempo todo ao
lado. De longe, ela acenava de vez em quando, mandava
beijos discretos e ficou de pé quando peguei o carro para
dar começo à corrida. Eu amava a adrenalina da
velocidade. O carro respondeu muito bem e foi um show
maravilhoso.

Freei bruscamente no final, os carros que iriam competir de


verdade, se posicionaram e o show começou. Saí do carro e
ocupei meu lugar ao lado de Rawan. Entrelacei meus dedos
nos dela, deixando nossas mãos em minha perna.

Ela estava de óculos escuros, atenta aos carros e fazendo


comentários sobre as curvas. Estávamos no alto, em uma
posição privilegiada.

— Isso é emocionante! Por que não viemos todo final de


semana?

— Não começa, viciada — brinquei. — Não tem todo final


de semana, apenas de tempos em tempos e é bem
organizado, para que não tenha problemas.

Gera dinheiro, mas se fosse o tempo todo, seria terrível.

— É alucinante! Estou contando os minutos para minha


vez! Já disse que é o melhor presente de formatura da
minha vida?

— Não. Pode falar.

— Melhor presente da minha vida! — gritou. Kalil riu atrás


de nós. — Vai entrar no carro enquanto dirijo, Kalil?

— Não, obrigado. Com todo respeito, senhora — ele


respondeu, me fazendo rir.

A tarefa ficava para o marido mesmo.


— Verifique com a equipe se o carro está pronto — pedi
mais uma vez.

Estava preocupado, era a primeira volta oficial do carro e


eu queria ter certeza que tudo ficaria bem.

Rawan foi na minha frente para o carro. Ela parou do lado


do motorista e nada a tiraria dali. Eu estava inseguro e não
porque duvidava de sua direção, mas dirigir carros comuns
era totalmente diferente de um carro esportivo em alta
velocidade. Entrei do lado do carona, mostrei a ela onde
ficavam todos os botões necessários, prendi o cinto de
segurança e me perguntei se poderia pedir um capacete
para colocar em sua cabeça.

Com um sorriso empolgado, deu partida. Ela não parecia


estar nervosa ou minimamente preocupada, o que era um
bônus para meu estresse. Na ida, não correu muito, só
sentiu o carro. Quando fez o retorno, respirou fundo e
começou a acelerar. Seu risinho feliz me fez rir. Ela desviou
dos obstáculos e na curva, acelerou um pouco mais.

— Tudo bem, Rawan. Diminua agora ou sairemos da


estrada na próxima curva — falei e ela franziu o cenho. Sua
expressão de pânico e o movimento de seus pés me fez
inclinar para seu banco.

— O carro não está diminuindo. — Sua voz estava


tremendo. — Abdar, o freio não funciona!

Foi a última coisa que ouvi até que um solavanco me fez


bater com a cabeça no vidro. Rawan tentava controlar o
carro, segurando o volante, nós rodopiamos pela pista e eu
vi sua cabeça bater contra o vidro. Ela apagou, caindo para
o lado. Eu tentei segurar o volante e tudo ficou escuro.

Abri os olhos, ouvia vozes do lado de fora, sons da areia e


percebi que estava de cabeça para baixo. Minha cabeça
estava doendo muito. Virei com dificuldade, sentindo dor e
segurei a mão dela. Rawan estava torta, com sangue
escorrendo por seu pescoço.

— Acorda, amor. Ei, acorda. — Apertei seus dedos. —


Rawan! Acorda!

Ela simplesmente não se movia.

De repente, meu lado foi aberto e um paramédico começou


a conversar comigo. Eu não queria ouvir o que ele tinha a
dizer, gritei que tirasse minha mulher do carro e a levasse
para o hospital o mais rápido possível. Eu mal conseguia
entender o que estava acontecendo. Fui levado para uma
maca, dolorido, médicos falavam comigo e ninguém me
respondia sobre ela. Parecia que estava falando sozinho.

Acordei assustado, pensando que tudo que vivi foi um


pesadelo do mais terrível até que percebi estar em um
hospital. Sozinho no quarto, usava um

pijama hospitalar e um curativo na cabeça. Soltei os fios


presos no meu braço, jogando a agulha longe. Me movi na
cama com dificuldade.

— O que está fazendo? — Eduardo, meu amigo, entrou no


quarto. — Volte para a cama.

— Cadê Rawan? — Empurrei-o do meu caminho.

— Os médicos disseram que precisava ficar de repouso


pelas próximas horas. — Me segurou quando oscilei. —
Rawan está na unidade intensiva. Ela ainda não acordou
depois do acidente…

— Eu preciso vê-la. — Agarrei sua camisa. — Me leve até


ela agora, por favor.
— Claro, apoie-se em mim — pediu, passando o braço por
meus ombros.

Com dificuldade, ele me tirou do quarto. Não sabia quanto


tempo fiquei dormindo, porque até Kaled estava do lado de
fora. Ele parou do meu outro lado, me dando suporte e os
dois não falaram nada quando me levaram para uma sala
onde nada parecia bom. Soltei os dois quando a vi, pálida,
na cama, com respirador. Seu pai estava sentado ao lado,
segurando a mão dela.

— Há quanto tempo ela não acorda?

— Três dias — Kaled respondeu atrás de mim. — Ela…

— Os freios não funcionaram depois que atingimos uma


velocidade…

— Nós assistimos ao vídeo. Apolo está cuidando de tudo,


vamos descobrir o que aconteceu — Eduardo respondeu.

Meu sogro levantou quando me viu e me puxou para um


abraço apertado, sussurrando um agradecimento por me
ver bem. Ele me levou até o amor da nossa vida. Segurei a
mão dela, estava quentinha, o que me encheu de
esperanças. Havia um curativo em sua cabeça, ligada a
vários tubos.

— Há um inchaço cerebral e até agora, ela não responde


ao tocar da cintura para baixo. Foram feitos vários exames.
Existe a possibilidade que ela não ande se acordar.

— Não. Ela vai acordar. Rawan é forte, determinada, muito


cabeça dura para simplesmente ficar dormindo. — Me
inclinei e beijei sua testa. — Está tudo bem, amor. Sei que
está cansada. Nós vamos ficar bem.
Devido à minha recusa de sair do lado dela, eles colocaram
uma cama no mesmo quarto. Fiz novos exames, mas
algumas horas depois de acordar, sentia dor no corpo e
nada mais. A desorientação passou e eu fiquei mais que
alerta.

Queria saber tudo. Assisti ao vídeo do acidente, estava


acompanhando o relatório da investigação e controlando
tudo que podia de longe.

Além do pai de Rawan e meus amigos, que vieram de


longe para me ver, eu não quis visitas. Até mesmo da
minha família. Não estava com paciência para qualquer
tipo de conversa e adulações. Cada minuto que tinha,
olhava para Rawan completamente adormecida. Seu rosto
pacífico era uma agonia. Eu estava

louco para ouvir sua voz suave, a risada e até seu olhar
furioso por estar com fome.

Se pudesse voltar no tempo, se eu tivesse uma única


chance de voltar para aquela manhã, eu não sairia de casa
e a manteria em segurança.

No final do dia, o médico entrou no quarto com uma


prancheta.

— Acabei de receber um exame detalhado. O senhor sabia


que sua esposa está esperando um bebê? — Ele colocou os
óculos e quase saltei da cama. —

Pela contagem, me parece ser poucas semanas. Em torno


de quatro ou cinco, no entanto, há a presença do beta
HCG.

— Não. Nós não sabíamos. O que acontece agora?


— Chamarei um especialista. Ela não apresentou nenhum
quadro hemorrágico uterino, mas, é melhor fazermos
exames específicos para garantir a saúde do bebê nessa
fase tão complicada.

Assim que ele saiu, segurei a mão dela novamente.

— Você ouviu? Temos um filho a caminho e ele precisa da


mamãe para se desenvolver. Está me ouvindo? — falei
baixinho e ela soltou um gemido. Foi o primeiro som e
reação que teve em vários dias. Eduardo, que estava
sentado no corredor com Kaled, ficou de pé. Apolo e Kalil
espiaram pela porta do quarto, o que me fez crer que não
era uma alucinação minha. — Ouviu, Rawan?

Tirando a máscara de oxigênio do rosto, tentou abrir os


olhos.

— Ouvi. Tudo dói — ela falou baixinho. — Bebê?

Ergui minhas mãos para o alto e caí de joelhos,


agradecendo e rapidamente voltei para seu lado. Ela abriu
os olhos, choramingando de dor.

— Os freios. — Ela soltou, do nada.

— Eu sei. Não se esforça, descansa, mas fique acordada.

— É impossível dormir com tanta dor. — Suspirou e tentou


se mover. —

Você está bem?

— Eu estou perfeito agora que você acordou.

Mesmo com dificuldade, ela sorriu. Abaixei meu rosto,


beijei sua testa, a pontinha do nariz e os lábios, ainda
agradecendo profundamente o milagre de sua vida. Eu
sabia que o destino não havia nos unido por um curto
período de tempo. Teríamos mais. E o bebê crescendo em
seu ventre era a maior prova disso.

Capítulo 26 | Rawan.

— Ai, isso dói! Por que está me cutucando dessa maneira?


— reclamei com o médico. Ele apenas riu e pressionou o
peito do meu pé, reagi imediatamente. A enfermeira
assentiu ao lado. — Por acaso fiquei sem mover minhas
pernas?

— Apresentou uma paralisia da cintura para baixo por


setenta e duas horas, nós estamos realizando todos os
exames para nos certificar dos seus movimentos — me
explicou. Abdar passou o polegar por minha testa, soltei
outro gritinho ao sentir uma ponta de agulha no calcanhar.
Ele estava brincando comigo! Já não bastava todo meu
corpo doendo terrivelmente?

— Com isso, eu posso ir ao banheiro? Quero fazer xixi e não


quero mais usar essa coisa que está presa em mim. —
Apontei para a bolsa.

Abdar saiu com o médico para falar sobre meus exames e


a enfermeira me ajudou a ir até o sanitário. Fiquei aliviada
por conseguir andar, mesmo dolorida.

Minhas pernas tremeram um pouco, me apoiei na pia e


fiquei horrorizada com minha aparência. Meu cabelo estava
embolado em várias partes, um curativo na testa e outro
no pescoço. O hematoma em minha bochecha era horrível.
Ergui a blusa e fiz uma careta, no entanto, olhar para
minha barriga fez lembrar a notícia inesperada.

Um bebê. A Grécia nos trouxe um presente e tanto, que


nasceria em pouco
mais de trinta semanas e mudaria toda minha vida. Abdar
e eu fomos pegos de surpresa e não tivemos oportunidade
de conversar sobre aquilo. Não era um problema, era amor,
mas eu estava muito preocupada com as próximas
semanas.

O médico deixou claro que minha gravidez ainda não


estava fora de risco e eu deveria ter muito cuidado dali em
diante.

Na ultrassonografia, parecia tudo bem, era cedo demais


para ouvir o coraçãozinho.

— Rawan? — Abdar bateu na porta e entrou. A enfermeira


nos deu privacidade. — Volte para cama, teimosa. — Me
abraçou apertado.

— Estava olhando para minha barriga. Dá para acreditar


que teremos um bebê?

— Ainda não acredito. — Ele abaixou e beijou meu ventre.


— Papai já te ama, agora, diga para sua mãe voltar para a
cama.

Eu sorri, acariciando seu cabelo e ele segurou minha mão,


levando-me de volta para o quarto e me ajudando a
acomodar na cama. Meu pai entrou no quarto com minha
mala de roupas. Eu fiz uma lista bem específica, fui
chamada de controladora, mas com Iasmin no hospital
comigo e Abdar não querendo que ela se ausentasse para
me ajudar em tudo, baba foi eleito a pessoa para mexer
em minhas coisas. Queria ser uma mosquinha para ver sua
expressão ao pegar minhas roupas íntimas.

— Ela pode tomar banho? — Iasmin questionou a


enfermeira. A ideia de ficar em pé de novo era cansativa.
Eu fiquei exausta só de ir fazer xixi.
— É melhor descansar mais um pouco.

Iasmin me ajudou a pentear o cabelo e depois que estava


com minhas roupas, meu cheiro, me senti um pouco mais
humana. A medicação era um pedaço do paraíso. A dor
começou a desaparecer ao ponto que senti sono
novamente e só dei alguns cochilos porque Abdar me
acordava a cada vinte minutos, com medo que eu entrasse
novamente em coma. Na quinta vez, eu gritei com ele.

— Será que isso já são seus hormônios? — Sorriu torto e


bufei.

— Grávida ou não, ter meu sono perturbado é um completo


pesadelo. Por que não deita na sua cama e dorme? Ainda é
um paciente e precisa descansar! —

Cutuquei seu braço. Ele olhou para a cama com desânimo.


— Quer deitar comigo?

— Chega para o lado, minha senhora. — Abaixou a lateral e


eu me movi com cuidado.

— Pode ficar aqui, com a condição de não me acordar.

— Eu te amo mesmo assim.

— De nada, marido. — Abri um sorriso provocante.

Abdar tirou os sapatos. Apesar de estar tomando


medicação e fazendo

exames regularmente, estava vestido formal e andando por


todo lado, mesmo contra orientação médica. Era impossível
discutir com o senhor teimoso, que estava ranzinza e
irredutível. Beijei seu queixo, me acomodando e ele nos
cobriu. Estar juntinho era maravilhoso. Nós quase
morremos. Ficar em seus braços era motivo de muita
gratidão e meu coração se enchia de alegria.

Consegui voltar a dormir e foi muito melhor que antes.


Acordei sentindo fome, um pouco de dor e bem humorada.
Abdar já estava fora da cama, se despedindo dos amigos
no corredor. Iasmin estava lendo uma revista e ficou de pé,
me ajudando a ir ao banheiro e a comer. A sopa de carne
com legumes estava uma delícia. Eu não fazia ideia de
quando receberia alta para ir embora, queria dormir em
minha cama.

Meu marido voltou para o quarto e fechou a porta, nos


deixando sozinhos.

— Ainda sem permitir que sua família venha nos visitar?

— Até que saiba o que está acontecendo, todos nós


estamos em perigo e eu quero ter a certeza que irei mantê-
los em segurança. Além do mais, não preciso deles aqui.

— Sarai deve estar preocupada. — Cruzei meus braços.

— Enviei ela e as meninas para a Jordânia. Apenas Jamyr e


Mohammed permanecem no palácio. Pode ser um ataque
apenas a mim, devido a todas as mudanças. Os
insatisfeitos podem ter encontrado reforços e apoio nos
mais

radicais. Ou pode ser alguém que odeie a nossa família,


seja o que for, irei descobrir.

— Vá com calma. Não sabemos com quem ou com o que


estamos lidando.

Há quatro dias, nós quase morremos, os freios de um carro


novo e restrito a poucos funcionários foi sabotado. Esse
inimigo misterioso está muito mais perto do que
imaginamos…

— Tomarei cuidado, prometo. — Se inclinou e me deu um


beijo. — A segurança de vocês dois é mais importante que
tudo para mim. — Colocou a mão na minha barriga. — Isso
me leva ao assunto… — Sentou na pontinha da cama. —
Não quero que saibam sobre o bebê até que seja
inevitável. Quero manter a notícia até o nascimento se eu
puder.

O que ele queria não fazia o mínimo sentido. O que tinha


na cabeça?

— Como vamos esconder? Há tantos compromissos até o


nascimento…

— Não saindo do palácio, de preferência, da nossa ala. Eu


não quero que a minha família saiba. Iasmin poderá ficar
responsável por tudo, assim poucos funcionários precisarão
entrar em contato com você. — Ele segurou minhas mãos e
beijou. — É o nosso primeiro bebê, possivelmente, um
herdeiro. Sabe a fúria que isso pode causar?

Abdar estava tão apavorado que não conseguia pensar


direito. Entendia o seu medo, acordar e me ver dormindo,
sem previsão de sair do estágio que me

encontrava e ainda, com uma suposta paralisia da cintura


para baixo. Nós passamos por um acidente assustador.
Entendia todos os conflitos dentro de seu peito e podia
compreender as razões pelas quais me esconder fazia
sentido em sua mente, no entanto, não era o que eu
queria. Decidi discutir isso depois, quando se acalmasse.

— Vamos focar em uma coisa de cada vez. Vem aqui, me


dê um abraço. —
Nós fizemos o movimento com cuidado, ambos doloridos
demais para se mover com rapidez. — Isso é um presságio
de como será a nossa terceira idade.

— Vou levar muito tempo para usar uma bengala, confie


em mim. — Deu uma breve mordida em meu ombro.

— Considerando a sua idade…

— Faça piadas com minha idade novamente e eu não vou


me importar com o fato de que está dolorida. — Ele deu
um aperto no meu bumbum com uma risada. Eu queria
fazê-lo rir.

— Tapas na bunda? Uau. Selvagem. Por que esperou uma


internação para mostrar esse lado? — continuei
provocando-o. Abdar se afastou um pouco e me deu um
olhar carinhoso. — Eu te amo e estou feliz que estamos
bem.

Sobrevivemos. Estamos juntos e sempre ficaremos juntos.

— Senti tanto medo. — Ele suspirou, com o peito pesado,


como se quisesse chorar. — Te ver naquele carro, de
cabeça para baixo, sem me

responder e depois… tão fria nessa cama. Foi como se meu


pesadelo tivesse se tornado realidade. Como poderia viver
sem você?

Pensar que poderíamos ter morrido ou perdido um ao


outro, era doloroso e causava um estrago no meu peito que
me dava vontade de gritar. Eu realmente preferia olhar
para o lado bom. Estávamos vivos e com a benção de um
bebê crescendo em meu ventre. Era um presente para
nossas vidas e por todo medo que sentia de toda nossa
felicidade desmoronar, Abdar precisava que eu fosse forte
dessa vez.
— Não vamos pensar nisso. Estou bem, ficarei ainda
melhor, iremos ver essa barriga crescer e segurar nosso
bebê nos braços. Vamos ficar bem.

— Sou grato por isso. — Me deu um beijo e seu telefone


tocou. — Já volto. É Kalil.

Iasmin entrou no quarto quando Abdar saiu e eu comecei a


chorar. Não queria desmoronar na frente dele, que sentiria
ainda mais culpa e medo. Ela correu para me abraçar,
escondi meu rosto em seu pescoço e ganhei um carinho
nas costas.

— Quando leu a borra do café, me disse que havia algo


doloroso no meu futuro. Eu não quis acreditar, mas é
verdade. A dor do medo é a pior de todas. Se algo
acontecer com Abdar…

— Nada vai acontecer com vocês. O destino escolheu uni-


los em um

casamento por contrato porque por conta própria, jamais


iriam se encontrar —

Iasmin garantiu, com a fé que sempre me dava forças. — É


um encontro de almas. Vocês estão destinados a mudar o
futuro de Al-Abadi. Não há um grande futuro sem
sacrifícios, sem obstáculos e sem dor. Vão vencer.

Coloquei a mão em meu ventre, preocupada, porque se


estivesse grávida de um menino, o futuro estava crescendo
bem ali. O que fariam ao descobrir sobre a minha gravidez?

Capítulo 27 | Rawan.
Abdar impediu que os funcionários circulassem pelo nosso
lado do palácio quando saímos do hospital. Entrei sem ser
vista e me acomodei na cama, o processo de andar do
carro até o quarto foi exaustivo. Iasmin estava correndo de
um lado ao outro, ansiosa em deixar tudo tranquilamente
ao meu alcance. Baba ajeitou as almofadas atrás de mim,
preocupado e sentou ao meu lado.

— Tem certeza de que está bem?

— Tenho e se quiser, pode ficar muito à vontade em se


hospedar em um dos quartos e ficar pertinho de mim. —
Acariciei sua mão.

— Eu não vou me ausentar. Nunca mais ficarei longe de


você.

Meus olhos se encheram de lágrimas e eu disfarcei,


limpando a garganta e pedindo água, para que ele não me
visse tão emocional. Querendo me agradar, saiu apressado.
Abdar sorriu, percebendo o que fiz. Ele também deveria
ficar de repouso, foi a condição do médico em nos liberar.
Talvez também fosse porque todos estavam
desconfortáveis com a quantidade de seguranças pelos
corredores e pelos surtos de Abdar com qualquer pessoa
estranha se aproximando da porta do quarto.

— Menos estressado agora?

— Louco para dormir um pouco. — Cobriu o bocejo com a


mão.

— Iasmin ainda vai preparar nosso jantar, então, vamos


tirar um cochilo. O

bebê e eu adoraríamos ter sua companhia em uma soneca.


— Sinto que ouvirei muito essa frase. — E ele não parecia
nem um pouco triste com isso.

Abdar não era um homem de mente fraca, tinha suas


convicções e lutava por elas. Depois de tudo, uma tarde de
sono foi o suficiente para renovar suas forças. Saiu do
quarto, dizendo que eu deveria descansar um pouco mais e
foi governar Al-Abadi. Retomou sua agenda como se não
tivéssemos capotado no deserto nove dias antes. Sua
presença nas reuniões quando o povo pensava que ele
ainda ficaria recolhido causou um pouco de comoção.

