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© A. C.

Silva

Todos os direitos reservados.


É proibida a reprodução de parte ou totalidade da obra sem a autorização prévia. Todos
os personagens desta obra são fictícios. Qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas terá
sido mera coincidência.

Capa: Dennis Romoaldo


Revisão: Miriam Aguiar
Diagramação: Miriam Aguiar
Edição: Editora Sonhos de Tinta
Sumário

DEDICATÓRIA
CAPÍTULO UM
CAPÍTULO DOIS
CAPÍTULO TRÊS
CAPÍTULO QUATRO
CAPÍTULO CINCO
CAPÍTULO SEIS
CAPÍTULO SETE
CAPÍTULO OITO
CAPÍTULO NOVE
CAPÍTULO DEZ
CAPÍTULO ONZE
CAPÍTULO DOZE
CAPÍTULO TREZE
CAPÍTULO CATORZE
CAPÍTULO QUINZE
CAPÍTULO DEZESSEIS
CAPÍTULO DEZESSETE
CAPÍTULO DEZOITO
CAPÍTULO DEZENOVE
CAPÍTULO VINTE
CAPÍTULO VINTE E UM
CAPÍTULO VINTE E DOIS
CAPÍTULO VINTE E TRÊS
CAPÍTULO VINTE E QUATRO
CAPÍTULO VINTE E CINCO
CAPÍTULO VINTE E SEIS
CAPÍTULO VINTE E SETE
CAPÍTULO VINTE E OITO
CAPÍTULO VINTE E NOVE
CAPÍTULO TRINTA
CAPÍTULO TRINTA E UM
CAPÍTULO TRINTA E DOIS
CAPÍTULO TRINTA E TRÊS
CAPÍTULO TRINTA E QUATRO
CAPÍTULO TRINTA E CINCO
CAPÍTULO TRINTA E SEIS
CAPÍTULO TRINTA E SETE
CAPÍTULO TRINTA E OITO
CAPÍTULO TRINTA E NOVE
EPÍLOGO
AGRADECIMENTOS
DEDICATÓRIA

Esse livro é para você, minha doce Aurora, você foi mais
do que um curto período de tempo e eu sempre vou me perguntar
como teria sido te conhecer.
Esse livro também é para vocês, as pessoas que eu mais
amo nessa vida: mamãe, papai e maninha.
CAPÍTULO UM

Ser parte da máfia nunca foi uma escolha.


Assim como também não foi da minha mãe, minhas irmãs e das outras mulheres que
estavam enredadas nas teias daquele sistema como presas de uma aranha.
Sempre considerei cruel a maneira como as mulheres eram tratadas. Éramos educadas
para sermos o estereótipo perfeito de submissão, todas precisavam ser como bonecas, que
carecem de cérebro e de sua capacidade de discernir, de poder decidir e escolher o próprio
futuro.
De tomar suas próprias decisões. Pensei com tristeza.
As mulheres eram encaradas como substituíveis e úteis apenas para a reprodução.
Vivi essa injustiça dentro da minha casa, a casa dos Marchetti.
Quando minha mãe morreu, meu pai antes mesmo de seu corpo esfriar, já estava se
casando com outra mulher apenas seis anos mais velha do que eu, o pior de tudo foi a desculpa
tola que ele nos deu.
— Só quero que alguém crie bem vocês, minhas filhas — dissera ele quando
questionado.
É claro que era mentira, se ele se preocupasse tanto com o bem-estar de suas filhas, ele
teria escolhido uma esposa melhor e não a víbora da minha madrasta.
Tudo poderia ter acabado com o casamento repentino do meu pai, mas não, também tinha
a injustiça que havia ocorrido com a minha irmã Anna.
Todos os momentos em que eu pensava nela o meu coração se quebrava em milhões de
estilhaços. Anna havia se casado contra a sua própria vontade com Diogo Vitalle, o caporegime
do clã de Miami. Ela tinha recém completado dezoito anos, estava terminando o ensino médio, e
fora entregue a um homem quase vinte anos mais velho do que ela.
Eu e as minhas duas irmãs, Anna e Marina, éramos filhas do consigliere do nosso clã. A
Camorra era dividida por clãs e cada um possuía um caporegime para liderá-la. No entanto,
acima de todos nós e liderando com maestria, havia o capo crimine, ou seja, o nosso chefe.
O meu pai era o consigliere do capo crimine, o líder do nosso clã, que se chamava Luigi
Salvattore. Ele havia sido coroado como chefe da Camorra recentemente. Lucca Salvattore, seu
pai, foi morto num ataque orquestrado pela Yakuza. Agora Luigi, um jovem viúvo, temido por
todos, era o nosso novo líder.
Havia alguns boatos que circulavam pelos corredores da Camorra, de que ele estava à
procura de uma esposa para lhe dar o sonhado herdeiro, visto que a sua bella mogli[1] e o filho
que ela estava esperando, havia morrido em um acidente.
Embora eu me sentisse triste pela Antonella e por seu bebê, visto que eles foram as
únicas vítimas das atrocidades de Luigi e do sistema da máfia, eu desconfiava que a sua morte
teria sido apenas um acidente. Sempre cogitei a hipótese de que seu marido a havia matado, ele
não seria o primeiro mafioso a fazer isso.
Cada célula do meu corpo repugnava Luigi Salvattore, eu jamais suportei a sua atitude
soberba e por mais que já tivéssemos nos esbarrado diversas vezes, eu e aquele arrogante nunca
nos demos bem, ele me causava arrepios.
Para mim, Luigi era o típico homem pavão, o homem que se regozijava com a ideia de
que todos o temiam e o obedeciam.
Eu particularmente achava aquilo uma tolice.
— Valentina, o jantar está para ser servido. — Olhei para a porta e Bianca, minha
madrasta intragável, estava parada ali. Seus cabelos dourados estavam soltos e ela estava usando
um vestido vermelho como rubi. Franzi minha testa, aquelas não eram as roupas comuns que
Bianca usaria para um jantar informal.
— Estou sem fome — falei enquanto organizava os livros da minha prateleira.
Bianca nunca havia entendido o fato de eu preferir passar meu tempo lendo ao invés de ir
ao shopping comprar roupas fúteis e imorais para encontrar um bom marido.
— Seu pai exige sua presença, Valentina. — Bianca ergueu as sobrancelhas claras ao
dizer. — Por mais que seja maravilhoso não receber seu veneno por um breve período, é melhor
você descer.
— A única pessoa capaz de destilar veneno em alguém é você — retruquei enquanto
virei-me para ela. — Assim como você fez com a minha mãe, se esqueceu?
Uma parte de mim sempre acreditou que minha mãe havia morrido envenenada e a única
pessoa que encabeçava a lista de suspeitos era Bianca, era nítida a ambição dela em se tornar a
esposa do consigliere, visto que ele era o terceiro mais importante da Camorra, ficando atrás
apenas do capo crimine e do subchefe do clã.
— Sua peste — ela sibilou, tal como uma cobra, e se aproximou de mim.
Bianca era alguns centímetros mais alta do que eu, por isso, projetei meu queixo para
frente, para então parecer mais alta.
— Eu já disse que da próxima vez que você falasse isso eu te daria uma surra, você quer
me testar mesmo?
— Você não se atreveria — repliquei, sentindo minha voz tremer, odiei-me por isso.
Bianca apenas sorriu e se afastou.
— Use algo mais bonito do que esses seus trapos — ela retorquiu, erguendo o queixo, e
saiu do quarto.
Observei meu reflexo no espelho, contrariada. Qual era o problema das minhas roupas?
Eram simples e confortáveis, eu preferia mil vezes meus jeans do que aquelas roupas de Bianca.
Suspirei, irritada.
Eu não iria trocar o que eu estava usando apenas para agradar aquela víbora. Por isso,
apenas soltei os meus cabelos castanhos e troquei a minha blusa. Olhei-me novamente no
espelho, mas desta vez não era para me examinar, na verdade, era com desgosto que eu
observava o meu reflexo.
De todas as filhas, apenas eu não havia herdado os cabelos ruivos da minha mãe, as
únicas sortudas haviam sido Anna e Marina, que eram parecidas com ela. Eu sempre desejei
parecer com a minha mãe, mas o destino reservou outra coisa para mim. A única coisa que eu e
minhas irmãs tínhamos em comum eram os olhos azuis idênticos à safira.
Já os meus cabelos vinham do meu pai e da sua família tipicamente italiana. Ele sempre
contava histórias de que quando minha mãe o olhava com frieza ela poderia congelar todo o local
em que estava e principalmente o coração de alguém. Meu pai também disse que eu havia
puxado isso dela e tornava quase impossível discutir comigo devido à intensidade do meu olhar.
Com um suspiro, olhei-me uma última vez no espelho e encaminhei-me para a sala de
jantar. Quando eu estava no corredor, o cheiro da nossa comida italiana entrou pelas minhas
narinas e a minha barriga roncou nada discretamente. Mesmo que eu estivesse faminta, o meu
orgulho não me deixaria demonstrar aquilo para Bianca.
No entanto, ao chegar à mesa, minha fome, que eu tentava esconder, desapareceu. De
frente para uma cadeira vazia estava Luigi Salvattore, com sua postura arrogante. O que diabos
ele fazia aqui?
A presença daquele homem era tão desagradável que o ar a sua volta era contaminado
com uma tensão quase palpável. Sentei-me na única cadeira vazia — a que estava de frente para
Luigi — e seus olhos escuros me examinaram com curiosidade. Eles me incomodavam, pois,
pareciam dois botões idênticos ao do filme Coraline.
— Valentina. — Luigi me cumprimentou com sua voz grave e fria, apenas acenei com a
cabeça.
Eu havia percebido o que meu pai queria fazer com aquele jantar, com aquele único lugar
vazio na mesa. Ele esperava que aqueles breves momentos sentados ali, um de frente para o
outro, fizesse Luigi querer se casar comigo.
Aquilo era impossível de acontecer.
Por mais que tivéssemos crescido praticamente juntos, mesmo com nossa diferença de
idade de seis anos, durante toda a minha infância ele me irritou com brincadeiras idiotas e eu o
insultei de todas as formas possíveis. E claro, eu jamais me esqueceria da noite em que Luigi
disse com todas as letras que jamais se casaria comigo, não para mim, mas sim para o seu irmão.
Nós jamais estaríamos ligados ao laço do matrimônio.
Notei que Marina me olhava com um misto de horror e divertimento, até mesmo minha
irmãzinha usava roupas de festa, apenas eu estava de jeans. Como peças de um quebra cabeça,
tudo começou a se encaixar na minha mente, um jantar com o capo crimine no nosso mundo era
um evento importantíssimo, nós precisávamos estar todos bem vestidos. Por que raios ninguém
me avisou que aquele patife iria se juntar a nós no jantar?
— Que roupas são essas? — Bianca perguntou, me olhando com desgosto. — Me lembro
de ter sido bem enfática sobre o não uso de jeans.
Ergui o queixo teimosamente.
— Ninguém me avisou que esse seria um jantar especial — respondi.
Eu conseguia sentir a intensidade do olhar de Luigi em mim.
— Avisei no café da manhã — meu pai respondeu enquanto bebia um pouco do seu
vinho. — E como sempre, você não prestou atenção.
Olhei para o meu prato, aquela era uma acusação que eu não podia refutar. Para
sobreviver naquela prisão, eu simplesmente ignorava o mundo ao meu redor e só prestava
atenção em uma única pessoa: Marina.
— Marco, sua filha perde tanto tempo lendo que não ouve nada do que falamos. —
Bianca falou secamente.
Revirei os olhos diante daquela acusação idiota, como se os livros fossem os culpados. A
única maneira de conseguir fugir dos meus problemas era através deles, aquele monte de papéis e
palavras, eram a única liberdade que eu poderia ter. Bianca e a sua falta de assuntos interessantes
que era o problema.
Eu sabia que retrucar aquela víbora na frente do capo crimine não seria a melhor das
decisões, mas eu estava farta das suas provocações e das falas incoerentes sobre livros.
— Bianca, — falei com um suspiro — não te contaram? Ler expande a mente e a torna
inteligente, não surda.
Ela arfou e bebeu um pouco de vinho na sua taça, suas mãos tremiam de irritação. Um
sorriso ameaçou surgir no meu rosto, era satisfatório vê-la daquela maneira, contudo, desviei o
olhar dela e acabei encontrando os olhos de Luigi, que me examinava com diversão.
Aquilo me deixou intrigada e eu fechei a cara para ele.
— Papai, quero um cachorrinho. — Marina falou pela primeira vez, olhei para ela com
todo o amor que eu sentia pela minha irmã. Um sorriso sincero surgiu nos meus lábios. —
Acredito que eu já tenha idade o suficiente para ter um.
Meu pai suspirou e deu um tapinha carinhoso na mão da minha irmã. Eu podia reclamar
sobre diversas coisas a respeito dele, contudo, para Marina meu pai era bom, carinhoso, sempre
dava atenção e brincava com ela.
— Não sei se no momento é uma boa ideia, minha princesa.
— Por quê? — Marina perguntou chorosa. Bianca olhou chateada para o meu pai, ela
parecia irritada por ele não dar um cachorro para Marina?
Que estranho.
Contudo, Marina era Marina, todos a amavam, era impossível não se render a doçura da
minha irmã.
— Porque meu pai não quer dar um motivo para nos divertirmos nessa prisão que ele
chama de lar — falei de maneira doce.
Meu pai apenas me olhou e bebeu o seu vinho.
— Creio que no momento este não seja um assunto interessante para tratar com o chefe
em nossa mesa. — Bianca falou, tentando consertar a situação.
Luigi deu de ombros, como se dissesse que não se importava com aquilo.
— Marco, gostaria de agradecer pelo jantar — ele falou friamente. Sua voz nunca era
calorosa, pelo menos não comigo ou com qualquer outra pessoa. — O cheiro está muito
agradável.
— Fico feliz que esteja contente com o jantar, Luigi — meu pai o respondeu com um
sorriso posado. — Contudo, eu gostaria de me desculpar pela atitude e a vestimenta de
Valentina, sei o quanto você preza pelos nossos bons costumes.
Bufei.
— Meu Deus, que tanto drama por conta de um jeans — reclamei, irritada.
Não só a bochecha do meu pai, como também todo o seu rosto e pescoço ficaram
vermelhos.
Luigi ergueu as sobrancelhas para mim.
— As roupas dela não me incomodam — ele falou, me olhando por cima da taça que
descansava nos seus lábios, mas ignorei seu olhar. — Bem, mas vamos aos negócios, certo? —
Meu pai assentiu.
Franzi a testa achando aquilo estranho, não era normal que os homens discutissem os
negócios perto das mulheres. Senti um ardor no braço e vi que Bianca havia me dado um
beliscão, olhei para ela com uma vontade absurda de devolver a agressão, mas eu não podia fazer
aquilo na frente do capo crimine, eu não era tão louca assim.
— Como você sabe, eu preciso me casar novamente. — Luigi disse após afastar a taça
dos seus lábios.
Olhei de novo para o homem sentado de frente para mim, sentindo-me ligeiramente
curiosa. Eu sabia que o meu pai era o consigliere, mas o que Luigi esperava que meu pai fizesse?
Ele esperava que meu pai forçasse uma pobre moça a se casar com aquele ser desprezível?
— Me perdoe a indiscrição, mas por quê? — Marina perguntou com a inocência de uma
menina de doze anos. Olhei para ela e para o meu pai, que estava chocado com a sua interrupção.
Todos sabiam as consequências de se interromper uma conversa entre homens.
Luigi poderia mandar surrá-la. No entanto, para a minha surpresa, ele apenas sorriu com
o ávido interesse de Marina.
— O seu pai apontou que através do casamento vai ser mais fácil conseguir o apoio do
conselho, eles me verão capaz de cuidar do clã se eu tiver um herdeiro e souber administrar bem
a minha família — ele concluiu.
Os olhos de Marina brilharam.
— Isso é tão romântico — ela falou com um sorriso.
Revirei meus olhos, totalmente contrária aquela afirmação. Não havia nada de romântico
em se casar apenas por obrigações, não havia amor, apenas negócios.
— Não é não — murmurei enquanto nossa empregada colocava bisteca Fiorentina no
meu prato.
Todos me ignoraram, e Luigi voltou o seu olhar para o meu pai.
— Bom, e como você me informou, Marco, eu preciso de alguém de confiança para
escolher como novo caporegime para cuidar do clã daqui de Chicago, já que estou voltando para
Nova Iorque — ele disse por fim.
Senti o ar pesar ao nosso redor.
Sabíamos bem o quão glamouroso era a vida de um caporegime, o homem a quem Luigi
escolhesse iria simplesmente cuidar de tudo em Chicago, ele seria como um capitão, que passaria
todas as ordens de Luigi, que estaria cuidando de tudo em Nova Iorque.
Era uma conquista e tanto. Felizmente, para mim, aquilo não tinha importância alguma.
— Ah, você está voltando por quê? — Marina perguntou enquanto bebia suco de laranja.
Luigi deu um sorriso.
— A minha estadia aqui acabou se tornando breve, eu voltei apenas para resolver as
coisas pendentes que meu pai deixou antes de morrer. No entanto, a minha residência é em Nova
Iorque e eu posso cuidar da Camorra estando lá. Só preciso de apoio por aqui, por isso é
necessário um caporegime de confiança. — Luigi respondeu com educação.
Ergui as sobrancelhas.
— Achei que você fosse fazer como o seu pai e ocupar o cargo de chefe aqui, não em
Nova Iorque — falei.
Luigi olhou-me incomodado, pelo visto ele não se importava com crianças se
intrometendo na conversa, mas uma adulta como eu era completamente diferente.
— A minha intenção era cuidar da Camorra aqui de Chicago, mas os negócios no clã de
Nova Iorque estão se tornando promissores, inicialmente seria prudente eu cuidar de perto. — A
voz de Luigi estava calma, parecia até que ele gostava de falar sobre aquele assunto.
Olhei para Luigi, desconfiada, por que ele estava contando todos aqueles detalhes para
mim e para minha irmã?
— E o que temos a ver com isso? — Perguntei, cansada de toda aquela enrolação. Luigi
olhou para mim, pensativo.
— O Marco não conversou com você? — Ele perguntou intercalando o olhar entre o meu
pai e eu. Neguei com um leve balançar de cabeça, fazendo com que Luigi arqueasse as
sobrancelhas grossas e escuras para o meu pai. — Temos um problema aqui, Marco.
Meu pai parecia nervoso.
— Eu simplesmente não tive tempo de dar a notícia a ela — ele respondeu, tenso.
Franzi a testa.
— Hã, que notícia? — Questionei, sentindo estranheza em toda aquela situação. Resolvi
beber um gole de água, pois estava me sentindo inquieta com todo aquele mistério dos dois,
havia uma sensação ruim pairando sobre as nossas cabeças.
Luigi olhou para mim e havia um brilho estranho no seu olhar.
— Seu pai me deu a ideia de eleger seu cunhado, Diogo, como novo caporegime do
nosso clã de Chicago. Segundo o seu pai, ele é um homem de confiança e está fazendo um
excelente trabalho em Miami, mas tem uma condição para que isso se concretize. — Luigi falou
enquanto abria um sorriso que me encheu de medo.
— E qual seria essa condição? — Perguntei.
Luigi olhou para o meu pai e depois para mim.
— A condição é que você se tornasse minha esposa — ele respondeu a minha pergunta
com o rosto sério.
Olhei para os dois e comecei a rir, aquilo era piada. Só podia ser uma piada muito sem
graça.
— Qual é a graça, garota? — Bianca sibilou, seus olhos verdes se arregalaram.
Apontei para todos na mesa.
— Tudo isso — falei, enquanto me levantava com rispidez, como consequência, derrubei
a cadeira contra o chão. O baque estrondoso fez Marina estremecer, droga. Eu não pretendia
assustar minha irmãzinha. — Eu não vou me casar com ele — falei, apontando para Luigi. —
Esse homem é um monstro e a sua esposa sabia muito bem disso, não é à toa que ela está morta.
Um brilho de irritação passou pelo rosto de Luigi e ele franziu os olhos.
— O que disse? — Ele perguntou em voz baixa, mas fiquei em silêncio, apenas
sustentando seu olhar cheio de amargura.
— Valentina… — Meu pai me repreendeu.
Tentei desafiar meu pai com o meu olhar, mas eu não consegui desviar meus olhos de
Luigi, eu estava presa com a intensidade que pairava dele.
Aquele homem poderia ser o próprio demônio.
— Se desculpe com o seu futuro marido — meu pai ordenou.
Engoli em seco. Eu preferia levar uma surra a me desculpar por dizer a verdade.
— Não — falei com a voz tensa. — Ele não vai ser meu marido.
— Não me subestime, Valentina — meu pai gritou. Ele levantou-se com suas mãos
prontas para me segurar e me surrar, sempre que eu o desafiava ele fazia isso. — Peça desculpa
agora! — Estremeci com a raiva na sua voz, mas ergui meu queixo e fiz que não com a cabeça.
Eu jamais me desculparia.
Meu pai esticou o braço para me bater na bochecha, mas eu não iria fechar os olhos, não
iria ser covarde. Esperei pela bofetada, contudo, ela nunca veio, porque Luigi levantou e segurou
o braço do meu pai.
— Você não vai fazer o que está pensando. — A voz de Luigi estava cortante como
lâminas afiadas. — Valentina é a minha futura esposa e lidarei com ela da forma que eu achar
melhor.
Olhei para ele em choque.
Luigi havia me protegido, me livrado de uma surra, provavelmente para ele mesmo dar
uma pior em mim.
— É claro — meu pai respondeu, ajeitando a gravata, e se sentou. — Como preferir, o
meu escritório está à sua disposição.
Luigi saiu do seu lugar e se aproximou do meu, pegou-me pelo braço e puxou-me sem
nenhum pingo de gentileza.
Estávamos indo em direção ao escritório do meu pai, mas antes de passar pelas portas de
vidro, olhei para trás uma última vez e vi uma expressão indecifrável no rosto de Bianca, a
pequena Marina estava com os olhos arregalados e cheios de lágrimas. E meu pai? Bom, ele nem
sequer se importava com o que iria acontecer comigo.
Engoli a vontade de chorar.
— Me solte! — Exclamei, enquanto tentava me livrar das garras de Luigi no meu braço.
— Você vai levar a si mesma a destruição, sabia? — Ele falou de costas para mim
enquanto me arrastava pelo carpete do escritório do meu pai.
O ar abafado do local acertou-me em cheio, me deixando sufocada.
— Eu não me importo — falei dando de ombros. — Castigue-me com uma surra, eu não
vou me desculpar, você é o que tem de pior no mundo e eu não sou covarde para retroceder no
que eu disse.
Luigi me soltou, apenas para fechar a porta do escritório e trancá-la. Estremeci, sentindo
medo do que poderia acontecer comigo. Ele virou-se lentamente e olhou para mim, nada
contente com a minha língua. Era visível que os meus sentimentos de ódio por aquele homem
eram recíprocos.
Uma risada amarga escapou dos seus lábios.
— Qual é a graça? — Perguntei rispidamente. — Que eu saiba, eu não sou palhaça e nem
estou fazendo gracinhas para arrancar risos de você.
Luigi suspirou, deslizando os dedos na sua barba escura e se apoiando na porta. Eu nunca
havia reparado no quanto ele era alto e forte.
— Você de fato não é uma palhaça e muito menos covarde, só é muito idiota. — Assim
que aquelas palavras saíram dos seus lábios, o meu olhar se encontrou com o dele, eu estava de
fato surpresa com aquele insulto.
— Se falar a verdade é um novo sinônimo para idiota, então sou com prazer — retruquei.
Luigi balançou a cabeça com impaciência, colocando suas duas mãos na cintura. A pose
era engraçada, considerando o fato de ele ser tão másculo.
— Sou contra violência em mulher, logo não vou te bater, sua inconsequente. — Luigi
respondeu.
Segurei a vontade de abrir a boca em choque.
— E como pretende me punir? — Perguntei enquanto tentava não transparecer minha
surpresa. Eu tinha a certeza de que ele batia na Antonella. Era isso que as mulheres sempre
cochichavam nas reuniões dos clãs.
Luigi suspirou.
— É só pedir desculpas e não haverá punição — ele falou. Cruzei os braços e neguei
lentamente, Luigi se aproximou e segurou-me pelos braços. — Peça desculpa!
Abri um sorriso cheio de acidez.
— Eu não vou me desculpar — respondi secamente. — Eu não menti, você é um
monstro.
— Ha-há! — Luigi segurou meu queixo, o toque do seu dedo queimava contra a minha
pele e todo o meu corpo tremia de irritação. — É bom que você pense que sou um monstro, pelo
menos o seu temor vou ter.
Naquele momento eu soube, Luigi iria me punir, ele iria fazer com que eu o temesse, já
que pelo visto eu não o respeitava. Contudo, algo estranhamente diferente de uma punição
aconteceu. Ao invés de bater em mim e gritar comigo, Luigi ficou em completo silêncio, eu
apenas conseguia ouvir o som das nossas respirações.
Seu olhar desceu lentamente até os meus lábios.
As mãos de Luigi deslizaram pelo meu pescoço e ele o segurou, mas não de uma forma
agressiva, na verdade, seu toque era delicado, forte o suficiente apenas para erguer minha cabeça
e obrigar-me a olhá-lo nos olhos. Eu queria desviar meu olhar do seu, mas Luigi havia
impossibilitado que eu fizesse isso, seus olhos haviam me hipnotizado e me prendido ali.
Seu rosto aproximou-se lentamente do meu, assim como sua boca, que tocou a pele macia
e rosada dos meus lábios em um beijo suave e cheio de malícia.
O meu corpo se agitou com o toque dos seus lábios nos meus e com a sua língua tocando
pecaminosamente na minha. Um fogo começou a crescer dentro do meu ventre a cada toque de
Luigi, a cada momento em que seus lábios me buscavam famintos, a cada instante em que a
intensidade do nosso beijo crescia.
Nós nos aproximamos da mesa de mogno do meu pai e Luigi me apertou contra seu
corpo e contra a escrivaninha. Todo o seu corpo tocava o meu e eu sentia cada parte de Luigi em
mim. Deslizei minha mão, timidamente, até os fios grossos e macios do seu cabelo castanho, e
afundei meus dedos neles. De repente, um frio tomou conta do meu corpo quando Luigi se
afastou. Seus olhos estavam com um brilho sádico que fez os pelos do meu corpo se arrepiarem.
— Você vai servir — ele falou, se afastando enquanto ajeitava o seu terno.
Uma onda de ódio atingiu-me com força.
— Você fala como se estivesse avaliando um cavalo para comprá-lo — retruquei,
limpando a minha boca. Eu jamais o deixaria me beijar novamente.
Luigi olhou para mim com um divertimento brilhando nos seus olhos da cor do carvão.
— Seria interessante se você fosse um cavalo — Luigi falou, ponderando. — Assim eu
seria poupado de ouvir suas asneiras. — Ao ouvir o que disse, arregalei meus olhos,
completamente irritada com ele. — Você e o cavalo até que têm algo em comum, ambos
precisam ser domesticados.
— Como ousa me insultar, seu… seu… — tentei pensar em alguma palavra bem ruim
para Luigi, mas fui impedida, pois ele me interrompeu.
— Irresistível? — Luigi falou, encostando-se levemente na porta e cruzando os braços,
obviamente se divertindo. — Homem dos sonhos de qualquer mulher?
Bufei.
— Se você aparecesse nos meus sonhos, ele imediatamente se tornaria um pesadelo —
cuspi as palavras. — E faça o favor de nunca mais me beijar.
Um sorriso feroz foi crescendo nos lábios de Luigi.
— Valentina Marchetti... — ele se aproximou de mim como se fosse um leão se
preparando para agarrar sua presa, seus olhos brilhavam de excitação. — Você…
Luigi deslizou lentamente o dedo indicador pelo meu queixo e pelo pescoço, fazendo
uma trilha de calor pelo meu corpo.
Engoli em seco e notei que ele também.
— Você vai implorar por um beijo meu — sua voz foi um sussurro rouco.
Luigi afastou-se de mim novamente e abriu a porta do escritório, saindo pelo corredor e
deixando-me completamente atordoada com a intensidade das suas palavras. O que ele estava
planejando? Se antes eu não servia, o que havia mudado agora?
Meu corpo estremeceu com aquele pensamento.
CAPÍTULO DOIS

No dia seguinte acordei decidida a impedir aquele casamento.


Entrei tempestuosa no escritório do meu pai, evitei olhar demais para a escrivaninha. A
última coisa que eu queria era pensar em Luigi e no gosto de vinho dos seus lábios.
Meu pai estava sentado na sua confortável poltrona marrom enquanto acendia um
charuto, ele estava completamente imerso no conteúdo do seu celular, por isso sequer notou a
minha presença. Dei uma tossida para chamar sua atenção.
Meu pai olhou-me assustado e sentou-se com as costas eretas.
— Por Deus, Valentina — ele resmungou. — Você quase me matou de susto.
Meu pai notou minha cara de poucos amigos e indicou para que eu sentasse na cadeira de
frente a dele, mas eu recusei.
— O que você quer? Já vou avisando que a minha manhã já começou agitada e eu não
estou com paciência para os seus ataques — meu pai falou impaciente.
Ergui as sobrancelhas, como se eu fosse o tipo de garota que dava ataques.
— Eu só vim avisar que não vou me casar — falei tentando manter a calma, eu não iria
dar nenhum ataque, nossa conversa iria ser madura e extremamente adulta. — E não adianta me
obrigar, eu não me caso com aquele homem.
Lembrei de Luigi e sua ousadia em dizer que eu serviria, como se eu fosse uma… uma
qualquer.
— Eu sabia que um dia você seria a culpada pela minha morte. — Meu pai me encarou
com seus olhos escuros. — Você vai se casar sim.
Cruzei os braços, inconformada com aquela resposta.
— Me dê um motivo para eu me casar com aquele patifezinho — repliquei, sentando-me
de frente para ele.
Meu pai colocou o charuto entre os lábios e deu uma tragada, após assoprar a fumaça
espessa, ele suspirou prazeroso.
— Eu posso dar até dois — meu pai falou com um sorriso brincalhão nos lábios.
— Duvido — murmurei.
— Bom, o primeiro motivo e o que vai agradá-la mais é o fato de Diogo e Anna se
mudarem para perto de nós, eu sinto falta da minha filhota, você não sente? — Ele me
perguntou, e eu suspirei.
Eu não havia pensado naquilo.
— É claro que eu sinto falta dela — retruquei, meu pai ergueu as sobrancelhas.
— Bem, o segundo motivo é o fato de Luigi ser o chefe de toda a Camorra e apenas isso
já é um grande motivo, na verdade, é uma honra se casar com alguém tão poderoso e influente.
— Ergui as sobrancelhas como se aquilo não passasse de um monte de bobagem.
Luigi poderia ser o chefe do meu pai, mas jamais seria o meu chefe.
— Se é uma honra tão grande assim para o senhor, então case você com ele — respondi
secamente, meu pai franziu a testa.
— Olha, filha, eu sei que você detesta o mundo injusto da máfia, eu já compreendi isso
— ele falou, colocando novamente o charuto entre os lábios, após dar outra tragada, meu pai
prosseguiu: — Mas não tem como mudar, você nasceu nesse mundo, simplesmente aceite o fato
e dance conforme a música.
Neguei com a cabeça, eu não conseguiria aceitar tão fácil aquela vida.
— Eu não posso simplesmente aceitar essa injustiça — respondi. — Se todos desistissem
de lutar, hoje não estaríamos aqui.
Meu pai deu um longo suspiro.
— Valentina, o bom jogador sempre sabe quando é necessário reconhecer a derrota —
ele falou com o olhar duro para mim.
Olhei descontente para o meu pai, no fundo, eu sabia que ele tinha razão, mas era querer
demais sonhar com liberdade? Sonhar com um mundo onde eu poderia me apaixonar e então me
casar? Sonhar com o mundo onde eu não precisaria temer pela minha vida e pela vida do meu
marido?
— Eu só queria me casar por amor — suspirei. — É pedir demais?
— No nosso mundo é. — Meu pai olhou para o baixo, então quando nossos olhares se
encontraram, pude enxergar sinceridade. — Sinto muito, minha filha, mas casar por amor é um
luxo que no momento não podemos ter, estamos em guerra com a Yakuza, a tríade e a Bratva,
quanto mais expandirmos a família e nos protegermos, melhor — meu pai disse gentilmente,
após concluir, ele deu um suspiro cansado.
Olhei para o meu pai me sentindo completamente cansada, eu não queria me casar com
aquele cretino beijoqueiro. Tentei não pensar em como era ser beijada por Luigi Salvattore,
pensar no fato de que na noite anterior ele me avaliou como se eu fosse um gado pronta para ele
comprar. Contudo, falhei miseravelmente, senti minhas bochechas corarem de raiva e olhei para
as minhas mãos, eu não queria que meu pai me visse vermelha.
— Não tem outro jeito? — Perguntei.
Eu não queria aceitar a derrota. Meu pai negou com um leve balançar de cabeça.
— Pense na Marina — ele falou baixinho. Mencionar minha irmã na conversa era
covardia, meu pai sabia que não havia nada no mundo que eu não faria por Marina, eu daria a
minha vida por ela sem pensar duas vezes. — Se você não se casar com Luigi, nós estaremos
desprotegidos, você vai envergonhar o chefe, você se lembra do que aconteceu quando o
envergonharam, certo? — Assenti contrariada.
Há muito tempo, quando Lucca ainda estava vivo, ele havia escolhido uma noiva para
Luigi, que na época não deveria ter nem mesmo seus dezoito anos, antes mesmo de Antonella
conquistar o seu coração. Contudo, a jovem escolhida se recusou a casar-se com ele, de alguma
forma ela até mesmo conseguiu fugir com o soldado que amava, mas infelizmente quem sofreu
foi sua família, Lucca virou as costas para todos eles e um belo dia toda a família foi morta a
sangue-frio pela Yakuza.
Se isso acontecesse com Marina, eu nunca me perdoaria. E foi só por ela que tomei a
decisão de me casar com Luigi.
— Certo, eu me casarei com ele — respondi resignada. Minha voz saiu irreconhecível
para mim, dura, fria e sem emoção alguma, parecia até mesmo que eu estava como uma
telespectadora, apenas observando o desenrolar da minha vida.
Meu pai tocou de leve na minha mão. Era visível a minha tristeza, a infelicidade estava
estampada no meu rosto.
— Com o tempo você vai gostar dele, o rapaz é um bom líder e protegerá você. — Ele
deu um sorriso sem jeito. — No nosso mundo isso vale mais do que amor.
Meu pai nunca foi bom em expressar seus sentimentos, só com Marina.
Suspirei.
— Saiba que faço isso apenas por Marina, que, assim como eu, não escolheu ser parte
disso — respondi, levantando-me decidida a sair daquele escritório que estava me deixando
claustrofóbica.
Eu sentia-me exausta e sufocada.
O meu coração dizia que aceitar aquele casamento seria assinar a sentença da minha
morte. Provavelmente eu terminaria como Antonella.
Morta.
Contudo, eu não iria demonstrar o meu medo na frente do meu pai, ele nunca iria me ver
assustada com aquele casamento. Saí do seu escritório e fui me esconder no meu quarto, mas
assim que me aconcheguei na cama ouvi uma batida suave na porta. Aquela batida só podia ser
da única pessoa que eu amava naquela prisão: Marina.
— Papai me falou que você aceitou se casar — minha irmã falou entrando no quarto e
fechando a porta. Assenti a contragosto, eu simplesmente não queria pensar naquela decisão,
pensar em conviver com aquele homem insuportável pelo resto da minha vida. — Eu não
acredito. — Marina se aproximou da minha cama e sentou-se do meu lado.
Olhei para a minha irmã, sentindo-me desgastada, desesperançosa.
— Nina, nem sempre iremos ganhar todas as batalhas — falei enquanto secava uma
lágrima teimosa que escorreu pela minha bochecha. — Terei que casar contra a minha vontade e
quanto mais rápido eu aceitar esse pesadelo, melhor.
Marina suspirou.
— Eu não acredito nisso — ela falou baixo. — As pessoas deveriam se casar se tiverem
amor entre si, é errado casar odiando o próprio marido.
Uma risada sem humor escapou dos meus lábios.
— Na máfia o amor é a maior fraqueza, irmãzinha — falei melancólica. — O que nos
move é o ódio, o desejo de matar, a retaliação dos nossos inimigos é o nosso combustível, o
sangue que corre em nossas veias.
Marina negou com a cabeça.
— Mas nem sempre foi assim — ela falou com certa alteração na voz. — Nosso pai gosta
de se vangloriar dizendo que nossos ancestrais criaram a máfia para cuidar dos seus, somos todos
uma só família, deveríamos ser movidos pelo amor e não pelo ódio.
— Ah, Nina! — Suspirei, deitando minha cabeça no seu colo. — A ideia da máfia no
início era ótima, mas muita corrupção e sujeira surgiu, hoje isso aí é só na teoria, a prática é
completamente diferente.
Marina suspirou enquanto fazia cafuné na minha cabeça, então com um fio de voz ela
perguntou:
— Você promete que não vai desistir de lutar? — Sua voz estava chorosa, aquilo foi o
suficiente para partir o meu coração. Sentei-me na cama e a abracei com força.
— Meu amor — falei em voz baixa enquanto secava suas lágrimas. — Eu jamais
desistirei de lutar, eu posso não ter ganhado a batalha, mas a guerra será minha, eu garanto.
Dessa vez eu não iria lutar para impedir aquele casamento.
Não.
Eu iria lutar pela minha vida.
CAPÍTULO TRÊS

Logo depois que aceitei o pedido de casamento, vieram os preparativos para a festa de
noivado. Bianca estava organizando tudo, ela amava festas e sempre que surgia uma
oportunidade, tomava a frente das coisas. Pela primeira vez eu estava feliz com a sua
proatividade, porque eu não estava nenhum pouco animada para auxiliar nos preparativos a fim
de oficializar a minha gaiola de ouro.
O meu querido casamento.
Observei o meu olhar vazio no espelho. Como eu havia sido obrigada a ficar apresentável
para a minha festa de noivado, a cabeleireira e a maquiadora haviam prendido meu cabelo escuro
em um coque e deixado apenas uma mecha livre. A maquiagem consistia numa sombra
extremamente pesada e um batom claro.
Eu não me sentia eu mesma.
Ouvi a porta abrir e virei-me para ver quem era, para meu desagrado a pessoa em questão
era Bianca. Ela estava bonita como sempre, mas o ar superior insistia em continuar naquele
olhar, o que a tornava feia.
— Seu pai quer ter certeza que você não irá usar jeans no jantar de noivado, então ele me
pediu para averiguar. — Bianca falou enquanto entrava no quarto.
Suspirei, dando de ombros.
— Não sei qual é o problema de usar jeans no meu jantar de noivado — resmunguei.
Bianca simplesmente ignorou o meu resmungo. Desde que eu havia aceitado o pedido de
casamento, ela havia mudado comigo, não estava mais insuportável como antes, além de ter
tomado conta de todos os preparativos do noivado. Por isso, engoli meu orgulho e minha mágoa
ao dizer:
— Obrigada.
Bianca olhou surpresa para mim.
— Pelo quê? — Ela perguntou.
Segurei minha mão nervosamente e comecei a brincar com os nós dos meus dedos, algo
que eu sempre fazia em momentos de tensão.
— Por cuidar de tudo tão bem — respondi.
Bianca deu um sorriso tímido.
— Quando fiquei noiva, minha mãe fez isso por mim, imaginei que você fosse querer
também, nesse momento a gente fica sem cabeça para pensar nesses detalhes. — Bianca disse,
ergui as sobrancelhas, surpresa.
— De qualquer forma, muito obrigada — falei, caminhando até o saco preto, onde estava
o meu vestido, e o abri.
Surpreendi-me com o que eu iria vestir. Era longo, com alças que provavelmente cairiam
pelos ombros e de seda vermelha, não era muito largo, por isso suspeitei que fosse ficar justo no
corpo.
— É muito bonito — Bianca falou com um sussurro, olhei para ela com a sobrancelha
erguida, então ela empinou o queixo, voltando a sua soberba de sempre. — Não demore, Luigi e
o que restou da família Salvattore estão aguardando na sala de jantar.
Bianca saiu do quarto fechando a porta com um baque surdo.
Tirei meu pijama e coloquei o vestido. Quando olhei meu reflexo no espelho, o que eu
suspeitava se mostrou real. O vestido era justo no corpo como uma segunda pele, o que também
realçava minhas curvas e os meus seios. Senti uma onda de raiva subir pelo meu corpo, eu
parecia uma prostituta pronta para receber um cliente. Terminei de me arrumar e decidi ir para
aquele terrível jantar e acabar com aquela noite de uma vez por todas.
Diferentemente da última refeição com Luigi, a sala de jantar estava cheia de pessoas,
todos os caporegime dos clãs da Camorra estavam reunidos e com eles, suas esposas e filhos. Até
mesmo minha irmã Anna e o seu marido estavam ali.
Eu estava ansiosa para falar com ela, mas algo me impediu.
Notei que Luigi não tirava seu olhar de mim, seus olhos escuros eram a coisa mais quente
daquela sala, o que não era comum, pois geralmente ele tinha os olhos mais frios que um
iceberg. Engoli em seco sentindo um calor subir pelo meu corpo. Aquilo era palhaçada, eu
deveria esquecer aquele beijo e o que ele causou em mim, deveria esquecer o gosto de vinho que
ficou na minha boca após beijar Luigi.
Bianca conversava com Violet Salvattore, minha futura sogra, uma mulher de estatura
baixa, com cabelos pintados de castanho-avermelhado e olhos verdes. O sorriso dela era enorme
e os olhos brilhavam radiantes. Ao lado dela estava o Salvattore caçula, Matteo, um homem de
olhos igualmente verdes e cabelos escuros, uma mistura perfeita de Lucca e Violet. Diferente de
Luigi, que havia herdado os contornos faciais definidos e angulares do falecido capo crimine,
como o queixo proeminente, a mandíbula marcada e as maçãs do rosto esculpidas.
Aproximei-me do meu futuro cunhado e minha futura sogra, eu precisava me apresentar a
minha nova família.
— Boa noite! — Cumprimentei os três.
Bianca olhou para mim e deu um sorriso de aprovação. Ignorei o calor que surgiu no meu
peito ao tê-la agradado pela primeira vez.
— Boa noite! — Violet sorriu para mim. — Você está linda, Valentina.
— Obrigada — falei sentindo minhas bochechas corarem.
Notei que Matteo sorria para mim com aquele típico sorriso de canalha.
— Olá, cunhadinha! — Matteo era cinco anos mais velho que eu, e assim como seu
irmão, ele também era muito alto e um homem feito.
— Estou tão feliz que você aceitou se unir ao meu filho no matrimônio. — Violet apertou
suavemente meu braço, a sua animação era sincera. Abri um sorriso sem graça, como se eu
tivesse tido a chance de recusar o pedido de casamento, pensei. — Meu rapaz precisa de um
pouco de felicidade na vida.
Franzi a testa, curiosa com aquela afirmação.
— Como assim? — Olhei para o lado e notei que Bianca e Matteo haviam saído,
deixando eu e Violet sozinhas. Franzi a testa, achando aquilo estranho.
O que Bianca estava aprontando?
— Desde que Antonella e o meu neto se foram, Luigi ficou muito triste, seu coração se
endureceu. — Violet comentou, tirando-me dos meus devaneios. A observei suspirar com
tristeza. — Ele não amava Antonella, mas eles eram bons amigos e eu sei que Luigi estava muito
ansioso por essa criança, por mais que ele não admita. — Assim que as palavras saíram dos
lábios da minha futura sogra, a olhei surpresa, eu não conseguia acreditar no que ela estava
dizendo. Luigi tinha sentimentos humanos? Impossível. — Ele se esconde atrás de um muro do
qual tenho certeza que apenas a sua futura esposa conseguirá atravessar. — Violet finalizou.
Seus olhos encontraram os meus cheios de expectativa de que eu fosse a cura para a
esquisitice do seu filho. Dei um sorriso fraco e olhei para Luigi que conversava com alguns
caporegime e soldados. Notei que seus ombros estavam tensos e ele não bebia nenhuma bebida
alcoólica.
Mordi meu lábio inferior, pensativa. Se o que Violet me confidenciou era verdade, quem
era aquele homem no seu íntimo? Ele era realmente aquele monstro que tanto haviam me falado?
Antes que eu tivesse a chance de desviar meu olhar de Luigi, ele me pegou no flagra. Um sorriso
se formou no seu rosto e suas sobrancelhas escuras se arquearam, como se ele dissesse: te
peguei!
Voltei minha atenção para Violet, contudo, senti minhas bochechas esquentarem ao passo
que eu observava pela minha visão periférica que Luigi se aproximava de nós. Quando ele parou
do meu lado, eu fingi ignorar sua presença.
— Olá, mãe! — Luigi falou suavemente para Violet, que sorriu. — Valentina. — Olhei
para ele a contragosto, com um aceno de cabeça o cumprimentei.
Violet nos observava com curiosidade.
— Querido, eu estava falando o quão linda Valentina está, não concorda comigo? —
Violet perguntou com um sorrisinho cheio de malícia.
O que ela estava tramando?
— Querida mãe, durante todos esses anos sendo criado e educado pela senhora, eu
aprendi que devo sempre concordar com o que diz. — Luigi respondeu.
Violet apenas deu uma risada e foi se juntar às outras mulheres, nos deixando a sós.
— Eu gostaria de falar com você em particular. — Luigi falou para mim, olhei surpresa
para ele e tudo que consegui fazer foi assentir.
Eu o segui pelos corredores, Luigi me levou para um lugar silencioso e mais uma vez
voltamos para o escritório do meu pai. A luz da lua cheia, que atravessava pelas janelas de vidro,
deixava o ambiente bem iluminado sem a necessidade de acender alguma luminária.
— O que foi? — Perguntei, virando-me para ele. — Por acaso me trouxe aqui só para me
beijar de novo? — O provoquei enquanto me encostava à escrivaninha.
Luigi me observou em silêncio, então negou suavemente com a cabeça.
— Não. — Luigi deu um sorriso cheio de significado. — Eu disse que a faria implorar
por um beijo e eu vou esperar isso acontecer.
Revirei os olhos, quanta prepotência.
— Coitadinho, é melhor esperar sentado, é perigoso você acabar se cansando, até porque
isso nunca vai acontecer — retruquei com um sorriso inocente
Luigi ergueu as sobrancelhas e deixou seus olhos passearem pelo meu corpo, senti
minhas bochechas ficarem vermelhas.
— Você está tão bonita, pena que só fala asneira — ele murmurou.
Mesmo eu o odiando, senti minhas bochechas esquentarem mais ainda com a parte em
que Luigi dizia que eu estava bonita, felizmente o patife não percebeu.
— Eu apenas queria entregar isso a você — ele se aproximou com uma caixinha de
veludo verde, esperei pacientemente enquanto Luigi a abria.
Um suspiro escapou dos meus lábios ao observar o conteúdo na caixa.
Eu não queria suspirar. Eu queria ser indiferente a todo aquele circo que era o meu
casamento. Contudo, foi impossível agir daquela maneira quando vi o delicado anel fino de prata
que reluzia ali dentro. Algo que chamou a minha atenção de imediato foi a grande pedra safira
incrustada no centro do anel, rodeada por pequenos diamantes.
Era simplesmente lindo.
A pedra era da mesma tonalidade dos meus olhos.
— Achei melhor comprar um anel que combinasse com você. — Luigi fez uma pausa. —
E eles combinam perfeitamente com os seus olhos — ele concluiu, tocando a ponta do seu
indicador no meu queixo e levantando o meu rosto.
Ao fazer isso, os nossos olhares se encontraram e Luigi sorriu satisfeito por acertar na cor
da pedra do meu anel. Eu queria dizer alguma coisa, qualquer coisa. No entanto, aquela resposta
e o fato de Luigi ter se preocupado em comprar um anel para mim, um anel que lembrasse os
meus olhos, me pegou de surpresa. Ele não precisava ter feito aquilo, se ele me desse o anel que
pertencera à Antonella, ninguém o julgaria, afinal, era uma joia de família.
— Que gentil da sua parte — consegui dizer.
Luigi deu um sorriso.
— Imaginei que você não iria querer usar o anel que era de Antonella.
Abri um sorriso.
— Não, é claro que não — murmurei voltando meu olhar para o anel. — Ele é lindo, eu
amei.
— Que bom, é você quem o usará pelo resto da vida. — Luigi falou com a voz rouca.
Aquelas palavras tinham um quê de possessividade, aquele era um sinal claro de que até
o fim dos meus dias nessa terra, eu pertenceria a Luigi. Eu seria a sua esposa. De alguma forma
aquele pensamento fez meu coração bater descompassado dentro do meu peito.
Luigi pegou a minha mão, me tirando dos meus pensamentos, e colocou o anel
lentamente no meu dedo anelar. Senti um calor passear pelo meu corpo com aquele momento,
aquilo parecia tão… íntimo. Ele levou minha mão até os seus lábios e beijou delicadamente os
nós dos meus dedos, enviando uma onda de eletricidade por todo o meu corpo. Engoli em seco e
dei um passo para trás, estávamos próximos demais e eu não queria que aquele encontro
terminasse em Luigi me beijando.
— Serviu bem — murmurei, afastando a minha mão dos seus lábios.
Notei que os seus olhos brilhavam para mim cheios de malícia.
— Agora você é oficialmente minha — ele falou com um olhar predatório, engoli em
seco.
— Eu não sou uma propriedade para pertencer a você — respondi secamente.
Eu deveria controlar mais a minha língua para não trazer problemas para Marina. Luigi,
no entanto, deu um sorriso e ergueu as sobrancelhas.
— Por que agora eu sirvo? — Perguntei sem pensar, aquilo chamou a atenção dele.
— O quê?
Ergui o queixo.
— Há alguns anos você disse para Matteo que não se casaria comigo — falei secamente.
— O que mudou?
Um brilho surgiu no seu olhar, ele se lembrava daquele jantar, impossível não se lembrar,
foi um dos últimos que Anna participou sendo solteira, era uma reunião de Ação de Graças e ele
havia afirmado aquilo para o seu irmão no jardim da sua casa. Para o meu desagrado, tudo que
recebi de Luigi foi apenas um dar de ombros, ele se virou e foi se afastando.
Contudo, Luigi parou na porta e falou sem se virar:
— Nós nos casaremos o mais breve possível, precisam de mim em Nova Iorque — ele
fez uma pausa. — E eu sugiro que você comece a tomar o seu anticoncepcional, pois espero
curtir nosso casamento um tempo antes de termos nossos filhos.
Então Luigi saiu, me deixando ali sozinha.
Sentei-me na pequena poltrona perto da janela, pois eu não confiava em minhas pernas
para me manter de pé, visto que os meus ossos haviam sido transformados em gelatina. Fechei
meus olhos e pela primeira vez percebi que eu teria que consumar aquele casamento com Luigi,
que eu teria que me entregar inteiramente para o homem que eu mais desprezava naquele mundo.
Dúvidas pairavam na minha mente, me deixando inquieta naquele escritório.
Por que raios ele queria curtir primeiro o casamento ao invés de ter o seu herdeiro? Eu
não havia sido escolhida apenas para lhe dar um filho?
Céus, onde é que eu havia me metido?
CAPÍTULO QUATRO

Os dias haviam passado tão depressa que o meu casamento infelizmente se aproximou e
quando o final de semana chegasse ao fim eu seria oficialmente uma Salvattore. Os preparativos
para a cerimônia estavam a todo o vapor, eu e Luigi iriamos nos casar na Catedral de São
Patrício, no domingo de manhã, e depois os muitos convidados iriam para a festa na grande
mansão da família de Luigi, nos Hamptons.
A única parte boa daquilo tudo era que Anna estava reunida com a nossa família em
Nova Iorque. Havíamos chegado à mansão na sexta ao meio-dia e Anna e seu marido apareceram
para o jantar. Eu estava ansiosa para vê-la, desde o meu jantar de noivado eu não a via, e
infelizmente não havia tido como conversarmos, Diogo foi embora no mesmo dia, pois tinha
negócios para resolver em Miami.
Quando eu soube que ela já estava nos Hamptons, eu fiquei ansiosa para encontrá-la e
conversarmos, mas o meu pai havia me proibido de vê-la, pois ele queria que o meu foco
estivesse apenas no casamento. No entanto, eu não aguentava mais aquele assunto e eu preferia
ser atacada por zumbis a ficar vendo Bianca e meu pai, entrelaçados na poltrona.
— Vou procurar por Anna, talvez ela tenha se perdido nesse casarão — murmurei
enquanto vestia um cardigã.
Estava meio frio, pois já estávamos no outono.
— Não vai, não — meu pai falou apenas para me provocar, revirei os olhos. Eu não iria
ficar na sala de estar com eles, minha fiel companheira Marina havia desaparecido com uma
prima de Luigi.
— Vou sim — falei secamente.
Bianca suspirou.
— Deixe ela ir, querido, proponho assistirmos a um filme no nosso quarto e…
Argh!
Que nojo! Caminhei apressadamente para longe daqueles dois e entrei num longo
corredor, infelizmente aquela mansão possuía vários corredores, fazendo com que o local fosse
fácil de se perder, mas naquele momento eu não me importava muito, eu só queria ficar sozinha
com os meus próprios pensamentos, sem interferência de ninguém.
Eu detestava a ideia de me casar com Luigi, detestava a ideia de tomar o anticoncepcional
que ele havia se certificado de mandar entregar na minha casa na manhã seguinte ao jantar de
noivado. Detestava lembrar que no domingo eu me tornaria esposa de Luigi e seria para o resto
da minha vida, que provavelmente eu viveria um casamento cheio de adultério. Aquela era a
coisa mais comum no mundo da máfia.
Suspirei frustrada.
Eu só queria ter tido uma vida comum, nem mesmo a minha infância havia sido normal.
Minhas lembranças de quando eu era criança não eram tão boas, a maioria delas era eu passando
a noite em claro preocupada se meu pai chegaria vivo de alguma missão. As únicas lembranças
boas eram as que envolviam minha mãe. Lembro-me que ela me contava lindas histórias de
mulheres que haviam encontrado sua liberdade e um lindo amor verdadeiro, era tão errado querer
algo assim?
No meu mundo era.
Meus pais quase sempre discutiam por isso, aos olhos do meu pai, minha mãe estava
colocando bobagens na cabeça das filhas, principalmente na minha, que era a mais velha das três
e a mais apegada a ela. Anna só tinha dez anos quando a nossa mãe morreu, Marina nem sequer
tinha idade para se lembrar dela, tudo que ela conhecia sobre a nossa mãe era o que eu e Anna
contávamos.
Na verdade, Anna sempre foi bem quieta, na dela. Ela sempre teve em vista ler as
próprias histórias e manter os pés no chão. Anna nunca teve fantasias com um casamento por
amor, ela sabia o que o destino a aguardava. Talvez se eu tivesse sido um pouco mais como a
minha irmã…
Ouvi passos e algumas vozes que vinham de encontro a mim, olhei para o meu lado e
tentei abrir uma porta, contudo foi em vão, pois ela estava trancada. Girei então a maçaneta de
outra porta e felizmente ela estava aberta. Para a minha surpresa, eu me encontrava em um
escritório com prateleiras escuras que estavam abarrotadas de livros, a mesa e as cadeiras, que
combinavam com a cor das prateleiras, estavam bem arrumadas.
Fiquei perto da porta para escutar melhor a conversa, eu gostaria de saber quem eram as
pessoas que atrapalharam o meu único momento, sozinha.
— Você acha possível encontrá-la algum dia? — Uma voz conhecida perguntou,
infelizmente eu não conseguia distinguir de quem era aquela voz.
— Eu não vou perder meu tempo procurando por ninguém. — Dessa vez eu soube
imediatamente quem era o dono da voz, Luigi. Mas de quem ele estava falando? — Minha vida
vai mudar agora, eu tenho um casamento com uma pessoa que, convenhamos, não é nada fácil de
lidar.
A outra pessoa deu uma gargalhada.
— Valentina vai te dar tanto trabalho — a outra pessoa falou entre as risadas. Senti
irritação ao ouvirem falar de mim, olhei pelo buraco da fechadura e notei ser Matteo com Luigi.
— E também uma grande dor de cabeça.
Revirei os olhos.
— Eu te invejo, irmão. — Luigi falou com um suspiro. — Você não precisa se casar.
Franzi os lábios, se Luigi não queria se casar comigo para evitar possíveis enxaquecas,
por que então eu estava com aquele anel de noivado no dedo?
— Realmente. — Matteo provocou o irmão. Aproximei meu ouvido da porta e então ouvi
um gemido de dor. — Não precisa me dar um soco no ombro, se não quer casar, não se case.
Ergui as sobrancelhas, surpreendida com o fato de Matteo ter um pingo de inteligência.
— Eu não posso me dar o luxo de simplesmente não me casar. — Luigi resmungou.
Notei que os passos pararam próximos da porta do escritório que eu estava escondida. Corri para
detrás da mesa escura e quando a maçaneta girou eu me enfiei debaixo dela. A minha sorte era
que a mesa não possuía abertura na frente. — Você sabe que tenho obrigações e o casamento é
uma delas.
Uma risada alta apossou-se de todo o cômodo.
— Pelo menos ela é bonitinha. — Matteo falou. Ouvi então um barulho de um corpo
sendo jogado no sofá. Bonitinha? Eu era mais do que bonitinha, eu tinha cérebro. Segurei a
vontade de suspirar com irritação. — Já pensou se ela fosse feia? — Ele continuou.
Ouvi Luigi dar uma risada, franzi a testa, furiosa.
— Isso não tem importância — ele murmurou. — Se ela fosse feia eu ainda me casaria,
nosso casamento não é por amor e sim por negócios.
Coloquei a mão na boca para tapar qualquer ruído que eu pudesse fazer, ser descoberta
ouvindo aquela conversa era a última coisa que eu gostaria que acontecesse comigo.
— Bom, pelo menos ela é bonita o suficiente para te deixar animado com a noite de
núpcias. — Matteo falou com malícia, agucei os ouvidos para ouvir a resposta de Luigi, mas ele
apenas suspirou. — Só tem uma coisa que eu não compreendo. — Matteo falou pausadamente.
— Só uma coisa? — Luigi perguntou, irônico.
— Ha-ha, engraçadinho. — Matteo resmungou.
Quase surtei debaixo daquela mesa de curiosidade para saber o que Matteo não entendia.
Algo me dizia ser sobre Luigi ter me escolhido como sua noiva.
— O que você não entendeu, Matteo? — Luigi perguntou, dessa vez com seriedade.
— Eu me lembro de você dizer que jamais se casaria com a Valentina e agora está aí,
prontíssimo para a sua despedida de solteiro, intrigante, não? — Matteo disse. Agucei meus
ouvidos, ali estava algo que eu gostaria de entender também.
— Não há nada de extraordinário, eu precisava de um homem de confiança para ser o
meu caporegime e cuidar do clã Chicago, eu não posso esperar você para sempre, Matteo.
Meu futuro cunhado deu uma risadinha.
— Eu não pedi para me esperar, você sabe que eu nunca quis fazer parte da máfia — ele
respondeu. — É só por isso que você está se casando com a Valentina?
Luigi ficou em silêncio e eu fiquei preocupada que ele pudesse ouvir as batidas do meu
coração. Depois de alguns segundos em silêncio, finalmente Luigi respondeu.
— É claro — ele murmurou. — O Marco foi bem incisivo quando disse que eu precisava
me casar novamente para ter um herdeiro, então uni o útil ao agradável, eu precisava de um
caporegime e de uma esposa, Marco poderia me dar as duas coisas.
Matteo bateu palma, ovacionando a inteligência do seu irmão.
— Você tem certeza de que não acabou se apaixonando por ela? — Ele brincou, mas
aquilo deixou Luigi irritado.
— Vamos beber um pouco? Isso talvez faça você parar de falar bobagens — ele falou,
então ouvi passos até onde imaginei estarem as garrafas de bebidas. — Eu já disse que esse
casamento não é por amor, ainda mais considerando a minha noiva, seria necessário cair fogo do
céu para eu me apaixonar por ela. — Luigi finalizou.
Tentei ignorar o sentimento de frustração no meu peito. Eu já sabia que não estava me
casando por amor, não era novidade nenhuma. Contudo, havia vários casos de casais na máfia
que se apaixonaram mesmo se casando por conveniência. Entretanto, saber que eu não tinha nem
essa possibilidade de certa forma me entristecia, saber que Luigi só se apaixonaria por mim se o
mundo entrasse em colapso e acabasse era humilhante.
— Calma, irmãozinho. — Matteo falou bem-humorado. — A Antonella tirou mesmo a
sua capacidade de amar — ele falou e em seguida deu risada.
— Não fale dela, não quero me lembrar daquela mulher. — Luigi retrucou. Franzi a testa,
aquilo era interessante. Se eles eram tão amigos, como Violet havia mencionado, por que eu
havia notado raiva no tom de voz de Luigi? — Quando sairemos para a minha despedida de
solteiro? — Ele murmurou.
Um suspiro de satisfação me fez revirar os olhos, homens.
— Essa definitivamente é a melhor parte do casamento. — A voz de Matteo me causou
um embrulho no estômago. — Vamos sair às oito e sem hora para voltar. — Um silêncio pairou
no escritório.
— Antes de irmos, precisamos conversar. — A voz de Luigi estava fria, agucei minha
audição para ouvir o que eles estavam falando. — Sei o que está acontecendo entre você e
Bianca — ele finalizou.
Franzi a testa, o que ele estava querendo dizer? Será que era o que eu estava pensando?
Estranhei o fato de tanto Bianca, quanto Matteo, sumirem juntos e deixarem eu e Violet sozinhas
na noite do meu jantar de noivado, mas seria tolice demais Bianca arriscar a própria vida com um
caso extraconjugal.
Ela não seria tão burra assim, seria?
— Luigi... — a voz de Matteo estava tensa de uma forma que eu nunca havia ouvido, ele
sempre foi muito bem-humorado.
— Acho melhor vocês dois pararem com essa brincadeira. — Luigi falou seriamente,
então ouvi o barulho de passos. — Marco se tornará o meu sogro a partir de domingo, mas ele
também é meu Consigliere, não permitirei mais que você durma por aí com a mulher dele.
Arregalei meus olhos.
Bianca estava realmente traindo meu pai com Matteo? Ela estava realmente arriscando a
própria vida só por um rostinho bonito? Fiquei boquiaberta com aquela informação. E eu que
acreditava haver infidelidade apenas da parte masculina da máfia, como eu estava enganada.
Um silêncio constrangedor pairou sobre nós.
— Acho melhor começarmos a nos preparar para a sua despedida de solteiro. — Matteo
falou secamente, a porta foi aberta.
Abracei mais as minhas pernas, finalmente eles iriam embora e eu poderia sair daquele
lugar apertado.
— Matteo, você vai fazer o que falei, não vai? — Luigi perguntou, caminhando até a
porta.
— É claro. — O mais novo murmurou. — Você é o chefe, você manda, esqueceu?
Assim que eles saíram, encostei minha cabeça no joelho, eram tantas informações, como
eu lidaria com a traição da minha madrasta? Se meu pai soubesse que ela estava tendo um caso
com o meu futuro cunhado, os dois seriam castigados, era a lei. Contudo, eu sentia no meu
coração que entregar Bianca não seria a decisão mais sábia, afinal, ela era boa com a Marina,
cuidava bem da minha irmã.
No início Bianca até tentou se aproximar de mim, mas eu a rejeitei. Eu tinha medo de me
apegar a ela, de gostar dela, e no fim de perdê-la também, assim como perdi a minha mãe.
Suspirei, sentindo-me confusa com o que fazer com aquela informação.
Percebi que outra coisa também estava me incomodando e era o fato de saber que meu
futuro marido nunca me amaria, será que o que julguei ser ódio por Antonella, na verdade, era a
maneira dele de lidar com o luto? E se Luigi, na verdade, ainda a amasse e por esse motivo ele
estava relutante em ter a possibilidade de me amar um dia? Notei que lágrimas quentes e
involuntárias desceram pela minha bochecha.
Quem diria, meu casamento nem havia começado e eu já me sentia infeliz.

