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ufrj - centro de letras e artes

escola de belas artes - eba


departamento de comunicação visual

projeto e monografia
de conclusão de curso em
Comunicação Visual Design
2018.2

por Lívia Prata da Silva

orientação Marcelo Ribeiro

A história ilustrada da heroína da


independência do brasil na bahia
a gradeciment o s

O projeto final é uma etapa muito importante na vida profissional. Minha


aspiração é ter condensado em um só projeto tudo o que consegui assimilar
e me encantar durante os anos em que estive nessa Escola.

Agradeço à toda a comunidade acadêmica da Escola de Belas Artes, aos ex-


celentes professores de Comunicação Visual Design que contribuíram para
a minha formação, em especial ao meu orientador, Marcelo Ribeiro, e ao
professor Ary Moraes.

Aos meus pais e a toda a minha família, por terem me dado todo o apoio
necessário para chegar até aqui.

Aos meus amigos e colegas, principalmente aqueles que contribuíram de for-


ma tão generosa com este trabalho: Lucas Santos, Mayara Lista, Paula Cruz e
Julia Gonçalves. Agradeço à todos com quem tive oportunidade de dividir um
ambiente de trabalho durante a minha formação. Todos vocês foram e são de
vital importância para a construção de quem eu sou hoje como profissional
e indivíduo.

E por fim, a todos que despertaram em mim essa indignação benigna, a força
que me faz desejar todos os dias um mundo mais justo para as mulheres e
para todos, utilizando os recursos que me cabem. Seguimos juntos.
PRATA, Lívia.
Maria Felipa - uma heroína baiana: A história ilustrada da heroína da Independência do Brasil na Bahia.
Maria Felipa - a heroine from Bahia: The illustrated story of Brazil Independence in Bahia’s heroine.

re s u mo abst r a c t

Quando se procura por referências e grandes When looking for references of great acts performed
feitos realizados por mulheres, é perceptível a by women, the numerical difference between man
discrepância em termos numéricos e de relevância and woman feels astonishing. Brazilian women’s
das informações em relação aos homens. A his- history has been fragmented for many years in
tória da mulher brasileira foi fragmentada durante form of few articles, small papers and few general
muitos anos por meio de alguns artigos, pequenos studies, leaving the unconfortable feeling that the
trabalhos e poucas obras gerais, trazendo a des- documents bringing women as protagonist are fe-
confortável sensação de que mais exíguos do que wer than narratives about woman in the past (DEL
as narrativas sobre a mulher no passado, são os PRIORE, Mary - 1988). This project intends to bring
documentos que a têm como protagonista (DEL back protagonism to Maria Felipa de Oliveira, a
PRIORE, Mary - 1988). Esse projeto pretende de- black woman who fought the Independence battles
volver o protagonismo à Maria Felipa de Oliveira, in Brazil at the island of Itaparica, in the state of
uma mulher negra, pescadora, marisqueira e ga- Bahia. By using illustration and design, Maria Feli-
nhadeira que lutou nas batalhas de independência pa’s story of life is brought to light, subverting the
do Brasil na ilha de Itaparica (Bahia - BA). Utilizan- logics that excluded marginalized groups contribu-
do a ilustração e o design, o resgate da história tion to this country’s heroes scope for so long.
desta personagem desvalorizada pela história ofi-
cial tem o objetivo de trazer consciência social e de key words: Maria Felipa, Bahia’s Independence,
gênero, subvertendo a lógica que, durante muito picture book, women representation.
tempo, excluiu grupos marginalizados do escopo
de heróis aclamados.

palavras-chave: Maria Felipa, Independência da


Bahia, livro ilustrado, representatividade feminina.
“Durante muito tempo na história,
anônimo era uma mulher.”

v ir g inia wool f
sumário

Introdução 2. Pesquisa de campo 3. O projeto


2.1 Por que a Bahia? 3.1 Adaptação da narrativa
1. Ilustração 2.2 Centro Histórico de Salvador 3.2 Texto
1.1 Definição 2.3 Casa de Maria Felipa 3.3 Criação de personagem
1.2 O livro ilustrado 2.4 Casa de Oxumarê: a religiosidade 3.4 Espelho/Storyboard
1.3 Relações texto-imagem 2.5 Ilha de Itaparica 3.5 Desenvolvimento das ilustrações
1.4 Estereótipos na criação de imagens 3.6 Diagramação e arte-final
1.5 O imaginário na ilustração 3.7 Resultados