Iasmin era meus olhos e ouvidos, andando pelo palácio


para colher informações. Alguns conselheiros estavam
surpresos, a corte inteira acreditava que Abdar estava
caído e ele parecia ter voltado mais forte do que nunca.
Para reforçar seus ideais, fez um pronunciamento oficial em
horário nobre, interrompendo a primeira novela realmente
gravada em Al-Abadi com atores locais. O pico de
audiência foi estrondoso.

Assisti na cama, comendo e senti orgulho enquanto a


preocupação estava no fundo da minha mente. Mostrar que
não estava abalado poderia provocar fúria e desespero. As
investigações, até o momento, levaram para um grupo de
radicais que vivia no sul do país e estavam descontentes
com as mudanças e a modernização implantada no
governo de Abdar.

— Chegaram flores para você. — Iasmin entrou no quarto.


— Optei por deixá-las na entrada. São de Jamyr. Ele estima
melhoras e espera poder vê-la em breve.

— Deve estar sentindo falta de me infernizar, já que Sarai


está longe. Ele precisa de uma ocupação. Nenhum dos
trabalhos que Abdar designou a ele foram feitos,
Mohammed acabou acertando de última hora e isso é uma
vergonha. — Estalei a língua em desaprovação.
— Nem todos nascem com o dom de liderança. Abdar tem
isso dentro dele, mesmo que tenha sido educado e
treinado, por muitos anos foi CEO das empresas e depois,
príncipe herdeiro. Está dentro dele essa chama. Não é para
qualquer um.

— As pessoas não pensam assim.

— O mundo está doente há muito tempo, Rawan. As


pessoas estão feridas e a única solução que encontram, é
ferir de volta. É difícil achar alguém que realmente acredite
no amor, que tenha fé e escolha honrar o nome que
carrega.

— Acredito no amor, mas é muito difícil manter a fé quando


coisas assim acontecem. Olhe para mim. O que eu fiz para
que desejassem a minha morte?

Iasmin sentou ao meu lado na cama.

— Você abriu portas para um futuro livre. Mulheres poderão


estudar, responder por si só, morar sozinhas… encontrar
um amor. Elas poderão ter

relações saudáveis com pais e irmãos sem serem julgadas.


Abdar já tinha esses planos, tanto que seu pai começou
essas mudanças, mas ele acelerou muitas delas por sua
causa. Porque ele viu as limitações que você, economista,
inteligente, capaz de criar projetos lindos, enfrentava por
ser mulher. — Ela segurou minhas mãos. — Mudar a
história de uma nação tem um fardo.

— Quando vivia em Londres, minhas amigas da faculdade


iam a palestras feministas que me davam esperança de um
mundo melhor. Não é só Al-Abadi que enxerga a mulher
como um objeto. Até em países supostamente livres, elas
ganham menos que os homens, sentem dificuldade de
voltar ao mercado de trabalho quando têm filhos e levam
anos para se encaixarem em uma competição que já não
começa justa. — Recostei no travesseiro, sentindo um
pouco de dor no pescoço. — Equidade não é querer que
mulheres tomem o lugar dos homens.

Tem espaço para todo mundo. Tem abertura para que a


mulher seja respeitada pela escolha de vida que tomar. Se
ela quiser ficar em casa com os filhos, tudo bem. Se ela
quiser sair e trabalhar, tudo bem também. Sonhar com
condições igualitárias não deveria ser motivo de morte.

— Muitas pessoas pensam que uma mulher tomando o


direito de cuidar de si mesma faltará com respeito aos
homens. Sabe como as famílias funcionam…

— Respeito é uma coisa totalmente diferente. Eu amo e


respeitarei meu pai até o fim da minha vida, mas isso não
quer dizer que eu tenho que me espremer para caber
dentro de conceitos que não se enquadram mais. Respeito
é caráter,

não tem nada a ver com liberdade.

— Um dia chegaremos lá. — Deu tapinhas na minha mão.


— Descanse.

Hoje já andou demais. Eu vou na cozinha lutar contra o


mau humor das cozinheiras e preparar o seu jantar.

Apenas o meu marido podia fazer uma assistente pessoal


se tornar cozinheira porque ele não confiava em mais
ninguém no preparo das minhas refeições.

— Eu queria ir lá fora, pegar um pouco de sol ou, pelo


menos, sentar na varanda.

Iasmin só mordeu o lábio. Abdar não queria meu nariz fora


do quarto. Ele estava tão paranoico que inventava
situações e possibilidades que poderiam acontecer comigo.
Ter paciência era um dom que havia limites e por
enquanto, ele ainda estava com bônus. Não ia me sentir
prisioneira dentro da minha casa, com medo, sem
conseguir viver. Eu estava grávida, recém-formada e com
muitos projetos.

Aceitava respeitar meu tempo de repouso para me curar,


mas não aceitaria me tornar refém do medo.

Abdar voltou para o quarto tarde da noite. Ele carregava


uma bandeja com um lanchinho. Soube que jantou com
seus advogados e Kalil, eu comi com meu pai, assistimos a
um filme e ele foi dormir.

— Não coma minha comida enquanto tomo banho —


avisou, brincando com meu apetite. Estava prestes a
roubar um bolinho de carne. Cruzei os braços e esperei. Eu
ia comer quando voltasse.

Dez minutos mais tarde, com uma calça de pijama e


camisa por estar um pouco frio, sentou ao meu lado e
colocou a bandeja entre nós.

— Teve um dia produtivo?

— Muitas coisas resolvidas e uma interminável reunião com


os investigadores do acidente. Foi confirmado sobre os
freios. Disseram que foi um verdadeiro milagre nós termos
sobrevivido. O carro poderia ter explodido.

Depois, eu me reuni com o conselho e acertei alguns


detalhes importantes com meus advogados. E você?

— Tentei não morrer de tédio aqui dentro. — Abri um


sorriso irônico.
— Está de repouso, vou ignorar o drama. — Deu de
ombros. Maldito.

— Ora, seu filho da mãe… — Me joguei nele e mordi seu


ombro. Abdar salvou a comida, me segurando em seus
braços.

— Sabia que estava louca para se jogar em mim. Assuma


que sente falta de ficar montada em mim.

— Essa conversa poderia chegar a um nível muito sexy se


não estivéssemos com recomendação médica de nos
abster até a próxima consulta.

— Esfreguei meu nariz no dele.

— Eu estou liberado. — Continuou me provocando, dando


um aperto suave em minhas nádegas. Me movi
sugestivamente contra ele, rindo. — Sempre pode usar a
boca…

— Sempre posso te sufocar durante seu sono. — Coloquei


minhas mãos em seu pescoço, apertando de
brincadeirinha. Ele se jogou para trás, ainda me abraçando
e eu o beijei, apaixonada, porque aquele homem me tinha
de corpo, alma e coração. Sempre detestei histórias de
finais felizes que faziam alusão que os casais foram
destinados a ficar juntos. Só passei a acreditar nisso
quando conheci Abdar.

Até o casamento, eu estava muito nervosa e preocupada


com a vida que teria ao lado dele. Não cabia em mim a
felicidade de ter encontrado o amor da minha vida no
melhor homem do mundo. Sempre fui sozinha,
basicamente sem esperanças de que um dia, teria um
futuro interessante.
— Sempre soube que um dia, assumiria o lugar do meu pai.
Eu nunca pensei muito sobre a mulher que estaria ao meu
lado, talvez porque na época, não fizesse diferença. —
Abdar tirou um pouco do meu cabelo do rosto. — A
realidade é ainda melhor.

— Sabe o quanto te amo?

— Eu sei que me ama muito. — Sorriu torto.

— O que ainda mantém esse seu cenho franzido? — Passei


meu polegar

nas rugas de sua testa.

— O grupo dos radicais tem crescido a cada dia. Em uma


reunião ontem à noite, havia duzentos membros firmando
a promessa em fazer qualquer coisa para derrubar meu
governo. Ainda não sabemos quem está financiando, é
questão de tempo até que eu acabe com tudo isso.

Puta merda.

— Vamos ficar bem. Seu pai também enfrentou uma


oposição feroz e teve um governo limpo. Sei que é
inteligente e um homem firme no seu caráter, vai
conseguir superar esse obstáculo. — Beijei sua boca umas
três vezes, como um selinho. — Hoje eu ouvi dizer que
nenhuma mudança histórica vem sem um grande fardo.
Esse é o nosso e aprenderemos a lidar com ele.

— Quando descobrir o que fiz para merecer uma mulher


como você…

— Agradeça ao meu pai, ao seu pai e ao destino que nos


uniu.
— Serei grato para sempre. — Desceu as mãos da minha
cintura para meu bumbum. — Sério. Nem um boquete?

— Eu vou te matar.

Abdar começou a rir e a me provocar cada vez mais até me


ter rindo e ao mesmo tempo furiosa. Quis dormir de costas
para ele, mas ganhei um abraço de conchinha e meus pés
quentinhos.

Capítulo 28 | Abdar.

Em meu escritório, espalhei os relatórios da investigação


na minha frente e analisei cuidadosamente cada etapa com
muito cuidado. Alguma coisa não se encaixava. Sentia que
estava perdendo detalhes importantes que influenciavam
diretamente no veredicto. Ainda não se sabia se os freios
foram alterados na oficina em Dubamyr ou na equipe pré-
corrida.

Um dos meus amigos, que vendia carros de luxo e entendia


bem, estava envolvido em cada processo de investigação
para me orientar melhor. Tanto o conselho quanto o
comissário militar acreditavam que era uma retaliação da
oposição contra meus novos decretos e as mudanças
sociais de Al-Abadi.

Sempre soube que enfrentaria desafios, até que tentariam


me machucar, eu podia lidar com cada uma dessas
situações contanto que não machucassem Rawan.

Não conseguia esquecer a maneira torta que ela ficou


presa no carro, sua cabeça virada e o sangue escorrendo
pelo pescoço. Acordar em uma cama de hospital e vê-la
dormindo profundamente, podendo não acordar e ainda
com paralisia foi completamente assustador. Eu não
desejava o sentimento de medo e impotência a ninguém,
nem mesmo ao meu pior inimigo. Meus irmãos estavam
tentando entender meu mau humor. Mohammed era o mais
compreensivo. Jamyr estava sentido, querendo detalhes
que eu não daria.

Não queria falar com absolutamente ninguém. O que


haveria para dizer a

eles? Fiz o que era certo. Reforcei a segurança deles.


Embora Jamyr vivesse fugindo de seus guardas e
Mohammed reclamava a cada dois passos que dava
acompanhado, eles aceitaram tanto quanto podiam.

Após o trabalho, me reuni com Kalil em minha sala de


convívio.

— Você está muito quieto — acusei, observando-o se


mover desconfortável enquanto lia algo em seu telefone. —
Sempre que está silencioso assim, é porque sabe algo que
não sei. Foi assim com o casamento e posso listar alguns
ao longo da minha vida.

Kalil cuidava de mim desde novo e quando me tornei um


homem adulto, ele passou a ser meu assistente particular.
Eu vi seu casamento e filhos nascerem. Ele viajava o
mundo comigo e, provavelmente, foi a voz da consciência
em muitos momentos em que quase fiz merda. Me castigou
quando necessário e me aconselhou todas as vezes que
precisei. Meu pai teve uma grande importância na minha
vida, mas sem Kalil, eu não seria o homem que sou.

— Não vai me contar o que está acontecendo? — insisti.

— Espero que entenda que ainda não é o momento de


falar. — Ele enfiou seu telefone no bolso. — Sei que
estamos em uma situação completamente delicada e pedir
um voto de confiança é difícil. No entanto, é tudo que
posso te dizer no momento.
— Isso é para me deixar menos preocupado ou só entrar
em uma espiral de ansiedade?

— Não posso te dizer como lidar com isso, senhor.

— Eu te odeio. — Bufei.

— Eu sei. — Sorriu torto e saiu da minha sala.

Recostei um pouco, com a mente cheia e dor de cabeça,


ouvindo os passos suaves da minha esposa se
aproximando. Não abri os olhos, apenas sorri. Ela me
abraçou e beijou meu pescoço, descaradamente me dando
um cheiro.

— Já terminou?

— O que está fazendo fora da cama? — Acariciei seu braço.

— É só imaginar que ainda estou na cama — retrucou.


Engraçadinha. A obstetra foi muito específica sobre a
importância de seu repouso. Rawan teve um sangramento
que nos assustou. Corremos para o hospital, acreditando
que estava abortando e conseguimos reverter o quadro.
Ouvimos o coração do bebê e foi simplesmente o melhor
som das nossas vidas. — Meu bumbum está doendo de
ficar deitada. Ouvi Kalil ir embora e vim encher meu marido
de beijos.

— Veio me beijar para saber se li seus e-mails?

— Também. Por que me conhece tão bem?

— Sei que é chata e isso é tudo.

Rawan me deu uma mordida e a puxei bruscamente para


meu colo. Ela me abraçou apertado, cutucando minhas
costelas e saltei no lugar, sensível. Eu odiava cosquinhas e
ela sabia muito bem disso. Dei um tapa em sua bunda,
forte, ela tentou sair correndo e limpei minha garganta.
Suspirando, voltou a andar e fez um beicinho. Pedir que
ela, a mulher que tinha a mente mais agitada do mundo,
ficasse parada, era um completo sacrilégio.

— Essa criança está me fazendo sentir fome. Vamos jantar?

— Você já sente muita fome.

— Não sei o que quer dizer e vou fingir que não está me
chamando de fominha.

Abracei-a por trás e fomos para a sala de jantar. Desde o


acidente, estávamos isolados. Rawan ignorava as fofocas
que ela estava deformada fisicamente ou presa em uma
cama. Eu achava engraçado. Ela estava cada dia mais linda
e radiante com a gravidez. Sua barriga ainda era
inexistente, mas seu nariz e as bochechas denunciavam
seu novo estágio de vida.

A boca inchava a cada dia. Qualquer um com um pouco de


experiência descobriria que ela estava grávida com uma só
olhada e enquanto sua gravidez estivesse em risco, não
queria que soubessem. Era melhor ter rumores sobre sua
aparência do que qualquer um tramando matá-la por estar
carregando meu herdeiro.

Depois do jantar, ela foi tomar banho e passou óleo em seu


corpo. Além do cheiro delicioso, seu corpo me hipnotizava.
Estava com fome dela há semanas.

Sexo ainda estava fora de questão e a cada segundo,


sentia saudade. Desejo preenchia minha corrente
sanguínea em ondas. Percebendo meu olhar, começou a
me provocar, beliscando seus mamilos e desceu a mão
para a virilha.
— Dois podem jogar esse jogo e eu sou o único que vai
encontrar alívio.

— Nada disso. Como meu marido, vai me esperar ou irei


desejar que seu pau caía e nunca mais levante. — Apontou
o dedo e comecei a rir, tirando minha roupa.

— Tudo bem. Que tal me besuntar com esse óleo aí? —


Comecei a tirar minha roupa.

— Eu vou fazer mais que passar esse óleo se entrar aqui. —


Sorriu torto.

Eu amava quando ela era maldosa e safada.

— Você vai descobrir o quão rápido um homem pode tirar a


roupa.

Rindo do meu desespero em ficar nu, encostou na parede


do banheiro e me esperou agarrá-la, beijando-a
bruscamente, erguendo sua perna para simplesmente nos
torturar um pouco mais.

— Essa criança tem sorte que nos divertimos muito


fazendo-a. — Suspirou dramaticamente e comecei a rir.
Aquilo era uma coisa que nosso bebê nunca deveria ouvir.

— Logo vamos sair desse interminável jejum. — Beijei seu


pescoço. —

Vamos para a cama.

Rawan excitada era um problema. Ela se esfregou em mim


a noite inteira, parecia uma gata manhosa. Sua mão boba
me fez acordar com uma ereção dolorosa como se fosse
um adolescente. Ainda nas cobertas, me deu uma olhada
divertida e bufei. Me vesti para o trabalho, desejando ter
um dia de folga, eu não ia parar até ter minhas mãos no
pescoço do desgraçado que estava tentando me matar.

Cheguei ao escritório e Kalil já estava lá dentro. Ele olhava


para a janela, pensativo. Em minha mesa, havia dois
grossos envelopes.

— O que é isso?

— Quando Omar e Said morreram, seu pai não quis que


houvesse uma investigação porque preferiu acreditar que
era só um infeliz acidente da vida —

falou, com as mãos enfiadas no bolso. — Eu fiz a


investigação mesmo assim e guardei. Na época, eu estava
em um beco sem saída, não havia muito o que fazer. Hoje,
com tecnologia e todas as informações que reunimos com
o novo acidente, eu posso concluir que ambos foram
arquitetados pela mesma pessoa.

Mesmo modus operandi e melhor ainda… mesmas digitais.

Cheguei a sentar. Puxei os envelopes, engolindo seco e


comecei a ler os relatórios. Ver as fotos do acidente trouxe
uma dor no estômago quase insuportável. Meus irmãos
foram assassinados. Alguém estava tentando matar a

mim e a minha família.

Eu precisava descobrir quem era o mais rápido possível,


antes que mais uma desgraça acontecesse. A digital era
parcial e, na época, não deu em nada.

— Envie essa digital. Há muitos novos programas. Vamos


descobrir quem é.

Capítulo 29 | Rawan.
Uma das coisas que eu mais admirava no meu marido era
também a que eu mais detestava. Abdar era um homem
focado, decidido. Sua determinação e postura como
homem arrancava admiração e também exigia paciência,
porque quando ele decidia que não queria uma coisa, ele
simplesmente não queria e ponto. Nós tivemos um
desentendimento pela manhã, quando eu tentei
argumentar sobre sua postura tão letal.

Todos estavam percebendo.

Abdar recebeu de Kalil provas de que o acidente de seus


irmãos foi provocado, assim como o nosso. Por ordem do
pai de Abdar, o assunto nunca veio à tona. Sarai chorou
muito ao confessar que já sabia, mas, seu marido havia
decidido que aquele assunto só traria dor e destruição, ele
já havia perdido uma esposa, dois filhos e não estava
disposto a perder mais ninguém. Meu marido recebeu
aquilo em choque. Eu não sabia o que pensar.

Havia alguém tentando matá-lo há anos. Era para Abdar


estar no carro. Por ser um tema sensível, ele não quis
contar aos irmãos. Jamyr disse que precisava de um tempo
fora e foi para Miami com seus amigos. Abdar achou
melhor que ele ficasse longe, assim o tiraria de foco se ele
também estivesse em perigo.

Mohammed percebeu que algo estava acontecendo e se


recusou a voltar para Londres, até que ele me viu e,
obviamente, percebeu que havia um bebê na

minha barriga. Desde então, ele é minha sombra particular


e tão protetor quanto o irmão.

Meu pai, Iasmin e Kalil também ficavam em cima de mim o


tempo todo.
Eu só tinha quietude se ficasse dentro do meu quarto.
Mesmo circulando pouco pelos corredores do palácio,
depois do acidente, nunca mais fiquei sozinha. Não tive
mais autonomia. Estava me sentindo presa.

Caminhei calmamente até o ginásio, ouvindo sons de luta e


abri a porta. O

treinador estava um pouco distante, observando Abdar


socar e chutar um saco de areia. Ele estava sem camisa,
suado, soltando grunhidos de raiva. Nós só paramos de
discutir porque ele estava se contendo comigo, devido à
delicadeza que todos estavam levando minha gravidez. Os
médicos já haviam me liberado para caminhadas leves,
massagens e sexo.

Sinalizei para o treinador sair, ele deu um aceno e foi


embora. Tranquei a porta atrás dele e esperei até que
percebesse minha presença.

Ele virou para chutar o saco, me viu e parou, respirando


pesado. Seu peito subia e descia, suor escorria pelo
pescoço. O calção estava caído, baixo, tentador. Ainda
irado comigo, inclinou a cabeça para o vestiário e foi
andando.

Imaginei que nosso bebê puxaria as passadas duras, o jeito


de andar altivo e poderoso.

Sem falar nada, tirou o calção e ligou o chuveiro, testando


a temperatura da água. Parei em frente ao espelho,
olhando-o e abrindo os botões do meu

vestido lentamente. Havia fome em seu olhar, fazia tempo,


a saudade era maior que qualquer irritação. Ele podia estar
com raiva de mim, exasperado, mas também me queria
igualmente e eu estava cansada de brigar.
Tirei minhas roupas íntimas, deixando tudo cair no chão e
entrei na área do chuveiro. Ele suspirou para minha nudez
e, de um jeito rude, segurou minha nuca e bateu a boca na
minha. Soltei um arquejo, beijando-o de volta, passando
minhas unhas em seus braços. Abdar me deu o olhar que
me deixava maluca de desejo. Ele consumia tudo.
Empurrando contra a parede do chuveiro, continuou seu
assalto de beijos e mãos, beliscando meu mamilo. Com
toda sensibilidade que estava sentindo, gemi, quase
revirando os olhos de dor e prazer.