Depois de uma noite nada revigorante, acordei com batidas insistentes na porta,
praticamente arrastei-me até ela e a abri. Para minha surpresa era Anna, que estava parada com
um sorriso enorme no rosto e um copo de café nas mãos.
Seus olhos azuis brilharam para mim.
— Que cara é essa? Hoje vamos ajudar a fazer as comidas do seu casamento. — Anna
falou entrando apressada pelo quarto com o copo, eu o tomei dela e dei um golinho. — Alguém
esqueceu os bons modos em Chicago.
— Você me deve por esse café já que me abandonou ontem — falei sentando-me no sofá
e cruzando as pernas. Anna se jogou do meu lado, seus cabelos ruivos estavam presos. Notei que
ela estava mais magra e a pele estava com mais sardas do que o normal.
Eu não saberia dizer se o casamento havia feito bem a ela.
— Ordens do nosso pai — ela respondeu dando um longo suspiro. — Você sabe como
ele é impossível.
— E como sei — murmurei. — Estou nesse casamento fracassado por culpa dele.
Anna deu uma risada.
— Como sabe que o casamento é fracassado se nem sequer deu uma chance a ele? — Ela
fez uma retórica, então apenas me limitei a fazer uma careta. — Você sabe que tenho razão.
Bufei.
Eu sabia, mas não iria engolir meu orgulho tão fácil assim.
— Eu preferia quando você agia como minha irmã mais nova — falei, brincando com um
fiapo solto na manga do meu pijama. — E eu não preciso dar uma chance para saber que esse
casamento não tem futuro.
Anna revirou os olhos.
— Qual é? — Resmunguei. — Luigi é o noivo, isso já é uma resposta bem óbvia para a
minha constatação.
Minha irmã mordeu o canto da unha.
— Se você não fosse a preferida do nosso pai, teria se casado com o Diogo — ela
murmurou, pensativa.
Senti uma pontada de culpa, o meu casamento era para ter acontecido há dois anos com
Diogo Vitalle, mas eu me recusei e meu pai foi compreensivo. Contudo, quem se casou no meu
lugar foi Anna, quando ela tinha recém completado dezoito anos. O pior de tudo foi que quando
eu tentei fazê-la desistir da ideia do casamento, ela se recusou. Anna aceitou se casar só para que
eu não fosse obrigada a isso.
— Não faz essa cara — minha irmã falou passando os braços pelos meus ombros. — Já
me casei e estou há dois anos com Diogo.
Mordi o lábio inferior.
— Mas você só se casou porque eu não quis — respondi. — Como você não me odeia
por isso?
Anna beijou o topo da minha cabeça.
— Eu jamais odiaria você por isso — ela falou carinhosamente. — Uma hora ou outra eu
seria obrigada a me casar.
Suspirei. Isso era verdade.
— Você é feliz? — Perguntei num sussurro.
Observei os ombros de Anna ficarem tensos, então ela deu um leve suspiro.
— Às vezes sou — ela disse. Seus olhos azuis estavam fixos num ponto específico, então
minha irmã me olhou. — Mas é porque já aceitei que essa é a vida que vou ter e não adianta lutar
contra isso.
Engoli em seco, não era aquilo que eu esperava ouvir.
— Mas não se preocupe, tenho certeza que Luigi vai ser um bom marido. — Anna falou
com um sorriso. — Talvez até te ame um dia.
Senti um nó se formar na minha garganta, então neguei com a cabeça.
— Luigi não vai me amar nunca.
— Ele te disse isso? — Anna pegou uma das minhas mãos, seu rosto estava com um
semblante triste. Lembrei-me das palavras dele para Matteo, da sua insistência em dizer que
nosso casamento nunca seria por amor, apenas por negócios.
— Não — murmurei. Notei que o semblante de tristeza de Anna mudou para um olhar
raivoso, a minha irmã era a única capaz de se irritar profundamente com alguém que fizesse algo
contra as suas irmãs. — Mas ouvi ele falando com Matteo, talvez ele ainda ame a Antonella.
— Imbecil! — Anna resmungou, então bufou. — É melhor você tomar um banho que
iremos auxiliar as mulheres lá na cozinha — ela falou com um grande sorriso animado em seu
rosto. — Prepariamoci il cibo![2]
Revirei os olhos.
— Eu não estou nem um pouco animada para isso — falei caminhando para o banheiro a
contragosto.
CAPÍTULO CINCO

Depois de um dia inteiro fazendo vários pratos típicos da culinária italiana, as mulheres
nos deram uma trégua para descansarmos para o meu grande dia. Foi exatamente isso que fiz,
troquei os meus jeans por um biquíni e me juntei a Anna e a nossa prima Lianna na piscina.
Observei Marina competindo com a prima de Luigi, para ver quem nadava mais rápido até as
extremidades opostas da piscina, e um sorriso sincero se formou no meu rosto, eu gostava de vê-
la se divertindo assim.
A mansão já estava bastante movimentada, pois alguns convidados já haviam chegado
para a cerimônia, a nona estava auxiliando a mãe de Luigi com a sobremesa, ela era um amor.
— Mal posso esperar para quando for a minha vez de casar. — Lianna suspirou,
pensativa.
Nesse momento Luigi apareceu do outro lado da piscina, com outro rapaz, seus cabelos
escuros estavam penteados para trás. Ele sentou-se numa espreguiçadeira próximo de onde
Marina se divertia. O rapaz que estava com ele sentou-se do seu lado. Pela primeira vez eu via
Luigi mais relaxado, usando uma camiseta azul-marinho e bermuda. Suas pernas eram
musculosas de uma forma muito tentadora e a manga da camiseta estava justa nos braços por
conta dos seus músculos.
Engoli em seco e desviei o olhar com relutância.
— Diogo me falou que Luigi foi embora bem cedo da despedida de solteiro dele. —
Anna falou aquilo para mim, como se eu ligasse muito para o que Luigi fazia. Contudo, essa
menção me fez lembrar das coisas que Matteo e Luigi falaram antes de irem para a festinha
deles. — Você não ficou nada curiosa para saber o porquê? — Minha irmã perguntou. No fundo,
eu estava muito curiosa, mas por fora apenas sorri e neguei.
Lianna deu uma risadinha. Minha prima era uma menina muito sorridente, a única coisa
que acabava com seu bom humor eram as chuvas, ela mudava completamente. Sempre me
perguntei porque Lianna tinha tanto medo de tempestades.
— Você é tão sortuda — ela falou com um suspiro. — Luigi Salvattore é um deus na
terra, ele é definitivamente o solteiro mais cobiçado da Camorra.
Anna fez uma careta e começou a rir.
— Quanto exagero — ela falou enquanto olhava para Luigi, mas percebi que seu olhar
intercalava entre Luigi e o outro rapaz. — Na minha opinião, existem homens muito mais
bonitos… — Quando Anna percebeu que eu olhava para ela e o rapaz que estava olhando, seu
rosto ficou vermelho. — Estou falando do Diogo.
Comecei a rir do seu apavoramento.
— Eu sei, bobinha — falei, olhei então para o rapaz novamente e franzi a testa. Aquele
homem não me era estranho, havia algo de familiar na pele morena dele, nos cabelos lisos e cor
de mel. — Quem é ele? — Perguntei para Anna.
— Sandro Ricci. — Foi Lianna quem respondeu. — Ele é o soldado de confiança de
Luigi — ela concluiu. Ergui as sobrancelhas, eu realmente me lembrava dele, às vezes Sandro
aparecia em nossa casa acompanhado de Luigi. Observei Anna e Lianna trocarem olhares.
— Aconteceu alguma coisa? — Perguntei, mas ambas negaram.
Lianna deu um sorriso tenso.
— Bom, como eu estava dizendo, o Luigi é o mais cobiçado de todos os solteiros, ainda
bem que você fisgou ele — ela falou toda animada. Anna deu risada da minha careta. Eu gostava
de Lianna, mas às vezes minha prima era um pouquinho sem noção. — Eu só espero não me
casar com nenhum homem muito mais velho do que eu. — Lianna murmurou.
Anna franziu a testa e suspirou.
— Minha querida, se você pensa que na sua vez de se casar você vai ter a sorte de ter
preferências quanto a quem será o seu noivo, eu realmente sinto muito por você — ela falou
triste. — Torça para não se casar com nenhum monstro.
Olhei para a minha irmã e percebi que ela estava realmente melancólica, Diogo seria
alguma espécie de monstro?
— Eu não quis dizer isso, acredite, eu já conheci mais monstros do que eu gostaria. —
Lianna falou baixo, eu olhei pensativa para ela. O que minha prima queria dizer com aquilo? —
Mas é errado eu querer me casar com alguém bonito como, por exemplo, Luigi Salvattore? —
Lianna perguntou, contudo, algo na maneira como ela estava elogiando demais o Luigi já estava
me incomodando.
Anna deu uma risada.
— Ainda bem que a noiva dele não está aqui entre nós para ver você babar nele, não é
mesmo? — Falei com um sorriso sarcástico.
Lianna ficou com o rosto vermelho.
— Eu só estou falando a verdade, Val. — Ela olhou para Luigi.
— Algumas verdades não precisam ser ditas, priminha — falei, deixando-a sem graça.
Olhei para Luigi e notei que ele, Sandro e Marina estavam conversando, ela estava
relaxada e até sorria, desviei o olhar dele e foquei minha atenção em Lianna. Os seus cabelos
castanhos, amarrados num comprido rabo de cavalo, brilhavam avermelhados na luz do sol, um
sorriso envergonhado surgia no seu rosto. Os seus olhos castanhos estavam escondidos pelos
óculos de sol da Gucci.
Lianna havia acabado de completar dezoito anos e só não havia sido prometida a um
soldado ou a um caporegime porque a mãe dela, minha tia, conseguiu convencer seu marido a
esperar a filha completar vinte anos. Contudo, aqui estava ela sonhando acordada com um
casamento enquanto eu desejava ansiosamente escapar do meu.
Notei que Anna nos observava com interesse.
— O que foi? — Perguntei, mas minha irmã só se limitou a rir.
Lianna olhou para mim.
— Você por acaso está com ciúmes? — Ela perguntou me fazendo revirar os olhos. —
Eu só estava brincando, atualmente quem eu realmente acho bonito é o Lorenzo Cattaneo, o Don
da Cosa Nostra.
Anna apenas sorriu, pensativa.
— Eu não fiquei com ciúmes dele — falei olhando novamente para Luigi, que estava
com os olhos fixos em mim, engoli em seco e voltei minha atenção para as duas. — Eu não sinto
nada por Luigi Salvattore e nunca vou sentir — murmurei colocando os meus óculos de sol.
Anna olhou incrédula para mim.
— Céus, Valentina! — Lianna resmungou. — Quanto pessimismo.
Olhei para as duas e dei de ombros.
— Esse casamento já está fadado ao fracasso — retruquei.
Anna fez uma careta e me cutucou na costela com o indicador.
— E esse é o espírito certo para se casar — ela murmurou, brincando.
Depois de um tempo em silêncio, Lianna o quebrou com uma pergunta interessante.
— Como é a vida de casada?
Anna mordeu os lábios, pensativa.
— Hum, nos primeiros dias não é bom, tudo é novo, você se sente assustada com um
marido do qual você sabe tão pouco. — Seus olhos azuis brilharam. — E claro, existe a saudade,
tem dias que você se pega com saudade das coisas mais idiotas possíveis.
Olhei para o lado, pensativa.
— Bem, eu tenho certeza que de Bianca eu não sentirei falta — falei com um sorriso no
rosto, Anna riu baixinho.
Notei que Bianca não estava por perto, onde ela estaria? Com Matteo? Eu não havia
comentado aquilo com ninguém, nem mesmo com Anna. Eu nem sabia direito o que fazer com
aquela informação. Talvez confrontar a minha madrasta?
— Como eu estava dizendo. — Anna tirou-me dos meus pensamentos. — Você sente
falta até de como você tomava seu café, já que pessoas diferentes vão prepará-lo para você. —
Minha irmã deu um sorriso triste ao falar. — Você sente falta da cidade, do barulho, dos seus
vizinhos, do cheiro das cobertas… você começa a se perguntar se também estão sentindo sua
falta, ou se já te esqueceram, se já se acostumaram com a vida sem você. — Olhei para Anna,
que tinha o olhar perdido e cheio de lágrimas.
Engoli em seco, será que agi de uma maneira que fizesse minha irmã achar que eu havia
me acostumado com a sua ausência? Aquilo não era verdade, eu sentia sua falta todos os dias.
— E aí? — Lianna perguntou. Notei que tanto ela, quanto eu, estávamos mais próximas,
aguardando com expectativa o relato de Anna.
Minha irmã deu um sorriso e as lágrimas sumiram.
— E, nessa altura, você para de sentir falta dessas coisas, você começa a ter a sua rotina,
sente prazer em ser a dona da sua casa — ela deu de ombros.
Anna olhou para Diogo, que a olhava também, notei uma tensão tomar conta dos seus
ombros, ela engoliu em seco.
— E claro, com os momentos que você passa com seu marido você começa a criar um
laço de carinho e amizade com ele, por fim a saudade diminui e você aprende a viver um dia de
cada vez. — Anna finalizou baixinho.
Olhei para a minha irmã durante um tempo, havia uma tensão nos seus ombros que me
preocupava, será que ela estava sendo sincera com as suas palavras? Será que aquele não era só
mais um texto decorado que todas as mulheres que se casavam aprendiam para fingir estar feliz
no matrimônio?
Suspirei.
Contudo, aquelas palavras poderiam ser verdadeiras, poderia isso acontecer comigo
também? Será que eu teria esse sentimento de carinho e essa amizade com Luigi? Havia
momentos que eu só queria enforcá-lo, mas havia outros que eu tinha certeza que poderia
desenvolver ao menos uma amizade com ele, e quem sabe, amá-lo.
Às vezes eu sentia que poderia tentar fazer com que o casamento funcionasse, mas o meu
grande medo era se eu permitisse que Luigi entrasse no meu coração, será que ele seria recíproco
com os meus sentimentos? No fundo, eu sabia que a resposta para todas as minhas dúvidas era
não, ele deixou bem claro que nosso casamento era apenas negócios.
De repente, senti-me triste, não porque eu amava Luigi, não era isso, a tristeza era que eu
sabia que não iria poder me entregar de verdade a ele, eu sabia que Luigi nunca iria me amar. Eu
teria que lutar diariamente para não me apaixonar pelo meu próprio marido.
O meu casamento seria para sempre uma mentira.
Depois de algumas horas, imersa em sonhos perturbadores envolvendo eu usando o meu
vestido de noiva banhado em sangue, acordei com uma batida na porta. Sentei-me com
dificuldade na cama e tentei regularizar minha respiração. Desde que Luigi havia me pedido em
casamento, eu era assombrada por sonhos envolvendo roupas matrimoniais cheias de sangue e
esposas mortas tentando me machucar.
Fui poupada de continuar pensando no pesadelo, pois quem havia batido na porta, o fez
novamente. Questionei-me sobre quem poderia ser. Assim que abri a porta levei um susto.
Luigi estava parado próximo do batente.
E ele estava lindo.
Seus cabelos escuros estavam molhados e penteados para trás, Luigi não estava usando os
ternos que eu costumar ver, na verdade, ele estava usando uma camiseta de algodão preta e calça
moletom cinza.
Lembrei-me dele relaxado na espreguiçadeira e de como apreciei a visão dos seus
músculos. Desviei meu olhar para longe de Luigi, sentindo-me irritada por achá-lo tão lindo, por
ficar intrigada com a forma que os seus olhos, que mais pareciam duas turmalinas negras,
cintilavam.
— Que horas são? — Perguntei procurando o relógio digital preso na parede.
Faltava pouco para meia-noite. A minha família e a família de Luigi eram bem rigorosas
em questão de costumes italianos e, de acordo com eles, depois da meia-noite, que era quando se
iniciava o dia do meu casamento, eu não poderia ver meu noivo, pois dava azar. Como se eu
precisasse de um relógio para ter um casamento ruim, eu ainda nem havia me casado e tudo já
estava caminhando para o desastre.
— Ainda não é meia-noite. — Luigi falou com as mãos no bolso da calça. — Posso
entrar ou vai me perguntar sobre o clima também? — Ele perguntou com um sorriso. Dei um
suspiro e entrei, deixando a porta aberta para que Luigi entrasse também. Sentei-me na cama
enquanto o observei tomar conta do quarto com a sua presença exuberante. — Você acredita
nessas tradições bobas?
Olhei surpresa para ele, eu imaginava que Luigi era rigoroso com as tradições.
— Não acredito que sejam bobas. — Peguei uma almofada e comecei a brincar com um
fio solto. — As pessoas só precisam de um culpado quando algo não dá certo — falei dando de
ombros, notei que Luigi me olhava com certo respeito.
— Você parece assustada, teve algum pesadelo? — Ele perguntou enquanto se sentava ao
meu lado.
Mordi meu lábio inferior, pensativa. Eu deveria contar para ele sobre os meus pesadelos?
Uma parte de mim queria falar, simplesmente desabafar e tirar aquela sensação ruim que pairava
sobre o meu coração, mas de todas as pessoas no mundo, Luigi era a única que eu não queria me
tornar confidente.
— Valentina? — Ele chamou meu nome baixinho, nossos olhares se encontram, e assenti
devagar. — Quer falar sobre o pesadelo?
Suspirei.
— Não sei — respondi sinceramente. — Eu não gosto de você — falei sem pensar e me
arrependi na hora, olhei assustada para Luigi, mas fiquei surpresa quando vi o seu rosto.
Ele sorria.
— Não se preocupe, não é sempre que sou o meu maior fã.
Luigi estava estranho, respirei fundo para sentir vestígios do cheiro de álcool, mas tudo
que senti foi o perfume do sabonete e da colônia masculina.
— O que você veio fazer aqui, Luigi? — Perguntei em voz baixa, ele não teria vindo só
para me ver, aquilo não combinava com o seu feitio.
Luigi tirou a mão de dentro do bolso da calça e retirou um saquinho de pano escuro. Ele
pegou a minha mão e a colocou em forma de concha, então abriu o saco e uma pulseira de
diamantes e topázios azuis caiu ali.
A pulseira era linda, muito bonita mesmo, algo de tirar o fôlego. Olhei para Luigi,
sentindo um misto de sentimentos.
— Essa pulseira é de família. — Sua voz estava mais suave do que o normal. — Foi
passada por três gerações até chegar na minha mãe, infelizmente ela não possui uma filha para
passar a joia adiante, mas sei que ela gostaria que você a usasse no nosso casamento. — Luigi
olhou-me com seus belos olhos negros. — Eu iria gostar bastante.
Senti meu coração bater mais forte no peito.
— É claro. — Dei um sorriso. — Eu já posso riscar da lista a cinta-liga azul — falei,
dando uma risada nervosa, notei que algo brilhou nos olhos de Luigi, fazendo ele engolir em
seco.
Luigi negou com a cabeça e uma mecha do seu cabelo caiu na testa.
— Use-a. — Sua voz estava tensa. — Preciso tirá-la com o dente, é a tradição.
Franzi a testa, confusa com a sua mudança repentina de humor.
— Você acredita nessas tradições bobas? — Fiz a mesma pergunta que ele havia feito
minutos antes.
Luigi deu um sorriso.
— As pessoas acreditam.
Assenti.
— Tudo bem — murmurei.
Fechei minha mão em punho e levantei-me, pronta para colocar a pulseira no porta-joias,
mas Luigi, que também se levantou, segurou meu braço, fazendo-me olhar curiosa em sua
direção.
— Qual o problema? — Perguntei.
— Preciso ver se vai servir no seu braço. — Luigi respondeu como se eu fosse tola por
não pensar nisso antes.
Entreguei a pulseira para ele e Luigi abriu o fecho, a prendendo no meu pulso. Senti o seu
polegar roçar na minha pele, nesse momento o meu coração bateu forte dentro do meu peito, por
conta disso não consegui me controlar e acabei mordendo suavemente o meu lábio inferior. A
pegada de Luigi no meu pulso ficou mais intensa e eu notei que seu olhar estava vidrado nos
meus lábios.
— Serviu — murmurei, soltando meu braço da sua mão. — Ficou ótimo, a Antonella a
usou também? — Deixei escapar a pergunta. Notei os ombros de Luigi ficarem tensos, eu me
sentia uma tonta por perguntar sobre a sua primeira esposa, era nítido que ele não se sentia à
vontade com aquilo.
— Não. — Luigi respondeu secamente.
Mordi o lábio inferior pensando numa forma de desfazer aquele clima tenso.
— Ouvi dizer que a sua despedida de solteiro acabou cedo — falei.
Observei suas mãos, seus dedos eram esguios e compridos, não pareciam em nada com as
mãos de um assassino.
Eu sentia o fervor do seu olhar em mim.
— Não gosto dessas coisas. — Luigi suspirou. — Nós não precisamos fazer uma
despedida de solteiro para quem vai se casar, deveria realizar para quem começa a namorar ou
quando fica noivo de alguém, nesse momento a pessoa já deixa de ser solteira.
Revirei os olhos, mesmo fazendo sentido decidi não concordar com ele, Luigi tinha sorte
de ter liberdade para ir em festas do tipo, eu como mulher não tinha a possibilidade de ter uma
festa toda voltada para celebrar o fim da minha solteirice.
— A minha despedida de solteira foi lendo um livro que eu trouxe — murmurei,
contrariada. Notei então que havia cometido o erro gigantesco de mencionar que eu havia trazido
livros. Os homens na máfia não gostavam de mulheres que liam, eles não suportavam uma
mulher mais inteligente do que eles e por isso nos privavam de ler.
Olhei tensa para Luigi.
— Não se preocupe, Valentina. — A voz dele soou gentil. — Eu não me importo que
você leia, na verdade, gosto disso em você.
Olhei surpresa para Luigi, ele realmente gostava que eu fosse leitora? Luigi se aproximou
de mim e o seu cheiro de sabonete e colônia masculina entrou pelas minhas narinas. Seus lábios
tocaram suavemente na minha testa e ele depositou um beijo ali, olhei para meu futuro marido,
me sentindo confusa.
Luigi tinha várias camadas, a cada vez que eu descobria algo sobre ele eu sempre me
surpreendia. Seria sempre assim? Eu sempre me surpreenderia com ele?
— Preciso ir, suponho que nos veremos de novo só amanhã no altar. — Luigi falou e eu
apenas assenti, ainda aturdida com o seu beijo delicado na minha testa. — Boa noite,
Principessa.
Assim que Luigi saiu do quarto, olhei para o relógio e notei faltar um minuto para meia-
noite, senti um calor no meu peito. Ele agiu de uma maneira gentil e o toque dos seus lábios na
minha testa havia sido carinhoso. Como alguém poderia ser gentil daquele jeito?
Luigi era o chefe, ele havia sido treinado para ser assassino, gentileza não combinava
com aquele homem. Balancei a cabeça e resolvi que já era hora de dormir. Mesmo tendo receio
de ter outro pesadelo me esperando assim que eu fechasse os meus olhos, tentar entender Luigi
era mais assustador do que qualquer vestido sangrento que surgisse nos meus sonhos.
CAPÍTULO SEIS

O meu plano de dormir e tentar não pensar em Luigi e no porquê de ele ter sido gentil,
simplesmente não aconteceu. Eu estava muito ansiosa e por isso não consegui dormir o resto da
noite, simplesmente assisti o sol nascer pelas persianas. O casamento estava me deixando
inquieta, no fundo, eu sabia o que viria, o que estava me aguardando.
Principalmente hoje.
— A noiva está acordada? — Ouvi Anna perguntar atrás da porta do meu quarto, ela
entrou, e várias mulheres entraram em festa, era normal no dia do casamento ser uma ocasião
alegre.
Infelizmente eu era o oposto disso.
Eu me casaria ao meio-dia na catedral e a celebração se estenderia até tarde da noite, mas
assim que o sol raiava, as mulheres já começavam a comemorar com a noiva aquele dia especial.
Uma pena que a alegria das outras mulheres não tirava a minha cara de velório do rosto, e as
grandes olheiras de uma noite sem dormir.
Eu não conseguia encarar toda aquela situação como um casamento, mas sim uma prisão.
Durante toda a minha vida, eu vivi como uma prisioneira, hoje o que mudaria seria apenas o meu
carcereiro.
— Que cara é essa? — Anna perguntou, preocupada.
Notei que Violet me olhava ansiosa, eu não queria que ela soubesse que estava daquele
jeito com medo de me casar com o seu filho. Eu sabia das histórias que rondavam a Camorra, da
grande fama de assassino que Luigi recebeu quando era apenas um soldado.
Forcei um sorriso nos meus lábios, eu não queria que as minhas ações provocassem
consequências em Marina ou até mesmo em Anna.
— Eu só preciso escovar os dentes e serei outra mulher — falei, fazendo com que Anna
fizesse cara de nojo, joguei um travesseiro nela e começamos a rir.
Percebi que Violet suspirou, aliviada, e saiu do quarto.
— Você não dormiu bem? — Bianca perguntou. Olhei surpresa para ela, eu nem havia
percebido a sua presença ali.
— Não — falei com um suspiro. — Não preguei os olhos a noite inteira.
Bianca assentiu.
— Quando eu estava prestes a me casar também não consegui dormir porque estava
muito ansiosa. Vou ver se acho algo para ajudar com as suas olheiras. — Ela virou-se e saiu do
quarto.
Anna estava nos observando com curiosidade, as sobrancelhas erguidas como se
perguntasse: estão em paz?
— Onde está a Marina? — Perguntei a ela.
— Ela não pode participar dos preparativos, apenas as mulheres casadas. — Anna falou
com um sorriso. — Mas nossa irmã está com a Lianna.
Assenti, levantei-me com relutância no mesmo momento em que Violet entrou
novamente no quarto. Ela se aproximou de mim e me abraçou, eu a segui para um lugar mais
reservado, ao que parece era comum a sogra conversar com a futura nora em particular.
— Estou tão feliz. — Violet disse, enquanto fazia carinho na minha bochecha. — Eu
sempre quis ter uma filha.
Dei um sorriso sincero. Afastei-me um pouco apenas para ir até a cômoda e retirar de
uma das gavetas a pulseira de topázios. Voltei até onde a minha futura sogra estava e mostrei-lhe
a delicada joia em minhas mãos, notei que seus olhos marejaram.
— Luigi me pediu para usá-la — murmurei. — Ele mencionou ser uma joia de família.
Violet concordou com a cabeça.
— Se você não quiser que eu use… — Ela segurou delicadamente minhas mãos e negou
com a cabeça, impedindo-me de continuar o que eu estava dizendo. Seus olhos verdes estavam
brilhando.
— Quero que você use, Valentina. — Violet sussurrou carinhosamente. — Não existe
pessoa melhor para usar essa pulseira que você.
Concordei com a cabeça, grata pela sua gentileza e carinho.
— Como você está se sentindo, minha filha? — Ela perguntou.
Engoli em seco. Eu estava nervosa e preocupada com a noite de núpcias.
— Estou muito nervosa. — Dei uma risada. — Não consegui dormir à noite.
Violet sorriu.
— Acho que todas nós nos sentimos assim no dia do nosso casamento, é uma mudança e
tanto, pela primeira vez você poderá ser verdadeiramente vulnerável com alguém — ela disse.
Assenti devagar, eu não sabia como minha vida seria, a incerteza era o pior dos sentimentos. —
Valentina, eu sempre gostei de você, sempre gostei do seu gênio forte. — Violet prosseguiu. —
Desejo que você e meu querido Luigi se tornem bons amigos acima de tudo.
Suspirei. Eu realmente desejava ter um casamento agradável, mas aquilo não dependia
apenas de mim, dependia de Luigi também.
— Eu só quero ser feliz — falei baixinho.
Os olhos de Violet marejaram, eu podia sentir que ela estava relembrando do seu próprio
casamento.
— Não tenho dúvidas disso, minha querida — minha sogra murmurou. — Por favor,
cuide bem de Luigi e eu tenho certeza que ele dará o melhor dele para fazê-la feliz. — Violet
concluiu. Assenti levemente, e algumas lágrimas rolaram pela minha bochecha. Minha sogra
envolveu-me num abraço cheio de carinho e ficamos assim por alguns segundos até que ela se
afastou e de maneira discreta secou uma lágrima dos seus olhos. — Agora você precisa tomar
um banho e se preparar, daqui a pouco voltarei com o último presente de Luigi como seu noivo.
O buquê, na nossa tradição, era o último presente que o noivo dava para sua noiva e ele
sempre era entregue pela sogra como símbolo de que ela aprovava a união dos noivos, era isso
que Violet iria fazer hoje. Ela iria mostrar publicamente que aprovava nosso matrimônio.
— É claro, eu preciso realmente de um banho — falei com um sorriso. Violet acariciou
minha bochecha e saiu do quarto.
Notei que Anna se aproximava.
— A banheira está pronta, sorellina[3]. — Minha irmã me deu um abraço e beijou a
minha bochecha.
Afastei-me das mulheres e fui para o banheiro. Assim que entrei no cômodo, o cheiro de
loção de rosas inundou meu nariz, me deixando um pouco zonza. Elas a haviam colocado para a
minha pele ficar macia e com cheiro agradável. Tudo isso para Luigi se divertir na noite de
núpcias.
Senti meu estômago revirar com aquele pensamento.
Não demorou muito e eu já estava sem pelos no meu corpo, Bianca havia aparecido com
algo milagroso capaz de tirar minhas olheiras, a minha maquiagem e o meu cabelo já estavam
prontos.
Anna havia se oferecido para me ajudar a colocar o vestido de noiva. Luigi era quem o
havia escolhido. Eu estava tão ressentida com aquele casamento que não me importava com que
roupa eles iriam me embrulhar, no fim tudo que iria importar era o conteúdo que estava por
dentro do vestido.
Eu o observei em silêncio.
O vestido não era nada muito espalhafatoso, na verdade, era bem simples, mas muito
bonito. De um lindo tom de branco e com algumas pérolas na parte de cima. Embaixo tinha um
tule clarinho e muito delicado, em comparação com os vestidos de noiva das minhas amigas,
esse era muito simples.
E por ser tão simples acabei gostando muito dele.
— Cheguei, perdão pela demora. — Anna entrou no quarto fazendo-me pular de susto, na
sua mão estava uma caixinha preta. — Aqui está a cinta-liga azul, ela é minha, então vai
simbolizar algo emprestado e algo azul.
Franzi a testa.
— Foi essa cinta-liga que o Diogo tirou com os dentes? — Perguntei, Anna revirou os
olhos.
— Foi, mas está limpa — ela murmurou, envergonhada, dei risada. — Daqui a algumas
horas seu querido marido vai fazer o mesmo na frente de vários convidados, agora você ri,
depois eu quem darei risada.
Fechei a cara.
— Eu só estava brincando — falei passando a cinta-liga pela perna e a fixando na coxa.
— Eu gostaria de perguntar uma coisa a você, Anna — murmurei.
Eu sabia que aquela não era a melhor hora, mas parte da minha insônia se devia a minha
irmã também. Ela não parecia feliz com aquele casamento e eu sentia que tinha obrigação como
irmã mais velha de cuidar de Anna, se algo estivesse acontecendo, eu gostaria de descobrir,
como futura esposa do chefe, eu poderia interceder por ela.
Bom, era o que eu esperava.
Anna deu um sorriso cheio de malícia.
— Não se preocupe com a noite de núpcias, tente relaxar o máximo possível e não doerá
tanto, se Luigi for capaz de… você sabe, mexer com o seu desejo — minha irmã falou
envergonhada. — Vai até ser bom e...
— Está bom, obrigada, mas não era isso que eu queria saber — eu a interrompi.
— Ah, não era? Então, o que foi? — Anna perguntou, curiosa.
Respirei fundo, buscando coragem, quando ela apareceu, eu perguntei sem rodeios:
— O Diogo maltrata você? Ele é mau?
Anna me olhou em choque.
— Quem te falou isso? — Ela perguntou.
Os seus olhos azuis estavam tão arregalados que quase saltaram das órbitas.
— Ninguém, mas achei suspeita sua atitude ontem, fiquei preocupada.
Anna deu um sorriso tenso.
— Não se preocupe com isso, ontem eu estava melancólica por uma discussão boba que
tive com Diogo — ela falou. — Mas já está tudo bem.
— Tem certeza? — Perguntei, havia algo no olhar da minha irmã que me dizia o
contrário, contudo, ela apenas assentiu. Suspirei, eu não podia forçá-la me dizer as coisas, pelo
visto eu deveria acreditar na sua palavra.
— Vamos voltar ao foco principal, o seu casamento — minha irmã falou sorridente.
Anna observou o vestido e deu um longo suspiro. — Uau, é tão delicado e simples, é a sua cara,
você odeia coisas espalhafatosas. Pelo visto, Luigi reparou bem em você durante todos esses
anos.
Uma risada escapou dos meus lábios, eu não queria pensar no que Luigi dissera sobre se
apaixonar por mim, por isso mudei de assunto.
— Bom, o anel de noivado serve como algo novo e como um presente, certo? —
Perguntei a Anna, ela apenas deu de ombros e assentiu.
Nesse momento Bianca entrou no quarto, ela estava usando um vestido longo e verde, a
cor realçava seus olhos.
— O objeto antigo deve estar na segunda gaveta da cômoda — murmurei.
— Eu pego ele. — Bianca falou enquanto se dirigia até a cômoda.
Anna se levantou e disse:
— Vou procurar algo para você comer e já volto para colocarmos o vestido.
Minha irmã foi animada até a cozinha.
Quando tive certeza de que estava sozinha com Bianca, eu olhei para ela, decidida a falar
sobre Matteo.
— Aqui está — ela falou me entregando uma caixinha de joias. Eu a abri e um lindo
relicário de prata estava guardado ali, ele havia pertencido a minha mãe, atrás tinha as iniciais do
seu nome e dentro era a foto dela comigo, com Anna e Marina. — Quer que eu coloque em
você? — Bianca perguntou, mas neguei e o prendi ao redor do meu pescoço.
Respirei fundo.
— Sei que você e Matteo estão tendo um caso — falei, meus olhos encontraram os de
Bianca, notei que seu corpo ficou rígido e seus olhos verdes brilharam. — Não se preocupe, não
contarei a ninguém.
— Por que não? — Ela perguntou baixinho. — Você me odeia.
Olhei para as minhas mãos e dei de ombros.
— Você realmente gosta da Marina, parece se importar com ela — falei enquanto
ajeitava meu cabelo. — Agora que estou me mudando para Nova Iorque, preciso de alguém que
ocupe meu lugar enquanto eu não estiver por perto, creio que você é capaz disso.
Bianca assentiu devagar.
— Eu realmente gosto dela. — Sua voz saiu baixa. — Marina não me rejeitou quando
cheguei.
Olhei pensativa para Bianca e assenti devagar.
— Só tome cuidado, não arrisque toda a sua vida só por um rostinho bonito, é inútil —
falei.
Nesse momento, Anna e Violet entraram no quarto.
— Só achei essa salada de frutas. — Anna se aproximou de mim com um copo de
plástico, seu olhar estava sobre mim e Bianca, que ainda estava tensa.
Peguei a salada de frutas de sua mão e comecei a comer um pouco, eu sentia que nada
iria ficar muito tempo no meu estômago, eu estava ansiosa e aquela conversa com Bianca havia
me deixado com uma sensação estranha.
Violet aproximou-se da minha cama.
— Vim deixar o seu buquê, querida. — Ela sorriu. — Está aqui em cima.
Assenti e observei o buquê de lírios-brancos, o cheiro doce e floral, com notas frescas e
suaves, inundou todo o quarto. Violet se aproximou de mim e seus lábios pararam próximos do
meu ouvido.
— Ele está muito bonito — ela sussurrou.
Senti minhas bochechas corarem. Eu não tinha dúvidas daquilo, Luigi era muito bonito
em qualquer ocasião.
Seria ele capaz de me surpreender novamente?

Eu estava sentada no banco de um sedã preto. Meu coração bateu descompassado quando
paramos de frente a catedral. Olhei para a entrada e notei os belos arranjos de flores decorando
os degraus e as portas de madeira, uma fitinha estava amarrada na entrada. Aquele era outro de
nossos costumes, aquilo indicava que um casamento estava sendo celebrado ali.
Assim que saí do carro, meu pai aproximou-se de onde eu estava e os seus olhos
brilhavam de emoção.
— Você está linda. — Ele beijou minha testa. — Você se parece tanto com sua mãe.
— Eu não me pareço com ela — falei dando meu braço para ele. — Eu não sou a filha
ruiva, lembra? — Sussurrei, dando um sorrisinho.
Meu pai deu uma risada baixa.
— Pois eu te acho muito parecida com ela, o olhar de vocês é igual, ambas possuem um
brilho sádico nos olhos — ele falou com um brilho triste no olhar. Não era sempre que falávamos
sobre a minha mãe, eu nunca entendi o motivo do meu pai ser relutante sobre esse assunto. —
Sinto falta dela.
Olhei surpresa para ele, então levantei as sobrancelhas.
— Ah, sente? — Perguntei secamente. — O engraçado é que o senhor não esperou muito
tempo para substituí-la.
Meu pai olhou para mim e negou.
— Eu não substitui sua mãe. — Ele olhou para o lado. — Minha Mariana é insubstituível
e eu sinto a falta dela sim.
Engoli em seco, dava para ver a sua adoração pela minha mãe só pelo brilho no seu olhar.
— Eu também — murmurei enquanto nos aproximávamos da escadaria. — Todos os
dias.
Meu pai apertou de leve a minha mão.
— Ela amava casamentos, sabia? — Olhei surpresa para ele. — Ela gostava da energia,
das comidas. Antes de termos você e suas irmãs, nós não perdíamos uma oportunidade de sair
para dançar, Mariana sempre amou festas.
Meu pai nunca havia me dito aquilo, mas eu tinha recordações da mamãe dançando
enquanto estávamos na cozinha fazendo algum prato especial, muitas das vezes ela me puxava
para dançar, nessas ocasiões meu pai pegava a Anna no colo, que só tinha três anos, e dançava
conosco. Aquela era uma das melhores memórias que eu tinha, nós quase parecíamos uma
família normal.
Subimos em silêncio a imponente escadaria que terminava na porta de madeira. Olhei
para a entrada e meu corpo tremeu. Assim que eu passasse por aquela porta, toda a minha vida
mudaria, para sempre.
— Por mais que você não acredite, eu quero que você seja feliz — meu pai falou quando
paramos de frente a porta.
Olhei para ele com os olhos cheios de lágrimas.
— E como faço isso? — Perguntei baixinho. — Estou com medo, pai.
Olhei nervosa para a madeira escura da porta da Catedral.
— Não julgue as pessoas tão rapidamente, você sabe fazer isso muito bem, igual a sua
mãe — meu pai disse. Então, ele tocou suavemente a minha bochecha e eu percebi que seus
olhos também estavam cheios de lágrimas. — E seja mais flexível com Luigi.
Uma risada nervosa saiu dos meus lábios.
— Se a minha felicidade depende de eu ser boazinha com ele, eu estou em apuros, pai.
Meu pai sorriu.
— Estou falando sério, filha, você consegue ser muito difícil de lidar.
Abri um sorriso malicioso.
— Bom saber — respondi com um tom brincalhão.
Meu pai deu uma risada e beijou a minha testa afetuosamente.
— Ti amo, figlia — ele disse em italiano, e então desceu o meu véu.
Abri um sorriso e segurei o choro que estava entalado na minha garganta.
— Anch’io ti amo, papà — respondi também em italiano, notei que minha voz estava
chorosa.
Meu pai bateu de leve na porta e alguém a abriu.
Respirei fundo e observei as pessoas de pé esperando por mim, Luigi estava lá,
impecavelmente vestido e mais bonito do que eu já havia visto em toda a minha vida, seus olhos
encontraram os meus.
Violet tinha razão.
— Preparada? — Meu pai perguntou baixinho para mim.
Assenti.
Caminhei trêmula em direção ao meu futuro.
CAPÍTULO SETE

A cerimônia havia sido tranquila.


Felizmente meu vestido continuava branco, ou seja, não havia nenhum sangue nele como
meus pesadelos me assombravam. Marina entrou com as pétalas de rosas, dois primos de Luigi
entraram com as alianças e finalmente eu entrei.
Tudo foi muito rápido.
Assim como o nosso beijo. Ele não havia sido nada parecido com o beijo no escritório,
dessa vez foi frio, sem emoção, e parecia muito rígido, apenas um toque de lábios. Bom, aquele
era apenas um prelúdio de como seria o nosso casamento, apenas uma mera formalidade para
Luigi conseguir seu sucesso na Camorra.
Dessa vez o beijo não me causou aquele calor por dentro, não foi capaz de me deixar
corada e de sentir nada além de frustração. Por mais que eu não quisesse que Luigi me beijasse
de novo, eu criei muitas expectativas quanto ao grande momento em que seria beijada diante de
todos os convidados, mas não aconteceu como eu imaginava. E pelo visto não iria acontecer tão
cedo, pois já estávamos na mansão recebendo os nossos muitos convidados.
O cansaço, a decepção e o medo estavam tomando conta de mim. Eu queria sorrir, queria
fingir que estava adorando toda aquela situação, ser boazinha, como meu pai me aconselhou,
mas a cada vez que eu mexia, parecia que uma faca estava sendo cravada nos meus calcanhares.
Suspirei, sentindo dor nos meus pés.
— Você podia colocar um sorriso no rosto. — Luigi falou próximo de mim.
Olhei para ele, aquele pedido não era tão absurdo assim, mas a dor nos meus pés estava
me impedindo de pensar.
— Tente usar salto e ficar de pé por várias horas seguidas e vamos ver se conseguirá dar
um sorriso adorável, querido marido — retruquei sarcástica.
Luigi ergueu as sobrancelhas diante do meu tom ríspido.
— Os meus pés estão doendo — expliquei para ele, dessa vez com a voz chorosa. —
Acho que esses saltos foram feitos para nos torturar.
Eu não era mulher de choramingar, nem mesmo quando cortei meu dedo com papel, e
Luigi sabia muito bem disso, os seus olhos deslizaram para o meu sapato.
— Sinto muito. — Então, ele pediu licença e saiu.
Olhei confusa para as suas costas. Será que ele havia se irritado com a minha fraqueza ao
não conseguir ficar de salto por tanto tempo?
Suspirei, eu não tinha culpa daquilo.
— Que belo casal! — Alguém falou do meu lado, me assustando. Olhei para a pessoa em
questão, era um jovem alto, de cabelos escuros e olhos verdes, idênticos aos de um felino, que
estava no primeiro lugar da fila, portanto ele seria o próximo a desejar felicitações a mim e ao
Luigi. — Me perdoe, eu não queria assustá-la.
— Ah, tudo bem — respondi, dando um sorriso envergonhado.
O homem me olhou com curiosidade.
— Sou o Nico Lombardi. — Estendeu a mão para mim e eu a segurei brevemente. —
Vocês dois são um casal bonito. — Nico falou com um sorriso conspiratório nos lábios. — E
devo confessar que você é bem diferente da falecida esposa, digo, além do físico.
Franzi a testa, eu nunca havia pensado nessa questão.
— Sou? — Perguntei curiosa.
Nico assentiu.
— Você tem um brilho selvagem no olhar que ela não tinha — ele falou com um sorriso.
Sorri, desconfortável. Ninguém nunca havia me dito que eu era selvagem, diabólica, sim,
mas selvagem não. Nosso casamento seria um prato cheio para as mulheres fofoqueiras do clã e
eu não podia sequer julgar, eu fazia parte desse grupo.
Nesse momento, Anna felizmente aproximou-se de mim e olhou para Nico.
— Escutei a conversa de vocês e minha irmã não tem brilho selvagem no olhar, ela só
exala muito poder, algo necessário para ser a esposa do capo crimine da Camorra — ela falou
secamente para o rapaz, que apenas sorriu.
Olhei assustada para Anna, ela estava mesmo sendo grossa com um convidado?
— Bom, é uma pena Luigi não estar presente, mas desejo muita felicidade a vocês dois.
— Ele beijou minha mão suavemente, então seus olhos encontraram os da minha irmã e um
sorriso diabólico surgiu nos seus lábios. — Acho que me equivoquei, a única com brilho
selvagem nos olhos é você, ruivinha.
Anna arregalou os olhos e eu comecei a rir, observamos Nico se afastar e falar com
outros convidados.
— A sorte desse rapaz é que estou de salto e no meio de outras pessoas, eu preciso fingir
que sou uma dama — minha irmã murmurou. Uma risada sincera saiu dos meus lábios e Anna
passou o braço pelos meus ombros num abraço. — Fico contente em vê-la rindo, bom, agora que
te defendi e te fiz rir, preciso ir, Diogo está me esperando para almoçar.
Assenti.
— Obrigada por tudo — falei emotiva. Anna beijou minha testa e se afastou.
Suspirei, pensando no quanto eu era sortuda por ter as minhas irmãs.
— E esse suspiro? — Luigi falou no meu ouvido, fazendo os pelos da minha nuca se
arrepiarem.
Olhei para o patife, com a irritação por ele voltando. Se Anna não tivesse aparecido, eu
teria que lidar com aquele homem sozinha, onde estava o meu marido?
— Onde você estava? — Perguntei. — Fiquei aqui sozinha com um homem que disse
que eu era selvagem — resmunguei, e um sorriso surgiu nos lábios de Luigi. O canalha estava
rindo do meu sofrimento. — Pare de rir do sofrimento da sua esposa.
— Não estou rindo de você e sim com você. — Luigi falou, fazendo com que eu
revirasse os olhos.
— Essa desculpa só funcionaria se eu estivesse rindo — disse eu. Luigi ficou em silêncio
e olhou para os meus pés. — Caso esteja se perguntando, sim, continua doendo.
— Venha comigo — ele falou autoritário.
Mesmo não gostando daquele tom de voz, eu o segui. Notei que nos aproximávamos de
uma parte mais distante do jardim. Eu não estava entendendo o que havia acontecido, por que
Luigi mudou tão rapidamente de humor?
— Tire o sapato — ele falou, encostando-se na parede de pedra.
Eu o encarei chocada, será que Luigi havia ficado chateado por eu reclamar do sapato que
ele escolheu? Mas eu não tinha culpa de sentir dor, eu não estava fazendo aquilo para irritá-lo.
Respirei fundo e decidi que iria resolver aquela confusão.
— Sei que reclamei do sapato, mas aguento eles — falei gentilmente. — Não precisa me
punir, eu suporto a dor, Luigi, é sério, uma vez eu…
— Sei que você suporta a dor, mas não é por isso que pedi para tirar o sapato, não é para
te punir — ele me interrompeu, coçando a barba, impaciente. Luigi tirou de uma sacola de
algodão um par de chinelos brancos com pedrinhas de pérolas e me entregou, olhei para ele
surpresa. — Use o chinelo, ninguém vai perceber, já que o vestido é longo, mas sugiro que na
hora de tirar a cinta-liga você coloque os sapatos de novo.
Assenti, sentindo-me tocada com aquele gesto.
Luigi havia sido muito gentil ao procurar o meu conforto, poucos homens eram assim. E
mais uma vez ele havia me surpreendido. Mais uma vez eu me senti confusa com as suas ações.
Aquele não era o homem que todos descreviam como um monstro. Um sentimento de culpa
dominou meu coração. Talvez meu pai estivesse certo, talvez eu julgasse demais as pessoas.
Seja mais flexível com Luigi, meu pai havia me aconselhado.
Eu tentaria.
— Obrigada — falei gentilmente, aproximando-me de Luigi e beijando carinhosamente
sua bochecha.
Luigi ergueu as sobrancelhas, surpreso com o meu tom de voz gentil e o meu gesto de
carinho. Me afastei dele, pronta para me ver livre daqueles sapatos. Tentei me equilibrar de pé,
mas o vestido era muito pesado.
Luigi notou meu sofrimento, por isso se ajoelhou nos meus pés.
— Deixe que eu te ajudo — ele falou com gentileza.
O olhei surpresa. Eu nunca o vi agir assim com ninguém que não fosse da família dele.
Bom, agora eu era sua esposa.
Luigi enfiou sua mão por debaixo do meu vestido, logo seus dedos encontraram a fivela
do meu sapato e ele a desabotoou. Assim que ele fez isso nos dois sapatos e os tirou dos meus
pés, fechei meus olhos e não consegui conter um gemido cheio de prazer, mordi meu lábio,
achando ótimo sentir meus dedos livres novamente.
Contudo, quando abri novamente os olhos e encontrei o olhar de Luigi, notei que ele me
olhava de uma forma diferente, era intenso. O seu olhar conseguiu aquecer tudo ao nosso redor, a
sua intensidade me deixou sem fôlego.
Engoli em seco.
Aquilo já estava ficando ridículo. Calcei os chinelos, aproveitando aquela oportunidade
para voltar ao normal.
— Obrigada pela ajuda — respondi, olhando para todos os lados, menos para Luigi.
— Não precisa agradecer — ele falou, levantando-se e ajeitando sua gravata, contudo,
assim que suas mãos brincaram com o salto do meu sapato, ele se soltou e caiu no chão,
revelando uma adaga fina.
Meus olhos quase saltaram das órbitas.
— O que é isso? — Perguntei, assustada. — Isso era para me machucar?
Luigi negou.
— Acho que isso era para usar contra mim — ele murmurou, então seus olhos
encontraram os meus.
— Juro que nunca vi isso na minha vida, eu não sabia que essa adaga estava escondida aí
— respondi.
Meu coração estava batendo forte no meu peito. E se Luigi achasse que eu havia feito
aquilo e decidisse punir Marina apenas para me castigar? Lágrimas grossas rolaram pela minha
bochecha, eu não queria chorar, mas só a imagem das minhas irmãs sendo machucadas foi o
suficiente para me fazer soltar o choro preso na minha garganta.
— Ei, não chore. — Luigi falou com gentileza, seus braços fortes me seguraram pelos
ombros e ele me abraçou carinhosamente. — Por que está chorando?
Olhei para Luigi, mas tudo que eu via era seu rosto embaçado pelas lágrimas.
— Você está achando que fui eu e agora vai machucar minhas irmãs só para me punir, eu
sei como funcionam as coisas na máfia — falei trêmula.
Luigi pegou o lenço dentro do seu terno e secou a minha bochecha delicadamente.
— Eu não acho que foi você, agora preciso que se controle, não quero que os
responsáveis saibam que sei, ok? — Ele falou, como resposta apenas assenti.
Afastei-me para secar minhas lágrimas e tentar me recompor. Depois de alguns minutos
finalmente consegui.
Luigi estendeu a mão para mim.
— O que acha de terminarmos de cumprimentar os nossos convidados? — Ele falou.
Mordi meu lábio inferior e me permiti segurar a sua mão, e me surpreendi com o quanto
ela era macia, com o quanto foi bom segurá-la. Quando começamos a andar, percebi que a minha
vulnerabilidade falou mais alto e uma pergunta escapou dos meus lábios.
— Por que na igreja você me beijou daquele jeito? — Assim que aquelas palavras saíram,
eu me xinguei mentalmente. Eu não deveria dar tanta importância a isso, não era eu que havia
dito não querer que Luigi me beijasse nunca mais?
Contudo, Luigi apenas sorriu maliciosamente.
— De que jeito? — Ele perguntou apenas para me torturar.
— Você foi bem recatado — falei, eu sentia que meu coração iria sair pela boca a
qualquer momento.
Luigi ergueu as sobrancelhas.
— Bom, nós estávamos na igreja, na frente de um padre, com todos nos observando, até
Deus — ele murmurou. — O momento pedia recato.
Assenti devagar, eu estava me odiando por ter a língua maior que a minha boca.
— Esquece isso — sugeri, mas Luigi parou de andar e virou-se para mim.
— Valentina, você esperava que eu te beijasse de que jeito? — Ele olhou para mim com
seus olhos escuros e intensos. — Pensei que você não queria que eu a beijasse nunca mais
Engoli em seco, de repente me apavorei.
Eu não iria ser a primeira a colocar o orgulho à parte, o meu ego não me permitiria
admitir que eu queria que Luigi me beijasse de novo, me beijasse como beijou no escritório.
Um beijo capaz de deixar os lábios querendo mais.
Por isso, apenas ergui o queixo teimosamente e disse:
— E pensou certo, não me beije.
Aproximei-me com rapidez dos convidados, eu não sabia se a minha mentira seria
convincente. Contudo, pela risada que Luigi havia dado atrás de mim, eu tinha certeza que ele
não acreditava na minha mentira.
CAPÍTULO OITO

Depois de algumas horas comendo, dançando e bebendo, Lianna, que estava sentada do
meu lado, deu uma risada. Olhei para ela, curiosa.
— Por favor, me conte a piada, eu quero rir também.
Lianna mal conseguiu abrir a boca, pois Marina, que estava sentada do lado dela, entrou
no meio da conversa.
— A Lianna disse que a minha marca registrada é o sorriso — minha irmã falou animada.
— Ela disse ser único.
Franzi a testa.
— Todo sorriso é único, não?
Lianna negou.
— O seu sorriso e o da Anna se parecem com o da sua mãe. — Lianna falou do meu lado.
— O da Marina é único, eu a reconheceria só pelo sorriso.
Observei com atenção o sorriso da minha irmã e de fato, quando eu o via, não conseguia
ver outra pessoa além dela. Antes que eu tivesse a chance de falar alguma coisa, o som foi
diminuindo gradualmente e eu entendi o que estava acontecendo. Era a hora do noivo tirar a
cinta-liga da noiva pelos dentes. Aquele momento estava me assombrando a noite toda.
— Vai ser tranquilo. — Anna sussurrou do meu lado.
Soltei o ar que eu estava prendendo na intenção de me acalmar. Luigi levantou-se e
segurou a minha mão nas suas, caminhamos em direção à pista de dança e paramos no centro,
todos, em todas as mesas, estavam parados em completo silêncio nos observando.
Eles ansiavam por esse momento.
Senti meu corpo tremer.
— Calma. — Luigi sussurrou para mim. Respirei fundo e levantei meu olhar,
encontrando os seus olhos escuros. — Se você está assim agora, imagine mais tarde — ele falou
com um sorriso malicioso.
Engoli em seco e tentei ignorar o fato de estar vermelha igual a um pimentão.
— Isso por acaso era para me confortar? — Sibilei. — Saiba que surtiu o efeito contrário.
Luigi deu uma risada rouca que arrepiou os pelos da minha nuca. Onde estava essa versão
do Luigi nos jantares em família? Todas as vezes que nos encontrávamos ele sequer sorria e era
completamente arrogante com todos.
— Vamos logo com isso — um dos convidados gritou.
Então, tudo ficou em câmera lenta.
Luigi ajoelhou-se na minha frente, os seus olhos estavam fixos nos meus e em momento
algum ele desviou seu olhar. Suas mãos pegaram uma das minhas pernas e a colocou em cima de
um banquinho que havia sido posto para nós, os seus dedos subiram pela minha panturrilha
lentamente, o que fez com que meu sangue corresse mais rapidamente pelas minhas veias. Todos
os sons ao meu redor foram bloqueados pelas batidas fortes do meu coração.
— Com a mão não vale — alguém gritou atrás de nós, fazendo com que Luigi sorrisse de
maneira diabólica.
Céus, ele sorria como o próprio demônio.
Luigi levantou o meu vestido até a altura da minha panturrilha e seu rosto desapareceu
por debaixo das várias camadas de tecido. A sua respiração contra a pele macia da minha coxa
era um tormento, meus olhos pareciam ter vida própria, pois quase se fecharam, contudo, eu
consegui me controlar e continuei com eles abertos.
Os dentes de Luigi roçaram a área próxima da cinta-liga, enviando ondas de prazer por
todo o meu corpo, naquele momento eu estava sentindo coisas que eu achava ser possível existir
apenas nos livros. Antes dele pegar a cinta-liga, Luigi depositou um beijo na minha pele, fazendo
com que eu engolisse em seco. Ele puxou a peça íntima com os seus dentes até o meu tornozelo e
de maneira gentil, Luigi levantou o meu pé para que a cinta-liga caísse no banquinho.
Aquele homem diabólico a pegou e mostrou aos convidados.
— Felicità agli sposi.[4] — Eles gritaram em uníssono.
Luigi aproximou-se de mim e sussurrou:
— E foi por isso que insisti para usá-la.
Dei um sorriso envergonhado, eu sentia que meu rosto estava queimando. Felizmente, a
comoção de um grupo de pessoas que traziam uma grande mesa de rodinhas, conseguiu ofuscar o
que havia acabado de acontecer.
Observei com atenção a sobremesa na mesa e notei ser a nossa torta de casamento feita
com massa folhada. O seu recheio era de creme e uma cobertura de açúcar de confeiteiro. O mais
divertido e especial, era que ela havia sido preparada na frente dos nossos convidados enquanto
todos cantavam alegremente durante a preparação. Contudo, agora era a hora de comermos,
depois teríamos a nossa última dança e enfim iríamos para a nossa noite de núpcias.
Tentei não pensar na última parte da festa.
— Se alimente bem, Luigi é insaciável — ouvi alguém bêbado no meio da multidão de
convidados gritar.
Olhei confusa para Luigi, mas ele estava na sua plenitude enquanto pegava o talher para
cortar a torta.
— Como assim você é insaciável? — Sussurrei a pergunta, Luigi deu um sorriso
sugestivo e de repente eu não queria mais saber.
— Mais tarde você descobrirá — ele falou, com o olhar de um caçador prestes a caçar a
sua presa. Luigi apontou para a torta. — Vamos cortá-la juntos, minha moglie[5]? — Ele
sussurrou para mim, mas eu apenas concordei com a cabeça, me esforçando ao máximo para não
demonstrar que apenas o seu sussurro era capaz de me desestabilizar.
Segurei o talher e Luigi segurou a minha mão, juntos cortamos a torta e gritos de alegria
foram dados. Agora era a hora de irmos para a pista e termos a nossa última dança da noite.
— Vão logo para o quarto — outro bêbado idiota gritou. Senti-me tensa até o último fio
de cabelo. Eu não me sentia pronta para aquela parte do casamento, estava com medo e
assustada.
O que aqueles homens queriam dizer com Luigi ser insaciável? Ele iria ser capaz de me
machucar apenas para chegar ao seu prazer o mais rápido possível? E se ele era insaciável, não
importava se eu estivesse cansada?
Senti minha garganta se fechar e meus olhos se encherem de lágrimas, o meu rosto
deveria evidenciar o meu medo, pois Luigi pegou gentilmente a minha mão e levou-me até a
pista de dança. Sua mão se aninhou na minha cintura e minhas mãos em seus ombros. De
maneira carinhosa e protetora, ele me prendeu contra o seu corpo.
— Ignore esses comentários, são apenas um bando de bêbados carentes. — Luigi falou
baixinho apenas para eu ouvir.
Uma música lenta começou a tocar e nós começamos a nos mover no seu ritmo. Observei
discretamente Luigi, aquilo me auxiliava a não prestar atenção nos comentários sobre ele me
manter trancada no quarto durante os quinze dias da nossa lua de mel. Notei que Luigi não
cheirava a álcool, na verdade, ele não havia colocado uma gota de bebida alcoólica na boca
durante toda aquela noite, ao contrário de mim, que estava bebendo para ficar mais leve, mais
tranquila.
Infelizmente aquilo não estava funcionando.
— Você não bebe por quê? — Perguntei curiosa.
Luigi deu um sorriso.
— Sempre gostei de ter o controle da situação, as pessoas quando bebem perdem o
controle das coisas e eu não gosto disso — ele falou, me deixando pensativa. — Eu sabiamente
observei que você bebeu mais do que o normal. Se você está bebendo para evitar a noite de
núpcias, saiba que isso não vai adiantar. — Luigi falou com um sorriso malicioso nos lábios,
provocando um calor no meu rosto e me deixando vermelha.
Olhei para o seu rosto e me senti presa no seu olhar intenso e cheio de calor.
— E por que não vai adiantar? — Murmurei, meu coração batia igual a um tambor. —
Você por acaso é o tipo de homem que não se importa em se deitar com mulheres que estão fora
de si?
Luigi deu uma risada baixa.
— Não, eu sequer considero esse tipo de ser como homem.
Olhei surpresa para ele.
— Então, por… — Fui impedida de continuar o que eu estava dizendo, pois Luigi me
trouxe para mais perto do seu corpo. O seu calor era sentido mesmo com nossas camadas de
roupa.
— Porque agora, perante a Deus, você é oficialmente minha, então teremos tempo de
sobra, hoje… — Sua voz foi um sussurro rouco, os seus olhos brilharam com malícia e ele deu
mais um dos seus sorrisos diabólicos. — E para sempre.
Desviei os meus olhos dos de Luigi, eu não queria que ele visse que suas palavras me
atingiram em cheio.
Quando ficamos no centro da pista, os vários convidados fizeram um círculo ao nosso
redor e uma batida de tarantella começou a tocar. Uma risada escapou dos meus lábios.
Finalmente alguma dança que sou boa. Pensei. Anna, Lianna e Marina se aproximaram
de mim e nós começamos a pular e a girar animadamente, no ritmo da música.
Virei-me para Luigi, que imediatamente segurou a minha mão e virou-me de costas para
ele. Senti seu peito musculoso contra mim e um arrepio subiu pela minha coluna. As palmas
indicavam que o noivo precisava ficar de joelhos e assim Luigi o fez. Segurei a barra do meu
vestido de noiva e comecei a dançar ao redor dele, enquanto Luigi batia palmas com todos os
convidados.
Aquele momento, parecia ser um daqueles onde a gente vê as coisas como se estivesse
em câmera lenta, como se o mundo estivesse mais colorido e brilhoso. Naquele momento, era
assim que eu via Luigi, e aquilo me assustou.
Quando todos os convidados deram as mãos e começaram a girar em sentido horário e
depois em sentido anti-horário, desviei minha atenção de Luigi e observei que os movimentos
daquelas pessoas estavam sincronizados com a melodia que se acelerava. Aquela era a forma de
nos desejar boa sorte e, considerando o noivo que meu pai havia arrumado para mim, eu
realmente iria precisar de toda a sorte possível.
Quando a música parou de tocar, eu já sabia o que me aguardava. Despedi-me das minhas
irmãs com um abraço, Anna beijou minhas bochechas.
— Vai dar tudo certo, querida — ela falou com um sorriso triste. — Só tente ficar
relaxada, ok?
Assenti. Sorri uma última vez para a minha irmã e fui em direção ao quarto do casal,
contudo, antes de chegar ao local, Luigi me pegou no colo e me ajeitou em seus braços, olhei
para ele assustada.
— Você me assustou — falei quando ele me soltou no chão, caminhei até perto da cama
e retirei os sapatos que haviam me dado como substituto pelos outros. Luigi inventou uma
desculpa de que aqueles sapatos não serviam nos meus pés, e imediatamente me trouxeram um
maior e sem nenhuma adaga mortal. — Me assustou e muito — finalizei.
Luigi bem que tentou segurar a risada, mas não conseguiu.
— Me desculpe, eu tentei não rir, eu juro — ele falou tirando o terno e jogando na
poltrona, notei que ele estava todo armado, tentei disfarçar a minha surpresa. Qual seria a
finalidade daquelas armas?
— Quem diria, um homem como você, temido por todos os mafiosos e alguém que
passou por várias situações para testar o seu autocontrole, ser vencido por uma risada — falei,
erguendo as sobrancelhas.
— Você com certeza vai ser o meu maior desafio. — Luigi falou suavemente.
Um sorriso cresceu nos meus lábios.
— Me certificarei disso — falei, o provocando. Luigi deu uma risada suave como
resposta.
Observei em silêncio ele desatar o nó da sua gravata, desabotoar o seu colete e finalmente
se livrar deles. Luigi retirou o cinto e os sapatos, ficando apenas com a camisa por cima da calça
e as meias. Ele sentou-se na poltrona, observando-me com atenção.
Seus olhos eram puro fogo e desejo.
— Você vai precisar de ajuda com o vestido? — Luigi perguntou com a voz rouca.
Lembrei-me de Anna e do seu conselho. Ficar relaxada não seria fácil, mas eu precisava tentar.
— Sim, você pode me ajudar? — Perguntei com apenas um fio de voz.
Os olhos de Luigi brilharam e ele me chamou com o dedo indicador, aproximei-me dele
sentindo todo o meu corpo se agitar com a nossa proximidade, com o que aquela noite prometia.
Luigi tirou de dentro do colete, que estava jogado no encosto da poltrona, uma faca comprida e
com aparência de ser bem afiada.
Ergui as minhas sobrancelhas.
— Eu me perguntei mentalmente qual seria a finalidade das armas — eu disse. —
Proteção? Mas eu não sou uma ameaça para você, a não ser pelos sapatos, mas já me livrei deles.
Luigi deu uma risada rouca e virou-me de costas para ele. Senti a ponta gelada da lâmina
tocar na minha nuca e descer lentamente entre as minhas omoplatas. Arrepiei-me com o toque e
meu coração bateu forte dentro do meu peito. Fechei meus olhos, sentindo prazer, mas uma
sensação de horror acertou-me como um soco no estômago. Desde quando eu achava aquilo
excitante?
O barulho de tecido sendo rasgado fez meu coração parar por uns instantes.
— Você se perguntou qual era a finalidade da faca. — Luigi sussurrou no meu ouvido,
seu hálito quente no meu pescoço me fez estremecer. — Mesmo você sendo uma ameaça para a
minha sanidade, a faca não era para eu me proteger de você, era para esse momento.
Luigi deslizou a faca pelas minhas costas, me fazendo suspirar com o seu toque gelado
naquela parte sensível do meu corpo, ele desceu até ela ficar próxima das minhas nádegas. Luigi
passou as mangas finas do vestido pelos meus ombros e ele caiu no chão, deixando-me apenas
com o meu conjunto de peças íntimas. Suas mãos macias desceram pela lateral do meu corpo e
pararam na minha cintura.
Luigi a apertou levemente.
— O que achou da finalidade da arma? — Ele perguntou próximo ao meu ouvido, me
fazendo cócegas.
Olhei para o vestido todo destruído nos meus pés.
— Bom — sussurrei. — Eu gostava desse vestido.
Luigi tocou os seus lábios levemente no meu pescoço e depositou um beijo ali. Um beijo
que conseguiu fazer o meu coração bater rapidamente dentro do meu peito, capaz de fazer a
minha mente não funcionar como deveria e acabar com a minha habilidade de raciocinar.
Luigi virou-me de frente para ele.
— Mas…
Olhei para baixo, para o pobre vestido todo destruído.
— Não tem “mas”, eu realmente gostava do vestido — falei baixinho. Luigi deu uma
risada baixa e tocou-me suavemente no queixo, levantando o meu rosto para olhá-lo nos olhos.
— Comprei esse vestido apenas com essa finalidade — ele falou rouco. Luigi deslizou
uma das mãos da minha cintura até as minhas costas, subiu-a lentamente até a minha nuca, então
seus dedos encontraram os prendedores do meu cabelo e os retirou, fazendo com que eles
caíssem em cascata pelos meus ombros. — Você é muito linda — ele falou tocando a curvatura
do meu queixo com seus dedos. Estremeci quando senti seu polegar roçar lentamente nos meus
lábios. — Você é linda e minha.
Olhei surpresa para Luigi. Senti seus dedos descerem pelas minhas costas e suas mãos
pararem na minha bunda. Luigi apertou a carne macia da minha nádega, fazendo com que um
suspiro escapasse dos meus lábios.
— Luigi — murmurei baixinho, fazendo com que ele sorrisse.
— Só minha. — Sua voz foi um sussurro rouco. Ele virou-me de costas novamente, com
seus dedos hábeis, Luigi jogou meus cabelos sobre os meus ombros e beijou a minha nuca, os
seus beijos desceram lentamente pelo meu corpo. Quando seus lábios alcançaram a minha bunda,
ele ficou de joelhos e a mordeu suavemente, provocando um calor por todo o meu corpo. Luigi
virou-me de frente para si. — Potrei guardarti tutto il giorno[6] — ele sussurrou em italiano.
Eu não conseguia raciocinar, não fazia ideia de como juntar as palavras para formar
frases, os beijos de Luigi haviam reduzido as minhas habilidades de conversação em suspiros e
gemidos. Quando fechei os olhos, ele deu uma risada.
— Não feche os olhos. — Luigi ordenou, e com dificuldade eu os abri. Seus lábios
tocaram a pele nua da minha barriga e ele a beijou. Os seus beijos foram subindo devagar e
tentadoramente, em direção aos meus seios ainda cobertos pela parte de cima do lingerie. —
Quero você de olhos bem abertos, mia moglie. — Luigi sussurrou enquanto roçava seu dente na
pele do meu seio que não estava coberta pelo sutiã.
Com os dedos trêmulos, toquei gentilmente o seu rosto. Levei minhas mãos até os seus
cabelos escuros e sedosos e enfiei os meus dedos ali. Luigi soltou um gemido baixo, o seu olhar
para mim era de completo prazer. Um suspiro saiu dos meus lábios ao passo que todo o meu
corpo queria cada vez mais daquilo que o meu marido poderia me proporcionar.
— Eu sabia que você tinha esse lado devasso — ele falou intensamente.
— Tenho muitos outros lados que você sequer imagina — respondi, com um sorriso. O
que estava acontecendo comigo?
Luigi deu uma risada que só poderia ser categorizada como gostosa. Todo o meu corpo
ficou quente.
— Vou adorar descobrir cada um desses lados — ele murmurou rouco enquanto roçava a
barba na pele exposta dos meus seios. Aquilo fez meu coração se acelerar e eu me senti perdida.
Eu havia acabado de me casar com aquele homem e já sabia que a partir do momento em
que eu me entregasse a ele, que eu me deitasse com Luigi, ele teria meu coração na palma da
mão.
Eu estaria tão vulnerável.
— Meu Deus, Valentina! — Sua voz estava rouca e seus olhos tinham um brilho
perigoso. — Você é tão linda, tão linda.
Fechei meus olhos, tentando bloquear qualquer pensamento intruso, eu queria me
entregar, mas não funcionou.
— Pelo menos ela é bonitinha. — A voz de Matteo invadiu a minha mente.
— Isso não tem importância. — Luigi dissera. — Meu casamento não é por amor, são
negócios.
Tentei empurrar aqueles pensamentos para bem longe, mas novamente foi ineficaz.
— Eu já disse que esse casamento não é por amor, ainda mais considerando a minha
noiva, seria necessário cair fogo do céu para eu me apaixonar por ela.
Novamente a voz de Luigi veio com tudo na minha mente, como um gongo, repetindo
frase por frase. Fiquei completamente tensa e ele percebeu, afastando-se de mim, apenas para me
olhar no rosto.
— Valentina? — Luigi me chamou, mas eu me afastei mais ainda dele, ele levantou-se e
se aproximou novamente, e novamente fui para o mais longe possível dele, só parei quando as
minhas costas encontraram a parede.
Luigi parou perto da cama com os ombros caídos e seu semblante demonstrava confusão.
Eu também estava confusa, não sabia mais o que fazer, a única certeza que tinha era que não
estava preparada para aquele momento. Eu não queria ter uma noite incrível de amor e no outro
dia ser tratada como uma qualquer, como um animal que cumpriu o que lhe era esperado.
— Não me toque — implorei. — Só não me toque, por favor.
Ele deu um sorriso diabólico.
— Você é minha mulher. — Luigi puxou-me para perto dele novamente. — Posso tocar
você a hora que eu quiser.
Engoli em seco e soltei-me dele.
— Você tem razão — murmurei. — Mas o corpo é meu e eu não posso aceitar que você
me toque assim.
Encostei-me novamente na parede, assustada. Luigi foi enfático sobre nosso casamento
não ser por amor, mas talvez uma amizade seria possível, e eu precisava disso antes de me
entregar a alguém daquela forma, antes de me permitir ter aquela intimidade com outra pessoa.
— Eu… eu nem te conheço bem, Luigi.
Ele bufou, achando aquilo ridículo.
— É claro que me conhece, nós crescemos praticamente juntos, Valentina.
Engoli a vontade de chorar.
— Mas eu não conheço quem você é agora — sussurrei. — Não conheço essa pessoa que
você se tornou, você não é mais o menino que puxava as minhas trancinhas quando eu tinha
cinco anos ou que arrancava a cabeça das minhas bonecas. Eu nunca tinha te visto rir ou ser
gentil com alguém, essa foi a primeira vez, eu não conheço quem você realmente é.
Luigi passou a mão pelo rosto de maneira impaciente.
— Sou um mafioso, Valentina, um assassino, um monstro, eu não tenho um lado bom,
não tente procurar — ele falou secamente.
Senti meus olhos ficarem cada vez mais encharcados de lágrimas.
— Por favor — implorei chorosa.
— Deixa eu ver se entendi bem, você só vai me permitir consumar esse casamento depois
que me conhecer melhor? — Luigi deu uma risada amarga.
— Preciso de um tempo — respondi.
Meu marido suspirou.
— Um tempo? — Ele perguntou, assenti em resposta. — Quanto tempo?
Suspirei.
— Duas semanas — falei sentindo as lágrimas rolarem pelo meu rosto. — Me deixe ter
um primeiro encontro, me leve para dançar, vamos passar um tempo juntos, eu quero te conhecer
primeiro.
Minhas lágrimas desceram descontroladas e quando dei por mim já estava tremendo-me
toda, eu não queria fazer aquela cena na frente de Luigi, mas eu estava tão assustada, tão
amedrontada com a possibilidade de acabar me apaixonando por ele.
— Valentina? — Luigi me chamou, mas todo o meu controle havia ido embora.
— Essa coisa para nós mulheres é tão difícil, é tanta pressão — falei com a voz trêmula e
me envolvi em um abraço. — Tenho medo que você esteja pensando na sua falecida esposa
enquanto estiver comigo, tenho medo de ser tão vulnerável assim com alguém que mal conheço
— sussurrei por fim. Luigi olhou-me assustado e desconfortável com o meu choro, ele
aproximou-se de mim e seu polegar secou as minhas lágrimas com gentileza.
O cheiro de sua loção masculina inundou a minha mente.
— E como vou saber se esse não é um plano mirabolante para fugir de mim? — Ele
perguntou.
Mordi o lábio inferior.
— Sei quais são as consequências de fugir da máfia e eu jamais colocaria a vida das
minhas irmãs em risco — respondi.
Luigi olhou-me em silêncio por alguns segundos.
— Tudo bem, duas semanas — ele finalmente respondeu, um suspiro de alívio escapou
dos meus lábios. — Vamos fazer esse acordo do meu jeito, ok?
Assenti, mesmo não sabendo qual era o jeito de Luigi realizar um acordo. O observei
pegar um copo de vidro e a mesma faca que ele usou para cortar meu vestido. Com a ponta da
lâmina, Luigi perfurou o seu polegar, gotas de sangue escarlate pingaram no copo. Ele jogou um
pouco de álcool em gel, que estava na gaveta da mesa de cabeceira, na ponta da lâmina para
desinfetá-la.
— Sua vez. — Luigi falou, me estendendo a faca. Respirei fundo e tirei a faca da sua
mão. — Juramentos de sangue são inquebráveis — ele me relembrou.
Furei a ponta do meu polegar, assim como Luigi havia feito. Olhei algumas gotas caírem
no copo, e naquele momento o nosso juramento estava selado. Luigi levou meu dedo aos seus
lábios e chupou o mesmo, senti um calor tomar conta do meu corpo. Ele pegou um curativo na
mesinha e colocou em cima do meu dedo.
— Só isso? — Perguntei, enquanto secava minha bochecha com a minha mão.
Luigi negou.
— Agora vou diluir um pouco do sangue e jogar no lençol, assim eles vão ter o show
deles amanhã de manhã e de quebra vão pensar que o casamento foi consumado — ele falou, o
olhei, admirada com a sua inteligência. Luigi colocou um pouco de água no sangue e o jogou no
lençol, me aproximei da cama com um sorriso sincero nos lábios.
— Obrigada, Luigi — falei, encontrando os seus olhos escuros.
— Não me agradeça — ele fez uma pausa. — Estou fazendo isso mais por mim do que
por você.
Luigi se aproximou de mim.
— Como assim? — Minha pergunta foi apenas um sussurro.
— Quando eu te possuir, quero vê-la se contorcendo de prazer embaixo de mim. — Ele
fez uma pausa enquanto tocava suavemente no meu queixo. — E se para isso tenho que esperar,
eu esperarei, moglie. — Luigi murmurou. O observei se afastar e ir em direção ao banheiro, no
entanto, ele parou na entrada. — E eu nunca pensaria na Antonella quando estivesse com você.
— Luigi falou, então ele entrou no banheiro e fechou a porta.
Sentei-me na cama com o coração a mil. Aquele definitivamente não era o homem
insuportavelmente arrogante que eu detestava.
Luigi estava diferente e eu não sabia se gostava daquilo.
CAPÍTULO NOVE

Assim que Luigi saiu do banheiro, eu já estava pronta para entrar, tomar um banho,
limpar a maquiagem borrada do meu rosto e tentar dormir. Pelo menos por duas semanas eu
estava a salvo.
Luigi passou por mim já vestido com uma calça xadrez de algodão.
— Eu normalmente durmo nu — ele falou de braços cruzados. — Mas hoje vou respeitá-
la e não causar nenhum espanto em você.
Revirei os olhos e segurei a vontade de rir.
— Qual o lado da cama você prefere? — Perguntei apontando para o lençol branco
manchado de sangue. Sangue meu e de Luigi. Aquela era a prova de que nosso pacto estava
selado.
— Não tenho preferência quanto a lado, eu geralmente durmo no meio — ele respondeu
dando de ombros.
Tentei não ficar olhando muito para o seu peito nu.
— Eu também gosto de dormir no meio — falei com um suspiro.
Luigi apenas sorriu maliciosamente. Antes que ele pudesse falar qualquer coisa, uma
batida na porta fez com que Luigi franzisse a testa.
— Que estranho — ele murmurou enquanto caminhava até a poltrona e tirava uma arma
prateada de dentro do coldre que usou mais cedo. — Fui veemente ao dizer que não queria ser
incomodado.
Senti um medo criar raízes no meu peito, alguma coisa estava errada.
— Você acha que alguém está tentando nos machucar?
Luigi ergueu as sobrancelhas.
— É uma possibilidade — ele murmurou. — É sempre uma possibilidade, ainda mais
depois daquele sapato.
Novamente a pessoa bateu na madeira escura da porta, Luigi destravou a arma, pronto
para se proteger.
— Sou eu, Luigi — a voz era masculina. — Sandro.
Luigi olhou para mim e para a minha pouca roupa.
— Vá para o banheiro — ele murmurou. O obedeci e entrei no grande banheiro, fechei a
porta só um pouco, visto que eu queria saber o que Sandro queria com Luigi na nossa noite de
núpcias.
O ouvi abrir a porta.
— Aconteceu algo? — Luigi perguntou.
— Sim, senhor. — Sandro falou baixo. — Um ataque da Yakuza contra alguns soldados
do clã de Nova Iorque.
— Quantas pessoas morreram?
— Poucas, o ataque foi durante uma entrega de cargas. — Sandro respondeu. — O seu
sogro e o Diogo já estão esperando por você no escritório para tomarem as medidas necessárias.
Ouvi um suspiro. Então, havia acontecido um ataque, aquilo era sério.
— Certo, já estou indo.
Ouvi alguns passos e então eles cessaram.
— Sinto muito pela sua noite de núpcias. — Sandro falou antes de sair do quarto.
Afastei-me da porta e olhei para os meus pés.
Se Luigi estivesse pensando em mudar de ideia sobre o nosso acordo, não poderia, ele
teria que se reunir com os seus homens de confiança para decidir que medidas tomar para enfim
contra-atacar a Yakuza.
E isso levaria horas.
— Valentina, pode sair. — Luigi falou. Abri a porta do banheiro e dei alguns passos para
dentro do quarto, ele já estava vestido com as roupas que usara no nosso casamento. — Tenho
certeza que você ouviu toda a conversa, então sabe o que aconteceu, preciso resolver isso. —
Luigi concluiu ajeitando a gravata.
Assenti.
Eu sabia como funcionava, várias noites acordei com movimentos estranhos em casa e
quando eu olhava pela janela, eu via meu pai sair todo armado para alguma reunião de
emergência.
— Você não vai brigar por eu ouvir a conversa escondida? — Perguntei, achando curioso
o fato dele ter dado pouca importância, meu pai sempre me dava uma bronca.
Luigi olhou para mim e deu uma risada.
— Por que eu brigaria? — Ele perguntou, apenas dei de ombros. — Você vai ficar bem
aqui?
— Vou — respondi, apontei para o sangue no lençol. — E agora?
Luigi franziu a testa, pensativo, então de ombros.
— Vou pensar em algo, não se preocupe — ele disse enquanto vestia o coldre. — Preciso
ir, moglie.
— Tudo bem.
Luigi abriu a porta e olhou para mim.
— Vou trancá-la, não quero correr o risco de alguém entrar aqui e fazer algo com você.
Franzi a testa.
— São seus homens, você não confia neles? — Perguntei.
Luigi abriu um sorriso.
— Eu não confio nem mesmo na minha própria sombra — ele respondeu.
Antes de sair, Luigi aproximou-se de mim e beijou carinhosamente minha testa, mal tive
tempo de entender o que estava acontecendo, pois ele se afastou e saiu, trancando a porta.
Observei o espaço vazio ocupado por ele momentos antes.
Um suspiro escapou dos meus lábios e eu me perguntei se deveria ter o mesmo ponto de
vista do meu marido, de não confiar em ninguém.
Cheguei à conclusão de que sim, eu deveria.