Conclusão

Bibliografia
intr od uçã o contribuições relevantes de alguma forma. Isso
acontece porque esses homens tem seus nomes
O trabalho de conclusão de curso significa mais em livros, enciclopédias, ruas, documentos e mui-
do que a etapa final de uma graduação, necessária tos outros registros históricos. Crescer se identifi-
para obter um diploma. Significa o começo de uma cando como mulher em um mundo onde nossas
etapa profissional, em que os caminhos a escolher contribuições não foram, durante muito tempo
são muitos, e o estudante precisa, com sua própria na história, permitidas, encorajadas ou, quando
bagagem adquirida durante os anos de graduação, existiam, valorizadas, deixa a sensação de des-
seguir com seus próprios passos. Pode ser assus- pertencimento e de dificuldade em seguir certos
tador, e durante muito tempo para mim, foi. Mas caminhos que foram pavimentados pela sociedade
também é muito reconfortante poder sintetizar em como masculinos.
um projeto tudo o que se aprendeu em anos de
estudo e ter liberdade para lidar com temas conec- A educação feminina no Brasil foi primeiramente
tados profundamente com o que acreditamos ser voltada para a esfera doméstica, durante o período
importante para nós mesmos, para nossas profis- colonial. Em meados do século XIX, as mulheres
sões e para a sociedade num geral. começam a ser admitidas em escolas particulares,
mas com diferenças no ensino em relação aos
Pensando nisso, procurei um tema que se ali- homens, que estudavam matérias como cálculo
nhasse com a minha visão sobre o design: uma enquanto a elas (as de classe mais abastada) era
ferramenta para trazer contribuições para a socie- esperado que aprendessem habilidades relativas a
dade por meio da valorização cultural, respeito às comportamento na sociedade. Por meio da Escola
diferenças, diminuição da desigualdade e muitas Normal em 1880, as mulheres passam a ter acesso
outras coisas que julgo serem mais importantes ao ensino público, em um processo que começou
do que o viés mercadológico no qual o design com as professoras formadas ensinando às clas-
pode facilmente se limitar. ses populares o ensino primário e culminou com
a gratuidade obrigatória para ambos os gêneros e
Ao analisarmos a história da humanidade em bus- classes na Escola.
ca dos seus principais personagens, é natural que
surjam primeiro à memória exemplos de homens As particularidades da história do Brasil (o fato
que foram referências em suas áreas ou trouxeram de ter sido colônia de exploração, o longo período
de escravidão, etc) influenciaram naturalmente Valorizar a trajetória de mulheres importantes da
todos os aspectos do país, incluindo a forma nossa história por meio de iniciativas que busquem
como a educação feminina se desenvolveu. A a sua difusão é uma iniciativa que pode contribuir
educação no Brasil promoveu a manutenção do para superar o problema da representatividade.
poder das elites, pois “seria na verdade uma ati- Nesse sentido, o livro ilustrado é uma das possibi-
tude ingênua esperar que as classes dominantes lidades mais ricas devido à relação texto-imagem
desenvolvessem uma forma de educação que e a educação do olhar que proporciona, fazendo
proporcionasse às classes dominadas perceber com que essas imagens possam se tornar parte do
as injustiças sociais de maneira crítica” (FREIRE, imaginário sobre um determinado assunto. Tam-
1984, p. 89). A história pode e deve ser contada de bém possuindo um potencial paradidático, o livro
forma analítica, promovendo o pensamento críti- ilustrado pode ser introduzido para crianças em
co e ensinando crianças e adolescentes a pensar idade escolar por pais, professores ou por escolha
por conta própria. Os benefícios de uma educação das próprias, contribuindo para que a questão da
transformadora seriam incontáveis para as ques- representatividade seja discutida desde o início da
tões de gênero e representatividade com as quais formação do indivíduo.
este projeto pretende contribuir.
Maria Felipa foi objeto de pes-
Sendo assim, este projeto busca utilizar a plata-
quisa da professora Eny Kleide
Hoje em dia as mulheres são mais numerosas forma do livro ilustrado para contribuir com o Vasconcelos Farias, na Bahia,
em praticamente todos os níveis de ensino. Mas debate da representatividade feminina no Brasil, durante oito anos. A história
existem muitas consequências da opressão de considerando recortes de classe e raça e utilizando dela também já foi contada
em reportagens como a da
gênero, influenciando, por exemplo, a escolha da a história pouco divulgada de Maria Felipa de Oli-
Rede Bahia1 (afiliada da Rede
carreira a seguir, o menor número de mulheres veira como base narrativa. Globo) e em documentários e
em cargos mais altos, entre outros. Construções vídeos como o da TV Escola2.
históricas e sociais deixam claro que, pra atingir Falar de Maria Felipa é também contestar a forma
um cenário de igualdade e superar as diferenças como a história vem sendo ensinada durante 1 Conheça a história da baiana Maria Felipa.
Disponível em: <http://g1.globo.com/bahia/
citadas acima de uma vez por todas, ainda são muitas gerações. Essa personagem está ligada às videos/v/conheca-a-historia-da-baiana-maria-
necessárias medidas que promovam a reestrutu- lutas pela independência do Brasil na Bahia, entre -felipa/2020478/>. Acesso em: 01/03/2017.
2 GUERRA DA INDEPENDÊNCIA NA
ração das relações de poder, gênero e raça a fim os anos de 1821 e 1823. Houve resistência contra BAHIA - As Principais Batalhas. Disponível