— Você me enlouquece — sentenciou, mordendo meu


lábio.

— Você me enfurece.

— Eu sei. — Sorriu torto. — Agora, vou te fazer gritar de


prazer. Quero ouvir tudo, sem se conter, foda-se que não
estamos no quarto. Preciso tanto de você, meu amor.

— Estou aqui, te quero. — Puxei-o pelos cabelos e o beijei.

Abdar me levou para um dos bancos de massagem,


deixando a água correndo, estávamos completamente
molhados e ele não parecia se importar. Ali, desceu a boca
em mim, chupando meu clitóris, penetrando seus dedos e
tocando partes sensíveis que literalmente me fizeram
gritar. Meus gemidos ecoavam

pelas paredes e eu não me importava se estava sendo


ouvida. Todo meu ser estava concentrado nele e nas
emoções alucinantes que sua boca me proporcionava.

— Vira. Empina bem essa bunda… — comandou, puxando


meu cabelo.

Ele meteu gostoso. Exalei, arrepiada, quando ele se


inclinou e deu uma mordida em meu pescoço. — Você é o
amor da minha vida, meu tudo.

— Abdar! — Solucei, me sentindo cheia, tremendo.

— Isso, amor. Sinta tudo.

Agarrando minhas nádegas, estocou firme. Coloquei minha


mão na parede para impedir de ir totalmente para frente e
bater com a cabeça. Aproveitei cada segundo, chegando a
um orgasmo estrondoso que depois de tanto tempo sem
sexo foi simplesmente a primeira maravilha do mundo. Ele
não aguentou muito mais, se deixando levar em seguida.
Com um gemidinho, me puxou sentada para seu colo e
seus braços me apertaram.

— Ainda bem que parou de me tratar como uma boneca de


porcelana. Isso foi incrível, vamos fazer de novo!

— Senti falta disso, minha mulher exasperada. — Beijou


meu ombro.

— Agora que nosso bebê está seguro no forninho,


poderemos voltar a brincar. — Sorri e ele levou a mão para
meu ventre, acariciando. Seu olhar de amor me fez
derreter contra seu peito. — Abdar…

— Por favor, Rawan. Não. Eu preciso de mais tempo, ainda


não consigo te ver saindo desse palácio sem surtar
completamente.

Respirei fundo, a honestidade e o medo em seus olhos me


desarmando completamente.

— Tudo bem. — Beijei sua boca mais de uma vez. — Nós


vamos ficar bem.

— É o que peço o tempo todo.


Nós tomamos banho ainda no vestiário e sem algo para
secar, nos vestimos do jeito que deu e fomos para nosso
quarto como dois fugitivos. Ele não me deixou ir longe, já
que quebramos o jejum, ele queria continuar nosso
momento de namorar. A maratona de sexo me cansou,
fiquei na cama ouvindo-o conversar com o bebê. Sua voz
suave estava me ninando e não queria dormir para não
perder o momento tão doce.

— Deixe-me falar três coisas importantes. — Beijou minha


barriga. — A primeira delas é: nunca irrite sua mãe. Ela se
transforma em uma fera quando está furiosa. — Dei um
tapa em sua cabeça, ele riu e seguiu falando. — Você é o
amor das nossas vidas. — Sorriu apaixonado. Aquilo era
uma verdade que poderia falar para nosso bebezinho. — E
por último e não menos importante, te darei um carro
esportivo de luxo quando completar dezoito anos se você
dormir toda noite a partir do nascimento — cochichou e ri.
Só ele para tentar subornar um bebê.

— Não tente negociar com ele, além do mais, pode ser ela.

— Não importa. Minha filha terá tudo que quiser. Tenho


certeza que ela vai herdar nossas paixões, terá sua
inteligência…

— E que Allah nos ajude se ela tiver o seu gênio —


murmurei.

— Será maravilhosa. — Ele apenas sorriu, sem se abalar. —


Do jeito que tiver que ser, essa criança dominará o céu e
as estrelas. Ela terá todo meu amor e devoção.

— Eu sei. É por isso que tenho certeza que será o melhor


pai do mundo. —

Me inclinei e lhe dei um beijo nos lábios.


Abdar foi chamado para resolver um problema e eu
observei-o se vestir, tomando a aparência e expressão de
homem que comandava uma nação inteira.

Prometeu que jantaríamos juntos e saiu. Ainda meio com


preguiça, vesti uma roupa e fui até o outro lado do palácio,
espiando a movimentação da rua. Era meu único contato
com o mundo.

Abri um pouco as cortinas ao perceber que as avenidas


principais estavam com barricadas e todos os carros sendo
monitorados pelos guardas reais.

— Rawan? — Mohammed me chamou e parou


discretamente na porta. —

Acabei de falar com meu irmão, ele disse que irá se ocupar.
Deseja companhia por um tempo?

Tradução: Abdar pediu que ele tomasse conta de mim.

— Claro. Vamos assistir a um filme?

— Eu adoraria. Suspense ou ação?

Apesar de sensível e mais emotivo que os irmãos,


Mohammed corria de filmes de romance e música melosas.

— Por que das barricadas?

— Ontem à noite, nossa vigilância percebeu movimentação


dos radicais em direção à cidade. Alguns carros foram para
a fronteira e outros… estão por perto. Ele quer ter certeza
que nada acontecerá e se tiver qualquer tentativa, será
contido com eficácia. — Me explicou e assenti. Eu não
sabia se estava chateada com Abdar por não me contar.
Aquela notícia trouxe uma bola de ácido em meu estômago
e uma vontade de me esconder na cama.
Eu não tinha certeza se aguentaria outro ataque, se
qualquer um da minha família se machucasse.

Um dos amigos de Abdar era diretamente envolvido com


tecnologia e segurança. Enviou vários homens para ajudar
no treinamento dos guardas, assim como fazer parte da
equipe que cuidaria da nossa proteção. Alguns deles
estavam com meu pai em Dubamyr, que viajou a trabalho
e voltaria apenas em alguns dias. O grupo que se assumiu
como oposição ao governo de Abdar, se isolou em uma das
aldeias no sul do país e viviam ali, tentando fazer
operações ilegais.

Eles sabiam que eram observados diariamente e isso era


uma das coisas que mais expunham na internet. No
entanto, por mais assustadores que eles pudessem ser e
até causar grandes ameaças, ainda não havia provas de
que os ataques recentes e do passado tinham algo a ver
com a oposição ao governo.

Meu sexto sentido sussurrava que era algo mais pessoal,


gerado por inveja, ciúmes…

Só não sabia para que lado da história olhar e realmente


encontrar a raiz de tudo.

— Vem, você ficou pálida e preocupada. Nós vamos nos


distrair com alguma produção ruim e comer o que quiser
sem que meu irmão saiba. —

Mohammed tocou meu cotovelo. — Não se preocupe,


Rawan. Abdar é ainda mais completo que nosso pai. Ele
não é tão emotivo, nem tão frio. Ele é um homem íntegro,
honrado. O coração dele é o que o faz ser tão bom. Confie.

Me deixei ser conduzida para a sala de televisão ainda


preocupada, mas, meu cunhado tinha razão. Não
importava o tempo… Abdar ia descobrir a verdade. Ele não
irá parar.

Capítulo 30 | Rawan.

Olhei para a planilha à minha frente e os números


pareciam confusos.

Fechei meus olhos, massageando as têmporas, cansada e


abaixei a tela do notebook, precisando de uma pausa no
trabalho. Recostei melhor na cama, reparando que meus
pés estavam menos inchados. Eu não entendia como podia
reter tanto líquido se não fazia absolutamente nada a
maior parte do dia.

Trabalhava sentada ou na cama.

— Como está meu balão favorito? — Abdar entrou no


quarto. — Eu vi os investimentos que fez hoje. Eu tenho
uma esposa que me torna ainda mais rico.

— Seu dinheiro, meu dinheiro e não ouse dizer o contrário.


— Sorri e ele tentou se aproximar. — Me chamou de balão e
quer um beijo? Um homem que quer qualquer intimidade
com a mulher não diz que ela está grande, redonda e com
fogo na bunda.

— Gosto da parte do fogo na bunda. — Ele tirou meu braço


da frente e me deu um beijo gostoso na boca. — E o que
vamos fazer com esse fogo?

— Eu? Vou voar. E você?

Abdar não conseguia ficar sério, acabou rindo da troca


boba e caiu deitado ao meu lado. Era tarde e ele saiu do
quarto antes do amanhecer. Nós mal nos falamos. Veio me
ver uma vez e mandou mensagem, preocupado com o
inchaço.

A demanda de trabalho estava cruel, mesmo com todo


suporte da equipe a nossa

disposição. Ele chutou os sapatos longe e ficou falando


baixinho, bocejando, não levou cinco minutos para estar
dormindo.

Ainda iria levantar, porém, puxei a colcha sobre ele e saí do


meu lugar, levando o computador para a mesinha do
escritório. Abdar mexeu em alguns arquivos antigos e não
colocou no lugar. Ele sempre deixava para depois. Ali, no
entanto, não era como o restante dos cômodos nos quais
os funcionários arrumavam tudo. Nosso quarto tinha um
acesso restrito e qualquer bagunça extra sobrava para
mim.

Peguei as folhas, alinhando e uma foto me chamou


atenção.

Abdar estava ao lado do pai, recebendo alguma medalha.


Ele era alto, forte, o rosto denunciava o quão jovem era.
Seus dois falecidos irmãos eram adolescentes magrelos,
sorridentes, ao fundo, estava Jamyr. Mohammed não
estava na foto, provavelmente jovem demais para um
evento ou outro motivo.

Eu sabia que Omar e Said tinham vinte e quatro e vinte e


dois anos quando morreram, Abdar tinha vinte e seis e
Jamyr, na época, deveria ter vinte anos. Ele não havia
mudado muito. Seu olhar irritadiço estava estampado.

Eu queria dizer que havia um motivo oculto por trás da


expressão, talvez uma briga entre irmãos ou um puxão de
orelha do pai. Meu coração insistia em dizer que não.
— Dormi por uns minutos. Preciso comer e tomar banho,
estou cansado.

— Abdar parou atrás de mim e me abraçou. — Foi uma das


minhas corridas.

Ganhei peso depois disso…

— Com toda certeza — brinquei, ainda com desconforto. —


Por que Jamyr está irritado?

— Quando ele não está? Basta olhar em seus olhos que ele
sorri só para agradar.

Meu pai me ensinou que pessoas assim eram falsas,


porém, não disse nada.

— Ele provavelmente estava com ciúme ou irritado porque


não ganhou nenhuma medalha do nosso pai. Sempre foi
um pentelho. — Beijou meu pescoço e foi tirar a roupa.

Guardei a foto e o restante das coisas, aproveitei a nudez


do meu marido e seu banho cheiroso, ainda belisquei um
pouco de seu lanche. Ele não reclamava mais do meu
apetite porque tinha um motivo que crescia saudável
dentro de mim. Não foi uma gravidez planejada. Nós
aceitamos com amor e cada mudança era uma novidade,
porque eu pensei que daria tempo de ler mais sobre
maternidade e a mudança do corpo durante uma gravidez.

Aceitei lidar com ela a cada novo momento com paciência.


Era o que me restava, já que não fui muito atenta ao
contraceptivo como deveria.

Nós deitamos para dormir e eu estava no melhor do sono


quando Abdar sentou bruscamente na cama. Ele ficou
parado, olhando para o nada.
— Um funcionário dias antes da corrida me disse que meu
carro não estava bom e não daria tempo de arrumá-lo,
então, ele falou sobre meu novo carro e seria apenas
alguns ajustes para colocá-lo na pista — ele sussurrou. —

Eu não prestei atenção nele, arrogante demais para olhar o


rosto de um funcionário. Apenas disse que ele tinha que
colocar um carro lá e ponto final, voltei para meu telefone
e o ignorei. Se não foi um acidente, ele pode ser o homem
que matou meus irmãos. O homem que queria me matar.
Na época, havia muitos estrangeiros nas oficinas. — Fechou
os olhos e passou a mão no cabelo. — Será preciso
atualizar o banco de dados com as informações de todos os
funcionários.

Abdar saiu da cama apressadamente e eu me enrolei no


roupão, tentando me cobrir ao máximo para segui-lo. Ele
pegou seu telefone e ligou para Kalil, indo até o antigo
escritório do pai, do outro lado do palácio e desbloqueando
a porta. Ele começou a revirar as gavetas, armários e abriu
as portas, tirando vários álbuns de fotografias.

— O que está procurando?

— Meu pai tinha fotos de momentos antes do acidente em


algum lugar. Eu quero saber se dá para reconhecer alguém
ou… — Abdar estava muito nervoso.

— Não acredito que essa memória veio com um sonho.

Kalil entrou no escritório e nos olhou confuso, reparando na


bagunça. Ele não me deu um segundo olhar, logo ajudou
Abdar na busca. Ao encontrar o

álbum de fotos, eu senti a dor ao ver os meninos apoiados


no capô do carro com sorrisos empolgados. Abdar passou
pelas imagens reveladas até achar uma que toda equipe
estava reunida na frente das tendas.
— Ele não está aqui. Não como lembro… eu preciso das
imagens. Preciso de todos os vídeos! — Abdar bateu na
mesa. — Meu pai guardou em algum lugar?

— Não sei. Nós viramos algumas noites assistindo na


época, só não tenho certeza onde ele possa ter guardado.
Seu pai desistiu quando se tornou demais —

Kalil respondeu. Um pai assistindo vídeos dos filhos horas


antes da morte era demais até para mim, que não os
conheci. Abdar me deu um olhar que demonstrava o
conflito de emoções, atravessei a distância que nos
separava e segurei sua mão. — Irei encontrá-las. O que
acha que tem relacionado aos relatórios que te dei? A
digital não respondeu a nenhum funcionário do palácio nos
últimos doze anos.

— Ele não era um funcionário, só podia estar aqui


disfarçado e já na intenção. A questão é que eu não sofri
mais nada ao longo dos anos, não que eu saiba ou meu pai.
O que realmente aconteceu? O que está acontecendo
agora? —

Puxou os cabelos, exasperado. Seu olhar estava alterado,


com as rugas da testa franzida.

— Tudo bem, acalme-se. Kalil irá procurar as imagens e


agora que temos um caminho, as informações estão
surgindo e afunilando. Vamos descobrir. —

Esfreguei suas costas.

Fazer Abdar se acalmar foi difícil, ele estava dentro de uma


espiral de dor que foi ignorada por muito tempo. Era fácil
associar o luto como algo que, com o tempo, seria
facilmente dissolvido entre saudade e aceitação. Descobrir,
depois de anos, que a verdade era muito cruel e
assustadora, não era nada fácil de engolir. Eu entendia sua
agitação e necessidade, mais do que nunca compreendia
sua obstinação em descobrir quem matou seus irmãos e
quem estava tentando nos matar.

Sentei na mesa, cruzando minhas pernas, olhando as


fotografias com calma enquanto os dois discutiam
possibilidades de onde poderiam estar as filmagens. Minha
atenção mais uma vez parou em Jamyr. Em nenhuma das
imagens anteriores ao acidente, ele estava presente,
apenas nas que pareciam ter sido tiradas da pasta de
investigação como recortes de jornal. Ele deu uma
entrevista no local, segundo a matéria, o príncipe ainda
não sabia que os irmãos haviam falecido a caminho do
hospital.

Se ele supostamente correria com um dos carros, por que


não estava em lugar nenhum? E por que estava me
perguntando sobre o paradeiro dele se não tinha nada a
ver com o foco da noite? Balancei a cabeça e me
concentrei no que realmente importava, deixando minha
implicância com Jamyr de lado. Não era o momento de
alimentar besteiras.

— Encontrou alguma coisa? — Abdar voltou para a mesa.

— Me distraí me perguntando onde Jamyr estava. Será que


ele viu o acidente?

— Não. Ele se sentiu mal e saiu do acampamento por um


tempo, indo até a cidade mais próxima para comprar
remédios. Por que?

— Nada. Teria sido horrível se ele tivesse assistido tudo…

Abdar inclinou a cabeça para o lado, ciente que respondi


qualquer coisa, menos o que realmente estava pensando.
Felizmente, para nós dois, ele não insistiu, pegou as
fotografias e seguiu procurando o rosto do homem que
estava em sua memória e eu voltei a ajudar. Kalil estava
nos observando de perto, nós trocamos um olhar, ele
sustentou, cheio de questionamentos e eu senti que talvez,
eu não fosse a única com o sexto sentido sussurrando
coisas que pareciam absurdas.

Capítulo 31 | Abdar.

— Está monitorando-o? — questionei a Kalil, que sério, me


deu um aceno.

— Conseguiu a localização dele nos últimos meses?

— Apolo conseguiu com o amigo de vocês algumas coisas,


onde o telefone esteve, relógio, carro, mas não tudo. Há
lapsos de tempo entre um lugar ou outro que precisarão
ser analisados com cuidado — Kalil me respondeu
honestamente. Peguei meu café e bebi, estremecendo pelo
gosto forte. Eu pedi para Rawan e ela levava tudo ao pé da
letra.

— Tem certeza que quer seguir esse caminho?

— Certeza? Não. Eu me sinto um traidor. — Balancei minha


cabeça. —

Não posso ignorar as evidências. Por que meu pai


escondeu isso de todos nós?

— Ele tinha perdido dois filhos e ainda culparia um


terceiro? Acho que ele escolheu não perder mais nenhum.
Preferiu fechar os olhos para uma possível verdade que
nenhum pai gostaria de enfrentar. — Kalil saiu de perto da
janela.
— Pode ser apenas uma coincidência. Pode ter sido sem
querer…

— Espero que não seja o que estamos pensando. Será


devastador para minha família.

Parei de falar quando vi a figura de Rawan se aproximando.


Ela estava segurando um livro, falando sem parar e meu
irmão, Mohammed, nossa sombra, estava logo atrás. Me
perguntei como ele reagiria ao saber de tudo. Na época,
era

o mais jovem de todos os meninos, com dezesseis anos e


muito quieto. Sempre com o nariz enfiado nos livros.
Quando desaparecia, sabíamos que estava na biblioteca do
centro ou em nossa própria.

Os dois se aproximaram ainda mais quando Mohammed


descobriu que Rawan estava grávida. Ele se tornou um dos
guardiões da minha esposa. Meu sogro praticamente se
mudou para o palácio e Iasmin nunca perdia Rawan de
vista. Minha mulher estava enlouquecendo por ficar em
casa e, obrigatoriamente, reduzir sua carga de trabalho. A
companhia do meu irmão aplacou um pouco sua ânsia de
sair e ali dentro, poderia manter os dois seguros.

— O sorriso em seu rosto é mais belo que todas as joias do


mundo — falei meio galante quando Rawan parou próximo
o suficiente para me ouvir. Ela fechou o livro e franziu o
olhar. — Sua beleza é o tesouro do mundo.

Crispando os lábios, segurando o riso, balançou a cabeça


suavemente.

Mohammed franziu o cenho e me olhou.

— Esse tipo de cantada dá realmente certo ou depois de


casados podemos falar qualquer coisa para uma esposa
que ela vai gostar?

Rawan explodiu em uma gargalhada.

— Não leve seu irmão a sério e não o use como parâmetro


de cantadas.

— Me leve a sério. Olha a mulher com quem me casei —


pontuei bem devagar. Rawan bufou, incrédula. Ela não
acreditava em mim quando dizia que

se a visse na multidão, iria querer pescar. O pai dela fez


questão de escondê-la, ou já teria chovido propostas de
casamento desde a sua adolescência. Era linda.

Seu rosto de boneca, com lábios preenchidos, nariz


arrebitado que muitas mulheres pagavam para ter,
covinhas tentadoras quando sorria, olhos hipnotizantes que
pareciam uísque sem gelo e eu adorava quando penteava
os cílios, acentuando-os ainda mais.

— Nós já definimos que nosso casamento foi…

— Bla bla bla. — Cortei, rindo. Rawan se aproximou e a


puxei para o meu colo. — Sortudo sou eu, que o destino
escolheu para ser seu.

— Rimando antes do almoço. — Ela sorriu. Tentava soar


brava e difícil, mas sempre falhava, caindo na minha com
um sorrisinho. Ganhei um beijo suave nos lábios. — Não
quero te atrapalhar, até porque, preciso que se retire do
trabalho mais cedo. Mohammed e eu estamos mapeando
alguns bons livros na biblioteca e depois, ele irá me ajudar
com a gravação do vídeo para a reunião da fundação.

— Se cuidem.
— Se eu me cuidar mais um pouco, precisarei viver dentro
de uma bolha… Oh, espere! — Ela parou, colocando o
indicador no queixo com um ar travesso. — Já estou dentro
de uma.