Acordei com os raios da manhã no meu rosto. Assim que meus olhos se abriram, as
lembranças da noite passada vieram em flashes, olhei para a ponta do meu dedo e o curativo
ainda estava ali.
Notei que um braço envolvia a minha cintura.
Subi o olhar lentamente para o dono do braço e encontrei Luigi dormindo tranquilamente.
Depois do meu banho, não demorou para eu adormecer e sequer acordei quando ele chegou.
Será que Luigi havia demorado na reunião? Suspirei, pensativa.
De maneira delicada, retirei sua mão da minha cintura e sentei-me na cama. Aproveitei
aquele momento vulnerável para observar a sua face, era incrível a maneira como o sono
conseguia nos transformar, um rosto que normalmente era duro, estava relaxado e pacífico.
Que barbaridades aqueles olhos já haviam presenciado nos seus vinte e oito anos de vida?
Eu havia passado tanto tempo pensando que apenas as mulheres eram vítimas do sistema da
máfia, mas os homens também eram. De certa maneira eles não tinham a liberdade de ser o que
queriam ser, desde pequenos eram treinados para verem e realizarem coisas absurdas.
Os homens eram criados para serem assassinos a sangue-frio, eles só tinham valor no clã
se tivessem deixado muitos cadáveres no mundo. Quantos traumas Luigi não teria por conta
disso?
Observei mais de perto as cicatrizes em seu peito, eram várias, a maioria provavelmente
feita por uma lâmina muito afiada, senti as pontas dos meus dedos formigarem de vontade de
tocar cada uma delas. Para os homens da Camorra — e como para tantas outras máfias — aquilo
significava glória, era motivo de respeito e orgulho de todos, simbolizava quantas lutas ganhas
eles obtinham, e pelas cicatrizes Luigi tinha bastante.
Ele era um soldado espetacular e por esse motivo se tornou chefe tão jovem.
— Por que você está me observando? — Luigi abriu os olhos e falou com a costumeira
voz de quem havia acabado de acordar.
Senti meu rosto esquentar de vergonha, eu havia sido pega no pulo.
— Eu estava vendo suas cicatrizes — confessei.
Seus olhos escuros brilharam.
— Ficou impressionada? — Ele sorriu de maneira descarada. — Pelo que eu te conheço,
você ficou enojada.
Dei de ombros fingindo desinteresse.
— Nunca entendi muito bem a finalidade dessas marcas — falei, levantando-me.
Depois do meu banho, eu havia trocado as minhas roupas íntimas por uma camisola de
cetim branca, agora eu conseguia observar o quanto ela era sensual. Bianca e Violet haviam
escolhido juntas o meu enxoval e deveria haver diversas outras camisolas como aquela, que
mostravam mais do que escondiam.
Olhei novamente para Luigi e notei seu olhar fixo nas minhas pernas.
— Belas pernas — ele murmurou.
Todo o meu rosto ficou vermelho, aquela era a parte do meu corpo que eu tinha mais
insegurança. Mesmo não sendo alta, elas eram compridas e magras e, durante boa parte da minha
infância, muitas crianças diziam que as minhas pernas se pareciam com dois gravetos. Nessas
ocasiões, Anna sempre me defendia, mesmo sendo a mais nova, ela tinha um senso de proteção
com as suas irmãs muito aguçado. Saber que Luigi achava as minhas pernas bonitas fez um
sentimento estranho tomar conta do meu peito.
Ele sentou-se na cama e me olhou de maneira estranha.
— Preciso falar com você, venha cá. — Assim que Luigi disse aquelas palavras, o olhei
curiosa. Caminhei até o seu lado da cama. — Eu deveria ter lhe dito isso antes, mas creio que
não mudaria muito as coisas, mas o nosso casamento não será por amor, Valentina — ele
concluiu com a sua voz rígida.
Todo aquele sentimento que havia entrado no meu coração momentos antes desapareceu
e uma pontada de tristeza ocupou o seu lugar. Eu não entendi muito bem o que aquilo
significava, mas eu não iria demonstrar para Luigi o que eu estava sentindo.
— Entendo.
— Você entende mesmo? Sou o chefe da Camorra e um casamento por amor seria a
minha perdição. Eu não posso me dar ao luxo de perder o foco, a Camorra vem sempre em
primeiro lugar. — Luigi disse, os seus olhos brilharam com tamanha intensidade. — Amar a
minha esposa não me faria colocar a Camorra em primeiro lugar, entende? — Notei que os seus
olhos escuros me observavam, talvez procurando alguma reação que eu pudesse dar, mas
continuei impassível.
Engoli em seco e assenti.
— É claro — falei, forçando um sorriso em meus lábios, mas parecia rígido, errado. —
Não se preocupe, não estava nos meus planos amar você, apenas tolerá-lo.
Luigi assentiu.
— Que bom que estamos esclarecidos — ele respondeu secamente, ao que parece a
minha reação não o agradou muito.
— Sim — respondi de volta.
Então, virei-me e me tranquei no banheiro. Por que eu estava tão chateada com aquilo?
Eu sabia que nosso casamento não seria por amor. E o mais importante, por que Luigi parecia tão
irritado? Ele queria que eu me debulhasse em lágrimas e implorasse por amor? Eu jamais faria
isso.
Resolvi ignorar a sua atitude estranha e focar no meu banho, eu precisava de água quente
para relaxar um pouco e decidir qual seria o meu próximo passo. Depois de quase gastar toda a
água quente de propósito, enrolei a toalha no meu corpo e saí do banheiro, contudo, assim que
abri a porta segurei um grito de choque.
Luigi estava completamente nu. Aquela era a primeira vez que eu via um homem naquele
estado. Ele estava de costas para a porta do banheiro, por isso eu tinha uma visão perfeita dos
seus ombros largos e das costas musculosas, que possuíam algumas marcas, me perguntei o que
poderia ter acontecido com Luigi.
E claro, eu tinha uma bela visão da sua bunda, e que bunda.
Os músculos dos seus glúteos eram durinhos e as coxas muito bem definidas. Mordi meu
lábio inferior admirando seu corpo e dei um suspiro, no entanto, ao me ouvir, Luigi virou o rosto
para mim e me pegou o olhando, ele sorriu como o próprio diabo e eu senti meu rosto esquentar.
— Você não acabou com a água quente, acabou? — Luigi perguntou, virando-se por
completo. Tentei manter meu olhar focado no seu rosto para não acabar olhando para a coisa
entre as suas pernas.
Luigi aproximou-se de mim e pegou a toalha enrolada no meu corpo, e dessa vez quem
estava nua era eu. Não consegui disfarçar o choque, o seu olhar deslizou por todo o meu corpo,
deixando cada parte dele arrepiada.
Corri até a cama e enrolei-me no cobertor.
— Você não pode fazer isso, Luigi Salvattore — falei irritada.
Luigi deu uma risada.
— Estou vendo seu seio direito, Valentina Salvattore — olhei para baixo e notei que uma
parte do meu seio estava à mostra, ajeitei o cobertor no corpo.
— Não faça mais isso. — Olhei para ele com irritação.
— Por que não? — Luigi jogou a toalha sobre os ombros. — Somos casados e não
podemos nem mesmo dividir a toalha, mia moglie? — Ele completou e deu um sorrisinho.
Preparei-me para falar uma série de coisas, mas quando abri a boca os meus olhos me
traíram e eu olhei para a coisa entre as suas pernas, engoli em seco e olhei para cima
rapidamente, Luigi deu uma gargalhada, virou-se e foi para o banheiro. Balancei a cabeça
irritada, como alguém poderia ser tão convencido assim? E tão bonito?
Deus havia sido injusto com o resto dos homens na terra, seria difícil para um mísero
mortal competir com Luigi. Agora eu com certeza concordava com Lianna, Luigi poderia ou ser
um deus, ou o próprio demônio pronto para levar qualquer mulher a perdição.
Depois de alguns minutos tentando recuperar a compostura, vesti minhas roupas íntimas
e comecei o processo de pentear meu cabelo, olhei cansada para o espelho. Em que momento as
coisas ficaram tão confusas para mim? Eu sabia a resposta daquela pergunta, foi no momento em
que recusei tirar meus jeans e fui prometida ao Luigi.
Quando peguei a escova e estava prestes a desatar os nós do meu cabelo, eu ouvi a porta
do banheiro ser aberta e Luigi caminhar pelo quarto. Olhei para trás e ele estava com a toalha na
cintura, seu peito musculoso ainda estava molhado e os cabelos haviam sido lavados.
— Precisa de ajuda? — Luigi perguntou, sentando-se atrás de mim. Eu não precisava de
ajuda, mas mesmo assim entreguei a escova para ele, a todo momento eu lembrava das palavras
do meu pai dizendo para eu ser boazinha com o meu marido. Luigi começou a escovar meu
cabelo e a desatar os nós com cuidado. — Eu sempre achei seu cabelo muito bonito — ele falou
com a voz gentil.
Ergui as sobrancelhas, surpresa.
— Sério? Sempre achei meu cabelo tão comum — falei dando uma risada.
— Eu não acho — Luigi falou, passando o polegar na minha nuca e provocando um
arrepio com o seu toque. — Seu cabelo é diferente, é exótico.
Um sorriso triste surgiu nos meus lábios.
— Ele não é ruivo e muito menos loiro para ser exótico — murmurei. — Todo mundo
tem cabelos castanhos, até você tem, por isso considero comum — conclui. Notei que Luigi me
observava com um sorriso. — Que foi?
— Só estou me perguntando quando é que você vai concordar com o seu marido — ele
falou, terminando de escovar o meu cabelo.
Comecei a rir.
— Vou concordar quando o meu marido falar coisas inteligentes — rebati. Luigi
levantou-se e tirou a toalha, engoli em seco e desviei o olhar. — Quando é que eles vão entrar no
quarto para recolher o lençol? — Perguntei, tentando focar em outra coisa.
— Eu pedi para eles não se preocuparem com isso, eu mesmo o levarei — ele respondeu
calmamente. Olhei para as minhas mãos, pensando que dessa forma seria melhor. — O plano é o
seguinte, depois que cheguei da reunião com o seu pai e o seu cunhado, nós consumamos o
casamento. — Luigi falou enquanto pegava uma cueca boxer preta e a vestia.
— Certo — murmurei.
Eu sabia que não deveria ficar olhando para o seu corpo de forma tão descarada, mas era
tão difícil. Notei que Luigi havia me pegado no flagra o observando de novo, desviei o olhar,
mas o vi erguer as sobrancelhas escuras.
— Você sabe que pode apreciar mais de perto, não sabe? — Ele me provocou. O ignorei
e levantei-me para colocar uma roupa. Logo o café da manhã seria servido e todos iriam querer
saber como as coisas aconteceram, como eu estava, como Luigi teria sido na cama, e eu
precisaria inventar uma boa mentira. — Sugiro que use um vestido, já que você precisa fingir
que algo aconteceu e suponho que uma calça não seja muito confortável, mia moglie.
Olhei para ele, pensativa.
— Acredito que elas perceberão a mentira — falei enquanto procurava um vestido,
encontrei um longo de alças. — Principalmente quando as mulheres me fizerem alguma pergunta
relacionada ao ato.
Luigi deu um sorriso, mas continuou em silêncio.
Aproveitei aquele momento para colocar o vestido, ele tinha um caimento ótimo no meu
corpo, escondia as minhas pernas, o que me deixava muito à vontade. Observei-me no espelho.
Logo Luigi se aproximou por trás de mim, ele já estava vestido com uma camisa branca de
botões escuros e calça social preta.
Ele ficava muito bonito com aquele estilo de roupa.
Nossos olhares se encontraram no reflexo do espelho. Estremeci quando seus dedos
afastaram os meus cabelos que estavam soltos nos ombros e os colocaram do outro lado.
Luigi passou seus lábios pelo meu pescoço com calma e um arrepio percorreu toda a
minha espinha. Quando as suas mãos encontraram a minha cintura, ele apertou-me contra o seu
corpo, fazendo o meu coração bater descompassado. Deixei um suspiro escapar ao sentir seus
dentes roçarem meu pescoço de leve e o mordiscar. Seus lábios realizaram uma pequena pressão
na pele sensível abaixo da minha orelha.
Tentei me segurar, mas um gemido soou pelos meus lábios. Luigi olhava fixamente para
mim e eu o sentia me apertar cada vez mais contra o seu corpo.
Então, ele se afastou.
— Quando elas perguntarem, deixe a marca do chupão à mostra. — Notei que seus lábios
se transformaram num sorriso malicioso. — Tenho certeza que elas vão acreditar.
Engoli em seco e observei a marca vermelha tomar forma no meu pescoço, meu coração
batia forte dentro do meu peito e minhas pernas estavam moles. Toquei com os dedos trêmulos
no círculo próximo a minha clavícula.
Luigi ajeitou a gravata e sem tirar o sorriso do rosto, falou:
— Esse vestido é bonito, mas se for usá-lo pegue um cardigã, está um pouco frio hoje.
Então, ele saiu me deixando sozinha com meus sentimentos conflituosos.
CAPÍTULO DEZ

— Eu não acredito que você se casou. — Lianna murmurou. — E ainda com o Luigi, que
loucura.
Lianna e Anna estavam sentadas ao meu lado, estávamos observando o lençol estendido
na parede como se fosse um quadro, aquilo me deixava enojada e em parte grata por aquele não
ser o sangue da minha virgindade. Mais próximo do lençol estava Luigi, ele conversava com
Sandro, Matteo e meu pai, mas em alguns momentos nossos olhares se cruzavam e uma malícia
brilhava nos seus olhos escuros, o que me fazia ficar com o rosto em chamas. Mas ao ouvir
minha prima, olhei atentamente para ela e franzi a minha testa.
— Por que é uma loucura o fato de eu ter me casado com Luigi? — Perguntei.
O rosto de Lianna ficou vermelho.
— Bom… — Ela olhou para Anna, pedindo ajuda, mas minha irmã só deu risada. Lianna
murmurou: sua traidora, para ela, em tom de brincadeira. Então, sua atenção voltou para mim.
— É que você sempre detestou o ato de se casar e sempre odiou o Luigi.
Lianna mordeu um pedaço do seu brioche, olhei para Anna, que estava morrendo de rir,
revirei os olhos para a minha irmã.
— Você também pensa assim, Anna? — Perguntei, mas minha irmã se limitou a beber
seu suco.
— Cheguei até a pensar que você nunca fosse ter um marido. — Lianna falou um pouco
mais baixo. — Até porque a Anna, sendo mais nova, teve que se casar primeiro porque você…
— Lianna! — Anna olhou para a nossa prima, a interrompendo, minha irmã percebeu que
eu já estava incomodada. Eu me sentia culpada pelo seu casamento. — Isso não tem importância
alguma, o importante é que ela se casou com alguém que é bom.
Lianna a olhou com um brilho no olhar que eu não conseguia identificar. Nesse momento
Marina entrou no salão e seus olhos se arregalaram ao olhar o lençol, não era para ela estar ali.
— Marina, volte aqui. — Bianca passou pelas portas duplas e a segurou. — Eu não pedi
para você ficar na piscina com as outras crianças?
Levantei-me, Luigi observava tudo com atenção.
— Eu precisava ver a minha irmã. — Marina falou, se soltando de Bianca e foi correndo
até mim, seus olhos estavam cheios de lágrimas. Os grandes olhos azuis da minha irmãzinha
eram idênticos ao céu num dia de chuva. — Ele te bateu? É por isso que o lençol está com
sangue? — Marina fungou, as lágrimas desceram em filetes grossos.
Neguei, coloquei uma mecha dos seus cabelos acobreados atrás da sua orelha e beijei sua
testa.
— Meu amor… — sussurrei com dor no coração ao ver a minha irmã naquele estado.
Inclinei-me um pouco para ficar na sua altura. — Estou bem, Luigi não me machucou — falei,
secando a sua bochecha delicadamente.
Marina deu outra fungada.
— Então, por que tem sangue no lençol? — Ela perguntou baixinho.
Olhei para onde Anna estava, em busca de ajuda, mas ela havia desaparecido com
Lianna. Respirei fundo, eu teria que lidar com aquela situação.
— Isso é normal — falei, ajeitando os seus cabelos. — Você vai entender melhor quando
estiver mais velha.
Marina concordou com a cabeça, então abraçou-me com força, eu a apertei contra o meu
peito.
— Vou sentir sua falta, sorellina — ela choramingou. — Quem vai ler para mim antes de
dormir?
Senti uma lágrima escorrer pela minha bochecha.
— Eu também vou sentir a sua falta, mesmo que Nova Iorque e Chicago sejam próximas
— falei dando uma fungadinha. — E você mesma pode ler as suas histórias, você sabe disso.
Marina concordou com a cabeça, notei Bianca se aproximando de nós.
— Sua prima está esperando por você na piscina, vamos? — Ela falou, olhei para as
duas, então Marina assentiu e saiu de lá.
Notei que Luigi não estava mais na sala, apenas Matteo se encontrava ali, e seus olhos
observavam Bianca se afastar do salão, ele sequer disfarçava.
— E como está sendo a vida de casada? — Assustei-me com Anna, que se aproximou de
mim e parou do meu lado com um copo de suco de laranja, Lianna estava com ela.
— Onde vocês estavam? Me deixaram sozinha para lidar com a Marina.
Lianna deu um sorriso.
— Anna tem uns brincos que ela não usa mais, daí aproveitamos para pegá-lo para mim
— ela falou.
— Sim, e aí já aproveitei para pegar um pouco de suco para você — minha irmã
completou com um sorriso.
— Obrigada, Anna! — Peguei o suco e bebi um pouco. — E respondendo a sua pergunta,
bem, eu não sei dizer muito sobre a minha vida de casada, já que sou casada há menos de vinte e
quatro horas.
Anna suspirou.
— Todas pensamos que o ataque fosse atrasar sua noite de núpcias, é uma pena que não
foi isso o que aconteceu — ela falou tristemente. Dei um sorriso triste e abracei a minha irmã, eu
queria contar que era tudo uma farsa, mas eu não podia, eu não queria arriscar que outras pessoas
descobrissem isso.
— Está tudo bem — falei com um suspiro.
Anna olhou preocupada para mim.
— Ele foi gentil ou machucou você? Quero os detalhes — ela falou baixinho.
Franzi a testa.
— Anna! — Murmurei envergonhada. — Você não me deu os detalhes da sua noite de
núpcias — respondi, Anna olhou sem graça para o lado, notei que seu semblante ficou triste. —
Foi tão ruim assim?
— Eu não estava preparada, só isso — ela respondeu tentando dar um sorriso, mas era
nítido que aquilo ainda a incomodava.
— Foi bom? — Lianna perguntou para mim, olhei para ela e notei que o seu rosto
também estava triste. Pensei no beijo e na forma como Luigi havia espalhado vários beijos pelo
meu corpo e em como fora bom, então assenti.
Anna olhou para o meu pescoço e suas sobrancelhas ruivas arquearam-se.
— Então, ele é do tipo que deixa marcas? — Um sorriso surgiu em seus lábios, Lianna
deu uma risadinha.
Meu rosto esquentou.
— Hã — dei uma tossida — bem…
Nesse momento, Luigi resolveu aparecer e eu o olhei agradecida.
— Moglie? — Luigi tocou no meu braço suavemente. — Tenho péssimas notícias.
Fiquei tensa.
— Como assim? — Perguntei.
— Venha comigo — ele falou, assenti e me despedi das meninas. Luigi me pegou pelo
braço e levou-me para um canto mais reservado, eu o segui, fingindo dificuldade em caminhar,
Luigi observou meu teatro e deu uma risada baixa. — Que excelente atriz.
Ignorei seu comentário.
— Aconteceu algo com o clã? — Perguntei, Luigi me olhou com as sobrancelhas
erguidas. — Além do ataque de ontem — acrescentei rapidamente.
Ele negou.
— Mas teremos que voltar mais cedo para Manhattan.
De repente o chão se abriu e eu me senti caindo de um precipício.
— Por quê? — Perguntei baixinho.
Luigi havia combinado que ficaríamos uma semana nos Hamptons para aproveitar
aqueles últimos dias com a minha família, com as minhas irmãs, então eles iriam voltar para
casa, e eu iria para o meu novo lar em Manhattan.
— O chefe da Cosa Nostra quer jantar conosco e eu preciso ir. Por mais que tenhamos
essa aliança há décadas, Lorenzo tem receio quanto a Camorra, se eu não estiver presente não
será bom para os nossos negócios. Tem também o ataque que tivemos ontem, a adaga no seu
sapato, preciso resolver essas coisas. — Luigi falou calmamente.
— Você fala nossos negócios como se eu fizesse parte disso também. — Dei uma risada
amarga, meu pai nunca havia incluído nenhuma de nós nos negócios do clã.
— Mas você faz parte. — Luigi se aproximou e tocou na minha bochecha suavemente.
— Você é a minha esposa, é inteligente e prática, é claro que vou pedir sua opinião em muitos
assuntos — quando ele concluiu, eu o olhei surpresa.
— Nossa, obrigada — falei com um sorriso, eu gostava de me sentir útil.
Luigi deu um sorriso significativo.
— Tanto o Lorenzo como a sua esposa desejam conhecê-la, esse jantar é em homenagem
à nossa união — disse ele.
Assenti.
— Que horas iremos partir? — Perguntei.
— Eu gostaria de ir agora, mas eu não poderei almoçar com você hoje — Luigi
respondeu. Engoli em seco, pelo visto essa seria minha vida a partir de agora, triste e solitária.
— Tudo bem — falei, colocando uma mecha do meu cabelo atrás da orelha. Pelo visto,
meu novo marido percebeu meu olhar triste, porque segurou nas minhas mãos e beijou cada uma
delas.
— Tem um restaurante que eu gostaria de levar você para jantar — Luigi falou enquanto
dava um sorriso. Tentei não sorrir, pois eu não queria demonstrar nada a ele, mas falhei e um
sorriso tímido surgiu nos meus lábios.
— Certo, vou me despedir da minha família então — falei. Já estava me afastando
quando senti sua mão no meu braço, virei-me e olhei para Luigi, curiosa. — Algum problema?
Ele negou.
— Prometo recompensar você por essa mudança de planos, eu sei que prometi uma
semana aqui e eu sinto muito — Luigi disse, me puxando lentamente para perto dele. — Vou
recompensá-la, certo? — Assenti meio zonza com a nossa aproximação repentina, senti seus
lábios tocarem gentilmente a minha testa. Notei que eu estava desejosa por um beijo como
aquele do escritório.
Escondi minha frustração e fui me despedir da minha família.
Despedir-me da minha família com certeza foi a coisa mais difícil que eu já fiz na vida,
exceto me casar contra a minha vontade. Quando a minha irmã se casou e foi embora, foi muito
difícil, mas eu tinha Marina do meu lado e agora… Bom, agora era eu quem estava indo para um
lugar estranho e com um marido que não pretendia me amar.
A primeira pessoa que abracei foi Marina, ela escondeu seu rosto na minha barriga e
chorou baixinho, engoli a vontade de me desabar em lágrimas, minha irmã precisava que eu
fosse forte por nós duas.
— Assim que possível quero que você me visite, viu sorellina? — Falei enquanto
afagava seus cabelos. — Prometo fazer um delicioso Cannoli quando você for.
Senti o olhar de Luigi em nós duas. Marina levantou a cabeça, o seu rosto estava
vermelho devido ao choro.
— E Tiramisu — ela falou chorosa, dei uma risada em meio as lágrimas que escorreram
pela minha bochecha e eu beijei seu rosto. Marina me deu um último abraço e foi se despedir de
Luigi.
— Agora é a minha vez — Anna falou, aproximando-se de mim, seus olhos estavam
lacrimosos.
— Vocês vão se mudar para Chicago quando? — Perguntei em voz baixa.
— Logo — ela disse. — O Diogo não seria idiota de recusar a proposta de caporegime, e
agora com esse ataque, Luigi precisa dele o mais depressa possível — ela finalizou com um
sorriso triste.
— Qual é o problema?
Anna deu um suspiro.
— É só que gosto bastante de Miami devido às praias, mas pelo menos estarei perto da
nossa irmãzinha — ela falou e eu concordei.
Mordi meu lábio inferior, ansiosa.
— Estou com tanto medo — murmurei, abraçando Anna, que afagou carinhosamente as
minhas costas.
— E com razão, o casamento vai mudar a sua vida por completo — ela disse, pensativa.
Olhei para a minha irmã com cenho franzido.
— Anna, eu esperava ser reconfortada — retruquei.
Minha irmã deu uma risada.
— Eu já estava chegando lá — ela respondeu. — Luigi parece ser legal e é muito bonito,
não vai ser difícil você se apaixonar por ele, e nosso chefe seria um tolo de não se apaixonar por
você.
Não respondi nada, apenas sequei minhas lágrimas. Anna não fazia ideia de que o nosso
querido chefe estava decidido a não se apaixonar por mim. Olhei para minha irmã e notei que ela
observava Marina aos prantos.
— Coitadinha — murmurei.
— Marina não chorou tanto por mim, não como ela está chorando por você — Anna
falou com uma pontada de dor no seu rosto, me senti mal por ela.
Durante toda a nossa vida juntas, Marina sempre foi mais grudada em mim, eu sempre fui
sua preferida, e era nítido que minha irmã se ressentia por isso, ela queria a aprovação e o amor
de Marina.
— Ela sofreu bastante com a sua ausência — falei apertando a sua mão três vezes, era o
nosso sinal para eu te amo. — Vou sentir sua falta, sorellina.
Anna sorriu tristemente.
— É, eu também vou sentir a sua — ela falou enquanto secava uma lágrima no canto do
olho. — Estaremos partindo amanhã, temos que resolver a questão da mudança e eu tenho uma
consulta médica.
Olhei assustada para ela, consulta médica? Como uma boa irmã mais velha, fiquei
preocupada.
— Você está doente? — Murmurei.
Anna negou, mas passou a mão discretamente na barriga, arregalei os olhos,
completamente surpresa.
— Você já está de quantas semanas?
— Doze — ela sussurrou alegremente, eu podia sentir que ela já amava o seu bebê.
— Como o Diogo recebeu essa notícia? — Perguntei.
Era estranho ele não ter se gabado com ninguém, um filho, depois de dois anos de
casados não tendo nenhum, era uma vitória.
— Ele… ele ficou feliz, eu acho. — Anna murmurou e um suspiro escapou dos seus
lábios.
Os seus olhos brilhavam. Ter um filho, principalmente para um mafioso, era a certeza de
ter um herdeiro para ocupar seu lugar quando já fosse idoso demais.
— O nosso pai sabe? — Perguntei.
Anna negou com a cabeça.
— Planejo dar a notícia a todos no dia de Ação de Graças.
— Estou muito feliz por você, minha querida — falei com um sorrisinho.
— Logo será você — ela falou, me fazendo erguer as sobrancelhas. — Luigi parece
faminto toda vez que te olha, não vai ser surpresa nenhuma você engravidar até o fim do ano.
Um sorriso sem graça surgiu no meu rosto, para o meu desagrado o demônio em pessoa
se aproximou de nós.
— Precisamos ir, Valentina — ele falou gentilmente, assenti e abracei uma última vez a
minha irmã.
Caminhei até o meu pai e o abracei forte, ele beijou minha testa.
— Eu te amo, filha — meu pai murmurou, seus olhos estavam cheios de lágrimas.
— Eu também te amo, pai — falei, chorosa. Apesar de nossas desavenças, eu estava me
sentindo triste. Uma parte de mim queria voltar com eles para Chicago, para minha vida, minha
casa e o meu quarto.
Infelizmente nada daquilo me pertencia mais.
— Não se esqueça do meu conselho — meu pai falou, beijou novamente a minha testa e
se afastou.
Bianca deu um sorriso sem jeito e foi atrás dele.
Procurei por Luigi e notei que ele já estava colocando nossas coisas no porta-malas de
uma Lamborghini Reventón preta, arqueei a sobrancelha e me aproximei dele.
— Com esse carro você poderia ser o próprio Batman — falei com um sorriso, ele me
olhou confuso. — Sério que você não conhece ele?
Luigi deu uma risada.
— É claro que conheço — ele falou entrando no carro, entrei logo depois dele e passei o
cinto. — Mas nunca me achei muito parecido com o Batman.
Olhei para ele achando graça.
— Você é milionário, vive de terno, tem habilidades com luta e o carro parece um
batmóvel — falei, abrindo um sorriso. — Você só falta ter o sinal do Batman tatuado no peito.
Luigi deu uma gargalhada chamando a minha atenção.
— Que foi?
Ele balançou a cabeça em negativa.
— Não é nada — ele falou, notei que suas mãos apertaram o volante. Ergui as
sobrancelhas, sabendo que tinha algo acontecendo e ele não queria me contar.
— Diga, por favor — falei baixinho.
Luigi suspirou, então seus olhos encontraram os meus rapidamente.
— É que eu apenas a levarei para conhecer a minha batcaverna — ele falou
maliciosamente, dei um sorriso e olhei para a janela sentindo meu rosto ficar vermelho. — Nossa
batcaverna.
Engoli em seco. Eu tinha a noção de que perguntar sobre Antonella era perigoso, mas eu
precisava saber se a nossa casa seria contaminada pelas lembranças da falecida esposa de Luigi.
Por isso tentei ser discreta.
— E você já levou alguma outra mulher lá? — Olhei para Luigi e ele negou com a
cabeça, um sorriso formou-se no seu rosto. — Que sorriso é esse?
— Você está com ciúmes? — Ele perguntou sem fazer rodeios.
Revirei os olhos.
— É claro que não.
— Sei — ele murmurou. — Se você deseja saber se levei a Antonella ao apartamento, a
resposta é não, eu o comprei assim que fiquei sabendo que precisaria me casar novamente —
Luigi concluiu.
Notei que seu rosto estava tenso, por isso, assenti devagar. Percebi que eu nunca havia
dito a Luigi que lamentava a morte de sua falecida esposa e do seu filho, eu me sentia horrível
com aquele pensamento.
— Sinto muito — sussurrei. — Por ela e pelo bebê.
Luigi suspirou.
— Está tudo bem — ele murmurou. Fui consumida então por uma curiosidade absurda de
saber mais sobre o casamento dos dois, sobre o filho que eles teriam.
— Vocês já sabiam o sexo do bebê? — Perguntei num sussurro, Luigi apenas negou. —
Ah!
Ah, foi tudo que consegui dizer.
E assim foi o resto da nossa viagem, Luigi trancado em seus próprios pensamentos e eu
olhando para o oceano a distância até pegar no sono.
CAPÍTULO ONZE

Acordei com o som de buzinas.


Espreguicei-me no banco do carro e tentei assimilar o que estava acontecendo. Bocejei
sentando-me direito, Luigi estava com óculos Ray-Ban e comia um bagel, seus dedos
tamborilavam no volante no ritmo de uma música desconhecida por mim.
— Estou com fome — falei com a voz rouca. — Tem um para mim?
Luigi assentiu e apontou para o meu colo. Olhei para baixo, o cheiro de gordura e o calor
dos bagels recém-saídos do forno entrou pelas minhas narinas.
— Ah! — Murmurei. — Você comprou algo para beber? — Perguntei, sentindo a minha
garganta seca.
— Sim, está no porta-copos ao lado do banco. Comprei um chá gelado para você, já que
eu não sabia se gostava de café puro ou com creme — Luigi falou, olhei para baixo e peguei um
copo de plástico.
Bebi um gole do chá e senti o frescor subir pelo corpo.
— Obrigado, muito atencioso da sua parte — falei mordendo um pedaço do meu bagel.
— Estamos em Manhattan?
— Sim, o nosso apartamento é de frente para o Central Park no Upper East Side.
Olhei para a variedade de prédios que nos cercavam, havia um enorme parque com uma
área verde extensa, ele estava no centro de todos aqueles prédios. Observei o Central Park até
entrarmos num estacionamento no subsolo.
— Tipo Gossip Girl? — Brinquei, mas Luigi olhou confuso para mim. — É uma série...
Hã, esquece isso, eu dormi muito? — Perguntei enquanto tirava o cinto.
— Sim, eu não sabia que você estava tão cansada — ele falou enquanto estacionava o
carro e o desligou.
Suspirei, esticando o corpo e me espreguiçando.
— Eu estava preocupada com o casamento, tendo pesadelos estranhos e por isso não
dormi bem durante esses dias — falei saindo do automóvel e caminhando até o porta-malas.
— Que pesadelos?
Olhei para Luigi e ergui as sobrancelhas.
— Não tem importância — respondi. — O seu irmão mora nos Hamptons com a sua
mãe? — Perguntei, o esperando abrir o porta-malas, ele o fez e eu peguei algumas coisas, logo
Luigi apareceu e pegou o que faltava.
— Não. — O olhei curiosa com a sua resposta. — Meu irmão viaja muito, até o final da
semana ele vai para Espanha, a minha mãe cuida da minha casa em Chicago, e depois que meu
pai morreu, quase não vamos aos Hamptons. — Ele começou a andar e eu o segui.
— Ela deve ter muita recordação naquele lugar — falei e Luigi concordou, caminhamos
até um elevador privativo.
— Moramos na cobertura e ficaremos num apartamento de dois andares com nosso
próprio elevador — ele falou, me lançando um olhar por cima do ombro. — Acredito que você
vá gostar daqui.
Gostando ou não eu não teria muita saída.
— Você vai colocar homens para me vigiar quando eu sair sozinha? — Perguntei
enquanto entrava no elevador. Luigi suspirou cansado e guardou os óculos escuros no bolso do
terno. — É claro que vai — murmurei.
— Valentina, esses homens não são para te vigiar e sim te proteger — bufei com a sua
resposta. Eu entendia os riscos de ser a filha e a esposa de um mafioso, mas às vezes era tão
exaustivo ter alguém seguindo você até quando ia ao banheiro. — Temos inimigos cruéis como a
Yakuza e a Bratva, eles são maus e matam qualquer pessoa que possa ser do interesse deles, não
importa se é mulher ou criança. Se for necessário encher a nossa casa de homens para te
proteger, eu o farei.
O olhei assustada e fiquei em silêncio. Aquela declaração dele me pegou de surpresa.
Observei nosso reflexo no espelho do elevador. Luigi era uns bons centímetros mais alto que eu,
tinha o corpo forte e era muito bonito. Enquanto eu tinha a pele clara e olhos azuis que
contrastavam com os meus cabelos escuros, ele era moreno e tinha os olhos escuros, e de alguma
forma a gente formava um casal bonito.
— O que você está pensando? — Luigi falou apertando o botão do elevador, o olhei com
as sobrancelhas arqueadas, ele encostou-se na parede e me observou.
Abri um sorriso.
— O que te faz pensar que estou pensando em algo? — Perguntei enquanto cruzava os
meus braços.
Eu não iria confessar estar pensando em como éramos bonitos juntos.
— Você nunca fica calada de propósito. — Luigi respondeu, revirei os olhos, o que fez
com que ele risse.
Bufei.
— Até parece. — Desviei meu olhar do dele. Antes que eu pudesse raciocinar, da minha
voz escapou uma pergunta que eu nunca deveria ter feito. — Por que você não me beija mais
como me beijou no escritório do meu pai?
Os seus lábios se transformaram num sorriso diabólico, de repente o elevador ficou muito
quente e pequeno para nós dois. Luigi deslizou lentamente o seu olhar pelo meu corpo e se
aproximou de mim como um predador se aproxima de sua presa. Engoli em seco ao sentir seus
dedos tocarem minha bochecha suavemente, seu polegar roçou nos meus lábios e não consegui
segurar o suspiro com o seu toque. Meus olhos fecharam-se automaticamente e eu estremeci com
o calor provocado pelo seu corpo.
Luigi aproximou os seus lábios do meu ouvido.
— Eu disse que só a beijaria quando você me implorasse por um beijo — ele sussurrou.
Abri meus olhos encontrando o seu olhar penetrante e naquele momento percebi que
poderia jogar-me naquele poço de escuridão. Soltei a respiração que eu não tinha noção que
segurava. Aproximei meu indicador do seu queixo e o deslizei lentamente pela linha da sua
mandíbula, Luigi soltou um gemido rouco.
— Quem vai acabar implorando por um beijo é você — sussurrei de volta.
Nesse momento a porta do elevador abriu e eu passei por ela.
O olhar de Luigi estava cravado nas minhas costas. Frustração tomou conta de mim, eu
não iria implorar por um beijo, mas se Luigi queria jogar aquele jogo de provocação, eu poderia
fazer o mesmo.
Meu marido passou por mim e eu o segui em direção a uma grande sala de estar
impecavelmente mobiliada com móveis brancos e novos, a varanda da sala era grande e tinha
uma mesa comprida do lado de fora com muitas plantas verdes. Logo depois da sala, tinha uma
cozinha americana com balcão de mármore preto, os armários embutidos eram de madeira
escura.
Notei pela visão periférica que Luigi me observava atentamente. Voltei da cozinha e ele
chamou-me com o seu dedo indicador. O segui em direção às escadas e subimos para o segundo
andar.
— O que tem aqui em cima? — Perguntei olhando algumas portas de madeira
avermelhadas.
— Aqui do lado é uma biblioteca e meu escritório. — Luigi apontou para as portas
duplas do meu lado. — Também temos a suíte principal, dois quartos de visita e um banheiro
social. — Ele abriu a porta da biblioteca e eu suspirei maravilhada.
Ela não era enorme, mas tinha muitas prateleiras com diversos livros, poltronas e sofás
para fazer uma leitura com uma vista incrível. As janelas estavam decoradas com plantas de
diversas espécies e, no fundo da biblioteca, tinha uma mesa escura com notebook, alguns papéis
e duas poltronas confortáveis.
Dei um sorriso e virei-me para Luigi.
— Definitivamente o melhor lugar da casa — falei com um sorrisinho.
— Não diga isso antes de conhecer o nosso quarto — ele falou enquanto saía do cômodo
e o segui. Luigi abriu a última porta do corredor e eu entrei no que deveria ser o nosso quarto.
Imediatamente fiquei encantada.
As paredes do quarto eram brancas, as roupas de cama eram de um azul-petróleo, quase
preto, e de seda. No quarto havia duas portas, uma que levava para o banheiro e outra que levava
para o enorme closet. No entanto, não era isso que era de tirar o fôlego, mas sim a vista da
enorme sacada.
O Central Park estava do outro lado da rua e simplesmente era a coisa mais linda que eu
já havia visto.
— Gostou? — Luigi perguntou, apenas assenti, eu havia desaprendido a formar frases. —
Então, vem comigo.
Olhei para o meu marido, curiosa. Na sacada tinha uma escadinha que levava para o
terraço, quando subimos até lá fiquei impressionada com a vista, eu conseguia avistar os vários
prédios de Nova Iorque, inclusive o Empire State. Do lado de dentro do terraço havia um ofurô e
uma piscina não muito grande. Ao redor da piscina tinha algumas cadeiras reclináveis de tomar
sol. No canto superior possuía um pequeno barzinho.
Olhei para Luigi, encantada.
— Aqui é muito lindo — falei caminhando até a piscina. — No inverno congela?
— Acredito que sim, vamos descobrir isso juntos — ele falou com um sorriso. — Agora
preciso voltar para o apartamento, você quer ficar aqui mais um pouco? — Neguei. O vento ali
em cima estava mais gelado e o cardigã não estava me esquentando o suficiente.
Descemos as escadas e voltamos para o quarto, caminhei até a cama e sentei-me nela.
— O Sandro é o meu soldado mais confiável e vai te proteger quando eu não estiver aqui.
— Luigi murmurou. O observei abrir a porta do grande closet e entrar, alguns segundos depois,
ele voltou com um terno azul-marinho e uma camisa branca.
— O Sandro estava no nosso casamento e foi ele quem entrou no quarto, certo? —
Perguntei e recebi apenas um leve balançar de cabeça como resposta. — Eu já o vi algumas
vezes na casa do meu pai.
— Ele me acompanhava em muitas reuniões quando eu era apenas o caporegime daqui.
Depois que meu pai morreu, cheguei a cogitar em deixá-lo como caporegime de Chicago, mas o
seu pai insistiu que Diogo seria melhor para o cargo — meu marido falou, colocando a camisa e
o terno sobre a cama. É claro que o Diogo seria melhor para o cargo, ele era o genro do meu pai.
Luigi caminhou até a mesinha de cabeceira e pegou uma pasta preta e colocou alguns papéis
dentro dela. — Irei te apresentar a Rosa, é ela quem cuida da comida e da sua casa, Valentina.
Franzi a testa.
— Ela é da máfia também?
Ele olhou para mim.
— Metade mafiosa, o pai era mafioso, mas a mãe era brasileira, ela acabou sendo fruto de
uma relação extraconjugal, Rosa nasceu na fronteira dos Estados Unidos — meu marido me
explicou.
— Ah — murmurei.
— Quando você quiser cozinhar, é só combinar um dia com ela — Luigi falou pegando
três gravatas e as olhando, indeciso.
— Tudo bem — falei o observando. — Acho que a gravata azul combina melhor com
esse terno. — Ao me ouvir falar, ele arqueou uma de suas sobrancelhas escuras, me fazendo dar
um sorrisinho. — Confia em mim.
— Vou tomar um banho, moglie. — Luigi foi em direção ao banheiro.
Saí do quarto e fui até a biblioteca para procurar algum livro interessante, assim que
encontrei, eu desci para a sala. Deitei-me no sofá e comecei a lê-lo. Depois de algum tempo,
Luigi apareceu com o terno azul-marinho e a gravata também azul. Ele olhou para mim com um
sorriso malicioso nos lábios.
— E você pensando que eu não tinha bom gosto — falei com um sorriso.
— E eu tinha outra escolha? — Ele murmurou tentando ajeitar a gravata.
Levantei-me e aproximei o meu corpo do dele, eu tinha alguma habilidade com gravata,
era eu que sempre ajudava meu pai. Toquei suavemente no tecido de cetim e comecei a dar um
nó nele.
— Como assim? — Perguntei entretida no meu trabalho, eu não queria olhar para cima e
encontrar os olhos de Luigi.
— No dia em que te pedi em casamento, você estava usando jeans — ele murmurou.
Revirei os olhos e estava pronta para dar um soco no seu peito quando Luigi me
interceptou, segurando a minha mão.
Arqueei as sobrancelhas, surpresa.
— Que habilidade, mio marito.
— Tenho várias outras habilidades, mia moglie. — Ele deu um sorriso cheio de malícia e
eu entendi o duplo sentido naquela frase. — Preciso ir, você ficará bem aqui? Logo Sandro estará
no apartamento. — Assenti em resposta.
— Você vai estar aqui para o jantar? — Perguntei, mas o seu semblante tenso já era uma
resposta. — Não vai?
Luigi deu um suspiro.
— Preciso ver como estão as coisas, mas vou tentar chegar cedo — ele falou, dando um
beijo em minha testa — Até mais tarde, mia ragazza[7].
Luigi arrumou a pasta de couro e saiu do apartamento pelo elevador.
Sentei-me de frente para a televisão e abracei as minhas pernas. Eu estava completamente
sozinha naquele apartamento. O meu primeiro almoço e o meu primeiro jantar seriam realizados
na completa solidão. O que era completamente diferente da minha vida anterior, agora eu não
tinha mais as risadas de Marina, ou até mesmo as implicâncias com Bianca.
Céus, eu estava sentindo falta da Bianca, aquilo era demais para mim, só comprovava
estar de fato me sentindo sozinha. E talvez a minha vida fosse ser assim para sempre, em
completa solidão. Contudo, eu não podia reclamar, não com Luigi sendo o chefe e liderando
tudo. Não com ele sendo tão gentil comigo.
Voltei a deitar no sofá e foquei minha atenção na leitura. Depois eu convenceria Sandro a
andar comigo por Nova Iorque, eu não iria ficar presa em casa. Eu iria agir, me movimentar,
comprar algumas roupas, livros e talvez adotar um cachorrinho.
Eu iria me dedicar para fazer a minha vida feliz, agora dependia de mim mesma para não
cair no completo desalento. Anna tinha razão, as coisas se tornavam mais fáceis a partir do
momento que a gente aceitava que aquela era a nossa vida e não podíamos mudar o nosso
destino.
Contudo, eu iria me fazer feliz e iria lutar por isso.
CAPÍTULO DOZE

LUIGI

Estou voltando.
Era apenas isso que a mensagem anônima dizia, mas, no fundo, eu sabia quem poderia
ser. Essa mensagem foi a única responsável por eu demorar a voltar para casa, a voltar para os
braços da minha nova esposa.
Essa maldita mensagem.
Deixei a pasta no chão e subi as escadas, Valentina poderia estar acordada, ela parecia ser
o tipo de pessoa que gostava de ficar até tarde criando teorias da conspiração e eu gostava disso.
O meu rosto relaxou quando vi a luz acesa por debaixo da porta. Assim que entrei no quarto,
encontrei Valentina deitada na cama, e claro, lendo um livro. Quando seus olhos de safira
encontraram os meus, ela colocou o marcador de página no livro e o fechou.
Valentina franziu o cenho, claramente preocupada com o meu atraso.
— Você demorou — ela falou, se levantando e caminhando até onde eu estava. — Está
tudo bem? — Apenas assenti, enquanto desatava o nó da gravata e a jogava, com o terno, na
poltrona.
Deixei meus olhos deslizarem descaradamente pelo corpo da minha esposa. Aquela
camisola de cetim era um tormento, pois deixava todas as curvas do corpo de Valentina bem
desenhadas. Eu conseguia até mesmo ver a aréola marrom clara do seu seio. Seus cabelos
escuros estavam desgrenhados de um jeito bem sexy e os olhos azuis brilhavam para mim com
aquela sede de saber que ela tinha.
Engoli em seco, frustrado.
Eu precisava possuí-la, mas ela não queria, Valentina me repugnava, me considera um
monstro e ela não estava errada. Como aquela ragazza era tolinha em acreditar que eu iria pensar
em Antonella ao me deitar com ela.
Era impossível, não quando acontecia o oposto.
O mais engraçado de toda aquela situação, era que antes de eu me casar com Antonella,
era em Valentina que eu pensava, passei muitas noites em claro com medo de dormir e acabar
sonhando com ela, logo a garota mais insuportável da Camorra.
Valentina sempre fez o meu sangue ferver, fosse de tesão ou de irritação. E foi só por isso
que disse ao Matteo que jamais me casaria com ela, eu sabia que aquele sentimento poderia se
transformar em algo poderoso, algo que iria causar a minha ruína. Contudo, aqui estava eu,
ligado para sempre a Valentina através do matrimonio.
— Você está bem mesmo? — Ela perguntou, se aproximando mais de mim.
Aquilo foi um erro gigantesco, Valentina não deveria ter ficado tão próxima assim. Eu
não conseguia manter o controle das minhas ações quando eu sentia o cheiro do seu perfume tão
próximo ou quando os lábios dela estavam tão desejosos assim. Deus havia encontrado uma
forma de me punir por todos os assassinatos que eu cometi e era colocando Valentina no mesmo
planeta que eu. Eu nunca poderia amá-la, pois ela seria a minha ruína e eu seria a dela.
— Luigi? — Valentina cruzou os braços impaciente.
— Sim? — Notei que a minha voz estava rouca, aquilo não era bom.
Virei de costas para Valentina e fingi procurar alguma coisa no bolso do meu terno, eu
queria muito beijá-la e me enterrar com força nela, mas eu só faria isso depois que Valentina
implorasse para mim. Depois que ela permitisse que eu consumasse o nosso casamento.
Eram duas semanas, apenas quinze dias. Por Deus, iria passar rápido, tinha que passar.
— Tem certeza de que você está bem? — Sua voz estava cheia de confusão.
Tentei manter a naturalidade ao sentir o seu toque suave no meu ombro, eu não queria
que Valentina percebesse o quanto o seu toque fervia o meu sangue, por isso apenas assenti com
a cabeça.
— Eu estava pensando… — Notei um nervosismo no seu tom de voz, me virei para ela,
curioso.
— Em quê? — Perguntei enquanto tirava as abotoaduras da manga da minha camisa.
Valentina mordeu o lábio inferior.
— Vamos almoçar juntos amanhã? — Ela perguntou.
Olhei para Valentina com a minha testa franzida.
— Almoçar? — Perguntei frustrado, eu esperava que ela tivesse pensado em desistir da
ideia de esperar quinze dias.
Notei que seus olhos estavam inquietos e os seus dedos brincavam com o fiapo de
alguma coisa, Valentina sempre fazia aquilo quando ficava nervosa, eu mesmo presenciei isso
diversas vezes. Sempre gostei de observá-la, desde quando éramos crianças. Contudo, eu sempre
gostei ainda mais de irritá-la, provocá-la até deixá-la furiosa e com o rosto vermelho.
Valentina sempre ficava linda quando estava irritada.
— Olha, eu sei que você tem os seus negócios e é um homem ocupado — ela falou
rapidamente. — Mas não quero ser casada com alguém que sequer tem tempo para fazer uma
refeição com a sua esposa, por favor.
Seus olhos cravaram-se nos meus, me fazendo engolir em seco. Não havia como negar
aquele pedido, não quando Valentina me olhava daquela forma, como se enxergasse algo de bom
no meu coração, como se tivesse fé em mim.
— Tudo bem, amanhã irei trabalhar só depois do meio-dia, vou passar a manhã com você
— respondi. Aproximei-me dela mesmo com todas as células do meu corpo gritando para me
manter distante, peguei gentilmente na sua mão. — Fica bom assim? — Perguntei.
Valentina assentiu e sorriu satisfeita. Ela não deveria ter sorrido daquele jeito para mim,
era um erro terrível. Seus lábios capturaram meu olhar, céus, como aqueles lábios conseguiam
me hipnotizar.
Os meus dedos tocaram levemente na sua bochecha macia, ao sentir o meu toque,
Valentina soltou um gemido baixinho e aproximou o seu corpo do meu instintivamente, engoli
em seco. Levei sua mão até os meus lábios e a beijei suavemente, nossos olhos estavam fixos um
no outro, estávamos tão presos naquele momento que era impossível desviar o olhar.
Os lábios rosados de Valentina se abriram um pouquinho e um suspiro saiu deles, soltei a
sua mão e deslizei meus dedos pelo seu braço até chegar na cintura, e a segurei com firmeza, a
apertando contra o meu corpo. Ela precisava sentir e perceber por si só o efeito que causava em
mim, como me deixava.
Deslizei os meus lábios pelo seu pescoço e o beijei, Valentina inclinou o pescoço para
trás e estremeceu contra o meu corpo, ela queria mais, eu podia sentir pela forma que respirava.
— Que se dane — falei com a voz rouca. — Eu não vou esperar você me implorar por
um beijo.
Valentina sorriu.
— Me beije — ela implorou com a voz rouca.
E eu o fiz.
Capturei os seus lábios com os meus, não de maneira carinhosa e gentil.
Eu estava faminto para sentir novamente o gosto dos lábios de Valentina, para sentir a
sua língua morna tocar a minha de maneira provocativa. Por isso, explorei toda sua boca com a
minha. Eu ansiava por ouvir os suspiros de prazer que ela dava quando eu a tocava. Suas mãos
deslizaram pelo meu peito e seus dedos se fecharam no tecido da minha camisa, estávamos tão
próximos que poderíamos ser um só, eu conseguia sentir cada parte do seu corpo com o meu, eu
conseguia sentir os seus mamilos implorando pelos meus lábios.
Como eu os queria.
Céus, como eu a queria.
Deslizei minhas mãos pelo seu corpo e não consegui segurar a vontade de segurar os seus
seios na palma da minha mão, com o polegar, desenhei o formato do mamilo de Valentina, que
gemeu roucamente, quase que implorando por mais.
E eu daria.
Caminhamos até a cama e a deitei gentilmente nos tecidos escuros. Afastei-me dos seus
lábios apenas para observá-la, para adorá-la, e meu coração parou quando vi que os seus olhos
brilhavam para mim com desejo. Com a mais pura luxúria que uma mulher poderia sentir.
Eu poderia me afogar naqueles olhos de oceano, eu poderia me afogar nela.
E eu iria.
Deitei-me por cima de Valentina e me apoiei nos meus cotovelos, eu não queria
machucá-la com minha força. Eu iria mostrar para ela o que fazia comigo, iria mostrar com os
meus beijos, principalmente os beijos entre as suas pernas.
Capturei seus lábios novamente e dessa vez eu estava faminto.
Valentina era a minha presa e eu o seu predador, ela era a minha fonte de água e eu um
homem perdido no deserto. O seu quadril seria o meu altar e eu mostraria como Valentina
Salvattore deveria ser adorada.
Um arrepio percorreu a minha espinha com aquele pensamento e eu deslizei minha mão
por sua perna. Ao sentir o toque macio da sua coxa contra a palma da minha mão, um suspiro
saiu dos meus lábios e eu cravei os meus dedos na sua carne macia, fazendo Valentina gemer
contra os meus lábios. Meus dedos tocaram a barra de renda da sua camisola e eu a levantei até o
quadril, deixei os meus dedos passearem por ele, até encontrar o elástico da sua calcinha, eu
queria muito arrancar aquele pequeno tecido que me separava da minha fonte de vida.
Naquele momento aproveitei para me acomodar entre as pernas da Valentina e esfregar o
meu membro na sua intimidade, eu queria que ela sentisse como me deixava excitado. Eu só não
esperava ficar com mais tesão quando Valentina gemeu nos meus lábios e me apertou com as
suas pernas, contra a sua intimidade. Contudo, quando decidi retirar a sua calcinha e finalmente
me divertir, algo mudou, Valentina ficou rígida como pedra embaixo de mim.
— Por favor, saia de cima de mim — ela falou, tentando me tirar de cima dela, mas eu
não relutei, sentei-me na cama me sentindo confuso, irritado e muito duro.
Suspirei, frustrado.
— O que você quer de mim, Valentina? Posso ser o melhor na máfia, mas eu não sei ler
mentes — falei notando a alteração na minha voz.
O seu rosto ficou vermelho de raiva e Valentina se levantou de braços cruzados.
— Eu só não estou pronta, eu pedi duas semanas para nos conhecermos mais e você me
prometeu isso — ela falou com seus olhos brilhando cheios de irritação.
Respirei fundo.
— Sei o que prometi e me desculpe — falei, notei que seu olhar direcionado a mim
estava cheio de confusão. — Eu só pensei que você estivesse querendo — conclui, então suspirei
cansado.
— Eu nem estava pensando direito. — Valentina murmurou.
Um pensamento passou pela minha cabeça e fiquei preocupado.
— Você não espera que esse matrimônio se torne um casamento por amor, espera? —
Perguntei, mas seus olhos azuis ficaram escuros e eu me dei conta de que aquele era um péssimo
momento para fazer aquela pergunta.
— Não, você já deixou claro diversas vezes que o nosso casamento não é por amor. — A
sua voz parecia lâminas afiadas.
Assenti, impaciente.
— Tudo bem, vou esperar você se sentir pronta, então — respondi, irritado.
Peguei a toalha e fui para o banheiro, eu precisava aliviar toda aquela tensão no meu
corpo. Contudo, quando me encostei na porta, ouvi o sussurro de Valentina:
— Eu só queria que fossemos amigos.
Fechei meus olhos, cansado demais para pensar.
CAPÍTULO TREZE

— Eu só queria que fossemos amigos — sussurrei, me sentindo péssima com aquela


situação.
Era tão errado assim querer isso? Eu teria que passar o resto da minha vida com aquele
homem, eu não poderia me permitir amá-lo, pois jamais seria recíproco, mas eu não poderia ter
uma amizade com ele? Era necessário mesmo me entregar intimamente com alguém sem nem ter
a sua amizade antes?
Eu não estava sendo egoísta e muito menos mesquinha. Ou estava?
Sentei-me na cama e abracei as minhas pernas, eu me sentia frustrada e confusa. Gostei
do beijo e eu teria me entregado naquele momento, eu sabia disso, contudo, uma coisa havia me
incomodado, um pensamento fez todo o meu corpo ficar rígido e só a ideia de Luigi continuar
me beijando me assustou.
Outra parte de mim, aquela parte boba, havia ficado com medo de Luigi ter me beijado
pensando na falecida, de que se eu o permitisse se deitar comigo, ele iria fazer isso pensando na
Antonella. Luigi havia me dito que isso jamais iria acontecer, mas que provas eu tinha? Pelo
visto ele amou Antonella, pela conversa dele e de Matteo, Luigi amava a sua falecida esposa.
Isso explicaria sua reluta em me amar, afinal, só se o mundo acabasse ele consideraria se
apaixonar por mim.
Que mulher se sentiria à vontade para se entregar a um homem nessas condições? Mesmo
que o homem em questão a fizesse sentir viva com apenas o poder do toque? Luigi fazia isso em
mim, um toque dele conseguia destruir todos os muros que criei à minha volta, e isso era
perigoso demais.
E me assustava tanto.
Eu me sentia tão insegura. Eu nunca havia feito sexo com ninguém e esperava que
quando isso acontecesse, eu me sentisse segura, confortável e confiante, esperava que eu tivesse
pelo menos a certeza dos sentimentos do meu parceiro. Infelizmente eu tinha o medo do
abandono enraizado no meu coração, tudo isso devido à morte prematura da minha mãe. Sempre
acreditei que todos que eu permitisse entrar na minha vida, uma hora ou outra, se cansariam de
mim e iriam embora, eu me sentia assim com Luigi. Eu tinha medo de me entregar a ele e
terminar com o coração partido. Sequei as lágrimas que estavam escorrendo pela minha
bochecha e olhei para a porta do banheiro. Notei que o chuveiro ainda não havia sido ligado e dei
uma risada amarga, é claro que Luigi iria me evitar.
O seu celular vibrou no bolso do seu terno.
Eu sabia que não deveria bisbilhotar, eu tinha noção de que se ele descobrisse as coisas
entre nós poderiam ficar muito piores do que já estavam. Contudo, quando dei por mim já estava
de pé, próxima da poltrona, tirando o celular do bolso do terno de Luigi, era uma mensagem
anônima.
Eu a li pela barra de notificação.
Querido, podemos nos encontrar no restaurante do Four Seasons na quarta-feira às onze
da manhã?
Meu coração parou de bater momentaneamente.
De quem era aquela mensagem? Seria de uma amante do tempo da Antonella? Será que
foi por isso que ele havia demorado a chegar em casa? Aquela era a única explicação para ter
demorado tanto. Sandro havia me dito que Luigi já havia ido embora do seu escritório no centro
de Manhattan e isso fora há quase duas horas. Ele demorou duas horas para chegar em casa num
trajeto que seria realizado em quinze minutos. Um pensamento surgiu na minha mente, talvez eu
estivesse enganada, talvez sua relutância em me amar não se devia a Antonella, mas sim a
alguma amante.
Olhei com raiva para a tela do celular. Luigi seria capaz de me trair em menos de uma
semana de casados? Eu sabia que não estava cumprindo com o meu papel de esposa, mas não
seria para sempre, não era uma decisão definitiva.
Engoli em seco e senti as lágrimas quentes rolarem pela minha bochecha. Eu sabia que
não era uma pessoa fácil de lidar, eu tinha que melhorar e segurar a minha língua, mas não era
justo que eu fosse traída. Não era justo que nenhuma mulher passasse por essa humilhação. Luigi
era um mafioso e infelizmente era isso que mafiosos faziam, eles quebravam coisas e
machucavam pessoas.
Guardei o celular onde ele inicialmente estava, e fui para a sacada. Eu precisava de ar,
precisava pensar e acalmar a minha mente. Eu deveria encontrar uma forma de falar sobre aquilo
com Luigi sem me comprometer, como homem, ele poderia jogar a culpa de tudo nas minhas
costas.
Afinal, eu invadi a sua privacidade.
Apoiei os meus braços no parapeito da sacada e olhei para baixo, havia algumas pessoas
andando apressadas pelas calçadas e eu as observei com atenção. Elas tinham as suas vidas
tranquilas e despreocupadas, livres para escreverem seu próprio destino, sem se preocuparem
com a possibilidade de se verem presas a um casamento forçado, com uma pessoa perigosa.
Céus, como eu odiava ser filha de um mafioso, como eu detestava aquela vida de medo,
de morte e tanta, tanta violência. Uma vida sem a perspectiva de um final feliz, uma vida igual à
da minha mãe, da minha irmã… um dia as coisas mudariam? Elas tinham que mudar, eu temia
pelas minhas filhas.
Inclinei-me mais no parapeito e fechei os meus olhos, sentindo o vento gelado bater no
meu rosto e secar as minhas lágrimas. Eu não ouvi quando Luigi saiu do banheiro, não ouvi
quando ele se aproximou por trás de mim e me puxou pela cintura.
— Você não estava pensando em pular, né? — Luigi falou com seus olhos frios.
— Não — respondi. — Eu não faria nada para magoar as minhas irmãs, se estou viva é
por elas.
Luigi me observou em silêncio, percebi que ele engoliu em seco.
— Só por elas? — Perguntou baixinho.
Assenti, ainda pensando no conteúdo do seu celular.
— Mas veja pelo lado positivo — comecei. — Você não vai precisar se preocupar em
enterrar mais uma espo… — Antes que as palavras saíssem dos meus lábios eu já havia me
arrependido, era cruel e o olhar magoado de Luigi partiu o meu coração. — Luigi, eu…
— Cala a boca, Valentina. — Ele me soltou como se eu estivesse com chamas sob a pele,
bati as minhas costas no parapeito da sacada. — Você é impulsiva e cruel, você age como se
fosse melhor e mais decente do que eu, mas consegue ser muito pior só com as suas palavras.
Olhei para Luigi em choque, eu me sentia mal pelo que eu havia acabado de falar, mas
quando abri a boca para me desculpar, ele saiu dali e eu fui atrás dele. Contudo, Luigi era mais
rápido e tinha pernas compridas, por isso eu só o vi no elevador. Mas antes das portas se
fecharem, o seu olhar para mim era cheio de dor e crueldade.
Coloquei a palma da mão na minha boca e fui para a nossa cama. As lágrimas desceram
lentamente, por que eu havia sido tão insensível assim com ele? Por que falei aquilo para Luigi?
Ele iria me odiar para sempre e com razão, eu me odiaria.
Antes de me resolver com Luigi, eu precisava ver com os meus próprios olhos se o que li
era algum mal-entendido, se ele estava me traindo ou não. Eu poderia ter sido cruel com Luigi,
mas estava assustada e com medo de estar sendo traída.
Sequei a minha bochecha com a mão trêmula e decidi. Eu iria nesse almoço e se ele
estivesse me traindo, Luigi iria ver com seus próprios olhos que eu poderia ser tão cruel quanto
um mafioso.
Eu era filha de um, afinal.

Passei a noite em claro, dividida entre a preocupação e o arrependimento.


Luigi não voltou para casa e era culpa minha, e aqui estava eu com um forte sentimento
de culpa, de arrependimento e claro, preocupação. Onde ele teria dormido? Teria sido sozinho ou
acompanhado?
Suspirei, olhando para os primeiros raios de sol que surgiam no céu de Nova Iorque.
Durante aquelas longas horas encarando a janela, eu decidi que não iria mais dificultar as coisas,
eu faria aquele relacionamento dar certo, eu iria fazê-lo me amar. Como eu faria isso já era um
problema que eu pensaria depois, primeiro estava empenhada em descobrir quem era a mulher
que se encontraria com ele, iria descobrir se o seu coração já tinha dona e se tivesse, eu daria um
jeito de roubá-lo para mim.
Se ser casada com Luigi era o meu futuro, então eu teria que aceitá-lo e encontrar uma
maneira de fazer dar certo, de ser bom. Levantei depois que o meu estômago roncou de fome e
fui procurar alguma coisa para comer, contudo, quando cheguei na cozinha me surpreendi com
um homem de costas conversando com uma mulher mais velha, enquanto ela preparava… Ovos?
Franzi a testa e fui até eles, aqueles deveriam ser o Sandro e a Rosa.
— Bom dia — falei me aproximando. — Eu já o conheço — falei, olhando para o Sandro
com um sorriso.
Eu queria fazer amizades e nada melhor do que o meu segurança pessoal e a minha
ajudante. Sandro ficou meio envergonhado perto de mim.
— Desculpe por atrapalhar a sua noite de núpcias — ele falou baixo.
Dei de ombros.
— Não se preocupe — respondi, me sentando.
— Vou me retirar para você comer à vontade — Sandro falou levantando-se.
Neguei.
— Por favor, sente-se e coma comigo, toda companhia é bem-vinda — respondi. — E se
alimente bem, vamos correr no Central Park assim que tomarmos o café da manhã.
Sandro assentiu e se sentou novamente. Olhei para a mulher que preparava os ovos, ela
tinha a pele morena e os cabelos grisalhos, os seus olhos eram escuros e amendoados. A área ao
redor dos olhos possuía algumas rugas e o seu sorriso era gentil, algo nela fazia eu lembrar-me
da minha mãe. Talvez como mexia os ovos? Eu não saberia dizer, mas aquilo tocou
profundamente o meu coração.
— Você é a Rosa? — Perguntei gentilmente.
Rosa assentiu.
— Rosalinda — ela sorriu. — Mas a senhora pode me chamar de Rosa.
Abri um sorriso gentil.
— Por favor, me chame de Valentina — falei, então olhei para o Sandro. — Você
também.
Rosa sorriu e Sandro assentiu.
— Quer que eu prepare algo, Valentina?
— Pode preparar o mesmo que preparou para o Sandro — falei ficando de pé. — Mas
vou tomar um banho antes de comer.
Sandro se levantou também.
— Valentina — ele me chamou quando eu já estava quase na escada. — Luigi mandou
avisar que estará aqui às sete da noite e quer você pronta para o jantar na casa do chefe da Cosa
Nostra.
— Ah — respondi. — Ele está trabalhando?
Sandro franziu as sobrancelhas.
— Não havia nada marcado para hoje de manhã — ele disse.
Assenti, pelo visto Luigi continuava com raiva de mim e com razão, mas eu precisava vê-
lo, precisava dar um jeito de consertar aquela situação, de pedir desculpas.
Eu podia ser muito teimosa e orgulhosa, mas eu reconhecia os meus erros e errei ao falar
daquela maneira com ele, ao ser ríspida com alguém que fora só o oposto comigo. Luigi poderia
ter me forçado ontem à noite, poderia ter exigido que eu cumprisse com o meu papel como
esposa, mas não, ele foi compreensivo e eu o tratei mal. Céus, eu precisava conversar com ele,
perguntar sobre a mensagem no seu celular e tentar consertar o que estraguei.
Entretanto, o que eu mais temia era que já não tivesse mais jeito, que não tivesse mais
conserto para o nosso casamento.
CAPÍTULO CATORZE

Correr no Central Park era a adrenalina que eu precisava para colocar as coisas no lugar,
para ficar mais calma e menos ansiosa. Sandro havia sido bem legal, ele aceitou passar o dia fora
me ajudando a conhecer o bairro, me fazendo companhia durante o almoço, entrando comigo em
todas as livrarias próximas da minha casa e me ajudando a carregar todos os diversos livros que
comprei.
Contudo, era hora de voltar para casa e começar a me preparar para o importantíssimo
jantar com o chefe da Cosa Nostra. E claro, dar um descanso ao pobre do Sandro, visivelmente
cansado por passar o dia me ajudando a carregar os livros.
— Como o chefe se chama mesmo? — Perguntei ao Sandro enquanto caminhávamos
pelo saguão do prédio até o elevador.
— O chefe da Cosa Nostra? — Ele perguntou e eu assenti em resposta. — Se chama
Lorenzo Cattaneo.
Eu não me lembrava de vê-lo em jantares, mas com certeza meu pai já devia ter
convidado Lorenzo para alguma refeição em nossa casa, disso eu não tinha dúvidas.
— Ele tem uma esposa, né? — Comentei. — Luigi me contou.
Sandro assentiu.
— Sim, a Luna — ele murmurou, pensativo, olhei curiosa para Sandro. — Ela é legal,
vocês vão se dar bem.
— Como você sabe que ela é legal? — Perguntei com as sobrancelhas erguidas.
— Trabalhei para Lorenzo durante um tempo. — Diante do meu olhar confuso, Sandro
acrescentou. — Assim que eles se mudaram de Seattle para cá, Luigi pediu para que eu ficasse
de segurança para ela, Lorenzo ainda não confiava nos homens dele de Nova Iorque, mas ele
confiava em Luigi.
Antes que eu pudesse fazer qualquer comentário sobre aquela informação, as portas do
elevador se abriram e dei de cara com Luigi. O analisei em silêncio, ele estava de costas para
mim, ajeitando a gravata.
— Obrigada, Sandro — falei o ajudando a colocar os livros no balcão da cozinha, eu
conseguia sentir o olhar de Luigi em mim. — Amanhã prometo que o deixo em paz.
Sandro deu uma risada e saiu do apartamento, passei por Luigi e fui em direção às
escadas, eu queria falar com ele, pedir desculpa, mas eu estava com medo de falar algo estupido,
por isso fui covarde. Contudo, a sua mão me impediu de subir mais um degrau, virei-me para
Luigi e engoli em seco.
— A gente precisa conversar — ele falou, me levando de volta para a sala.
Sim, nós precisávamos mesmo, ele merecia um pedido de desculpas.
— Concordo — murmurei. — Mas temos o jantar com o chefe da Cosa Nostra.
Observei Luigi se sentar no sofá, como continuei onde estava, ele me puxou para o seu
lado e eu me sentei.
— Não se preocupe, o jantar foi cancelado — Luigi respondeu.
— Como assim foi cancelado? Mas por quê? — Questionei, franzindo a testa confusa.
— Houve um ataque contra o clã de Nova Iorque — ele me respondeu.
— Outro? — Perguntei assustada.
Ele assentiu.
— A Yakuza se uniu à tríade, assim que revidamos, eles revidaram de novo e pelo visto
continuará assim — Luigi respondeu.
— O que eles querem, afinal?
— Eles querem as nossas mercadorias, o nosso espaço no porto, mas não vamos ceder. —
Sua voz estava ríspida.
Suspirei, preocupada.
— Alguém se machucou?
— Eu ainda não sei. — Luigi passou a mão pela barba escura. — Mas estou indo ver o
que aconteceu.
De repente o meu coração se apertou. Era perigoso que ele fosse, contudo, Luigi
precisava ir, era responsabilidade dele cuidar do clã, verificar se haviam feridos e se prontificar a
fazer o necessário para que eles melhorassem.
— Você vai agora? — Perguntei.
— Vou, já estou de saída, na verdade.
Segurei no seu braço gentilmente.
— Por favor, tome cuidado, pode ser perigoso.
Luigi deu uma risada sem humor.
— E por acaso você se importa com o que acontece comigo?
Olhei para ele e mordi o lábio inferior.
— É claro que eu me importo — engoli em seco e olhei para baixo. — Luigi, eu sinto
tanto por ontem, por favor, me desculpe, você tem toda razão, eu julgo você, mas sou pior. —
Olhei novamente para cima e encontrei o seu olhar.
Luigi suspirou.
— Olha, eu entendo que para você essa mudança possa ser estressante, mas nunca mais
fale daquela maneira comigo, antes de ser seu marido, sou o seu chefe e você me deve respeito.
Ele tinha razão, por isso apenas assenti. Luigi tocou a minha bochecha carinhosamente.
— Tome cuidado hoje, certo? — Falei.
— Não se preocupe — ele respondeu com um sorrisinho. — Você não vai se livrar tão
fácil assim do seu marido.
Senti algo se aquecer no meu peito, mas resolvi não focar naquilo, não naquele momento.
— Me promete que você vai ficar bem?
Seus dedos tocaram os meus suavemente.
— Moglie, eu só posso prometer isso se você me der a sua palavra de que vai ficar aqui,
em segurança.
— Prometo — sussurrei.
— Não saia do apartamento, Valentina — ele respondeu. — Deixarei alguns dos meus
homens patrulhando o perímetro, mas não saia daqui, combinado?
Concordei com um leve balançar de cabeça.
— E você não faça nada de idiota — minha voz estava baixa. — Como, por exemplo,
morrer.
Luigi deu um sorriso.
— Não farei — ele disse. Luigi se levantou e beijou o topo da minha cabeça. O observei
pegar uma arma debaixo da almofada do sofá e a colocar no coldre, ele a escondeu com seu
terno. Antes que Luigi entrasse no elevador, eu o chamei. — Algum problema?
Vários.
Contudo, apenas neguei, aproximei-me dele e toquei os meus lábios nos seus
suavemente, como sempre acontecia quando nos beijávamos, senti o meu coração dar um salto,
as mãos de Luigi seguraram o meu rosto carinhosamente e eu suspirei com o toque da sua pele
na minha.
Afastei os meus lábios dos dele.
— Volte com vida — murmurei com o meu rosto próximo do seu. — Por favor.
Luigi apenas assentiu, seus olhos se fixaram nos meus por alguns segundos e então ele
entrou no elevador. Um nó se formou na minha garganta quando a porta se fechou.
Voltei para o sofá e me sentei ali. O meu coração batia forte e uma sensação ruim tomava
conta do meu peito. Fechei os olhos e fiz a única coisa que eu poderia fazer. Rezei baixinho para
que Luigi voltasse para casa em segurança.
Que ele voltasse para mim.