de que a mulher tenha representatividade em os portugueses por parte de trabalhadores, negros em: <https://api.tvescola.org.br/tve/video/
guerra-da-independencia-na-bahia-as-princi-
todas as áreas em que é minoria. (escravizados e libertos, africanos e brasileiros), pais-batalhas>. Acesso em: 01/03/2017.
indígenas e outras camadas oprimidas na Ilha de preensão e ressignificação da identidade feminina
Itaparica, onde Maria Felipa viveu, mas os livros no imaginário brasileiro.
costumam focar no papel do imperador e da bur-
guesia nesse processo. Foi um movimento com O projeto conta com uma pesquisa iconográfica
grande participação popular, embora não tenha para melhor representar a época em que a história
gerado significativas alterações nas estruturas so- da Maria Felipa se passa, mas com o propósito
ciais e econômicas da época. Mesmo assim, o mo- de atingir um público cuja educação visual é con-
vimento eternizou sua importância no estado da temporânea, tomando em si liberdades visuas e
Bahia e contribuiu para a construção do estado e narrativas. As escolhas realizadas nas ilustrações
do país. Liderando um grupo de aproximadamente relacionam as representações históricas e formas
40 mulheres, Maria Felipa teve atuação crucial na contemporâneas de se produzir imagens, mis-
resistência contra os portugueses e nas batalhas turando mídias e técnicas. Através do recorte de
que se deram durante o processo de indepen- papel, colagem, técnicas tradicionais (guache,
dência. A personagem está presente na memória acrílica, lápis de cor, nanquim) e uso de objetos de
coletiva da Ilha até hoje, com registros orais de artesanato (rendas, tecidos, miçangas) estima-se
seus feitos e de sua personalidade preservados por atingir um resultado que traduza visualmente o ob-
historiadores, pesquisadores e escritores como jetivo do projeto: valorizar a participação feminina
Ubaldo Ribeiro e Xavier Marques. Principalmente e popular na construção do país, as manifestações
no caso de grupos marginalizados e classes popu- culturais e religiosas da região do Nordeste e tra-
lares, esse tipo de registro histórico se torna cada zer a experimentação visual como parte integrante
vez mais legítimo. de um processo que, em si, busca a reinventação
educativa, social e artística de questões de gênero.
Sendo assim, Maria Felipa foi escolhida pela par-
ticipação em um processo histórico no qual sua
contribuição não foi devidamente valorizada. Sua
trajetória se adequa aos propósitos do projeto não
apenas por ser uma mulher cuja história precisa
ser melhor divulgada, mas também pela sua liga-
ção com o popular, sua religião e ancestralidade.
Esses elementos, juntos, possibilitam uma com-
1. ILUSTRAÇÃO Segundo Walter Benjamin (1955), a obra de arte
sempre foi reprodutível. Primeiro, com as cópias
1.1 d e fi ni ção manuais, feitas por discípulos e mestres. Porém, a
evolução dos processos gráficos permitiu a repro-
Segundo Rui de Oliveira (2008), a ilustração é o dução técnica das imagens. O refinamento desses
resultado final de uma imagem cuja concepção processos fez com que a reprodutibilidade não fos-
e existência está condicionada a um texto, que se vista como falsificação, tal como as cópias feitas
confere o seu caráter narrativo. A ilustração, como à mão. Isso concede autonomia às imagens e apro-
indica o verbo ilustrar, clarifica e materializa um xima o indivíduo da obra. No entanto, o original
determinado conteúdo. Pode ser criada por vários mantém a sua autenticidade, sua existência única a
meios. Sendo assim, uma fotografia também pode qual se segue a história da obra. A reprodução seria
ser uma ilustração tanto quanto um desenho, uma a responsável pela perda dessa autenticidade e de
gravura, uma colagem; contanto que possuam a todo o contexto que envolve a obra, mesmo sendo
finalidade de ilustrar um texto. Uma vez elaborada, fiel à mesma. Benjamin define essa característica
a ilustração também pode se tornar independente da obra de arte com o conceito de aura.
do texto e funcionar como uma linguagem.
Generalizando, podemos, dizer que a técnica da reprodução
A reprodutibilidade da imagem também é uma destaca o domínio da tradição no objeto reproduzido. Na
característica central da ilustração. Isto afeta a pró- medida em que ela multiplica a reprodução, substitui a exis-
pria concepção da imagem, desde a sua criação ao tência única da obra por uma existência serial. E, na medida
seu resultado final. Desde os primórdios da histó- em que essa técnica permite à reprodução vir ao encontro
ria da ilustração, a reprodução de imagens sempre do espectador, em todas as situações, ela atualiza o objeto
foi um dos pilares que definem e contornam esta reproduzido. (BENJAMIN, 1969)1
área de atuação.
Os argumentos de Benjamin em relação à obra
O ilustrador [...] elabora conceitual e tecnicamente seu trabalho de arte e à imagem reproduzida encontram eco
para ser reproduzido. [...] Do ponto de vista puramente técni- em alguns trechos escritos por Rui de Oliveira
co, o conceito de original para o ilustrador está representado 1 BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. A ideia do cine-