— Muito engraçado — ironizei com uma risada falsa.

Revirando os olhos, ela saiu sem se aprofundar no assunto


que era nosso ponto sensível nas últimas semanas. Ela
entendia os riscos, mas não aceitava se tornar uma
prisioneira. Rawan conquistou a liberdade por um curto
período e era difícil voltar a sentir que não tinha controle
da própria vida e autonomia para ir e vir. Como mãe, era
feroz e protetora, estava seguindo cuidadosamente todas
as indicações médicas. Como esposa, era parceira e leal,
mas não submissa. Não havia nada submisso em seu
corpo, nem na cama.

Ainda não podia contar a ela sobre minhas recentes


descobertas. O que meu pai escondeu era mais que uma
suposição. Ele encontrou um caminho e recuou, com medo
do que veria no final. Entendia, mas não aceitava. Sua
escolha em me privar dessa verdade e proibir Kalil de ir
adiante foi errada não só com nossa família, mas com
nosso povo. Me perguntei se eu, como pai e líder daquela
nação poderia cometer o mesmo erro na desculpa de ser o
melhor.

Para quem? Certamente não foi para memória dos meus


jovens irmãos, da minha falecida mãe que tudo que fez na
vida foi dar filhos homens ao meu pai.

Não estava fazendo bem a mim, o sobrevivente do caos e


destruiria meu irmão caçula e minhas inocentes irmãs, a
mais velha tinha pesadelos com a minha morte e as mais
novas estavam percebendo a tensão em todos nós. Meu
pai falhou em sua escolha de proteção.
Ele criou um monstro insaciável, ciente que jamais
receberia punição pelo que fez.

Toda Al-Abadi estava sentindo a pressão de atentar contra


a vida da minha família. Era um crime com pena de morte.
Eu jamais permitiria que o povo pensasse que minha
bondade podia ser confundida com benevolência. Não ia
perdoar traição e, muito menos, ataques de ódio. Eles
pensaram que as mudanças no país me fariam não ser
firme em minha liderança militar. Liberdade e justiça
caminhavam juntas, mas ali não era uma democracia.

No final do dia, encerrei a ligação com Jamyr, com o


estômago doendo.

— Você é um homem que tem sorte de o amar muito. —


Rawan invadiu meu escritório. — Como assim as tropas
estão indo para as fronteiras?

— Os países vizinhos sabem que é para conter o grupo de


oposição.

— Diplomaticamente falando, eles podem saber, não


significa que aceitem!

— Me desculpe por não ter falado sobre, sei o que estou


fazendo, não quero te preocupar. Temos um filho a
caminho, Rawan. Você precisa descansar!

Ela ia falar e parou, fazendo um beicinho.

— Acho que não é só um. — Uniu as mãos. — Abri o


resultado do exame, não aguentei e junto com seu irmão,
nós pesquisamos o que significavam as informações ali.

— Nós já falamos sobre essa ansiedade em querer saber


tudo antes do tempo.
— Ok. Me processe. — Sorriu torto. A maldita sabia que eu
não moveria um dedo em sua direção, a não ser que fosse
de amor. Ela me tinha da cabeça aos pés na palma da mão
e ainda estava gerando meu bebê. Possivelmente dois.

Abri um sorriso, feliz pra caralho com a ideia de vir dois de


uma vez só. Ela não resistiu e se jogou em mim. — Posso
conseguir que nossa consulta seja mais cedo. Que tal? —
Esfregou o nariz no meu.

— Avise ao seu médico que estaremos lá em trinta


minutos. — Beijei seus lábios.

Quando fomos capazes de ouvir os batimentos cardíacos, o


médico solicitou um exame para verificar algumas coisas.
Ele não entrou em detalhes do motivo, alegando ser rotina.
Na hora, percebi que ele franziu o cenho, mas não quis
deixar Rawan histérica com suposições. Durante a
consulta, ele abriu o exame e apenas sorriu, nos
conduzindo à sala de exames e fez uma nova
ultrassonografia.

— São dois? — Rawan não aguentou e segurou minha mão,


apertando meus dedos.

— Sim, são dois — ele confirmou.

Rawan me deu um olhar tão feliz que, por uns segundos,


meu coração parecia que ia explodir no peito e eu entendi
que aquela sensação avassaladora era amor crescendo
dentro de mim. Dois bebês. Não me importava com o sexo.

Era simplesmente lindo saber que nosso amor se


multiplicou em dois.

A gravidez gemelar passou a dar sentido em mais de um


sintoma que Rawan sentia e nós não entendíamos porquê
de tamanha intensidade. Ela precisaria redobrar os
cuidados, porque era naturalmente de risco e com isso, não
ficou nada feliz com suas novas restrições. Estava liberada
para algumas atividades físicas e tratamentos de estética.

— Pode acreditar, que pouco mais de um ano depois do


nosso casamento, recebemos dois frutos de uma só vez? —
Ela colocou a mão no ventre, a caminho do palácio.

— Me sinto abençoado.

— Nós somos. — Rawan sorriu, com os olhos brilhando. —


Meu pai vai entrar em puro êxtase. Ele está aprendendo a
demonstrar seus sentimentos.

O preço de ser quem eu era estava saindo muito alto e


tudo que realmente esperava era conseguir manter Rawan
e nossos filhos seguros de quem não podia aceitar as
escolhas do destino. Nada era mais importante do que
manter minha família viva e feliz.

Capítulo 32 | Rawan.

— Ele desapareceu. — Ouvi Kalil falar baixo com Abdar, na


sala ao lado.

— Seus guardas o perderam de vista depois de uma breve


perseguição. De alguma maneira, deve ter desconfiado que
não estava sendo totalmente protegido, apenas contido em
um lugar.

— Ele não vai desaparecer para sempre. Coloque todos os


homens e quem mais encontrar para procurá-lo. Jamyr não
vai sumir até que eu saiba tudo o que aconteceu no
acidente.

— Com isso, digo que o homem que foi preso pelo atentado
a bomba em nossa equipe, reconheceu esta figura dos
radicais dentre os que pagaram a ele.
— Kalil seguiu falando. Saí do meu lugar e espiei pela
porta. Havia uma foto na mão do meu marido. — Tomei a
liberdade como seu secretário particular em usar o
software enviado por seu amigo. É o mesmo homem do seu
retrato falado.

Ele está mais velho, com algumas cicatrizes e bronzeado.


Vivendo entre os radicais há muitos anos, conseguiu passar
despercebido.

— Eu quero ele e quero hoje — Abdar comandou friamente.

— Sim, senhor. Já enviei a imagem para nossa equipe de


confiança. Eles sairão em alguns minutos — Kalil confirmou
e me percebeu espiando. — Peço licença.

— Pode sair daí, Rawan — Abdar falou, sem virar o rosto. —


Não estava

dormindo?

— Suas crianças me fazem sentir fome de duas em duas


horas —

resmunguei e me aproximei com cuidado. Abdar estava


esperando que eu explodisse porque aquelas informações
eram novidades aos meus ouvidos, mas, não se tratava de
qualquer pessoa, se entendi corretamente. Era o irmão
dele.

Parei à sua frente e seu olhar me devastou.

Era um misto de raiva, tristeza e incredulidade.

— Não haverá perdão a quem trair a minha família. — Sua


voz era dura.

— Não haverá perdão para tanta dor, não importa quem


seja. Farei de tudo para proteger a você e aos nossos filhos.
Eu não vou hesitar.

E o pior de tudo, era que tinha certeza que Abdar


realmente não perdoaria.

— O que sabe até agora?

— Kalil e eu encontramos informações que meu pai


escondeu. Foi durante nossas buscas pelos vídeos do
acidente, toda filmagem que a mídia estava fazendo
naquele dia. — Seus olhos eram como puro fogo de raiva.
— Meu pai me disse para não investigar porque ele chegou
até Jamyr. Em um relatório oficial, um dos nossos
investigadores particulares, encontrou pagamentos do meu
irmão ao homem que sabotou meu carro naquela corrida.
Há notas com a letra do meu pai sobre Jamyr ter gasto
dinheiro da herança de minha mãe.

Sentei bruscamente na poltrona à sua frente, como se


tivesse perdido as

forças nas pernas. A família da mãe de Abdar era muito


rica, ela nasceu na Turquia como a minha, porém, seu pai
era um empresário britânico que lhe deixou uma herança
ao falecer e quando morreu, todos os filhos receberam suas
partes.

— Seu pai parou a investigação por que não queria ter


certeza?

— Ele fechou os olhos. — Abdar recostou na poltrona e


olhou para o alto.

— Já tem uns dias que estou refletindo muito sobre isso. Ele
nunca permitiu que Jamyr saísse de perto e o mimava
excessivamente, dando a ele absolutamente tudo que
queria. Sempre que eu propunha algo e meu irmão era
contra, meu pai entrava em desespero até encontrar um
meio termo. Ele mantinha Sarai e as meninas longe de
Jamyr. Ele sabia que meu irmão tentou me matar, que
matou dois de nós… pelo que?

— O que aconteceria se você e os dois que te antecediam


morressem, Abdar?

Meu marido ficou arrepiado. Foi duro o que perguntei.

— Jamyr queria mais que ser o quarto filho — concluí.

— Não faz a porra de um sentido. Ele nasceu muito depois


do direito de liderar Al-Abadi!

— E ele precisa aceitar isso?

— É insano pensar que seja só para ter o meu lugar. Tem


mais por trás

dessa história, amor. Eu sinto isso dentro do meu peito.

Saí do meu lugar e sentei em seu colo, abraçando-o.

— Ainda peço que seja um engano — falou baixinho, dando


um beijo em meu pescoço. Ele acariciou minha barriga, que
estava despontando e já precisava de mais roupas para
esconder. Desde que eu passei a gravar vídeos e participar
de reuniões online, os rumores que minha beleza foi
cruelmente prejudicada com o acidente foram substituídos
pelo meu ganho de peso. Não havia engordado muito,
apenas o suficiente para minhas bochechas ficarem
preenchidas.

Mohammed nos encontrou em silêncio e abraçados. Ele fez


menção de sair.

— Fique. Como você está hoje? — Abdar o olhou com


carinho.
— Amanheci melhor. Odeio ficar doente.

— Ficou jogando futebol sem camisa na chuva, seria difícil


não gripar —

ralhei e ele riu.

— A chuva chegou depois, não iria parar por causa dela. —


Sorriu torto.

Deixei os irmãos conversando. Abdar parecia precisar de


um pouco de proximidade. Mohammed não fazia ideia de
tudo que estava acontecendo e era melhor assim. Por
enquanto, era algo incerto, conjecturas, que poderiam ser
esclarecidas. Meu coração seguia alertando que havia mais
por vir e eu mal cheguei à porta do quarto quando uma
explosão soou tão forte que as paredes

tremeram. No susto, me desequilibrei.

Abdar correu na minha direção, me abraçando, os guardas


invadiram o quarto e fizeram um perímetro ao nosso redor.
Mohammed apontou para a janela e na avenida principal,
havia muita fumaça. O falatório ao redor fazia quase
impossível de compreender exatamente o que estava
acontecendo e eu não precisei de mais nada até que ouvi:
radicais se aproximando.

Havia um caminho seguro a seguir e um protocolo quando


algum membro da família era ameaçado. Abdar gritou
ordens e fui levada para um corredor, junto com
Mohammed, meu pai e Iasmin. Eu não sabia onde eles
estavam dentro da ala e confusa com a correria, não me
dei conta quando foram parar ao meu lado. Dali, havia
carros esperando. Meu pai e eu entramos em um. Iasmin
foi com meu cunhado. Abdar foi levado para o carro da
frente com Kalil.
Assustada, minha garganta estava seca e meus dedos
gelados. Percebi que estava com os braços na frente da
minha barriga de maneira protetora e foi muito difícil não
ficar enjoada na velocidade que os carros seguiam.

— Esse não é o caminho da casa segura — comentei


baixinho.

— Os protocolos de segurança mudaram a partir dos


últimos ataques. —

Meu pai segurou minhas mãos. — Está pálida e gelada.

— Não me sinto bem — sussurrei, com o coração


martelando no peito.

— Vai ficar segura e nada acontecerá com suas crianças —


me garantiu e

simplesmente comecei a chorar. — Acalme-se, os bebês


sentem a sua aflição.

Seja forte por seus filhos.

— O que está acontecendo, baba? — Solucei e ele só me


apertou em seus braços.

Quando o carro parou e Abdar abriu minha porta correndo,


me encontrou no colo do meu pai como uma criança. Ele
ajoelhou e me puxou, sussurrando que tudo ficaria bem.
Percebi que estávamos no aeroporto privado. Havia uma
comoção em nos fazer sair dali o mais rápido possível.
Assim que as lágrimas deram uma pausa, meu marido me
beijou apaixonadamente.

— Nos vemos em alguns dias — prometeu e ofeguei.

— O quê? Está me enviando para longe e vai ficar?


— Não vou me esconder e permitir que eles pensem que
podem me intimidar. Al-Abadi não tem um líder covarde.

— Você vai ser pai! É meu marido e tem que ficar em


segurança!

— Para que meus filhos nasçam em um lugar seguro, terei


que ficar. Vá com seu pai e meu irmão. Vocês ficarão em
segurança até que possam voltar. —

Segurou meu rosto. — Te amo mais que tudo, você é o meu


sol. — Me beijou mais uma vez.

— Abdar…

— Confie em mim.

— Eu confio — sussurrei com as lágrimas escorrendo pelo


meu rosto. —

Eu te amo. Nós te amamos.

Sem se importar com a plateia, ele beijou meu ventre e


sussurrou que os amava. Meu pai abraçou meu marido e
me levou para a aeronave. De longe, vi Abdar abraçar
Mohammed. Meu cunhado estava chorando, ele era
emotivo e não escondia. Nós ligamos nossas mãos e
embarcamos. Foi muito difícil sair, ciente que Abdar ficou
correndo perigo. Fui atendida pelo médico da comitiva,
minha pressão arterial havia elevado um pouco, mas não
de maneira preocupante.

— Abdar acredita que ficaremos seguros em Londres. Eu


entendo a resistência com as mudanças, mas ele não está
ferindo a nossa crença, o amor e muito menos as nossas
tradições. Por que o odeiam tanto? — Mohammed balançou
a cabeça, cruzando os braços. — Eu deveria ser forte como
ele e meus irmãos, deveria ter ficado.
— Eu já não sei mais se tudo isso está acontecendo pela
mudança de Al-Abadi. O índice de aprovação é muito alto.
Abdar é mais querido que seu antecessor — Baba
comentou casualmente. — Você é corajoso à sua maneira,
Mohammed. Abdar precisa que cuide de Rawan.

— E eu vou cuidar e proteger — Mohammed prometeu e eu


sorri, confortando-o, mesmo que meu coração e mente
estivessem ainda em solo, com meu marido.

Tudo que eu tinha naquele momento era fé. A mesma que


nos fez sobreviver a todos os outros ataques. Meu marido
nasceu para liderar e a sua trajetória não seria curta e sim,
abençoada e próspera. Era uma fase. Esse era o fardo que
iríamos superar juntos.

Capítulo 33 | Rawan.

Londres foi meu lar por muitos anos e estar ali, depois de
casada, depois de tudo que vivi com Abdar, parecia que
minha moradia ali foi em outra vida.

Nós estávamos reclusos em nossa mansão há oito longos


dias. A cada segundo, sentia falta do meu marido e do país
que nasci. A vida em Al-Abadi estava voltando ao normal
porque, imediatamente, os ataques dos radicais foram
contidos pelo exército e pelo grupo de militares altamente
treinados, que faziam parte da equipe da realeza.

Houve um tanto de protestos daqueles mais tradicionais e


descontentes com as mudanças, mas logo um dos líderes
afirmou que, apesar de discordar dos decretos, não
apoiava nenhum ato de violência. Abdar fez diversos
pronunciamentos oficiais e nos bastidores, os homens que
foram presos estavam sendo interrogados. Quem meu
marido realmente queria foi pego há algumas horas e eu
estava aflita encarando o telefone, ardendo por notícias.

— Ele te ligou? Seu contato falou alguma coisa? —


questionei ao meu pai.

— Um interrogatório não dura cinco minutos, minha filha.


Levará horas até que Abdar obtenha informações
concretas, isso se conseguir com que o homem fale.

— Não irei dormir. E se ele confirmar que Jamyr pagou para


causar o acidente? — sussurrei, não querendo que
Mohammed me ouvisse se estivesse

passando pelo corredor do meu quarto. Mesmo assim, a


porta foi aberta. Meu cunhado estava carregando uma
bandeja com pipoca e latas de suco, para nosso horário do
cinema. Ele saiu para atender sua namorada (ou algo como
isso) e foi preparar nossos lanches.

— Natália vai bem? Ela é muito bonita. — Disfarcei. — E


simpática.

Estou ansiosa para conhecê-la pessoalmente.

— O que Jamyr fez? — Mohammed colocou a bandeja na


mesa. — Me perdoe, cunhada. Você se tornou uma irmã
para mim, mais próxima até que a minha de sangue e eu
rogo que não me faça de tolo. Por favor, não minta.

— Talvez seja uma conversa que Abdar deveria ter com


você. — Baba entrou no assunto.

— Não. Eu tenho que saber o que está acontecendo. Desde


sempre todos me protegem de tudo. Quando meus irmãos
morreram, levei horas para ser notificado porque meu pai
não sabia como iria reagir! E agora isso? Jamyr
desapareceu por que matou nossos irmãos?
Mohammed não desviou o olhar do meu.

— Não é concreto, mas tudo que existe de evidências, que


não são muitas, levam diretamente a ele. Seu pai chegou a
começar uma investigação na época e decidiu parar
quando não houve mais nenhuma pista além da que levava
diretamente a Jamyr. Abdar passou a desconfiar ainda mais
depois que Jamyr

fugiu dos guardas e desapareceu. Ele foi visto


recentemente em Paris e é tudo.

— Me aproximei e segurei sua mão, levando para o sofá.


Ele sentou ao meu lado, rígido, ouvindo atentamente tudo
que contei.

— Jamyr nunca foi certo. Ele sentia muito ciúme de Abdar e


várias vezes presenciei discussões dele com papai sobre
beneficiar Abdar em tudo. Nunca entendeu que nosso
irmão tinha um grande futuro como mais velho e também,
um enorme fardo. — Mohammed recostou no sofá. —
Nunca pensei assim, nunca imaginei minha vida sem meus
irmãos. Foi doloroso demais perdê-los e agora saber que
um de nós é o causador desse sofrimento...

— Lembra se Jamyr teve alguma atitude estranha com a


morte da mãe de vocês?

— Eu era muito pequeno. Só sei o que uma vez minha babá


me contou, ela disse que minha mãe faleceu na cama em
seu quarto após o parto e ela só quis se despedir de Abdar.

Eu sabia daquilo e nunca olhei de outra maneira. Para


Abdar, era um trauma que ele mal conseguiu me contar e
ficava enfiado em um lugar no fundo de sua mente. E se
Jamyr lembrasse? Ele era três anos mais velho que
Mohammed e foi um evento traumático, a mãe em horas
de parto e depois, falecendo. Não seria difícil uma criança
lembrar e sofrer. E se ele quis se despedir e foi negado? E
se viu o irmão entrando e ficando com a mãe em seus
últimos minutos de vida?

Lembrava perfeitamente do dia que meu pai e eu fomos


chamados no hospital para nos despedir. Os médicos
disseram que não havia mais nada e ela estava em
conforto. Mamãe me pediu para sentar ao seu lado e
cantar antigas canções turcas que sua avó cantava quando
era criança. Meu pai penteou seus cabelos e segurou sua
mão. Eu soube quando ela finalmente descansou da dor.

Foi onde a minha dor piorou e abriu um buraco dentro do


meu peito.

— Se Jamyr for encontrado, ele será morto — Mohammed


falou do nada.

— Não pense sobre isso…

— Abdar tem que fazer o melhor para proteger a si mesmo,


você, as crianças e Al-Abadi. Nem sempre o melhor é
bonito como o paraíso. Jamyr assinou o seu destino quando
cometeu esses atos e a mim só cabe lamentar.

Era doloroso pensar no caos interno que Mohammed e


Abdar estavam passando. Eu não sabia mais o que dizer.
Segurei a mão dele e tentei distraí-lo, fazendo piadas sobre
o quanto sua namorada era bonita. Ela tinha vinte e um
anos e era modelo, eles se conheceram em uma festa na
Itália. Sempre que Mohammed viajava, era para vê-la nos
desfiles ou nas semanas que ela ganhava de folga. Ambos
eram discretos e não postavam muito nas redes sociais, a
maneira que ele falava com ou sobre ela, era fofa e
romântica.

A conversa foi superficial para tentar amenizar o clima. Nós


fomos dormir cedo, cada um em seu quarto, guardas do
lado de fora e o circuito de segurança ativado.