Eu não consegui dormir.


Era impossível que eu ficasse horas e horas parada em uma cama enquanto Luigi estava
lá fora, sem saber se estava vivo ou não. Por isso, fiquei apenas sentada no sofá, olhando por
horas a tela escura da TV, esperando por Luigi. Quando ele chegasse, e se chegasse inteiro, eu
perguntaria sobre a mensagem no seu celular, teríamos uma conversa franca e sincera.
Contudo, assim que a porta do elevador abriu, nada mais fez sentido na minha mente, não
quando eu o vi naquele estado. Na parte do braço e da frente da sua camisa, que outrora fora
branca, o escarlate havia tomado conta. Seu rosto evidenciava toda a dor que deveria estar
sentindo, mas que teimosa e orgulhosamente, ele se mantinha firme e impassível.
Corri até Luigi.
— Luigi? — Chamei baixinho. — O que aconteceu?
O seu rosto estava angustiado, ele parecia estar sentindo muita dor, senti lágrimas
brotarem em meus olhos, mas eu as impedi de escorrerem.
— Oi, moglie — Luigi falou com dificuldade. — Eu disse que voltaria, não que voltaria
inteiro.
Um sorriso se formou nos meus lábios, o patife era sarcástico até quando estava baleado.
— Você tem que tomar cuidado — sussurrei.
O ajudei a entrar e se sentar no sofá, ele gemeu ao se acomodar ali. Eu precisava ver o
estado daqueles machucados de Luigi, eu precisava acabar com o sangramento, eu precisava
cuidar daqueles ferimentos.
Eu precisava fazer tanta coisa e eu não sabia por onde começar.
Desabotoei sua camisa e a abri. Na parte superior do seu braço havia um corte superficial,
talvez uma bala tenha passado de raspão? Bom, eu não saberia dizer. Já na lateral do seu
abdômen havia um furo de bala que escorria muito sangue e a cada vez que sua barriga mexia,
devido à respiração, mais líquido vermelho escorria daquele furo.
Luigi tocou suavemente na minha bochecha, olhei para ele assustada.
— Não se preocupe, eu cuido disso — ele respondeu.
Neguei.
— Vou ajudar você — respondi. — O que eu faço?
— Não precisa, Valentina, eu estou acostumado a me cuidar.
Olhei raivosa para ele.
— Sou sua esposa e vou cuidar de você, por onde eu começo?
Os olhos de Luigi brilharam orgulhosos para mim.
— Tudo bem, traga o kit de primeiros socorros no banheiro do nosso quarto — ele falou.
— Eu já volto.
Subi as escadas quase tropeçando nos meus próprios pés, assim que cheguei no nosso
quarto, mirei no banheiro. Não demorou muito e logo eu estava de volta com o kit. Quando me
sentei de volta do lado de Luigi, observei o kit e senti as lágrimas rolarem pela minha bochecha.
Eu sentia tanto medo de que ele morresse.
— Não chore — sua voz foi um sussurro.
Luigi tentou levantar a mão para secar a minha bochecha, mas isso só fez mais sangue
escorrer do seu abdômen, eu toquei de leve no seu rosto.
— O que eu faço? — Acariciei sua bochecha.
Seus olhos brilharam para mim.
— Vou precisar tirar essa bala — ele falou com a voz tensa. — E depois estancar o
sangue.
Assenti. Eu faria isso, mesmo não sabendo por onde começar, eu tiraria aquela bala do
seu abdômen.
— Como tiro a bala? — Perguntei enquanto me aproximava do ferimento e avaliava se
havia sido muito grande o estrago. — O que aconteceu?
— Outro ataque. — Luigi umedeceu seus lábios com a ponta da língua. — Pegue a gaze
e a aperte no ferimento.
Procurei alguma gaze no kit, quando eu a encontrei, aproximei-me mais de Luigi e
coloquei o pano ali, apertei com força e eu pude sentir todo o seu corpo ficar tenso. O seu rosto
estava branco feito papel, mas nenhum gemido escapou dos seus lábios.
— O que faço agora? — Perguntei.
— Espere o sangramento diminuir — ele falou tenso.
O obedeci. Esse processo lento era terrível, aquela sensação de medo, de ansiedade e
preocupação ocupava mais ainda o meu peito durante aquela espera.
Depois de uns dez minutos sussurrei:
— E agora?
— Verifique se o sangramento diminuiu. — Luigi falou.
Mordi meu lábio inferior, aquela experiência era tão aterrorizante. Tirei o pano e observei
o ferimento com atenção, diferentemente de antes, ao que parecia, quando Luigi respirava, não
escorria mais nenhum líquido vermelho.
Observei que minhas mãos estavam sujas de sangue, sangue dele.
Engoli em seco.
— O sangramento parou — falei, notei que Luigi estava com a cabeça apoiada na
almofada. — Luigi, o que faço agora?
Seus olhos se abriram.
— Me dê uma garrafa de vodca. — Achei estranho aquele pedido, mas levantei-me e fui
correndo até as bebidas, notei ter apenas uma garrafa de uísque.
— Uísque serve? — Luigi fez que sim com a cabeça.
Sentei-me do seu lado e abri a garrafa, ele a pegou e bebeu quase todo o líquido âmbar.
— Luigi? — Sussurrei. — Você está me preocupando, sabia?
— Estou bem. — Luigi deu uma risada. — Com uma dor do caralho, mas bem. — Olhei
surpresa para ele, Luigi não era um homem que xingava, era engraçado vê-lo fazendo isso. —
Agora, mia ragazza, eu faço o próximo passo, é nojento e você não vai querer sujar suas mãos de
sangue.
Revirei os olhos.
— Eu já estou com as mãos sujas de sangue, qual é a próxima parte? — Falei firme.
Eu iria ajudá-lo, aquele era o meu papel como sua esposa, cuidar dele. Luigi olhou para
mim e engoliu em seco.
— Você nunca esteve mais linda do que agora — ele murmurou.
Senti as minhas bochechas corarem.
— Acho que tudo que eu precisava era de um pouco de sangue para despertar a minha
beleza interior — falei com um sorriso.
Luigi sorriu.
— Sua beleza nunca esteve escondida — ele murmurou. — Bom, eu preciso que você
enfie a mão dentro desse buraco e pegue o projétil.
Olhei chocada para Luigi e depois para o seu abdômen. Eu precisaria enfiar meu dedo
naquele buraco?
— Eu não sei se consigo fazer isso — murmurei. — Eu…
Respirei fundo, fechando os meus olhos, Luigi precisava de mim, eu era a única pessoa
que poderia tirar aquele projétil do seu abdômen. Eu precisava fazer isso, ele contava comigo.
— Valentina — Luigi me chamou, abri os meus olhos e o olhei. — Você consegue fazer
isso, não existe pessoa melhor do que você para fazer isso.
Dei uma risada chorosa.
— As enfermeiras e também os médicos discordam disso — respondi dando uma
fungada. — Mas vou fazer, eu tiro a bala e o que acontece depois?
— Depois você vai limpar o machucado com álcool e fazer o curativo no abdômen.
Luigi pegou a garrafa de uísque da minha mão e bebeu um pouco. Se eu fosse enfiar a
minha mão em um corpo, eu precisaria beber um pouco, peguei então a garrafa dele e dei um
gole demorado. Voltei minha atenção para o abdômen de Luigi e observei atentamente o buraco
que a bala havia feito. Lembrei-me que havia álcool na cozinha, por isso levantei-me e o peguei,
trazendo-o comigo. Após desinfetar a minha mão com o álcool, respirei fundo e enfiei o meu
dedo indicador no ferimento. As mãos de Luigi apertaram com força o braço do sofá, os nós dos
seus dedos estavam sem cor, mas nenhum gemido de dor escapou dos seus lábios. Vê-lo assim
fazia o meu coração se partir em milhões de pedacinhos. Respirei fundo, enfiei meu dedo mais
profundamente no ferimento e para a minha alegria encontrei a bala.
Suspirei aliviada.
— Estou sentindo ela — falei.
Luigi apenas assentiu. Me esforcei para puxar o projétil para fora. Eu só conseguia pensar
em como aquilo deveria estar doendo, até que finalmente um projétil pequeno caiu no meu colo.
O sangue começou a jorrar novamente do abdômen de Luigi, peguei uma gaze e coloquei
pressão, eu precisava fazer aquele sangue diminuir imediatamente, quando apertei com um
pouco mais de força o sangue diminuiu.
Observei que Luigi me olhava fascinado.
— Você é boa — ele sussurrou.
Um sorriso se formou no meu rosto. Agora eu precisava limpar aquele ferimento e fechar
o buraco da bala. Peguei uma gaze e derramei álcool nela e passei no buraco, comecei a
desinfetá-lo, pois eu precisaria dar pontos ali também, já que o buraco era meio profundo. Após
limpar o machucado, peguei uma agulha e uma linha, eu nunca havia sido boa na costura.
— Sou péssima nisso — falei com a voz trêmula.
Luigi assentiu.
— Sei disso — ele murmurou. — Mas só faça.
Respirei fundo e enfiei a agulha na carne de Luigi, que apenas pegou o uísque e bebeu
novamente. A cada vez que eu enfiava a agulha na carne e puxava a linha, ele apertava o braço
do sofá e bebia mais uma dose de uísque.
Quando finalizei os pontos, passei uma pomada e coloquei um curativo ali. Peguei outro
algodão e comecei a limpar os outros machucados dele, aproveitei para passar uma pomada para
assim cicatrizar mais rápido os cortes.
— Obrigado, Valentina — ele murmurou.
— Você precisa trocar suas roupas — falei.
Luigi assentiu.
Eu o auxiliei a se levantar e seguimos devagar pelas escadas, os meus braços estavam
envoltos na sua cintura e os seus nos meus ombros. Depois de alguns segundos, finalmente
chegamos no nosso quarto, foi então que senti sua mão apalpando minha bunda.
— Por que tenho a sensação de que grande parte do seu sofrimento é teatro só para me
tocar assim? — Perguntei com um sorriso.
Luigi olhou para sua mão com falsa inocência.
— Ela foi parar na sua bunda sem eu perceber, nossa.
— Você precisa de um remédio? — Perguntei, dando risada da sua resposta, aproveitei
aquele momento para o ajudar a tirar a camisa ensanguentada.
— Sim, algo para a dor — ele falou, tirando o cinto da calça e desabotoando-a.
Desviei o olhar e fui até o banheiro, antes de dar o remédio a Luigi, eu precisava lavar as
minhas mãos que estavam sujas de sangue. Depois que fiz isso, fui até a caixinha de primeiros
socorros que eu havia trazido comigo, lembrei-me do remédio que o meu pai sempre tomava
quando chegava com algum ferimento em casa e o procurei ali. Assim que encontrei, retirei um
comprimido e levei até Luigi, que estava só de cueca e deitado na cama.
Entreguei o copo de água com o remédio e o observei tomar o comprimido. Não demorou
muito e Luigi já estava dormindo. Com um longo suspiro, fui para o banheiro tomar um banho e
tirar toda aquela lembrança horrível do meu corpo e da minha mente. Mas mesmo depois do
banho quente, mesmo após estar deitada ao lado de Luigi, o observando dormir, eu ainda sentia
medo. Eu me sentia exausta, mas, ao mesmo tempo, assustada demais para relaxar. Meus olhos
arderam com lágrimas que queriam descer e eu as permiti escorrer lentamente pela minha
bochecha.
Aproximei meu rosto de Luigi e beijei a sua testa.
— Fica bem, por favor — sussurrei para um Luigi perdido em sonhos.
Contudo, um sorriso formou-se no seu belo rosto e o seu braço envolveu a minha cintura,
aninhando o meu corpo perto do seu.
— Vou ficar bem, minha esposa — ele murmurou sonolento. — Eu vou.
Um sentimento pacífico adentrou-se no meu peito, fazendo-me relaxar um pouco mais,
encostei a minha bochecha no seu peito nu, longe o bastante dos seus ferimentos, e fechei os
meus olhos.
Não demorou muito e adormeci, embalada pelas batidas do seu coração.
CAPÍTULO QUINZE

Após horas dormindo, acordei com o toque de Luigi no meu braço, olhei para ele,
ansiosa. Os seus olhos estavam abertos e brilhavam para mim. Luigi parecia melhor, não parecia
sentir dor, por isso beijei os seus lábios, aliviada.
— Meu Deus! — Murmurei com meu rosto próximo do dele. — Fiquei com tanto medo
de não conseguir tirar a bala e você morrer.
Luigi tocou a minha bochecha com o polegar.
— Eu disse que você não ia conseguir se livrar tão fácil assim do seu marido, não disse?
— Ele falou com um ar brincalhão, notei que ele estava sob efeitos da mistura de uísque com
remédio.
Dei uma risada, mas continuei em silêncio aproveitando aquele momento tranquilo.
— Você sempre chamou a minha atenção, sabia? — O olhei surpresa. — Mesmo quando
você parecia me odiar.
A voz de Luigi soava rouca, franzi minha testa confusa com o que ele estava dizendo.
— Sua atenção? — Murmurei. — Como? Eu o ouvi dizer que jamais se casaria comigo.
Um suspiro escapou dos seus lábios.
— Aquele jantar foi um erro. — Luigi respondeu. — Eu estava assustado com a
possibilidade de desejar você, por isso falei aquilo.
Olhei surpresa para ele.
— Eu não fazia ideia.
Luigi deu um sorriso.
— Você se lembra de quando éramos crianças? Dos jantares na minha casa? — Ele me
perguntou, apenas assenti. Como eu poderia me esquecer dos vários jantares na residência do
chefe Lucca? Naquela época o meu pai já era o seu consigliere e não podíamos simplesmente
faltar ao jantar que ele nos convidava. — Você me provocava tanto a ponto de fazer com que eu
passasse boa parte do meu tempo pensando em como atingir você, como irritar você, não se
lembra? — Luigi deu risada.
— Lembro de você me perturbar com piadinhas irritantes e com o seu jeito soberbo —
respondi.
— E você era uma santa, né? — Ele resmungou.
Quando éramos crianças, eu e Luigi passávamos os dias nos irritando mutuamente,
pregando peças e sendo insuportáveis, mesmo na adolescência continuamos assim. Uma vez me
falaram que isso era um sinal de paixão, mas logo depois de Luigi declarar ao irmão que jamais
se casaria comigo, ele apareceu noivo de Antonella, na mesma época em que Anna havia se
tornado noiva do Diogo. No início, todos diziam que Luigi estava completamente apaixonado
por Antonella e pelo seu jeito calmo, pelos olhos verdes e pacíficos, mas com o tempo, as
mulheres quando se reuniam sempre diziam que ele a traía em toda oportunidade que surgia.
— Você ficou tão séria de repente. — Luigi murmurou.
Olhei para ele.
— Você traiu a Antonella? — Perguntei e o que recebi foi um ataque de riso.
— Ela quem te falou isso? — Luigi perguntou, mas eu neguei.
— Na verdade, as mulheres mais velhas que falavam nos jantares em família — respondi,
Luigi fechou a cara.
— Antonella que me traiu e não apenas uma vez, mas diversas vezes e eu não fiz nada
além de dar o troco — ele respondeu me deixando completamente surpresa. — Eu poderia ter
revidado de uma maneira muito pior, mas ainda me importava com ela.
— Eu não sabia… — murmurei. — Vocês não se amavam?
— Não, nunca teve amor no nosso casamento, e o sentimento era mútuo. — Luigi
respondeu.
O olhei chocada.
— Por quê? — Ele tentou se sentar, mas eu não deixei. — Cuidado, pode abrir o
ferimento. — Notei que o olhar de Luigi estava perdido, ele tinha um brilho triste em seu rosto.
— Luigi?
Toquei levemente no seu queixo, o que fez com que ele me olhasse nos olhos e um
suspiro escapou dos seus lábios.
— Meu pai fez questão de me mostrar que o amor é uma fraqueza. — O olhei
atentamente. — Ele fez questão de me mostrar que quando amamos alguém nos tornamos
vulneráveis, meu pai fez isso diversas vezes, fez isso com minha mãe.
Sentei-me na cama, todo o ar do meu pulmão desapareceu e naquele instante desaprendi a
respirar. O que Luigi queria dizer com aquelas palavras?
— O que ele fez? — Perguntei, e ele arqueou a sobrancelha como se dissesse: o que você
acha? — Ele batia na sua mãe?
Lembrei-me de Violet, do seu sorriso gentil, de como ela era doce e amorosa, de como
havia me acolhido tão bem, Violet não merecia isso.
Ninguém merecia isso.
— Quando eu tinha nove anos — Luigi me tirou dos meus pensamentos — e esses
episódios aconteciam, eu ia para o quarto do Matteo, eu não queria que ele ficasse assustado
como eu, então eu sempre cantarolava mais alto do que os gritos da minha mãe. — Ao ouvir
isso, dei um sorriso triste, senti a gota quente da lágrima escorrer pela minha bochecha. — Um
dia meu pai me viu fazendo isso, ele me acusou de ser fraco e como punição eu iria pagar pela
minha fraqueza. — Sua voz estava distante, assim como seu olhar, ele não estava mais comigo
no quarto, mas sim preso na própria lembrança.
Olhei assustada para Luigi.
— O que ele fez?
— Ele me bateu até deixar as minhas costas em carne viva. — Coloquei a palma da
minha mão na boca, como alguém poderia ter coragem de fazer isso com uma criança? Eu nunca
entenderia. — Tenho algumas marcas até hoje, depois disso eu nunca mais consegui ir no quarto
de Matteo — ele finalizou.
Luigi olhou para mim e sorriu triste. Suspirei e não consegui conter as lágrimas. Se eu
fechasse os olhos, conseguiria vê-lo numa versão criança sofrendo os maus tratos do pai,
conseguiria vê-lo viver tudo aquilo em silêncio e não ter ninguém para salvá-lo daquela vida.
Ele era só uma criança.
— Oh, Luigi! — Passei os meus dedos trêmulos suavemente nos seus cabelos. — Sinto
tanto por acontecer isso com você.
— Não sinta. — Luigi tocou suavemente a minha bochecha com o seu polegar. — Sou
um monstro, meu pai me transformou em alguém incapaz de conseguir amar outra pessoa e por
isso eu não posso amar você, Valentina.
— Você não é um monstro e seu pai não conseguiu transformá-lo nisso — o repreendi
num sussurro.
Ao ouvir as minhas palavras, um sorriso cresceu no seu rosto.
— No dia que eu te beijei pela primeira vez e você descobriu sobre o casamento… —
Um brilho diabólico surgiu nos seus olhos negros. — Você me chamou de monstro, lembra? Até
você acha que sou monstruoso, e sou mesmo, matei muitas pessoas, matei até o me… — então
ele se calou.
Franzi a testa, de quem Luigi estava falando?
— Quem você matou? — Perguntei, em parte curiosa e em parte preocupada.
Ele apenas suspirou.
— Ninguém, o ponto é, você me considerou um monstro aquele dia, não foi?
Uma risada escapou dos meus lábios.
— Aquela situação foi diferente — respondi. — Eu não te conhecia bem e tudo que eu
sabia a seu respeito era de como a sua reputação era ruim, eu errei em julgar você daquela
maneira.
Luigi deu uma risada, mas parou quando sentiu dor.
— A minha reputação condiz com quem sou. — Ele tocou na minha bochecha
carinhosamente. — Não se engane, mia ragazza, eu não sou um herói, estou mais para um vilão.
— Assim que aquelas palavras saíram dos seus lábios, seus olhos brilharam.
Abri um sorriso, sentindo um frio na barriga.
— Sorte a sua que eu sempre preferi os vilões — falei, fazendo com que Luigi desse um
sorriso.
Seus braços me envolveram num abraço carinhoso e novamente pegamos no sono.

Acordei no outro dia com o espaço de Luigi vazio.


Sentei-me na cama me sentindo extremamente confusa. Olhei no relógio em cima da
mesinha de cabeceira e vi serem quase dez da manhã.
Eu havia dormido demais.
Levantei-me da cama e fui fazer minha higiene matinal, depois que saí do banheiro,
troquei a minha camisola por jeans e camiseta e fui para a cozinha. Encontrei Sandro digitando
algo no celular, os seus olhos encontraram os meus assim que me aproximei do balcão da
cozinha.
— O que aconteceu ontem? Vi as gazes e o sangue.
Respirei fundo e contei tudo o que havia acontecido a ele, o meu medo de Luigi ter quase
morrido.
— Você foi muito corajosa, Valentina.
Abri um sorriso tenso.
— Onde o Luigi está? Pensei que ele estivesse aqui na cozinha — falei.
— Ele foi resolver algumas coisas, acho que não volta para o almoço.
Franzi a testa. Que coisa seria mais importante do que ficar de repouso? Ele havia levado
um tiro no abdômen, sangrado no sofá, Luigi precisava descansar.
— Que dia é hoje? — Perguntei, colocando café na minha caneca.
— É quarta-feira.
Hoje era quarta-feira?
Não.
O dia do encontro com a mulher misteriosa.
Depois de ontem, eu havia decidido esquecer a mensagem misteriosa, eu havia decidido
recomeçar do zero e fazer o meu casamento dar certo, contudo, naquele momento mudei de
ideia. A pessoa deveria ser extremamente importante para Luigi, ele havia saído ferido e fraco só
para almoçar com alguém misterioso.
Aquela não era uma simples pessoa, era importante.
Eu não podia seguir com aquele casamento sem confrontar aquela situação, com aquela
enorme dúvida a respeito de ser uma amante ou não. Se eu não fosse naquele hotel e não visse
com os meus próprios olhos o que era aquele encontro, eu levaria comigo para sempre aquele
assombro, aquele medo, aquela dúvida. Como eu poderia confiar em Luigi se aquela dúvida não
fosse sanada?
— Quero almoçar fora de novo — falei, Sandro assentiu. — Naquele mesmo restaurante
de ontem.
Peguei a minha bolsa e segui na direção do elevador, com Sandro ao meu lado. Eu
precisava traçar um plano para conseguir me livrar dele, para conseguir ir naquele hotel sem que
ele soubesse e contasse a Luigi, mas como?
Durante todo o trajeto eu só conseguia pensar em algo que me possibilitasse sair do
restaurante sem que Sandro suspeitasse, por isso, quando chegamos no local, escolhi uma mesa
aleatória e longe das janelas.
— Aqui é adorável, não acha? — Assim que me sentei, Sandro também se sentou, o
observei e percebi o quanto ele estava desconfortável. — Aconteceu alguma coisa? Você não
gostou da comida daqui? — Perguntei baixinho.
Ele suspirou.
— Não é isso, Valentina — ele falou. — É só que você é uma mulher casada e deveria
estar passando mais tempo com o seu marido.
Olhei para baixo e assenti.
— Pois é, mas meu marido é ocupado demais para passar um tempo com a esposa dele, é
a vida de um chefe — falei, dando de ombros. Sandro olhou com pena para mim. — Eu só
chamo você porque eu me sinto só desde que me casei, eu não tenho as minhas irmãs e agora que
a Anna está grávida ficou mais difícil dela vir me visitar.
Um brilho estranho tomou conta do seu olhar e eu tapei a minha boca com a mão. Não
era para eu ter revelado a gravidez de Anna, ela havia me pedido segredo.
Xinguei-me mentalmente, eu me sentia péssima.
— Anna está grávida?
— Sim, mas, por favor, não conte a ninguém — sussurrei. — Ela me pediu segredo.
Sandro assentiu.
— É claro — ele murmurou. — Fico feliz pela Anna e o Diogo, um filho é uma benção.
Eu também estava feliz pela minha irmã. Olhei no relógio discretamente, bom, era hora
de colocar o meu plano frágil em ação.
— Nossa! — Fechei os olhos e coloquei a mão na boca. — Fiquei muito enjoada agora.
Sandro me olhou preocupado quando eu me levantei.
— Está tudo bem?
— Eu só preciso de um banheiro.
Caminhei na direção dos sanitários e Sandro veio atrás de mim.
— Eu te acompanho.
— Não, fique aí — respondi baixinho. — Estou tendo muitos enjoos desde ontem.
Sandro continuou me seguindo até o banheiro.
— Isso significa que você precisa de mim por perto.
Neguei.
— Eu não quero você me ouvindo vomitar — retruquei. — Do tanto que estou
vomitando, talvez eu já esteja grávida, Luigi é insaciável, sabe? Foi como disseram na minha
festa de casamento.
Aquele era o meu golpe final, Sandro ficou sem jeito e voltou a se sentar, constrangido
com o tema da conversa. Nenhum homem gosta de saber como o outro é entre quatro paredes.
— Não demore — ele falou.
— Certo, eu já volto.
Caminhei em direção ao banheiro, quando entrei no mesmo procurei por uma janela, a
única no local era entre duas cabines.
Entrei em uma delas e subi em cima do vaso, abri a janela e me enfiei nela, contudo não
caí nem um pouco graciosamente. Eu torcia para que tudo aquilo fosse um simples mal-
entendido e que eu me sentisse idiota depois, era melhor aquele sentimento do que o de traída.
Me limpei e fui correndo na direção da estação, eu precisava pegar o metrô. O pior de
tudo é que eu conseguia sentir os olhares das pessoas em mim, eu deveria estar descabelada e
com o rosto sujo, o beco daquele restaurante não era a coisa mais limpa, na verdade, o meu
cheiro estava bem desagradável.
Quando desci na quinta avenida, corri em disparada na direção à rua cinquenta e oito,
meu coração estava a mil e eu estava muito curiosa para saber quem era a pessoa que Luigi
estava encontrando naquele hotel.
Passei pelas portas giratórias e fui em direção ao bar, assim que entrei o meu olhar
encontrou Luigi. Ele estava sentado numa mesa no fundo, ao lado dele estava uma bela mulher
de pele morena, com cabelos encaracolados e compridos, ela sorria para ele e o patife estava
muito à vontade ao lado dela.
A mão da mulher subiu pelo braço de Luigi, que apenas a olhou e usou o mesmo braço
para levantar o copo de água e beber. Ela aproximou o corpo do dele e os seus lábios sussurram
algo no ouvido de Luigi, que sorriu e falou algo para a mulher. Quando pensei que as coisas não
poderiam ficar piores, a mulher o beijou rapidamente.
Não, aquilo era demais para mim.
Eu sentia meu coração se partir, eu sabia que Luigi não poderia me amar, ele tinha os
seus traumas e os seus medos, mas, e quanto a me respeitar? Eu não era a Antonella para ele me
trair daquela forma, diferente dela, eu sequer tinha olhos para outros homens.
Precisava sair dali e de um lugar tranquilo para chorar. Dei alguns passos para trás e
acabei esbarrando num jarro de flores, que caiu no chão, fazendo um barulho alto e trazendo a
atenção de Luigi para mim.
Traidor.
— Senhora? — Um garçom se aproximou de mim. — Está tudo bem?
Senti meus olhos se encherem de lágrimas ao ver Luigi se levantando, seus olhos estavam
arregalados e ele não entendia como eu estava ali e não em casa.
Sendo trouxa e corna.
— Não, mas vai ficar — sussurrei, virando-me de costas e saindo dali.
Contudo, antes que eu conseguisse chegar nas portas do hotel, uma mão segurou o meu
braço e me fez virar. Olhei nos seus olhos escuros e me senti tão burra, tão idiota, tão ingênua.
— Valentina…
Tirei sua mão do meu braço com raiva.
— Você realizou um dos meus maiores medos, receber infidelidade no meu casamento,
não sei nem como retribuir tamanha gentileza — falei, sarcástica.
— Moglie, me escuta, olha…
— Por favor, não fale nada. — Minha voz estava trêmula, eu sentia o choro preso na
garganta. — Eu não quero ouvir a sua voz.
Tirei a minha aliança e o anel de noivado que Luigi havia me dado e coloquei na palma
da sua mão e a fechei. Eu me sentia exausta até para brigar, era surpreendente como um coração
partido possuía a capacidade de sugar todas as suas energias.
O olhei pela última vez e saí de lá.
CAPÍTULO DEZESSEIS

Depois de algum tempo observando os patos no Central Park e detestando o meu mau
cheiro, Luigi apareceu. Olhei para ele irritada, confusa e magoada. Como ele havia descoberto
onde eu estava?
— Fiquei me perguntando quanto tempo demoraria para você mandar os seus capachos,
mas quem veio foi você, eu deveria me sentir lisonjeada por receber tamanha atenção? — Disse
eu, sarcástica.
Luigi parou do meu lado, ele estava quieto. O observei repousar os seus braços sob o vão
da ponte, próximos dos meus. Afastei-me de Luigi, eu não queria sentir o seu toque, não quando
ele poderia ter tocado outra mulher com aquelas mãos.
— Valentina…
— Entendo que você não possa me amar, juro que entendo, mas me respeitar é tão difícil
assim? — O interrompi. Luigi suspirou, cansado.
— Não é nada disso que você está pensando — ele disse, provocando um acesso de riso
em mim. — Por que está rindo?
— Porque você teve a coragem de meter essa desculpa sabendo que vi ela te beijar —
respondi, secamente.
Luigi suspirou.
— Não era para ter acontecido isso — ele disse tentando tocar no meu braço, mas me
afastei de novo.
— Como você me achou? — Perguntei. — Eu não estou com o meu celular para você ter
me rastreado.
Meus olhos encontraram os seus por alguns segundos, contudo, os seus olhos deslizaram
pelo meu braço e pararam no meu pulso, no mesmo local onde se encontrava a pulseira de
topázios. A pulseira que ele havia me dado como relíquia de família.
— É claro — falei baixinho. — A história de ser uma pulseira de família era mentira?
Sua mãe também mentiu para mim?
Luigi negou.
— Essa pulseira é sim herança de família, mas mandei colocar um rastreador antes de
entregar para você, já que sempre existiu a possibilidade de você fugir no meio da noite — ele
falou baixo.
Senti meu rosto ficar vermelho de raiva, eu estava enfurecida com aquele canalha.
— Sabe, eu deveria ter fugido no meio da noite, assim eu seria poupada desse dramalhão
todo, mas, querido, nunca existiu essa possibilidade. — Notei a fúria em cada uma das palavras
que saiam dos meus lábios. Luigi me observou em silêncio. — Mas não por sua causa ou por
algum afeto que eu poderia ter por você. Eu só não fugi no meio da noite, como você presumia
que eu fosse fazer, pelas minhas irmãs, eu jamais deixaria elas para trás, jamais as abandonaria.
Luigi assentiu devagar, então seus olhos cravaram-se nos meus.
— Vamos para casa — ele murmurou.
Uma risada saiu dos meus lábios, eu sentia as lágrimas rolando pelos meus olhos, eu
estava tão decepcionada com Luigi.
— Que casa? — Perguntei baixinho. — Aquilo lá não é uma casa, não é um lar, é só um
imóvel frio, um local onde passo a maioria do tempo sozinha, aquilo lá está bem longe de ser
uma casa.
Ele tocou no meu braço, mas eu me afastei de novo.
— Valentina, por favor!
Sequei minhas bochechas com as mãos trêmulas e ignorei seu pedido.
— Sabe o que é pior? É que tento encontrar uma desculpa para o que acabei de ver, até
mesmo tentei colocar a culpa em mim, afinal, como não trair a esposa sendo que ela não está
cumprindo com os deveres conjugais na cama? — Falei com a voz trêmula, eu queria ficar firme,
mas as minhas lágrimas criaram vida e desciam por vontade própria. — Mas você prometeu me
esperar, eu acreditei em você — finalizei num sussurro.
Luigi engoliu em seco.
— Valentina…
— Depois de ontem, depois da nossa conversa tão sincera, eu decidi dar uma chance para
esse casamento, decidi fazer dar certo, mas você destruiu tudo — falei secando a minha
bochecha.
— Valentina, vamos voltar para o nosso apartamento e conversar sobre isso, por favor.
— Luigi segurou no meu braço gentilmente. — Me deixe explicar o que aconteceu.
Eu queria dizer não, queria pegar minhas coisas e subir no primeiro voo para Chicago.
Minha vontade era entrar no meu quarto verdadeiro e me esconder ali. Contudo, eu sabia que os
meus desejos não iriam se tornar reais, não poderiam. Mesmo que Luigi tivesse me traído,
mesmo que eu o tivesse pegado na cama com outra, eu teria que continuar nesse casamento, meu
pai iria me encorajar a esquecer aquilo e seguir em frente. Outros iriam me culpar por não
cumprir com os meus deveres matrimoniais.
Não havia outra saída, por isso, apenas suspirei e assenti. Virei-me e caminhei
silenciosamente até o carro de Luigi, até o nosso lar.

Quando chegamos ao nosso apartamento, me virei para Luigi e o observei em silêncio.


— Há quanto tempo vocês estão juntos? — Perguntei.
Luigi me olhou em silêncio por alguns segundos e se sentou no sofá.
— Cecília não é minha amante.
Suspirei, exausta.
— Ela te beijou, Luigi, e você permitiu — falei com a voz trêmula. — Por favor, não
minta para mim, posso ser inocente sobre várias coisas relacionadas ao leito conjugal, mas não
minta para mim
Luigi ficou em silêncio, era nítido o arrependimento no seu rosto, então ele negou com a
cabeça e se levantou.
— Eu não mentiria para você e jamais te trairia. — Luigi murmurou, se aproximando de
mim, com suavidade, ele tocou a minha bochecha. Senti as lágrimas rolarem por elas, como eu
queria acreditar naquelas palavras. — Eu só traía a Antonella porque ela me traia e eu sei que
você não faria isso.
Olhei para baixo.
— Ela te beijou, eu vi.
— Sim, moglie, e foi errado, mas ela não é minha amante. — Luigi falou, senti seus
dedos tocarem o meu queixo e ele levantou a minha cabeça fazendo nossos olhos se
encontrarem. — Cecília é apenas a minha informante, nunca passou disso e não vai ser agora que
passará. Ela tinha novidades sobre um roubo de carregamentos de arma, e eu pensei que poderia
estar interligado com o ataque de ontem, foi só por isso que eu não cancelei nosso almoço. —
Luigi concluiu com a sua voz suave.
Engoli em seco e mordi o lábio inferior, só tinha uma coisa naquela história que eu não
entendia.
— E o beijo? — Perguntei.
Luigi suspirou.
— Juro que fiquei tão surpreso como você, quando me afastei e te vi, soube que precisava
resolver isso, pelo bem desse casamento e também porque você não merecia passar por essa
situação.
Olhei para ele, pensativa.
— E o roubo de carregamentos está mesmo interligado com o ataque? — Perguntei.
Os olhos de Luigi brilharam, surpresos com o meu interesse.
— Eu não sabia que você se importava com os negócios — ele falou, com um lindo
sorriso se transformando nos seus lábios. — Pensei que você odiasse a máfia.
Suspirei dando um leve dar de ombros.
— Eu não morro de amores por ela — fiz uma pausa. — Mas esse vai ser o império dos
nossos filhos, então eu me importo.
Luigi assentiu.
— Como você descobriu sobre a Cecília? — Ele perguntou.
Senti o meu rosto ficar rubro e de repente fiquei muito constrangida por bisbilhotar as
coisas de Luigi, mas de cabeça erguida, eu disse:
— Li a mensagem no seu celular.
Os olhos escuros de Luigi me avaliaram, então ele se aproximou mais.
— Você confia em mim? — Luigi estendeu a mão e na palma estava o meu anel de
noivado e a minha aliança.
Eu confiava? Bom, Luigi pode não ter mentido sobre Cecília, mas ele mentiu sobre a
pulseira de topázios. Na nossa noite de núpcias ele disse que não confiava nem mesmo na
própria sombra, então por que eu deveria confiar?
Respirei fundo.
— Não sei — respondi olhando os anéis na palma da sua mão.
Luigi os colocou no bolso da calça e me pegou pela mão, me levando para o sofá, seus
joelhos esbarraram nos meus quando nos sentamos e uma onda de excitação subiu pelo meu
corpo.
— O que você quer, Valentina? — Ele perguntou baixinho.
Engoli em seco e dei um longo suspiro.
— Quero… — Fiz uma pausa, pensando no que eu queria, então tudo fez sentido. —
Quero ter um primeiro encontro com você, quero que as coisas aconteçam como deveriam ter
acontecido, sabe? Não quero me sentir como se estivesse cumprindo obrigações, como se isso
tudo fosse apenas um grande negócio.
Luigi ergueu as sobrancelhas escuras.
— Valentina, eu não posso te dar amor — ele disse.
— Eu não peço isso, mas quero pelo menos sentir que somos amigos — falei, nervosa. —
Sei que essa é uma coisa que não é comum na máfia, mas se fôssemos simplesmente abaixar a
cabeça e nos conformar com a vida que temos, hoje não seríamos a sociedade que somos, a
máfia teria sequer existido.
Luigi assentiu devagar.
— Certo, você quer que eu te leve a encontros e faça todas essas outras coisas que
namorados fazem? — Ele perguntou, e eu assenti. — E por quê?
Dei um sorriso triste.
— Eu nunca tive a possibilidade de viver algo assim — falei, baixinho. — De sair para
encontros, ganhar rosas e jantar com alguém que me fizesse sentir desejada. Eu nunca pude ter
isso porque a máfia me privou, e eu não quero sentir que estou perdendo algo, ainda mais porque
quero viver essas experiências com você, quero ter essas histórias para contar aos nossos filhos.
Após desabafar tudo que eu estava guardando, olhei para baixo e fiquei com medo de
Luigi achar tolice. Contudo, as suas mãos fizeram carinho nas minhas e eu olhei para cima,
encontrando olhos brilhantes me encarando.
— Preciso ir trabalhar, mas quero você pronta quando eu chegar, nós vamos a um
encontro. — Luigi deu um sorriso ao falar aquelas palavras, mas quando o olhei com o cenho
franzido, ele ficou tenso. — Não gostou da ideia?
— Não é isso, eu adorei — respondi. — Mas é seus machucados? O ferimento?
Luigi deu um sorriso e se levantou.
— Estou bem, moglie, não se preocupe.
— Se você diz, eu acredito — disse.
Luigi olhou para mim, pensativo.
— Que foi? — Perguntei.
— Só estou pensando que seria ótimo se você usasse um vestido vermelho — olhei para
ele, curiosa com a sua sugestão. — É que você fica pecaminosamente atraente de vermelho.
Dei uma gargalhada com o que Luigi disse, então ele aproximou-se de mim apenas para
beijar minha testa e caminhou rumo ao elevador. O observei sair do apartamento com uma
sensação boa de que talvez as coisas dessem certo.
Talvez esse pudesse ser o nosso recomeço.
CAPÍTULO DEZESSETE

Eu já estava pronta e usando o vestido vermelho que mais me agradou, quando o


interfone tocou. Franzi a testa, me perguntando quem poderia estar tocando aquele interfone.
Caminhei nervosa até ele e coloquei o telefone na orelha.
— Sim?
Ouvi uma respiração.
— Posso entrar? — Era a voz de Luigi, soltei a respiração que eu prendia. — Valentina,
você está bem?
— Sim, você só me assustou — respondi, ouvi a risada de Luigi e revirei os olhos. — A
casa é sua, não precisava vir pelo elevador comum.
Luigi deu uma risada.
— Tsc, tsc — franzi a testa, tentando entender o que estava acontecendo. — Estou indo
buscar uma linda mulher para um encontro, a casa não é minha.
Dei uma risada e um sorriso bobo ficou preso nos meus lábios.
— Vou liberar a sua entrada, engraçadinho — falei.
Coloquei o telefone no gancho e liberei a entrada de Luigi. Depois de alguns minutos
ouvi uma batida na porta comum, caminhei até ela e a abri, não consegui esconder a minha
surpresa. Luigi estava muito bem-vestido, impecavelmente atraente e com um buquê de rosas
vermelhas na mão.
Olhei para ele, surpresa.
— São para você. — Luigi me estendeu o buquê, o olhei com um sorriso. — Gostou?
— Eu amei, é a primeira vez que ganho rosas.
Luigi deu um sorriso e disse:
— A partir de hoje a minha moglie sempre vai ganhar rosas.
Engoli em seco, sentindo-me tocada por suas palavras, então envolvi os meus braços no
seu pescoço e o abracei. O seu braço livre envolveu a minha cintura e me apertou contra o seu
corpo, senti os seus lábios roçarem na minha têmpora em um beijo. Afastei-me de Luigi e peguei
o buquê das suas mãos.
— Vou colocar em um jarro. — Virei-me e fui até a cozinha, peguei um jarro de vidro
transparente e o enchi com água, depois que fiz isso, coloquei o buquê dentro e o coloquei em
cima da mesa de jantar. — É vermelho como você sugeriu, gostou? — Falei, apontando para o
vestido.
Aproximei-me de Luigi e notei que ele me olhava com intensidade, os seus olhos
dançavam pelo meu corpo. Luigi assentiu, então estendeu a mão para mim.
— Você já está pronta?
— Sim. — Segurei a sua mão e a apertei suavemente. — Aonde nós vamos?
Ele me levou para fora do prédio e fomos até o seu carro.
— A Camorra é sócia de um restaurante na região de Midtown Manhattan. — O observei
abrir a porta para mim. — E sempre que quero o local só para mim, eu consigo.
Ergui as sobrancelhas enquanto Luigi entrava no carro e se sentava do meu lado.
— E como é esse restaurante? — Perguntei.
Ele abriu um sorriso malicioso.
— Isso é surpresa, mas sei que você vai amar. — Olhei para o lado e escondi um sorriso
que se formava nos meus lábios.
A viagem de carro não foi demorada, além de ter sido lindo observar Luigi se esforçando
para fazer o que eu pedia, e foi mais adorável ainda ver seu esforço quando chegamos no
restaurante. O local era tão lindo que o meu coração deu um leve salto.
As suas luzes iluminavam todo o prédio, que obviamente era o arranha-céu mais
indescritivelmente belo que eu já havia observado na vida. Contudo, tinha algo naquela
quantidade de andares e no fato do restaurante ser no térreo, que me deixava muito sufocada.
Assim que saímos do carro, as mãos de Luigi se envolveram na minha cintura e senti as pontas
dos seus dedos tocarem a minha bunda. Olhei para o seu rosto e notei um brilho diabólico na
escuridão de seus olhos.
— O prédio é lindo — respondi.
Eu não iria falar sobre a sensação de falta de ar que aquele prédio gigantesco me passava.
Seus olhos me examinaram.
— Você detestou, não é? — Luigi perguntou com um sorriso.
Arregalei os olhos.
— Não. — Tentei segurar o riso ao ver o modo como ele me olhava. — Ele é muito lindo
mesmo.
Luigi bufou.
— Você é uma péssima mentirosa, nunca jogue pôquer.
Franzi a testa.
— Gostei do prédio, mas ele é tão grande e cheio de andares que me sufoca um pouco —
respondi sinceramente.
Luigi tocou minha bochecha com as costas da mão.
— Ainda bem que o restaurante é no topo do prédio, lá no terraço. — Fiquei boquiaberta,
agora eu estava surpresa de verdade.
— Sério?
— Sim, vamos? — Ele me perguntou e eu assenti.
Assim que entramos no prédio, um homem vestido com um terno cinza se aproximou.
— Senhor Salvattore, que honra tê-lo conosco hoje. — Ele abriu um sorriso, então seus
olhos acinzentados repousaram em mim. — E quem é a bela dama?
Segurei a vontade de rir, o garçom tinha um jeito diferente de se comunicar.
— É a minha esposa, Valentina Salvattore. — Luigi falou educadamente. — O
restaurante está pronto?
O garçom assentiu.
— Sejam bem-vindos! — Ele se virou e caminhou na direção do elevador, não era o
comum, mas sim um privativo igual ao do nosso apartamento. — Por aqui.
O garçom apertou o botão e assim que a porta se abriu, nós entramos.
A subida foi tranquila com uma música suave no elevador, os dedos de Luigi passeavam
carinhosamente pela minha cintura deixando o meu coração a mil. Mas quando as portas se
abriram, eu não consegui segurar um suspiro de surpresa e admiração pelo que eu via. Caminhei
até a borda do terraço e observei as luzes de Nova Iorque brilhando para mim, me saudando.
Eu me sentia no topo do mundo.
Ao longe eu conseguia avistar a tocha brilhante da Estátua da Liberdade, eu também
conseguia ver as luzes da ponte do Brooklyn e os iates no rio East, era surreal, uma visão de tirar
o fôlego.
— Gostou da vista? — Luigi perguntou do meu lado.
— Sim, é tão bonito, eu me sinto no topo do mundo — falei, me sentindo levemente
emocionada.
— Sei como é, a vista é realmente de tirar o fôlego — ele murmurou, mas algo na sua
maneira de pronunciar aquelas palavras me fez olhá-lo. Seus olhos estavam fixos em mim de
uma forma que nunca estivera antes, parecia que Luigi realmente me enxergava, o exterior e o
interior. Era como se estivéssemos suspensos no tempo, onde tudo que existia era apenas nós e
mais ninguém. — Gosto do que vejo — ele sussurrou tocando seu indicador de leve na ponta do
meu queixo.
— Eu também gosto do que vejo — murmurei, com meus olhos gravando cada detalhe
do seu rosto.
Luigi sorriu, então suas mãos seguraram as minhas carinhosamente.
— Vamos comer? — Ele perguntou.
Concordei e caminhei com Luigi até a mesa, que para a minha alegria, era próxima da
borda do terraço, eu comeria observando aquela vista maravilhosa e de tirar o fôlego. Nos
serviram as entradas, que consistiam em uma salada caprese e ravioli com gema de ovo caipira.
O garçom encheu as nossas taças de vinho.
— Quando as coisas se acalmarem, iremos para a nossa lua de mel. — Luigi bebeu um
pouco do seu vinho. — Você pode escolher o lugar.
Assenti, eu sempre tive vontade de conhecer a Grécia.
— As coisas estão muito ruins assim? — Perguntei e Luigi assentiu. — O que aconteceu?
Ele deu um longo suspiro.
— Bom, eu estava investigando a adaga no seu sapato e apenas três nomes surgiram. —
Luigi murmurou.
Franzi a testa.
— Como assim?
— Valentina, apenas alguém próximo de você poderia ter mexido no seu sapato e
infelizmente só surgem três pessoas nessa lista, minha mãe, Bianca e Anna — ele falou. — Não
acho que minha mãe possa querer assassinar o próprio filho, mas não se dá para confiar em
ninguém.
Franzi a testa.
— Coloco a minha mão no fogo por Anna, ela jamais faria nada desse tipo, e a Bianca é
insuportável, mas isso exigiria mais coragem do que ela tem — falei, então algo surgiu na minha
mente. — Outras mulheres entraram no quarto, elas vieram me acordar e me preparar para a
noite de núpcias.
Luigi ergueu as sobrancelhas.
— Vou averiguar isso com mais calma — ele murmurou.
Notei que seus ombros estavam tensos.
— Tem mais alguma coisa te incomodando?
Luigi olhou para mim, surpreso por eu notar seus ombros tensos.
— Na verdade, tem sim, Lorenzo e a teimosia dele me incomodam. — Ele colocou um
pouco de salada na boca, mas só após comer prosseguiu. — A teimosia daquela mula fez ele
fazer uma péssima escolha.
Franzi a testa e segurei a vontade de rir, eu nunca vi esse lado de Luigi.
— O que Lorenzo fez?
— Ele fez uma péssima escolha de esposa — ele resmungou, irritado. — Lorenzo é um
ótimo chefe da Cosa Nostra, sempre foi muito inteligente, mas depois que se casou com a filha
do chefe da máfia mexicana ele está deixando muito a desejar. É muito óbvio para todos que
Lorenzo está completamente apaixonado por ela, sem contar que muitas outras máfias
desaprovam essa união. — Luigi finalizou, mordi o lábio inferior, frustrada.
A máfia precisava parar de encarar o amor como fraqueza.
— E por que você está tão chateado com isso? — Perguntei.
— Porque isso nos atinge diretamente, devido à nossa aliança, qualquer rival da Cosa
Nostra acaba se tornando nosso rival, e até o momento a Tríade, a Yakuza e a Bratva estão
empenhadas em travar uma guerra conosco. — Ele bebeu mais uma vez seu vinho e suspirou. —
Não precisamos das outras máfias italianas irritadas com Lorenzo só porque ele é teimoso.
Ergui as sobrancelhas. Não era nada incomum uma organização mafiosa querer criar
confusão com outra por conta de território, mas agora por um casamento?
— Por que eles são contra o casamento?
Luigi deu de ombros.
— Ela se difere das mulheres criadas na máfia, Luna tem uma ideia progressista que as
famílias não concordam muito. — Ele encostou a taça nos lábios e me observou
Franzi a testa.
— Que ideia?
Luigi deu um sorriso.
— É claro que você iria se interessar por isso, você é tão…
Um sorriso se formou no meu rosto.
— Tão o quê? — O provoquei.
Luigi deu uma risada baixa.
— Empenhada pelas causas dos mais fracos e oprimidos — ele respondeu, me fazendo
rir.
— Não tente me enrolar, qual é a ideia de Luna?
Luigi pegou na minha mão e entrelaçou nossos dedos. Observei nossas mãos unidas e um
calor preencheu o meu coração.
— Luna tem ideias contrárias aos casamentos arranjados — ele falou, e meus olhos
encontraram os seus, surpresos. — Ela e Lorenzo se casaram por amor, aparentemente eles se
conheceram numa viagem de Lorenzo ao México, dizem que ele ficou de quatro por ela
instantaneamente.
Bebi um pouco do meu vinho, mais interessada ainda naquele jantar.
— Quando vamos jantar na casa deles? Vai ser um prazer conhecê-la. — Abri um grande
sorriso malicioso.
Luigi gargalhou.
— É claro, tenho certeza que você será a primeira a apoiar a causa dela. — Ele secou
uma lágrima no canto do olho que surgiu por conta da risada.
— Bom, não foi você quem disse que sou empenhada pelas causas dos mais fracos e
oprimidos? — Rebati.
Luigi assentiu.
— É claro, a propósito, eles nos convidaram para um jantar na sexta-feira — ele falou
bebendo do seu vinho. Seria daqui a dois dias, eu estava ansiosa para conhecer a tal Luna.
— Ótimo — murmurei.
Luigi deu um sorriso.
— Eu não sou bom com encontro, mas creio que neles a gente não fala sobre outras
pessoas — ele falou me observando
Dei um sorriso.
— A fofoca edifica o casamento, meu marido, mas você tem razão, eu quero saber algo
sobre você que ninguém sabe — falei, com um sorrisinho.
Luigi tocou de leve a linha da mandíbula.
— Bem, eu gosto da cor preta. — Ergui as sobrancelhas, era bem óbvio que ele gostava
do preto, seu guarda-roupa era cheio de ternos escuros. — O quê?
Uma risada escapou dos meus lábios, notei que após beber o vinho, eu me sentia leve,
feliz.
— Isso é muito óbvio, já que você vive de preto — respondi.
Luigi franziu a testa e voltou a pensar.
— Isso ninguém sabe — ele falou com um sorriso. — Eu nunca quis me casar com a
Antonella, na verdade, eu pretendia pedir em casamento outra pessoa.
Tentei não demonstrar minha decepção com aquilo, Luigi já tinha tido interesse em outra
pessoa?
— E por que você não se casou com a outra? — Perguntei.
Luigi deu de ombros.
— Meu pai a encarava como desqualificada para o papel de esposa do futuro chefe, mas
eu nunca concordei. — Luigi disse, aproveitei para beber um pouco do meu vinho. — Sempre a
vi como uma pessoa forte, leal a quem era importante para ela e claro, nada enfadonha, eu tinha
certeza que os meus dias na sua companhia seriam uma surpresa.
— É mesmo? — Murmurei, sentindo um incômodo no meu peito.
Os olhos de Luigi brilhavam e ele assentiu devagar.
— E a propósito, essa pessoa era você, Valentina. — Luigi disse, nesse momento
engasguei com o vinho. Olhei para ele surpresa e encantada, as suas mãos seguraram as minhas
por cima da mesa. — Felizmente o destino me deu a chance de me casar com quem eu realmente
desejava, é uma pena não poder dar o amor que você merece. Se eu soubesse amar, sei que
escolheria você para ser a dona do meu coração.
Senti as lágrimas brotarem nos meus olhos, eu continuei apenas olhando para Luigi, pois
estava completamente sem palavras. Seus dedos tocaram minha bochecha carinhosamente,
fazendo-me sorrir com sinceridade.
— Ah, Luigi — murmurei.
Ele levou minhas mãos até seus lábios e beijou os nós dos meus dedos bem na hora em
que o garçom apareceu com nossos pratos principais. Depois que o garçom saiu e jantamos, os
meus olhos não saíram de Luigi e observei atentamente cada detalhe do seu rosto. Senti algo se
aquecer no meu peito e eu desejava com todas as forças que o que eu temia não estivesse
acontecendo.
Eu não queria acabar me apaixonando pelo meu marido.

Assim que chegamos na nossa casa, Luigi parou na porta do nosso quarto, mas não
entrou. Olhei para ele, confusa.
— Vou dormir no quarto de hóspedes hoje. — Luigi falou com um sorriso.
Franzi a testa.
— Por quê? — Perguntei.
Seus dedos tocaram os meus lábios.
— Porque estou agindo como um namorado, esqueceu? — Ele sorriu.
Luigi se aproximou de mim e tocou levemente sua testa na minha, sua respiração quente
fez os pelos da minha pele se arrepiarem. Seus dedos desceram pelo meu braço e seus lábios
roçaram no meu suavemente.
— Você é tão irresistível — sua voz foi apenas um sussurro rouco, responsável por fazer
os pelos do meu corpo se arrepiarem.
Abri meus lábios e suspirei, sua língua tocou a carne quente e macia da minha boca e
avançou para dentro dela, iniciando um beijo intenso e cheio de desejo, e eu fiz o mesmo. O
cheiro amadeirado do seu perfume inundou minha mente. Envolvi seus ombros com minhas
mãos e o puxei para mais perto de mim, o gosto de vinho nos seus lábios estava me embriagando
e eu queria mais dele, queria mais de Luigi.
Pela primeira vez eu sentia poder tomar aquela decisão, eu o queria comigo naquela
cama, eu queria que seu corpo me cobrisse por inteira, eu queria os seus lábios por toda a
extensão da minha pele, até em lugares que ninguém nunca havia beijado. E eu o queria não
devido ao álcool, mas sim porque era Luigi, porque eram seus braços envoltos em mim que eu
estava desejando todos aqueles dias, porque era o gosto dos seus lábios que me fazia sentir viva.
Que me faziam sentir com milhões de células eletrificadas dentro da minha pele, passando pelas
minhas veias. Eram os seus toques capazes de fazer o meu coração bater acelerado no peito.
Luigi espalmou suas mãos em minhas costas e desceu na direção da minha bunda, o
tecido do vestido roçou na minha carne macia com os seus movimentos, fazendo com que eu
desse um gemido baixo. O patife sorriu e se afastou, estremeci quando ele arrumou gentilmente
os meus cabelos.
— Vá dormir — ele sussurrou. — Boa noite, moglie.
O senti beijar carinhosamente a minha testa.
Antes que eu conseguisse dizer alguma coisa, Luigi já havia se afastado e entrado no
quarto de hóspedes. Entrei no meu quarto, fechando a porta comigo e encostando-me na madeira.
Eu me sentia completamente frustrada, exatamente como uma criança, apresentada ao melhor
doce e proibida de prová-lo.
Luigi havia me feito provar do meu próprio veneno e eu não havia gostado nenhum
pouco do gosto.
CAPÍTULO DEZOITO

Os dias passaram rápido, Sandro ainda era o meu segurança, mas ele estava chateado
comigo, e com razão, felizmente convenci Luigi a não o punir pela minha fuga.
As coisas entre nós estavam boas, Luigi era sempre muito atencioso, contudo ele nunca
me beijava nos lábios. Era sempre um beijo na testa antes de dormir. Aquilo era algo que eu não
conseguia entender, o fato dele me levar em encontros não significava que tinha que parar de me
beijar. Aquela situação estava me fazendo subir pelas paredes, eu nunca desejei tanto alguém
como eu estava desejando Luigi Salvattore.
Hoje era o jantar na casa dos Cattaneo, e aparentemente o irmão mais jovem de Lorenzo
também estaria lá, então seria uma ocasião muito festiva. Terminei de arrumar os meus cabelos,
mas dessa vez eu não iria usar jeans para provocar ninguém, então a única coisa que me impedia
de estar completamente pronta era o zíper do meu vestido, ele era no meio das costas e eu não
conseguia alcançá-lo.
Suspirei irritada.
Luigi riu atrás de mim.
— Precisa de ajuda com isso? — Ele perguntou e eu assenti.
Luigi se aproximou de mim e o seu corpo ficou a centímetros do meu. O seu calor era
intenso e a sua respiração pesada. Sua mão encontrou o fecho do meu zíper, mas antes de puxá-
lo para cima, ele passou as pontas dos dedos na região do meu cóccix, provocando arrepios no
meu corpo. Engoli em seco, sentindo todas as minhas terminações nervosas se agitarem com o
seu toque.
Era isso que Luigi fazia, ele me provocava, testava os meus limites.
Infelizmente Luigi subiu o zíper, pois naquele momento eu desejava que ele descesse e
tirasse todas aquelas roupas que me impediam de sentir a sua pele na minha.
— Você está linda — Luigi murmurou próximo do meu ouvido, seu hálito quente no meu
pescoço me fez ficar completamente arrepiada. — Eu estava errado, vermelho te deixa sensual,
mas o azul te deixa maravilhosa.
Dei uma risada nervosa. Suas mãos pousaram na minha cintura e ele olhou o meu reflexo
no espelho.
— Vamos, mia moglie? — Luigi perguntou e eu assenti.
No entanto, eu não conseguia focar em nada. Só conseguia imaginar qual seria a sensação
de sua barba roçando no meu pescoço. Quando descemos até o saguão e não até o
estacionamento, olhei para Luigi, confusa.
— O carro já está do lado de fora — ele falou com um sorrisinho nos lábios. — Vam…
— Contudo, o toque do seu celular o impediu de continuar o que estava falando, Luigi o pegou
no bolso do terno e me olhou. — Pode ir indo para o carro, atenderei essa ligação e já vou.
Assenti e fui até a saída do prédio do nosso apartamento, mas antes de entrar no carro
uma coisa chamou a minha atenção.
Não, uma coisa não, mas sim uma pessoa.
Parada do outro lado da rua, observando as janelas dos apartamentos acima de nós, estava
uma mulher loira. Eu sabia disso porque uma parte do seu cabelo estava à mostra, mas o rosto
estava escondido pelas sombras do capuz de um moletom preto que ela estava usando. Quando a
mulher percebeu que eu estava olhando, o seu corpo ficou rígido e um vento forte bateu em nós,
fazendo com que o seu capuz caísse para trás e revelasse grandes olhos verdes apavorados.
Para o meu horror, eu conhecia bem aqueles olhos e aquele rosto. Ali, parada na minha
frente, estava Antonella, em carne e osso. Com a mão trêmula, ela colocou o dedo indicador nos
lábios, como se estivesse me pedindo para guardar segredo.
— Valentina? — Luigi falou se aproximando, olhei para ele assustada. — Valentina,
aconteceu alguma coisa?
Tentei recuperar o fôlego.
— Eu… — Olhei para onde Antonella estava, mas não havia mais nada além dos carros
estacionados próximos da calçada.
Eu teria visto um fantasma ou era coisa da minha cabeça?
— Valentina, o que aconteceu? — Luigi me perguntou novamente, preocupado.
Tentei sorrir, eu não iria falar para ele o que eu havia visto, eu sabia como Luigi ficava
incomodado quando eu tocava no assunto da falecida esposa. Antonella também havia me pedido
segredo, mas por quê?
— Estou bem. — Abri a maçaneta do carro e entrei. — Vamos para o jantar dos
Cattaneo.
Entretanto, passei o trajeto todo com a sensação de que Antonella nos observava.
Felizmente, logo chegamos à mansão dos Cattaneo e o local era de tirar o fôlego. As paredes
estavam decoradas por quadros da renascença e alguns de nudismo, na verdade, havia muitos
quadros de pessoas nuas, mostrando bastante cada parte do corpo feminino e também do
masculino.
Luigi estava no telefone de novo, ao que parecia Diogo e Anna iriam finalmente para
Chicago, mas os ataques nas casas das famílias de Miami estavam intensos, principalmente em
dia de carregamento. As máfias rivais faziam aquilo para tirar a atenção do que eles realmente
queriam: as drogas e as armas.
Luigi colocou o celular no bolso e se aproximou de mim.
— Pronto. — Seu rosto estava tenso. — Acho que já resolvi o problema.
Passei minha mão pelo seu braço e caminhei com ele pelo corredor até chegarmos ao
salão.
— Cecília me falou uma coisa que está me preocupando. — Luigi sussurrou para mim,
olhei para ele, atenta.
— O que é? — Perguntei.
Luigi deu um longo suspiro.
— Ao que parece a Bratva está criando um exército de espiões assassinos. — Dei uma
risada fazendo com que ele fechasse a cara. — Isso é sério, Valentina.
Afaguei o seu ombro.
— Por que se preocupa com isso? — Falei com um sorriso gentil nos lábios. — Você
acha que existem espiões russos aqui?
Luigi deu de ombros.
— Eu só sei que ninguém sabe onde é o centro de treinamento — ele falou. — Dizem
que eles levam crianças e as treinam cruelmente, eu nunca conseguiria fazer isso, com criança
não.
Suspirei, grata por Marina estar debaixo da proteção de um chefe tão maravilhoso como
Luigi, eu não sei o que eu faria se fossemos russas e a levassem para esse lugar secreto.
Nesse momento um casal muito bonito se aproximou de nós.
— Luigi, eu fico feliz de vê-los aqui. — O homem falou quando se aproximaram. Os
seus olhos eram tão escuros quanto os de Luigi, mas eles eram menores. As suas feições eram
muito bonitas, assim como a da sua esposa, que tinha cabelos loiros escuros com algumas
mechas douradas, olhos verdes e uma pele morena. — Essa deve ser a famosa Valentina, eu me
chamo Lorenzo e essa é a minha princesa, Luna Cattaneo.
Dei um sorriso.
— Muito prazer — falei. — Vocês dois são um casal muito bonito.
Lorenzo olhava apaixonado para a esposa, era realmente nítida a sua adoração por Luna,
era algo de dar inveja.
— Que gentileza a sua. — Luna falou pela primeira vez, ela tinha um sotaque mexicano
muito carregado. — Mas vocês dois também são muito bonitos, encheram a nossa casa de amor.
Senti Luigi ficar tenso do meu lado, mas ele apenas sorriu.
— Lorenzo, o seu irmão acabou de chegar. — Luna apertou de leve o braço do marido.
Olhei por cima do meu ombro e vi um rapaz de cabelos escuros iguais ao do irmão, mas as
semelhanças dos dois paravam por aí. Enquanto Lorenzo tinha olhos pequenos e pretos, uma
barba escura cobrindo o seu maxilar, o seu irmão tinha olhos da cor do oceano e um rosto
infantil. — Eu disse que ele viria. — Luna falou sorridente, olhei para ela curiosa.
— O que tem entre vocês dois? — Perguntei.
— Ah, Dante não aceitou muito bem o meu casamento com o irmão, disse que o roubei
dele e vive me chamando de selvagem.
Ergui minhas sobrancelhas, chocada com aquilo.
— Já perdi as contas de quantas vezes já me chamaram de selvagem. — Dei um sorriso.
— Hoje em dia encaro como elogio.
Luna deu uma gargalhada alta, Lorenzo e Luigi apenas nos observavam em silêncio.
— Ah, eu adorei você, sinto que seremos grandes amigas — Luna falou, com suas mãos,
de dedos finos e morenos, segurando gentilmente o meu braço.
Lorenzo suspirou.
— Que coisa, Luigi, acabamos de decretar o fim do mundo ao juntar essas duas. — Ele
falou com um brilho malicioso nos olhos.
Luna fechou a cara para Lorenzo, mas era possível ver um brilho de carinho nos seus
olhos.
— Se eu fosse você se preocuparia mais com a Valentina, ela conseguiu enganar o
próprio segurança apenas para me bisbilhotar. — Luigi falou, me provocando.
Lorenzo ergueu as sobrancelhas para mim, surpreso.
— Não foi apenas para te bisbilhotar — retruquei para Luigi.
Luna deu um sorriso malicioso.
— Uma rebelde, adorei! — Uma risada melodiosa saiu dos seus lábios. — Eu também
sempre detestei esses seguranças, uma vez o Lorenzo colocou um na minha cola.
Assenti.
— O Sandro, né? — Perguntei, Luna assentiu, com os olhos brilhando. — Ele é o meu
segurança agora.
— É mesmo? — Ela perguntou com interesse genuíno.
Lorenzo passou as mãos pela cintura de Luna, com possessividade.
— Por que está tão interessada no segurança, princesa?
Luna olhou para o marido e um ar de sedução pairou sobre nós.
— Ele foi gentil comigo, apenas isso, não precisa ter ciúmes, você sabe que só tenho
olhos para um único homem e é você.
Olhei para o meu marido, sentindo que eu estava atrapalhando um momento íntimo do
casal, mas para a minha surpresa, Luigi já estava me observando, isso fez com que o meu rosto
corasse. Seus lábios se aproximaram dos meus ouvidos e ele disse num tom de voz que apenas eu
poderia escutar:
— Fica difícil não te beijar quando você fica corada assim.
Abri um sorriso, notei que Luna nos observava com curiosidade.
— Meu querido, vamos cumprimentar o seu irmão e dar a maravilhosa notícia para ele.
— Ela puxou Lorenzo em direção à entrada do salão.
Olhei para Luigi, curiosa.
— O que será essa maravilhosa notícia? — Perguntei para ele, que deu uma risada. — O
quê? Sou curiosa.
Luigi pegou duas taças de champanhe e me entregou uma.
— Aparentemente Dante será nomeado o novo caporegime de Seattle. — Luigi olhou
para o rapaz. — E quando estiver mais velho será o subchefe.
Suspirei.
— Mas ele é tão jovem — falei baixinho, Luigi apenas sorriu.
É claro que ele apenas sorriu, Luigi assumiu o cargo de chefe com apenas vinte e sete
anos, logo depois do seu pai falecer. Geralmente os homens que ocupavam aquele cargo tinham
por volta de quarenta anos.
Luigi havia sido o chefe mais jovem da história da Camorra.