no múltiplo, isto é, na reprodução industrial de sua ilustração. ma, 1969. Disponível em: <https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/1563569/mod_resource/
content/1/A%20obra%20de%20arte%20na%20era%20da%20sua%20reprodutibilidade%20
(pgs. 46-47) t%C3%A9cnica.pdf>. Acesso em: 07/08/2018.
em seu livro Pelos Jardins Boboli (2008), onde a relacionando-se com o texto de forma a não repre-
arte (especificamente a pintura) e a ilustração são sentar apenas tradução visual deste. (Oliveira, Rui
comparadas. A ilustração é sempre narrativa; a de, 2008: pag 44)
pintura pode ser narrativa ou não. Ambas podem
utilizar os mesmos materiais em sua composição, Este projeto se encaixa na categoria de ilustração
como guache ou acrílica, mas a sua finalidade é narrativa, por estar atrelada ao texto que conta a
estritamente distinta (OLIVEIRA, 2008, p.46). Em história de Maria Felipa. Esse gênero de ilustração
relação ao design, a ilustração é uma poderosa é o usual em livros ilustrados. A partir disso, ou-
aliada para comunicar visualmente um conteúdo tras questões se desdobram: o que é o livro ilus-
e tem diversas aplicações, como os exemplos a se- trado? Qual formato? Qual a relação entre texto e
guir: artigos de jornal, revista e site; identidade de imagem? Como a imagem se adequa ao propósito
uma marca; peças impressas como livros, capas do livro?. O próximo subcapítulo trata desses as-
de disco, outdoor; peças audiovisuais, sendo uma suntos, sempre contextualizando onde o projeto
grande aliada nas etapas de pré-produção. se encontra em cada definição.

Rui de Oliveira, neste mesmo livro, apresenta uma


divisão da ilustração em três gêneros fundamen- 1.2 o livro ilus t r a do
tais, apresentados a seguir:
Neste capítulo, serão utilizadas duas formas de
ilustração informativa: Exige conhecimento e cla- definir os livros ilustrados: através da nomencla-
reza de informações, para objetivos específicos, e tura e através da comparação com outras publi-
não permite ambiguidades. Exemplos: ilustrações cações. Na língua inglesa, utiliza-se as expressões
botânicas, ilustrações para manuais técnicos. “picturebook” e “picture book”. Em outras línguas
os nomes também variam, sendo “album” ou “li-
ilustração persuasiva: Direcionada para marketing vre d’images” em francês, “album ilustrado” em
e publicidade de algum produto, serviço ou evento. Portugal e “álbun” em espanhol. As histórias em
quadrinhos também utilizam o termo “álbum”,
ilustração narrativa: Está sempre atrelada a um que hoje é empregado em arquivos de fotos de
texto, literário ou musical. A característica desse família ou publicações de figurinhas autoadesivas.
gênero é narrar e descrever através de imagens, Porém, no Brasil, essa nomenclatura não é muito
clara e não se faz distinção entre livros ilustrados Livros pop-up – Livros que permitem três dimen-
e livros com ilustração. Logo, tomaremos como sões e/ou mobilidade na página dupla a partir de
base a tradução de Maria Nikolajeva e Carole Scott dobras, encaixes e outros artifícios.
(NIKOLAVEJA; SCOTT, 2011, p. 13): “picturebook”
para livro ilustrado e “picture book” para livros Livros-brinquedo – Objetos híbridos, entre o livro
com ilustração. A diferença fundamental entre os e o brinquedo, que possuem elementos associa-
dois termos é o nível de relação texto-imagem. Já dos ao livro ou em três dimensões.
para diferenciar o livro ilustrado das outras publi-
cações com imagens, será utilizada como base a Livros interativos – São suportes para uma
tabela de Sophie Van der Linden: atividade como pintura, colagens, etc., e podem
abrigar materiais necessários para tal como tin-
Livros com ilustração – Texto acompanhado de tas, adesivos, etc.
ilustração, sendo que o texto é espacialmente pre-
dominante, autônomo e sustenta a narrativa. Imaginativos (imagiers) – Visam a aquisição da
linguagem por meio do reconhecimento de ima-
Primeiras leituras – Possuem formato de roman- gens referenciais, com organização e funcionali-
ce, com narrativa sequenciada em capítulos cur- dade específicas. (p. 24 e 25)
tos. É voltada para leitores em formação. Podem
ser aproximadas dos livros ilustrados por conter Este projeto se encaixa na definição de livro
vinhetas e imagens emolduradas por texto. ilustrado, o “picturebook”. O texto e a imagem
são complementares, mas com destaque para
Livros ilustrados – Narrativa articulada entre as imagens. Outra característica importante do
texto e imagem, onde a imagem é especialmente projeto é a necessidade de narrar e informar ao
preponderante. Pode também não haver texto (no mesmo tempo, por se tratar de um tema rela-
Brasil é chamado de livro-imagem). cionado a história do país, baseado parcialmente
em fatos reais.
Histórias em quadrinhos (hq) – Caracterizada
pela presença de “imagens solidárias” (nota cit. É comum classificar os livros ilustrados como ficção ou infor-
5), cuja organização da página corresponde a uma mativo, definindo assim que os livros oferecem tanto narra-
disposição compartimentada. tivas como explicações. Bem, o livro informativo [...] assume
muitas vezes a forma de uma narrativa a fim de levar ensina- e além disso, existem funções que cada aspecto
mentos à criança. (LINDEN, 2011, p. 26) cumpre em relação ao outro.