Enviei uma mensagem para Abdar antes de dormir e ele


não respondeu, provavelmente ocupado demais para olhar
o telefone. Me encolhi debaixo das cobertas, acariciando
minha barriga, conversando baixinho com meus bebês e
com tranquilidade, adormeci. O sono não veio
profundamente, estava acordando com qualquer barulho e
uma sensação esquisita me fez abrir os olhos e procurar
algo na escuridão.

Peguei meu telefone e não havia nada de Abdar. Meu pai


enviou uma mensagem, dizendo que ia dormir e se
precisasse, era só ligar ou ir até seu quarto. Mohammed
estava online e enviei uma carinha brava, mandando-o
dormir. Minha bexiga alertou a crescente necessidade de ir
ao banheiro. Não acendi a luz principal, com o caminho
iluminado pelo abajur e me aliviei.

Ao sair, me senti sendo observada e virei.

Jamyr.

Soltei um arquejo ao reconhecer sua presença, parado


próximo à varanda dos fundos, com a cabeça inclinada
para o lado, me analisando friamente. Ele moveu a mão
para cintura e tirou uma arma que eu jamais poderia dizer
qual era.

— O que está fazendo aqui?

— Quieta. Agora não é o momento de falar, Rawan. — Sua


voz era fria. —

Só quero tirar uma foto sua e enviar para meu irmãozinho e


dizer a ele que estou
com você e o bebê infeliz que carrega em seu ventre. —
Completou entredentes.

— Abdar está procurando por você. Ele está buscando


maneiras de te proteger. — Comecei a falar e ele me olhou,
cético. — Ele só quer cuidar de você, como um irmão
preocupado.

— Acha que vou cair nesse assunto? Abdar já sabe que eu


sabotei o carro que matou nossos irmãos e provavelmente
está a caminho de saber todo o restante. Nada disso
importa agora, porque tenho você e logo o terei. Ajoelhe-
se.

Me deixe mostrar seus olhos sempre arrogantes


demonstrando medo e sua pose de soberania, substituída
por tremor. — Sorriu torto.

— Abdar ama você. Ele só quer ser seu irmão.

— Ele ama a si mesmo e a ninguém mais. Sempre foi


querido por todos, o preferido, o mais amado… e agora, eu
vou tirar tudo que ele ama e vou destruir sua vida.

Jamyr não parecia delirante ou louco, ele estava estoico,


frio, como se estivéssemos conversando sobre economia
mundial e não sobre me matar para Abdar sofrer.

— Eu te dou dinheiro para sumir no mundo se me deixar


em paz —

ofereci, com o desespero crescendo nas minhas entranhas.


Se eu não estivesse grávida, talvez, não sentisse tanto
medo. Meu senso de preservação estava aguçado porque
tinha duas vidas dentro de mim. — Eu posso limpar minha

conta bancária em segundos. Basta permitir que pegue


meu computador.
— Não quero dinheiro. Não quero nada além de ver Abdar
sofrer!

— Por que? O que ele te fez?

— Mamãe o amava mais! Papai só queria exibir os feitos


incríveis e inteligentes do primogênito perfeito! Mohammed
só o idolatrava! Said e Omar nem me davam atenção,
porque para eles, era mais importante quando Abdar iria
aparecer em casa! Quando ele voltaria com presentes e
histórias alucinantes de suas viagens pelo mundo! Ele tinha
irmãos em casa e escolheu ser o melhor amigo de outros!
— Jamyr alterou um pouco o tom de voz. — Era para ele
estar sozinho naquele maldito carro! — Ele apontou a arma
e ergui minhas mãos. —

Calma, minha querida cunhada. Abdar vai assistir o vídeo


da sua morte. Mudei de ideia. Acho que te matar vai ser
mais divertido.

— Por favor, não faça isso — pedi baixinho.

— Ajoelhe.

— Não. — Fechei meus olhos.

— Ajoelhe, vadia! — Jamyr se aproximou.

A porta foi bruscamente aberta e eu fui jogada de lado no


chão, pelo impacto do corpo de Mohammed em mim. Bati
com a cabeça na ponta da cama, ficando brevemente
desorientada e ouvi o som de dois disparos, em seguida,
mais. Minha visão estava um tanto borrada e um zunido
crescia em meu ouvido.

Tentei sentar e vi o corpo de Jamyr caído, com um


segurança chutando sua arma longe.
— Senhora! Senhora! — Um dos guardas ajoelhou ao meu
lado, virei o rosto e vi Mohammed caído. Jamil, o chefe da
segurança da minha comitiva, gritava em seu rádio.

— Mohammed! — Me arrastei até ele. — Não! Não! Tem


muito sangue!

Alguém o ajude, por favor, ajuda! — gritei, tentando


segurar sua ferida e minhas mãos escorregavam. — Não,
não, acorda! Acorda! Nós temos que viajar juntos, lembra?
Eu preciso conhecer a Natalie, por favor, não me deixe! —
Sacudi seu corpo e fui puxada para trás.

Minha cabeça doía e meu estômago revirava de enjoo.


Jamil me mantinha longe de Mohammed enquanto
pressionavam a ferida. Meu pai estava gritando do lado de
fora, sendo contido. Virei meu rosto, focando em Jamyr e
seus olhos mortos me fitavam. Vomitei, nervosa, me
encolhendo no canto.

Jamyr tentou me matar e agora estava morto.

Capítulo 34 | Abdar.

Um homem alto, de cabelos curtos e corte militar se


aproximou e apertou minha mão. Ele faria uma breve
reverência, em respeito a mim, mas dispensei porque não
fazia sentido, não era obrigatório, apenas uma coisa
educada a se fazer. Sua mão tinha pontas de tatuagens
escondidas na roupa formal.

— Muito obrigado por vir me encontrar tão em cima da


hora. Eu acabei de chegar aqui e há muitas coisas a serem
resolvidas. — Comecei a falar e apontei para as cadeiras.
Kalil e meus guardas estavam no fundo da sala.
Ethan, Duque de Glouchester, me indicou aquele homem
para me ajudar em todos os trâmites necessários depois da
desgraça que aconteceu com minha família.

— Eu me sinto honrado em poder ajudá-lo em um


momento tão delicado quanto esse. Em primeiro lugar,
sinto muito por tudo. — Louis Basan Vacchi soou firme,
profissional. Dei um aceno. O nó na minha garganta ainda
tornava difícil engolir qualquer saliva. — Podemos começar
pelo preparo fúnebre e o translado do corpo. É a parte
burocrática e que demora mais, caso precise sair, podemos
lidar com as demais com calma.

— Claro. Podemos começar.

Minhas mãos tremiam conforme ele me passava o


procedimento e me desliguei totalmente. Estava ali de
maneira robótica, apenas acenando, assinando

e respondendo sem pensar profundamente, já que havia


uma confusão de sentimentos e pensamentos dentro de
mim que me impediam de me concentrar.

— Senhor, sua esposa acaba de acordar. — Kalil tocou meu


ombro suavemente.

— Eu vou aguardá-lo e já adiantarei o que resolvemos até o


momento. —

Louis se adiantou.

Saí do meu lugar. O hospital nos forneceu uma sala para a


reunião e minha equipe poder ficar instalada. Nos
corredores, a presença dos meus guardas era forte. Eu
ainda estava atravessado, sentindo uma fúria crescente no
peito pelo fato da segurança ter falhado. Ainda não
sabíamos como Jamyr entrou na casa, nenhuma câmera de
segurança externa o pegou e nada nos corredores.
Balancei minha cabeça e abri a porta. Rawan estava
encolhida na cama, coberta. Era possível ouvir o som dos
batimentos cardíacos dos nossos bebês.

Ela caiu e foi preciso monitorar, principalmente pelo surto


emocional que teve quando chegou ao hospital. Os
médicos acharam melhor nocauteá-la na cama, com medo
de um colapso. Quando cheguei, ela abriu os olhos,
murmurou um choro e a fiz dormir novamente, abraçando
apertado e jurando que tudo ficaria bem.

Me inclinei sobre ela e beijei sua testa. Rawan sorriu,


sonolenta e procurou me segurar. Abaixei a proteção da
cama e subi ao seu lado, muito grato que ela estava em
meus braços e não morta como o lunático do meu irmão
queria. A dor

era tão grande que não tinha palavras. Ela precisava dar
seu depoimento assim que estivesse lúcida.

— Nossas crianças estão bem?

— Estão se movendo. — Virei meu rosto para a tela ao lado.


— Um acabou de chutar o outro.

— Acho que serão dois travessos. — Bocejou.

— Cadê seu pai?

— Eu o expulsei daqui para tomar banho e comer alguma


coisa, sei que não vai demorar.

— Ele estava muito bravo quando cheguei. Ele gritou


comigo, nada coerente, provavelmente só precisava gritar.

— Papai não sabe como expressar suas emoções de modo


geral. Ele ficou muito nervoso. — Seria difícil não ficar. Se
moveu na cama, o quanto deu e beijou meu pescoço,
fechando os olhos novamente. — Cadê minha sombra
favorita?

— Iasmin está na residência, ela deverá vir agora que


acordou. Ficou para gerenciar outras questões que precisei
de sua ajuda. — Esfreguei suas costas, cobrindo-a. — Como
está se sentindo?

— Sonolenta. Não consigo pensar. Estou letárgica. —


Ergueu a mão e me beijou. Ela suspirou e logo voltou a
chorar, me agarrando apertado e eu permiti

que extravasasse o sentimento, que eu ainda não


conseguia. Minha família e meu povo precisavam de mim
forte, inteiro, quando a maré de pesadelo diminuísse, se
ainda fosse necessário, eu iria desmoronar.

Rawan cochilou novamente e ao acordar, sentiu fome.


Avisei a enfermeira, seu pai estava do lado de fora e me
sentei ao seu lado. Ficamos em silêncio, observando a
mulher que nós dois amávamos mais que tudo, sorrir para
o médico e conversar tão simpática e animada quanto
podia em seu estado. Ela não descontava seu humor ruim
em ninguém. Sempre que ficava furiosa comigo, eu havia
dado milhares de motivos ao longo do dia.

Depois de um tempo, meu sogro colocou a mão na minha e


apertou. Era seu modo de dizer que tudo ia ficar bem e ele
estava ao meu lado. Dei-lhe um aceno de volta e virei para
Rawan novamente, ela já estava sentada na beira da cama,
balançando os pés e parecendo surpreendentemente
jovem. Ela era jovem, a preocupação e o estresse após o
casamento haviam lhe endurecido, mas ali, vulnerável,
acabava por mostrar sua idade real.

Esperava que minha esposa tivesse paz a partir dali. Nós


íamos superar o medo e a dor.
Sua comida chegou e ajudei-a a comer.

— É a primeira vez que uma comida de hospital é


realmente boa. —

Enfiou o pãozinho em sua sopa de abóbora.

— Não é do hospital — cochichei, com uma piscada. —


Paguei a enfermeira para receber a comida para mim. Pedi
em um dos seus restaurantes favoritos.

— Sabia que o gosto era familiar! — Sorriu, com os olhos


brilhando. —

Cometendo atos de corrupção em solo britânico, alteza?

— Me disseram que não estava com dieta especial e ao


mesmo tempo, o hospital possui regras que proíbem entrar
comida de fora. Resolvi o problema com algumas notas. —
Pisquei e recolhi as vasilhas vazias, jogando fora. Rawan
pegou lenços para limpar as mãos, ela não podia levantar
ainda. A enfermeira já havia retirado parte dos monitores
ligados a ela, mas não todos. — O médico passou pela
manhã e disse que está tudo bem com as crianças. A
queda e a pancada na cabeça não deram em nada sério.

— Está dolorido, não muito. O acidente doeu muito mais. —


Ela segurou minhas mãos. — Ainda nada?

— Não. Ele não acordou. O médico me disse que o estresse


mental também impede um paciente de acordar depois de
uma longa cirurgia. —

Entrelacei nossos dedos. — Deve ter sido horrível para


Mohammed. No entanto, ele tem reflexos e atividade
cerebral, está respirando sozinho, só está dormindo.
— Eu tenho que ligar para uma pessoa e autorizar a vinda
dela aqui. O

nome é Natalie, ela é namorada do seu irmão. Tenho


certeza que já viu na televisão e deve estar preocupada.

— Eu vou pedir que alguém cuide disso — prometi e beijei


sua testa.

— Será que podemos ir vê-lo? Algo me diz que ele precisa


nos sentir ao seu lado. — Seus olhos encheram-se de
lágrimas.

— Nós iremos. Mohammed nunca vai ficar sozinho nessa


vida — garanti, com meu coração apertado. — Antes, eu
preciso permitir que a guarda real e a polícia de Londres
entrem para fazer perguntas.

— Estou pronta para dar meu depoimento e pronta para


dizer a todos de Al-Abadi que estou bem. — Rawan me
passou segurança.

Minha mulher era um exemplo de pessoa forte e


consciente. Ela nunca fugia dos seus deveres, nunca fazia
birra e nunca negava cumprir com a palavra.

Erguia o rosto, aprumava os ombros e se fazia de inteira


enquanto eu ficava por um fio. Rawan era meu equilíbrio.
Sempre que começava a escorregar, ela segurava a outra
ponta da corda.

Ela se ajeitou na cama, cobri suas pernas e esperei que se


sentisse apresentável. Abri a porta para que todos
entrassem. Louis parou ao meu lado, repassando algumas
informações recentes. A polícia de Londres tomou a frente.

Foi difícil ver Rawan chorar durante seu relato sem querer
chorar junto, correr para acalentar e mandar que todos
saíssem. Naquele momento, eu precisava agir como líder
que era e não como marido.

— Jamyr estava frio, ele parecia certo que me matar era a


melhor opção

para machucar Abdar. O diálogo aconteceu exatamente


assim e de repente, Mohammed entrou no quarto. Eu não
sei se ele foi me verificar porque mandei uma mensagem
mandando-o dormir. Ele é muito querido e preocupado,
imagino que tenha ido ver se estava com fome e se
ofereceria para preparar um lanche.

Foi assim nas noites anteriores… — Rawan secou o rosto.


— Foi simplesmente horrível o que aconteceu a seguir.

Seu relato foi confuso, talvez porque estava desorientada


com a pancada, mas o que ela disse batia exatamente com
o que Jamil nos disse. Ele estava fazendo rondas no andar
de baixo quando ouviu vozes, subiu a escada com mais um
segurança e foi quando ouviu os sons de disparo. O motivo
pelo qual decidiu verificar pessoalmente era que tanto
Rawan quanto Mohammed eram silenciosos durante a
noite. O pai dela que costumava ter a televisão um pouco
mais alta antes de dormir.

Quando o depoimento acabou, ela estava em frangalhos


novamente.

— Eu realmente sinto muito por tudo — Louis comentou ao


meu lado. —

Descobri como seu irmão entrou na residência e preciso


que me acompanhem para assistir a reprodução da minha
hipótese em meu computador.

— Já volto — prometi a Rawan, que ficou com o pai. Iasmin


estava no corredor. — Preciso que fique com ela agora.
— Claro, meu senhor. — Me deu um aceno e entrou no
quarto. O soluço de Rawan me rasgou mais um pouco. Eu
queria me isolar com ela em um lugar

remoto e criar nossos filhos longe do mundo cruel. Longe


de tudo.

Eu nunca pensei que Jamyr tivesse tanto ressentimento de


mim. Sempre o tratei bem, brincava com ele tanto quanto
brincava com meus outros irmãos.

Adorava voltar para casa e ficar com eles. Não era minha
culpa que meu pai havia escolhido me levar para longe
justamente por ser o filho mais velho e herdeiro do lugar de
liderança em Al-Abadi.

Se pudesse voltar no tempo, negaria ser o último ao lado


de minha mãe, uma dor que me assombrou por muito
tempo até que consegui enfiar a imagem dela, pálida e
morrendo, em um lugarzinho escuro na minha mente.
Apesar de mais velho, era um pré-adolescente e não tinha
maturidade para viver aquilo.

Como Jamyr podia me culpar por ser amado sendo que


nosso pai fazia tudo por nós?

Louis virou a tela do computador e mostrou a van de uma


empresa de mantimentos sendo verificada por nossos
guardas, porém, ele fez um cálculo que mostrava que a
van saiu muito mais leve do que entrou.

— Ao entrar, ela estava mais baixa, tanto que o


parachoque bate na rampa de subida. Ao descer, ela
estava mais alta. Segundo a simulação do meu assistente,
calculando o peso de todos os alimentos entregues listados
nessa nota, não seria o suficiente para que ela levantasse
tanto. — Ele apontou para tela de um gráfico, mostrando a
distância muito maior do fundo da van para o chão. —
Segundo informações do médico legista, seu irmão pesava
oitenta e sete quilos,

fazendo a simulação, bate com os cálculos gerados no


programa. Ele entrou escondido na van e de alguma
maneira, conseguiu ficar na casa o dia inteiro.

— Só havia duas pessoas na van. — Jamil franziu o cenho.

— Essas vans de carga possuem um compartimento de


refrigeração. Você não o veria se não fosse necessário —
Louis contrapôs. — Acessando as imagens da casa, só
consegui vê-lo em um pequeno reflexo na cozinha. Deve
ter se escondido em algum armário de carga ou produtos
de limpeza.

Minha casa tinha vários armários, era um lugar enorme e


nem sempre os funcionários abriam todos. Ele foi esperto,
aproveitando de falhas e situações que não seriam
pensadas normalmente. Apesar de precisar tomar uma
atitude em relação a esse erro, eu simplesmente sabia que
Jamyr faria qualquer coisa para me machucar. Ele estava
morto e ainda iria me assombrar por muito tempo.

O que poderia ter feito de diferente para meu irmão se


sentir amado por mim?

Capítulo 35 | Rawan.

Natalie se inclinou e beijou a mão de Mohammed, falando


com ele, acariciando seu cabelo e eu sequei as lágrimas ao
vê-la tão fragilizada no quarto com ele. Abdar cumpriu a
sua palavra e mandou alguém encontrá-la, o que não foi
difícil. Ela pegou o primeiro avião assim que soube pela
televisão e estava na recepção do hospital implorando para
entrar, mostrando fotografias dos dois juntos e afirmando
que era sua namorada.
Nós nos vimos por chamada de vídeo apenas uma vez e
mesmo assim, trocamos um abraço apertado. Ela estava
nervosa, com medo, um reflexo dos meus sentimentos.

Abdar parou atrás de mim e enfiou o dedo no meu bolso da


frente da calça, também olhando para o irmão sereno na
cama do hospital. Meu marido beijou meu ombro e apoiou
a testa ali, devastado. Ela saiu, secando o rosto. Apontou
que iria para o fundo do corredor, precisando ficar sozinha.
Mohammed teve uma ligeira piora durante a noite e ainda
não havia acordado após a cirurgia.

Abri a porta e sentei ao seu lado, segurando sua mão.

— Nós ouvimos as crianças nos últimos dias e assim, seu


irmão e eu decidimos perguntar qual era o sexo. Queríamos
surpresa, agora sabemos que teremos duas meninas. Elas
crescem forte aqui porque são abençoadas com um tio
incrível que salvou a vida da mãe delas. — Apertei seus
dedos. — Você

precisa acordar para que elas te conheçam, para que


ensine a jogar futebol na grama dos fundos do jardim, que
passe seu gosto incrível por livros e mostre a elas que está
tudo bem ser emotivo, sensível e apaixonado em um
mundo tão ruim. Eu preciso do meu amigo, do irmão
maravilhoso que a vida me deu. Você já descansou muito,
Mohammed. Agora acorde, por favor — implorei, sem
conter o choro dolorido. Abdar estava do outro lado, com o
olhar de dor. Ele havia perdido quase toda a família e seria
difícil levantar se perdesse também o irmão caçula. — Você
me disse que não era corajoso, mas, estava errado. Muito
errado. Um homem corajoso não precisa ser cheio de
músculos e sim, ter sua honra e caráter.

O quarto ficou em silêncio quando parei de falar. Só dava


para ouvir o respirador e um suave apito de uma das
máquinas de tempos em tempos.
Mohammed soltou um resmungo baixo, virando um pouco
o rosto e esperamos para ver se era um de seus
movimentos involuntários. Ele agitou os olhos, movendo os
dedos contra os meus e bufou, tossindo. Abdar apertou a
mão dele.

— Estou aqui, irmão.

— Meu braço… — Soltou um grunhido.

— Está tudo bem — garanti. Ele abriu os olhos.

— Salamaleico, Mohammed. — Abdar abaixou a proteção.


— Seja bem-

vindo de volta. — Beijou a testa dele. Mohammed moveu o


braço e agarrou Abdar, eles se abraçaram e choraram
juntos. Meu cunhado tentava falar. — Não.

Não force.

— Jamyr morreu? — Mohammed estava soluçando.

— A segurança entrou no quarto e… — Abdar parou de


falar. — Você salvou Rawan.