Depois do jantar e de servirem a sobremesa, eu estava sozinha no salão observando um


quadro renascentista, quando notei Dante se aproximar de mim, seu rosto ainda tinha feições de
bebê, ele ainda não se parecia com um homem.
— Você é a esposa de Luigi? — Dante perguntou com um sorriso gentil nos lábios,
assenti. — Você é realmente tão linda quanto ouvi falar.
Engasguei surpresa. As pessoas falavam isso mesmo?
— Eu não imaginava que minha aparência era discutida assim — respondi. — Mas
obrigada pelo elogio.
Dante deu de ombros.
— Você não tem nenhuma irmã disponível? — Olhei para ele com as sobrancelhas
arqueadas. — É que meu irmão colocou na cabeça que preciso me casar, então seria bom eu
fazer isso com alguém que seja bonita, não é? — Não respondi nada, pois estava sem reação. —
Então, você tem?
— Foi mal, a única solteira tem doze anos — falei segurando o riso, Dante era peculiar.
— E eu acho que ela não pensa em se casar por agora.
O rapaz deu uma risada.
— Céus! — Ele balançou a cabeça. — Ela é jovem demais.
Franzi a testa.
— E quantos anos você tem?
Dante sorriu cheio de galanteio.
— Dezessete, mas…
Nesse momento Luna apareceu e eu jamais saberia o que ele tinha a me dizer.
— O que você está achando da minha casa, Dante? — Ela perguntou com uma
sobrancelha arqueada e um pequeno sorriso no rosto.
Ele deu um leve dar de ombros.
— Está muito bem decorada. — Notei Luna soltar o ar que estava prendendo.
Seus olhos verdes brilharam.
— Você sabe que pode nos visitar quando quiser, não é? — Dante assentiu. — Que bom,
e você, Valentina, o que está achando de Nova Iorque?
Dante se afastou de nós, ele realmente não gostava muito da cunhada.
— Estou gostando bastante — respondi. — Na verdade, sempre gostei daqui.
Luna deu uma risadinha.
— Esqueço que sou eu a estrangeira — ela suspirou. — Esses últimos anos foram tão
difíceis para mim, ainda bem que tive Lorenzo para me apoiar.
Mordi meu lábio inferior.
— Como você o conheceu? — Perguntei baixinho.
Os olhos de Luna brilharam e um suspiro escapou dos seus lábios.
— Ele foi ao México fazer negócios com o meu pai — ela respondeu. — De início eu o
detestei, Lorenzo era muito testarudo… — Luna mordeu o lábio tentando pensar na tradução da
palavra. — Acho que no seu idioma se fala obstinado.
Dei um sorriso e assenti.
— E o que fez você mudar sua maneira de enxergá-lo? — Perguntei.
Ela olhou para Lorenzo do outro lado da sala conversando com Luigi, então seus olhos
encontraram os meus e ela sussurrou:
— Uma dança. — Ao ouvir sua resposta, apenas franzi a testa, Luna sorriu diante da
minha confusão. — Quando dançamos juntos pela primeira vez e os nossos olhares ficaram
presos um no outro, naquele momento enxerguei a sua alma. Ali vi que Lorenzo era um homem
bom e que eu deveria me casar com ele, eu tinha certeza que seria bem tratada por aquele homem
— ela concluiu, pensativa.
Notei estar prendendo a minha respiração, então a soltei discretamente.
— Isso é tão lindo — murmurei.
Luna bateu a mão de leve no meu ombro.
— Você deve saber do que estou falando, não é? — Engoli em seco, não porque eu não
sabia, mas sim porque havia sentido tudo aquilo com Luigi, o que significava que os meus
sentimentos por ele estavam mudando. — É nítido o quanto vocês são loucos um pelo outro.
Sorri.
— Como assim? — Perguntei.
Luna revirou os olhos.
— O jeito que se olham é de pura adoração. — Ela sorriu.
Dei uma risada.
— Talvez, mas passamos por um começo um pouco difícil que prejudicou até o meu
segurança.
Luna olhou curiosa para mim.
— Ah, o que aconteceu realmente entre você e Sandro?
Mordi o lábio, achando estranha aquela pergunta, mas supus que ela só deveria ser
curiosa, assim como eu.
— Ele me levou para almoçar, durante o almoço eu fugi dele para descobrir se o Luigi
estava me traindo. — Luna ergueu as sobrancelhas ao me ouvir falar.
— E seu marido estava traindo você?
— Felizmente não, mas o meu comportamento quase prejudicou o Sandro e agora ele
está magoado comigo, eu preciso fazer as pazes com o pobrezinho — respondi.
Uma risada escapou dos seus lábios.
— Eu me lembro dele. — Sua voz estava baixinha e distante, olhei curiosa para ela. —
Ele foi o meu segurança assim que nos mudamos para cá, mas você já sabe disso, como?
— Sandro me disse — respondi.
— Disse? — Luna parecia surpresa.
— Sim, de acordo com ele, você é bem legal.
Um sorriso surgiu no seu rosto e ela olhou pensativa para Lorenzo.
Olhei para Luigi e notei que ele me olhava com as sobrancelhas erguidas. Um sorriso
tímido surgiu nos meus lábios, será que Luna tinha razão e Luigi me olhava com adoração?
Dei um suspiro.
— Preciso de um banheiro — falei para Luna, que apontou para o corredor.
— É a terceira porta à esquerda.
Assenti e segui pelos corredores, assim que cheguei no cômodo bem iluminado,
aproximei-me do espelho e observei o meu reflexo.
Pensar na possibilidade de Luigi ser louco por mim era uma utopia, talvez ele sentisse
atração, mas isso seria o suficiente para eu conseguir fazê-lo me amar? Um dia seríamos como
Luna e Lorenzo? Eles pareciam ser completamente apaixonados um pelo outro.
Ajeitei os meus cabelos, e decidi que já estava pronta para sair. Entretanto, quando um
barulho de tiro ecoou do lado de fora, eu fiquei estagnada no meu lugar. Eu simplesmente não
conseguia me mover, nem mesmo respirar. Agucei os meus ouvidos para ver se conseguia ouvir
mais alguma coisa, contudo, a única coisa que eu conseguia ouvir eram as batidas do meu
coração.
Então, os gritos vieram.
CAPÍTULO DEZENOVE

Mais barulhos de tiros inundaram os meus ouvidos e os gritos ficaram ainda mais
intensos. Eu precisava procurar por Luigi, precisava ver se ele estava bem, céus… E se ele
tivesse se machucado? Ou pior…
Neguei com veemência, como se estivesse tentando tirar aquele pensamento da minha
mente. Eu sabia que ir por aquela linha de pensamento não seria o mais inteligente a se fazer,
Luigi era um mafioso treinado, ele não iria se machucar ou morrer. Luigi era um dos melhores
mafiosos da geração, isso devia contar para alguma coisa, não devia? A única pessoa que
realmente estava em apuros era eu, que nunca havia sido treinada.
Decidi que o mais importante naquele momento, para mim, seria encontrar uma forma de
sair daquele banheiro, antes que alguém entrasse e me atacasse. Eu não podia contar com as
minhas habilidades de luta, como mulher eu não tinha autorização para treinar e aprender a me
defender.
Corri até a porta, mas assim que eu a abri, me arrependi amargamente. Parado no
corredor a alguns metros de distância de mim estava um homem alto, muito musculoso e com
braços que mais pareciam duas toras de madeira. Sob a sua pele havia vários desenhos, tatuagens
que cobriam o seu rosto e a sua cabeça, que não possuía cabelo.
A luz do corredor brilhava sobre as tatuagens no seu couro cabeludo. Só pelos seus
desenhos era possível descobrir que aquele homem era um soldado da Yakuza. Ele virou-se para
mim quando ouviu o barulho da porta e seus olhos escuros, como duas fendas, me encararam
com desejo de matar.
Segurei o meu grito de desespero e corri novamente para dentro do banheiro, não pensei
duas vezes ao girar a tranca e me manter protegida daquele monte de músculos assassino.
Contudo, eu precisava sair dali; aquela porta não iria se manter como uma proteção para mim por
muito tempo, por isso procurei uma forma de sair de lá, eu precisava procurar por Luigi e sair
daquele circo dos horrores. Eu sentia que apenas quando eu estivesse com ele, eu estaria
realmente segura.
Olhei para as paredes à procura de uma janela quando a porta começou a sacudir com os
chutes do homem cheio de músculos. Ah, se eu soubesse lutar, se eu soubesse usar uma arma.
Era por isso que muitas mulheres morriam nessas ocasiões, os homens eram uns idiotas que não
permitiam que nos treinassem.
Para o meu alívio e completo horror, encontrei apenas um duto de ventilação na parede
acima da pia, eu sabia que ali seria assustador e sufocante, mas se eu conseguisse me espremer
por aquele duto, talvez…
A porta fez um barulho horrível e eu notei que ela não iria resistir por muito tempo, eu
precisava agir e tomar logo uma decisão. Tirei os meus sapatos e subi em cima da pia, retirei um
grampo que estava no meu cabelo para abrir a tampa do duto, mas quando finalmente consegui e
comecei a passar meu tronco por ele, a porta explodiu com o chute do soldado da Yakuza.
O soldado me viu em cima da pia e segurou o meu calcanhar, tentando me puxar para
dentro.
— Me larga, seu animal! — Chutei o seu nariz, que quebrou com o meu golpe,
infelizmente isso só o fez ficar mais irado. O homem me puxou com força para dentro do
banheiro e eu caí no chão, senti uma dor aguda na lateral do meu corpo ao bater o meu tronco
contra a parede.
— Sua imbecil — ele falou com um sotaque japonês bem carregado. — Você quebrou o
meu nariz.
Arrastei-me para longe dele, observei o seu rosto com sangue escorrendo pelas narinas.
— Quem sabe assim você não fica mais bonito — rebati com a voz trêmula.
Eu era idiota, idiota de irritar aquele brutamonte. O homem me segurou pelo cabelo e
bateu no meu rosto, segurei a vontade de chorar. Se eu fosse morrer, não iria implorar pela minha
vida, não para um monstro como ele.
O soldado puxou com força o meu cabelo, gritei de raiva e arranhei o seu rosto, fazendo
com que ele me jogasse no chão com violência.
— Sua desgraçada — ele rosnou. Tentei levantar-me e correr para longe daquele
monstro, para a minha liberdade, para a porta. Contudo, antes que eu conseguisse chegar perto
dela, o homem me segurou por trás e me prendeu contra a parede. — Você vai se arrepender de
ter feito isso.
— A única pessoa que vai se arrepender aqui é você, seu animal. — Ao falar isso, cuspi
no seu rosto.
O olhar de ódio que ele me lançou fez meu corpo estremecer.
Eu estava completamente perdida.
Tentei me soltar, mas suas mãos subiram pelo meu pescoço e o apertaram, era impossível
respirar, era difícil pensar, ou enxergar. Toda a minha visão estava escurecendo gradualmente
devido à falta de ar nos meus pulmões. Quando pensei não haver mais esperanças para mim, um
brilho prateado chamou a minha atenção.
Havia uma faca na parte de dentro da jaqueta daquele homem vil, que tolo, tudo que eu
precisava fazer era chegar mais perto dela.
— Muito linda — ele falou com o rosto próximo do meu pescoço. Ao senti-lo cheirar o
meu cabelo, estremeci de nojo. — Pena que é uma vadia italiana.
A aproximação dele me ajudou a segurar no cabo da faca, fechei meus olhos já perdendo
a força, eu precisava viver, eu não podia deixar as pessoas que eu amava para trás. Flashes das
minhas irmãs e de Luigi surgiram na minha mente, aquilo foi o suficiente para me dar força para
abrir os meus olhos. Segurei o cabo da faca como se a minha vida dependesse daquele objeto, e
dependia, a tirei devagar da jaqueta do soldado da Yakuza.
Quando ele percebeu o que eu pretendia fazer, já era tarde demais, pois eu já havia
enfiado a lâmina preta na sua jugular e o seu sangue, vermelho como vinho, escorreu pela minha
mão trêmula.
O aperto das suas mãos no meu pescoço se afrouxou e o soldado me soltou. Assim que
caí no chão, comecei a tossir em busca de ar. Os meus olhos se encontravam arregalados
enquanto eu observava o soldado cambaleando em direção à porta, gorgolejando em busca de
oxigênio.
Lutando para viver.
No entanto, eu sabia que aquilo era algo impossível para ele.
O soldado se ajoelhou e tombou para frente, completamente inerte e com os olhos sem
vida. Notei o seu sangue em minhas mãos e senti o pânico se instalar dentro da minha mente.
Tentei me limpar, mas quanto mais eu esfregava, mais o líquido carmesim se espalhava.
— Valentina? Meu Deus! — Ouvi alguém chamar o meu nome. Olhei para cima e vi
Luigi, o seu rosto estava com um corte na sobrancelha, o observei correr até onde eu estava e se
ajoelhar do meu lado. Os seus olhos estavam arregalados e cheios de preocupação. Seus dedos
tocaram o meu pescoço e a minha bochecha de leve, notei sua expressão de preocupação se
transformar em ódio quando os seus olhos encontraram o corpo do soldado caído no chão. —
Desgraçado.
— Lui… — mas não consegui concluir o que eu tinha para dizer, meu corpo começou a
tremer.
Senti meus olhos ficarem cheios de lágrimas e meu peito se apertar, antes que eu pudesse
perceber, eu havia me entregado ao pranto. Eu nunca havia tido uma crise de choro tão intensa
que me tornasse incapaz de conseguir respirar. Eu havia matado outro ser humano, eu estava
com sangue de uma pessoa tatuado em mim, uma mãe choraria pela perda do seu filho por culpa
minha. De maneira intensa, os primeiros sinais de uma crise de pânico me atingiram sem
piedade.
— Valentina — Luigi tocou na minha bochecha carinhosamente. — Olhe para mim, se
concentre na minha voz. — Tentei dizer que não conseguia, tentei dizer que abrir os meus olhos
seria algo impossível, eu não conseguia comandar o meu corpo, meus músculos estavam
sofrendo espasmos e tudo que consegui fazer foi gaguejar. — Amor, olhe diretamente para mim.
Aquela era a primeira vez que eu ouvia Luigi falar de maneira extremamente carinhosa.
Com muita dificuldade eu consegui abrir os meus olhos e olhar nos olhos de Luigi.
— Agora preciso que você inspire profundamente enquanto conto até quatro, combinado?
— Assenti em resposta, então inspirei e Luigi contou até quatro. — Agora segure esse ar que
você inspirou enquanto conto até quatro novamente. — E mais uma vez o obedeci. — Muito
bem, agora expire todo esse ar no seu pulmão enquanto conto até quatro.
Assenti. Por fim, fizemos esse exercício de relaxamento duas vezes seguidas, então
quando eu estava mais calma, caminhei até a pia e tentei limpar a minha mão, mas Luigi
gentilmente se aproximou de mim e começou a tirar todo aquele sangue dos meus dedos e pulso.
Só consegui pronunciar qualquer palavra depois que minhas mãos já estavam sem sinais do que
eu havia feito.
— O que aconteceu lá fora? — Perguntei num sussurro. — O que aconteceu com o seu
rosto?
E foi só naquele momento que Luigi percebeu estar machucado.
— Fomos atacados, mas os culpados já foram levados para interrogatório — ele
respondeu. — Valentina?
Olhei assustada para Luigi.
— Sim?
— Quem matou esse homem? — Ele perguntou suavemente.
Engoli em seco.
— Eu — respondi baixinho.
Luigi me aninhou no seu peito.
— Você fez o que era necessário — ele respondeu carinhosamente.
Neguei.
— Não importa, eu matei uma pessoa, Luigi — funguei.
Um suspiro escapou dos seus lábios.
— Isso é culpa minha — ele sussurrou frustrado. — Eu deveria proteger você sempre.
Olhei para Luigi e neguei com a cabeça.
— Não tinha como você saber que eu estava aqui — falei, ele secou uma lágrima que
escorria pela minha bochecha. — Não tinha como você prever que um ataque da Yakuza
ocorreria nesse jantar, você não é Deus, Luigi.
Ele deu um sorriso triste.
— Valentina…
— Shh! — Minha voz foi apenas um sussurro. — Pare de se culpar por tudo, eu vou ficar
bem e você também, e é isso que importa.
Luigi assentiu.
— Vamos para casa cuidar desse ferimento na sua sobrancelha — falei.
Aproximei os meus lábios do seu rosto e beijei sua bochecha carinhosamente. Luigi
assentiu novamente, então ele me aninhou no seu corpo e fomos para casa.

LUIGI

Assim que chegamos na nossa casa, Valentina segurou na minha mão e me levou em
direção ao nosso quarto.
Eu havia passado o trajeto todo me odiando, naquele momento eu ainda me odiava e eu
tinha a certeza de que me odiaria pelo resto da vida. Vê-la daquele jeito, caída e com sangue nas
mãos, tentando desesperadamente se limpar, tentando recuperar a própria inocência… aquilo me
deixou atordoado, nem mesmo quando matei a minha primeira pessoa fiquei tão mortalmente
doído como ocorreu ao vê-la naquele estado.
Naquele momento eu senti algo morrer dentro de mim, como se eu já não tivesse partes
mortas dentro de mim o suficiente.
Quando tudo aconteceu e o ataque começou…
Quando os tiros vieram e as pessoas começaram a correr e a gritar, tudo que eu conseguia
pensar era em Valentina e tirar ela dali, que se danasse os outros. Aquele pensamento me
assustou completamente, pois ele ia contra tudo que eu acreditava, ia contra todas as minhas
crenças.
Fui criado para cuidar do meu clã, para dar a minha vida a ele e me preocupar com todas
as pessoas que fizessem parte dele. Após ocupar o lugar do meu pai, eu deveria dar a minha vida
por toda a Camorra, mas naquele momento a única coisa que me importava era Valentina. E se
não fosse por Lorenzo, se não fosse ele gritando para eu retaliar com a minha arma, para eu
reagir, eu teria ido até as profundezas do inferno para salvá-la.
— Vamos limpar os seus ferimentos. — Valentina falou com um sorriso gentil nos
lábios.
A região da sua maçã do rosto estava ficando roxa, aquele desgraçado havia batido nela,
se ele já não estivesse morto iria sofrer de uma morte dolorosa, eu iria arrancar cada um dos seus
membros antes de acabar finalmente com a sua vida miserável.
— Você também está machucada — falei amargamente. — Não precisa se preocupar
comigo.
Valentina engoliu em seco.
— Luigi, matei um homem hoje, sei que se não fizesse isso eu seria morta, mas uma
pessoa morreu porque eu a matei e eu não consigo parar de pensar nisso. Então, me deixe fazer
algo para que eu me sinta melhor — ela falou com a voz tensa e cheia de dor.
— Você prec…
— Me deixe cuidar de você, por favor. — Valentina me interrompeu.
Seus olhos azuis estavam cheios de lágrimas que estavam firmes em não descer. Olhei
para aquela ragazza, pensativo.
Eu não poderia negar aquele pedido dela. Quando é que eu me tornei um homem fraco?
— Sou todo seu — falei.
Valentina se aproximou de mim com um algodão e o molhou com água-oxigenada, com
cuidado ela passou no corte próximo da minha sobrancelha. Eu havia lutado com um soldado da
Yakuza e ele tinha um bom gancho de direita e os únicos dois socos que aquele idiota me deu
conseguiu fazer um corte na minha sobrancelha.
Valentina finalizou com um curativo no corte, então senti suas mãos descerem até os
meus ombros e ficaram repousadas ali. A sua cabeça estava baixa e seus olhos estavam fixos em
seus pés.
— Fiquei com tanto medo de você ter sido baleado, de perder você para sempre — ela
falou baixinho.
Valentina levantou a cabeça e olhou para mim. Aquilo me acertou como um raio, os seus
olhos estavam cheios de confusão e de dor. Eu queria poder tirar toda aquela dor do seu coração,
queria ser bom para ela, decente.
Nunca me importei em ser uma boa pessoa para ninguém, até Valentina entrar na minha
vida. Até ela me olhar com aqueles olhos inquisidores e ser enfática ao dizer que não se casaria
com um monstro como eu. E naquele momento eu não quis ser um monstro, não quis deixar que
o meu lado cruel se revelasse perto dela.
— Fiquei com medo de você morrer — confessei. — Fiquei com tanto medo que nada
mais importava para mim, só você.
Seus olhos se arregalaram surpresos com a minha revelação.
— Luigi…
Toquei nos seus lábios e a impedi de continuar, eu precisava falar aquilo que eu estava
sentindo, eu queria que Valentina soubesse.
— Eu sempre fui fiel ao meu juramento, até hoje, até ter que escolher entre você e todo o
clã. E Valentina, eu escolheria você mil vezes se necessário fosse — conclui, levantando-me, e
toquei no seu queixo.
As costas das suas mãos tocaram a minha bochecha com ternura.
— Luigi — ela sussurrou com os olhos cheios de lágrimas. — Isso foi tão lindo.
Eu a queria tanto, principalmente naquela noite, principalmente após pensar que eu iria
perdê-la. Eu queria me certificar de que Valentina estava bem, estava viva, e estaria quente
debaixo de mim.
Entretanto, eu havia prometido cortejá-la, eu havia prometido fazer as coisas do jeito dela
e eu não queria magoá-la, não mais. Eu iria ser fiel ao meu juramento, iria ser fiel a ela, porque
não queria perder a minha ragazza.
Com toda a relutância do mundo, afastei-me de Valentina.
— Preciso ir — falei com a voz amargurada. — Se eu ficar posso te beijar e nunca mais
te soltar.
Caminhei até a porta, contudo a mão de Valentina segurou a parte de trás da minha
camisa, impedindo que eu saísse do quarto.
— Não vá. — Eu a escutei dizer. — Luigi, por favor, fique aqui essa noite, fique comigo,
porque…
Respirei fundo, sentindo aquelas palavras me tocarem mais do que eu imaginava.
— Por quê? — Eu a instiguei a continuar, eu precisava saber como aquela frase
terminava.
Valentina respirou fundo.
— Quero você — ela falou sem rodeios. Fiquei completamente estagnado, eu sequer
conseguia respirar. — Caramba, Luigi, eu escolhi esse vestido por sua causa.
— Por minha causa?
— É, na intenção de que você o tirasse essa noite.
Virei-me e encontrei os seus enormes olhos cintilantes.
Naquele momento percebi estar completamente perdido e senti que para sempre eu
estaria.
CAPÍTULO VINTE

Luigi virou-se com os olhos semicerrados.


— O quê? Valentina… — Sua voz era apenas um sussurro. Respirei profundamente, pois
sempre que ele pronunciava o meu nome, todas as coisas ao meu redor ficavam mais lentas e a
única coisa que eu conseguia enxergar com clareza era aquele homem. — Você quis dizer o que
penso que quis dizer?
Aproximei-me de Luigi.
— Eu disse… eu disse que escolhi esse vestido especialmente para você — falei
baixinho.
Seus olhos escuros como carvão brilharam de excitação. Passei a minha língua pelos
meus lábios, sentindo as minhas mãos tremerem com uma vontade absurda de tocá-lo, de enfiar
os meus dedos pelos seus cabelos escuros e me perder ali.
— E para qual finalidade você o escolheu? — Ele perguntou, me provocando. Luigi
aproximou-se de mim, diminuindo qualquer distância que poderia existir entre nós. O seu
polegar tocou a linha da minha mandíbula e eu notei que seus dedos também estavam trêmulos.
Eu podia ouvir as batidas do seu coração sincronizadas com as minhas.
— Para você tirá-lo — sussurrei.
Os seus lábios se transformaram num sorriso diabólico e o meu corpo tremeu em
expectativa.
— O seu desejo é uma ordem, signora Salvattore — ele murmurou. Luigi me pegou pela
mão e levou-me até o meio do quarto. As suas mãos deslizaram pelo meu corpo lentamente,
queimando a minha pele como se fossem brasas. Ele me parou de frente para o espelho e ficou
atrás de mim. Os nossos olhares se encontraram no reflexo do espelho. — Quero que você se
veja enquanto tiro o seu vestido, quero que você entenda porque sou louco por você. — Luigi
sussurrou com os lábios contra os meus cabelos. Senti meu corpo estremecer e um suspiro
escapar pelos meus lábios.
Seus dedos tocaram o zíper do meu vestido e o desceu lentamente. Céus, aquela
expectativa era como um castigo. Luigi abriu um pouco o vestido e desceu seus lábios pelas
minhas costas, a sua barba roçava contra minha pele, fazendo meu coração bater com mais força
dentro do meu peito. Fechei os meus olhos ao sentir seu dente morder a carne da minha cintura.
Aquele homem era realmente como um leão marcando a sua presa.
— Então, vamos tirar esse vestido, minha ragazza. — Ele voltou a ficar de pé e, ao passo
que deslizava a alça do meu vestido, seus lábios a acompanhavam com trilhas de beijos.
Beijos que conseguiriam eletrificar o mundo e me eletrificar. Quando as alças desceram
pelos meus braços e o vestido caiu aos meus pés, Luigi, que me observava pelo espelho, deslizou
sua língua pelos seus lábios enquanto seus olhos desciam lentamente e famintos pelo meu corpo.
Meu corpo ainda não estava nu, mas, com a exceção da calcinha, me encontrava
completamente exposta para Luigi. Eu sentia um fogo dentro de mim que poderia me consumir a
qualquer momento. Eu queria chorar, queria rir e eu não conseguia compreender o porquê. Além
disso, eu queria ser audaciosa, queria provocá-lo, testar o meu marido até o limite.
Respirei fundo, afastando para bem longe de mim qualquer pudor.
— Acho que você está muito vestido — falei com um sorriso.
Virei-me para Luigi e levei as minhas mãos trêmulas até os botões da sua camisa, mas
antes de abri-la eu o olhei nos olhos.
E que olhos.
Os seus olhos possuíam um calor, uma energia, que eu nunca pensei ser possível existir
em outro ser humano. Observei Luigi exalar baixinho o oxigênio que ele prendia e o movimento
da sua garganta ao engolir em seco. Deslizei a minha mão por seu peito até o cinto da sua calça,
Luigi negou com a cabeça, ergui as sobrancelhas.
— Hoje não — ele sussurrou e eu assenti.
Soltei a sua gravata e a joguei em cima da cama, então comecei a tirar os botões da
camisa de Luigi de suas casas e quando terminei o seu peito nu estava na minha frente. Meus
lábios clamavam para sentir o gosto da sua pele, para beijar cada uma das suas marcas, para amar
cada um dos seus machucados. Passei a camisa por seus ombros, a fazendo cair no chão, e
imediatamente os meus lábios encontraram sua pele morena. Beijei a sua clavícula e mordi o seu
ombro suavemente. Rocei os meus lábios e beijei carinhosamente cada uma das suas marcas,
cada pedacinho da sua história contada por aqueles sinais em seu corpo, mas quando eu tentei ir
até as suas costas, Luigi me parou.
— Valentina, minhas costas… Bom, elas não são…
Calei o que ele estava prestes a dizer com o meu dedo indicador no centro dos seus
lábios. Quando Luigi finalmente me soltou, virei-me para as suas costas e senti vontade de
abraçá-lo e chorar simultaneamente. Elas tinham marcas profundas de algum tipo de vara. Na
primeira vez que o vi nu, as marcas estavam lá, mas como eu estava de longe, não vi a imensidão
das suas cicatrizes.
Meus olhos se encheram de lágrimas e não por aversão aos seus machucados, mas pela
dor que eu sentia por aquele menininho que sofreu tanto, dor pelo homem parado na minha
frente, o homem que tinha meu coração em suas mãos. Enfiei os meus dedos em seus cabelos
escuros e fiz movimentos circulares neles, com os meus lábios beijei cada corte na sua pele, cada
marca de surra que ele levara quando era criança.
O seu gemido foi rouco.
— Suas costas são lindas — murmurei próxima do seu ouvido. — E eu jamais teria
repulsa disso, repulsa de você.
Luigi segurou o meu braço e me levou para frente, os seus olhos estavam cheios de
desejo, olhei confusa para ele.
— Sei que você quer me dar prazer, amor. — Sua voz estava com uma intensidade
responsável por fazer todos os pelos do meu corpo se arrepiarem. — Contudo, por agora vou
fazer isso, você não sabe o quanto esperei por esse momento e quantas noites passei imaginando
cada detalhe do seu corpo. — Ele pegou a cadeira que eu usava para me maquiar e colocou em
frente ao espelho. — Você não faz ideia do quanto eu me sentia culpado por te desejar mesmo
estando casado.
— Você me desejava… — Antes que eu pudesse concluir minha pergunta, Luigi me
interrompeu com os seus lábios roçando na pele quente do meu pescoço e me fazendo esquecer
como falar. Com a ponta dos dedos, ele inclinou minha cabeça para trás e beijou o meu queixo,
dando uma leve mordiscada que foi a culpada por enviar ondas de choque por todo o meu corpo.
— Sim, eu desejava você toda noite. — Sua voz foi apenas um sussurro próximo do meu
ouvido. — Eu desejava estar casado com você e possuí-la diariamente.
— Eu não fazia ideia — murmurei, mas como resposta, Luigi apenas sorriu.
Suas mãos deslizaram perigosamente pelo meu corpo e apertaram a minha bunda com
força, sua testa tocou na minha e seus lábios ficaram a centímetros de distância dos meus. O seu
hálito com cheiro de champanhe tocou o meu rosto e me embriagou com seu calor.
— Não me peça para ser carinhoso, não me peça para ser bonzinho, eu não sei se
consigo… — sua voz estava rouca, abri um sorriso malicioso e toquei seu queixo suavemente.
— Eu não sei se consigo com você, quero fazer tantas maldades com você, Valentina. — Luigi
finalizou, com seus olhos fixos nos meus.
Mordi meu lábio inferior.
— Então faça, não quero que seja bonzinho — sussurrei de volta. Deslizei minhas mãos
pelo seu peito nu, passando a minha unha provocativamente na sua barriga. — Eu não sou de
vidro, eu não vou quebrar.
Luigi engoliu em seco e deu um gemido rouco com o meu toque. Então ele deu uma
risada que me inundou de prazer.
E o inevitável aconteceu.
Seus lábios reivindicaram os meus, mas não com gentileza, Luigi estava faminto e eu
também. Aquele homem era como um soldado perdido no deserto e eu era a pessoa responsável
por acabar com sua sede. Nossas línguas tocaram-se uma na outra com sensualidade, o seu gosto
era pecaminosamente delicioso e o seu cheiro amadeirado era a perdição da minha moral. Luigi
era a minha ruína e eu me arruinaria por ele todos os dias da minha miserável vida.
Luigi capturou o meu lábio inferior com os seus dentes e o chupou enquanto o soltava,
então seus lábios fizeram uma trilha de beijos até o meu pescoço. Deslizei meus dedos para
dentro dos seus cabelos macios e os puxei lentamente. Ele roçou a sua barba no meu pescoço,
fazendo-me suspirar de prazer. Minha imaginação nunca chegaria aos pés de como era a real
sensação de tê-la roçando na minha pele, fazendo cada parte do meu corpo arder por aquele
homem.
Uma sensação boa de formigamento subiu pelo meu corpo ao sentir os seus dentes
roçarem na pele sensível do meu pescoço e o mordiscar levemente, fechei meus olhos ao senti-lo
fazer uma pressão e deixar uma marca na minha pele.
A marca de que eu era sua.
Gemi baixinho.
— Você é tão deliciosa. — Luigi murmurou com seus lábios na minha pele enquanto os
deslizava pela minha clavícula. Deixei escapar um suspiro pelos meus lábios. — Não vai ter uma
parte do seu corpo que eu não vá tocar hoje.
Luigi sorria como o próprio demônio e seus olhos tinham um brilho diabólico.
— Como você planeja fazer isso? — O provoquei, o fazendo rir baixinho.
— Bom, farei isso com a minha boca. — Ele beijou o vão entre os meus seios, fazendo
eu morder meus lábios para segurar outro suspiro. — Usar os meus dedos também é uma opção.
— Luigi murmurou, passando seu polegar em um dos meus mamilos, fazendo-me arquear as
costas de prazer. — Mas por que se limitar a apenas um, quando posso usar os dois? — Seus
lábios abocanharam um dos meus seios enquanto, com o seu polegar e o indicador, Luigi usava
para apertar levemente meu outro mamilo. Apertei os seus braços e dei um gemido rouco. —
Você gosta disso, Valentina?
Apenas tive forças para assentir, eu havia perdido a habilidade de falar, eu havia perdido
a capacidade de raciocinar, tudo que eu conseguia era sentir e ficar louca dentro da minha própria
pele. Tudo que eu sabia era que eu queria mais daquele homem, queria mais das suas mãos
habilidosas e dos seus beijos quentes. Luigi chupou o meu mamilo intumescido e o prendeu entre
os dentes, os seus lábios sugaram a minha aréola, fazendo com um que um calor se espalhasse
pelo meu corpo e se concentrasse entre as minhas pernas.
Céus, como eu o queria ali, e como se ele lesse meus pensamentos, suas mãos desceram
perigosamente pela minha barriga até a minha calcinha, os seus dedos se prenderam no elástico e
Luigi o puxou, soltando-o contra o meu quadril. O atrito contra a minha pele só fez tudo ficar
sexy e muito mais gostoso.
— Minha imaginação não chega aos pés da realidade que é te tocar e te beijar — ele
falou com os seus lábios deslizando pela minha barriga, então Luigi se ajoelhou na minha frente.
Abri os meus olhos e encontrei os seus olhos brilhando para mim, os seus lábios formavam um
meio sorriso adoravelmente sexy. Suspirei e toquei o meu polegar em seus lábios, ele chupou o
meu dedo, mordendo levemente na ponta. — Senta na cadeira, Valentina.
Havia algo sensual no seu jeito autoritário, por isso sentei-me muito agradecida, pois as
minhas pernas não iriam conseguir me apoiar por muito tempo, os seus toques a reduziam a
nada. Meus ossos simplesmente se transformavam em líquido quando seus lábios tocavam minha
pele.
Luigi se acomodou entre as minhas pernas e colocou uma delas em cima do seu ombro.
Com o meu coração batendo mais forte dentro do meu peito, eu suspirei. Os seus lábios beijaram
a parte sensível da minha coxa enquanto deslizava a calcinha pela minha bunda, levantei o meu
quadril e ele terminou de me despir.
Pela primeira vez eu estava completamente nua na frente de um homem, não um homem
qualquer, mas sim de Luigi, e eu não conseguia entender o que estava sentindo, não fazia ideia
de como descrever cada um dos meus sentimentos, mas era algo surreal.
Os seus lábios fizeram uma trilha de beijos até a minha virilha, aquele homem não me
beijava, ele colocava fogo sob a minha pele, me deixava eletrificada com o toque dos seus lábios
macios. Quando pensei que nada pudesse ser mais incrível, Luigi me beijou onde ninguém nunca
havia me beijado antes. A sua língua me reivindicou como sua de uma maneira que achei
impossível de existir.
Era bom, era intenso e me perguntei se eu sairia daquilo viva.
Arqueei o meu corpo e escorreguei para a ponta da cadeira, envolvi seus cabelos escuros
com as minhas mãos e o puxei para mais perto de mim, eu queria mais dele, eu precisava mais de
Luigi, eu o queria dentro de mim, como eu queria.
Ele sorriu de maneira predatória.
— Você quer mais? — A sua pergunta foi apenas um sussurro rouco e eu assenti
freneticamente.
Luigi deu uma risadinha e me tocou lentamente na minha intimidade. Eu sentia que algo
estava criando vida dentro de mim, mas quando ele introduziu seu dedo dentro de mim, eu pude
ter certeza. Meus olhos se arregalaram e dei um gemido onde revelava tudo que eu estava
sentindo. Os seus movimentos eram lentos, mas iam aumentando, o que me deixava mais louca,
mais desejosa e faminta. Nos ver pelo espelho não abrandava muito as coisas, na verdade,
tornava tudo mais intenso, mais obscuro.
Engoli em seco e deslizei as minhas mãos pelo meu corpo, eu não sabia o que estava
fazendo, só estava seguindo o que o meu instinto mandava. Toquei com as pontas dos dedos os
meus mamilos e os apertei, Luigi me observava fascinado, ele gostava de me ver me tocar e eu
gostava de provocá-lo. Deslizei as minhas mãos pela minha barriga e subi novamente para o meu
mamilo.
Luigi mordeu os lábios e gemeu rouco, então me tocou no clitóris e aquele foi meu fim,
eu me senti próxima da beirada de um penhasco e eu tinha certeza de que seria jogada de lá.
Arqueei os meus quadris e fiquei nas pontas dos pés. Quanto mais os meus gemidos se
tornavam altos e intensos, mais ele aumentava a fricção no meu clitóris e a velocidade de seus
dedos dentro de mim. Luigi não estava sendo bonzinho, como havia dito, e eu estava adorando.
Quando pensei que não aguentaria mais, ele parou de me tocar, olhei para Luigi confusa,
irritada e pronta para obrigá-lo a voltar ao que estava fazendo, contudo, um sorriso se formou nos
seus lábios.
— Agora você está pronta para mim — ele falou e eu engoli em seco.
Luigi se despiu numa velocidade surpreendente e o seu corpo foi capaz de me
surpreender pela segunda vez. Ele era maravilhoso, não havia palavras para descrever a sua
magnitude, minha boca se encheu de água e decidi que precisava prová-lo.
Luigi me pegou no colo e eu envolvi sua cintura com as minhas pernas, quando ele me
levou para cama, foi gentil ao me deitar e cobrir o meu corpo com o seu. Era a primeira vez que
eu sentia a sua pele tocando na minha e era perfeito, era a sensação mais deliciosa que eu já
havia sentido.
Era gostoso ter os meus seios apertados contra o seu abdômen.
— Você é linda e finalmente minha. — Luigi sussurrou tocando a minha bochecha.
Aquelas palavras me tocaram profundamente e de repente meus olhos se encheram de
lágrimas e eu entendi que, a partir daquele momento, a minha alma se uniria com a de Luigi para
sempre e estaríamos ligados por toda eternidade.
— Por que está chorando? Falei algo que te magoou? — Luigi perguntou amorosamente,
seu polegar secou uma lágrima teimosa que rolou pela minha bochecha.
Neguei com um sorriso.
— Não são lágrimas de tristeza, estou feliz de ser sua esposa — murmurei.
Ele deu um sorriso e beijou a pontinha do meu nariz.
— Sou feliz de tê-la como minha moglie — disse suavemente. — Mas sou mais feliz
ainda por ser completamente seu.
Assim que as palavras saíram da sua boca, seus lábios encontraram os meus
carinhosamente, Luigi estava mostrando com seu beijo que éramos um do outro. Suas mãos
tocaram cada parte do meu corpo, até uma delas parar perto da minha intimidade. Antes que eu
pudesse entender o que estava para acontecer de novo, seus dedos tocaram-me, como eu já
estava sensível, fiquei excitada de imediato.
— Isso é tão bom — sussurrei com os meus lábios colados nos seus. Luigi deu uma
risadinha.
— Vou entrar em você agora, seu corpo está pronto para mim, mas talvez doa, talvez não,
contudo farei o meu melhor para que não doa, ouviu, Valentina? — Ele falou com o rosto
próximo do meu, assenti em resposta
Eu queria fingir que estava tudo bem, mas meu corpo ficou tenso ao imaginar se doeria,
felizmente Luigi percebeu, então ele voltou a me estimular com seus dedos. Quando já estava
difícil prestar atenção em qualquer outra coisa e meu corpo ansiava por mais, Luigi abriu mais as
minhas pernas e se encaixou próximo da minha entrada, os seus lábios beijaram os meus
carinhosamente quando ele entrou um pouco e eu senti meu coração bater acelerado no meu
peito.
— Você é tão apertada, tão deliciosamente apertada. — Sua voz estava tensa. Deslizei as
minhas mãos pelas suas costas e subi lentamente, apenas com a ponta dos meus dedos, tocando
suavemente. — Não faça isso, Valentina, meu autocontrole está por um fio de arrebentar e eu me
enterrar em você sem compaixão alguma. — Luigi deu uma risada.
Senti o meu corpo todo se esquentar ao imaginar aquilo e eu percebi que eu queria mais
do que tudo que ele não me tratasse como porcelana, eu queria que Luigi se perdesse dentro de
mim, assim como eu queria me perder por completo nele.
— Faça isso, faça! — Eu ordenei, ofegante.
Ele olhou para mim com completa adoração.
— Aqui é você quem manda, minha signora. — Luigi murmurou.
Então, sem delicadeza alguma, ele se enterrou em mim por completo, éramos um só
naquele momento e a sensação foi indescritível. Um grito de prazer escapou pelos meus lábios,
mas Luigi ficou todo tenso e ficou sem se movimentar. Estava começando a arder, mas algo
dentro de mim dizia que se ele se mexesse a dor sumiria.
— Continue — sussurrei.
Luigi assentiu e os movimentos do seu quadril foram aumentando lentamente, chegando
ao ponto de balançar a cama. Ergui meus quadris querendo mais, eu precisava de mais, ele
percebeu o que eu queria, por isso enfiou as suas mãos debaixo da minha bunda e a apertou, me
trazendo para mais perto do seu corpo, se é que isso era possível.
Deslizei as minhas mãos pelas suas costas cravando as minhas unhas nelas. Fechei os
meus olhos entregando-me aquele momento, eu sentia que logo me desintegraria em milhões de
estilhaços.
Nossos corpos estavam suados e nossas peles roçavam uma na outra, o nosso cheiro era
um só. As mãos de Luigi se fecharam no meu pescoço de uma forma deliciosa, apenas dei um
sorriso, pois os meus olhos já não me obedeciam e quando pensei que não iria aguentar mais, que
era o fim, a onda de prazer veio e tomou conta do meu corpo. Com um grito e com as pernas
trêmulas me entreguei ao meu clímax, mordi os meus lábios enquanto sentia todo o meu corpo
tremer de excitação.
Tentei retomar a minha respiração, mas Luigi estava quase chegando no seu clímax, seus
movimentos se tornaram mais selvagens e ele se enterrava em mim com muita força. Seu rosto
estava com uma expressão linda, as veias do seu pescoço estavam dilatadas e os seus olhos
fechados, seus dentes mordiam com força os seus lábios generosos.
Com um urro ele se enterrou com mais força e explodiu dentro de mim, o seu corpo caiu
exausto em cima do meu. Beijei delicadamente seus cabelos e afundei meus dedos nos fios
macios e escuros. Nossas respirações estavam aceleradas e ofegantes, éramos um emaranhado
delicioso de pernas e braços.
— Meu Deus, Valentina! — Luigi sussurrou enquanto se deitava do meu lado e me
abraçava contra o seu corpo. Uma risada escapou dos meus lábios e deslizei o meu indicador no
seu peito musculoso. — Deus deve me amar muito.
Olhei curiosa para ele, notei que Luigi estava de olhos fechados e a sua respiração ainda
estava ofegante. O que ele queria dizer com aquilo?
— Por quê? — Perguntei rouca.
Depois de alguns segundos, Luigi finalmente respondeu.
— Para me dar uma mulher como você, tão deliciosa, só sendo o preferido de Deus. —
Ele respirou fundo.
Suspirei, encostando a minha bochecha no seu peito, com os olhos fechados, perguntei:
— Acabou?
Senti o corpo de Luigi tremer debaixo de mim em uma risada baixa.
— Você quer que tenha acabado? — Ele perguntou, me provocando.
Um sorriso malicioso se formou nos meus lábios.
— Não.
Luigi deslizou as mãos pela lateral do meu corpo e parou na minha coxa, seus dedos
apertaram a carne macia da minha perna.
— Então tem mais, muito mais.
Ergui as sobrancelhas.
— E isso seria quanto? — Foi a minha vez de provocá-lo.
Luigi apertou-me contra o seu corpo e beijou o topo da minha cabeça.
— Uma vida inteira.
Mordi os meus lábios e sequei disfarçadamente uma lágrima teimosa que escorreu pela
minha bochecha.
Eu aguardava com expectativa aquela vida.
CAPÍTULO VINTE E UM

Acordei com os raios de sol batendo no meu rosto.


Os braços fortes de Luigi estavam envoltos na minha cintura em um abraço protetor e a
minha cabeça estava repousada no seu peito, encostei meu queixo nele e olhei o seu rosto,
sentindo um sorriso se formar nos meus lábios.
A noite anterior havia sido a mais incrível de todas as formas, as sensações que eu havia
sentido — mais de uma vez — era… era tão surreal. Luigi definitivamente era um mágico que
fazia grandes truques de mágica com seus dedos. Mordi meu lábio inferior, deixando a minha
imaginação voar para longe. Como eu havia adiado aquela noite por tantos dias? Eu não saberia
dizer.
Ali, nos braços de Luigi, eu tive a certeza de que eu era a única mulher nos seus
pensamentos e eu acreditava que um dia no seu coração, na noite anterior, percebi que ele
poderia me amar um dia.
Senti o seu aperto aumentar na minha cintura e notei que os seus olhos estavam
semiabertos e Luigi me olhava com carinho, mas também havia alguma outra coisa ali que eu
não saberia identificar.
— Como você está? — Ao falar, notei que sua voz estava rouca.
Abri um sorriso.
— Um pouco cansada, mas me sentindo adorável — falei com uma risada.
Luigi tocou a minha bochecha carinhosamente e riu baixinho.
— Vou me certificar de fazê-la acordar assim todos os dias — ele murmurou. Senti todo
o meu corpo esquentar com a sua declaração. — Mas um pouco de exercício vai te fazer ficar
mais animada, e já até sei que exercício vai te ajudar a começar o dia bem.
Luigi pegou uma mecha do meu cabelo e enrolou no seu dedo indicador. Ergui as
sobrancelhas, maliciosamente, ao que parece, os bêbados no nosso casamento não mentiram
sobre o fato daquele homem ser insaciável.
— Que exercício? — Perguntei com um sorriso.
— Antes que a sua mente poluída vá achando que é sexo, não é, embora eu adoraria essa
hipótese, mas ontem enquanto você dormia cheguei a uma conclusão. — Luigi de repente ficou
tenso.
Franzi a minha testa curiosa, o que ele estava aprontando?
— Que conclusão?
— Eu nem sempre vou estar por perto quando acontecer um ataque e, por Deus,
Valentina, eu não sei se suportaria perder você — ele falou com um olhar sombrio, notei que
Luigi havia engolido em seco, eu também. O meu coração batia forte só de pensar na
possibilidade de reviver o que havia acontecido no jantar.
— Eu também não sei se suportaria te perder — murmurei, o fazendo beijar minha testa.
Luigi suspirou.
— O que nós dois temos é completamente diferente do que eu sequer sonhei em ter com
a Antonella, por isso acho melhor treiná-la, porque quero que você esteja preparada — ele falou
enquanto beijava com carinho a minha mão. — Se eu estiver por perto, eu darei a minha vida
para salvá-la, mas se eu não estiver, quero que arrebente a cara daqueles desgraçados.
Suspirei, surpresa com aquela declaração. As mulheres não eram treinadas na máfia, elas
eram tratadas como porcelana e quando acontecia um ataque tínhamos que torcer para um
homem nos salvar.
E isso era tão nojento.
— Ah, Luigi — murmurei.
Aproximei minha boca da sua e o beijei carinhosamente, o meu coração estava prestes a
explodir. Eu não queria amá-lo, não podia sentir isso por aquele homem, mas era tão difícil
quando ele me olhava daquela forma ou quando Luigi me enxergava com outro ser humano
semelhante a ele, alguém com capacidade de cuidar de si. Era difícil não o amar quando ele não
me via uma máquina de gerar bebês, mas sim como sua esposa, sua companheira.
— Eu topo, quando começamos? — Perguntei com um sorriso brincalhão nos lábios.
Luigi deslizou o dedo pela lateral do meu rosto.
— Eu queria muito dizer amanhã e passar o dia com você na cama, mas quanto mais
rápido começarmos a treinar, mais rápido você vai conseguir se defender. — Ele deu um suspiro
cansado. — Então, respondendo a sua pergunta, vamos começar depois do café.
Assenti, me sentindo ansiosa para dar os meus primeiros socos e chutes, contudo, eu
estava ansiosa por outra coisa também. Passei minha perna pelas dele e ergui meu corpo sobre o
seu, sentando-me no seu colo, Luigi segurou-me pela cintura com força.
Seus olhos negros deslizaram dos meus lábios e pararam até os meus seios.
— Sabe, eu preciso de um banho e você também — falei com um sorriso malicioso nos
lábios.
Luigi ergueu as sobrancelhas escuras e sorriu cheio de desejo.
— É verdade — ele murmurou, sentando-se na cama e me acomodando no seu colo, eu
podia sentir o seu membro no meu ventre. — Acabei de me lembrar que antes de treinar você
precisa se alongar.
Meu corpo estremeceu quando a mão de Luigi segurou os meus cabelos na nuca e
inclinou a minha cabeça para trás, meus dentes cravaram-se no meu lábio inferior.
— Que tal se eu começasse a me alongar ali dentro? — Perguntei, apontando para o
nosso banheiro, fazendo Luigi dar uma risada rouca no meu ouvido. Seus lábios passavam
suavemente pelo meu pescoço, provocando arrepios no meu corpo, suspirei quando senti seus
dentes morderem a ponta da minha orelha.
— Acho uma excelente ideia — ele murmurou, colando seus lábios nos meus.
Suas mãos me seguraram firmemente contra o seu corpo quando sua língua entrou pelos
meus lábios entreabertos, suspirei ao sentir o tapa na minha bunda. Envolvi o pescoço de Luigi
com o meu braço e deslizei os meus dedos pela sua nuca, o trazendo para mais perto de mim.
Luigi afastou os lábios só para sussurrar:
— Ninguém me avisou que você seria insaciável.
Ergui as sobrancelhas, com um sorrisinho nos lábios.
— Isso por acaso é uma reclamação? — Questionei, mas como resposta, Luigi deslizou
sua mão pela lateral dos meus seios, provocando uma onda de excitação pelo meu corpo.
— De maneira alguma — ele respondeu.
Seus lábios novamente encontraram os meus e, como sempre, Luigi me reduziu a
suspiros e gemidos apenas com o toque dos seus lábios nos lugares certos. Sem que eu
percebesse, ele havia me deitado na cama e já estava por cima de mim, muito bem acomodado
entre as minhas pernas. Eu conseguia sentir seu membro se esfregando na minha intimidade a
cada movimento de Luigi.
A sua mão acariciava, apertava e beliscava a parte inferior e exterior da minha coxa.
Quando a sua língua estava deslizando tentadora pelo meu pescoço, Luigi sussurrou no meu
ouvido:
— Sabe, eu acho que talvez seja melhor a gente fazer alongamento aqui mesmo.
Um sorriso malicioso surgiu no meu rosto e eu assenti.
Era a única coisa que eu conseguia fazer, afinal.

— O primeiro e mais básico golpe do kickboxing é o Jab. — Luigi falou. Tentei não
babar no meu marido vestido de calção e camiseta cavada, ele estava muito lindo. — Para
começarmos, você vai colocar a sua perna dominante na frente. — Coloquei a minha perna
direita na frente.
Luigi sorriu para mim.
— Assim? — Perguntei.
— Isso, agora fecha as suas mãos como se você fosse socar a cara de alguém. —
Obedeci. Luigi veio por trás de mim e segurou um dos meus braços. — Esse vem na frente e esse
vem atrás. — Ele segurou o outro braço.
Engoli em seco com a sua proximidade. Eu simplesmente não conseguia tirar da minha
mente o nosso “alongamento” antes do café da manhã, seria sempre tão surpreendente assim?
Havia sido ainda melhor do que na noite passada.
— O que faço agora? — Perguntei apenas para mudar meus pensamentos impróprios.
— Você sempre vai levar um braço enquanto o outro permanecerá no mesmo lugar,
entendeu? — Diante da sua pergunta, eu assenti.
Luigi ficou na minha frente e ficou na mesma posição que eu.
— Vamos ver como você se sai — ele falou com um sorriso brincalhão nos lábios. —
Lembre-se, as suas pernas vão permanecer no mesmo lugar, o que você movimenta é o seu braço
mais a frente, ou seja, sua mão direita.
— Certo. — Suspirei, percebi que Luigi estava esperando eu atacá-lo com o golpe. —
Você tem certeza?
— Sim, não se preocupe, amor — ele falou com um sorriso.
Respirei fundo, me preparando para o ataque.
— É para ir com força ou de leve?
Luigi me olhou, pensativo.
— Pode ir com toda a sua força, é bom para vermos o quão forte você é — ele disse, mas
diante do meu receio, Luigi deu uma risada e acrescentou: — Tenho certeza que aguento o seu
soco. — Ergui as sobrancelhas, que idiota. Respirei fundo e treinei algumas vezes no ar, então
olhei para o idiota do meu marido, para o seu queixo perfeito, e pensei no quão bom seria acertá-
lo bem ali. — Vamos, querida, você consegue. — Luigi falou condescendente.
Franzi a testa, não gostando nenhum pouco do seu tom de voz e mirei no seu queixo.
Contudo, quando o ataquei com toda a força que eu tinha, minha mão não acertou a linha da sua
mandíbula, mas sim o seu nariz. Arregalei os olhos quando ele colocou as duas mãos no rosto e
começou a xingar.
— Meu Deus! — Fui até Luigi, mas seu orgulho ferido me impediu.
— E eu achando que você era fraquinha — ele retrucou tocando na região abaixo do
nariz em busca de sangue, eu também estava perplexa com a minha força. — Você quase
quebrou o meu nariz, Valentina.
Tentei segurar a risada, mas foi impossível. Sempre que eu ficava nervosa com alguma
situação eu começava a rir, felizmente a dor não fez Luigi ficar irritado com a minha crise de
riso.
— Desculpa — falei tentando me recompor. — Mas você disse aguentar a minha força.
Luigi se aproximou de mim e beijou o topo da minha cabeça.
— Não se preocupe, moglie, a culpa não foi sua, eu disse para você ir com toda a força, a
culpa é minha — ele falou gentilmente. — Bom, com esse soco no meu nariz, tenho pena da
pessoa que quiser te machucar.
Luigi deu uma risada. Dei um sorriso com a sua declaração, olhei com atenção para o seu
nariz e percebi que ele estava vermelho.
— Está doendo? — Perguntei.
Luigi deu um sorriso.
— Está tudo bem, vamos treinar mais uma vez, mas dessa vez no boneco.
Aproximei-me dele e toquei suavemente próximo do seu nariz.
— Como faço para recompensar o soco? — Ao ouvir minhas palavras, Luigi sorriu
maliciosamente. Suas mãos envolveram minha cintura aproximando meu corpo do seu.
— Tenho várias ideias de como você pode me recompensar mais tarde — ele falou num
sussurro, dei uma risada e passei meus braços pelo seu pescoço.
— É mesmo?
— Sim, algumas envolvem chocolate. — Luigi disse, beijando a minha testa, ergui as
sobrancelhas e mordi meu lábio inferior pensando no que me aguardava.
— Hum — murmurei com um sorriso.
— Isso é um sim? — Ele perguntou deslizando as mãos pela lateral do meu corpo, dei
uma risada e me afastei, caminhando até o boneco de plástico.
— Isso é um: vamos treinar — falei colocando as mãos na posição que Luigi havia me
ensinado.
Contudo, eu não consegui esconder o sorriso ao ouvi-lo gemer de frustração.
CAPÍTULO VINTE E DOIS

Após passarmos longas horas da nossa manhã treinando, finalmente voltamos para o
nosso apartamento. Eu me sentia faminta e comeria um leão se possível, mas antes eu precisava
de um banho.
— Preciso de um banho e de muita comida, estou faminta — choraminguei.
Luigi deu um sorriso.
— Que surpreendente, eu preciso de um banho também, o que você acha de eu te dar um
banho? — Ele ficou por trás de mim e passou as mãos pela minha cintura.
Ergui as sobrancelhas sentindo um calor passar por todo o meu corpo, eu iria amar,
adorar.
— Acho uma excelente ideia.
— Ótimo, me encontre no banheiro em dez minutos. — Luigi beijou meu pescoço e se
afastou de mim, o observei subir as escadas na direção do nosso quarto e engoli em seco, com
grandes expectativas.
Assim que os dez minutos se passaram, fui até o nosso quarto. Quando entrei no banheiro
tive uma surpresa maravilhosa. Luigi havia enchido a banheira com água e espuma, o cheiro de
lavanda era maravilhoso e inundava todo o banheiro. Ele também havia colocado uma música
baixa, mas muito sensual, e claro, havia duas taças cheias de vinho.
Quando os meus olhos encontraram os de Luigi, que estava sentado na banheira, ele me
chamou com o indicador. Tirei toda a minha roupa ficando nua e entrei na banheira, sentando-me
de frente para Luigi. Os seus olhos brilhavam com luxúria e eles eram a coisa mais quente em
todo aquele lugar.
— Eu não me canso de dizer o quanto você é linda. — Luigi falou enquanto me
entregava uma das taças cheias de vinho, bebi um pouco do líquido e passei a língua pelos
lábios, notei um gemido rouco vir de Luigi. — Seus lábios me excitam demais.
Eu simplesmente estava sem reação, não conseguia pronunciar uma única palavra.
Com dificuldade, falei:
— É mesmo?
— É, eles sempre me excitaram, era muito difícil manter sua boca longe da minha
quando estávamos juntos — ele disse.
Engoli em seco.
— Então, por que você quis que eu implorasse por um beijo? — Sussurrei. Eu me
encontrava hipnotizada pelo seu olhar.
Luigi se aproximou de mim e a água balançou com o movimento, senti suas mãos na
cintura e seus dedos fazerem movimentos circulares na minha pele, uma onda de prazer tomou
conta do meu corpo.
— Porque eu queria que você me desejasse tanto quanto eu te desejo. — Sua voz estava
rouca. — Valentina, a minha pele arde de desejo por você e o seu cheiro me deixa maluco. —
Luigi subiu os dedos pelo meu ventre, engoli em seco.
Estremeci com suas carícias.
— Mas eu te desejo, Luigi, todo o meu ódio por você sempre foi desejo, atração — falei
num sussurro.
Seus olhos brilharam ainda mais com a minha confissão e os seus lábios se
transformaram num sorriso malicioso.
Suas carícias no meu ventre subiram até a região entre os meus seios e suas mãos
seguraram meu pescoço de leve. Fechei os meus olhos e joguei instintivamente a cabeça para
trás, senti então um líquido gelado no meu mamilo, abri meus olhos e vi que Luigi estava
derramando um pouco da sua bebida no meu seio.
Arfei de prazer ao sentir os seus lábios abocanhar aquela parte sensível do meu corpo.
Luigi sugou todo o líquido e mordiscou de leve a minha pele, os seus olhos estavam fixos em
mim. Ele passou para o outro mamilo e eu mordi o meu lábio na tentativa de abafar o meu
gemido, até onde eu sabia, Rosa e Sandro deveriam estar em casa. Minha mão tocou trêmula os
fios negros dos seus cabelos e eu afundei meus dedos ali.
— E eu achando que você não poderia ficar mais gostosa do que já é. — Luigi deu uma
risada.
De maneira provocativa, ele passou a ponta da língua lentamente no meu mamilo de novo
e de novo. Eu estava completamente excitada e com as unhas cravadas na borda da banheira.
Luigi afastou-se um pouco de mim e seus olhos estavam fixos nos meus.
— Agora vou te dar um banho, senta de costas para mim. — Assenti e o obedeci com
dificuldade, eu ainda sentia o meu corpo agitado com suas carícias. Quando me sentei, eu senti o
seu membro quente e grosso nas minhas costas, mordi meu lábio inferior. — Vou lavar seu
cabelo — ele murmurou.
Senti a água molhar os fios do meu cabelo, escorrer pelos meus ombros e descer pelas
minhas costas.
— Isso é tão bom — falei.
Luigi deu uma risada baixa, então seus lábios aproximaram-se do meu ouvido e ele disse:
— Nos meus sonhos mais selvagens, eu e você transávamos bem aqui, sabia? — Suspirei
ao ouvi-lo enquanto massageava meu couro cabeludo, a sensação era prazerosa e fazia o meu
corpo todo arder de paixão. — Sabia, Valentina?
— Não — falei com dificuldade. — E se tornássemos esses sonhos realidade? — O
provoquei.
Luigi deu uma risada, então senti seus lábios fazerem uma trilha de beijos pelo meu
pescoço até entre as minhas omoplatas, fechei meus olhos e dei um suspiro alto. Ele terminou de
lavar o meu cabelo e passou a esponja pelas minhas costas, Luigi subia e descia lentamente por
toda a extensão dela, apertei a borda da banheira até os nós dos meus dedos ficarem brancos.
— Agora preciso ensaboar você na parte da frente, amor — ele falou e eu assenti.
Luigi me ajudou a levantar e me sentar de frente para si, as suas mãos seguraram minhas
pernas e a passaram pela sua cintura, eu estava praticamente sentada no seu colo. Lentamente,
ele começou a passar a esponja pelo meu pescoço devagar e a descê-la até minha barriga, o seu
olhar estava grudado nos meus. Luigi subiu com a esponja novamente e passou pelos meus seios,
de maneira demorada nos mamilos. Não consegui conter o gemido, pois a fricção enviou
pontadas de prazer por todo o meu corpo, se concentrando principalmente entre as minhas
pernas.
— Meu Deus! — Arfei baixinho.
Luigi mordeu o lábio inferior.
— Você gosta disso?
Assenti de maneira frenética.
Ele deu uma risada, olhei para baixo e percebi que o meu mamilo marrom estava
completamente cheio de espuma. Com um sorriso malicioso, Luigi o apertou com a esponja
novamente, fazendo eu arquear as minhas costas e me segurar firmemente na borda da banheira.
As suas sobrancelhas escuras se levantaram e Luigi desceu a esponja até a minha intimidade.
— Luigi — gemi baixinho ao sentir o toque da esponja ali.
Sua postura mudou completamente e ele parecia um leão ansioso para comer a sua presa.
— Você fica tão deliciosa quando começa a gemer, mas quando geme meu nome, céus,
Valentina, você me deixa louco de tesão. — Ao ouvi-lo eu sorri maliciosamente e aproximei
meus lábios do seu ouvido.
— Luigi. — Um gemido rouco saiu dos meus lábios apenas para ele ouvir.
Luigi deslizou a esponja pela minha coxa devagar, de maneira a me deixar enlouquecida.
De repente a esponja foi esquecida e os seus dedos roçaram na minha entrada, as batidas no meu
peito estavam tão fortes que eu duvidava que aquele fosse um simples coração humano. Seus
olhos diabólicos estavam vidrados em mim, Luigi me pegou pela cintura e me sentou na borda
da banheira, minhas pernas se acomodaram nos seus ombros, um calor criou vida no meu ventre
quando seus lábios encontraram a pele sensível da minha cintura e desceram até a virilha.
Era uma sensação indescritível, eu sentia que o meu corpo se estilharia em milhões de
pedaços e se regeneraria só para sentir o seu toque novamente.
Engoli um grito quando os seus lábios me beijaram na região entre as minhas pernas, toda
a língua de Luigi deslizou lentamente pela minha intimidade enquanto as suas mãos passeavam
pela parte interna da minha coxa. Aos poucos, ele ia acelerando as pinceladas da sua língua
quente e molhada no meu clitóris, cada vez mais aproximando seus dedos da minha entrada.
Fechei os meus olhos e me permiti gemer, eu não estava mais raciocinando, todo o meu
pudor havia ido embora e tudo que eu queria era mais de Luigi, mais dos seus toques, mais da
sua língua, mais dele. Por isso, coloquei meu cotovelo no chão do banheiro e inclinei meu corpo
para trás, apoiando-me nos meus braços. Levantei meus quadris em busca de mais, comecei
instintivamente a rebolar nos lábios de Luigi.
— Caramba, Valentina! — Ele falou com a voz rouca.
A sua língua começou a fazer movimentos circulares no meu clitóris no mesmo instante
em que deslizei minhas mãos pelo meu seio, passei a ponta do indicador na aréola e fui
aproximando lentamente do mamilo. Ouvi o gemido rouco de Luigi e olhei para ele, como
sempre meus toques em mim mesma o deixavam louco de excitação. Seus dedos me penetraram
lentamente enquanto friccionava seu polegar no meu clitóris cada vez mais rápido.
E tudo virou sons de gemidos e dos seus dedos batendo com força na minha entrada, eu
estava enlouquecendo e quase chegando no meu limite quando Luigi tirou seus dedos de dentro
de mim e me sentou no seu colo.
E eu vi a glória, avistei o paraíso e o inferno, tudo junto.
Seus lábios beijaram meu pescoço enquanto eu cavalgava no seu membro, suas mãos
guiavam a minha cintura, mas eu não precisava, eu estava seguindo os meus instintos, me
aprofundando mais em Luigi, eu queria ele todo dentro de mim. Uma das mãos de Luigi subiram
pela lateral do meu corpo e tocaram no meu mamilo, os meus braços envolveram seu pescoço e
eu joguei meu pescoço para trás.
Éramos uma confusão de corpos, uma mistura de peles e de cheiro, seus lábios não se
contentavam em beijar apenas o meu pescoço, como também minha boca. E conforme
avançávamos em direção ao nosso clímax, ao nosso limite, nós ficávamos mais rápidos, mais
selvagens.
Mais intensos.
A minha respiração ficou acelerada e sôfrega e minhas pernas não me obedeciam mais,
elas estavam trêmulas e todo o meu corpo parecia querer entrar em combustão. Os dedos de
Luigi apertavam com tanta força a minha cintura, que provocou uma dor deliciosa.
Arqueei as minhas costas e gritei me entregando ao meu clímax, alguns segundos depois
Luigi também chegou ao seu limite e com um gemido doloroso ele irrompeu dentro de mim.
Nossas testas se tocaram e eu fechei meus olhos tentando lembrar como respirar novamente.
— Você... você é maravilhosa. — Luigi falou, após respirar fundo.
Uma risada saiu dos meus lábios. Eu não tinha ideia de onde eu havia conseguido força
para rir, pois sequer consegui abrir meus olhos.
— Nós somos, querido — murmurei, cansada. — Nós somos.
CAPÍTULO VINTE E TRÊS

Eu e Luigi estávamos nos entendendo muito bem.


Os seus dias eram reservados para os negócios do clã e os meus dias eram reservados
para todos os tipos de treinamento. Sandro finalmente havia me desculpado e agora passamos
nossas tardes lutando. Entretanto, a minha noite era reservada a Luigi e ele sempre conseguia me
levar à mais completa insanidade com os seus beijos e os seus toques.
Depois de todo aquele frenesi, nós ficávamos abraçados e ele acariciava minhas costas
até eu pegar no sono. Contudo, nessa noite foi diferente, eu estava inquieta e algo me
incomodava profundamente, não algo, mas alguém. Eu não conseguia tirar da minha cabeça
Antonella e o fato de tê-la visto na noite do ataque.
Ela era tão real, tão viva, mas como eu poderia levar aquele assunto para Luigi? Como
dizer que vi a sua esposa morta sem insultá-lo e dar entender que eu não acreditava nele? Porque
era exatamente isso que pareceria.
Dei um longo suspiro, aquilo estava me consumindo.
— Moglie? — Luigi perguntou me apertando de leve contra seu corpo, olhei para ele. —
O que está te incomodando?
Os dedos de Luigi acariciavam carinhosamente as minhas costas nuas, era bom e me
ajudava a relaxar.
— Aconteceu uma coisa na noite do jantar de Lorenzo — falei baixinho. — E eu… eu
não sei o que pensar sobre o que vi.
Luigi assentiu, seus olhos estavam fixos em mim e ele estava me dando toda a sua
atenção.
— O que você viu?
Engoli em seco.
— Vi a Antonella, e foi tão estranho, ela estava do outro lado da rua e olhava para o
nosso prédio. — Senti meus olhos lacrimejarem e fiz uma pausa. — Quando ela me viu entrou
em pânico, colocou o dedo nos lábios pedindo que eu mantivesse segredo. — Olhei para o rosto
de Luigi, que estava completamente tenso, e toquei suavemente na sua bochecha. — Luigi, não
quero que você pense que eu não acredito em você quando diz que ela morreu, mas foi tão
estranho e…
— Valentina, preciso falar com você — ele falou com a voz rígida.
Contudo, o seu celular começou a tocar, ele me olhou com o cenho franzido. Luigi estava
confuso e eu também. Já deveriam passar das duas da manhã, por que alguém nos ligaria tão
tarde assim? Ele pegou o celular e olhou para a tela, seus olhos se desviaram para mim.
— É o seu pai, vou atender e depois a gente continua essa conversa. — Luigi sussurrou.
Para um consigliere ligar tão tarde da noite é porque alguma coisa deveria ter acontecido.
O observei levantar da cama, vestir uma calça moletom e atender ao telefone. Sentei-me no
colchão e abracei o lençol sobre o meu corpo, tensa.
— Oi, Marco — Luigi falou enquanto ia para a varanda.
Segundos depois o meu celular tocou e era Anna, eu mal tive tempo de falar e o barulho
do seu choro invadiu a ligação.
— Anna, por que está chorando? — Senti o meu coração bater cada vez mais forte, todos
os pelos da minha nuca se arrepiaram. Ela tentou falar, mas sua voz estava embargada. —
Sorellina, o que aconteceu? — Minha voz começou a soar mais intensa.
Luigi ouviu a minha agitação e foi até a porta da varanda, mas pelo seu rosto e o seu
olhar de pesar, ele já sabia o que havia acontecido. Anna começou a chorar histérica, como se
algo tivesse desentalado seu choro.
— Valentina, ah, Valentina, foi horrível! — Sua voz estava baixinha, fraca e sem forças.
Tentei manter a calma e o controle para entender o que estava acontecendo.
— O que foi horrível, querida? — Perguntei amorosamente.
Anna desabou novamente em lágrimas, e entre soluços ela conseguiu dizer:
— Perdi tudo. — Sua voz estava fraca. Um pavor começou a tomar conta de mim, já
prevendo quais seriam suas palavras. — A Yakuza matou todos, eles mataram o meu marido e eu
perdi a minha bebê, Valentina. — Anna soluçou.
Meu coração parou.
— O quê? — Perguntei com um fio de voz.
— Está doendo tanto, minha irmã, ontem descobri que ela ia ser uma linda garotinha e
agora eu a perdi — ela falou baixinho, fechei meus olhos sentindo o impacto daquelas palavras.
— Perdi a minha princesinha.
Lágrimas de dor rolaram pela minha bochecha.
— Anna, meu amor…
— Eu ia cuidar tão bem dela, iria demonstrar todos os dias o quanto eu a amava. — As
suas palavras traziam consigo toda a dor. — Céus, como eu queria ter morrido junto.
— Não, eu não suportaria te perder, minha irmã — falei.
Anna chorou baixinho.
— Preciso da sua ajuda, eu preciso de você, Valentina.
Senti as lágrimas escorrerem pela minha bochecha.
— E eu vou cuidar de você, meu amor. — Minha voz estava trêmula. — Estou indo, eu
prometo.
Ela desligou a ligação e meus olhos encontraram os de Luigi. Corri até ele e os seus
braços me envolveram num abraço aconchegante, me permiti chorar, me permiti desabar em
lágrimas por Anna, ela não merecia aquilo, minha irmã não merecia perder tudo numa única
noite.
Anna precisava de mim.
— Sei que você quer ir, mas é muito perigoso, não posso arriscar a sua segurança e... —
Luigi afagou os meus cabelos, mas afastei-me dele enfurecida.
Neguei com a cabeça de maneira frenética. Eu não iria abandonar a minha irmã naquele
momento, que se danasse a minha segurança.
— Não, Luigi, a Anna precisa de mim, minha irmãzinha precisa de mim e eu não vou
deixá-la sozinha, eu vou com ou sem você. — Sequei as minhas bochechas, sentindo uma fúria
dominar todo o meu corpo.
— Tudo bem, eu a levo comigo — ele falou e então suspirou profundamente.
— O que aconteceu? — Perguntei, pesarosa. Como Anna conseguiu sobreviver ao
ataque?
— Seu pai disse que a Anna estava desacordada quando eles a encontraram, estava com o
rosto todo machucado e sangrando. — Luigi fez uma pausa. — Ela estava grávida e deu
hemorragia, ao que parece foi chutada várias vezes na barriga e o bebê não resistiu.
Toquei meus lábios com a palma da mão.
— Eles são uns monstros — falei em meio às lágrimas.
Meu marido secou minha bochecha carinhosamente.
— Eles são, mas a sua irmã só sobreviveu porque a Yakuza quer nos dar um aviso — ele
murmurou
— Como assim? Que aviso?
Luigi me olhou por um tempo, decidindo se deveria me contar, até que finalmente
suspirou.
— Com o sangue do Diogo eles escreveram na parede que vai fazer muito pior com a
minha esposa, provavelmente para se vingar do soldado que você matou — ele disse, me fazendo
estremecer com aquelas palavras. Luigi percebeu quão abalada eu estava, então me envolveu
com os seus braços em outro abraço. — Eu não vou deixar eles tocarem um dedo em você.
Fechei meus olhos e assenti, eu sentia que ele me protegeria de qualquer coisa. Naquele
momento percebi que ali nos seus braços era o único lugar que eu gostaria de estar para sempre.