Outra característica do livro ilustrado é a página De acordo com Sophie Van der Linden (2011), a
dupla. As imagens se conectam uma com as relação de redundância ocorre quando o conteúdo
outras tanto no mesmo par de páginas como no narrativo do texto e o da imagem se sobrepõem total
livro inteiro. ou parcialmente. Não precisam um do outro para
que a essência do discurso seja compreendida, pois
a relação não produz nenhum sentido adicional,
1.3 r e l a çõe s t ext o -imagem embora cada linguagem possa dizer mais do que
a outra. Na relação de colaboração, as linguagens
A relação entre palavra e imagem é um dos aspec- de texto e imagem se complementam, adquirindo
tos fundamentais nos livros ilustrados. Os auto- juntas um sentido comum de forma harmônica.
res de estudos sobre este objeto divergem quanto Já na disjunção, texto e imagem surgem em nar-
à quantidade de classificações e a natureza dessa rativas paralelas, sem que se forme sobreposição e
relação, portanto, nesse capítulo, me baseio nas podendo ou não entrar em contradição.
ideias de Sophie Van der Linden em “Para ler o
livro ilustrado” (2011) e nas autoras Marie Nikola- Já Nikolajeva e Scott categorizam de simétricos,
jeva e Carolle Scott em “Livro ilustrado: palavras harmônicos e complementares:
e imagens” (2011).
Se palavras e imagens preencherem suas respectivas lacunas,
De maneira mais simplificada, podemos afirmar nada restará para a imaginação do leitor e este permanecerá
que a relação entre texto e imagem possui duas um tanto passivo. O mesmo é verdade se as lacunas forem
formas extremas: um texto sem imagens e uma idênticas nas palavras e imagens (ou se não houver nenhu-
imagem que não acompanha texto algum (NI- ma lacuna). No primeiro caso, estamos diante da categoria
KOLAJEVA; SCOTT, 2011, p.23). Mas, enquanto que chamamos “complementar”; no segundo, da “simétrica”.
Nikolajeva e Scott categorizam muitas relações Entretanto, tão logo palavras e imagens forneçam informa-
texto-imagem entre esses dois extremos, Van der ções alternativas ou de algum modo se contradigam, temos
Linden defende que existem três relações funda- uma diversidade de leituras e interpretações. (NIKOLAJEVA;
mentais: redundância, colaboração e disjunção; SCOTT, 2011, pgs. 32-33)
1.4 e s te r e ótipo s na criação de ima- foi também professora e a primeira diretora da
ge ns Escola Nacional de Belas Artes.

A natureza dos traços e temas estereotipicamente A preocupação com o reforço de estereótipos é


femininos abordados na arte, ilustração, entre ou- importante por ser uma das ferramentas com as
tros, são considerados fúteis ou ingênuos por sua quais é possível refazer o imaginário relacionado
relação com o feminino. aos temas do projeto. Para falar de uma mulher
do povo, negra, no nordeste do Brasil, é neces-
Durante vários séculos, não houve interesse em sário ter em mente as consequências históricas e
explorar o tema feminino na literatura. O motivo sociais que formaram estereótipos e assim, cuidar
se dá por conta do domínio masculino que havia para não repetí-los.
sobre esta área (o primeiro homem a escrever
sobre a mulher foi Flaubert, com o romance Ma-
dame Bovary, de 1857). Quando Virginia Woolf es- 1.5 o imaginár io na il us t r a ç ã o
crevia usando a técnica que ficou conhecida como
fluxo de consciência, recebeu críticas por ser uma Um dos principais objetivos deste projeto é
mulher escrevendo sobre a mulher de uma forma promover uma reflexão acerca do imaginário
que era considerada de qualidade inferior ao que referente ao papel da mulher no país. Para tal, a
era produzido por escritores homens. definição de “imaginário” adotada é a defendida
pelo pensador francês Michel Maffesoli:
Já no campo da arte, o papel concedido à mulher
foi, durante muito tempo, o de musas inspira- A cultura, no sentido antropológico dessa palavra, contém
doras. Alguns filósofos diziam que a mulher não uma parte de imaginário. Mas ela não se reduz ao imaginá-
tinha capacidade de criar, o que foi naturalmente rio. É mais ampla. Da mesma forma, agora pensando em
refutado assim que as mulheres começaram termos filosóficos, o imaginário não se reduz à cultura. Tem
a reivindicar seus lugares como pintoras. No certa autonomia. Mas, claro, no imaginário entram partes de
Brasil, apenas com Georgina de Albuquerque, cultura. A cultura é um conjunto de elementos e de fenôme-
em 1922, a atividade deixou de ser um ambiente nos passíveis de descrição. O imaginário tem, além disso,
quase que exclusivamente dominado por ho- algo de imponderável. É o estado de espírito que caracteriza
mens. Expoente do impressionismo no Brasil, um povo. Não se trata de algo simplesmente racional, socio-
lógico ou psicológico, pois carrega também algo de impon-
derável, um certo mistério da criação ou da transfiguração.
(MAFFESOLI, 2001, p. 75)