— Fui vê-la porque estava acordada e sabia que sentiria


fome, não queria que saísse do quarto. — Suspirou,
cansado. — Então eu ouvi ele mandando que ela
ajoelhasse. Só entrei no quarto com tudo…

— Serei eternamente grato, meu irmão.

— Ei, ei. Sem chorar. — Mohammed agarrou minha mão. —


Ou essas crianças serão insuportáveis de choronas —
brincou brevemente e fechou os olhos. — Estou tão
cansado...
Abdar correu para chamar os médicos e Natalie. Ela voltou
para o quarto correndo, abriu a porta e o abraçou apertado.
Me afastei para dar privacidade ao casal, encostando no
fundo e esperando a equipe médica entrar para verificá-lo.

Mohammed foi atingido no ombro e no braço, justamente


em um local que comprometeria os movimentos.

Os próximos dias foram gastos na recuperação de


Mohammed e eu não quis me concentrar em mais nada
além dele. Abdar precisou se ausentar várias

vezes, porém, Natalie, meu pai e eu não saímos muito do


hospital. Iasmin ficava cuidando de mim como sempre,
preocupada com meus enjoos e me obrigando a comer nos
horários certos. Sem ela, não sabia o que faria. Era meu
braço direito e esquerdo.

Quando Mohammed recebeu alta para ter cuidados em


casa, ele quis ir embora para Al-Abadi. Eu não conseguia
ficar na mansão e até troquei de quarto nas poucas noites
que dormi nela. Abdar imediatamente preparou tudo para o
nosso retorno, mas ao invés de seguir com a nossa família
para casa, ele me levou diretamente para o refúgio que
tínhamos na França. Natalie garantiu que não sairia do lado
do paciente que ainda estava meio depressivo e Iasmin
prometeu que cuidaria de tudo.

Meu pai foi o mais resistente em me perder de vista. Com


Jamyr morto e os radicais contidos, não havia mais um
perigo iminente. Até porque, Jamyr financiou os ataques
dos radicais e alimentou a revolta junto com outros três
conselheiros descontentes. A ligação entre o homem que
liderava os ataques e Jamyr começou muitos anos atrás,
quando meu cunhado, aos vinte anos, pagou para que o
carro fosse sabotado. Ciente que os planos haviam dado
errado, ele enviou seu cúmplice para as aldeias do sul,
onde poderia não ser reconhecido.
Abdar me contou muito superficialmente logo que chegou
e depois, consegui colher informações, quando tivemos
mais tempo juntos. Ele ainda não havia decretado a
sentença de nenhum dos envolvidos, era só formalidade,
mas a

pena por atacar a família real de Al-Abadi era morte, assim


como em muitos países com o sistema parecido com o
nosso.

Havia um silêncio quase incômodo ao redor da casa. Abdar


forrou um cobertor no jardim, para que eu pudesse pegar
sol, me serviu com frutas e suco, indo trabalhar no
escritório.

— Deveríamos estar em casa — falei quando ele voltou,


parecendo estressado.

— Não. Eu preciso de um tempo e de todas as coisas que


sou obrigado a fazer, eu respeitei isso, essa minha
necessidade de ficar sozinho, me reconectar com a mulher
que amo. — Deitou ao meu lado e me beijou. — Como
minhas três favoritas estão?

— Acho que elas dormiram depois desse lanchinho. —


Desci minha mão para a barriga. — Não sei se elas
mexeram ou foram gases, sei que enquanto comia, senti
algo.

Abdar ergueu minha blusa e colocou a mão no montinho


redondo da minha barriga. Seu sorriso de amor me encheu
de felicidade. Se ele queria ficar comigo e ter uma recarga
de boas energias, porque negaria? Aproveitando nossa
privacidade e a vontade de estar junto, me estiquei ao seu
lado e o beijei suavemente de primeira, apenas saboreando
o gosto de sua boca e sua língua na minha. Meu marido
não precisava de muito incentivo para atiçar o fogo.
Rolei para cima dele, sem parar de beijá-lo e soltei um
gemido com o belisco que deu em meu mamilo. Olhei ao
redor e segurei a barra da minha blusa, tirando-a. Ele
parou, só admirando meus seios ainda cobertos com um
sutiã branco. Estavam cheios, bem maiores do que o
normal e eu brincava que as crianças estavam sendo
geradas ali e na minha bunda.

Ele abaixou a renda do meu sutiã e tomou meu seio. Tão


sensível quanto estava, meu núcleo latejou de intensa
necessidade por ele. Rebolei contra seu pau, que com a
calça fina que usava, era possível sentir o quão duro ele já
estava por mim.

— Tira a calcinha — ele comandou. Antigamente, a ideia de


ficar seminua fora de um quarto me deixaria tímida,
depois, eu não me importava nem um pouco. Desinibida,
ergui minha saia longa e embolei na cintura, tirando a
peça.

— Incline-se para trás — pediu ao dobrar os joelhos e unir


as pernas, recostei em suas coxas e separei meus joelhos,
dando uma ampla visão para ele. — Linda e já brilhando
por mim. Só um beijo, amor.

Converse com meus hormônios grávidos e peça que eles


expliquem o tesão que sinto a todo momento. Soltei uma
risada que saiu como um gemido com seus dedos
explorando minhas dobras. Ele acariciou meu clitóris e
pressionou, mostrando o quanto estava molhada. Minha
paciência estava curta para preliminares, rindo da minha
pressa para abrir sua calça, me ajudou a ficar por cima.

Parecia que fazia uma eternidade e se fosse contabilizar,


para nós dois, foi muito tempo sem intimidade. Rebolei em
seu pau com vontade, tomada por desejo e amor, feliz por
estar com o homem que amava, meu marido e pai dos
meus filhos.
— Eu nunca direi o suficiente… — ele gemeu em meu
ouvido. — O

quanto eu te amo.

— Diga todo dia.

— Eu te amo muito. — Me beijou, segurando meu quadril e


me levando diretamente para o orgasmo. Ainda bem que
não tínhamos vizinhos, porque não fui nada discreta. Abdar
sorriu, satisfeito e apaixonado, gozando em seguida com a
expressão de prazer mais linda de todas. — Perfeita da
cabeça aos pés.

— Diria o mesmo, mas seus dedos são feios — brinquei,


ofegante e o beijei. — Eu te amo, Abdar Khan Al-Albadi
Hussain.

Ainda ficamos deitados por um tempo até que o vento frio


me fez começar a espirrar. Sendo mimada, ele preparou
um banho delicioso, uma bebida quente e deitou ao meu
lado. Nós mal conseguimos ficar juntos nas últimas
semanas, encontrando refúgio um no outro no meio da
madrugada e separados por vários dias.

No meio da noite, acordei para ir ao banheiro e seu lado da


cama estava vazio. Antes de ir atrás dele, aliviei minha
bexiga e o busquei pela casa. Abdar

estava na biblioteca, era meio vazia de livros, mas tinha


muitas coisas pessoais dele. Meu marido segurava uma
foto antiga, seu pai estava com todos os filhos homens,
pequenos. Mohammed ainda era bebê de colo. Jamyr
estava no colo de Abdar, sentados no chão, sujos de grama
e lama.

Toquei suas costas e beijei seu ombro, ele tremeu e me


abraçou, escondendo o rosto em mim. Levaria tempo até
que ele superasse tudo, mas eu tinha fé que ficaria bem.

Capítulo 36 | Rawan.

Estar de volta em Al-Abadi depois do nosso retiro a dois foi


relativamente tranquilo. Abdar ainda levou semanas para
diminuir a segurança ao meu redor e parar de reclamar
sobre minha necessidade de voltar ao trabalho. Dei-lhe
tempo para digerir e enxergar por si só. Havia batalhas que
eu escolhia lutar e outras, que era mais sábio permitir que
a pessoa enxergasse sozinha, principalmente alguém em
um estado de sofrimento.

Com paciência e amor, vi meu marido voltar a sorrir e


relaxar durante seu sono. Ele teve pesadelos e noites em
que optou ficar na sala, emburrado ao ponto de que
ninguém queria ficar perto dele, nem mesmo suas irmãs
pequenas.

Sarai ficou no palácio, afinal, o que a repelia dali não


estava mais entre nós e era bom para as meninas ficar por
perto até tudo se ajeitar. Sem um perigo nos cercando,
levei minhas cunhadinhas ao salão de beleza e brinquei de
boneca, imaginando que em alguns meses, minhas filhas
estariam em meus braços.

Percebi que a notícia do sexo caiu em nós em um momento


tão ruim que nós não havíamos comemorado de forma
decente. Abdar quis saber porque estava com medo que
fossem homens. A mente dele estava perturbada e ainda
assim, nunca parou de cuidar de todos e proteger a nação
que lhe foi confiada.

Não descansou e mesmo durante os dias que nos


afastamos, não parou. Eu tinha muito orgulho do caráter e
senso de honra do meu marido.
Quando comprei as primeiras roupinhas, ele segurou os
vestidinhos minúsculos, me olhou e choramos juntos.
Quase dois anos depois do casamento, nossas filhas
estavam chegando para completar nossas vidas.

— Gosto quando percebo que minha esposa está me


paquerando. — Ele virou o rosto ligeiramente. Nadia e Laila
corriam em círculos, com os braços para o alto. Sarai e
Natalie estavam na mesa, servindo comidas em seus
pratos.

— Paquero porque é lindo. — Pisquei. Ele sorriu e franziu o


cenho.

Mohammed estava sentado mais distante, olhando


fixamente para o braço caído no colo com desânimo.
Natalie sentou à sua frente e mostrou o que pegou,
oferecendo um pedaço de carne grelhada e ele negou,
falando algo baixo e pela sua expressão, estava triste.
Mohammed ainda não conseguia comer sozinho, seria
preciso fisioterapia para conseguir movimentar o braço.
Seus exames não mostravam nada, ele deveria conseguir e
os médicos acreditavam que era o psicológico o afetando.

— Não sei o que fazer para ajudá-lo. — Abdar suspirou.

— Temos que respeitar o tempo dele. Cada um reage à dor


e ao trauma de maneiras diferentes. — Estiquei minha mão
e apertei. — Nós estamos com ele.

Somos uma família e vamos superar todos os obstáculos


juntos.

Abdar beijou minha mão e foi buscar mais comida para


mim. Fiquei recostada no sofá, com almofadas, a comida
estava uma delícia e queria ficar
andando de um lado ao outro, dançando, aproveitando o
jantar. Minha barriga estava despontando para frente e
pesando, causando uma pressão na coluna e eu ainda
estava no segundo trimestre. Me perguntava o quanto mais
minha barriga seria capaz de crescer.

As mudanças no corpo não eram muito agradáveis. Estar


grávida era bem agridoce. Havia momentos que me sentia
linda e plenamente vivendo algo mágico, em outros, eu
queria gritar. Principalmente quando Abdar resolvia me
encher o saco e fazer piadas. Cada momento era único a
partir dali, dávamos valor à vida e à importância de amar
as mudanças do meu corpo porque havia se tornado a casa
das minhas filhas.

Com calmaria, as semanas passaram e minha gravidez se


desenvolveu cada vez mais saudável. Abdar e eu
ficávamos felizes a cada consulta, ao sentir os
movimentos, mesmo que uns chutes doessem. Às vezes,
ele acordava no susto com o movimento de uma delas
quando pressionava minha barriga em suas costas. Duas
garotinhas serelepes que dormiam bem pouco.

— Papai não vai dar carro se vocês não se comportarem —


Abdar sussurrou contra minha pele, no meio da noite.
Estava sem posição e sem dormir porque elas não
paravam. — Sosseguem para mamãe descansar. Já querem
nascer sem mesada, mocinhas?

Bati de leve em sua cabeça, rindo. Ele estava exausto,


voltou a dormir com o rosto próximo à minha barriga. Eu
amava seu carinho com a minha barriga.

Não existiria pai mais bobo e carinhoso que ele. Tirei a


sorte muito grande.

Pela manhã, no café da manhã, Natalie me deu um sorriso


cansado. Ela nunca mais foi embora depois que
Mohammed se acidentou. Sua carreira estava em pausa
até que ele melhorasse. Admirei muito a atitude dela.
Natalie o amava e queria estar junto, meu cunhado
merecia alguém que pudesse estar ao seu lado nos
momentos bons e ruins.

— Noite difícil? — Peguei um bolinho de amêndoas.

— Ele ficou irritado a noite inteira, não sei porque e não sei
mais o que dizer.

— A psicóloga disse que é normal.

— Eu sei, só não torna menos difícil vê-lo sofrer sem saber


como ajudar.

— Apoiou os cotovelos na mesa e escondeu o rosto. Ela


estava exausta.

— Estar aqui já é muito, Natalie. Tenho certeza que ele


aprecia isso.

Paramos de falar quando Abdar e Mohammed entraram na


sala de jantar e ocuparam seus lugares. A cozinha enviava
as frutas e as demais comidas cortadas para facilitar a
refeição do meu cunhado sem que ele precisasse da nossa
ajuda. Ele olhou para seu prato com desânimo, estoico e
furou um pedaço de queijo com o garfo, brincando no mel.
Natalie colocou a mão em sua coxa e apertou. Ele comeu,
mas não muito.

Assim que terminamos de comer, encurralei-o na


biblioteca. Ele deixou

um monte de livros cair no chão. Abdar ficou mais distante,


me deixando conversar com seu irmão sozinha.
— Veio falar sobre o quanto eu não consigo mover meu
braço inútil porque minha cabeça está fodida? —
resmungou, abaixando e recolhendo os livros com uma
mão só. — Quer falar?

— Sim, eu quero. — Arranquei os livros de sua mão. —


Sente ali. Sente agora! — Apontei para o sofá. Ele foi
irritado. — Um tiro é um motivo para ficar triste? Claro! Mas
desistir de viver? Não! Você é forte e corajoso, tem um
coração lindo e é o amigo mais leal que conheço na vida.
Você vai se dedicar à sua fisioterapia, está me ouvindo? Se
não cuidar desse braço eu vou infernizar a sua vida!

— E ela é muito boa nisso — Abdar falou atrás de mim,


virei para ele com ultraje. Ele riu e se aproximou. — Não
posso dizer o que é levar um tiro do seu próprio irmão. Não
posso, no seu lugar, ver um membro do meu corpo sem
funcionar, sem me obedecer, mas eu posso dizer com toda
certeza que estou aqui. Sempre estarei com você.

— Por que a mamãe quis te ver antes de morrer? Por que o


Jamyr odiou isso?

Abdar sentou ao lado do irmão.

— Eu não sei porque não quis, mas eu acho que foi para
proteger a vocês

que eram menores. Foi uma lembrança horrível de carregar


na minha adolescência e eu sofri muito, fiquei violento,
aprontei... Ter meus amigos me ajudou a sentir que era
normal, com eles, eu não era o irmão mais velho, nem o
herdeiro. Eu era apenas eu.

— Não sei porque meu braço não se move. Eu sonho todos


os dias que o som do disparo me faz acordar, levantar da
cama e ver Rawan morta no chão. Ou eu me vejo morto no
chão. — Mohammed respirou fundo. — Quero ser alguém
melhor, estar mais bem humorado, curtir a companhia de
Natalie, mas a falta de sono e essa maldita impotência têm
me deixado maluco.

— Quer remedinho azul para ajudar? — Abdar brincou com


ele.

— Não estou falando disso, idiota. Felizmente, da cintura


para baixo tudo está funcionando muito bem. —
Mohammed corou ao responder, lembrando da minha
presença. — Desculpa, Rawan.

— Eu quero te ver rindo e brincando.

As meninas se moveram bruscamente e coloquei a mão.


Mohammed pediu para sentir e sorriu, maravilhado. Cada
vez que as meninas se moviam, imaginava duas
princesinhas engatinhando pelos corredores querendo
aprontar.

— Preciso melhorar para brincar com elas. Com quatro


meninas nessa casa, teremos as mãos cheias. Caramba,
elas não param!

Deixamos Mohammed quando Natalie entrou


discretamente. Abdar

segurou minha mão, entrelaçamos nossos dedos e fomos


até nossa ala, com ele respeitando o meu ritmo lento.
Deixou as luzes mais baixas, ligou o som e sentou no sofá
após criar um casulo confortável para mim. Coloquei meus
pés em seu colo e ele pegou o livro que estava lendo para
ler em voz alta.

Abdar me ensinou que amor estava nos pequenos detalhes


no dia-a-dia.
Uma massagem no final de um expediente estressante,
preparar pessoalmente ou mandar fazer minha comida
favorita nos dias tristes e ler quando a gravidez provocava
sono nas primeiras linhas. Ele era meu companheiro em
tudo, incentivador apaixonado, um homem de verdade que
não se sentia nem um pouco diminuído por minha postura
e inteligência, que apoiava meus estudos e queria realizar
cada sonho ao meu lado.

Amor não era só sobre demonstrações extravagantes,


joias, presentes caros ou um eu te amo a cada dois
segundos. Amor era estar junto, sobreviver às dificuldades,
levantar quando o outro caísse, equilibrar a balança, ser
amigo, ter paciência e levar paz. Amar era um desafio
diário. Abdar testava minha paciência como qualquer
marido. Ele me levava à loucura, mas como prometeu em
nosso casamento, também me dava muito prazer.

Eu sabia que o resto das nossas vidas, com duas filhas (e


com a benção de mais) seria uma felicidade. Sentia
gratidão ao destino por escrever minha história de amor
com um homem como Abdar.

Capítulo 37 | Abdar.

Da varanda principal do palácio, eu podia ter uma ampla


visão da cidade e eu adorava ficar horas ali. Meus
secretários e guardas não gostavam que eu me expusesse
em plena luz do dia, os conselheiros se dividiam entre ficar
preocupados com minha acessibilidade ao povo e
vulnerabilidade na varanda.

No entanto, aprendi a ouvir meus instintos e me permitir


coisas que meus antepassados nunca ousaram. Se o povo
queria me ver na varanda, tudo bem. Eu amava Al-Abadi e
olhar para a cidade à minha frente jamais seria um
sacrifício.
Muita coisa aconteceu para me fazer recuar e eu jamais
recuaria. Os intitulados radicais estavam recolhidos ao sul
novamente. Muitos foram presos e condenados por atentar
contra minha vida e bagunçar a ordem. Eles ainda levariam
um tempo para obter fundos, já que não havia meu irmão
financiando-os ou conselheiros descontentes. Aproveitei a
oportunidade e fiz uma limpeza completa em quem poderia
estar no palácio e fazendo parte da vida política do país.

Ainda era muito difícil aceitar que a maior parte dos


ataques contra mim vieram de alguém que vivia ao meu
lado, comia comigo na mesa, que eu me preocupava e
brigava por amor. Jamyr tinha seus defeitos, mas eu nunca
o vi como menos que um irmão amado. Na minha cabeça,
era normal irmãos se desentenderem. Quantas noites nós
dois bebemos até tarde? Assistimos futebol juntos? Tentava
manter a paz entre ele e as mulheres da nossa casa,
controlar os

danos, tive brigas terríveis com minha esposa e até com


minha madrasta.

Fui paciente e também fui seu líder. Ele fez com que eu me
sentisse falho e irresponsável mais de uma vez, mesmo
assim, levei sua insolência como um irmão mais velho
levaria. Jamyr me odiava por motivos que não faziam
sentido.

Por que ele se ressentia de mim por ser mais velho? Queria
entender meu pai, o motivo pelo qual decidiu esconder que
Jamyr provocou o acidente. Seria o medo e a dor de perder
mais um filho?

Jamyr jamais poderia fugir de sua condenação por


arquitetar um assassinato e seria levado a morte pela
corte. Certamente meu pai optou em esconder. Seria um
escândalo. Já estava sendo um, a mídia não parava de falar
sobre o príncipe assassino e depois dos primeiros dias, a
vergonha foi substituída por resignação. Não havia nada
que pudesse ser feito e eu não podia abalar minha postura
como líder. Rawan, minhas filhas e meu irmão estavam
vivos e ponto final.

— Senhor. — Kalil parou na porta. — Precisa ver algo.

— O que aconteceu agora?

— É bom — foi tudo que disse.

Desconfiado e já sentindo o estresse crescendo ao ponto


de doer minha nuca, o segui até os fundos, descendo
alguns lances de escada e estranhei entrarmos na
academia. A primeira pessoa que vi foi Rawan sentada no
tatame,

com sua roupa de ginástica e o barrigão esticado,


chorando. Corri até ela, preocupado, com medo que
estivesse sentindo-se mal quando outra pessoa na minha
visão periférica me fez parar bruscamente.

Natalie filmava Mohammed erguer o braço.

Ele estava se equilibrando em um pé só, o fisioterapeuta


logo ao lado e esticando o braço à frente. Totalmente à
frente.

— Eu consegui! — Ele me encarou, os olhos marejados. —


Meu braço está levantando!

Invadi o treinamento e corri em sua direção. Nós nos


abraçamos apertado.