Nosso embarque foi rápido, visto que Luigi havia conseguido um jatinho particular, essa
era uma das mordomias que um chefe possuía. Entretanto, para mim, o tempo passou devagar,
aquelas quase três horas mais pareciam trinta, a cada segundo que se passava eu ficava mais
preocupada, mais ansiosa e com mais raiva de toda aquela injustiça. Minha irmã sempre foi tão
boa, sempre foi tão amorosa, por que ela deveria estar passando por aquilo? Havia tantas pessoas
ruins no mundo, por que elas não sofriam esse tipo de desgraça?
Quando entramos no carro, eu senti o olhar de Luigi em mim.
— Você precisa se controlar, prometo que já estamos quase lá. — Ele falou tocando no
meu braço.
— Eu só preciso saber como a minha irmã está, você não faz ideia de como estou
preocupada com ela — falei rápido demais, logo senti as lágrimas brotarem nos meus olhos. Eu
conseguia sentir que estava prestes a ter uma crise de ansiedade, aquilo não era bom, eu
precisava estar calma para cuidar de Anna, eu precisava estar bem para ela. — Ela deve estar se
sentindo tão sozinha, eu preciso ver a minha irmã.
Luigi segurou as minhas mãos nas suas.
— Querida, olhe para mim. — Mordi os meus lábios e olhei para ele. — A sua irmã está
sendo bem cuidada e em menos de cinco minutos nós já estaremos lá, mas preciso que você
confie em mim e se acalme. — Luigi falou amorosamente, respirei fundo e assenti.
Ele estava certo, eu precisava me acalmar, se eu chegasse nervosa iria deixar Anna pior e
eu não queria isso. Tentei prestar atenção na paisagem do lado de fora do carro para ocupar
minha mente com outras coisas.
Estávamos em uma grande avenida que tinha vista para o mar, o sol estava nascendo e
com raios da aurora cortando o céu, era lindo e tranquilizador. Estava esfriando em Miami, pois
ventos preguiçosos balançavam as folhas dos coqueiros e a areia da praia subia com a força do
vento. Senti os batimentos do meu coração acalmarem e uma sensação de paz tomar conta do
meu peito. Minha respiração felizmente já estava voltando ao normal e a inquietação da
ansiedade havia diminuído um pouco.
— Nós chegamos, moglie. — Luigi falou baixinho. Eu estava assustada, mesmo estando
ciente da morte ao meu redor, afinal, eu havia perdido minha mãe bem jovem. Acredito que
nunca estaria preparada para receber a notícia de que alguém próximo a mim havia morrido, eu
sempre iria sentir aquele vazio, aquele vácuo no peito e aquela sensação de confusão. — Vai dar
tudo certo, vem aqui.
Luigi me abraçou carinhosamente, seus lábios encontraram os meus e diferente das vezes
em que os nossos beijos eram intensos e cheios de desejo, dessa vez foi algo calmo, carinhoso e
cheio de amor. O que era irônico dado ao fato de que ele não me amava, mas aquele beijo era
tudo o que eu precisava naquele momento.
Afastei-me um pouquinho.
— Obrigada — sussurrei. Luigi sorriu e beijou minha testa.
— É melhor entrarmos, preciso conversar com os soldados daqui e eu tenho certeza que
você está louca para ver sua irmã — ele disse e eu assenti em resposta.
Saímos do carro e fui levada para o quarto em que minha irmã estava. Meu coração se
partiu ao meio assim que eu a vi tão pequena, pálida e frágil na cama, eu sabia que eu precisava
ser forte, sabia que precisava mostrar que tudo ficaria bem.
— Oi, minha sorellina — falei me sentando na cama.
As mãos de Anna seguravam firmes sua barriga, agora vazia. Quando nossos olhares se
encontraram, ela segurou minha mão com força, e eu notei como elas estavam geladas. De perto
dava para ver os machucados no seu rosto, o corte nos lábios e o arroxeado nos olhos. Contudo,
o mais doloroso era o vazio que pairava no seu olhar, o tormento que minha irmã estava vivendo
na própria cabeça.
Senti o meu estômago embrulhar, covardes.
— Valentina, estou tão triste, me sinto tão vazia. — Anna murmurou.
— Querida, você não está sozinha, viu? — Falei apertando gentilmente as suas mãos.
Minha irmã fechou os olhos e lágrimas escorreram pela sua bochecha.
— Obrigada, sei que eu e o Diogo não nos amávamos, mas agora estou sozinha, estou
sem a minha bebê, eu perdi tudo — ela falou em meio às lágrimas, sequei carinhosamente a sua
bochecha.
— Sinto tanto, queria tanto tirar essa dor de você — falei enquanto segurava suas mãos
trêmulas.
Minha irmã tremeu os lábios ao ouvir o que eu havia dito.
— Eu te amo tanto, irmã — ela sussurrou.
Engoli a vontade de chorar e sorri amorosamente.
— Eu também te amo.
Anna suspirou, então outra onda de lágrimas irrompeu dos seus olhos tempestuosos.
— Valentina, eu estou me sentindo tão perdida, tenho tanta coisa para resolver. Tenho
que enterrar o meu marido e aceitar que não vou ter mais a minha filha, que eu nunca vou ver o
seu rostinho. — Ela me abraçou com força e eu senti um bolo se formar no meu estômago.
A apertei forte contra o meu peito, eu iria protegê-la de todas as coisas ruins, eu iria fazer
o impossível para que minha irmã ficasse bem.
— Pedirei a Luigi para cuidar disso tudo, você não fará nada além de se recuperar —
falei gentilmente.
— Obrigada, minha irmã. — Foi a sua resposta.
Respirei fundo, eu precisava fazer aquela pergunta.
— Você tem certeza que perdeu a bebê?
Anna assentiu.
— Eles me espancaram na barriga, eu não tive nem a chance de salvá-la, simplesmente
desmaiei com a dor e acordei nessa cama com as mulheres do clã cuidando de mim. — Minha
irmã disse, olhei em choque para ela. — Eles não me mataram, mas tiraram tudo de mim, eu
preferiria tanto que eles tivessem me matado também.
Anna balançou o corpo pequeno e frágil nos meus braços, ela chorava desolada. Fechei
os meus olhos e fiz carinho nos seus cabelos ruivos.
— Sinto tanto, minha sorellina, eu prometo que tudo isso vai passar, você vai se tornar
uma mulher forte, eu garanto a você — falei baixinho.
De repente, o corpo de Anna ficou tenso.
— Eu não quero me casar de novo, e se eu me casar com um monstro? — Ela olhou
assustada para mim.
— Não esquente a sua cabeça com isso, minha querida, foque na sua recuperação.
Anna suspirou e dos seus olhos brotaram mais lágrimas.
— Eu queria que não doesse tanto, eu queria que o tempo passasse rápido, eu queria a
minha bebê comigo, eu queria o pai dela do meu lado — minha irmã choramingou, deitando-se
na cama.
Senti meu coração murchar dentro do meu peito e segurei a vontade de chorar.
— Se eu pudesse dar tudo isso de volta para você, eu daria. Eu realmente sinto muito que
essas coisas tenham acontecido, mas com o tempo não doerá tanto, eu juro — falei fazendo
carinho em sua bochecha, Anna soluçou baixinho. — Logo o papai estará aqui, está bem?
Minha irmã negou com a cabeça e começou a ficar agitada.
— Não — ela gemeu baixinho. — Eu não quero nosso pai aqui, ele vai me obrigar a
voltar para casa. Eu não quero ter que lidar com a esposa dele e nem com as perguntas da
Marina.
Anna começou a chorar de novo, beijei sua testa, tentando acalmá-la.
— Cuidarei disso, talvez você queira ficar um tempo na Itália ou em qualquer outro
lugar, viajando — falei, fazendo carinho em sua bochecha.
— Eu só não quero voltar para a casa do nosso pai — ela disse. — Talvez seja melhor eu
ficar com a família do Diogo.
Olhei pensativa para minha irmã.
Nós duas sabíamos que isso era impossível, se Anna estivesse grávida eu não tinha
dúvidas de que nosso pai aceitaria, mas como ela ainda era jovem e sem filhos do casamento
com Diogo, ele iria preparar outro marido para ela e minha irmã não teria outra opção senão se
casar.
Notei que Anna havia dormido, a pobrezinha deveria estar muito cansada. Levantei e fui
até a varanda do quarto. Quando me sentei em uma cadeira de metal e olhei para o horizonte, o
sol já havia nascido, estava radiante e mostrando a sua força e seu poder para nós meros mortais.
Abracei as minhas pernas e encostei a bochecha no meu joelho, sentindo-me muito exausta. Senti
algumas lágrimas descerem lentas pelas minhas bochechas, aquelas eram as lágrimas que eu
tanto segurei para não derramar na frente de Anna.
Depois de algum tempo observando o céu, percebi que o pânico que crescia dentro de
mim era por Luigi, era porque ele também corria o mesmo risco de morrer, assim como o Diogo.
Assim como Anna, eu arriscava perder alguém importante para mim, pois querendo ou não,
Luigi era importante na minha vida, era o meu marido e eu iria protegê-lo, mas como? Não sabia,
eu só queria livrá-lo de qualquer probabilidade de perdê-lo.
Após alguns minutos — ou seriam horas? — Decidi me levantar e tentar dormir um
pouco, eu precisava de um banho e descansar, provavelmente meu pai chegaria logo e eu queria
vê-lo, queria abraçá-lo e convencê-lo a não obrigar Anna a ir a lugar algum. Mas quando eu saí
do quarto, notei que Luigi estava no corredor me esperando, franzi a testa, preocupada.
— Aconteceu mais alguma coisa? — Perguntei me aproximando dele.
Ele negou com a cabeça.
— Sua maquiagem está borrada, você estava chorando? — Luigi perguntou me
embalando num abraço carinhoso.
— Sim, é horrível ver como a minha irmã ficou — falei contra o seu peito, o seu cheiro
era como um calmante para mim.
— Ela vai ficar bem — ele sussurrou me levando para o quarto que seria nosso durante
aqueles dias. Luigi sentou-se na poltrona e sentou-me no seu colo, encostei a minha cabeça no
seu peito e suspirei.
— Espero que fique — falei baixinho. — Ela não quer ir para a casa do meu pai.
Luigi passou a ponta do dedo no meu braço.
— Pela regra ela voltará com o seu pai — ele falou baixinho.
— Eu sei, mas ela não quer, quer ficar com a família do Diogo — falei com um suspiro.
Ficamos em silêncio por algum tempo, a respiração de Luigi era tranquilizadora. — Posso te
pedir um favor?
— Claro, mia moglie — ele respondeu enquanto fazia carinho nos meus braços.
— Pode cuidar do funeral do Diogo?
Luigi me apertou firmemente contra o seu corpo.
— Eu já cuidei de tudo, imaginei que a sua irmã iria precisar de ajuda, não é uma
situação fácil.
Olhei para ele com um misto de sentimentos que eu não saberia explicar.
— Obrigado, mio marito — falei amorosamente.
Aproximei os meus lábios dos seus, o beijando suavemente, eu queria que Luigi sentisse
todo o meu amor por ele, porque eu o amava, céus, eu não sabia quando e nem como, mas eu
amava aquele homem.
Quando me afastei notei um brilho diferente no seu olhar.
— O que foi? — Perguntei enquanto tocava a ponta do meu indicador na lateral do seu
rosto.
— Eu gostei muito de você me chamando de mio marito, só isso. — Luigi engoliu em
seco.
— Eu já te chamei assim outras vezes — murmurei, fazendo ele sorrir.
Luigi passou a mão pela minha nunca e fez carinho ali.
— Dessa vez foi diferente.
Assenti, havia sido diferente porque pela primeira vez eu dizia aquelas palavras com o
mais sincero amor.
— É verdade, mio marito — sussurrei novamente.
Luigi me beijou com ternura e me aconchegou em seu peito, adormeci embalada pelo
som da sua respiração.
CAPÍTULO VINTE E QUATRO

Como Luigi havia me garantido, ele cuidou de tudo.


O velório estava acontecendo na mansão dos pais do Diogo, visto que a casa de Anna e
de seu falecido marido estava completamente inutilizada por conta do ataque. Os braços do papai
estavam envoltos em mim e em Anna, num abraço carinhoso, Marina estava do meu lado, os
seus olhos estavam fixos no caixão, ela estava obviamente assustada.
A situação de Anna estava de partir o coração, os seus olhos azuis encaravam o marido
no caixão e, pelo visto, ela estava em choque, pois as lágrimas ficavam presas nos olhos, mas
não desciam. Às vezes minha irmã tocava na mão dele, como se para ter certeza que Diogo
estava morto.
Era tão triste, tão doloroso e muito sufocante. Eu me sentia claustrofóbica com aquelas
roupas e aquelas pessoas, sentia que precisava me afastar um pouco. Caminhei para fora do salão
e fui para o meu quarto, eu precisava ficar longe daquilo tudo, nunca pensei que ficaria tão
afetada com a morte de alguém como estava naquele momento.
Entretanto, não era a morte em si que me deixava assim, era o sentimento de luto, eram o
cheiro das flores, as vozes tristes e os sons de pessoas chorando. Todas aquelas coisas me
lembravam do velório da minha mãe e de toda a dor que senti quando a vi no caixão, tão pequena
e frágil.
Sentei na poltrona e observei a paisagem do lado de fora, era muito bonita, mas havia
algo triste no ar que nenhum céu colorido conseguiria tirar.
O toque do meu celular me despertou dos meus pensamentos. Eu o peguei na mesa de
cabeceira. Assim que eu estava com eles em mãos, franzi a testa confusa, quem poderia ser? Era
apenas uma mensagem de texto e não tinha remetente, pois era anônimo.
Quando abri a mensagem, o meu coração bateu acelerado no meu peito.
O que você viu era real, Valentina, eu estou viva e Luigi sabe de tudo e nunca pensou em
te contar. É tão ruim ser enganada, não é?
Encontre-me no café Winner, 367 7th Ave, Brooklyn, às dez da manhã de sábado e não
se atrase e muito menos conte ao meu marido, afinal, eu não morri e sou legalmente casada com
Luigi. Se alguém souber que entrei em contato com você, acabo imediatamente com o seu conto
de fadas.
Não me desafie.
Deixei o celular cair no chão. Antonella estava viva e Luigi sabia de tudo? E o meu
casamento não era real perante a lei? Aquilo não podia estar acontecendo. Se eu fosse voltar para
o salão, eu precisava me acalmar. Eu não podia contar nada a ninguém, nem mesmo a Luigi, pelo
bem do meu casamento.
Depois de alguns minutos tentando ficar calma, voltei para o salão, contudo a minha
mente estava presa naquela mensagem, em cada palavra daquela maldita mensagem. Eu não
queria me encontrar com Antonella, mas se eu não fosse, o meu casamento poderia ser destruído
e eu não queria que isso acontecesse, não quando eu encontrei a felicidade.
Como Luigi foi capaz de me esconder aquilo? Por que Antonella se fingiu de morta todo
esse tempo? E por que Luigi permitiu que ela fosse para longe grávida do seu filho? Eram tantas
perguntas e nenhuma resposta.
Antonella havia sido bem enfática em não a desafiar e eu não iria fazer isso, não sem
saber o que ela queria. Porque ela deveria querer alguma coisa, se ela quisesse simplesmente
voltar para sua casa, não entraria em contato comigo e sim com Luigi.
Os braços de Marina se envolveram na minha cintura e ela me deu um abraço forte, me
tirando completamente dos meus devaneios, a abracei carinhosamente e beijei o topo da sua
cabeça. Observei Anna se despedir de Diogo, ela abaixou-se e falou algo no ouvido dele, suas
mãos acariciam a própria barriga, dos meus olhos brotaram lágrimas com aquela cena. Uma mão
apertou suavemente o meu ombro, olhei para cima e me deparei com Luigi.
— Sinto muito que você esteja passando por isso. — Ele beijou minha testa, fiquei tensa
com o seu beijo. Luigi se afastou um pouco e olhou para o meu rosto, um suspiro desconfiado
saiu dos seus lábios. A sua mão se fechou suavemente no meu braço e ele me levou para uma
sala privada, para bem longe das outras pessoas. — O que aconteceu?
Olhei para ele sentindo muita vontade de falar sobre Antonella, de contar sobre a
mensagem dela e perguntar por que ele não me disse a verdade, por que havia guardado aquele
segredo que poderia arruinar o nosso casamento.
— É que… — sussurrei. Eu estava a um passo de contar toda a verdade, mas as ameaças
de Antonella surgiram na minha mente, me impedindo de fazer isso. — Acho que é pelo velório.
— E por isso que ficou tensa quando beijei a sua testa? — Sua voz estava baixa. Assenti
a contragosto, eu não queria guardar segredos de Luigi, mesmo que ele estivesse fazendo aquilo
primeiro, mas para mantê-lo na minha vida seria algo necessário a se fazer.
— Velórios me lembram a minha mãe, do velório dela, é como se a dor voltasse duas
vezes maior — falei em voz baixa.
Um longo suspiro saiu pelos meus lábios, falar sobre aquilo havia sido bom, porque eu
não estava mentindo sobre sentir aquela dor em velórios. Luigi passou os braços pela minha
cintura e me abraçou.
— Se fosse alguma outra coisa, você me falaria, certo?
— É claro — respondi.
Como eu queria falar para ele toda a verdade.
Como eu queria.
— Ótimo.

Os dias se passaram com uma rapidez assustadora e, apenas para me agradar, Luigi
convenceu o meu pai de que seria bom deixar Anna com a família do Diogo, mesmo que ele a
quisesse por perto para cuidar dela e não para procurar um novo marido.
Luigi garantiu que seria por um breve período.
Já estávamos na nossa casa e a nossa rotina havia voltado ao normal, Luigi passava o dia
reunido com os soldados e à procura de um novo caporegime para Chicago. Eu passava as
minhas manhãs treinando e as minhas tardes com Rosa ou então recebia a visita de Luna, que
havia se tornado uma ótima companhia e grande amiga. O sábado estava se aproximando e eu
não sabia como encontrar com Antonella, já que Sandro não saía do meu pé.
Se eu fosse às compras, ele ia junto e nunca me deixava ir ao banheiro.
Eu merecia aquela desconfiança.
— Valentina — olhei para ele que estava carrancudo. — Você ouviu o que eu te ensinei?
— Mordi o lábio inferior, eu não havia ouvido nada, Sandro bufou irritado. — Como você espera
aprender a atirar se sequer presta atenção no que estou explicando?
Ele cruzou os braços, notei que Sandro estava sem paciência nos últimos dias, eu não
fazia ideia do porquê, visto que ele havia me perdoado.
— Desculpa — respondi.
Sandro franziu a testa.
— O que está incomodando você? — Ele perguntou.
Engoli em seco.
— Por que acha que alguma coisa está me incomodando? — Retruquei e suas
sobrancelhas falhadas arquearam-se perfeitamente. — Certo, tem alguma coisa me incomodando,
mas você deve manter segredo.
Sentei-me no tatame, sentindo-me ansiosa demais para ficar de pé. Sandro sentou-se de
frente para mim e negou com a cabeça.
— Dependendo do que for, eu precisarei contar para Luigi, ele é o seu marido e o chefe
de toda a Camorra — ele respondeu fazendo-me revirar os olhos.
Sua cara se fechou em outra carranca.
— Luigi não pode saber disso — respondi. Se eu quisesse me encontrar com Antonella,
eu iria precisar da ajuda do meu segurança. — Isso pode destruir o meu casamento e prejudicar a
ele também.
Soltei o ar que eu nem sabia que estava prendendo, Sandro franziu a testa.
— Agora tenho certeza que Luigi precisa saber o que está acontecendo.
Olhei furiosa para ele.
— Olha, eu vou dar um jeito de resolver isso com ou sem você, mas eu preferia que fosse
com você, porque se algo acontecer comigo, Luigi não vai te perdoar. — Minha voz saiu
trêmula.
Sandro balançou a cabeça contrariado, então depois de um tempo em silêncio, assentiu.
— O que aconteceu? — Ele perguntou.
Respirei fundo e contei tudo sobre Antonella, mas para a minha surpresa aquilo não o
chocou, na verdade, Sandro agia como se já soubesse.
— Por que você não parece surpreso? — Perguntei achando aquilo muito curioso, ele me
olhou por um tempo antes de responder.
— Sou o soldado de mais alta confiança de Luigi, é por isso que ele me designou para
cuidar de você. — Sua voz soou calma como sempre. Observei Sandro com curiosidade, ele
deveria ser bem leal ao Luigi para conseguir aquela patente na máfia. — Fui eu quem ajudou
Luigi a tirar Antonella de Chicago, eu comprei a sua passagem de avião, consegui todos os seus
documentos falsos para que ela saísse em segurança e recomeçasse a vida em outro lugar.
Fiquei boquiaberta.
— Por que o Luigi fez isso? — Sussurrei.
Sandro deu de ombros.
— Não faz parte do meu trabalho questionar, eu apenas sigo ordens — ele respondeu.
Assenti, pensativa. Se ela saiu com a ajuda de Luigi, por que quis voltar? Por que vir e
perder toda a liberdade que tinha para viver de verdade longe de toda a imundície da máfia? Por
que voltar e estragar a chance de Luigi ser feliz?
— Quando vamos a essa cafeteria? — Sandro me tirou dos meus devaneios. Olhei para
ele, sentindo aquele peso esmagador sair dos meus ombros.
— Amanhã às dez da manhã — respondi. — Mas ela não pode saber que você está nos
vigiando.
Sandro deu uma risada.
— E não vai. — Ele bateu de leve no meu joelho. — Nada vai acontecer com você, mas
precisamos treinar, levanta.
Levantei-me a contragosto, mas fui um desastre o tempo todo, pois um único pensamento
estava tomando conta da minha atenção.
O que Antonella estava querendo?
CAPÍTULO VINTE E CINCO

LUIGI

Eu nunca entendi bem o porquê da Valentina insistir em usar camisolas bonitas e cheias
de rendas, eu sempre as tirava em questão de segundos. Contudo, eu não podia negar, era
divertido brincar com elas no seu corpo e era mais divertido ainda vê-la se contorcer de prazer
embaixo de mim.
Pela primeira vez eu me sentia feliz, satisfeito, e estava com medo, pessoas assassinas
como eu não tinham finais felizes, nunca.
Observei Valentina dormir, já fazia uns dias que eu notava a sua tensão, mas ela sempre
me dizia estar tudo bem, que só estava preocupada com a irmã. A parte treinada para não
acreditar tão facilmente nas pessoas me fazia ficar em dúvida.
Meu celular tocou, me fazendo sair da cama o mais depressa possível para não a acordar
e o atendi na varanda.
— Vincenzo, o que foi? — Perguntei.
Ele suspirou do outro lado da linha.
— O soldado da Yakuza não quer cooperar, senhor. — Ouvi um gemido abafado. — Não
sabemos mais o que fazer.
Apertei a ponte do nariz, estávamos com um dos japoneses do ataque, ele estava preso
para interrogatório, mas o idiota era firme e não revelava absolutamente nada, eu teria que
resolver isso.
— Cuidarei disso — respondi secamente.
— Tudo bem.
Quando Vincenzo finalizou a ligação, senti um toque suave no meu ombro, olhei para
trás assustado e vi Valentina, os seus grandes olhos azuis olhavam-me curiosos.
— Aconteceu alguma coisa? — Ela perguntou com a voz rouca e sonolenta.
Dei um sorriso e a envolvi num abraço.
— Um dos soldados me ligou — falei enquanto voltava para o quarto com Valentina.
Estava amanhecendo e o vento frio do outono não era nada clemente.
— Aconteceu algo? — Ela perguntou.
— Eles me querem num interrogatório, sempre fui ótimo em fazer as pessoas falarem.
Valentina olhou para mim com as sobrancelhas arqueadas.
Eu a amava… franzi a testa, não, eu não a amava.
Minha tensão foi notada por minha moglie.
— Por que você ficou rígido assim do nada? — Ela perguntou, afastando-se um pouco de
mim.
Dei de ombros.
— Não foi nada — respondi enquanto ia até o guarda-roupa. — Preciso tomar um banho
e ir até lá, você fica bem aqui sozinha?
Valentina assentiu. Seus braços me abraçaram por trás.
— Posso tomar banho com você. — Ela ficou na ponta dos pés e beijou a minha nuca,
enviando-me pontadas de prazer pelo meu corpo.
Respirei fundo.
— Moglie, eu estou atrasado — menti.
— Ah! — Sua voz foi apenas um murmúrio.
Seus olhos estavam tristes e aquilo partiu o meu coração. Beijei a sua testa
carinhosamente.
— Por que não aproveita para dormir mais um pouco? — Valentina assentiu e foi até a
cama.
Entrei frustrado no banheiro.
Eu não podia amá-la, mesmo querendo, eu não podia.

Assim que cheguei no nosso galpão, ouvi os gritos no andar de cima, quando entrei na
sala de interrogatórios notei um homem de pé com os dois braços acorrentados numa barra
grossa de concreto, ele estava sangrando da cabeça aos pés, e não possuía alguns dentes.
Meu pessoal era bom em mutilar pessoas.
— Mesmo com todo esse estrago, vocês ainda não conseguiram arrancar nada dele? —
Perguntei sarcasticamente. — Tirem a roupa desse pedaço de merda. — Vincenzo e Michele,
meus dois soldados, cortaram todas as roupas que o soldado da Yakuza vestia, o deixando apenas
de cueca. Seus olhos estavam tão inchados que era impossível que ele conseguisse abri-los. —
Muito bem, acho que você não me conhece ou nunca ouviu falar de mim, mas saiba que a partir
de hoje você nunca mais vai se esquecer de mim, pois eu o atormentarei nos seus piores
pesadelos — falei, aproximando-me dele.
O soldado da Yakuza deu risada. Gesticulei para que trouxessem um balde de água com
gelo, Michele foi rápido e logo me trouxe o que eu havia pedido, assenti para ele jogar o balde de
água gelada.
E assim Michele o fez.
O homem berrou com o contato do gelo em seu corpo, Vincenzo me entregou um bastão
de choque e eu o acertei no japonês, que gritava e se balançava com a descarga elétrica, após
vinte segundos afastei-me dele.
— Vai continuar rindo de mim quando eu falo? — Ele estava em silêncio, notei que o
desgraçado havia urinado em si, o olhei com nojo.
O soldado da Yakuza deu uma risada.
— Você é o novo capo crimine da Camorra, seus soldados se orgulham de servir alguém
que só conseguiu esse cargo por que matou o próprio pai? — Ele perguntou baixinho.
Olhei para Michele, que jogou mais água gelada. Segurei o bastão e enfiei na sua carne
com força, não demorou muito e o soldado da Yakuza já estava tremendo de dor. Eu não fazia
ideia de como aquele soldado sabia do que eu havia feito com o meu pai, mas eu não me
arrependia. Se eu não tivesse feito algo, a minha mãe teria morrido. Felizmente, ninguém se
importou com a morte do antigo capo crimine, ele era tão bem-vindo quanto malária.
— Comece a dizer como vocês sabiam sobre o jantar, ou você prefere levar outro
choque? Posso ficar o dia todo fazendo isso.
O soldado da Yakuza gemeu.
— Eu não vou falar nada, italiano idiota, vocês são tão burros que não conseguem ver os
traidores entre vocês — ele disse com seu sotaque japonês bem carregado. Franzi a testa e olhei
para os dois homens atrás do soldado da Yakuza, ambos deram de ombros tão confusos quanto
eu. — Vocês todos vão ser mortos e não vão nem saber de onde a bala veio.
O soldado começou a gargalhar histericamente, então, enfiei novamente o bastão de
choque, mas dessa vez eu só afastei quando ele ficou inconsciente. O cheiro de carne queimada
inundou as minhas narinas. Olhei para aquele monte de merda e um pensamento surgiu na minha
mente.
Havia um traidor entre nós, alguém que sabia do jantar e que estava planejando algo
muito maior do que aquele ataque. Alguém estava traindo a Camorra e eu iria descobrir quem era
o desgraçado.

O interrogatório havia terminado mais cedo do que eu esperava e quando cheguei em


casa para almoçar com Valentina, eu tive uma surpresa desagradável, ela não estava em casa.
Notei que Rosa cantava em voz baixa enquanto cortava uma cebola.
— Onde a Valentina está? — Perguntei.
Rosa olhou para mim assustada, dei um sorriso de culpa, eu havia assustado a pobre
mulher.
— Sua esposa saiu com o Sandro — ela falou voltando a sua atenção para o ato de cortar
e picar.
Franzi a testa.
Valentina sempre falava quando iria sair e não porque eu ordenava isso, mas
simplesmente porque ela gostava de falar. Valentina gostava de conversar, principalmente
quando ela ia em algum sebo ou loja de antiguidade, e eu sempre a ouvi porque ouvir o que
aquela mulher tinha para dizer não era problema algum para mim. Na verdade, eu sempre
admirei a sua inteligência e a sua paixão pelos livros. Os seus olhos brilhavam sempre que ela
chegava com um novo exemplar em nossa casa e eu achava isso incrível e secretamente desejava
que os seus olhos brilhassem daquela forma quando ela olhava para mim.
Caminhei em direção às escadas, mas um brilho prateado no sofá chamou a minha
atenção, caminhei até ele e avistei o celular de Valentina. Por que ela havia saído sem ele? Levar
aquele aparelho eletrônico consigo na hora de sair era uma ordem minha, se algo acontecesse eu
teria como ajudá-la.
Notei que ele estava desbloqueado e aberto em uma mensagem. Não era a minha intenção
ler, mas li mesmo assim.
Encontre-me no lugar que combinamos e se você bancar a engraçadinha para cima de
mim, juro que conto para todos que estou viva, entendeu Valentina?
Não brinque com a minha paciência.
Não.
Eu não podia acreditar no que eu estava lendo, como Antonella teve a coragem de fazer
aquilo? Como ela teve a coragem de entrar em contato com a Valentina? Eu realmente pensei
que tivéssemos um acordo, realmente achei que estava ajudando quando a libertei do nosso
casamento, quando dei a chance para Antonella ser feliz longe daqui, longe da máfia.
Tentei encontrar outra mensagem dela, mas a porta do elevador abriu-se e Valentina
passou por ele, Sandro estava atrás dela. Contudo, o que me importava era a minha esposa e o
olhar de mágoa que estava lançando para mim.
— Valentina… — comecei a dizer.
— Por que não me disse a verdade? — Ela falou com a voz trêmula. — Por que mentiu
para mim sobre isso? — Sua mão apontava para o celular que eu segurava.
Engoli em seco.
Nem eu fazia ideia do porquê fiz o que fiz.
CAPÍTULO VINTE E SEIS

O fato de Luigi ficar estranho comigo do nada e não querer a minha companhia no banho
me deixou chateada, mas eu estava tão ansiosa com o meu encontro com Antonella, que, no
fundo, fiquei grata por ele não ter aceitado.
Quando desci as escadas, pronta para sair, encontrei Sandro bebendo café e ouvindo Rosa
contar mais uma de suas histórias de quando era jovem. Ele gostava muito daquela mulher, e
com razão, até eu gostava dela.
Ela tinha um jeito de mãe.
Aproveitei para deixar o meu celular pronto para quando Luigi chegasse, se alguma coisa
fugisse do combinado ele iria saber o que teria acontecido, mas eu não seria louca o suficiente
para deixar o endereço, Luigi poderia ir até onde eu estava e piorar as coisas. Se tudo acontecesse
conforme o meu plano, ele chegaria em casa, veria a mensagem e saberia que estou ciente que
Antonella estava viva. Se Sandro não conseguisse me proteger e por algum motivo eu acabasse
sendo sequestrada, a minha pulseira iria me rastrear o tempo todo.
Respirei fundo, e observei Sandro vir até onde eu estava.
— Você vai levar o seu celular? — Neguei. — Quer que eu coloque o endereço no meu
celular?
— Quero sim. — Engoli em seco. Eu estava muito nervosa. Sandro colocou o endereço
da cafeteria no seu GPS.
— Já está tudo pronto — ele falou.
— Ok.
Programei o celular para que a tela não apagasse e deixei aberto na última mensagem de
Antonella, na mensagem que ela me ameaçava mais uma vez. Aquela mulher só sabia ameaçar?
Pelo visto, sim. Contudo, eu iria mostrar para ela que ninguém fazia ameaças para uma
Marchetti.
— Vamos? — Sandro apertou o botão do elevador.
Coloquei o celular em cima do sofá e olhei para o meu segurança, grata por Luigi colocar
alguém para cuidar de mim quando ele estivesse fora.
— Vamos.
O trajeto para chegar na cafeteria não era tão demorado, caminhamos em silêncio pelas
ruas, mas quando cheguei próxima ao Winner, achei melhor Sandro me seguir de longe, eu não
saberia onde Antonella estava e eu não queria que ela me visse com o antigo segurança dela.
Para a minha surpresa, assim que cheguei na cafeteria, Antonella ainda não estava lá, por
isso sentei-me numa mesa aos fundos, próxima da janela. Sandro ficaria no balcão da cafeteria
disfarçado com um boné e óculos escuros. Eu havia escolhido um lugar onde Antonella ficaria de
costas para a entrada, assim ela não o veria.
Respirei fundo tentando manter a calma.
Observei as pessoas caminhando na rua enquanto tamborilava os dedos na mesa escura.
Então, ouvi alguém tossir e notei uma mulher de cabelos escuros e óculos escuros parada na
minha frente. Seu sorriso foi cruel, ela sentou-se na minha frente e tirou os óculos. Os seus olhos
verdes me analisaram em silêncio, eles desceram pelo meu braço e se cravaram na minha
pulseira.
— Vejo que você aceitou usar essa coisa feia e antiga. — Antonella ergueu as
sobrancelhas.
Ergui meu queixo e me inspirei em Bianca, para alguma coisa a arrogância dela teria que
servir.
— Bem, eu gostei e gosto não se discute — falei secamente, então deslizei meu olhar por
Antonella com um franzir de nariz. — Disso você deve saber bem — finalizei, apontando para as
suas roupas.
Antonella franziu a testa, então uma risada escapou dos seus lábios.
— Vejo que você não mudou nada desde a última vez que nos vimos, sempre atrevida,
sempre com a língua afiada e falando o que pensa — ela falou com um brilho no olhar, dei um
leve dar de ombros. — Aposto que foi isso que fez Luigi se apaixonar por você, ele nunca sequer
pensou em me amar, sabia? Luigi estava doido por você e eu nunca entendi o porquê, mas não se
preocupe, eu nunca me importei, nosso casamento sempre foi por negócios.
Tentei não demonstrar emoção nenhuma com as suas palavras, mas foi difícil, fui
felizmente poupada de respondê-la, pois uma garçonete se aproximou de nós.
— Bem-vindas à cafeteria Winner, o que vocês gostariam de pedir? — Ela perguntou
com seus grandes olhos azuis atentos a nós.
— Quero um café preto. — Antonella falou com um sorriso gentil para a garçonete.
Franzi a testa, que mulherzinha falsa.
— Quero um americano gelado — falei, a menina anotou nossos pedidos e saiu.
Antonella voltou seus olhos de serpente para mim.
— Como eu estava dizendo…
— Agora você vai me escutar — a interrompi secamente, seus olhos se arregalaram
surpresos. — Se você não se importava com o fato de Luigi não te amar, por que voltou? Você
conseguiu sair desse mundo horrível do qual é a máfia, por que voltar?
Antonella respirou fundo e depois soltou o ar.
— Saiba que eu não estou me divertindo com isso — ela respondeu secamente.
— Eu podia jurar que sim.
Antonella me ignorou.
— Luigi foi bom para mim, me deu a oportunidade de viver longe de toda essa bagunça
que é a máfia, mas, querida, acredite, você pode fugir da máfia, mas uma hora ela te encontra —
ela murmurou com seu rosto próximo ao meu.
Olhei para Antonella com uma confusão de sentimentos.
— Como assim?
Seus olhos brilharam com amargura.
— Confiei nas pessoas erradas e todos os mafiosos, quer sejam russos, italianos, chineses
ou japoneses, eles sempre sabem o rosto da mulher de um chefe — ela falou rispidamente.
Engoli em seco e tentei esconder o meu nervosismo, mas Antonella percebeu, um sorriso tomou
forma no seu rosto. — É, querida, eles sabem quem você é, sabe o que você fez no jantar na
Cosa Nostra e estão só esperando a oportunidade perfeita para sequestrá-la e usá-la como uma
arma para atingir Luigi.
Senti as minhas mãos tremerem.
— Como você sabe dessas coisas? — Perguntei, mas Antonella me ignorou.
— É isso que eles são, todos são uns animais, exceto Luigi, ele é bom — ela finalizou seu
monólogo. Dessa vez eu assenti, pois concordava com ela. — Eles estão atrás de mim,
Valentina…
A garçonete de antes chegou com as nossas bebidas, fazendo com que Antonella ficasse
em silêncio, depois que ela saiu e foi para bem longe, os olhos verdes da esposa “morta” de Luigi
fixaram-se nos meus.
— Eles quem? — Perguntei.
— Os inimigos de Luigi querem me matar.
Engoli em seco.
— Então, você quer a proteção de Luigi? Você quer voltar a ser a sua esposa para
continuar segura? — Perguntei baixinho.
Antonella deu risada.
— Não, Valentina, eu não quero voltar a ser a esposa de Luigi, depois que você sai da
máfia você não suporta a ideia de voltar — ela disse, com um brilho de diversão no olhar. —
Luigi também não me aceitaria de volta, não quando ele finalmente tem você.
Franzi a testa, confusa.
— Então, o que você quer? — Perguntei baixinho.
Antonella bebeu um pouco do seu café preto, passou a língua pelos lábios e falou com
um sorriso tenso.
— Quero dinheiro, sei de um lugar em que estarei segura, mas preciso de dinheiro para
sumir — ela falou com os olhos brilhando. Olhei para Antonella com um leve balançar de
cabeça, é claro que ela queria dinheiro. — Garanto que se me derem o que estou pedindo, eu não
vou atrapalhar vocês dois.
Respirei fundo.
— Quanto você quer? — Perguntei.
Um sorriso escapuliu pelos seus lábios.
— Cinco milhões de dólares, cinco milhões é tudo que preciso. — Olhei em choque para
Antonella.
Levantei-me irritada.
— Eu não tenho esse dinheiro — sibilei. — E mesmo se tivesse não daria para você.
Comecei a me afastar da mesa e ela segurou meu braço com força.
— Se você não me der o dinheiro, vou contar a todos que continuo viva. — Sua voz
estava cheia de raiva.
Usei a minha mão livre e dei uma bofetada no seu rosto, eu não estava me importando se
outras pessoas estavam assistindo nossa discussão.
— Fique à vontade para contar.
Aproximei meu rosto do dela, seus olhos estavam arregalados e brilhavam raivosos.
— Não seja tola…
— Tola? — Uma risada escapou dos meus lábios, Antonella franziu os olhos para mim.
— Isso vai te causar mais problemas do que para Luigi.
— O que você está dizendo?
— Bom, o seu nome e o da sua família serão jogados na lama e você sabe bem o que
acontece com desertores. Até porque você fugiu, você abandonou a máfia, abandonou o seu
marido e ele não teve outra escolha a não ser dizer que você estava morta. — Antonella me olhou
tremendo de raiva. — Luigi ainda poupou a sua família e continuou deixando você como a
mulher honrada que todos imaginavam ser, eu sugiro que você repense bem as suas atitudes.
Antonella largou meu braço e seu rosto ficou tenso.
— Subestimei você — ela falou baixinho.
Um sorriso se formou no meu rosto.
— É, subestimou.
Antonella suspirou.
— Eu aceito três milhões.
Ergui as sobrancelhas.
— Falarei com meu marido sobre isso e juntos decidiremos se aceitamos a sua proposta
de três milhões — respondi secamente.
Virei-me e saí da cafeteria com as minhas mãos trêmulas.
Quando é que eu me tornei alguém tão forte assim?

Sandro ficou em silêncio durante todo o trajeto para casa, mas ele nunca era muito
falante, então o seu silêncio foi reconfortante para mim, porque eu precisava pensar, precisava
entender os meus sentimentos.
Luigi havia mentido para mim, o nosso casamento começou na mentira, até porque ele
nunca havia sido viúvo, era tudo armação e eu precisava entender o porquê de ele ter feito
aquilo, do porquê de nunca ter me dito nada e o que iríamos fazer em relação à Antonella.
No fundo, eu queria dar o dinheiro para ela e ver aquela mulher bem longe e segura, livre
da máfia, mas eu tinha medo de não ser suficiente e de ficar nessa mesma situação, com
Antonella voltando para me pedir mais dinheiro. Droga, eu estava naquela enrascada por culpa
de Luigi, se ele não tivesse se casado comigo…
Não.
Eu não podia pensar daquela forma, o meu casamento era bom, se eu não tivesse me
casado com Luigi teria sido prometida em casamento com alguém horrível e asqueroso. De certa
forma, aquele homem me salvou, e, ao mesmo tempo, fez a minha vida se tornar uma completa
bagunça.
Quando a porta do elevador se abriu, encontrei os olhos de Luigi e de repente toda a
mágoa que eu estava sentindo foi endereçada exclusivamente a ele. Por que Luigi não havia sido
sincero? Quantas e quantas vezes mencionei Antonella e ele não me disse uma palavra da
verdade.
— Valentina… — Luigi começou a dizer, mas eu o interrompi.
— Por que não me disse a verdade? — Notei que a minha voz estava trêmula e com
motivo, eu me segurava para não chorar. — Por que mentiu para mim?
Luigi suspirou cansado e balançou a cabeça como se não soubesse o que dizer. Subi as
escadas, sentindo-me irritada, então ouvi os seus passos atrás de mim e quando entramos no
quarto, virei-me para ele e dei um tapa no seu rosto.
Luigi respirou fundo.
— Mereço isso — ele falou massageando a bochecha.
Suspirei, sentindo pena dele, mas o babaca merecia mesmo.
— Agora me diz, por que mentiu?
Luigi sentou-se na cama, exausto.
— Eu nunca te contei sobre a Antonella porque acreditei ter cuidado de tudo, que ela
nunca mais iria voltar, acreditei ter feito algo bom para aquela mulher. — Sua voz estava baixa e
grave, continuei em silêncio, apenas o observando. — Lembra que eu te falei que Antonella
havia me traído diversas vezes? Bom, ela tinha um amante, ele não fazia parte da máfia, se
conheceram em um restaurante, Antonella dizia que foi amor à primeira vista.
Olhei chocada para Luigi. Então, ela se casou amando outra pessoa?
— O quê? — Murmurei as palavras, surpresa com aquela revelação.
— Não sei quando eles se conheceram, mas quando ela se casou comigo, não era mais
virgem e eu escondi isso dos pais dela, acabou que nos tornamos amigos, eu realmente não
queria prejudicá-la.
— Entendo — falei, lembrando do acordo que ele fizera comigo na nossa noite de
núpcias.
— Eu nunca quis ser igual ao meu pai, sempre tentei ser bondoso com quem merecia e...
caramba — Luigi deu uma risada amarga. — Ela era uma vítima da máfia, assim como todos
nós, eu não podia ser cruel com aquela menina só porque já havia se apaixonado por outra
pessoa.
Engoli em seco e sentei-me do seu lado.
— Você tem um bom coração — sussurrei, apoiando minha bochecha no seu ombro,
Luigi sorriu para mim, então ele voltou para os segredos que ainda estavam guardados.
— Nosso casamento não era normal. — Luigi falou. Franzi a testa, o que ele queria dizer
com aquelas palavras? — Não era sempre que eu dormia com Antonella, ela amava outro, por
isso comecei a passar mais tempo viajando, resolvendo os negócios do clã, já que eu não
suportava voltar para casa todos os dias, não com uma esposa que sequer tinha desejo por mim.
Segurei na sua mão e apertei carinhosamente.
— Sinto muito — sussurrei. — Continue.
Luigi assentiu.
— Em umas dessas viagens Antonella reencontrou o grande amor dela, eles tiveram
relações e ela engravidou. — Os olhos de Luigi estavam nebulosos, eu não conseguia acreditar
no que estava ouvindo, ele não era o pai do filho dela, era tudo mentira. — Eu estava disposto a
aceitar a criança, afinal, eu já estava preso naquele casamento, mas Antonella não quis, ela queria
ir embora, queria fugir e viver com o homem que amava, então juntos pensamos na sua falsa
morte. Antonella garantiu que nunca mais voltaria e falou para eu me casar novamente, desta vez
com quem eu realmente queria. — Seus olhos encontraram os meus. — Você.
Assenti, eu conseguia sentir o meu coração bater igual a um tambor no meu peito, mordi
meu lábio inferior.
Luigi sempre quis se casar comigo, eu sempre fui a sua escolha.
— Só que ela voltou — sussurrei. — E precisa de dinheiro.
Ele franziu a testa.
— Por quê? — Luigi perguntou.
— Porque todos estão atrás dela, todos a querem morta para atingir você, se eles a
matarem, todos saberão que a morte era falsa. — O seu rosto ficou pálido, ele assentiu devagar.
— O que vamos fazer?
Luigi suspirou.
— Vou resolver isso por nós dois. — Seus dedos tocaram de leve a minha bochecha. —
Você foi uma tola por ir se encontrar com ela. — Sua voz estava carinhosa.
Dei um sorriso.
— Levei Sandro comigo caso algo desse errado, deixei o celular de propósito para você
saber o que estava acontecendo e eu não tirei a pulseira, você sabia onde eu estava o tempo todo.
— Seus olhos brilhavam cheios de orgulho por mim quando levantei meu braço e apontei para a
joia.
Luigi deu um sorriso.
— Eu me casei com uma mulher tão inteligente, você me orgulha tanto, Valentina — ele
disse, tocando os seus lábios suavemente nos meus, um sorriso surgiu no meu rosto. — Me
desculpe por nunca ter contado isso, achei que seria melhor se ninguém soubesse, afinal, um
segredo só permanece assim se o mínimo de pessoas souber.
Olhei para os seus olhos escuros. Eu o entendia, aquela situação não era fácil e o fato dele
não me contar só mostrava o quanto Luigi era bondoso com as pessoas. Como julguei aquele
homem errado, como pude achar que ele era um monstro?
— Está tudo bem, só não guarda mais segredos de mim — falei com um sorriso. Luigi
assentiu, mas percebi que seus ombros ficaram tensos. — Você tem mais alguma coisa para me
contar?
Ele assentiu novamente, olhando para as suas mãos.
— Meu pai não morreu em nenhum ataque orquestrado pela Yakuza. — Sua voz estava
tensa. — Inventamos essa história para que a morte dele ficasse em segredo.
— Por quê? — Perguntei, sentindo a tensão criar raízes no meu coração.
— Porque eu o matei.
Meus olhos quase saltaram das órbitas, Luigi havia matado o próprio pai?
— O que aconteceu de fato? — Perguntei. Seus olhos encontraram os meus e pude ver o
tormento deles.
Luigi não estava mais comigo, mas sim preso nas próprias lembranças.
— Uma noite cheguei de Nova Iorque para uma reunião de emergência dos clãs. Lembro
que assim que entrei na casa dos meus pais notei que havia algo de errado. Então, ouvi os gritos,
corri para ver o que era e mais uma vez meu pai estava machucando a minha mãe, só que dessa
vez era diferente — ele murmurou.
— Diferente por quê? — Sussurrei.
— Ele estava bêbado e agindo como um animal, o rosto da minha mãe estava todo
machucado e… — Luigi engoliu em seco. — Ele queria matá-la, só repetia isso, então a única
forma de pará-lo de uma vez por todas era acabando com a vida dele.
Assenti devagar. Eu me lembrava do ocorrido, não do que realmente aconteceu, mas de
dizerem que Violet apanhou da Yakuza e eles mataram o marido na frente dela. Contudo, essa
não era a verdade.
— Obrigada por me contar — sussurrei.
Luigi olhou para mim, seus olhos estavam cheios de perturbação.
— Você me vê com outros olhos agora? — Ele perguntou. — Você me acha um
monstro?
Neguei. Se possível, eu o amava ainda mais.
— Não, eu tenho orgulho do que você fez, você cuidou da sua mãe, protegeu ela, isso só
me deixa mais tranquila quanto ao nosso casamento — respondi suavemente.
— Por quê?
Um sorriso surgiu no meu rosto.
— Porque se você é um bom filho, também é um bom marido — falei beijando sua
bochecha. Ele me abraçou carinhosamente. — Só não guarde mais nenhum segredo de mim.
— Eu não vou — ele sussurrou. — Eu prometo.
Fechei meus olhos me sentindo mais leve pela primeira vez em dias.
CAPÍTULO VINTE E SETE

Eu estava deitada nos braços de Luigi quando ele recebeu uma mensagem. Olhei para
Luigi assim que ele leu a mensagem.
— É a Antonella? — Perguntei, Luigi negou com a cabeça, mas notei o seu corpo ficar
tenso. — O que é?
Ele deu um longo suspiro.
— É uma mensagem do Lorenzo. — Luigi falou com o cenho franzido. — A Comissão
quer se reunir com os chefes, subchefes e os caporegime das máfias italianas.
Foi a minha vez de franzir o cenho.
A Comissão funcionava como uma espécie de parlamento que supervisionava as
organizações criminosas italianas, é a Comissão quem mantém tudo na linha. Todo ano tem uma
reunião para verificar como estão as coisas, mas às vezes a Comissão é acionada para resolver
casos de traição.
Não compreendi o motivo de Luigi ficar tenso com essa reunião.
— E qual é o problema? — Perguntei.
Ele olhou para mim.
— Lorenzo quer que você e a Luna vão para Chicago com o Sandro, ele acha que lá vai
ser mais seguro para vocês e confia no Sandro para protegê-las. O consigliere não participa dessa
reunião anual, por isso seu pai também pode cuidar de vocês.
Sentei-me na cama, não gostando de nenhum pouco daquilo.
— Quantos dias vai durar essa reunião? — Perguntei com a voz rouca.
Luigi me puxou novamente para o seu peito.
— Vai ser o final de semana inteiro, vamos ficar hospedados no Four Seasons — ele
disse. Mordi meu lábio inferior, lembrando-me da minha cena no restaurante do hotel, eu
gostaria de poder voltar no tempo e mudar aquilo, mas foi depois daquele incidente que as coisas
melhoraram entre nós dois. — Eu também lembrei de você entregando o anel para mim.
Dei um sorriso e beijei a sua bochecha.
— Estou pronta para usá-lo novamente — falei, fazendo Luigi arquear as sobrancelhas.
— Tem certeza?
Assenti. Eu tinha muita certeza daquilo, eu queria aquele casamento e queria mostrar a
todos que era esposa de Luigi.
— Você é o meu marido e eu sou feliz sendo sua esposa, sou mais feliz do que esperava
ser. — Senti minha voz falhar.
Os olhos de Luigi ficaram marejados, eu realmente estava fazendo aquele homem, um
mafioso temido por todos, chorar? Ele se virou até a mesa de cabeceira e abriu a segunda gaveta,
observei Luigi tirar de dentro da caixinha de veludo os anéis e os colocar na palma da sua mão,
seus olhos estavam fixos em mim de uma maneira que deixava todo o meu corpo ardendo de
excitação.
— Promete que não vai tirar o anel e jogar na minha cara de novo? — Dei uma risada e
assenti. — Com palavras, Valentina Salvattore.
Segurei o riso.
— Eu prometo, marito, prometo não desistir de nós na primeira adversidade e prometo
não desistir de você — falei engolindo em seco, pude ver que seus olhos brilharam.
Luigi sorriu e com as mãos trêmulas colocou primeiro o anel de noivado e depois a
aliança. Os seus olhos ficaram observando sua mão na minha, então ele a levou até os seus lábios
e beijou suavemente os nós dos meus dedos.
Suspirei.
Luigi me pegou pela cintura e sentou-me no seu colo, seus lábios encontraram os meus
carinhosamente. Eles exploravam cada canto da minha boca lentamente, de uma forma que
parecia até que Luigi venerava meus lábios. Dei um gemido baixo ao senti-lo chupar a minha
língua, aquele gesto enviou ondas de choque a cada terminação nervosa do meu corpo.
— Luigi — sussurrei.
Seus lábios encheram o meu queixo de beijos e depois com o dente ele o mordiscou.
Como eu queria dizer que eu o amava, como eu queria admitir logo aquele sentimento, eu não
conseguia mais guardar aquilo dentro de mim. Ele me fazia alguém melhor e eu o tornava um
homem bom. O que tinha de tão ruim nos amarmos? Suas mãos deslizaram pelo meu corpo e
pararam no meu mamilo, soltei um longo suspiro.
— Luigi, eu… — Mas fui impedida de continuar pelo toque do seu celular.
Ele rosnou… rosnou!
Luigi se afastou de mim para ver o que era no aparelho eletrônico, com um suspiro de
frustração ele me olhou.
— É a falecida. — Luigi fechou a cara. — Vou acabar logo com isso, quando você
estiver em segurança com a sua família, irei me encontrar com ela no restaurante do Four
Seasons.
Assenti a contragosto.
— Não é perigoso? — Perguntei.
Ele negou.
— O hotel vai estar cheio de mafiosos, a Antonella não é nem maluca de tentar alguma
coisa — ele murmurou, então os seus olhos encontraram os meus com um brilho malicioso. —
Onde estávamos, mia signora?
Dei uma risada, Luigi capturou os meus lábios com os seus e eu esqueci completamente o
que queria falar.

Acordei no outro dia com Luigi arrumando as minhas malas, sentei na cama sonolenta.
— Isso tudo é vontade de me ver entrar no avião e ir para Chicago? — Perguntei com um
sorriso brincalhão.
Luigi me olhou chateado.
— É claro que não, por mim a reunião seria cancelada e eu passaria os meus dias com
você — ele respondeu, me fazendo erguer as sobrancelhas, aquela era uma excelente ideia. —
Mas as coisas não acontecem conforme desejamos e Lorenzo, prático como sempre, já escolheu
o voo para você e para Luna.
Levantei-me enrolada no lençol.
— Por que ela está indo para Chicago? — Perguntei. — Sei que não é só porque ele acha
seguro, lá tem ataques tanto quanto aqui.
Luigi deu de ombros.
— Ela e a mãe não se dão bem — ele respondeu. — Ao que parece, ela evita o México
mais do que tudo.
Assenti, mordi os lábios, sentindo um leve mal-estar. Ultimamente eles apareciam com
frequência, provavelmente era culpa da ansiedade e do nervoso que passei nos primeiros dias.
— O que foi? — Luigi aproximou-se de mim e tocou na minha bochecha. — Você ficou
pálida de repente.
Dei um sorriso, achando adorável a sua preocupação.
— É só um mal-estar, talvez ansiedade para ver as minhas irmãs.
Luigi assentiu devagar e voltou para o seu trabalho de colocar as roupas na minha mala.
Suspirei.
— Algo está incomodando você, não está?
Sim, estava.
— É só que… — Fiz uma pausa. — Vai ser a primeira vez que vejo Anna depois do
enterro.
Luigi assentiu.
— Eu não sei como vai ser — falei, sentando-me na poltrona. — E ainda tem a Bianca,
não sei como vai ser a nossa convivência agora.
Ele se ajoelhou na minha frente e segurou as minhas mãos nas suas.
— Se ela falar qualquer coisa que te irrite, coloque em prática as suas sessões de defesa
pessoal. — Luigi respondeu.
Ergui as sobrancelhas e uma risada escapou dos meus lábios.
— Também posso falar que vou contar para o papai sobre o caso dela com Matteo. —
Aquilo o fez me olhar com curiosidade. Imediatamente me arrependi de ter dito aquelas palavras,
ele não sabia que eu tinha conhecimento disso, Luigi não fazia ideia que eu havia ouvido a
conversa debaixo da mesa.
— Como você sabe disso, Valentina? — Ele perguntou, olhei para os meus pés em
silêncio, eu teria que contar a verdade.
Umedeci os meus lábios que de repente ficaram extremamente secos.
— Lembra da noite da despedida de solteiro? — Luigi assentiu devagar. — Naquela
noite eu estava me sentindo sufocada e queria ficar sozinha, então quando ouvi as vozes entrei na
primeira porta destrancada que encontrei e...
— E era o meu escritório — ele me interrompeu. — Você estava lá quando eu estava
conversando com Matteo?
— Sim, eu ouvi tudo, Matteo dizendo que eu era bonitinha, que pelo menos assim você
ficava animado com a noite de núpcias. — Olhei para baixo, relembrando a frase que mais doeu.
— E você dizendo que o nosso casamento não é por amor, e que seria necessário cair fogo do
céu para você se apaixonar por mim.
Luigi tocou a minha bochecha.
— Fui um completo idiota, peço que me perdoe — ele disse.
Assenti.
— Hoje entendo a sua reluta, está tudo bem — respondi. Contudo, notei que Luigi me
olhou de uma maneira diferente, com um brilho a mais.
Respirei fundo e um sorriso surgiu nos seus lábios
— Naquela noite eu estava achando que fiquei louco.
Franzi a minha testa, curiosa.
— Como assim?
Ele olhou para mim, com malícia.
— Eu podia jurar que senti o seu perfume, mas eu não podia imaginar que você estava lá
escondida e ouvindo a conversa. — Luigi disse, e eu suspirei surpresa.
Engoli em seco.
— Não foi de propósito — falei. — Eu juro.
Ele deu um sorriso.
— Eu sei, amor. — Seus dedos tocaram a minha bochecha. — Mas sentir o seu perfume
estragou a minha despedida de solteiro porque tudo que eu conseguia pensar era em você e tudo
o que eu queria era te provocar e roubar outro beijo seu.
Um sorrisinho surgiu nos meus lábios.
— Mas você não fez isso. — Luigi me olhou confuso. — Não roubou um beijo meu.
Ele deu uma risada.
— E perder a chance de ouvi-la implorar? — Revirei os olhos, como Luigi conseguia ser
tão patife às vezes? O observei levantar. — Agora você precisa tomar um banho, moglie,
sairemos daqui a uma hora — ele disse, depositando um beijo na minha testa.
Assenti e fui para o banheiro contrariada. Eu não queria ficar um fim de semana inteiro
longe de Luigi.
Lorenzo iria me pagar.
CAPÍTULO VINTE E OITO

A viagem havia sido tranquila, Luna era uma ótima companhia e muito falante, a todo
momento ela dizia sentir saudade da culinária mexicana e principalmente do seu pai. Luna nunca
mencionava a mãe, o que me deixava muito curiosa, por isso decidi satisfazer a minha
curiosidade.
— Por que você nunca fala sobre a sua mãe? — Perguntei baixinho.
Minha amiga deu um sorriso triste e suspirou.
— Nunca nos demos bem — ela disse, então seus olhos se fixaram na paisagem do lado
de fora do carro, depois de alguns segundos em silêncio, continuou: — Minha mãe tem
transtorno narcisista, então a minha infância e a minha adolescência foram terríveis.
Observei Luna respirar fundo.
— Sinto muito por isso — sussurrei.
— A minha mãe sempre fez questão de me fazer sentir inferior a qualquer coisa, eu era o
seu bode expiatório, enquanto o meu irmão era o tesouro dela — ela falou baixinho. Segurei a
sua mão e apertei suavemente, eu queria mostrar meu apoio por ela, isso fez Luna sorrir
gentilmente para mim. — Passei boa parte da minha vida tentando entender como uma mãe
poderia odiar o seu filho, mas infelizmente isso acontece.
Eu nunca havia conhecido ninguém tão desprezível com os seus filhos.
— Eu realmente sinto muito — sussurrei.
Luna passou os braços pelo meu ombro e me abraçou carinhosamente.
— Hoje em dia estou bem. — O seu sorriso era sincero.
— É mesmo?
Luna assentiu.
— Pela primeira vez em anos eu me sinto feliz, infelizmente carrego alguns traumas
comigo, um deles é tentar agradar as pessoas que não gostam de mim, como, por exemplo, o meu
cunhado, ele é um idiota — ela falou com um risinho. — Mas faço de tudo para que a casa o
agrade.
Dei um longo suspiro.
— Ainda bem que o Lorenzo te ama e demonstra isso todos os dias — falei pensando em
Luigi.
Luna assentiu devagar.
— Sim, ele é tão maravilhoso que muitas vezes não me sinto digna — ela disse,
pensativa, então deu um sorrisinho, fazendo com que eu a olhasse com genuína curiosidade. —
Percebi que você fala como se o Luigi não a amasse, mas ele estaria pronto para dar a própria
vida por você, eu testemunhei isso no dia do ataque.
Arqueei as sobrancelhas e olhei para Luna, surpresa.
— Como assim?
— Enquanto o mundo estava pegando fogo ao nosso redor, tudo que ele conseguia pensar
era em você, ele te ama, Valentina, talvez não tenha se dado conta disso, mas uma hora ou outra
ele perceberá o quanto ama você — ela disse, e eu não consegui esconder o sorriso em meus
lábios.
— Lorenzo demorou para perceber isso? — Perguntei.
— Não, ele sempre soube.
A sua voz estava triste de novo, era nítido que aquele assunto a incomodava, os seus
ombros estavam tensos e o seu olhar perdido.
— Não precisa falar sobre isso se não quiser.
Luna deu um sorriso e negou com a cabeça.
— Querida, você não deve basear a sua relação em outras pessoas, cada ser humano é
diferente e as pessoas podem nos surpreender — ela disse, suavemente. — Cada pessoa tem um
tempo, algumas se apaixonam em questão de segundos e desapaixona no mesmo instante, outras
levam anos para aceitar o sentimento e existem também aqueles que sempre vão amar uma
determinada pessoa, mesmo que eles estejam com outro alguém.
Assenti, pensativa.
Ouvi um suspiro vindo do banco do motorista, lembrei-me então de que Sandro era quem
estava dirigindo para nós, o meu rosto ficou vermelho de imediato. E se ele contasse para Luigi o
assunto da nossa conversa?
Às vezes eu achava que o meu marido poderia estar me amando, era bom e assustador ao
mesmo tempo, mas outras vezes Luigi me colocava em dúvida, por conta de algumas atitudes
dele. Eu só poderia ter a certeza dos seus sentimentos depois que voltasse para Nova Iorque.

Assim que chegamos na casa dos Marchetti, meu antigo lar, Marina se jogou em mim em
um abraço apertado, os seus cabelos ruivos estavam presos em duas tranças e ela estava muito
mais alta desde a última vez que havíamos nos encontrado no velório de Diogo.
— Olha a trança que Anna fez em mim, não estou adorável? — Marina perguntou.
Um sorriso se formou no meu rosto.
— Extremamente adorável, e que bom que você e a Anna estão passando tempo juntas —
eu disse.
Anna se aproximou de nós e acariciou os cabelos de Marina.
— Sim, ela tem me ajudado bastante com o luto. — Anna murmurou. — Perdi a conta de
quantas histórias ela me obrigou a ler.
Marina deu um sorrisinho conspiratório. Então, Anna encontrou o olhar de Luna e a
cumprimentou.
— Acho que não tive a chance de dizer que sinto muito pelo jantar na sua casa. — Seus
olhos brilharam tristes.
Luna deu um sorriso gentil.
— Como você sabia do jantar? — Perguntei curiosa.
Eu não me lembrava de ter falado para ela, uma sombra de dor passou pelo rosto da
minha irmã.
— Diogo me falou — ela sussurrou. — Luigi comentou com ele sobre o jantar uns três
dias antes, eu fiquei tão preocupada com você quando eu soube do ataque.
Seus braços me envolveram em um abraço e eu aconcheguei-me nele. Anna estava tão
magrinha, tão abatida, vê-la daquele jeito era de partir o coração.
— E como você está? — Perguntei.
Ela deu um sorriso triste.
— Esperando pelo dia que toda essa dor vai sumir. — Apertei o seu corpo pequeno no
meu abraço. — Felizmente tenho Marina para me colocar para cima.
A risada da minha irmãzinha chamou a minha atenção, Luna estava conversando com
Marina sobre alguma coisa e o rosto da minha irmã estava vermelho de tanto rir, eu gostava de
vê-la feliz. Então, meu pai desceu as escadas e envolveu a mim e a Anna em outro abraço
apertado.
— Eu estava com tanta saudade de você, minha querida — ele falou apertando o meu
braço carinhosamente, talvez para se certificar de que eu era mesmo real. O seu rosto estava
abatido e os seus cabelos estavam com muitos fios brancos.
Meu pai estava tão envelhecido.
— Eu senti saudades também — falei com um sorrisinho. — Sentiu saudades de mim
mesmo? Até dos meus dramas?
Ele deu uma risada.
— Até disso, acredita? — Meu pai caminhou abraçado comigo até o saguão da mansão.
— Eu disse que o senhor iria sentir falta dos meus dramas depois que eles acabassem —
murmurei.
— Até a Bianca sentiu falta das brigas de vocês duas, e a Marina é um doce de menina,
não dá trabalho nenhum. — Abri um sorriso. Observei com atenção enquanto via Marina dar
toda a atenção do mundo para Luna, que estava achando aquilo incrível. — E Anna… bem, sinto
tanto pela minha filha.
Olhei para a minha irmã que estava ali conosco, mas alheia a tudo, ela estava presa em
seus pensamentos, na sua própria tristeza, seus olhos estavam fixos no nada.
— Falando na cobra, onde está ela? — Perguntei me referindo a Bianca, meu pai
balançou a cabeça com um sorriso.
— Ela está organizando um jantar de boas-vindas para você e a sua convidada. — Papai
apertou de leve meu ombro. — Seja gentil com ela, querida.
Suspirei frustrada.
Eu tentaria ser gentil com Bianca, era notável o quanto Marina estava feliz e isso se devia
aos bons cuidados da minha madrasta. Era hora de parar com as briguinhas infantis entre nós
duas.
Meu pai se afastou de mim e foi até Luna, aproveitei para me aproximar de Anna
novamente, o seu semblante estava sério e ela estava pensativa.
— Qual é o problema? — Perguntei cutucando a sua costela.
Anna me olhou irritada, ela detestava quando eu fazia isso nela.
— Essa casa às vezes me sufoca, nesses momentos sinto tanta falta do mar. — Anna
respondeu, colocando uma mecha de cabelo cobre atrás da orelha.
Assenti.
— Por que não aproveita para caminhar um pouco no jardim? Sei que não é uma praia,
mas talvez ajude.
Ela assentiu, mas continuou parada no mesmo lugar, observando Luna.
— O que você está olhando?
Anna deu de ombros.
— Nada. — Seu cenho estava franzido.
— Tem certeza?
— É só que… odeio me sentir assim, mas agora procuro traidores por todos os lugares, o
médico disse ser estresse pós-traumático.
Olhei com tristeza para a minha irmã.
— A Luna é uma pessoa legal.
— Isso é só porque eu não a conheço, mas ela deve ser legal, sim, até o fim do final de
semana seremos amigas. — Anna murmurou, dando um sorriso.
Abracei a minha irmã, me sentindo péssima pelas sequelas que a Yakuza havia deixado
nela.
— O que você acha de todas irmos juntas para um SPA e voltarmos apenas para nos
arrumarmos para o jantar?
Anna deu um sorriso.
— Vou ficar bem, sorellina. — Seus olhos brilharam para mim. — Só preciso de um
pouco de ar, vou ficar no jardim por uns minutos.
— Quer que eu te acompanhe? — Perguntei e ela negou. — E se você ter algum ataque
de pânico?
Um sorriso se formou no seu rosto.
— O Sandro está lá fora, não está? — Ela perguntou.
— Sim, ele está pegando as malas — respondi.
Anna deu de ombros.
— Então, não se preocupe, se eu passar mal, peço auxílio a ele, certo?
Assenti, com as sobrancelhas erguidas.
Observei minha irmã se afastar, mas antes de passar pela porta, tanto ela quanto Luna
trocaram olhares.
Franzi a testa, achando péssimo vê-la naquela situação.
CAPÍTULO VINTE E NOVE

LUIGI

Ver Valentina entrar naquele avião e partir foi um misto de emoções.


Enquanto eu me sentia tranquilo, pois sabia que lá ela estaria em segurança, eu também
sentia a sua falta. Sentia falta da sua risada em casa e principalmente falta da sua presença na
cama. Quando terminei de preparar as minhas coisas e caminhei na direção das portas do
elevador, decidido a pôr um basta em toda aquela história com Antonella, Rosa falou atrás de
mim:
— A casa ficou bastante vazia sem a senhora Valentina, não concorda?
Eu assenti.
— Ela tem uma presença bastante revigorante — falei com um breve sorriso — mas não
se preocupe, segunda-feira já estaremos de volta.
Rosa olhou para mim pensativa, então assentiu e voltou para os seus afazeres.
Durante todo o trajeto de carro até o Four Seasons fiquei com aquela reação de Rosa na
minha mente, mas assim que cheguei no saguão do hotel encontrei Matteo jogado em uma das
poltronas, fazendo com que as minhas dúvidas em relação à Rosa se transformassem em surpresa
ao vê-lo ali.
— Pensei que você iria estar aproveitando o final de semana nos braços de uma francesa,
ou seria uma escocesa? — Falei com certo humor.
Matteo revirou os olhos.
— Ao que parece eles precisam de mim aqui — ele bufou. — Agora sou o caporegime de
Chicago, é a realização dos meus sonhos, irmão.
Não consegui conter a risada.
— Eu precisava de alguém para ocupar o lugar de Diogo, pelo menos você pode ficar
perto de uma certa mulher loira — retruquei com um sorriso.
Contudo, Matteo apenas me analisou com um olhar astuto.
— Não posso deixar de notar que você parece bem mais leve depois que se casou — ele
disse, mas simplesmente ignorei o seu comentário, entretanto isso estimulou Matteo a continuar
a me provocar com aquele assunto. — Minha querida cunhadinha está te tornando um homem
mais agradável, que feito surpreendente o dela, lembre-me de parabenizá-la assim que nos
encontrarmos de novo.
Foi a minha vez de bufar.
— Antonella voltou — falei para o meu irmão.
Matteo e Sandro eram as únicas pessoas que sabiam de toda a verdade, o seu ar bem bem-
humorado mudou para um rosto preocupado. Ele assentiu devagar, como que tentando processar
tudo aquilo.
— Então, o seu casamento com Valentina passa a não ser mais válido se descobrirem a
verdade? — Matteo perguntou, confirmei com um leve balançar de cabeça. — E agora?
Dei de ombros.
— Ela está querendo dinheiro em troca de não revelar nada a ninguém sobre o nosso
acordo — falei pensativo.
Matteo sentou-se mais ereto.
— Você sabe que ela seria muito mais prejudicada com isso do que você, não sabe? —
Ele disse e eu analisei os seus olhos verdes.
E eu sabia, entretanto, prejudicada ou não, a partir do momento que ela viesse a público,
o meu casamento com Valentina não seria mais válido e eu ainda estaria preso a Antonella. Eu
sabia que não conseguiria viver a minha vida sem Valentina, não mais.
— Vou dar o dinheiro que ela quiser — falei rispidamente. — Não vou estragar o meu
casamento com Valentina por causa daquela mulher.
Matteo assentiu.
— E ela sabe de tudo isso? — Sua voz estava mais baixa.
Respirei fundo.
— Sabe sim.
Depois de um tempo em silêncio, um riso de surpresa escapou dos lábios de Matteo.
— Estamos completamente ferrados — ele disse em voz baixa.
Olhei para Matteo, sem compreender o que ele estava querendo dizer.
— Como assim?
— Logo, logo as pessoas serão exterminadas com fogo dos céus. — Matteo continuou,
exagerado, franzi a testa. — Lembra-se de dizer que seria necessário cair fogo dos céus para
você se apaixonar por Valentina? Bom, você a ama, e será responsável pela destruição em massa
dos seres humanos — ele falou, colocando a palma da mão sobre a boca e me olhou chocado.
Revirei os olhos.
— Eu não a amo — respondi, mas meu irmão me ignorou.
— Você veio com todo aquele discurso de casamento por negócios e garantiu que nunca
iria amar a sua esposa, e aqui está você, completamente apaixonado por Valentina, que
reviravolta fascinante. — Matteo disse, franzi a testa, contrariado.
Neguei com a cabeça.
— Eu não a amo — repeti, tentando convencê-lo. Ou seria convencer a mim mesmo?
Meu irmão deu de ombros.
— O pior cego é aquele que não quer ver — ele disse, me fazendo ficar em silêncio,
pensativo.
Será que eu não estava querendo ver o que estava bem na minha frente? Como eu poderia
amá-la se eu sequer sabia como fazer isso?