Sendo assim, também de acordo com Maffesoli,


o imaginário é responsável pelas imagens que são
criadas em uma sociedade e não o contrário:

Não é a imagem que produz o imaginário, mas o contrá-


rio. A existência de um imaginário determina a existência de
conjuntos de imagens. A imagem não é o suporte, mas o
resultado. (MAFFESOLI, 2001, p. 76)

Com isso, podemos concluir que para criar ima-


gens onde Maria Felipa seja vista como uma
líder, corajosa, bondosa e forte, são necessários
esforços para que o imaginário ao redor da perso-
nagem não seja de submissão, exploração, escra-
vidão e todos os outros aspectos que produziram
imagens repletas de racismo e etilismo. É preciso
refazer este imaginário para que se possa produzir
uma nova imagem da mulher negra, pescadora e
engajada em lutas sociais.
2. PESQUISA DE CAMPO • Centro Histórico de Salvador (Pelourinho e ad-
jacências);
2.1 P or que a Bah ia? • Ilha de Itaparica;
• Casa de Maria Felipa;
A pesquisa para este projeto começou com busca • Casa de Oxumarê.
de histórias incríveis de mulheres brasileiras, com
foco nas que são pouco difundidas. Dentre todas Visitar a Bahia era um objetivo que eu possuía há
elas, foi feito um recorte para se aprofundar na muito tempo, antes de iniciar este projeto. Tanto
história de três brasileiras que tiveram participa- por ter vindo de família nordestina, como pelo
ção na independência do Brasil na Bahia. Dentre interesse que possuo nas manifestações culturais
elas, a história de Maria Felipa foi escolhida por do local. Naturalmente esses motivos também in-
ser a que mais necessita de divulgação. O pro- fluenciaram a escolha do próprio tema do projeto.
cesso de independência na Bahia foi diferente do fig. 1: Igreja e Convento de
São Francisco, fundada em
resto do país, onde impera a falsa crença de que 1708, no Largo Cruzeiro de São
foi um ato pouco violento proclamado por um im- 2.2 Cent ro H is t ór ic o de Sa l v a dor Francisco, Pelourinho.
perador heroico. A Bahia foi o primeiro lugar onde
os portugueses chegaram no território que hoje é
o Brasil, durante a época das grandes navegações.
Por isso, sua história está interligada à história do
próprio país. Possui a maior população negra do
país e também a maior do mundo fora da África,
chegando a marca de 80%1.

Sendo a Bahia o lugar onde a história do projeto


se passa, foi feita uma visita de campo durante
o mês de fevereiro de 2017. Os locais escolhidos
para a visita foram:

1 O baiano. Disponível em: <http://www.bahia.com.br/viverbahia/nossa-gente/o-


-africano/>. Acesso em: 16/06/2018
Ter visto fotos previamente não prepara emocio- histórico pelo qual passamos foi de exploração
nalmente para o impacto que é ver o Pelourinho em vários níveis, e as consequências da miscige-
com os próprios olhos. O centro histórico foi a nação forçada, da escravidão, entre outros, são
minha casa durante essa semana de pesquisa e o muito visíveis. É um estado onde existe muita
primeiro lugar onde pisei em Salvador, e me senti segregação social e econômica.
plenamente à vontade por lá. O Pelourinho tem
muitas casas e sobrados do século XIX (a Bahia
possui o maior conjunto arquitetônico colonial
do país, com cerca de 3 mil imóveis)2 e a atmos- fig. 3: Fachada da Sociedade
fera transporta a mente para outra época, para Protetora dos Desvalidos
(fundada em 16 de setembro de
os eventos importantes que aconteceram nesse 1832) no Largo Cruzeiro de São
estado e que são marcantes para a história do Francisco.
Brasil. Porém nem tudo são flores: o processo
2 Disponível em: <https://noticias.bol.uol.com.br/bol-listas/voce-conhece-a-bahia-
-veja-12-curiosidades-sobre-esse-estado-brasileiro.htm>. Acesso em: 16/06/2018.

fig. 2: Rua no Pelourinho.