Foram semanas difíceis com Mohammed deprimido e sem


conseguir fazer o básico com as duas mãos. Ele ficou
irritado e decepcionado, nós conversamos muito, tentando
entender como em nossa família, de cinco meninos,
ficamos apenas dois. Ainda bem que Jamile estava segura
com o marido e Sarai sempre manteve as meninas bem
protegidas. Cada vez que tentava entender, minha mente
entrava em parafuso então decidimos juntos olhar apenas
para a frente.

Aquela era a primeira prova de que a maré negra que


pairava sobre nossas vidas estava se dissipando e indo
embora.

Sentei ao lado de Rawan para assistir todo o treinamento.


Nem pedi que parasse de chorar, ela não tinha controle das
suas emoções e ficava emotiva por tudo. Nossas meninas
estavam surpreendentemente quietas e a data do parto se

aproximando na velocidade da luz. Estávamos ansiosos em


ter nossas filhas, o quarto estava pronto, assim como todo
o enxoval e Rawan ficou surpreendentemente serena no
final do segundo trimestre em diante. Às vezes brincava
que ela estava possuída por um espírito pacífico que
chegava a ser esquisito.

O espírito do palácio se elevou dali em diante. O tempo


aqueceu, as flores cresceram e assim começou a contagem
regressiva para o nascimento das minhas princesas.
Nossas noites de jantar eram divertidas e até minha irmã
se preparou para vir e ficar nas primeiras semanas de vida
das meninas. Jamille sabia que Sarai tinha as mãos cheias
com as pequenas e Rawan não tinha uma mãe por perto
para ensinar o básico. Iasmin estava ansiosa como uma
avó.

Nós sabíamos que, por ser uma gestação gemelar, Rawan


poderia ter um parto prematuro. Ela passou a repousar
completamente depois de seu aniversário. Apesar de não
dizer nada além de que estava muito bem, seu rosto
expressava desconforto.
Na sua trigésima sétima semana, encontrei-a um pouco
corada, chupando gelo e seu pai abanando-a. Ele me deu
um olhar, dizendo que ela não estava bem.

— Quer mais travesseiros? — Tentei ajudá-la a encontrar


uma posição confortável.

— Não. Acho que será essa noite. Não me sinto bem… —


Suspirou,

encostando a testa no meu abdômen. — Me dá mais gelo?

— Claro, vou ligar para o médico. — Peguei a vasilha e ela


escolheu as pedras menores, enfiando uma na boca.

O obstetra estava na chamada direta. Ele me atendeu e


pediu para levá-la para o hospital. Antes de saber que
estávamos esperando uma duplinha, Rawan queria um
parto em casa, depois, ela foi fortemente recomendada a
decidir pelo contrário. Sua pressão arterial era controlada a
maior parte do tempo, porém, nunca deixou de ser uma
preocupação. Tomamos muito cuidado com a alimentação e
fizemos com que repousasse tanto quanto possível,
mediante ao estresse que passamos.

Nós fomos atendimentos rapidamente e isolados em uma


área exclusiva, para não atrair atenção e evitar que a
notícia do nascimento fosse informada antes do tempo.
Toda equipe foi verificada mais de uma vez e os guardas
estavam olhando absolutamente tudo.

Algumas horas mais tarde, Rawan entrou em trabalho de


parto e o sofrimento por sua não dilatação, o aumento da
pressão e a preocupação com a saúde das meninas nos
levou para a sala de cirurgia. Uma cesariana.

— Consegue ver tudo?


— Sim. Vai ficar tudo bem.

Rawan sorriu, emocionada.

— Estou bem, apenas ansiosa para conhecer nossas filhas.

— Logo elas estarão conosco — prometi.

Eu estaria completamente estressado e fora de mim se


minha esposa estivesse histérica e o parto em si, fosse um
momento traumático, no entanto, fomos abençoados com
um nascimento tranquilo, sem acontecer nenhuma das
preocupações que os médicos expressaram. Rawan
manteve a calmaria e chorou junto com nossas meninas.
Segurei a primeira, agitada, resmungando, abrindo bem a
boca. A segunda saiu gritando como se fosse um completo
ultraje tirá-la de seu lugar quentinho.

Nunca vi nada mais lindo do que as minhas filhas. Não


conseguia parar de chorar enquanto apresentava meus
maiores presentes para minha esposa. Elas haviam parado
de chorar, mas ainda resmungavam. Rawan olhou para
elas e eu vi o amor explodir na maneira em que seus olhos
brilharam encantados.

— Nós fizemos duas obras de arte. — Ela sorriu.

— Obrigada, meu amor. Obrigada por me dar duas belas


princesas. — Me inclinei e beijei sua testa. — Te amo
incondicionalmente.

A partir dali, eu dei inicio às tradições e celebrações do


nascimento das minhas filhas. Al-Abadi se alegrou, porque
elas eram minhas e seriam tão amadas quanto eu.

Rawan dormiu depois do parto, recuperando da cirurgia e


eu apresentei os
amores da minha vida a meu sogro e a Iasmin, que ficaram
aguardando o nascimento.

Fiquei horas olhando as minhas filhas. Era surreal acreditar


que meu amor por Rawan havia se multiplicado em duas
criaturas perfeitas. Uma tinha muito cabelo como eu, a
outra, mais finos como os de Rawan. Mesmo inchadas do
nascimento, o nariz de ambas era da mãe, tiraram a sorte
grande ou precisariam de uma rinoplastia no futuro. As
boquinhas rosadas e mãos fechadas em punho era tão fofo.

Tão perfeitas e minhas.

O amor que explodiu no meu peito por elas era impossível


de descrever.

Aquelas meninas teriam tudo de mim, devoção, amor e


proteção. Seriam cuidadas e idolatradas. Saberiam seu
lugar no mundo e teriam espaço para serem o que
quiserem. Elas saberiam como um homem deveria tratá-las
(depois dos trinta anos, quando meu psicológico
conseguisse suportar a ideia de que elas não seriam para
sempre pequenas e dependendo exclusivamente de mim).

— Se não colocar um colete salva-vidas nelas, se afogarão


em sua baba —

Rawan falou baixinho da cama. Ela estava sorrindo. — Não


consegue desviar os olhos, não é?

— Só não estou segurando-as porque não queria perturbar


seu sono.

— Meus peitos estão vazando. Preciso delas.

Olhar para Rawan depois de vê-la dar à luz às nossas


meninas me fazia querer derreter de paixão. Orgulho de
sua calma, amor por sua dedicação em trazer nossas filhas
em um momento de paz e não ter se desesperado,
confiado em mim ao seu lado e no trabalho dos médicos.

— Devo chamar Iasmin?

— Sim, por favor. Quero que elas peguem corretamente


meu bico.

Iasmin entrou, mais que ansiosa em ajudar. Peguei uma e


coloquei em seus braços, foi impressionante a maneira
linda com que nossa menina abriu os olhos e fez um
beicinho pedindo o peito. Uma de cada vez, Rawan
amamentou e segurou as filhas pela primeira vez. Tirei
uma foto porque foi um dos momentos mais lindos da
minha vida.

— Elas mamam forte — comentou com uma careta. — Dói,


mas é tão lindo vê-las mamando e nos meus braços.
Sempre poderei segurar as duas ao mesmo tempo, é uma
promessa da mamãe.

— E os nomes? — Iasmin esfregou as mãos.

— Essa aqui, mais cabeluda, é Ananda. Nome que o papai


escolheu —

Rawan falou suavemente. — E essa aqui, desesperada de


fome, é Aisha. Meu segundo nome e de minha mãe.

— Aisha e Ananda, sejam abençoadas. A trajetória de


vocês será linda, plena e representando um momento de
paz em toda nação. — Iasmin tocou a

testa das duas.

Rawan e eu entrelaçamos nossas mãos, desejando o


mesmo e muito mais às nossas filhas.
Capítulo 38 | Rawan.

Aisha estava chorando copiosamente no berço enquanto eu


trocava a fralda de sua irmã. Ananda estava me olhando
curiosa, provavelmente pensando “gosto dela, mas prefiro
seus peitos” . Seus olhos não desviavam de mim e era
engraçado. Aisha seguiu gritando. Ouvi a porta ser aberta,
Abdar foi ao banheiro lavar as mãos e pegou a pequenina
mal humorada. Parou ao meu lado, me deu um beijo suave
nos lábios e começou a trocar a fralda.

— Ela tem um pulmão tão forte que ouvi seus gritos do


corredor —

comentou e passou o polegar na barriguinha dela. — Puta


merda, garota. O que sua mãe anda comendo para sua
fralda estar dessa maneira?

— Estou seguindo uma dieta rigorosa para que elas tenham


nutrientes. Não é minha culpa que a sua princesa perfeita
caga fedido — retruquei e ele riu, levando-a para o
banheiro.

Tranquilas, alimentadas e limpas, as duas dormiram apenas


em duas voltas no quarto. Era a soneca da tarde, preciosa
e importante, na qual eu tinha tempo para fazer qualquer
coisa sem medo de que elas estariam precisando de mim.

Tinha ajuda, claro. Além da babá, Iasmin estava sempre por


perto, Sarai também e nas primeiras semanas, Jamile ficou
comigo. Abdar era o melhor da madrugada, atento no
começo, mesmo quando elas dormiam, nós mal
conseguíamos pegar no sono, querendo vigiar a respiração
delas.
Levamos algum tempo para dormir. Não foi o cansaço que
nos venceu, porque ainda estávamos cansados, apenas
ganhamos confiança e o processo de conhecimento como
pais nos tornou uma família muito bonita. Abdar se divertia
com as meninas na cama de noite, me fazia companhia
durante a amamentação e era meu parceiro na academia
todas as manhãs.

Meu marido era um incentivador, mas ele nunca resistia a


algumas posições e acabávamos fazendo outros tipos de
exercício no tatame ou no vestiário.

Sexo depois do nascimento das nossas filhas se tornou


ainda mais especial, primeiro que não existia mais aquela
história de “papai e mamãe” de noite.

Estava acontecendo em qualquer lugar disponível, com o


tanto de privacidade possível e na hora que elas dormiam.
Como naquele momento, em que elas estavam tirando
uma soneca e meu marido apenas disse que meu decote
estava incrível em meu vestido.

Agarrei a babá eletrônica apenas para não perder o choro


delas, avisei a babá e meu marido me seguiu
pacientemente para o nosso quarto. Ele fechou a porta e
me encurralou contra a parede, me beijando.

***

Mais tarde, durante o jantar, Nadia e Laila estavam


brincando de correr ao redor da mesa. Seus gritinhos e
risinhos eram estridentes e faziam com que minhas filhas
ficassem movendo o rosto, querendo entender o que era ou
de

onde estava surgindo o barulho interessante. Meu pai


estava inclinado no bebê conforto, admirado.
— Essas meninas se desenvolvem muito rápido! Elas estão
ensaiando sorrisos e virando o rosto — ele comentou,
orgulhoso. Como pai, foi péssimo em demonstrar seus
sentimentos, mas como avô, não existia mais bobo.
Sempre presente, participava de absolutamente tudo,
segurava as duas por horas e elas eram mal acostumadas,
querendo ficar no colo por culpa dele — do Mohammed e
Natalie também. Sarai era mais consciente.

Minhas filhas seriam terrivelmente mimadas se nossa


família continuasse fazendo suas vontades o tempo todo.
Elas eram as bebês mais lindas do mundo e era muito
difícil ver suas bochechas, olhos castanhos claros como os
meus, os cílios fofos e as boquinhas rosadas implorando
para ficarem aconchegadas bem pertinho.

Abdar balançou a cabeça para meu pai, que estava


fazendo caras engraçadas em uma tentativa de manter as
netas entretidas sem chorar por colo.

Natalie estava com Mohammed. Eles haviam ficaram


noivos duas semanas atrás e minha missão como
irmã/madrinha era ajudá-la com a organização do
casamento. Iasmin, a rainha da organização, maluca por
festas, já estava mergulhada nos preparativos da festa que
representava o renascimento da nossa família.

Meu marido me abraçou e beijou meu pescoço. Segurei sua


mão,

entrelaçando nossos dedos. Ver nossa família feliz em um


simples jantar em um dia da semana era um presente.
Nada do que eu vivia passou pela minha cabeça quando
meu pai me contou que havia me prometido em casamento
a Abdar. Um noivado inesperado resultou em um
casamento repleto de amor.
— Quando nos casamos, eu tinha esperanças que
ficaríamos bem, mas nunca imaginei que seria assim. É
muito melhor ser amada por você. — Virei meu rosto um
pouco. Meu marido me deu seu clássico olhar safadinho. —
Não estou falando nesse sentido.

— Poxa. — Fez um beicinho. — Adoro nossas sessões de


amor —

cochichou e lhe dei uma cotovelada, fazendo-o rir. — Eu


também te amo muito e ser seu marido é ainda melhor do
que um dia imaginei. Com você, tudo ficou melhor, minha
rainha. — Me deu um beijo suave nos lábios.

Tudo que aconteceu uniu Abdar e Mohammed, assim como


nos colocou em uma posição de aprender que devíamos
priorizar nossos momentos juntos, declarar sentimentos e
nunca permitir que nossas funções com Al-Abadi
interferissem nos nossos relacionamentos privados.

Fui dormir naquela noite com uma deliciosa sensação e nos


braços do meu marido apaixonado, amanheci e me
preparei para um dos dias mais importantes da minha vida.
Antes de me arrumar, amamentei e deixei as meninas
prontas para ficarem com a babá em casa, com Sarai e as
meninas. Abdar ficou pronto antes de mim e levamos
quarenta minutos para chegarmos à universidade na

qual o acompanhei milhares de vezes.

Daquela vez seria diferente. Todos no auditório ficaram de


pé por respeito quando fomos anunciados. Desci as
escadas ao lado do meu marido e ele parou na primeira
fileira, oferecendo sua mão para me ajudar a subir os
degraus, porque não era o convidado da manhã que
discursaria sobre economia e política para os jovens recém-
chegados à vida universitária. Era eu. A primeira mulher
em Al-Abadi falando em público sem a presença do marido
ao lado.

Abdar estava ali para me apoiar e não para autorizar.

Ainda não havia mulheres o suficiente para o meu gosto,


seria preciso mais paciência com as mudanças e dar tempo
ao tempo. No entanto, eu estava ali para incentivar um
futuro brilhante que gostaria para minhas filhas e por todas
as mulheres do mundo, principalmente daquele lugar que
precisava evoluir um pouco mais.

Meu pai estava me fotografando repetidamente. Eu me


ressenti com ele por me mandar para longe, acreditei que
não me queria e não me amava. Me enviar para estudar foi
a melhor prova de amor que meu pai poderia me dar.

Transformou a minha vida, assim eu pude transformar a


vida de milhares de pessoas, principalmente mulheres.

Acenei discretamente para o seu orgulho e continuei


falando, muito feliz em ter uma representatividade.
Quando eu era a estudante, sentada em um auditório de
economia, só havia homens falando. Ainda havia muito
para mim,

um longo caminho até me tornar especialista, horas de


estudo e diplomas na parede, mas enquanto isso, eu podia
fazer a diferença.

Aquele era o meu destino.


Epílogo | Rawan.

Três anos depois.

Abdar estava sem camisa, com um calção e gesticulou com


o indicador para que eu fosse em sua direção. Deixei meu
copo de bebida em cima da mesa e a toalha ao lado. Ele
esfregou o peito, me fazendo morder o lábio e rapidamente
o abracei. Aumentou a música e me conduziu em uma
dancinha boba, divertida e bem gostosa, de ficar
agarradinho. Quando ele beijou meu pescoço, ouvi
risadinhas. Aquelas pestinhas estavam acordadas…

— Estamos sendo observados — ele cochichou, olhando


rapidamente para o lado. — Tem duas pequenas garotas
descabeladas rindo de nós.

— Eu sei. Não deixe de dançar comigo.

Nossas filhas continuaram rindo e cochichando entre elas,


de um jeito alto e fofo. Beijei o queixo do meu marido e
depois seus lábios, ele piscou e virou para correr atrás
delas. Assustadas, gritaram, riram mais ainda e dispararam
para a grama de camisetas, shorts e pés descalços. Seus
cabelos balançavam com o vento.
Aisha tinha os cabelos cacheados, olhos mais claros e um
ar travesso.

Ananda tinha os cabelos lisos como os do pai, olhos


escuros e era terrível em tantos sentidos que como mãe,
eu não podia enumerar sem parecer má.

Elas tentaram correr mais um pouco e foram capturadas


pelo pai, cada uma

em um braço.

— Não é justo! — Ananda gritou. Ela ficava emburrada


quando perdia qualquer tipo de competição. Arqueei minha
sobrancelha, rindo. Mais parecida com o pai? Impossível.

— Oi, mamãe. — Aisha sorriu. — Te vi com o papai.

— Oi, meu amor. — Beijei sua bochecha.

Abdar a colocou no chão e ela tocou minha barriga.

— E o bebê?

— Com fome. Vamos lanchar?

— Eba! Eu quero queijo! — Ananda balançou as pernas


para descer do colo do pai.

— Quero pão! Tem pão, mamãe? — Aisha me agarrou.

— Na cozinha, vão. — Apontei e foram correndo.

Abdar foi mais rápido, fiquei para recolher as bagunças e


entrei. Ele colocou as duas nas cadeiras mais altas e estava
cortando o pão do jeito que elas gostavam. Deixei os copos
sujos na pia e peguei uma fatia de salame, mordiscando
enquanto assistia meu marido alimentar nossas filhas com
amor e paciência. Elas sorriram, agradecendo e ele me
abraçou, mantendo as mãos em meu ventre. Grávida de
quatro meses e de um só, minha barriga estava

infinitamente menor que da primeira gravidez.

Dessa vez, seria um menino. Eu estava preocupada em ser


mãe de um menino, principalmente com o futuro que o
esperava. Ter um herdeiro do sexo masculino para assumir
o lugar de Abdar era uma coisa que não mudaria em Al-
Abadi sem causar rupturas enormes na estrutura da nação.
Talvez, um dia no futuro, nossa geração pudesse mudar
isso. Com o tempo, aprendi que algumas batalhas levavam
muito mais tempo que minha ansiedade em transformar o
mundo em um lugar mais justo para todas as mulheres,
principalmente para minhas filhas, que nasceram primeiro
e mereciam, como herdeiras, a chance de terem um lugar
destinado a um homem.

Abdar e eu cogitamos se teríamos mais filhos quando


nossas mãos ficaram cheias demais com duas garotas
travessas, que aprontavam a cada segundo e não podiam
ficar sozinhas ou algo seria destruído. Aisha e Ananda eram
furacões em forma de crianças. Me disseram que meninas
eram mais calmas, não as minhas.

Elas também eram eloquentes e rebatiam qualquer


repreensão que tomavam.

Eram tão inteligentes, que sempre me sentia exausta


quando as colocava de castigo.

Chegou a um ponto que nós pensamos se seria saudável


para nossa vida trazer mais uma criança ao mundo, no
entanto, o destino quis assim. Eu engravidei de novo sem
planejamento e ficamos felizes. Era para acontecer.

Quisemos descobrir o sexo logo que possível. Nosso


bebezinho era amado pelas
irmãs, que não tinha certeza se elas entendiam
exatamente o que estava acontecendo, mas se dedicavam
em conversar com ele, beijar meu ventre e acariciar minha
barriga quando ficava deitada com elas.

Mohammed e Natalie entraram em casa depois do passeio.


Minha cunhada estava grávida também, com poucas
semanas e eles estavam nos acompanhando em nossas
férias anuais de família. Naquele ano, Sarai estava na
Jordânia para o nascimento do bebê de Jamile. A casa da
França se tornou nosso refúgio, o lugar que todos
corríamos para descansar e sair da loucura. Antes das
meninas, Abdar e eu ficávamos sozinhos, depois delas (e
de tudo), seu irmão e esposa passaram a nos acompanhar.

Natalie me deu um sorriso deslumbrante ao sentar perto


das meninas. Elas amavam a tia de todo coração, que fazia
absolutamente tudo que elas queriam sem nenhuma
vergonha. Minha vingança seria plena quando o bebê dela
nascesse.

— Gostaram? Lá é um dos meus lugares favoritos no


mundo.

— Eu adorei ficar naquele jardim. Tem certeza que não tem


um dono? É

tão bem cuidado… — Natalie me respondeu.

— Não sabemos, mas, Abdar paga alguém para cuidar


mesmo assim.

— Cadê as menininhas mais lindas do mundo? —


Mohammed beijou as bochechas delas, fazendo barulho
alto. — Eu adoro o bafo de queijo!

— Tão bobo, titio. — Aisha riu.


— Natalie e eu estávamos pensando que vocês dois
poderiam sair essa noite. Nós podemos lidar com elas no
jantar, até porque, estamos acostumados.

— Mohammed parou ao meu lado. — Elas vão dormir no


horário, eu prometo.