Durante a noite fui para o restaurante do hotel e esperei por Antonella, a reunião
começaria no outro dia bem cedo e eu não teria como me encontrar com ela, mas como sempre,
Antonella chegou atrasada, ela sempre fazia isso, diferentemente de Valentina.
Os seus olhos verdes me examinaram com curiosidade, os seus cabelos louros estavam
escondidos por uma peruca escura e os lábios rosados estavam da cor de rubi. Era incrível como
aquela mulher não conseguia me excitar, era óbvio que eu sempre procurei pelos olhos azuis de
Valentina nela.
— Quanto tempo, você parece estar muito bem, o casamento foi bom para você. —
Antonella murmurou enquanto se sentava na cadeira de frente a minha.
Bebi um pouco da minha água. Desde que eu me casei com Valentina, eu havia aberto
algumas exceções para o álcool, mas naquele momento eu havia decidido beber apenas água e
sabendo exatamente qual era a sua fonte.
Sendo o chefe da Camorra eu precisava ter muita cautela, visto que eu possuía muitos
inimigos, não poderia deixar a minha guarda baixa porque se eu fizesse algo do tipo, isso poderia
custar a minha vida e daqueles que eram importantes para mim.
— Tenho certeza de que você não veio aqui para falar do meu casamento com a
Valentina — falei secamente. — Eu soube que ela te deu uma bela bofetada, uma pena que não
deixou marca.
Seus olhos verdes brilharam irritados.
— Você deveria controlar a selvagem da sua mulher — ela retrucou, afetada.
Balancei a cabeça em negativa.
— Primeiro que ela não é selvagem e se eu ver você insultando a minha esposa, eu não
vou hesitar em arrancar a sua língua fora, e se Valentina te bateu é porque você a provocou. —
Seus olhos se arregalaram ao me ouvir.
Antonella engoliu em seco.
— Hoje entendo o porquê de nunca ter me amado, você sempre a amou. — Sua voz
estava magoada.
Não consegui segurar a risada.
— E de repente você é vítima disso? — Perguntei rispidamente, balancei a cabeça
achando aquilo ridículo. — A falta de amor no nosso casamento era recíproco, você se casou
apaixonada por outro e eu fui bondoso em não te prejudicar com isso.
Antonella ergueu o queixo e a sua expressão mudou.
— Ah, é?
— Sim, já pensou se eu contasse para todos que você estava grávida de um filho que não
era meu? — Perguntei ríspido e notei ela ficar tensa. De repente, fiquei muito curioso com uma
coisa. — E o bebê?
Um brilho de dor passou pelos seus olhos e Antonella apenas deu um leve dar de ombros.
— Eu o perdi, era uma gravidez de risco e eu não sabia, eu não fazia ideia — ela disse
com a voz trêmula e eu olhei para o meu copo com água, com pena dela. — Eram gêmeos, mas
nenhum dos dois escapou.
Assenti devagar.
— O pai era mesmo o garçom? — Perguntei.
Seus olhos me fuzilaram.
— Ele era chefe de cozinha, e é claro que o pai era o Michael. — Antonella bufou. — Eu
não saí deitando com qualquer um, eu realmente o amava.
Notei que ela havia dito que o amava e não que o ama, será que ele havia morrido ou a
havia abandonado?
— O que aconteceu com ele? — Perguntei.
— A Yakuza enfiou uma bala na cabeça dele e me fez assistir. — Lágrimas escorreram
pela sua bochecha, eu não esperava por aquela resposta.
— Sinto muito — respondi.
Percebi a postura de Antonella mudar, ela olhou ao redor, então seu corpo se aproximou
do meu.
— A tríade, um clã da 'Ndrangheta e a Bratva estão juntas com a Yakuza em algo grande.
Eles ameaçaram me matar e matar a minha família se eu não cooperasse com o plano deles, e só
não fui morta porque precisavam de mim. — Sua voz estava tensa, notei que eu também estava
tenso.
— Você nunca teve interesse em pedir dinheiro, teve? — Antonella negou lentamente
com a cabeça. — Por que encontrou com Valentina? Por que pediu o dinheiro?
Ela suspirou.
— Eu queria contar a verdade para ela, contar o plano de ataque contra a máfia italiana,
mas eu não consegui, eu não pude, vi um dos ajudantes da Yakuza no café e eu inventei a
história do dinheiro, se eu contasse a verdade nós duas morreríamos ali mesmo. — Seus olhos
encheram com lágrimas que não caíram.
Peguei o meu celular e tentei ligar para Lorenzo, mas ele não atendeu.
— Por que está me contando isso? — Perguntei.
Antonella permitiu que as lágrimas rolassem pela sua bochecha.
— Eles tiraram tudo que você me permitiu ter, tiraram a oportunidade de eu ter filhos, o
homem que amei, eu quero que os traidores se lasquem. — Ela secou a bochecha. — Você é
bom, Luigi, justo, não merece passar pelo que passei.
Todo o meu corpo ficou tenso, algo dentro de mim me dizia o que estava prestes a
acontecer.
— O que pediram para você fazer? — Perguntei, tentando ligar para Matteo, mas sem
sucesso.
Antonella mordeu o lábio inferior.
— Estou aqui apenas para te atrasar até que o ataque ocorra — ela disse baixinho, seu
rosto evidenciava a dor de estar fazendo aquilo.
— O quê?
— Eles vão atacar o jantar com todas as mulheres em Chicago.
Respirei fundo.
— O que eles querem?
— Querem a Valentina.
Senti todo o meu mundo ruir. Eu não permitiria que eles tocassem um dedo na minha
esposa.
— Quem está por trás disso? — Tentei ligar novamente para Lorenzo, a sua esposa
também estava lá.
— Eu não sei quem é, tudo que sei é que o ataque na casa do Lorenzo, o ataque em
Miami, foram todos orquestrados por essa pessoa que está tramando atacar em Chicago, a pessoa
é a cabeça por trás disso tudo. — Sua voz estava baixinha. — Você precisa agir, senão você vai
perder a pessoa que ama, eles vão matar todos na casa do consigliere, todos.
Antes que eu pudesse processar aquela informação, um barulho ensurdecedor atingiu os
meus tímpanos e então tudo virou uma bagunça de gritos e tijolos. Alguém havia colocado uma
bomba no restaurante, que explodiu todo o local, me jogando para fora com a força da explosão.
Todo o restaurante estava pegando fogo e a única coisa que eu conseguia pensar era em
Valentina, em como eu precisava salvá-la.
Antonella estava caída do meu lado, a força da explosão havia jogado nós dois para fora,
mas enquanto eu tinha apenas alguns machucados superficiais, ela estava com um pedaço grande
de vidro atravessado entre o peito e a barriga. O líquido escarlate jorrava da sua boca e respirar
era uma dificuldade para Antonella.
— Fique tranquila, vou buscar ajuda para você — falei com a voz baixa.
Contudo, Antonella negou veemente, com a força dos seus movimentos ela começou a
tossir e a arfar em busca de ar, seus olhos estavam cheios de lágrimas, Antonella parecia sentir
muita dor.
— Não perca… — ela fez uma pausa para tentar recuperar o fôlego. — Não perca o seu
tempo comigo. — Antonella tentou me empurrar para longe, mas estava muito fraca para
conseguir isso, com um sussurro ela finalizou: — Vá atrás da sua mulher.
Assenti.
— Eu vou, mas buscarei ajuda para você.
Antonella tossiu bastante sangue. A força da explosão havia jogado sua peruca longe e a
franja loira estava caída sobre a testa.
— Valentina ainda pode estar viva, mas não por muito tempo — ela sussurrou e algumas
lágrimas rolaram pela sua bochecha, as suas mãos encontraram as minhas e a apertaram com
força.
— Vai ficar tudo bem, eu prometo.
Antonella assentiu, mas o aperto nas minhas mãos ficou mais forte.
— Estou com medo de morrer. — Sua voz estava tão baixa e fraca que eu me esforcei
para ouvir. — Eu… eu não consigo… eu não consigo enxergar você.
Apertei a sua mão de volta para ela saber que eu estava ali.
— Estou aqui, Nella — murmurei seu apelido.
— Me perdoe, Luigi, me perdoe por tudo. — Sua voz estava suplicante. — Seja feliz e se
permita amá-la, porque vocês dois merecem.
Antonella gorgolejou mais uma vez e todo o seu corpo começou a tremer, gradualmente o
brilho foi sumindo do seu olhar e a vida foi saindo do seu corpo, no fim apenas dois olhos opacos
me encaravam, ela havia morrido nos meus braços.
Engoli em seco e olhei para o prédio em chamas, para o caos à minha frente. Eu
precisava encontrar Matteo e Lorenzo, precisava partir para Chicago e encontrar Valentina.
Eu tinha que torcer para que o pior não tivesse acontecido e rezar para que a minha
moglie estivesse bem.
CAPÍTULO TRINTA

Um pouco antes de descer para o jantar, uma batida na porta do meu antigo quarto
chamou a minha atenção.
— Pode entrar — falei. A cabeça loura de Bianca surgiu no vão da porta, seus olhos
verdes me encararam. — O jantar já está pronto?
Ela negou com um sorriso e entrou. Os seus olhos passearam pelo local e pararam em
mim.
— Lembro-me de quando entrei aqui para chamá-la para jantar, aquele dia foi decisivo
para você — ela disse e eu assenti lentamente. De fato, naquela noite a minha vida havia mudado
e muito. Por causa daquele jantar eu havia me casado e encontrado o amor que eu julgava existir
apenas nos livros. — Eu gostaria de me desculpar com você, e não pense que estou fazendo isso
pelo que você sabe sobre o Matteo, se quiser contar ao seu pai, saiba que irei aceitar o meu
destino.
Franzi a testa e olhei surpresa para Bianca.
— E por que você está me pedindo desculpa? — Perguntei.
Bianca suspirou e sentou-se na cama.
— Depois que você se casou e foi embora, bem… — ela fez uma pausa e deu um leve
dar de ombros, e eu notei que os seus olhos brilhavam. — Percebi que eu estava sentindo a sua
falta, eu entendi que gostava de você e que a minha raiva era destinada a mim mesma por nunca
conseguir dar um filho ao seu pai.
A olhei, surpresa, ela havia sentido minha falta?
— Eu sempre achei que você não queria ter filhos porque não queria ficar com o corpo
feio — falei, sentando-me do seu lado.
Bianca deu uma risada.
— Eu falava isso porque era humilhante admitir que eu não conseguia ter filhos — ela
disse, encolhendo os ombros. — E você sempre cuidou tão bem das suas irmãs, você nunca me
deixou tentar ser mãe delas, principalmente da Marina, que era só um bebê quando seu pai se
casou comigo.
Assenti devagar. Eu realmente agi assim, estava tão revoltada e sentindo tanta dor por
perder a minha mãe que não deixei ninguém tentar cuidar de mim, desde os doze anos aprendi a
cuidar de mim mesma e a cuidar das minhas irmãs. Eu nunca dei brecha nenhuma para Bianca
cuidar de mim ou delas.
— Eu…
— Por favor, não pense que eu a culpo por isso, você era criança e estava machucada, era
visível como você estava perdida, eu nunca vi olhos tão tristes em uma criança — ela falou, e eu
simplesmente não sabia o que falar em resposta, estava completamente muda. — E eu não matei
a sua mãe, por mais que você goste de pensar isso, eu nem queria me casar com o seu pai, o meu
pai me forçou a isso.
Olhei surpresa para ela.
— Eu podia jurar que você estava feliz com o casamento — falei baixinho.
Bianca deu um de seus sorrisos cruéis.
— Aprendi cedo a esconder os meus reais sentimentos. — Ela ergueu o queixo. — Minha
mãe me ensinou que isso significa a vida ou a morte para nós mulheres.
Suspirei.
— Por que você ficou com o Matteo? — Perguntei. — Por que logo ele?
Bianca olhou para suas mãos e pela primeira vez não a enxerguei como uma megera, mas
só como alguém apenas seis anos mais velha do que eu. Ela só tinha dezoito anos quando se
casou com o meu pai.
Bianca tinha a idade do Luigi.
— Matteo é um Don Juan desde muito jovem — ela respondeu. — Ele sempre gostou de
seduzir, usar o charme que as covinhas e os olhos verdes trazem para dormir com o número
infinito de mulheres, e quando dei por mim já estava apaixonada por ele, mas isso foi antes de
me casar com seu pai.
A olhei surpresa, o quê?
— Você e o Matteo já se gostavam? — Perguntei.
Bianca negou.
— Crescemos juntos e ele gostava de usar o charme para brincar de me seduzir, o
problema é que acabei me apaixonando, então sua mãe morreu e meu pai viu a oportunidade
perfeita para me casar com o consigliere — ela disse. — Eu me casei e me encantei com Marina,
ela era uma bebê tão amorosa, então me esforcei para fazer dar certo o casamento, o problema é
que seu pai nunca me amou, ele sempre foi apaixonado pela sua mãe.
— Como você e o Matteo se reaproximaram? — Perguntei.
Bianca suspirou.
— Assim que me casei, Matteo começou a viajar pelo mundo, então fiquei um bom
tempo sem vê-lo, mas num belo jantar, eu o encontrei. — Ela deu um sorriso triste. — Lembro-
me que foi num dia em que eu estava me sentindo muito carente e sozinha, quando dei por mim
o sentimento por Matteo voltou com força e me envolvi com ele.
Olhei, surpresa, para Bianca, quem diria que ela sentia tudo aquilo? Algo dentro de mim
me dizia ser a minha vez de pedir desculpas.
— Eu também gostaria de me desculpar com você — falei em voz baixa.
Os olhos de Bianca se arregalaram.
— Pelo quê?
— Por ser tão difícil com você, admito que eu não permiti que você entrasse na minha
vida, mas era porque eu tinha medo — falei em voz baixa, minha madrasta tocou nas minhas
mãos carinhosamente.
— Medo do quê?
— De perder você da mesma forma que perdi a minha mãe — sussurrei, seus olhos
brilharam surpresos e ela suspirou. — Mas após ver como cuidou da Marina enquanto eu estive
longe, me pergunto se talvez a minha vida não teria sido melhor se eu tivesse sido mais receptiva
com você.
Bianca deu um sorriso.
— Talvez ainda dê tempo para as coisas se consertarem, sei que eu iria adorar fazer parte
da sua vida, poder ajudar a cuidar dos seus filhos — ela murmurou.
Abri um sorriso.
— Bom, eu ainda não estou grávida, então temos tempo de consertar o passado.
Bianca ergueu as sobrancelhas.
— Tem certeza de que não está grávida? — Ela perguntou.
— Tenho, por que?
— Ouvi dizer que você passou mal a viagem toda e ficou indisposta o resto do dia. —
Bianca levantou-se. — Sugiro que você faça um teste, às vezes já tem um pequeno Luigi ou uma
pequena Valentina e você não faz nem ideia.
A observei sair do quarto, completamente em choque.
Grávida? Não, aquilo não poderia ser uma possibilidade.
Eu segui Bianca pelo corredor pensando nessa loucura de estar grávida, não fazia sentido,
eu mal havia começado a me divertir no casamento.
Quando cheguei na sala de jantar, notei que os convidados eram apenas mulheres, o único
homem ali era o meu pai, todos os soldados estavam patrulhando a casa. Bianca havia
aparentemente feito um excelente trabalho com o jantar, o cheiro da comida era incrível e a
música era agradável.
Contudo, a única coisa que me incomodou foi o olhar vazio de Anna e o seu semblante de
tristeza. Sentei-me na cadeira vazia ao lado de Luna e a primeira coisa que ela me falou foi:
— Sua irmã está bem perdida, ela deveria amar muito o marido.
Dei um sorriso triste.
— Anna perdeu o marido e a filha que estava esperando — falei baixinho.
Luna bebeu um pouco da sua água, com um sorriso tenso, ela murmurou:
— Lorenzo ficou muito mais cuidadoso depois do ataque na casa dos Vitalle.
Diante do meu olhar de confusão, Luna deu uma risadinha.
— Você sabe, eu também estou grávida.
Ergui as duas sobrancelhas surpresa e me sentindo um pouco zonza, eu não queria me
lembrar da possibilidade de que eu também poderia estar grávida, ela deu outra risada.
— É sério? — Perguntei baixinho.
— Sim, descobri depois do jantar, felizmente não ocorreu nada muito grave — ela
murmurou. — Mas estou grávida de oito semanas.
Apertei a sua mão, me sentindo muito feliz por ela.
— Vocês dois merecem esse bebê — falei.
Notei o olhar de Anna em nós, Lianna estava do seu lado perguntando algo, mas não
obteve resposta, pois a atenção da minha irmã estava em nós. Percebi que Lianna havia
emagrecido e estava com um roxo no braço que ela jurava ter sido apenas um esbarrão no
corrimão da escada.
— Está gostando do jantar, Luna? — Minha irmã perguntou educadamente.
Luna assentiu.
— Está maravilhoso e a companhia de vocês é muito agradável — ela fez uma pausa. —
A Camorra é muito hospitaleira.
Sorri.
— E como são os jantares no México? — Lianna perguntou.
Luna mastigou o seu pedaço de pernil, pensativa.
— As comidas são bem apimentadas — ela respondeu.
Marina apertou o braço do meu pai.
— Papai, eu quero ir ao México. — Dei uma risada, notei que Bianca estava mais leve no
jantar.
— Queremos ir ao México, a pobrezinha precisa viajar mais, Marco — ela falou
afagando os cabelos de Marina.
Observei as duas.
Marina gostava realmente de Bianca, tanto que nas nossas brigas ela nunca tomava
partido e a Bianca nunca tratou a minha irmã mal, na verdade, tentou criá-la mesmo eu não
dando muito espaço para que ela fizesse isso. Será que eu havia julgado a Bianca cedo demais?
Afinal, ela nunca fez nada diretamente a mim, apenas ameaças vazias dos dois lados.
E como eu teria me saído se fosse eu que tivesse me casado com um homem viúvo com
três filhas? Foi horrível os primeiros dias do meu casamento porque tive dúvidas quanto aos
sentimentos de Luigi com relação à Antonella. Como Bianca não deveria ter se sentido durante
todos esses anos tentando ter o afeto de crianças que não eram dela, casada com um homem
muito mais velho e que ainda amava a falecida esposa?
Engoli em seco.
Eu havia sido dura demais com Bianca durante todos aqueles anos.
Felizmente eu ainda tinha tempo de consertar aquela situação.

Depois do jantar estávamos espalhadas pela sala, Anna estava próxima de mim, do seu
lado estava Lianna e sua mãe, Bianca, Marina e Luna. Conversávamos sobre os ataques recentes
e sobre o possível traidor.
— Eu sempre suspeito de quem é bonzinho demais. — Lianna falou com o cenho
franzido.
Marina assentiu.
— Ninguém é totalmente bom.
Bianca deu um sorriso.
— Querida, existem pessoas boas no mundo, não vá achando que todo mundo é o vilão,
porque nem sempre é assim.
— Só às vezes. — Luna falou com uma risadinha.
Anna concordou.
Notei que ela estava quieta, mas seus dedos estavam brincando com a almofada no seu
colo e a quase todo o momento os seus olhos ficavam presos nas portas duplas que separavam a
sala de jantar com a entrada da casa. A única pessoa que ainda parecia acalmá-la era Lianna, o
que me deixava um pouco enciumada. A minha prima havia convencido a sua mãe a trazê-la para
Chicago apenas para passar uns dias com Anna.
— Algum problema? — Perguntei. Minha irmã olhou para mim e negou. — Por que está
ansiosa?
Anna deu um sorriso e respirou fundo.
— A Yakuza nos atacou depois do jantar — ela falou com voz trêmula. — Agora eu
sempre fico com medo deles virem atrás de mim, eu não quero passar por aquilo de novo.
Lianna, que estava do seu lado e era uma xereta, ouviu nossa conversa, então suas mãos
seguraram a da minha irmã.
— Sinto muito, sorellina, mas eles não vão…
Contudo, barulho de tiros vindo do lado de fora interrompeu o que eu estava prestes a
dizer. Nos levantamos de imediato e nos entreolhamos. O que estava acontecendo? Meu pai, que
estava no seu escritório, veio correndo até onde estávamos. Seus olhos escuros estavam
assustados.
— Bianca, às leve para o banheiro — ele falou rápido. — Estamos sendo atacados, ainda
não sabemos a quantidade de homens, mas é melhor se esconderem, quando for seguro busco
vocês.
Bianca então pegou Marina pelas mãos e foi na frente, com Luna e Anna atrás dela.
Lianna corria com a mãe na mesma direção.
Olhei assustada para o meu pai e fiquei parada no mesmo lugar, pois senti algo entalado
na minha garganta.
O meu coração pedia para que eu não fosse, que eu não deixasse meu pai para trás, e se
aquela fosse a última vez que eu o visse com vida? Ele podia não ser o melhor pai do mundo,
mas foi bom para mim do jeito que ele podia ser. Livrou-me diversas vezes de vários casamentos
horríveis, mas permitiu que eu me casasse com Luigi. Felizmente me casei com aquele homem
bondoso.
— Valentina, vá! — Meu pai me pegou pelos ombros e me empurrou de leve. — Eles
estão chegando perto.
Os barulhos de tiros estavam realmente mais próximos. Eu o abracei forte antes de ir e
ele me segurou trêmulo contra o seu corpo.
— Por favor, pai, volte para me buscar — implorei com as lágrimas cegando a minha
visão.
Meu pai, que eu nunca vi chorar, chorou pela primeira vez.
— Eu te amo, minha princesa, e saiba que você sempre me orgulhou, agora vá, por favor
— ele disse, beijando a minha testa.
— Eu te amo, pai — falei com dificuldade.
Corri desesperada em direção aos corredores e um barulho de porta sendo quebrada
explodiu nos meus ouvidos. Olhei para trás e vi homens passarem por ela, atirando, eles não
estavam se importando em quem eles iriam acertar.
Infelizmente a última coisa que enxerguei foi Lianna e sua mãe caindo no chão, ambas
pareciam estar sem vida, a minha vontade era de voltar e verificar como elas estavam, mas eu
precisava me esconder, tinha que ficar segura. Corri o mais depressa que pude e felizmente vi de
longe os cabelos ruivos de Anna e eu a segui.
Bianca deixou a porta do banheiro aberta para mim, mas quando entrei ela a trancou.
Anna estava histérica no canto do banheiro.
— Onde está a Lianna? — Ela perguntou com os olhos arregalados. — Por que vocês
trancaram a porta? A Lianna e a tia Laura não chegaram.
Olhei para a minha irmã com pesar.
— Acho que elas morreram, Anna — sussurrei.
O seu corpo todo começou a tremer e ela chorou desesperada. Aproximei-me dela e a
abracei.
— A Lianna não, elas não. — Anna sussurrou segurando com força o tecido do seu longo
vestido.
— Calma, querida. — Acariciei os seus cabelos. Todo o seu corpo ficou tenso e os seus
espasmos ficaram mais intensos.
— Eles vieram atrás de mim — ela falou engasgando-se com as lágrimas. — Eles não me
mataram naquela noite, mas agora vão.
O que eu faria para acalmá-la?
Notei Marina sentada debaixo da pia, as suas mãos estavam apertadas nos ouvidos para
não ouvir os barulhos de tiros. Bianca estava com as mãos no rosto, encolhida no chão. Luna
estava com as mãos na barriga e suas bochechas estavam ensopadas de lágrimas, ela estava
temendo pela sua vida e pela vida do seu bebê.
Aproximei-me dela e a sentei gentilmente na minha frente.
— Ei, não vai acontecer nada conosco, ok? — Falei secando sua bochecha.
A minha voz estava trêmula, eu me sentia tão assustada quanto todas elas, contudo
alguém precisava se manter firme.
— Preciso desse filho — ela sussurrou. — Ele foi fruto de tanto amor.
Barulho de gritos e portas sendo quebradas fez Luna estremecer e chorar baixinho.
— Eu não vou deixar nada acontecer conosco, eu prometo — sussurrei.
Olhei em seus olhos e um barulho de tiro estourou nos meus ouvidos. Luna olhou-me
com os seus olhos verdes arregalados, ela estava com um buraco de bala no meio da testa e dali
escorria um líquido vermelho-escuro que eu sabia bem o que era.
O meu rosto estava sujo com o seu sangue.
Luna tossiu e o sangue escorreu da sua boca, então o seu corpo caiu inerte e sem vida nos
meus braços.
Um silêncio assustador tomou conta do banheiro e eu nem tive tempo de gritar, de chorar
e pedir para que ela não morresse, pois, a arma que havia tirado a vida da minha amiga estava
nas mãos de Anna.
Os seus olhos azuis brilhavam com um ódio que fez todos os pelos do meu corpo se
arrepiarem.
— Essa piranha já estava me dando nos nervos — minha irmã falou com um sorriso
diabólico nos lábios.
Anna era a traidora.
CAPÍTULO TRINTA E UM

LUIGI

Continuei sentado no meio fio.


Tentei ligar insistentemente para Valentina, pois eu precisava avisá-la, precisava fazer
alguma coisa, mas todas às vezes em que liguei ela não me atendeu.
Alguns dos nossos homens saíram desolados do hotel, todos estavam com algum tipo de
corte ou machucado, Lorenzo estava com o seu braço sangrando, Matteo estava com o rosto
cheio de cortes, infelizmente alguns homens não conseguiram sair do hotel, pois estavam mortos
soterrados em algum lugar.
O ataque havia sido brutal, um clã da 'Ndrangheta, a Bratva, a Tríade e a Yakuza estavam
tramando juntas e juntas elas planejavam destruir as famílias italianas. O que me admirava era
um italiano trair os seus. Eu temia que eles tivessem conseguido, mas como não percebemos
isso?
— Luigi! — Lorenzo e Matteo correram até mim.
— O que aconteceu, meu irmão? — Matteo falou ofegante, o seu rosto estava cheio de
fuligem. — O que aconteceu?
— Eu estava com a Antonella…
— A sua esposa morta? — Lorenzo me interrompeu.
Dane-se a verdade.
— Era mentira a morte dela, mas esse não é o foco, um clã da 'Ndrangheta se uniu com a
Bratva, a Tríade e a Yakuza e eles estão por trás disso aqui e do que aconteceu em Chicago —
respondi friamente e meus olhos encontraram os de Lorenzo.
— O que aconteceu em Chicago? — Lorenzo estava com a voz assustadora, no fundo, ele
sabia o que temer.
— Senhor, estamos tentando falar com os homens em Chicago, mas ninguém atende. —
Michele se aproximou. Fechei as minhas mãos em punho e segurei-me para não socar nenhuma
pessoa.
— Que merda aconteceu em Chicago, Luigi? — Lorenzo enfiou as mãos nos cabelos e eu
o vi descontrolado pela primeira vez.
Mas eu entendia o seu nervosismo. O nervosismo dele era causado por Luna. Assim
como eu, ele estava preocupado em perder a mulher que amava.
Senti o impacto daquele pensamento. Eu amava Valentina, sim, eu a amava e não
conseguia imaginar minha vida sem ela. Jamais permitiria que Valentina sofresse um arranhão
sequer.
— Você se lembra do traidor que o soldado da Yakuza falou termos entre nós? —
Perguntei e Lorenzo assentiu. — Ele conseguiu unir um dos clãs da 'Ndrangheta com a Bratva, a
tríade e a Yakuza, eles nos atacaram aqui e em Chicago — falei discando novamente o número
de Valentina, mas novamente ela não atendeu.
— Não, Luna…
O rosto de Lorenzo estava pálido, ele estava cheio de pavor.
— Michele, arrume um jatinho para nós com urgência, precisamos estar em Chicago o
mais rápido possível — falei para o meu soldado.
Matteo, que havia se afastado, aproximou-se correndo, ele estava com um celular na mão.
— Luigi, um dos soldados está no telefone, o ataque começou agora — meu irmão falou
com seus olhos cheios de preocupação.
Arranquei o celular da mão dele.
— Chefe — reconheci a voz de Vincenzo. — Estamos sendo atacados, os homens do clã
do Filippo se uniram com a Bratva e aparentemente a Tríade e a Yakuza estão nessa também, a
casa está rodeada por eles, mas as mulheres estão em segurança, Marco nos garantiu e...
Um barulho de metralhadora cortou o que ele iria falar e alguns barulhos confusos
soaram do outro lado.
— Vincenzo? — Aquele nervosismo estava me deixando cego de ódio, de medo, eu
nunca havia sentido tanto medo na minha vida.
A ligação caiu e eu já podia esperar pelo pior.
Meu soldado havia morrido.
— Senhor, conseguimos dois jatos. — Michele veio correndo até nós.
— Separe os homens menos feridos e os leve conosco — falei com frieza, tudo que eu
conseguia pensar era em Valentina escondida em algum lugar, assustada.
Matteo aproximou-se de mim.
— Descobriu qual clã da ‘Ndrangheta está por trás do ataque? — Ele perguntou.
— Sim, o do Filippo — respondi.
Notei que Lorenzo estava sentado no meio fio, os seus olhos estavam arregalados, os
ombros projetados para frente e os dedos apertavam a testa. O homem estava completamente
paralisado de terror, toquei no seu ombro.
— Não vá por esse caminho, elas estão bem.
Lorenzo me olhou perdido, pela primeira vez o vi vulnerável.
— E se elas não estiverem? — Ele perguntou com a voz falhando.
Soltei o ar que eu estava prendendo.
— Então, fazemos o que sabemos fazer de melhor, matamos os desgraçados.

Eu nunca pensei que um dia alguém se tornaria tão importante para mim e então
Valentina Salvattore apareceu na minha vida. Tudo começou quando éramos apenas crianças e a
inteligência dela, na mesma proporção que me irritava, me deixava fascinado. Ela sempre teve as
respostas na ponta da língua para as minhas provocações.
Todos tinham medo de mim, menos Valentina.
Eu sempre quis me casar com aquela mulher, mas isso só foi possível depois que
Antonella se foi. Valentina me tornou humano, trouxe sentimentos dentro de mim, ela me fez ser
mais feliz, me fez desejar ter um futuro com alguém e agora por culpa dela eu estava me sentindo
o ser mais impotente do mundo.
Eu sentia um ódio tão forte me consumindo só de imaginar as coisas que poderiam estar
acontecendo com a minha esposa, as atrocidades que o traidor estaria fazendo com Valentina. O
ódio que eu sentia era tão profundo, algo palpável. Aquele ódio que eu só havia sentido quando o
meu pai bateu na minha mãe e eu o matei.
— Você precisa se acalmar. — Matteo falou de uma maneira que só eu poderia escutar.
— É por isso que o nosso pai era tão contra o amor, olha o estado que você está.
— Não fale bobagens — retruquei.
— Olha, meu irmão, odeio esta vida e você sabe bem, não nasci para ser um mafioso,
mamãe me mimou demais. — Matteo suspirou cansado demais. Olhei para meu irmão e assenti,
aquilo era realmente verdade. — Enfim, está mais do que na cara que você ama a Valentina e é
bonito isso, mas ficar aqui com essa cara não vai mudar que estamos em um jatinho e não
podemos fazer absolutamente nada.
Eu sentia tanta raiva que eu só queria socar o rosto de alguém e a mandíbula do meu
irmão estava clamando por um soco, mas eu entendia o que Matteo queria dizer e sabia que
minha raiva não era direcionada a ele.
Eu estava com raiva por ser um tolo e não ter percebido logo de cara o que estava
acontecendo, por ficar tão apaixonado por Valentina e ter ficado cego como capo crimine. Fui
treinado para farejar traidores desde criança e agora havia falhado.
— Eu me orgulho de você. — Matteo falou baixinho, olhei surpreso para ele. — Sempre
me orgulhei, só não conte a ninguém, pois tenho uma reputação a zelar.
Assenti, devagar. Se fosse em outro momento eu talvez estaria até sorrindo, mas eu
estava tão tenso com tudo aquilo, com a falta de respostas e com a possibilidade de Valentina já
estar morta.
— Você precisa viajar um pouco. — Matteo falou novamente, fazendo-me olhar para ele.
Uma risada amarga saiu dos meus lábios.
— Deus é testemunha de que eu queria viajar depois disso tudo e ter a minha lua de mel
— disse eu.
— E por que não vai? Aposto que a Valentina vai adorar. — Matteo falou com um
sorrisinho.
Engoli o medo que havia se instalado na minha garganta.
— Se ela estiver viva — murmurei.
Matteo balançou a cabeça em negativa.
— Ela está viva — ele disse com firmeza.
Olhei para o meu irmão, curioso.
— Como tem tanta certeza? Uns poucos treinos não a fazem uma combatente
excepcional. — Minha voz estava fria, isso fez Matteo bufar.
— Você se lembra da festa de quarenta anos do nosso pai?
Assenti.
É claro que me lembrava, eu não suportava usar ternos e gravatas naquela época.
— Você já tinha treze anos e eu doze, mas a Valentina tinha sete, eu lembro de ficar
observando ela e a Anna brincarem, as duas sempre brincavam sozinhas, até que uma menina
mais velha que elas, se aproximou das duas e começou a implicar com a Anna. — Franzi a testa,
eu me lembrava daquele dia com clareza, a minha vontade era de expulsar aquela garota da
minha casa. — Lembro que Valentina bateu na garota mais velha, ela não teve medo de defender
a sua irmã. Depois desse dia aprendi a respeitar aquela menina, eu sabia que ela conseguiria se
defender. — Matteo concluiu, suspirei e olhei para a janela do avião.
— Estamos falando de assassinos mafiosos e não de uma garota mimada — retruquei.
— Não importa, ela vai ficar bem, a Valentina sabe se defender.
Olhei para a paisagem abaixo de mim, eu esperava que o meu irmão estivesse certo, eu
precisava da minha moglie viva e bem.
— Acabamos de receber algumas notícias. — Michele falou se aproximando de nossas
poltronas.
Lorenzo levantou-se, o seu rosto estava completamente abatido.
— Desembuche, inferno — ele rosnou para Michele.
— Algumas mulheres morreram.
Ainda bem que eu estava sentado, porque toda a força que eu estava mantendo se
dissipou no ar diante daquela notícia.
— A minha Luna morreu? — Lorenzo perguntou com a voz fria.
Michele engoliu em seco.
— Não sabemos, senhor — ele falou com um longo suspiro. — Não estamos
conseguindo contatar o Sandro e muito menos o seu irmão.
Lorenzo empalideceu.
— Por que o meu irmão foi? — Ele perguntou.
Todos no jato ficaram em silêncio observando o chefe da Cosa Nostra perder o controle.
— Senhor, ao que parece Dante foi designado para o trabalho de soldado, visto que ainda
não é oficialmente caporegime. — Michele respondeu.
Notei o desespero tomar conta do corpo de Lorenzo. O peguei pelo braço e o levei para
próximo do reservado, nenhum chefe gostaria de se mostrar fraco perto de seus homens. Ele
encostou-se na parede com as lágrimas escorrendo pelo rosto, então olhou para mim e falou
numa voz baixa e rouca:
— Eu não posso perder o meu irmão e a minha mulher em um único dia, eu só tenho os
dois, eles são tudo que eu tenho.
Assenti.
— Nós vamos encontrá-los com vida — falei firme.
Lorenzo estava olhando para o nada, completamente abatido.
— Luna está grávida, eu fiquei tão feliz em saber que serei pai. — Ele respirou fundo e
olhou para a aliança no dedo. — Eu a amo tanto, não consigo imaginar uma vida sem ela.
— Ela vai ficar bem, elas vão ficar bem — falei.
Lorenzo olhou para mim, arrasado.
— Posso ter perdido três pessoas importantes na minha vida.
Ele socou a porta do reservado com força.
— Lorenzo, você...
— E para quê? — Lorenzo me interrompeu. — Qual é o futuro dessa imbecilidade toda?
— Ele perguntou e eu apenas o observei em silêncio. — Isso virou um ciclo de morte, vai ser
sempre assim e nunca vai acabar. A morte vai ceifar a vida das pessoas que mais amamos e
transformar a nossa vida em algo vazio.
Notei que os nós dos seus dedos estavam sangrando. Lorenzo deu uma risada sem humor
e entrou no reservado. Olhei para a porta que ele acabara de socar e de uma coisa eu tinha
certeza: Lorenzo estava certo.
Voltei para a poltrona me sentindo exausto.
Matteo estava aos sussurros com Michele, a minha cabeça doía de uma forma absurda, eu
só queria voltar para Chicago e quebrar o pescoço do desgraçado traidor, contudo, para isso eu
precisava primeiro descobrir quem era a pessoa que havia nos traído daquela forma.
— Dante nos contatou. — Matteo falou baixinho. Ele sentou-se perto de mim e eu sentei-
me ereto. — Ele não sabe muito, pois o apagaram junto com Sandro, mas sabe quem é o traidor.
O meu coração parou momentaneamente.
— E quem é?
Eu senti o meu coração voltar a bater e dessa vez mais forte.
— É a sua cunhada. — Matteo falou baixinho. — É Anna Marchetti.
Olhei para as minhas mãos, surpreso.
Meu Deus!
CAPÍTULO TRINTA E DOIS

Por quê? Por quê? Por quê?


Essas eram as únicas palavras que vinham na minha mente. Olhei para a Marina e vi que
os seus olhos azuis estavam arregalados e eles olhavam diretamente para a arma na mão de
Anna.
Toda a cor do seu rosto havia sumido.
— Anna! — Marina sussurrou.
Bianca se arrastou até ela e a abraçou.
— Por que você fez isso? — Senti as lágrimas descerem pela minha bochecha. — Por
que a matou?
Anna começou a rir e encostou a ponta da arma na minha bochecha.
— Não chore, querida. — Seus olhos tinham um brilho assustador que eu nunca havia
visto. — Você não faz esse tipo.
O cano quente cheirando a pólvora fez todo o meu corpo estremecer.
— E eu faço que tipo?
Olhei para Bianca e Marina embaixo da pia, eu queria que elas corressem, fugissem, mas
seria em vão, a casa deveria estar com vários soldados de outras máfias agora.
Anna andou de um lado para o outro calmamente.
— Você sempre enfrentou aquele asqueroso do Marco, sempre me orgulhei de você por
isso, sabia? — Engoli em seco, ela havia perdido a noção. Notei que seu rosto ficou próximo do
meu. Será que eu conseguiria impedi-la? Será que eu conseguiria tirar a arma dela? — Só que aí
você casou e toda a sua coragem sumiu. Tudo se resumia aos sentimentos de Luigi por você e
não a sua busca pela liberdade, você desistiu de ser livre, de escrever o próprio destino. — Seu
olhar ficou raivoso.
Engoli em seco.
— Tive que aceitar essa vida, você me aconselhou a fazer isso, lembra? — Cuspi as
palavras. — E eu precisei tomar essa decisão por nossa irmã e por você também.
Anna deu uma gargalhada.
— E eu deveria me sentir agradecida? — Ela falou com amargura na voz. — Eu já estava
presa e você foi a culpada.
Senti todo o meu corpo tremer de raiva.
— Eu? — Perguntei, com amargura na voz.
— Casei com aquele desgraçado do Diogo por sua culpa, eu estava presa a um monstro
porque você era a preferida do Marco — ela gritou com o rosto banhado por lágrimas.
— Anna, eu perguntei se você estava sofrendo com ele várias vezes, por que não me
disse?
Minha irmã começou a rir e a chorar ao mesmo tempo.
— E isso ia adiantar de quê? Eu poderia ser poupada dele, mas o Marco não pensaria
duas vezes em me casar com outro monstro novamente.
Fechei os olhos, eu precisava manter a calma. Então, o cheiro de ferrugem embrulhou o
meu estômago. Luna estava morta, e por quê? Ela era uma vítima como eu, como qualquer outra
mulher. Abri os olhos, sentindo uma mistura de sentimentos pela pessoa que um dia fora minha
irmã.
— Anna, por que você matou a Luna? — Minha voz estava diferente até para os meus
ouvidos.
Um sorriso se formou nos seus lábios rosados.
— Se você quer tanto saber, conto para você. — Anna falou com um brilho de excitação
no olhar. — A Yakuza queria você, eles queriam se vingar pela morte daquele soldado, então
expliquei que desestabilizar Lorenzo seria muito melhor, porque Luigi não te ama, sua morte não
iria causar nenhum impacto. Então, eles fizeram um trato comigo, a Yakuza me ajudava a
derrubar a Cosa Nostra e a Camorra, e eu matava a pobre Luna para eles.
Olhei para a minha irmã em choque, desde quando ela compactuava com a Yakuza?
— Anna, desde quando você negocia vidas?
Ela revirou os olhos.
— Querida, eles negociaram as nossas vidas, só fiz como eles, mas como eu estava
dizendo, não é segredo para ninguém o quanto Lorenzo a adorava. — Anna chutou com a ponta
do seu sapato o pé de Luna. — É claro que você contribuiu muito para eu matá-la tão depressa.
Franzi a testa.
— O quê? — Sussurrei.
Anna deu de ombros.
— Quando eu a vi chegando com essazinha aí, eu percebi que você a amava mais do que
a mim — ela falou com um suspiro.
Neguei com a cabeça.
— Isso não é verdade.
— Qual é, Valentina? Eu estava bem ali tendo um ataque de pânico digno de Oscar, e
você me deixou para cuidar dessa mulherzinha aqui. — Anna pendeu a cabeça para o lado e
apontou com a arma para Luna. Então, seus olhos se abaixaram para a minha amiga morta e um
sorriso cresceu no seu rosto, a observei guardar sua arma no coldre preso em sua coxa. — Ela
mereceu morrer.
Aquilo era demais para mim.
Avancei na sua direção e usei as técnicas de Luigi, fechei a minha mão em punho e eu
acertei o seu nariz. Anna caiu no chão, tonta com a pancada, aproveitei aquela situação e me
joguei em cima dela. Eu me sentia consumida por uma raiva tão profunda que tudo o que eu
desejava era destruir Anna.
Eu desferi três tapas em seu rosto, mas uma dor lancinante na minha coxa fez eu perder o
meu foco, Anna me empurrou de cima dela e levantou-se, em sua mão esquerda estava uma faca
que escorria o meu sangue. O seu rosto estava vermelho com os meus tapas e sangue escorria do
seu nariz.
— Sua burra, não torne as coisas difíceis — ela falou raivosa enquanto limpava a faca no
seu vestido.
Para a minha surpresa — e desespero — Marina correu até Anna e a empurrou
fortemente contra a parede, mas isso só a deixou mais irada, ela segurou Marina pelos ombros e
a empurrou no chão.
— Outra idiota, igualzinha a essa aqui. — Anna falou apontando para mim.
Bianca correu até a Marina e a envolveu num abraço.
— Você é um monstro, garota — minha madrasta gritou.
Anna a olhou entediada e tirou a arma do coldre novamente, atirando próximo de Bianca,
que caiu com um grito no chão, mas sem nenhum ferimento.
— Vocês precisam parar de serem idiotas. — Anna sibilou. — Eu não quero machucá-
las.
A porta se abriu com força e dois homens grandalhões da Bratva entraram. Anna olhou
para Marina e Bianca caídas no chão e apontou para elas.
— Tirem essas duas daqui. — Sua voz estava ríspida. — Rápido.
O seu olhar se voltou para mim.
— Não, Anna — supliquei aos prantos. — Não faça nada com a Marina.
Anna deu um sorriso e olhou para Marina, que havia sido pega por um homem baixo
cheio de músculos, ele a jogou em seus ombros, fazendo com que minha irmãzinha gritasse o
meu nome e se debatesse desesperada.
— Marina! — Gritei. — Você é um monstro, eu não reconheço minha sorellina em você.
Eu tentei me arrastar até a doce e assustada Marina, Anna deu uma risadinha.
— Ah, ela vai me agradecer mais tarde.
Tentei me virar para xingá-la, contudo Anna usou o cabo da arma para me dar uma
coronhada, fazendo eu cair tonta no chão. Os gritos de Marina foram a última coisa que ouvi até
a escuridão me engolir.

Abri os meus olhos com dificuldade, contudo foi em vão, pois eu estava com uma venda
ao redor deles, que me impedia de enxergar qualquer coisa. A minha cabeça estava latejando e a
minha boca estava com um gosto amargo. Todo o meu corpo estava doendo e os meus membros
estavam dormentes devido à força dos nós que me amarraram na cadeira.
Senti as lágrimas rolarem pela minha bochecha. Os gritos de Marina eram como uma
facada no meu coração e a traição de Anna uma facada nas minhas costas.
Quem suspeitaria dela?
Anna era a mais quieta.
Anna era a mais obediente.
Anna era a traidora.
Como ela conseguiu trair a própria família? Me trair? Como Anna foi capaz de se
esquecer de quando brincávamos quando éramos pequenas? Das nossas conversas de
madrugada? Como aquilo aconteceu? Quando ela se tornou aquele monstro?
Um barulho de porta se abrindo chamou minha atenção, levantei a minha cabeça para
ouvir melhor, passos se aproximaram até mim e uma risada cruel surgiu nos meus ouvidos.
A risada de Anna.
— Onde está a Marina? — Perguntei rouca.
Anna suspirou.
— Ah, a Marina — ouvi ela se afastar, era horrível não enxergar nada. — Ela vai embora
para longe.
Senti o meu sangue gelar nas veias.
— Você pretende matar a Marina? — Minha voz estava ríspida.
Uma risada escapou dos seus lábios.
— É claro que não, você por acaso acha que sou um monstro?
— Sim, eu acho — retruquei.
Anna suspirou.
— Ela só vai embora e isso é tudo que você precisa saber.
Engoli em seco, eu precisava sair daquele lugar, Marina deveria estar assustada, ela
deveria precisar de mim. Eu sempre a ajudava em situações em que sentia medo e agora não
seria diferente.
— Por que você está fazendo isso, Anna? — Minha voz soou trêmula. Anna não
respondeu, resolvi apelar para o lado sentimental que eu acreditava que ela teria. — Por que está
me machucando? Sou sua irmã, isso não conta? — Perguntei baixinho.
Anna deu risada.
— Meia-irmã — ela falou com um rancor na voz. — Sou fruto de uma traição da mamãe
com um homem poderoso, eu descobri há algum tempo.
— Como? — Perguntei baixinho.
— Ah, um belo dia, quando eu estava visitando nosso pai, encontrei uma caixa com
várias cartas do amante dela. — Balancei a cabeça, chocada. — Diogo descobriu as cartas e me
obrigou a procurar por esse pai perdido. — Eu ouvia Anna caminhando de um lado para outro.
— O quê?
— Isso mesmo, e como eu era a única herdeira, ele me pediu para cuidar de tudo, de
todos os seus bens, dá para acreditar? — Ela deu uma risada. — E em troca ele me ajudaria a
acabar com a Camorra.
— Não foi a Yakuza que fez isso tudo, né? — Perguntei com raiva.
Anna suspirou.
— Ah, não, a Yakuza, a Tríade e a Bratva ajudaram, todas trabalharam juntas. — Ela deu
uma risada. — Mas quem arquitetou tudo foi o clã de Filippo, da 'Ndrangheta.
Abri a boca chocada.
A 'Ndrangheta era nossa aliada por todos esses anos, como eles poderiam fazer isso
conosco? Filippo era amigo do meu pai, como ele estava por trás daquilo tudo?
— Isso mesmo, irmãzinha — Anna viu o meu choque com aquela informação — mamãe
teve um caso com o Filippo e eu fui o fruto desse caso.
Neguei com veemência. Como a mamãe conseguiu trair o meu pai assim?
— Isso é mentira.
— O seu querido pai sabia disso, e sabe o que ele fez quando descobriu? — Ela
aproximou o seu rosto do meu. — Ele fez de tudo para a mamãe me abortar, uma pena que ela
nunca conseguiu e eu nasci. É por isso que ele merece o fim que vai ter. — Anna falou com um
suspiro. Aquilo era impossível de acreditar.
— Você… isso não é verdade, o nosso pai sempre amou você — gritei, eu conseguia
sentir as lágrimas rolarem pela minha bochecha descontroladamente.
Anna deu uma risada cheia de rancor.
— Marco sempre amou você, não é à toa que é a preferida dele.
Solucei com as lágrimas escorrendo pela minha bochecha.
— Meu Deus, o que você vai fazer com o meu pai?
Ela estalou a língua.
— Logo você vai descobrir o que reservo para o seu pai. — Ela deu uma risadinha. Anna
estava louca, louca, ela havia perdido completamente a razão. — Agora preciso ir, eu, como
nova chefe do clã do Filippo, preciso resolver algumas coisas.
Muita coisa estava confusa na minha mente.
— Espera — berrei. Ouvi Anna parar de andar. — Você matou o Diogo? Você ficou
grávida algum dia?
— Ah! — Ela deu uma risada.
— Qual é a graça?
— Nenhuma, é só que ele foi a primeira pessoa que matei, sabia? Ele não era tão fiel à
Camorra como dizia ser. — Anna murmurou. Fiquei em silêncio remoendo aquela informação.
— Eu o matei, precisei matar antes que ele me matasse, aqueles machucados não eram de
mentira, irmãzinha. E quanto a bebê, ela existiu sim. — Ouvi aquela psicopata caminhar para
perto de mim e ela retirou finalmente a venda dos meus olhos.
Olhei para Anna com dificuldade, o seu rosto estava perto do meu.
Anna usava uma camisa preta escondida por uma jaqueta de couro, calças escuras justas
no corpo e uma bota na altura do joelho. Os seus olhos brilhavam com lágrimas que não desciam
e os cabelos ruivos estavam amarrados num rabo de cavalo alto que deixava o seu rosto mortal.
— Assim como vários existiram antes dela, mas Diogo os matava quando descobria, e
sabe como ele fazia isso? Me espancando.
Eu não podia acreditar no que eu estava ouvindo. Engoli em seco, de repente me senti tão
enojada com toda aquela história. Eu não sabia dizer se ela era uma vítima ou o próprio demônio.
— Então, as suas lágrimas foram fingimento, não é? Você nunca gostou do Diogo e
muito menos da sua filha.
Anna desviou o olhar e deu um longo suspiro, seus lábios subiram em um sorriso sinistro.
— Sou uma ótima atriz, não sou? — Ela caminhou até a porta. — E o Diogo mereceu
cada bala, mas sofri com a morte da minha filha, eu iria educá-la para nunca abaixar a cabeça
para esses lixos de homens.
Senti as lágrimas rolarem pela minha bochecha ao lembrar de Luna morta, ao pensar em
Marina assustada em algum lugar escuro.
— Como você conseguiu fazer essas coisas? — Perguntei, contudo, não obtive resposta.
— Você é um monstro, Anna.
Anna olhou para mim com um brilho de ódio nos olhos.
— Não, eu não sou um monstro. — Sua voz estava baixa, controlada. Ela ergueu o
queixo e franziu as sobrancelhas para mim, a observei caminhar lentamente até onde eu estava.
— Você sabia que o Diogo me forçou a transar com ele na nossa noite de núpcias? Ele me
estuprou, Valentina, ele era um velho e eu só tinha dezoito anos, e eu sou um monstro? — Ela
gritou a pergunta.
Estremeci com seu grito, então Anna deu uma risada amarga.
— Anna…
— O seu pai forçava a nossa mãe a dormir com ele, você e Marina foram concebidas em
estupro, e eu sou um monstro? — Ela deu uma gargalhada, mas lágrimas escorriam pela sua
bochecha. — Esses homens da máfia merecem sim morrer, todos merecem uma bala bem no
meio da testa, o que estou fazendo deveria ter sido feito há muito tempo.
Luigi não era assim, Lorenzo não era assim. Havia pessoas boas, assim como pessoas
ruins, não era correto ela querer matar todos por culpa de algumas frutas podres.
Luna não tinha culpa nenhuma e morreu.
— Nem todos os homens são assim — falei secamente.
Anna olhou para mim com as sobrancelhas arqueadas.
— Você sabia que o ataque que impediu o Luigi de te deflorar naquela noite foi eu quem
orquestrei? Aquela adaga também tinha o intuito de ajudá-la a não ser estuprada na sua noite de
núpcias — ela falou com um sorriso. — Eu estava tentando proteger você, mas depois descobri
que o Luigi mentiu, aquele sangue não era da primeira noite de vocês.
Olhei chocada para Anna.
— Como você sabe? — Perguntei, e uma risada saiu dos seus lábios.
— Vi o machucado no dedo dele, vi o curativo no seu dedo e juntei dois mais dois e
entendi tudo, Luigi foi bom com você, Valentina. — Ela tocou no meu queixo com a ponta do
seu dedo. — Contudo, isso não significa que todos os homens são como ele. O seu querido pai
poderia ter escolhido um velho para Marina e ela seria obrigada a se casar com ele, assim como
aconteceu comigo, ela seria estuprada, assim como eu fui.
Anna virou-se e foi até a porta.
— O meu pai não iria fazer isso com a Marina — retruquei. Ela parou de andar e olhou
para mim de novo.
— Você não é burra, Valentina, e no momento certo vai concordar comigo.
Anna caminhou para fora do meu cativeiro, olhei para o chão e chorei de raiva. Se aquele
monstro machucasse Luigi, eu iria matá-la com as minhas próprias mãos.
CAPÍTULO TRINTA E TRÊS

MARINA

O homem grandalhão jogou-me no chão com violência e amarrou os meus membros, eu


senti todo o meu corpo doer, cada pequena e insignificante parte de mim doía, principalmente o
meu coração.
A dor era intensa e eu jamais me esqueceria daquela traição. Nunca iria me esquecer de
ver uma bala acertar a cabeça de uma pessoa e jamais esqueceria de como era ver alguém morrer.
Bianca não havia sido trazida para o mesmo lugar que eu, na verdade, antes de a
trancarem em um dos quartos daquele corredor, ela havia dito para mim que tudo iria ficar bem.
Eu já não acreditava mais naquilo, me sentia tão sozinha, tão assustada. Tudo que eu queria era
Valentina e Bianca aqui comigo, queria as duas do meu lado me dando coragem, porque sem elas
eu não passava de uma menina assustada.
A porta de ferro se abriu e Anna passou por ela, com um homem que eu conhecia. Os
seus olhos passaram por mim e ele notou que eu o reconheci, mas qual era o nome dele? Eu não
conseguia recordar-me.
— Anna, por que não me avisou que essa menina estaria aqui? — Ele olhou inquieto para
mim.
Anna suspirou, irritada.
— Essa menina tem nome. — Sua voz estava tensa. — Não se esqueça disso.
O homem pediu desculpas a ela e a abraçou por trás, os seus lábios fizeram cócegas no
pescoço de Anna, que deu risada. Franzi a testa, confusa, minha irmã não amava o Diogo?
Anna tocou no rosto do homem com uma intimidade estranha.
— Minha irmã vai embora logo, eu só estou esperando para virem buscá-la — ela falou
com um sorriso apaixonado para o homem.
Anna iria me matar?
— Você tirou a pulseira da Valentina? — O cara perguntou. Como eu havia esquecido o
nome dele assim?
Anna assentiu.
— É claro — ela bufou. — Não sou idiota, Luigi gosta de rastrear as pessoas, ele quase
me descobriu, não posso confiar em joia nenhuma que venha dele, até as alianças eu tirei.
O homem sorriu.
— Preciso ir antes que eles cheguem na casa do Marco, me avise quando…
Um toque de celular chamou a minha atenção. Anna tirou o celular de Valentina do
bolso, ela ficou olhando para a tela até a chamada cair.
— Ele não para de ligar, aposto que a Antonella deve ter aberto a boca sobre o nosso
plano. — Anna sibilou. — Você tem notícias de Nova Iorque?
O homem assentiu.
— O prédio explodiu assim que ela falou sobre os nossos planos.
Abracei mais as minhas pernas, eu com certeza iria morrer, por que outro motivo eles
revelariam essas coisas na minha frente?
Anna deu uma risada.
— Uma pena que a explosão não os matou. — Ela suspirou. — Mas tudo está correndo
segundo os meus planos.
Observei o homem tocar o seu queixo de leve.
— Você me surpreende diariamente, Anna — ele sussurrou afetuosamente para ela. Anna
corou e olhou para aquele homem como se ele fosse o seu mundo, então ele a beijou nos lábios.
Desviei o olhar, pois aquela cena toda me deixava com náuseas. Depois de alguns
segundos se beijando, o cara suspirou.
— Ainda não entendi como convenceu fazer as três máfias apoiarem o clã do Filippo —
ele falou com uma risada.
Anna se sentou em uma poltrona e cruzou as pernas.
— Você sabe de todos os meus planos, querido, com a Yakuza foram alguns
carregamentos e a cabeça da Luna — ela murmurou. Lágrimas rolaram pela minha bochecha e a
cena daquela mulher tão legal sendo morta me assombrou. Contudo, notei a expressão no rosto
do estranho mudar, pelo visto aquilo não agradou muito a minha irmã. — A Yakuza levou o
corpo dela?
O rapaz apenas assentiu.
— A Camorra estava tão ocupada atrás da Yakuza, que não desconfiou dos próprios
companheiros, o clã do Filippo roubava as cargas e entregava a Yakuza — o rapaz falou com um
sorriso, claramente mudando de assunto.
Anna assentiu.
Franzi a testa. Eu havia ouvido papai ficar tenso com aquelas coisas e conversar com um
dos seus homens de confiança.
— Com a Bratva foi parecido, mas um pouco mais difícil de conseguir, eles queriam
cargas de mulheres para os bordéis deles e dinheiro, essa foi vendida para eles como parte do
acordo. — Ela olhou para mim.
Eu não entendi muito bem aquela parte. O rapaz olhou na minha direção e arqueou as
sobrancelhas.
— Você vai mandar ela para um prostíbulo? — Sua voz estava tensa.
Arregalei os olhos. Por que ela estava sendo tão ruim comigo? Nós não éramos irmãs?
— Eu não sei o que vão fazer com a menina, mas não me importo. — Anna murmurou. O
rapaz assentiu, devagar. — Esse era o medo do Filippo, não era? Que eu não concluísse a minha
parte do plano por me importar com elas, vejam só, eu não ligo. — Ela cruzou os braços.
Balancei a cabeça.
— Por que me odeia tanto? — Perguntei ríspida.
Anna olhou para mim por alguns segundos, então os seus olhos brilharam e os seus lábios
se transformaram num sorriso de víbora. A passos lentos, ela se aproximou de onde eu estava, as
suas unhas cravaram-se no meu queixo e sangue quente escorreu pelo meu pescoço.
— Você nunca gostou de mim. — Anna falou baixinho. O seu sorriso foi cruel e a sua
unha, que estava cravada na minha carne, doía, mas eu não iria chorar, por mais doloroso que
fosse eu não daria esse gostinho para aquele monstro. — Todo o seu mundo girava em torno da
Valentina, você nunca sequer me deu uma chance.
Cuspi na sua cara, fazendo os seus olhos tremerem de raiva. Anna respirou fundo e as
suas unhas largaram o meu queixo.
Ela virou-se para o rapaz.
— Odeio crianças insolentes. — Ele apenas riu e entregou um lenço para Anna, que
secou o meu cuspe.
— E a Tríade? — Ele perguntou curioso, seus olhos brilhavam. — Você sempre manteve
essa parte do plano escondido de mim.
Anna deu uma risada.
— É porque eles me pediram uma coisa muito importante. — O cara ergueu as
sobrancelhas e o meu coração bateu ansioso no peito.
— E o que eles pediram? — Segurei a respiração para não perder uma palavra sequer de
Anna.
— A cabeça do chefe da Camorra — ela falou com um sorriso cruel nos lábios.
Não.
Eles não podiam matar Luigi, eu não podia permitir que fizessem isso com ele, logo
Luigi que sempre havia sido tão bondoso comigo. Lágrimas brotaram nos meus olhos, mas eu as
sequei antes que Anna as visse. A porta se abriu violentamente e dois homens grandes entraram e
trouxeram uma gaiola enorme.
Olhei assustada para eles.
— Essa é a encomenda?
Eles perguntaram com um sotaque russo bem carregado, os seus dedos apontavam para
mim.
Anna assentiu.
— Tirem ela daqui.
Eles obedeceram e vieram para cima de mim.
Eu desferi chutes mesmo com as pernas amarradas, mordi quem ousava se aproximar de
mim, minha garganta doía de tanto gritar, eu não iria deixar que me levassem assim, Valentina
não cairia sem lutar, então eu faria o mesmo. O que eu não esperava era sentir uma dor fina no
meu braço, olhei e uma agulha estava na minha carne, eles haviam injetado alguma coisa em
mim.
Logo fui impedida de gritar, logo a minha língua ficou muito pesada. Os meus membros
não me obedeciam mais e a última coisa que vi foi um olhar de surpresa vindo de Anna.
Então, parei de lutar e entreguei-me à escuridão que parecia muito aconchegante.
CAPÍTULO TRINTA E QUATRO

Franzi a testa, completamente irritada.


Como eu sairia daquele lugar? Como eu poderia pedir ajuda a Luigi? Engoli em seco.
Havia um guarda na entrada do que parecia ser um quarto, ele estava parado como uma estátua.
Eu precisava conseguir que ele me ajudasse, mas como eu faria isso?
Suavizei minha voz e falei docemente:
— Está doendo muito, não dá para afrouxar só um pouquinho?
O guarda nem se mexeu, revirei os olhos irritada com aquele patife.
Inspirei profundamente.
— Por favor, eu prometo recompensar você.
Notei pelo levantar dos ombros daquele rapaz que as minhas palavras haviam chamado a
sua atenção.
— E com o quê? — Ele deu uma risada. — Você não tem nada, e a vida que ainda tem é
devido a misericórdia de sua irmã — o homem falou sem olhar para trás.
Suspirei pensando no que eu poderia oferecer a ele, então uma ideia começou a surgir na
minha mente.
— Pense comigo — falei com um sorriso. — Se ela conseguiu trair a própria família,
matar o próprio marido, você acha mesmo que ela irá poupar você, um simples soldado?
O rapaz olhou-me por cima dos ombros, pensativo.
— Continue — ele disse.
Um fio de esperança surgiu no meu coração.
— A minha irmã enlouqueceu. — Minha voz falhou, engoli em seco. — Você vai confiar
nas palavras daquela psicopata?
O guarda se aproximou de mim e cruzou seus braços.
— E por que eu deveria acreditar no que você diz? — Ele me olhou, curioso.
Decidi que naquele momento a sinceridade seria a minha única aliada.
— Eu não tenho nenhuma razão, mas sei que sou a esposa do chefe da Camorra, sei que
me casei com um homem que me adora.
Bom, eu não tinha certeza, mas aquele soldado da Bratva não precisava saber.
— E de que isso me seria útil?
— Se você me ajudar a sair deste lugar, garanto que meu marido vai te recompensar com
a proteção e o que mais você desejar.
Ele coçou o queixo com a ponta da faca, os seus olhos azuis iguais ao céu num dia de
verão brilharam na escuridão.
— Por que eu trairia a Bratva assim?
Dei um sorriso.
— Porque a Bratva matará você e os capangas da minha irmã quando descobrirem o
quanto esse plano foi arriscado, se você me ajudar a pôr um fim nessa maluquice, eles vão
parabenizá-lo — falei, o rapaz me olhou curioso. Eu estava tão cansada, mas continuei a
barganhar pela minha liberdade. — Olha, o meu marido está aliado com as três maiores máfias
italianas, você acha que isso não é homem suficiente para acabar com todo esse circo que a Anna
está fazendo?
— E mesmo assim vocês foram traídos — ele pontuou.
Ignorei a sua observação.
— A Anna não se importa com vocês, ela só se importa com essa vingança absurda —
falei, praticamente desesperada. O rapaz continuou olhando-me por um tempo, em completo
silêncio. — Quem foi que disse que a gente precisa se matar?
— Como?
— Quem disse que precisamos ser inimigos? Já pararam para pensar que todos nós só
saímos perdendo por lutar um contra o outro? — O rapaz olhou de um lado para o outro, então
assentiu e aproximou-se de mim.
— Eu não acredito que estou me aliando a uma garotinha da Camorra — ele resmungou,
então apontou a faca para o meu queixo, a lâmina estava fria contra a minha pele. — Me prometa
que você não vai tentar nenhuma gracinha.
Assenti.
— Eu não vou, eu dou a minha palavra — falei.
O rapaz deu uma risada.
— A sua palavra não é de muita garantia — ele falou secamente.
Olhei desesperada para a lâmina, eu precisava pensar em algo, então lembrei-me de Luigi
cortando o dedo, do sangue, e então tive uma ideia.
— Vamos fazer um juramento de sangue, aquele que vocês homens realizam quando
entram na máfia. — O rapaz ergueu as sobrancelhas escuras, ele afastou a lâmina de mim e
cruzou seus braços novamente. — Olha, você só precisa soltar minha mão, eu a corto e juro
proteção e você corta a sua jurando me tirar daqui — falei rapidamente, eu estava nervosa.
O soldado da Bratva olhou-me por um instante e então confirmou com a cabeça. Ele
pegou a sua faca e cortou as cordas dos meus pulsos, suspirei de alívio ao sentir a pressão ir
embora, mas pela primeira vez notei que eu não estava com a minha pulseira, eu por acaso havia
contado a Anna que ela possuía um rastreador? Foi por isso que ela a tirou de mim?
Notei que o homem esperava com a faca, então estendi a minha mão e deixei que ele
cortasse a pontinha do meu dedo, uma dor fina subiu pelo meu braço e eu mordi meu lábio
inferior, deixei pingar algumas gotas no chão.
— Juro proteção a você se me tirar daqui — falei com confiança.
O rapaz fez o mesmo e deixou pingar algumas gotas no chão.
— Juro protegê-la e tirá-la daqui com vida.
Demos um aperto de mão para selarmos o acordo, bem na hora que a porta se abriu.
— Droga! — Falei, olhando para a figura parada na entrada do quartinho, era um homem
bem mais velho e cheio de papadas, notei que ele retirava uma arma do bolso.
— O que está acontecendo aqui? — Ele berrou. — Eu sabia que era uma péssima ideia
confiar em russos.
Aproveitei para pegar a faca da mão do rapaz e mirar na garganta do velho.
— Acredito que nunca mencionei isso a ninguém antes — falei enquanto acertava a
garganta do velho. — Mas sou ótima com facas.
O homem gorgolejou enquanto o sangue jorrava pelas suas mãos que faziam pressão na
sua garganta, então as suas pernas cederam e ele caiu de barriga no chão, completamente morto.
— Uau, eu me chamo Yuri e vai ser um prazer ajudar você. — Yuri falou, dando uma
risada, finalmente eu fui desamarrada e enfim fiquei em pé.
— Yuri, eu me chamo Valentina — falei com um sorriso. Caminhei até o velho e peguei
a arma dele, a entregando para o meu novo aliado. — Talvez isso nos ajude a sair daqui.
— Não vai ser tão fácil assim, Valentina — ele respondeu.
— Como assim?
Yuri abriu a porta e olhou o corredor, estava vazio, então ele fez um sinal para que eu
saísse.
— Aqui está bem protegido.
Mordi o meu lábio inferior, pensativa.
— Tenho um plano, mas vai envolver um telefone — falei.
— Sei onde tem um. — Yuri respondeu. — Mas qual é o plano?
— Preciso que ligue para o meu marido e diga exatamente onde estamos, enquanto isso
tentarei fazer a minha irmã acreditar que concordo com o plano dela — respondi seriamente.
— Excelente plano — ele murmurou.
— Acredito que você precise me amarrar de novo.
— Certo. — Yuri murmurou.
Antes de sentar-me, eu rasguei as minhas roupas. O rapaz desviou o olhar esperando que
eu me sentasse, quando fiz isso, ele me amarrou novamente.
— Mas e o Hyung? Como explicaremos a morte dele?
Mordi o meu lábio inferior.
— Deixa comigo — murmurei. — Só coloque ele em cima de mim.
Yuri franziu a testa, mas fez o que pedi.
— Pronto — ele murmurou.
— Agora tente falar com meu marido o mais depressa possível — falei, o fazendo
assentir. Respirei fundo, aquele plano precisava dar certo. — Cuidarei do resto.
— Sim, senhora. — Yuri deu um sorriso e saiu do quarto.
Agora era só questão de tempo.