Mulheres vestidas com roupa
tradicional baiana cobram para
tirar foto com os turistas. É
uma prática comum no local,
assim como as pessoas que
cobram para pintar o corpo
com motivos africanos.
fig. 4: Detalhe da fachada da
SPD.

fig. 5: Igreja da Ordem Terceira


do Carmo, construída entre
1788 e 1803.
fig. 6 e 7: Capoeiristas no
Pelourinho.Estudo em caneta
nanquim.

fig. 8: Fiéis jogando suas


oferendas ao mar na festa
de Iemanjá no bairro do Rio
Vermelho em Salvador, que
ocorre anualmente no dia
2 de fevereiro. Estudo em lápis
de cor.
fig. 9: Mulheres vestidas com
roupas típicas no Pelourinho.
Estudo em grafite, lápis de cor,
nanquim e marcadores. fig. 10: Igreja da Ordem
Terceira do Carmo. Estudo em
grafite.
2.3 C a sa d e Maria F elipa com vigor contemporâneo: ao invés de brancas e de
tecido simples, como eram usadas na época devi-
A casa de Maria Felipa é um espaço criado por do à falta de recursos, são valorizadas com tecidos
Hilda e suas irmãs, localizado na comunidade do mais bonitos e nobres, jóias ricas, cores e estampas
Curuzu, em Salvador-BA. Professoras, as irmãs vibrantes; o objetivo é celebrar e reafirmar o brilho
contam que sempre leram muito devido a in- e a importância dessa história e a ancestralidade
fluência do pai, que era contador de histórias. Em como motivo de orgulho e empoderamento.
sua família, o mais importante era obter e com-
partilhar conhecimento; esse sempre foi o valor Ao entrar na segunda sala à esquerda, temos um
seguido por todas, chegando inclusive a abrigar breve apanhado da história de Maria Felipa por meio
uma biblioteca da comunidade antes de se tornar de um texto contando quem foi e seus feitos conhe-
a casa de Maria Felipa. cidos, objetos utilizados em sua época como o ferro
de passar e panelas de ferro, bustos de madeira de
Na primeira sala, ao entrar na casa, vendem- origem sudanesa feitos por um artista africano; e
-se produtos criados por elas cuja renda ajuda outros bustos, como os utilizados no desfile de 2 de
a manter os custos do espaço. Até hoje, a casa julho. Também há um quadro feito por um artista
de Maria Felipa não obteve patrocínio ou apoio local, representando Maria Felipa e as mulheres
governamental, então a venda de colares, bolsas que liderou. Há também exemplos da indumentária
e camisas confeccionadas no local fazem este pa- usada no desfile, inspirada em Maria Felipa. Sobre a
pel. Todos os produtos possuem a identidade afri- casa, também existem troféus e prêmios recebidos
cana/baiana e são vendidos também nos eventos pelo governo de Salvador e outras associações. Por
e participações que a casa de Maria Felipa realiza fim, existem textos sobre as Kandaras, rainhas do
em escolas, seminários e outros. Egito e África cuja história é uma inspiração para os
negros pelo poder político e social que possuíam e
O principal evento é o desfile de 2 de julho, uma cuja ancestralidade acredita-se que seja responsável
passeata na qual a figura principal é a Maria Felipa, pela força interna do povo negro.
e 40 mulheres para simbolizar o grupo que lutou na
Independência, e os demais participantes vestem a As irmãs da casa de Maria Felipa tem opinião
camisa de Maria Felipa. As roupas são as batas e firme sobre ancestralidade: principalmente para
saias usadas pelas mulheres no século XIX, porém o povo negro, conhecer suas origens, reverenciar
fig. 11: vista da entrada da sala
seus heróis e outros atos no qual se observa a dedicada à Maria Felipa.
história é imprescindível para o processo de em-
fig. 12: Quadro representando
poderamento enquanto negra e mulher. Essa po- Maria Felipa e as mulheres que
sição das irmãs também foi vista de forma muito liderou. A heroína leva o ramo
de cansanção e as outras levam
parecida na visita guiada ao terreiro de candomblé tochas para queimar barcos.
Casa de Oxumarê, que descreverei a seguir.

Visitar a Casa de Maria Felipa não foi a prioridade


da pesquisa à toa. Devido à escassez de informa-
ções sobre a heroína, era necessário consultar
pessoas que coletam, organizam e distribuem
dados sobre o assunto; e também tirar algumas
dúvidas que os livros não poderiam tirar.