Sim, se eu acreditasse em fadas. Aqueles dois eram a


loucura da vida das minhas filhas, que arregalaram os
olhos na expectativa de ficar com os tios que faziam tudo
por uma diversão.

— Nós aceitamos — Abdar respondeu animadamente.

— Se elas dormirem tarde, eu vou deixá-las com vocês até


o fim das férias

— ameacei. Natalie riu sem nenhuma vergonha e


Mohammed assentiu, como se tivesse medo de mim de
verdade.

Minhas duas pequenas traidoras mal olharam para mim


quando me despedi, avisando que sairia para jantar com o
papai. Elas acenaram rápido e correram empolgadas para a
sala, onde Natalie separou filmes infantis.

Mohammed estava fazendo o jantar delas.

— Nada de gazebo dessa vez? — Caminhei ao lado dele.

— Já que meu irmão vai bancar a babá essa noite, nós…


iremos para uma festinha. — Piscou e abriu a porta do
carro. — Não iremos tão longe.

— Estou curiosa. É uma boate?

— Só tem cidades pequenas ao nosso redor, eu duvido que


tenha algo mais
que um restaurante aqui. — Ele riu e me deu um beijo. —
Pronta?

Abdar dirigiu, ainda fazendo mistério e parou em frente a


um hotel pequeno. Só havia uma mulher lá, que sorriu ao
nos ver e conduziu até o restaurante. Meu marido reservou
o local, que estava sem hóspedes por ser fora de
temporada e ainda pediu que preparasse nossos pratos
favoritos, com doces tradicionais franceses para
sobremesa.

O rádio começou a tocar uma das minhas músicas


favoritas. Stand By Me tinha uma letra linda e forte.

— Dance comigo, minha senhora? — Abdar deu a volta na


mesa.

— A letra dessa música diz muito sobre nós — comentei,


com as mãos em seus ombros.

— Sim, é verdade. Eu sei que quando a energia fica ruim,


coisas desagradáveis acontecem e os problemas parecem
ser maiores que montanhas, ficará tudo bem porque você,
minha esposa, companheira de aventuras, parceira de
trabalho, mãe incrível dos meus filhos e a mulher mais
sexy e gostosa do mundo inteiro está comigo. — Esfregou o
nariz no meu. — Eu te amo incondicionalmente.
Epílogo | Abdar.

Algum tempo depois…

Ouvi sons de pezinhos e sorri antecipadamente. A porta foi


aberta de forma brusca e as meninas invadiram meu
escritório, rindo e subindo em cima de mim no sofá.
Esperei mais um pouco e meu menininho entrou,
engatinhando com o queixo todo molhado. Ele ria,
provavelmente achando incrível a bagunça das irmãs. Ficou
em pé apoiado no meu joelho e Aisha deu espaço para que
eu pudesse pegá-lo. Ter meus filhos em meu colo me fazia
sentir o homem mais incrível do mundo.

Às vezes, eles brigavam por espaço, o pequeno era ativo,


mas não tanto quanto suas irmãs. Talvez por ser um bebê.
Rawan e eu descobrimos que a combinação dos nossos
genes era letal. Três crianças ligadas em uma bateria de
caminhão e que deixavam qualquer pessoa maluca era
prova o suficiente de que só produziremos pestinhas em
massa.

Cada um tinha uma babá, mesmo assim, eles davam


trabalho para todos os adultos ao redor. O bebê do meu
irmão era um anjo e logo seria corrompido pelas minhas
crias agitadas.

As babás vieram buscá-los e eu voltei a trabalhar, me


concentrando em um novo projeto de lei que decretaria em
algumas semanas. Rawan que o idealizou em sua maior
parte e se ocupou com outro projeto, porque minha mulher
parecia

um polvo, fazendo milhares de coisas ao mesmo tempo e


incrivelmente dando conta de todas elas.

Um dia queria ser como ela.


— Oi, bonitão. — Ela entrou no meu escritório no final do
dia, segurando seu computador. — Sabe o que descobri
hoje? Que o meu pai, aquele senhor contido e frio que me
criou, deu às minhas filhas uma banda. Meu pai comprou
bateria, teclado e uma guitarra. Temos duas estrelas do
rock e um bebê com o fôlego no Nine Inch Nails. Quando eu
era criança, ensinar qualquer música que não fosse da
nossa cultura, seria um tremendo absurdo e ele está
ensinando outros ritmos aos nossos filhos!

— Seu pai se tornou avô. — Sorri para sua indignação. O


pai de Rawan era o avô mais bobo do mundo inteiro e
existia para estragar as crianças completamente.

— Falando nisso, Sarai me mandou foto das meninas na


escola. Tem certeza que está bem que elas estudem em
Londres? É tão longe de casa! — Se aproximou e sentou no
meu colo.

— Elas escolheram. Sei que vai sentir falta das minhas


irmãs e principalmente da minha madrasta, mas podemos
ir vê-las sempre que estivermos na cidade e além do mais,
vão voltar para casa nas férias. Quero que minhas irmãs
tenham a educação que ainda não consegui vencer a
resistência aqui. — Dei-lhe um beijo. Com a aceitação das
universidades e cursos, as

mulheres construíram carreiras que estavam a todo vapor.


No entanto, ainda estava difícil vencer algumas mudanças
no ensino dos mais novos. Eu era totalmente a favor de
uma educação tradicional para nossas crianças, outras
matérias e conhecimentos além da nossa bolha.

— Vou sentir saudades. — Fez um pequeno beicinho.

Rawan se preocupava com o ensino dos nossos filhos e ao


mesmo tempo, não queria mandá-los para longe até a
universidade. Felizmente, ainda não precisávamos nos
preocupar com aquilo.

Ela me fez encerrar o expediente um pouco mais cedo e ao


chegarmos perto das crianças, ouvimos o som da música
descoordenada que meu sogro ensinava. Era de arrepiar.

— Tem adultos responsáveis com eles. Quer fugir? —


ofereci. Eu amava meus filhos, mas aquele barulho era
muito até pra mim.

— Sim, por favor. — Agarrou minha mão e fomos para um


lado vazio do palácio.

Levou muito tempo para aceitarmos entrar ali, mesmo


depois da reforma.

Era a ala do Jamyr. Mohammed e eu protelamos quase um


ano para recolher suas coisas, mexer em seus pertences
não só no palácio, mas em suas residências pelo mundo.
Jamyr tinha coleções de itens caros que ficamos sem saber
o que fazer por um tempo, até que Natalie achou melhor
vender, doar o dinheiro e tirar

quaisquer resquícios que ainda nos faria sofrer.

Todas as mulheres ficaram gratas quando as cobras foram


enviadas para outro cuidador. Elas nunca me incomodaram
ou me assustavam. Rawan tinha pavor de qualquer coisa
que se rastejasse e as funcionárias tinham receio de fazer
a limpeza sem que o aquário estivesse devidamente
trancado.

Na ala dele, construímos salas de convívio adulto, com bar,


televisão e sofás confortáveis. Ao chegarmos lá, me joguei
em um colchão com almofadas.
Rawan deixou nossas coisas na mesa e sentou, me dando
um breve beijo nos lábios, cansada demais para fazer
qualquer coisa.

Eu podia dizer que desde que voltei para Al-Abadi, as


mudanças da minha vida me levaram a ser aquele homem
de quarenta, apaixonado por sua esposa e filhos adoráveis,
além de ser líder de um lugar em constante transformação
e aceitando a evolução com o coração aberto. Meu pai
queria um bom futuro para mim e eu só podia agradecer
por ter se esforçado e me colocado na direção certa.

Minha vida não seria tão incrível sem Rawan, nossas


crianças agitadas e meu papel de liderança.

Ele sempre me disse: Seja um homem de honra, confiante,


com caráter e nunca desvie do seu foco. Aceitar o
casamento com minha noiva inesperada foi o começo de
uma história de amor escrita pelo destino. Não havia
arrependimento quanto a isso.
FIM

CONFIRA OS BÔNUS DE LIVROS QUE AINDA SERÃO


LANÇADOS A SEGUIR

Eduardo Medina

Barcelona era a cidade da minha vida. Nasci ali e, apesar


do tempo que fiquei fora, continuava sendo o lugar que
amava e não foi difícil escolher como local para fundar
minha empresa e realizar o sonho de ter meu próprio
negócio, não seguindo a tradição da minha família em
seguir trabalhando com bancos ao invés de carros de
luxo. Eu amava carros desde que me entendia por gente,
era apaixonado pelo design e viciado em compreender os
motores.

Trabalhar com isso era minha vida.

Eu estava focado no meu negócio, vivendo como um


homem solteiro de mais de trinta, em umas das cidades
mais famosas do mundo. Estava tudo bem, até minha
avó ligar e pedir que tomasse conta da neta de sua
melhor amiga. Se eu sabia quem era a senhora? Sim. Ela
fazia bons biscoitos e cozinhava muito bem. Se eu tinha
a mínima noção de quem era a neta dela? Não. Nem
sabia que a mulher tinha família, considerando que ela e
minha avó não se desgrudavam.

Não queria tomar conta de ninguém, principalmente de


uma criança ou adolescente, que estava vindo para a
cidade estudar ou sei lá o que. Não entendi o restante,
ficando preso na chantagem emocional que minha avó
fez em minha primeira tentativa de negar. Ela me
enlouqueceu tanto que quando dei por mim, estava na
porta do meu prédio, esperando a menina chegar.
Imaginei que ela estava vindo com um serviço de táxi e
olhei para quase

todos os carros como um maníaco, controlando o horário


para não me atrasar para uma reunião muito importante
no trabalho. Eu estava quase desistindo de tentar ser
legal quando um escarabajo vermelho virou a esquina,
ganhando uma bela buzinada de um volvo sedan e parou
em frente ao prédio.

Uma garota alta, loira, usando um vestido branco com os


botões do decote soltos saiu de dentro dele e assim eu
pude perceber que além de linda, tinha um belo par de
peitos. Muito belíssimos.

— Você é o Eduardo?

Hum?

— Desculpe? — Voltei ao universo. Sai da peitolândia


bruscamente. —

Sim, sou eu. Me sinto em desvantagem, quem você é?

— Acho que minha avó avisou que eu estava vindo. Sou


Clara Hernandez.

— Abriu um sorriso e esticou a mão. O quê? Ela não era


uma menina inocente que se perderia facilmente na
cidade grande? Aquele avião na minha frente iria
devastar a cidade. — Muito obrigada por me esperar,
aluguei um pequeno apartamento, não muito longe. Foi
exagero da parte dela pedir ajuda, posso me virar
sozinha. Obrigada mais uma vez.

Com um sorriso deslumbrante, deu meia volta e a saia


levantou um pouco, dando uma bela visão das coxas e
panturrilhas torneadas. Ela entrou em seu carro, deu a
partida e simplesmente foi embora. Fiquei parado na
porta do meu

prédio e virei para o porteiro, para ter certeza de que


tudo aquilo não havia sido uma alucinação.

Passei a mão no queixo, fechando a boca e pensei que


Clara jamais ficaria sozinha naquela cidade, porque eu
não iria permitir.

Louis e Catarina.

“Atenção senhores passageiros...”

Abri meus olhos assustada com a voz do piloto e conferi


se meu cinto estava preso e cobri minha boca para
bocejar. Estava exausta. A senhora ao meu lado com o
garotinho me deu um sorriso e olhei para janela. Era o
primeiro dia da minha nova vida. Estava oficialmente me
mudando para Londres, vivendo longe dos meus pais, da
minha família e dividindo um apartamento com um
conhecido de infância, filho dos amigos dos meus pais.
Conhecia Louis desde...

sempre.

A condição dos meus pais em me mudar era que


morasse com ele. Estava mortificada porque era um
homem, que estava acostumado a morar sozinho e ter a
sua própria vida. Advogado no escritório da família dele
(descendente de uma família real não ativa) e possuía
uma vida corrida. Ele era muito gentil, porque me ligou e
disse que seria um prazer dividir seu lar comigo. Se eu
pudesse, cavaria um buraco maior ainda para me
enterrar, porque meus pais pediram que ele fizesse isso.

O motivo da minha mudança era bem simples: precisava


de uma distância da minha família, principalmente, do
controle excessivo do meu pai e o zelo da minha mãe.
Era necessário sair da sombra dos meus irmãos mais
velhos

e construir a minha vida. Apesar dos meus pais serem


contra a profissão que escolhi para mim, a coisa toda de
ser modelo surgiu do nada. Foi na escola quando um
olheiro apareceu e me ofereceu um ensaio, minha mãe
me levou e desde então, me tornei modelo fotográfica.

Foi algo tão despretensioso que cresceu ao ponto que


meu salário como modelo pagou a minha faculdade para
alívio dos meus pais. Depois de sete filhos, a caçula
conseguiu a benção em pagar a própria faculdade. Meu
pai se incomodava com as fotos sensuais e meus irmãos
ficavam em cima, mas eu não me importava porque o
dinheiro era bom e pagava minhas contas. Mudar para
Londres era um passo na minha carreira, eu tinha vinte e
dois e precisava aproveitar ao máximo.

Daqui um tempo, abriria meu próprio negócio, enquanto


isso, faria dinheiro com a minha imagem. Minha agência
me trouxe para cidade e assim participar das campanhas
europeias. Eu podia bancar um apartamento sozinha ou
dividir com algumas das modelos, mas meus pais
ficavam paranoicos e queria me mudar em paz, sem
brigas e aceitei a condição de dividir temporariamente
com o Louis Andrea Basan Vacchi, um conde italiano.
Os Basan Vacchi eram amigos dos meus pais. O pai do
Louis, Andrea, era amigo de infância do meu pai desde
que eles moravam na Sicília. Minha avó era italiana, se
casou com um soldado americano, eles viveram na Itália
por um tempo e em seguida, as duas famílias decidiram
se mudar para os Estados

Unidos e se estabeleceram em Nova Iorque. Meu pai tem


uma rede de padarias Bennett, o Tio Andrea tem um o
famoso escritório de advocacia Basan Vacchi e meus sete
irmãos trabalham com coisas variadas.

(...)

Sentiria muitas saudades das brigas, confusões e toda


loucura que era a casa dos meus pais, mas eu finalmente
estava fora. O avião sacudiu no pouso e agarrei a
poltrona, sempre ficava nervosa. Esperei os
desesperados saírem primeiro, me soltei do cinco, peguei
minha mala de mão que estava no compartimento de
cima, coloquei minha mochilinha com meus documentos,
dinheiro, passaporte e um livro no ombro.

Estava usando uma calça de moletom azul escura, tênis


brancos e uma camisa cinza, meu cabelo estava todo
embolado porque eu me atrasei para o aeroporto e não
deu tempo de pentear. Saí com calma, cansada e parei
na esteira para pegar minhas malas. Um homem com
jeito de executivo parou do meu lado e ofereceu ajuda.
Aceitei com um sorriso, ele pegou e em seguida
perguntou se eu queria dividir um táxi.

Olhei-o, era muito bonito, aparentava estar cansado e


talvez estivesse no mesmo voo que eu. Sorri pronta para
negar com jeitinho quando um braço tatuado pegou a
mala que segurava.

Olhei para o dono do braço e suspirei, puta que pariu,


Louis estava ainda mais gostoso. Ele estava bem sério e
encarando um homem.

— Obrigado, mas ela já tem carona para casa. — Louis


estava sério e cara sorriu sem graça, saindo de perto. —
Oi, baby Cat.

Louis estava tão diferente, tão homem, mais forte e tão


diferente. Havia algo completamente fora do garoto que
eu lembrava. Como se existisse uma sombra nos seus
olhos e não mais um olhar de menino tão bom quanto
um príncipe.

— Baby Cat, Louis? Sério? — Bati no seu braço e ele me


abraçou. —

Você não precisava vir. — Cristo, que homem cheiroso.

— É claro que viria te buscar. Caramba. Você está


diferente! — Me segurou pelos ombros e me deu uma
boa olhada. Aproveitei para fazer o mesmo e camisa
justinha mostrava que passava bastante tempo na
academia.

— Mais velha?

Louis me deu uma olhada rápida.

— É... Mais velha. — Concordou e sorri. — Vamos? Vou te


levar em casa e à noite, teremos um jantar de boas-
vindas. — Pegou minhas duas malas e foi empurrando na
sua lateral.
Ethan e Charlotte.

Nos jardins do Palácio Buckingham

Era uma vez uma garotinha de cabelos castanhos


correndo entre os arbustos. Aos sete anos, usava duas
tranças bem apertadas, exibindo o rosto sardento e o
olhar emoldurado por cílios espessos. Ela tinha um ar
travesso, de quem sabia o que queria e aprontava
porque não havia quem tivesse coragem de lhe dar
limites.

Uma princesa. Quem lhe daria limites?

Ela virou abruptamente e bateu de frente com um pré-


adolescente, que estava reunido com seus amigos. Ele a
segurou pelos ombros, percebendo que sua roupa
perfeitamente alinhada ficou arruinada pelas mãos dela,
cheias de lama. O futuro duque olhou para a garota e
ganhou um sorriso travesso de volta.

Foi ali que a guerra entre eles começou.

Todos já esperavam uma travessura ou uma discussão


protagonizada pelos dois ao longo dos anos e nas rodas
de fofoca da alta sociedade, se perguntavam se um dia
haveria uma trégua e quem seria o primeiro a balançar a
bandeira branca da paz.

Até que os sinos badalaram e um casamento foi


anunciado.
SOBREAAUTORA

Mari Cardoso, é como se chama a autora nascida no


litoral fluminense, no início dos anos 90. Com a mãe
professora Mari sempre teve aguçado o amor pelos
livros. Em 2019 iniciou sua carreira como autora
profissional, hoje possui duas séries em destaque; Elite
de Nova Iorque e Poder e Honra.

Tornou-se autora best seller no ano de 2020 com o


romance Perigoso Amor.

Ela possui algumas histórias publicadas na Amazon.

Suas redes sociais:

www.instagram.com/mcmaricardoso

www.twitter.com/mcmaricardoso

www.mcmaricardoso.com.br

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AGRADECIMENTOS

Este trabalho não seria possível com a incomparável


ajuda profissional da revisora Dani Smith, da betagem
sensível da Paula Guizi. Agradeço imensamente o apoio
destas mulheres no período de construção dessa história
assim como a força e incentivo da minha parceira de
trabalho, D.A Lemoyne.

Não poderia deixar de fora a torcida das minhas leitoras


em nossos grupos de contato e o carinho excepcional (e
paciência) da minha amada mãe nos dias de muito
trabalho.

Gratidão eterna.

[1] Mãe em turco. A mãe da Rawan é da Turquia.

[2] Pai em muitos países árabes.

[3] Emirado criado para esta história.

[4] O Ramadã, também escrito como Ramadan, é o nono


mês do calendário islâmico, que se baseia nos ciclos
lunares e possui 354 ou 355 dias.

[5] Jallab ou Jellab é um tipo de xarope de frutas popular


no Oriente Médio feito de alfarroba, tâmaras, melaço de
uva e água de rosas.

[6] Sheik de Rheadur, amigo do Abdar e personagem do


livro A Esposa Contratada do Sheik – D.A Lemoyne.

[7] Cidade fictícia de Al-Abadi

[8] País fictício no mar celta criado para série Princesas


Modernas
[9] Princesa do livro II da série Princesas Modernas.

[10] Ducado britânico inventado para o livro.


Document Outline
Sinopse
Prólogo | Rawan Aisha
Prólogo | Abdar Khan.
Capítulo 1 | Abdar.
Capítulo 2 | Rawan
Capítulo 3 | Rawan.
Capítulo 4 | Abdar.
Capítulo 5 | Rawan.
Capítulo 6 | Rawan.
Capítulo 7 | Abdar.
Capítulo 8 | Rawan.
Capítulo 9 | Rawan.
Capítulo 11 | Rawan.
Capítulo 13 | Abdar.
Capítulo 14 | Rawan.
Capítulo 15 | Rawan.
Capítulo 16 | Abdar.
Capítulo 17 | Rawan.
Capítulo 18 | Rawan.
Capítulo 19 | Abdar.
Capítulo 20 | Rawan.
Capítulo 21 | Rawan.
Capítulo 22 | Abdar.
Capítulo 23 | Rawan.
Capítulo 24 | Rawan.
Capítulo 25 | Abdar.
Capítulo 26 | Rawan.
Capítulo 27 | Rawan.
Capítulo 28 | Abdar.
Capítulo 29 | Rawan.
Capítulo 30 | Rawan.
Capítulo 31 | Abdar.
Capítulo 32 | Rawan.
Capítulo 33 | Rawan.
Capítulo 34 | Abdar.
Capítulo 35 | Rawan.
Capítulo 36 | Rawan.
Capítulo 37 | Abdar.
Capítulo 38 | Rawan.
Epílogo | Rawan.
Epílogo | Abdar.
Eduardo Medina
Louis e Catarina.
Ethan e Charlotte.
SOBREAAUTORA
AGRADECIMENTOS

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