Não demorou muito para que Anna aparecesse no meu cativeiro com alguns homens. Os
seus cabelos ruivos estavam amarrados num longo rabo de cavalo e ela usava um macacão preto,
justo, até o pescoço.
Senti-me sufocada ao vê-la vestida daquele jeito.
Ela lançou os seus olhos azuis para o homem caído em cima de mim, com a faca no
pescoço e depois para o meu rosto assustado. As suas sobrancelhas se ergueram, Anna estava
esperando uma resposta. Pensei muito bem em como me sair daquela situação sem prejudicar
Yuri, ele agora estava sob a minha proteção, assim como Marina.
Felizmente a tola da minha irmã caiu como um patinho no meu plano.
— Ele tentou estuprar você? — Assenti. Arregalei os meus olhos de uma maneira que me
fizesse parecer vítima. Até tentei chorar, o que não se mostrou difícil, foi só pensar em toda
aquela situação que as lágrimas rolaram pela minha bochecha. — Como isso aconteceu? — Ela
perguntou confusa.
— E-ele — gaguejei. Luigi iria se orgulhar do meu espetáculo. — Eu… eu… —
Comecei a chorar. — Ele amarrou os meus braços para frente para que eu o tocasse, e quando eu
me recusei ele rasgou minhas roupas e tentou… — deixei mais lágrimas rolarem de maneira
violenta.
Anna olhou para o morto com ódio, o seu corpo tremia.
— Tirem esse monstro de cima da minha irmã — ela ordenou com um grito. Alguns dos
homens a obedeceram e tiraram o homem de cima de mim. — Como você se livrou dele,
Valentina?
Respirei fundo.
— Ele estava usando uma faca presa no cinto e eu consegui pegá-la quando ele veio
beijar o meu pescoço. — Engasguei-me com as lágrimas falsas. — Então, eu o matei quando ele
quis me beijar lá.
Anna olhou enojada para o corpo do homem caído no chão.
— Esse verme teve o que mereceu — ela disse.
— Agora eu te entendo, sorellina. — O apelido queimou na minha língua. — E eu quero
ajudá-la, todos eles são monstruosos.
Anna suspirou aliviada, ela olhou para os soldados.
— Soltem-na e a levem para um quarto, minha irmã precisa de um banho e roupas novas.
— Anna falou como se estivesse exausta com aquilo tudo.
Um grande sorriso surgiu em seus lábios e ela olhou nos meus olhos.
— Que bom que você entendeu, eu não sei se conseguiria matá-la. — Sua voz foi apenas
um sussurro.
Anna aproximou-se de mim e tocou na minha bochecha, um frio percorreu o meu corpo.
Então, deixe que eu faça isso com você, irmãzinha. Pensei.
CAPÍTULO TRINTA E CINCO

LUIGI

Quando enfim conseguimos chegar na mansão de Marco, em Chicago, vários corpos de


soldados, e de algumas mulheres, estavam caídos no chão, reconheci a mãe de uma prima de
Valentina. Ela olhava para mim com os seus olhos vítreos. A cena era de causar arrepios.
Sandro apareceu, mancando, com uma garota de cabelos castanhos nos braços, era
Lianna.
— Ela está viva? — Perguntei e ele assentiu.
— Ao que parece ela só não morreu porque a mãe se jogou em cima dela. — Sandro
falou com pesar. Os seus olhos estavam assustados e o seu rosto machucado, ele estava ferido
com um tiro na perna.
— Talvez eles pensassem que ela já estivesse morta. — Lorenzo falou do meu lado, ele
tirou alguns cabelos do rosto de Lianna e a observou desmaiada.
Sandro suspirou.
— Anna levou a Valentina, a irmã mais nova, o Marco e a esposa dele… — Antes que
ele concluísse a sua frase, uma voz o interrompeu.
— Não entrem aqui. — Dante apareceu na porta da sala de jantar e falou com a voz
embargada. Ele estava todo destruído, cheio de cortes por todo o corpo e um tiro no braço. Notei
que seus olhos estavam grudados no irmão. — Não entre aqui, meu irmão, por favor, não entre.
Lorenzo franziu a testa e correu na direção da sala de jantar, não demorou muito e
ouvimos o seu urro de dor, fomos correndo até ele. A sala de jantar, que no passado havia sido o
local onde Valentina havia descoberto que iria se casar comigo, um local com lembranças
divertidas, havia se tornado o próprio inferno.
Havia sangue por todas as paredes, as cadeiras estavam espalhadas pelo local. Segurei
Lorenzo pelos ombros, aquilo era mais do que um homem poderia suportar.
O corpo sem vida de Luna estava deitado em cima da mesa de jantar, os seus olhos
verdes estavam abertos e os lábios semifechados, a sua garganta e os seus pulsos estavam
cortados.
Aquilo era monstruoso.
— Vou acabar com aquela desgraçada! — Lorenzo gritou.
Dante tentou segurar os seus ombros, acalmar o irmão, mas Lorenzo o empurrou contra a
parede.
— Você deve ter ajudado aquela vagabunda, você nunca gostou da minha mulher, você
deve ter ajudado a matar ela. — Ele empurrou o irmão mais novo, que estava com os olhos azuis
arregalados e cheios de dor. Dante não fez nada, continuou apenas observando o irmão,
visivelmente magoado. Lorenzo foi a passos duros e rápidos até a mesa, sua mão tocou trêmula
no rosto da mulher. — Por que fizeram isso com você, meu amor? Você sempre foi tão bondosa
com todos. — Lágrimas rolaram pela sua bochecha.
Lorenzo se ajoelhou, tocou na barriga da esposa morta e chorou desesperado, de repente
senti o meu desespero aumentar. Valentina corria risco de vida e eu corria contra o tempo. Tudo
que eu dependia era de Anna não matar a única coisa que me importava.
— Matteo, você e o Sandro vêm comigo, eu preciso encontrar a Valentina — falei com a
voz trêmula. — E se…
— Não se preocupe, senhor. — Sandro apertou gentilmente o meu ombro. — Ela é forte
e inteligente, tenho certeza que vamos encontrá-la a salvo.
Assenti, mas olhei para Lorenzo desesperado. O terror estava tomando conta de mim, não
queria que aquilo acontecesse comigo também. Eu não conseguia me imaginar chorando sobre o
corpo inerte de Valentina.
— Essa é sua por direito, irmãozinho. — Matteo me entregou uma arma. — Vamos matar
aquela traidora da ‘Ndrangheta.
— Vou junto. — Lorenzo berrou. — Quero quebrar o pescoço daquele demônio.
Dante foi até mim e assentiu, ele também iria junto.
Michele apareceu correndo até onde eu estava.
— Encontrei essas joias no banheiro, estava numa poça de sangue. — Ele olhou para
todos nós.
Meu estômago embrulhou.
Nas mãos de Michele havia três joias: a aliança, o anel de noivado e a pulseira de
topázios. Eu reconheceria aquela pulseira à distância, o seu lugar era no pulso de Valentina e não
numa poça de sangue.
Observei paralisado a única chance de encontrar a minha esposa.
— Luigi, nós vamos encontrá-la, não se preocupe. — Matteo apertou o meu ombro
gentilmente.
Apenas assenti.
Eu torcia para que eu a encontrasse, mas com vida.

Eu, Dante, Matteo e Lorenzo estávamos durante meia hora tentando contatar os nossos
espiões, Sandro estava em outro carro à espera de um sinal meu, contudo eu já não tinha mais
paciência para lidar com toda aquela palhaçada, aquela ansiedade e o medo que me consumia por
inteiro.
Aquele medo assustador de perder a mulher que eu amava. Eu só a queria, bem e perto de
mim, nem que fosse falando as suas bobagens de sempre, mas eu a queria.
— Onde Anna as esconderia? — Dante perguntou ansioso atrás de mim, estávamos num
sedã preto, em um dos vários carros da Cosa Nostra.
Lorenzo apertou o volante com força e olhou para mim.
— Ele sabe. — Sua voz estava ríspida e cheia de dor. — Deve saber, o demônio é
cunhada dele.
Dei uma risada sem humor.
— Você acha mesmo que eu arriscaria a vida da minha mulher assim? — Perguntei com
a voz fria. — Você acha mesmo que eu preferiria ficar sentado aqui ouvindo as merdas que você
fala se eu soubesse onde aquela psicopata enfiou a minha esposa?
Matteo interveio.
— Meu irmão jamais arriscaria a vida da Valentina, mas se brigarmos e começarmos a
duvidar uns dos outros agora, não vamos encontrar as mulheres que estão com Anna a tempo —
ele falou seriamente, eu nunca havia visto Matteo tão sério.
Observei o meu irmão e compreendi o que estava acontecendo. Ele estava preocupado
com Bianca, será que gostava dela?
— Tudo que eu mais desejo é matar aquele monstro, me vingar pela morte da minha
Luna. — Lorenzo socou o volante com força.
Matteo assentiu.
— A sua dor é justa, mas como vamos…
Meu celular tocou e interrompeu o que o meu irmão iria dizer, franzi a testa e notei ser
um número que eu não conhecia, todos ficaram em silêncio vendo o telefone tocar.
Eu o atendi e coloquei no viva-voz. Uma voz com um forte sotaque russo falou através da
linha.
— Luigi Salvattore? — A voz falou suave, porém dava para sentir a tensão. — A sua
esposa me pediu para ligar, fizemos um acordo, eu e ela.
Olhei chocado para os homens do meu lado, Valentina havia feito o quê?
— Eu não acredito em você. — Lorenzo falou do meu lado, Dante tapou a boca do irmão.
A pessoa do outro lado da linha suspirou.
— Acreditando ou não, eu realmente espero que o Luigi cumpra com o acordo porque já
estou me arriscando só de ligar para vocês — o rapaz falou com uma risada.
No entanto, tudo que eu conseguia ouvir era ele dizer: a sua esposa.
— Você falou com a minha esposa? — Praticamente gritei. — Onde ela está? — Tentei
soar mais calmo.
O rapaz ficou em silêncio por alguns segundos.
— Primeiro preciso saber se você concorda com a aliança que fiz com a sua esposa. —
Ele suspirou impaciente na linha. Valentina havia feito uma aliança com um soldado russo?
Como isso era possível? — E de preferência rápido, a cada minuto que temos essa prazerosa
conversa, sua esposa corre perigo e a família dela também.
— Certo. — Eu sentia que todos me olhavam. — Qual é o acordo que ela fez?
— Eu a proteger em troca da proteção de vocês. — O rapaz deu uma risada. — De todos
vocês italianos.
Olhei para Lorenzo, uma ruga de preocupação surgiu em sua testa, ele estava
desconfiado, e com motivos, mas depois de alguns segundos ele concordou com a cabeça.
— Aceitam? — O rapaz perguntou novamente.
— No momento tenho o contato de apenas dois dos chefes das respectivas famílias —
falei com o coração acelerado. — Eu e o chefe da Cosa Nostra concordamos com o acordo,
agora me diga onde a minha esposa está?
— Vou mandar as coordenadas por mensagem — o rapaz falou animado. — Eu me
chamo Yuri e foi um prazer fazer acordo com você.
Então, Yuri desligou a ligação. Os meus olhos grudaram na tela em minha frente, onde
estavam as coordenadas? Aquele imbecil estava brincando com a nossa cara? Se ele estivesse
fazendo isso, não sobreviveria até o fim do dia para contar vantagem.
Contudo, o celular apitou e uma mensagem chegou, eram as coordenadas de onde Anna
as mantinham presas.
— Vamos — falei, enquanto Lorenzo ligava o carro, peguei o meu walkie-talkie. —
Sandro, avise os nossos homens, estou enviando a localização para vocês.
— Sim, senhor — ele respondeu do outro lado da linha.
Lorenzo voou na direção em que Valentina estava.
Ela ficará bem. Pensei baixinho. Ela é inteligente, ela é...
O amor da minha vida.
— Viu, irmão? — Matteo bateu no meu ombro. — Eu disse que a Valentina ficaria bem.
Assenti, sentindo um pouco de alegria.
— Só a sua mulher mesmo para fazer acordo com um russo, eu a respeito. — Dante falou
do lado de Matteo, que deu um sorriso.
Eu também respeitava a Valentina, não, eu a amava. Eu nunca pensei que um dia amaria
alguém com tanto fervor como eu amava aquela mulher.
Engoli em seco.
Eu estava ferrado.
Não demorou muito e logo chegamos nas proximidades do esconderijo de Anna.
Decidimos parar o carro em uma floresta, ali ela não desconfiaria de nada e poderíamos atacá-los
enquanto eles se recuperavam da surpresa.
O meu coração estava acelerado.
A cada galho que eu quebrava com os meus sapatos ou a cada canto dos pássaros, eu
sentia estar próximo a dar um fim naquilo tudo, a acabar com o plano insano da irmã de
Valentina, aquela traidora, e por fim ter a minha esposa de volta.
— Então, como vamos fazer isso? — Dante sussurrou atrás de mim. O sol estava
nascendo, os nossos homens estavam todos armados, dos pés à cabeça, assim como eu. Olhei
para o irmão de Lorenzo tentando processar a pergunta dele. — Vamos chegar atirando ou
vamos surpreendê-los? — Ele perguntou quando ninguém respondeu nada.
Lorenzo bufou.
— Bem, eu achei que a ideia de andar na floresta era para surpreendê-los — ele
respondeu sem paciência.
Dei um sorriso, o primeiro depois de várias horas sombrias. Aproximei-me de Dante,
notando o quão jovem ele deveria ser.
— Você tem quantos anos? — Perguntei em voz baixa.
Dante olhou surpreso para mim.
— Tenho dezessete — ele respondeu também em voz baixa. — Mas vou completar
dezoito em março.
Dante era realmente bem jovem.
— Você já participou de algo assim? — Olhei para ele curioso, que negou.
— Eu cuidava mais dos carregamentos em Seattle. — Dante respondeu. — O primeiro
tiroteio que realmente presenciei foi ontem no jantar.
Assenti. A voz de Lorenzo chamou a minha atenção.
— Vamos dividir o pessoal e tomar a casa — ele falou parando na nossa frente. — Eu e
os meus soldados vamos por uma entrada e Luigi com os homens da Camorra irão pela outra. —
Lorenzo concluiu.
Virei-me para Matteo e sussurrei para ele.
— Vai ser o maior banho de sangue. — Abri um sorriso.
— E você ama isso, não é, irmãozinho? — Matteo deu um cutucão no meu braço. O meu
sorriso se alargou mais ainda. Eu amava, aquela era a melhor parte de ser um mafioso.
A adrenalina de matar ou morrer.
— Entretanto, acredito que você não ama mais do que ama a Valentina, né? — Ele deu
uma risada. — Aquela lá te fisgou.
Fechei a cara e continuei em silêncio.
A cada passo que eu dava mais eu me aproximava da casa.
As luzes estavam acesas em pontos específicos, o dia não havia amanhecido
completamente.
— Iremos pela entrada e vocês pelos fundos. — Lorenzo falou.
Assenti e os seus homens foram depressa para a entrada da casa, nós caminhamos em
silêncio, praticamente corríamos.
Então, eu a vi pela janela.
Valentina estava usando um vestido longo e os seus olhos brilhavam com o choque para
alguma coisa que não estava no meu campo de visão, visto que ela estava na frente. Então, o seu
rosto triste mudou para um olhar de ódio, o seu queixo tremeu e ela olhou para Anna na sua
frente.
Suas mãos grudaram no cabelo ruivo da irmã, a jogando com força contra a parede, e
finalmente consegui enxergar o que havia deixado Valentina transtornada.
O meu coração doeu por ela.
— Por que você parou? — Matteo e Sandro pararam do meu lado. — Ah!
Era assustador ver aquela cena.
— Precisamos entrar. — Sandro falou e eu assenti.
Eu precisava agir com cautela, se Anna descobrisse que eu estava lá, ela poderia usar isso
contra a Valentina. Eu era um mafioso e havia sido treinado para passar por qualquer situação, eu
iria manter a calma naquele momento.
E eu iria, por Valentina eu iria.
CAPÍTULO TRINTA E SEIS

Depois de um tempo eu já me encontrava num dos quartos do grande casarão, a vista do


meu quarto dava para um grande lago, mas estava tudo escuro.
Assim que cheguei no quarto, Anna ordenou que eu tomasse um longo banho e que eu
lavasse os meus cabelos, ao que parece teríamos uma grande refeição mais tarde. Contudo, tudo
que eu conseguia pensar era no meu próximo passo, eu precisava de uma arma para me proteger
e infelizmente a faca já não era possível de usar, havia ficado no corpo daquele homem da
Yakuza.
A minha única opção era Yuri, mas ele havia desaparecido.
Fechei os meus olhos, irritada.
Onde ele estava afinal? Será que Yuri conseguiu chegar até o telefone? Uma risada sem
humor escapou dos meus lábios, eu estava confiando mesmo num filho da Bratva?
Suspirei exausta.
Eram tantas dúvidas, mas a única certeza que eu tinha era de que eu precisava de uma
arma, precisava sair daquela casa e procurar por Marina. Ela precisava de mim, eu sentia isso.
Uma batida suave na porta despertou-me dos meus pensamentos, levantei ainda enrolada
no roupão e abri a porta.
Era Yuri.
Com uma luz boa dava para perceber detalhes que eu não havia percebido antes. Yuri era
bem mais jovem do que eu pensava, talvez tivesse a mesma idade de Anna ou até fosse mais
novo. Os seus olhos eram bem azuis e os cabelos tinham uma coloração interessante, não eram
escuros demais ou demasiadamente loiros.
Senti uma pontada no peito, ele deveria no máximo ter dezesseis anos, era uma criança. E
ali estava uma criança armada dos pés à cabeça com um sorriso zombeteiro no rosto.
— Sua irmã ordenou que eu viesse ver se você já estava pronta. — Yuri falou.
Abri a porta e o deixei entrar, assim que ele me viu, os seus olhos se arregalaram.
— Você continua assim? O café da manhã é em poucos minutos.
— Pois é — murmurei.
Yuri me entregou um papel e uma caneta. Em letra difícil de entender, ele escreveu ter
tido sucesso em contatar Luigi, suspirei de alívio.
— Espero que você não se atrase — ele falou secamente.
Peguei a caneta e escrevi perguntando sobre Marina, ele rapidamente escreveu que iria
investigar sobre.
Yuri me entregou uma arma preta, muito gelada ao toque, e com a arma estava o coldre,
olhei para ele, assustada. Yuri me entregou outra arma, uma adaga finíssima com cabo
ornamentado por uma borboleta muito linda e delicada. Como algo tão belo conseguiria tirar a
vida de alguém?
— Estarei aqui em breve para escoltá-la para o café da manhã — ele falou saindo pela
porta.
Suspirei ansiosa.
Anna havia escolhido um longo vestido vermelho de alças finas, ele tinha uma fenda que
ia até o meu joelho direito. Na mesma perna, na coxa, estava o coldre com a arma. Graças aos
treinamentos com Luigi e com o Sandro, eu sabia como usar com facilidade uma arma, nós
havíamos treinado horas e horas para aperfeiçoar a minha mira.
Fechei os meus olhos sentindo uma saudade esmagadora de Luigi, do seu cheiro, da sua
voz e sua risada. Eu precisava fazer a minha parte, assim a parte dele seria mais fácil.
Éramos uma equipe.
Elaborei um longo coque e o prendi com a adaga, apenas o cabo, em formato de
borboleta, estava visível, tornando aquela arma uma inofensiva presilha. Eu ainda não conseguia
entender porque Anna havia me obrigado a vestir aquelas roupas de festas para um café da
manhã.
Yuri abriu a porta quando eu estava terminando de arrumar o meu cabelo. Olhei para ele
em busca de respostas.
Marina estava bem? Estava viva?
— Anna está impaciente à sua espera. — Yuri falou se aproximando, então me entregou
um pequeno papel, o seu olhar era de tristeza.
Peguei o papel e o abri numa velocidade absurda.
Infelizmente a sua irmã já está a caminho da Rússia, eu não sei exatamente qual será o
futuro dela, mas partirei depois do banquete e prometo que ficarei de olho nela.
Senti algo esmagar o meu peito.
— Não tem como trazê-la de volta? — Perguntei baixinho.
Eu sabia que as chances de terem uma escuta no quarto eram enormes, mas não aguentei,
contudo, Yuri simplesmente negou com a cabeça. Inspirei profundamente, segurando a minha
vontade de chorar, eu não iria desistir de recuperar a minha irmã.
Nunca.
— Eu já estou pronta, vamos — falei friamente.
Caminhamos por um longo corredor onde todas as luzes estavam acesas. Logo avistei
uma escadaria de degraus vermelho, nós a descemos em silêncio. Yuri estava com o rosto
impassível, não demonstrava nada, apenas frieza. Pensei na minha irmã, onde quer que ela
estivesse eu havia falhado em salvá-la, eu jamais me perdoaria por aquela falha minha.
Quando chegamos ao fim da escadaria, o salão estava cheio de homens armados, homens
do clã de Filippo e da Tríade.
— Onde está a Yakuza? — Perguntei baixinho.
— Já foram. — Yuri respondeu. — O chefe da Yakuza não queria montar todo esse circo
— ele respondeu em voz baixa.
— E a Bratva?
— Apenas uns poucos estão aqui, a maioria voltará para a Rússia e os outros vão para os
seus clãs daqui dos Estados Unidos. — Yuri falou com seu sotaque carregado.
— Entendo. — Caminhamos o resto do percurso em silêncio.
Chegamos então numa sala de jantar muito chique, a mesa estava posta com quatro pratos
de porcelana. Franzi a testa confusa, mas logo entendi tudo.
Na cabeceira da mesa estava Anna, usando um vestido de seda prateado. Os seus olhos
azuis brilhavam e em seu rosto estava estampado seu sorriso cruel. De frente para ela e de costas
para mim estava um homem que eu conhecia muito bem, os seus ombros largos jamais seriam
esquecidos por mim, afinal era ali que ele me colocava quando andávamos próximos do Lago
Michigan quando eu tinha apenas cinco anos.
Anna sorriu cruelmente para o meu pai.
Nas cadeiras laterais estava Bianca, os seus cabelos loiros estavam sujos de sangue e o
seu rosto estava pálido. Os dois estavam com as mãos e pernas presas, os olhos verdes de Bianca
brilharam implorando por ajuda.
— O que eles estão fazendo aqui? — Perguntei com a voz trêmula.
— Ah, irmãzinha — Anna deu um sorriso. — Sente na cadeira.
Eu a obedeci, mas sem tirar os olhos do papai e da Bianca.
— Por que eles estão aqui, Anna? — Perguntei novamente.
— Você não achou que eu iria deixar esse desgraçado passar ileso depois de tudo que fez
para mim e para a nossa mãe, achou? — Anna deu um sorrisinho e bebeu um pouco de vinho que
estava na sua taça.
Seus olhos me analisavam, olhei para o meu pai que estava com os olhos cheios de
lágrimas e de confusão, a boca tanto dele como de Bianca estavam tapadas com fita Silver Tape.
— E você não vai fazer a boa moça, vai? — Anna deu uma risada. — Tudo que você
sempre quis foi matar essa vagabunda aí. — Ela finalizou, olhando para Bianca.
— Não! — Berrei. — Claro que não, por mais que eu não gostasse dela, eu não queria
que ela morresse, Anna.
— Nos poupe com o seu falso moralismo, Valentina. — Anna murmurou.
Ela estalou os dedos e um homem vestido de preto colocou uma bandeja no centro da
mesa e a abriu. Dentro dela estava uma arma, parecida com a que estava presa na minha coxa.
Olhei para Anna.
— Como eu não sou idiota, só a libertarei depois que matar os dois — ela disse, mas
neguei com a cabeça, Bianca começou a chorar desesperada e o meu pai só olhava fixamente
para Anna. — Quero que você prove o seu valor, vamos ver o quanto você está comprometida
com as minhas ideias.
Engoli em seco.
Eu não podia matá-los.
— Anna, chega com isso — falei olhando para ela. — Eu não vou matar ninguém.
— Por que? — Foi a sua pergunta.
Levantei-me trêmula.
— Eu não posso matar a Bianca, ela cuidou da gente quando éramos crianças. — Minha
voz estava tensa.
Anna olhou pensativa para Bianca, um sorrisinho se formou em seu rosto.
— É verdade, de todos vocês, ela é a única que não esquecia do meu aniversário, ao
contrário dele, que sempre falava que era trinta de setembro, ah, Marco, sempre foi em outubro
— ela disse olhando para o meu pai.
— Anna, vamos parar com essa vingança, nos liberte, deixe o meu pai viver.
— Deixá-lo viver? — Ela perguntou ressentida. — Esse homem não pensou duas vezes
em me jogar num casamento com um cara vinte anos mais velho do que eu, apenas para proteger
você, ele batia na nossa mãe, tentou fazê-la me abortar… — Seus olhos estavam cheios de
lágrimas, meu pai arregalou os olhos ao ouvi-la. — O Filippo me contou tudo, ele é o meu pai,
caso você não saiba.
Anna olhou para mim e apontou para a arma, neguei, eu não podia fazer aquilo, eu não
conseguia associar aquele monstro ao meu pai.
— Eu não vou matá-lo — falei rispidamente.
Anna olhou-me, entediada e desapontada.
— Que seja — ela disse.
Anna pegou a arma na bandeja, mirou e atirou na testa do meu pai.
CAPÍTULO TRINTA E SETE

Gritei.
O sangue começou a escorrer lentamente do buraco na testa do papai. Marco Marchetti
morreu olhando fixamente para o monstro que um dia havia sido a sua filha. Pouco tempo depois
o seu corpo caiu inerte no chão.
Bianca chorou baixinho no seu lugar.
— Você não quis. — Anna falou com um sorriso.
Senti todo o meu corpo tremer de pesar.
Uma dor surgiu no meu peito e eu só queria gritar, só queria chorar, só queria acabar com
toda aquela dor. O meu pai estava morto e havia morrido na minha frente. O homem que sempre
contava histórias para mim antes de dormir, não importava quão cansado ele chegasse do
trabalho. Não importava o quão estressado ele estivesse.
Ele sempre, sempre, foi amoroso à sua maneira.
— Você perdeu o juízo. — Minha voz estava dura. — Isso ultrapassou todos os limites
— gritei para ela.
Anna deu uma risada sem humor.
— Ele foi um monstro comigo, Valentina. O seu pai foi monstruoso, você não esperava
que ele fosse viver, esperava? — Ela levantou-se com a arma na mão. Continuei em silêncio
olhando para o corpo caído do meu pai. — Ele mereceu morrer.
Uma risada fria escapou dos meus lábios.
— E quem foi que te deu a responsabilidade de decidir quem vive e quem morre? —
Perguntei com um ódio crescendo dentro de mim, eu podia senti-lo tomar forma.
— Eu me dei essa responsabilidade, simplesmente agi como um mafioso. — Anna deu
uma risada. — Ou só o seu marido que pode matar as pessoas?
Franzi a testa.
— Não fale bobagens, você matou o nosso pai — eu disse.
Anna ergueu as sobrancelhas.
— E Luigi matou o próprio pai, qual é a diferença? — Ela perguntou. Franzi a testa,
como Anna sabia daquilo?
Engoli em seco.
— Lucca era um monstro, já o nosso pai…
— Ele não é a droga do meu pai — ela disse num grito. — E não vai ser só o Marco que
morrerá essa noite, querida, eu sei que o Luigi está vindo.
Olhei para Anna pela primeira vez desde que ela havia matado o meu pai, Anna sabia
sobre Luigi? Não, eu não iria permitir que aquele monstro tirasse mais ninguém da minha vida.
Consegui sair do encantamento provocado por ela e segurei nos seus cabelos, segurei com força
no seu pulso e o bati contra a quina da mesa. Anna deu um grito e derrubou a arma no chão, a
joguei com força contra a parede, ouvi o barulho que sua cabeça fez quando se chocou contra a
parede. Ela me olhava assustada e pela primeira vez com medo, mas eu não iria me deixar levar
por aquele olhar.
Anna era uma cobra, uma víbora, um ser desprezível.
A segurei pelos braços e a joguei no chão, sentando-me em cima dela. Com uma das
mãos apertei a sua garganta. Eu a queria morta como nunca quis nada na minha vida. Só queria
que ela parasse de respirar.
Notei que um homem grandalhão se aproximava, tirei do coldre a arma que Yuri havia
me dado e apontei para o soldado de Anna.
— Se você der mais um passo, estouro os seus miolos — gritei.
O cara me olhou desconfiado, então saiu do salão de jantar. Guardei a arma no coldre de
novo e bati na cara de Anna.
— Você é um monstro! — Gritei. — Você vai se arrepender pelo que fez comigo, com a
Marina, com o papai e com a Luna.
Apertei o seu queixo com minhas unhas e elas cravaram na sua carne rosada, sangue
quente escorreu pelos meus dedos. Os seus olhos brilhavam com lágrimas que não iriam descer.
Anna era uma pessoa orgulhosa demais para chorar na minha frente. Tirei a arma do meu coldre
e levantei-me, mirei na sua testa pronta para atirar, mas os gritos do lado de fora tiraram o meu
foco e aquela víbora se aproveitou daquele momento para se jogar contra o meu corpo.
Eu caí no chão próxima da mesa com Anna em cima de mim, senti uma dor lancinante
tomar conta da minha costela, será que eu a havia quebrado? Ou pior, será que eu realmente
estava grávida e machucara o meu bebê?
Anna puxou-me pelos cabelos e ouvi o barulho da adaga caindo em algum lugar. Ela
pegou um dos pratos na mesa e acertou na minha cabeça, senti todo o meu mundo girar, tentei
pensar rápido, encontrar uma maneira de sair daquela situação.
— Anna, por favor, estou grávida — falei baixinho.
Aquilo foi o suficiente para paralisá-la, os seus olhos arregalaram-se e a sua guarda
baixou.
— Grávida? — Ela perguntou num sussurro.
Aquele era o momento ideal para imobilizá-la, por isso, joguei o meu corpo contra o seu.
Anna era mais baixa do que eu e estava mais magra, eu também havia aprendido a lutar, por isso
logo fiquei por cima dela, nossas roupas estavam em frangalhos, mas eu não me importava, tudo
que eu queria era enterrar uma bala na sua cabeça.
— Você… sua… — ela se remexeu embaixo de mim. — Você mentiu para mim.
Uma risada escapou dos meus lábios.
— É de família, sorellina. — Peguei um dos pratos e acertei na sua cabeça, o sangue
começou a escorrer da sua testa. — Como você sabia sobre o Luigi? Como você sabia, Anna? —
Peguei outro prato e joguei novamente em Anna, que gritava com a pancada.
Ela apenas deu um sorriso cruel, sua boca estava cheia de sangue.
— Você achou mesmo que eu era a única traidora? — Anna perguntou em um sibilado.
— Tenho aliados na Camorra.
Senti todo o meu corpo tremer, eu havia infelizmente perdido a arma na queda, eu
precisava encontrá-la e dar um fim naquilo tudo.
— Quem é o traidor? — A segurei pelos ombros e a joguei no chão três vezes — Quem
é?
Anna gargalhou.
— Ele está mais próximo do que vocês imaginam. — Ela sorriu de maneira grotesca.
Anna tossiu e cuspiu sangue no carpete, encontrei as duas armas a alguns metros de
distância, mas ela também olhou no mesmo momento, eu teria que ser rápida para pegar as duas.
Contudo, quando alcancei a arma que Yuri me deu, Anna me puxou pelo calcanhar, mas isso não
me impediu de segurar as duas.
Atirei sem mirar e o tiro acabou acertando na sua perna, mas foi o suficiente para fazê-la
cair no chão aos gritos.
Levantei-me e apontei as duas armas para ela.
— Vá em frente, atire em mim. — Anna deu um sorriso. O seu vestido estava todo
estragado, os cabelos uma bagunça e o rosto todo machucado e cheio de sangue, ela estava
horrível. Com dificuldade, Anna se levantou. — Me mate assim como matei o seu papai, como
matei a sua amiguinha, atire bem aqui. — Ela apontou para a sua testa. — Mereço morrer.
Engoli em seco.
— Atira — ela gritou.
Nesse momento a porta explodiu e Luigi entrou, os seus olhos estavam fixos em mim e
em Anna, notei Matteo entrar às pressas e soltar Bianca, que havia assistido tudo de olhos
arregalados.
— Atira. — Anna sibilou. — O seu marido vai ficar orgulhoso de você.
Luigi fez que não com a cabeça.
— Por que você fez aquilo na sala de jantar, Anna? — Luigi perguntou friamente. — Por
que fez aquilo com a Luna?
Um brilho de confusão passou pelos olhos azuis de Anna.
— Eu não fiz nada com ela — ela respondeu. — Só enfiei uma bala na cabeça dela e a
entreguei para a Yakuza.
Olhei para Luigi e depois para Anna, um sorriso se alargou no seu rosto.
— Vamos, me mate, Valentina Marchetti — ela gritou para mim.
Atirei então em sua outra perna e Anna caiu com um grito no chão.
— Por que não me matou? — Ela estava pálida e gemendo de dor.
— Porque eu não sou Marchetti, sou Salvattore, e não sou uma assassina igual a você —
falei com tristeza.
Anna deu um sorriso, então um barulho de tiro soou no recinto e uma bala acertou o seu
peito, fazendo com que ela caísse no chão desacordada.
E uma pergunta fixou-se nos meus pensamentos:
Anna estaria morta?
CAPÍTULO TRINTA E OITO

Olhei assustada na direção em que o tiro veio e encontrei Lorenzo.


— Sua vagabunda, isso é pelo que você fez com a minha Luna — ele falou friamente.
Sandro passou correndo e foi até Anna, os seus dedos tocaram a garganta dela e nos
olhou de maneira sombria.
— Ela morreu — ele falou.
Senti um alívio tomar conta do meu peito.
— Tire ela daqui, Sandro. — Luigi foi até onde eu estava e me abraçou com força. —
Meu Deus, meu amor.
Fui impedida de responder porque Yuri, que estava escondido nas sombras, apareceu com
um sorriso, Luigi tirou a arma do coldre e apontou para ele.
— Cuidado, Valentina — ele disse, mas abaixei o seu braço, o fazendo me olhar confuso.
— Ele é amigo — falei com um sorriso. — Yuri é o meu aliado.
As sobrancelhas de Luigi arquearam e um brilho de reconhecimento passou pelo seu
olhar.
— Pensei que hoje seria o meu grande dia de sorte. — Yuri se aproximou mais de mim.
— Cumpro com as minhas promessas — falei baixinho. — Obrigada.
— Não há de quê — ele falou com um sorriso.
Yuri virou-se para partir, mas algo chamou a sua atenção, então ele abaixou-se e pegou
algo que estava perto do corpo do meu pai.
— Acho que isso é seu. — Notei que era a adaga de borboleta.
Suspirei. Eu sabia de uma pessoa que iria precisar mais do que eu.
— Entregue para Marina — falei com a voz engasgada. — E diga que vou tirar ela de lá,
por favor.
Luigi ficou tenso e me olhou preocupado.
— O que aconteceu com a Marina? — Ele perguntou.
Yuri olhou diretamente para o meu marido.
— Anna a vendeu para a Bratva. — Ele olhou para o lado.
— Por quê? Para quê? — Luigi perguntou.
Yuri suspirou.
— Não sei para qual finalidade. Por isso, é difícil para vocês a resgatarem, ela pode estar
em qualquer lugar do mundo, a Bratva tem bordéis em todo o canto do globo.
Senti as lágrimas rolarem pela minha bochecha.
— Meu Deus, minha irmãzinha não tem idade para ir para um bordel — choraminguei.
Luigi apertou os meus ombros carinhosamente.
— Vamos encontrá-la e vamos trazê-la para casa, eu te prometo — ele falou
amorosamente.
Yuri nos olhou com olhos de gato, não gostando nem um pouco daquela ideia.
— Sugiro que vocês deixem como está, quando a sua irmã puder, ela mesma voltará,
vocês não querem começar uma guerra, querem? — Ele disse, dando um sorriso significativo.
Dei uma risada sem humor.
— Eu não me importo com guerra nenhuma, eu quero a minha irmã de volta e se preciso
for vou até os confins do inferno — falei com a voz trêmula.
Céus, eu me sentia tão cansada. Yuri olhou para a adaga na sua mão.
— Sinto muito, mas nisso eu não posso ajudar — ele falou com um sorriso triste.
O observei virar-se e sumir nos corredores da mansão de Filippo Giacomo.
Olhei para Luigi.
— Luigi, traga minha irmã de volta, por favor.
Meu marido assentiu, seus lábios tocaram minha testa e amorosamente ele disse:
— Vou encontrá-la, eu prometo.
Assenti.
Eu sabia que ele iria me ajudar, eu confiava a minha vida àquele homem.

Mais tarde naquela noite, após cremarem Anna e levarem os mortos para realizarmos o
funeral, eu estava caminhando impaciente no banheiro. Decidi fazer o teste de gravidez, se algo
tivesse acontecido com o bebê, eu poderia fazer algo.
— Já saiu o resultado? — Luigi perguntou perto da porta.
Suspirei.
— Não.
Assim que chegamos no nosso apartamento, contei a ele sobre as minhas suspeitas, ele
foi correndo à farmácia mais próxima e trouxe para mim, não um, mas cinco testes, e agora eu
observava todos eles com ansiedade.
— Acho que não consigo — falei para Luigi. — Eu não consigo olhar.
Não demorou muito e ele entrou no banheiro.
— Quer que eu olhe? — Luigi perguntou carinhosamente.
Assenti. Ele aproximou-se da bancada da pia com os testes de gravidez, depois de alguns
segundos observando todos, Luigi me olhou com um sorriso no rosto.
— E? — Perguntei.
— Bom, tenho duas notícias para dar a você — ele falou suavemente. — Uma boa e uma
ruim.
Franzi a testa.
— Qual você escolhe?
Dei de ombros.
— A ruim, porque depois a escolha boa dá uma equilibrada nos meus sentimentos.
Luigi deu uma risada.
— Bom, a notícia ruim é que precisaremos mudar de apartamento para uma casa. —
Ergui as sobrancelhas, confusa. — E a notícia boa é que realizaremos isso pelas crianças.
Fiquei completamente em choque.
— Estou grávida? — Perguntei e ele assentiu com os olhos marejados.
Joguei-me nos braços de Luigi, sentindo um misto de emoções, eu teria filho, uma
família completa.
Céus, aquilo era… era incrível. E terrivelmente doloroso.
Meus filhos não teriam uma tia para mimar, pois eu havia perdido minhas duas irmãs.
Luigi percebeu o sofrimento estampado no meu rosto e me olhou preocupado.
— Você não está feliz? — Ele perguntou.
Senti as lágrimas rolarem pela minha bochecha.
— O meu sonho era encher minhas irmãs de sobrinhos, o meu pai sonhava em ter netos,
mas eu não tenho mais nenhum deles comigo.
Luigi suspirou e me abraçou com força.
— Prometi trazer Marina de volta e eu vou fazer isso, tenho certeza que ela vai ser uma
tia incrível — ele disse, me fazendo assentir, devagar. — Tenho certeza que seu pai morreu
orgulhoso de você, com a sensação de que fez o melhor e te deixou em boas mãos.
Respirei fundo e olhei para Luigi, sim, ele tinha razão, eu estava em boas mãos, eu iria ter
minha família com o homem que eu amava.
— Amo a ideia de ter uma parte sua aqui dentro. — Toquei na minha barriga e Luigi
sorriu com os olhos marejados.
Meu marido me pegou no colo e levou-me para a cama, os seus braços envolveram-me
protetores e as suas mãos faziam carinho na minha barriga. Céus, como eu havia sentido falta dos
seus braços envolta de mim, do seu cheiro. Eu realmente pensei que nunca mais o veria.
— Eu não acredito que vamos ser papais — ele sussurrou. — Meu Deus.
Dei um sorriso.
— Você vai ser um excelente pai — murmurei.
Luigi ficou em silêncio durante um bom tempo e então deu um longo suspiro.
— Fiquei com tanto medo de perdê-la — ele falou beijando a minha testa, os seus dedos
brincavam com os meus.
— Achei que eu nunca mais iria te ver — murmurei baixinho, sentindo as lágrimas
descerem pela minha bochecha. — Fiquei com tanto medo dela te matar.
Luigi me apertou no seu abraço com mais força, como se a mera ideia de me soltar
significasse me perder.
— Amo tanto você, meu amor. — Luigi virou o meu rosto para ele, o olhei surpresa.
Luigi nunca havia me dito aquelas palavras em todo o nosso tempo juntos e ouvir aquilo era
indescritível. — Eu a amo com tanta intensidade que seria preciso me matar milhões de vezes
para me impedir de voltar só para ficar ao seu lado.
Senti mais lágrimas rolarem pela minha bochecha e os seus dedos secarem as minhas
lágrimas.
— Luigi…
— Amo mais você do que a mim mesmo, a minha vida deixou de pertencer a mim no
mesmo instante que a conheci. Você é a primeira coisa que penso quando eu me levanto e a
última coisa que penso quando me deito, Valentina. E agora você me deu o maior presente que
eu poderia receber, saiba que vou todos os dias da minha vida mostrar minha gratidão por você
ter me feito viver de novo.
Abri um sorriso tão sincero, tão verdadeiro e tão cheio de amor, eu sentia que meu
coração iria explodir com tanto amor.
— Ah, Luigi — sussurrei. Sentei-me no seu colo e toquei a sua bochecha com a ponta do
meu dedo. — Amo você como nunca imaginei conseguir amar um homem, fiquei com tanto
medo de não ter um casamento por amor, mas eu nem me toquei que já estava me casando com o
amor da minha vida. Eu sempre amei você e sempre vou te amar, até os fins dos meus dias.
Notei que os olhos de Luigi se encheram de lágrimas. Suas mãos seguraram-me com
força e aproximamos os nossos lábios um do outro.
Era um beijo de amor, um beijo com gosto de lágrimas.
Um beijo de alívio e um beijo de esperança.
Eu estava bem, estava viva, assim como Luigi. Perdi muitas pessoas importantes, mas eu
o tinha, eu estava com o fruto do nosso amor no meu ventre e isso me dava a certeza de que
ficaríamos bem.
Eu também tinha a certeza de que juntos iríamos encontrar minha irmã.
Eu nunca desistiria de Marina.
CAPÍTULO TRINTA E NOVE

MARINA

Eu estava em casa.
O meu coração batia ansioso esperando pela minha irmã e pela sua convidada. Por mais
que papai e Bianca fossem ótimas companhias, a tristeza e a melancolia de Anna me
incomodavam. Eu precisava da alegria de Valentina para consumir nossa casa, eu precisava
conversar com outras pessoas, eu já havia lido praticamente todos os meus livros da estante,
mesmo Bianca não gostando muito.
Antes que Valentina entrasse, observei um rapaz tirar algo de dentro do carro.
— A senhora quer que eu coloque as malas no seu quarto? — Ele falou.
Olhei para o rapaz e o achei muito bonito, tinha algo no seu jeito de se portar que me
fazia não conseguir desviar os olhos do rosto dele.
Parecia que eu o conhecia, mas de onde?
— Ah, não precisa, Sandro…
Sandro.
Eu o conhecia, ele estava no casamento da minha irmã, o rapaz engraçado da piscina.
Sandro.
Esse era o nome dele.

Acordei com muita dificuldade.


A minha língua estava pesada, os meus braços e pernas não pareciam mais pertencer a
mim e eu ainda estava presa na gaiola, mas eu conseguia lembrar-me do meu sonho e agora eu
sabia o nome do traidor, daquele ser miserável que estava beijando Anna.
Era o Sandro, ele era o maldito traidor.
Chutei a portinha da gaiola com dificuldade, pois as minhas pernas ainda estavam
pesadas devido ao sedativo, mas eu precisava sair daquele lugar, eu precisava avisar Luigi e a
minha irmã, eles estavam com o traidor.
Uma luz cegante de lanterna me fez fechar os olhos com força, haviam tirado a lona que
tampava minha gaiola, estava frio e o dia já havia ido embora, a escuridão me cobria por inteira.
Não demorou e várias luzes foram acesas no local.
— Por que fez isso? — O cara falou em russo para outro homem.
Contudo, eu entendi com certa dificuldade, papai havia me feito estudar idiomas e eu
escolhi russo só para saber o que os inimigos falariam de nós se um dia eu fosse sequestrada.
Que ironia cruel…
— Ela estava chutando a gaiola — outra pessoa respondeu. — Agora ela está quieta.
Ouvi um suspiro irritado.
— Não mexe no carregamento.
Abracei as minhas pernas com força, agora eu não passava de um carregamento.
Engoli as lágrimas.
Depois de alguns minutos a porta da gaiola foi aberta e mãos fortes me seguraram pelo
braço e me arrancaram de lá, eu não me debati, pois seria em vão. Valentina havia me dito no dia
que havia aceitado o casamento com Luigi que algumas batalhas não mereciam ser travadas e
aquela era uma delas.
O homem me fez ficar de pé ao lado de outras garotas, todas mais velhas do que eu, todas
estavam com o rosto sujo de lágrimas e olhavam fixamente para frente.
Apertei os meus olhos com força, talvez aquilo fosse um terrível pesadelo, talvez eu fosse
acordar logo.
Aquilo tinha que ser um pesadelo.
Barulho de botas me fizeram abrir os olhos e ficar bem atenta.
— Que estranho, não é o Pakhan que veio. — O homem atrás de mim sussurrou para o
outro. — Mas sim o filho dele.
Outro deu risada.
— Ele gosta de flertar com o carregamento.
Eu estava alheia a tudo que eles estavam falando, quem diabos era Pakhan? Vários
homens vestidos de farda escura caminharam até onde eu e as meninas estávamos, eles pararam
de frente para nós e colocaram o cano das armas encostadas nos ombros.
Era assustador e intimidante ao mesmo tempo.
Um jovem rapaz parou no meio deles, os seus cabelos eram loiros escuros e os olhos
verdes pareciam com musgo, ele realmente me assustava.
— Muito bem — o rapaz falou com um sorriso.
Os seus olhos passaram pelas meninas no início da fila, o garoto foi até cada uma, os seus
dedos tocavam os seus queixos, os seus olhos e os seus dentes, inspecionando cada uma, quando
terminava, ele as designava para um lugar.
Espanha, Turquia, Ucrânia, Paris e assim por diante.
Quando ele chegou perto de onde eu estava, os seus olhos se fixaram no meu rosto e
pulou as duas garotas antes de mim, o rapaz olhou para o soldado.
— E essa aqui? — Ele parou na minha frente. Os seus dedos tocaram os meus cabelos
ruivos e desceu pelo meu queixo. — Onde conseguiram essa menina?
O soldado mexeu-se, nervoso.
— Essa veio no carregamento da italiana. — O rapaz ergueu as sobrancelhas para que o
outro fosse mais específico. — A filha do Filippo.
O jovem russo franziu a testa.
— Fui bem claro a ela quando disse que só aceitamos jovens com mais de dezesseis anos.
— Ele olhou para mim contrariado. — Ninguém vai querer se deitar com essa menina, que
serventia essa pirralha terá?
Ergui o meu queixo, eu não iria para nenhuma casa de prostituição.
— Desculpe, senhor — o soldado falou humildemente atrás de mim.
O rapaz olhou de um lado para o outro, então tirou de dentro do sobretudo uma arma de
cano comprido e atirou na testa do homem atrás de mim.
As meninas do meu lado gritaram assustadas, mas eu não mexi um músculo do meu
corpo, eu sabia bem o que acontecia quando agíamos no calor da emoção. Bianca havia feito isso
para me proteger e levou um tiro no ombro. Fiz isso para proteger Valentina e fui jogada no
chão. Minha madrasta sempre foi obstinada ao dizer que para a nossa segurança, para
permanecermos vivas, nós precisávamos esconder os nossos medos, esconder o horror, e eu iria
fazer exatamente isso.
O rapaz notou o meu rosto impassível e suas sobrancelhas levantaram-se. Com o cano da
arma ele ergueu o meu queixo e os seus olhos encontraram os meus.
— Você não se assustou, pirralha? — Ele falou baixo, mas firme.
Neguei com a cabeça.
— Vi tantas pessoas morrerem hoje que nada mais me abala — falei com o meu russo
enferrujado.
Os olhos do rapaz brilharam curiosos.
— Ela estava nos entendendo esse tempo todo. — Ele deu uma risada. — Que diabinha.
Ele colocou a arma no casaco.
— A leve para o prostíbulo ao sul de Moscou — o rapaz falou para o outro soldado. —
Avise as meninas que quando ela completar dezesseis anos ela pode trabalhar, mas antes disso
não.
Não, eu não podia ser jogada naquele lugar. Eu não iria permitir que aquele fosse o meu
fim.
O rapaz virou-se para sair.
— Não — gritei.
O filho do Pakhan virou lentamente para mim com o seu cenho franzido.
— O que você disse? — Ele perguntou devagar.
Todas as armas apontaram para mim, mas escondi o meu pavor, ninguém precisava saber
que eu só queria correr para os braços do meu pai.
— Sou muito mais útil para a Bratva fora de um bordel do que dentro dele — falei
tentando soar calma.
O rapaz aproximou-se de mim, curioso e irritado ao mesmo tempo.
— Me diga como você poderia ser mais útil do que rebolando essa bunda e conseguindo
dinheiro para mim?
Ergui as sobrancelhas.
Lembrei-me imediatamente de um documentário no Animal Planet, lembrei de como
fiquei chocada e obcecada com a fêmea daquele peixe.
— Você assiste ao Animal Planet? — Perguntei.
O rapaz deu risada.
— É claro, depois que mato pessoas idiotas, eu vou descansar em casa assistindo um
canal de animais selvagens. — Notei o sarcasmo na sua voz, ignorei.
As palmas das minhas mãos suavam de nervosismo.
— Existe um peixe, o Charrocos — falei. — A fêmea desse peixe atrai o macho e oferece
sua barriga para uma mordida, fazendo com que ele se transforme em um parasita que vive do
sangue da parceira. — O russo me olhou como se eu fosse louca, mas ignorei seu olhar. — Bom,
esse peixe acaba se tornando um fornecedor exclusivo de espermatozoides, mas após a
fecundação, depois que ela consegue o que quer, o macho é eliminado pela fêmea e morre.
O rapaz cruzou os braços.
— Eu sempre detestei biologia — ele falou entediado. — Então, me dê uma razão para
não estourar seus miolos nesse momento.
Senti o cano da arma na minha testa.
— Posso fazer isso — falei rapidamente. — Posso ser como essa fêmea de peixe, posso
seduzir os homens que vocês desejarem e quando eu tiver tudo que eles possam me oferecer, eu
posso matá-los.
O aperto da arma na minha testa foi diminuindo.
— Continue.
— Uma mulher consegue mais respostas do que um homem, e sabe por quê? Porque
sabemos como perguntar e sabemos principalmente como obter as respostas — falei. Como eu
sabia de todas aquelas coisas? Eu não fazia ideia, eu só tinha doze anos, mas sempre fui muito
observadora, sempre assisti a muitos filmes e li muitos livros de espionagem. — Posso ser a
melhor assassina e espiã que a Bratva já viu, me treinem e vocês verão.
O rapaz me olhou.
— Você quer ser uma torpedo? — Ele perguntou e eu assenti. O rapaz olhou para alguém
atrás de mim. — A leve para a sala branca.
Então, ele virou-se e saiu com os outros homens. Uma mão segurou o meu braço magro,
olhei para cima e vi um jovem de olhos azuis como o céu num dia de chuva.
— O que é essa sala branca? — Sussurrei.
Ele suspirou e saiu andando até a entrada de um prédio cinza.
— Você não vai querer descobrir.
Então, enfiaram uma agulha no meu braço e eu caí numa espiral de escuridão.

Acordei com uma luz branca diretamente nos meus olhos e sentei-me na cama que eu
estava deitada.
Eu estava num quarto comum com três camas, mas ele era todo branco, desde as paredes
até o teto, a minha cabeça doía com aquela claridade. Caminhei até a porta e como eu presumia
estava trancada. Olhei para os cantos do quarto e havia câmeras, talvez aquele fosse um teste
para avaliar as minhas habilidades. Provavelmente eles estavam me observando numa tela de
computador.
Inspirei profundamente.
Eu precisava focar em sair dali e mostrar que eu poderia ser muito mais útil do que ficar
num bordel. Eu tinha que sair daquele lugar e fazer Anna e Sandro pagarem por tudo que eles
nos fizeram passar.
Olhei para todo o quarto assimilando o local, uns livros bem arrumados nas prateleiras
chamaram minha atenção, senti saudade do meu quarto e dos meus livros. Caminhei até a
prateleira e observei os livros mais de perto, eles tinham a capa branca e no meio de cada um
deles havia uma página dobrada.
Franzi a testa achando aquilo estranho.
Eu abri nela. Tinha um círculo na letra T da frase: os três porquinhos se esconderam do
lobo. Engoli em seco e gravei a letra T na minha mente, então tirei cada um dos livros e cada um
deles tinha uma página dobrada e com o círculo numa letra específica.
Eu precisava escrever, mas não tinha uma caneta ou algo do tipo em lugar algum.
Olhei ao redor procurando uma coisa para raspar no tampo da cômoda, olhei para o
guarda-roupa e o abri.
Havia vários cabides de ferro guardados ali dentro, eu peguei um.
Sempre gostei de romances, mas os livros de mistério e espionagem sempre me
fascinaram, e todos aqueles livros estavam sendo úteis para mim naquele quarto.
Tentei entortar a ponta do cabide, mas era muito difícil com as minhas mãos, então
resolvi prendê-lo na cômoda e puxar. Abri um largo sorriso com o resultado.
Valentina ficaria tão orgulhosa de mim.
Senti as lágrimas brotarem nos meus olhos, mas eu não podia chorar, não podia me
permitir chorar, não com as câmeras me vigiando. Peguei os livros e comecei a escrever as
palavras no tampo da cômoda com a ponta do cabide, no fim formou duas palavras.
— Terceira cama — li baixinho.
Franzi a testa e olhei para a cama, caminhei até ela e retirei os travesseiros, as cobertas e
os lençóis.
Não havia nada.
Mordi o lábio inferior, pensativa.
Arranquei o colchão e encontrei um papel preso na grade da cama, eu o retirei de lá e o
abri.
O pássaro preso começará a cantar.
Como eu odiava aquelas pistas sem sentido, não havia nenhum pássaro naquele maldito
quarto.
Olhei ao redor e uma imagem de um pássaro preso surgiu na minha cabeça, se ele
estivesse preso obviamente seria numa gaiola e havia uma gaiola branca em cima do guarda-
roupa igualmente branco, mas eu não era alta, como subiria lá em cima?
Notei que a cômoda estava ao lado do guarda-roupa, se eu subisse em cima dela
conseguiria chegar perto da gaiola e foi isso que fiz.
Pulei, me apoiei nos braços e me sentei no tampo da cômoda, então me levantei e puxei a
gaiola, um papel escuro caiu no meu colo, mas me foquei na coisa de ferro no meu colo. Virei o
trinco da parte de cima da gaiola e a retirei, colocando ao meu lado.
Debaixo de todo o alpiste estava uma chave de fenda, olhei confusa para o objeto na
minha mão. Resolvi pegar o papel no meu colo.
Me abra.
Só dizia essas duas palavras, mas abrir o quê? A porta?
Olhei ao redor e notei que perto da cama havia um duto de ventilação, pulei no chão e
corri até ele, a chave de fenda era compatível com os parafusos que prendiam a grade. Quando eu
finalmente abri e coloquei a grade no chão ao meu lado, olhei pelo quadrado não muito grande,
eu conseguiria passar por ele? Provavelmente, mas aquela escuridão era assustadora e sufocante,
contudo, eu precisava entrar ali.
Agachei-me e fiquei de quatro, sendo o suficiente para me enfiar naquele duto. Comecei
a me engatinhar por ele, mas o lugar que eu estava cedeu e eu caí de barriga no chão duro, tentei
recuperar o fôlego, mas a dor da pancada era dolorosa, tornava difícil de respirar.
Senti quando as mãos me seguraram pelo braço e alguém me levantou.
— Traga a garota até aqui. — Uma voz reverberou na sala, mas eu não conseguia abrir os
olhos, doía demais. Seguraram-me pelo braço e me arrastaram até algum lugar, abri os olhos
devagar e um homem mais velho que o meu pai me olhou com nítida curiosidade. Seus cabelos
eram bem grisalhos e os seus olhos azuis. — Você se saiu muito bem no primeiro teste, melhor
do que a maioria — ele falou com um sorriso.
Ergui o queixo, eu sabia que era um teste.
— Eu passei? — Perguntei.
— Ainda não, terão mais cinco para testarem suas habilidades — o homem disse, cinco?
— Você sabe quem eu sou?
Olhei para ele com atenção.
— Não — respondi. — Mas suponho que seja algum tipo de líder.
O homem assentiu.
— Isso, sou o Pakhan, os italianos costumam se referir a pessoas como nós como chefe,
capo crimine ou Don. — O Pakhan me analisou em silêncio, então perguntou: — Você tem
certeza de que quer essa vida, minha jovem? Ser um assassino não é bom.
Ergui o meu queixo.
— Ser prostituta também não é — respondi.
O Pakhan ergueu as sobrancelhas.
— Então, você só quer ser nossa assassina para não ser jogada em um bordel? — Ele
perguntou coçando o queixo.
Neguei com a cabeça.
— Quero ser a sua assassina porque quero me vingar de quem me vendeu para vocês —
respondi. A minha resposta arrancou um sorriso do homem.
Ele se aproximou de mim e se abaixou para ficar da minha altura.
— Minha filha, você faz ideia de que ao ser minha assassina você vai ter que abdicar da
sua vida, do seu passado, do seu nome e até dos seus cabelos ruivos?
Olhei surpresa para o Pakhan. Eu não sabia disso, eu amava os meus cabelos ruivos, mas
agora eles lembravam-me da Anna, então eu não via problema em me livrar deles.
— Eu não ligo para os meus cabelos — respondi.
O Pakhan assentiu, pensativo.
— Você vai ser mais livre do que seria sendo a filha de um mafioso, mas a sua vida nos
Estados Unidos, o seu passado, essas coisas você precisará esquecer.
Engoli em seco.
Eu nunca me esqueceria do meu passado, mas eu teria uma liberdade que num bordel eu
jamais teria, se eu aceitasse ser uma prostituta eu jamais teria a chance de me vingar daqueles
dois monstros. Ao passo que, sendo uma assassina treinada, eu teria chances de me vingar e
ainda matá-los com as minhas próprias mãos.
— Tudo bem.
O Pakhan me olhou surpreso.
— Você vai querer continuar com isso? — Olhei para o homem na minha frente.
Eu já havia tomado minha decisão.
— Sim, eu vou ser a sua assassina — falei decidida. — Vou ser a assassina da Bratva.
O Pakhan assentiu.
— Certo. — Ele sorriu. — Yuri, leve a menina para o alojamento, amanhã ela vai passar
pelo segundo teste, e se você conseguir passar por todos eles, você será a minha Torpedo e
receberá um treinamento de assassina e não de soldado. — Ele olhou para mim, assenti em
resposta.
Um rapaz se aproximou de mim, notei ser o mesmo que havia aplicado a injeção no meu
braço, eu o reconheci pelos olhos azuis.
Então, ele se chamava Yuri.
— Vamos. — Ele me segurou pelo braço e caminhou comigo até um longo corredor.
Caminhamos em silêncio até parar de frente a uma porta. — Você fez uma péssima escolha, mas
isso é seu. — Yuri falou para mim rispidamente e me entregou uma adaga com a lâmina
finíssima e muito afiada.
O cabo era adornado com uma linda borboleta prateada, olhei para Yuri confusa, a Bratva
estava me dando uma arma?
O tal Yuri abriu a porta e um quarto simples estava me esperando.
— E esse é o seu novo lar — ele murmurou.
Entrei e parei no meio do quarto, havia uma cama simples com uma escrivaninha, as
paredes eram claras.
Todo aquele espaço era a minha casa, aquele era meu lar.
Apertei a minha mão na lâmina afiada da adaga e senti o líquido quente do sangue
escorrer pelos meus dedos.
Eu estava com raiva e magoada, mas tinha certeza de uma única coisa: Eu havia morrido
como Marina Marchetti, mas eu iria reviver dos mortos só para matar Anna e Sandro.
Eu iria acabar com aqueles dois.
EPÍLOGO

Quatro anos depois...


Luigi estava com os olhos vendados e as suas mãos estavam segurando as minhas
enquanto caminhávamos em direção ao nosso quarto.
Nós não morávamos mais em Nova Iorque, mas sim no subúrbio de Seattle, nós
havíamos decidido em comum acordo que aquele lugar não seria bom para criar os nossos filhos,
já que eu já estava grávida da nossa primeira filha, a pequena Nina. No mesmo mês que descobri
que teríamos uma menina, também descobri que Marina havia morrido.
Yuri nos telefonou para contar que ela havia sido morta por um cliente, como não
acreditei nas suas palavras ele me enviou uma mecha ruiva do seu cabelo e uma fotografia do seu
cadáver, mas mesmo assim… no fundo, eu não acreditava na sua morte, eu não podia acreditar.
Era difícil para mim imaginar que eu não vivia mais no mesmo planeta que ela, que eu nunca
mais teria a possibilidade de ouvir a sua risada que eu tanto amava.
— O que você está aprontando, Valentina Salvattore? — Luigi tirou-me dos meus
pensamentos, dei um sorriso.
Luigi era um marido maravilhoso, tão amoroso e cuidava tão bem de mim, quem podia
imaginar que o chefe da Camorra, aquele homem que todos temiam era, na verdade, alguém com
um coração tão bonito?
Anna havia me deixado com muitos traumas e todas as noites eu acordava aos gritos de
pesadelos que envolviam ela matando o meu pai na minha frente ou roubando a minha filha e
desaparecendo na escuridão. No entanto, sempre que eu acordava chorando, os braços de Luigi
estavam envoltos de mim me ninando, me amando.
Era sempre assim e eu não podia mostrar a minha gratidão de outra maneira.
— É uma surpresa, Luigi — falei o abaixando para ficar da minha altura. — Vou
desamarrar a venda, mas só abra os olhos quando eu mandar, entendido?
Uma risada escapou dos seus lábios.
— Certo.
Desamarrei a venda e a joguei no chão. Tirei o robe que cobria as minhas roupas — ou
melhor, a falta delas — e respirei profundamente.
Eu estava ansiosa.
— Pode abrir os olhos.
Luigi obedeceu e olhou à sua volta.
A cama estava com lençóis brancos e limpos, na mesa de cabeceira tinha champanhe e
chocolate — tanto em barra como derretido — e uma música tocava ao fundo com uma luz
suave no quarto. Os seus olhos pararam em mim e deslizaram por cada parte desnuda do meu
corpo. Era incrível como ter filhos e o fato do meu corpo ter mudado, não havia mudado a forma
que Luigi me adorava e adorava o meu corpo, ele mostrava muito bem em palavras e ações o
quanto me desejava.
— Meu Deus, Valentina! — Os seus braços me pegaram pela cintura e Luigi me jogou na
cama.
O seu corpo cobriu-me rapidamente.
— Lembra que há alguns anos você teve uma ideia envolvendo chocolates? — Perguntei
enquanto deslizava os meus dedos pelo seu braço musculoso, ele assentiu. — Bem, sinta-se à
vontade para mostrar que ideia era essa.
Luigi sorriu e seus lábios encontraram a curvatura do meu pescoço, então ele afastou-se
só um pouco e me olhou preocupado.
— E se essa festinha acordar a nossa princesinha? — Dei um sorrisinho.
Era fofo ver Luigi sendo pai, ele era tão cuidadoso e dedicado.
Abri um sorriso largo.
— Já cuidei de tudo — falei baixinho. — Sua mãe levou ela para a casa de Matteo e de
Bianca, os quatro vão assistir filmes e comer pipoca até a nossa Nina adormecer.
Luigi assentiu, então as suas mãos pegaram o chocolate na mesa de cabeceira e colocou
próximo de nós, os seus dedos tocaram a calda que estava no ponto ideal para não queimar
ninguém, e passou nos meus lábios. Os seus lábios sugaram o doce e foi simplesmente
maravilhoso, ondas de prazer me envolveram por todo o corpo.
— Por que… — parei de falar ao sentir o líquido morno no meu mamilo, estremeci
embaixo do corpo de Luigi.
Nem tive tempo de raciocinar porque os seus lábios tocaram a parte cheia de chocolate e
com a língua ele lambeu todo o líquido marrom. Era uma mistura de sensações prazerosas e
indescritíveis, tudo que eu conseguia fazer era suspirar.
— O que você estava dizendo, amor? — Ele olhou para mim com um sorriso diabólico, o
canto da sua boca estava sujo de chocolate. Respirei fundo, tentando lembrar-me do que eu
estava dizendo. — Acho que alguém perdeu a fala. — Luigi me provocou.
Fiz uma careta para ele.
— Eu estava me perguntando por que… — Luigi jogou chocolate no meu outro mamilo e
dessa vez não só a língua, mas os dentes, me fizeram ficar sem fala e apenas gemer de prazer.
Luigi deu uma risada e os seus lábios se aproximaram dos meus ouvidos, seu polegar
beliscou o meu mamilo tentadoramente provocando espasmos por todo o meu corpo.
— Acho que você estava se perguntando por que nunca havíamos feito isso antes. — Sua
voz estava rouca e tão distante, eu estava presa nas sensações que o seu toque me provocava. —
Mas não se preocupe, amor… — seus lábios sugaram a pele macia e sensível do meu pescoço,
apertei as minhas unhas nas suas costas. — Vou mostrar para você, não uma, mas várias vezes,
que devemos sempre fazer isso.
Para a minha felicidade, Luigi cumpriu com a sua palavra.

Oito meses depois...


Os meus pés estavam doendo tanto que eu mal conseguia ficar de pé. A minha barriga
redonda e enorme me impedia de fazer as coisas mais simples, como andar ou dormir.
Os últimos meses de gravidez estavam sendo terríveis, a nossa pequena Aurora já estava
mostrando que não era nada fácil de lidar, mas eu já a amava e amava mais ainda o fato de dar
uma irmã para Nina, que estava animada para a irmãzinha dela chegar.
Ouvi o barulho da porta e fui surpreendida por Luigi ao entrar com duas caixas redondas
nas mãos.
— O que você está fazendo aí em pé? — Ele se aproximou de mim e me deu um beijo
nos lábios. — Sente aqui e observe a linda paisagem do lago.
Luigi sentou-me em frente a nossa grande janela de vidro, dei uma risadinha, mas logo
fiquei cansada.
— Com essa barriga enorme eu não consigo fazer nada, nem mesmo rir — gemi
baixinho. — Quando é que vai nascer mesmo?
— Amor, estamos quase lá. — Luigi deu um sorriso. — Já passamos por isso, lembra?
Assenti, e como me lembrava.
Há quase cinco anos Nina nasceu, Luigi decidiu que eu iria escolher o nome dela, então
decidi homenagear a minha irmãzinha que havia se perdido e que havia infelizmente morrido.
Quando eu sugeri o apelido de Marina, Luigi aceitou na hora, no fundo, eu sabia que ele se sentia
culpado por não a ter encontrado a tempo, eu via isso nos seus olhos.
— O que você trouxe? — Funguei tentando sentir o cheiro, Luigi deu uma risada. —
Essa gravidez me deu o poder de farejar igual a um pastor alemão.
Ele balançou a cabeça e abriu a caixa, eram vários bombons, eu ergui as sobrancelhas.
— Calma aí, rapaz — falei tocando na minha barriga. — Eu ainda nem pari essa e você já
quer me engravidar de novo?
Luigi deu uma risada, não era segredo para ninguém que eu havia ficado grávida depois
de uma brincadeirinha envolvendo chocolates.
— É simbólico. — Luigi murmurou. — No fim vou comer tudo sozinho mesmo.
Revirei os olhos, notei que ele estava tenso.
— Qual é o problema? — Sussurrei, eu não queria que alguém ouvisse se tivesse algum
problema de fato. — O Sandro ligou?
Luigi negou.
— Ele está fazendo um bom trabalho como caporegime em Nova Iorque — ele falou
devagar. — É só que às vezes não consigo acreditar na traição do Michele, como ele teve
coragem de fazer aquilo comigo?
Suspirei.
— Pelo menos ele confessou que ajudou a Anna — falei baixinho. — Não acha?
Luigi assentiu.
Depois de algumas semanas da morte de Anna, Luigi recebeu a visita de Michele, que
confessou ter sido o cúmplice no ataque com a traidora da minha irmã, ele morreu na frente de
todos, como um traidor morreria, mas não antes de ser torturado.
Então, saímos de Nova Iorque e viemos para Seattle, já que eu estava grávida e não
queria criar minha filha lá. Matteo e Bianca, que haviam se casado, vieram conosco, mas Sandro
ficou sendo nomeado como caporegime do clã de Nova Iorque, desde então nós só o víamos em
jantares formais.
O mesmo ocorrera com Lorenzo, que voltou para Seattle e ficou recluso no próprio
mundo de dor e sofrimento. Ele participava raramente de algum jantar. Era Dante quem tomava
conta de tudo, mesmo sendo o subchefe. Aos dezessete anos ele fora obrigado a comandar a
Cosa Nostra, e aos vinte e dois anos ele só não se tornava o soberano da Cosa Nostra, pois tinha
esperanças de que o seu irmão voltasse a se interessar pelos negócios da Família. Contudo,
Lorenzo não se importava com mais nada.
Uma risada de criança me tirou dos meus pensamentos.
Nina estava nos braços com sua avó Violet, ela havia puxado tudo de mim, os meus
cabelos escuros e ondulados e principalmente os olhos, eles eram da mesma tonalidade, mas a
sua doçura e o seu grande coração eram herdados do seu pai.
— Papai! — Nina falou enquanto corria até Luigi. Ela o adorava, ele era o seu rei e Luigi
fazia questão de tratá-la como uma princesa. — Você trouxe. — Nina falou com animação.
Luigi entregou a caixa redonda para Nina, que a abriu rapidamente, um cheiro delicioso
inundou toda a casa, eram vários cannolis recheados com ricota e chocolate granulado. Assim
como Marina, a minha primogênita amava cannolis, mas não os meus.
— Eu jamais esqueceria os seus cannolis, mia signorina. — Luigi falou, amável.
— Eu te amo papai. — Nina falou enquanto pegava um e o mordia.
— Você não come os que faço — falei fingindo tristeza.
— Os seus são… — Nina estalou os dedos tentando pensar em alguma coisa, no entanto,
nesse momento Aurora chutou a minha barriga.
Nina olhou assustada para mim.
— Pelo visto as duas concordam com o fato de não gostarem dos meus cannolis — falei
com um sorrisinho nos lábios.
Nina deu um sorriso e abraçou a minha barriga, o seu sorriso era sincero. Luigi passou os
braços pelos meus ombros e me abraçou, então ouvimos o suspiro de Violet e olhamos confusos
para ela.
Os seus olhos estavam marejados.
— O que foi, mãe? — Luigi foi até ela e a abraçou.
O seu sorriso era genuíno.
— Vocês formaram uma família tão linda. — Violet olhou para mim com seus olhos
claros brilhosos. — Obrigada por cuidar tão bem do meu filho e por me dar duas netas
maravilhosas.
Engoli em seco para não chorar de emoção.
— Nona, não chora.
Nina correu até Violet e Luigi a colocou nos ombros, assim como o meu pai fazia quando
eu tinha a idade da minha filha. Uma pontada de dor atravessou o meu peito, ele teria ficado tão
feliz de conhecer as minhas duas meninas, como eu queria que o meu pai e a minha mãe
estivessem presentes nessa fase da minha vida.
— Divido os meus cannolis com a senhora, mas só se parar de chorar.
Dei uma risada chorosa, eu sentia tanta falta daqueles que não estavam mais presentes, da
Luna e da sua criança que se tornaria amiga das minhas pequenas, da Marina que iria ser uma tia
incrível, eu não tinha dúvidas daquilo. E dos meus pais que seriam avós maravilhosos.
Caminhei até Luigi e o abracei forte, eu era tão grata pela família que tinha, não existia
dúvidas de que daria o meu sangue para não perder mais nenhum deles.
Nunca mais.
No entanto, eu sabia que o meu coração jamais se recuperaria pelo vazio daqueles que
partiram.

FIM.
AGRADECIMENTOS
Gostaria de agradecer primeiramente a Deus, pois sem ele, sem a sua força e sua
sabedoria, eu jamais teria conseguido escrever essa história e tratar de temas tão sérios e
profundos. Sem Deus eu jamais teria conseguido vencer a depressão e me dedicar a algo que
tenho tanto orgulho e que amo muito.
Também gostaria de agradecer a minha família, aos meus pais que sempre tiveram
paciência comigo, principalmente quando eu estava tão focada na minha história, que não
conseguia dar a atenção que eles precisavam. A minha irmã, que sempre me apoiou e me deu os
melhores conselhos, nem sempre foi fácil estar aqui nessa caminhada de autora nacional, mas a
minha melhor amiga e irmã foi a pessoa que mais me apoiou.
Também gostaria de agradecer a minha fiel comunidade de leitores, que juntamente com
os seus comentários e suas mensagens, me deram a força para não desistir, para não me deixar
abalar pelos haters. Esses mesmo leitores fieis me deram palavras de consolo nos piores
momentos da minha vida, quando perdi minha avó e a minha sobrinha que estava prestes a
nascer. Inclusive esse livro é dedicado a ela, que eu iria ensiná-la a amar Taylor Swift e livros
tanto quanto eu.
Gostaria de agradecer também aos haters, a tentativa de me derrubar só me deixou mais
forte, então meu muito obrigada!
E claro, agradecer a Sonhos de Tinta por me dar essa oportunidade, por enxergar o meu
livro no meio de tantos outros e me fazer viver esse sonho que estou realizando no momento.
Por fim, gostaria de agradecer a mim mesma, sem o meu esforço e minha dedicação, eu
não estaria aqui hoje. Sem a minha paixão pela leitura e escrita, sem a minha resiliência para
lidar com os momentos de dores, eu não seria quem sou hoje, eu não teria alcançado tudo que
alcancei. Sou grata a minha versão de 2020 que criou toda essa história, mas que estava tão
sobrecarregada com os problemas da vida, que deixou para que eu, em 2022, finalizasse essa
obra tão preciosa e querida para mim.
Muito obrigada! E usem seus dons para iluminar a vida de outros!
Antes que se vá

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sonhosdetinta_editora .

Até o próximo!
[1]
(Tradução: bela esposa).
[2]
Tradução: Vamos preparar a comida!)
[3]
(Tradução: irmãzinha)
[4]
(Tradução: Felicidade aos noivos.)
[5]
(Tradução: esposa.)
[6]
(Tradução: Eu poderia olhar para você o dia todo.)
[7] (Tradução: minha menina.)

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