A partir dos relatos das professoras e da genero-


sidade em dividir vivências, foi possível ter um
entendimento muito melhor da questão da mu-
lher negra. Uma das perguntas que fiz a Hilda,
por não ter conseguido achar essa informação até
o momento, é se Maria Felipa era escravizada ou
liberta. Eu tinha medo da possibilidade de repre-
sentar o tema da escravidão de forma equivocada,
tanto nas imagens elaboradas como no teor do
texto. De fato ela não tinha a resposta, mas pro-
pôs uma reflexão: não importava se era escrava
ou não. A condição de escravidão não impediria
Maria Felipa de lutar por seus direitos e sua co-
munidade. Os africanos escravizados resistiram e
se rebelaram em vários momentos, inclusive nas
lutas de Itaparica.
fig. 15: desfile de 2 de julho no centro
histórico de Salvador.
(https://casademariafelipacuruzu.wordpress.
com/2011/07/02/)
fig. 13 e 14: Bustos de Maria Felipa.
2.4 Casa de O x um a r ê

A Casa de Oxumarê foi o terceiro lugar incluído na


visita de campo. Foi escolhida por ser um dos ter-
reiros de candomblé mais antigos e tradicionais
da Bahia. Sua origem remonta ao início do século
XIX e sua história se permeia com a própria his-
tória do candomblé no Brasil. Ou seja, quando o
candomblé era proibido e precisava ser praticado
de forma oculta e sincretizada (como no contexto
de Maria Felipa) o terreiro já existia. Em 2004, a
Casa de Oxumarê foi registrada como patrimônio
material e imaterial do estado da Bahia.

Fig. 16: acessórios confeccio-


nados para o desfile de 2 de
julho.

Fig.17: busto em madeira de


uma mulher africana oriunda
do Sudão, artista desconhecido.

Fig. 18: Pátio de entrada da


Casa de Oxumarê. A construção
vista à esquerda abriga o salão
onde são realizados os ritos.
Fig. 20 e 21: Filhas
No local são oferecidas visitas guiadas, e no dia de santo durante a
em que me inscrevi para a visita, era dia de ofe- oferenda a Xangô.
Estudo em grafite.
renda a Xangô. Uma filha de santo da casa leva
os visitantes por todas as salas, mostra as casas
de cada orixá e o salão onde mantêm os objetos
importantes para a Casa e também realizam boa
parte de seus ritos. Também conta toda a história
do local e dos fundadores.

Durante a oferenda, foi possível fazer alguns ras-


cunhos dos filhos de santo trabalhando no local,
Fig. 19: salão de ritos decorado com o intuito de ver e traduzir visualmente as
em homenagem a Oxumarê.
(http://www.casadeoxumare.
posturas e movimentos do candomblé, e utilizar
com.br/index.php/2015-07-12- esses estudos na construção da personagem.
20-45-13)
Fig. 22 e 23: Detalhes
2.5 Ilha d e It aparica de casas no centro
histórico de Itaparica.

A Ilha de Itaparica fica a 45 minutos de Salvador


pela balsa. É dividida em dois municípios: Vera
Cruz e Itaparica. O objetivo de ir até a ilha era co-
nhecer o local onde Maria Felipa viveu e lutou. O
roteiro da visita foi baseado nos lugares onde as
batalhas ocorreram. Forte de São Lourenço, Ponta
das Baleias e o Centro Histórico foram visitados.
Outros lugares que não estavam previstos, como
Fonte da Bica, foram sugeridos e também incluí-
dos na visita.

São naturais da ilha dois escritores que dividem,


além da cidade natal, o sangue: Ubaldo Osório e
João Ubaldo Ribeiro, respectivamente avô e neto. Fig. 24 e 25: Igreja
Matriz do Santíssimo
O coronel e historiador Ubaldo Osório é autor do Sacramento, no centro
livro A ilha de Itaparica: História e tradição (1979), de Itaparica.
onde narra os acontecimentos da guerra da in-
dependência na Bahia em “uma mistura orgulho-
sa de eventos factuais, relatos orais e exageros
ufanistas”3 (BATISTA, 2017, p. 448). Neste livro,
Maria Felipa é citada e se abre o precedente para
sua história ser conhecida. João Ubaldo Ribeiro
foi escritor, jornalista e membro da ABL (Acade-
mia Brasileira de Letras). No seu livro Viva o povo
brasileiro (1984), um romance histórico, retrata

3 BATISTA, Rodrigo de Vasconcellos Maciel Guedes. Crítica à reprodução moderna


do atraso em “Adeus, Itaparica”, de João Ubaldo Ribeiro. RevLet – Revista Virtual de Letras, v. 09,
nº 01, p. 440 - 457, jan/jul, 2017
Fig. 27: Praia em frente à
400 anos da história do país sob a visão dos opri- Avenida Vinte e Cinco de
midos. Boa parte do livro é ambientado na ilha de Outubro, com grande atividade
de pescadores.
Itaparica e acredita-se que a personagem Maria
da Fé tenha sido inspirada em Maria Felipa.

Fig. 26: Bar próximo a Praia do


Forte, que conta com a pintura
de Maria Felipa na parede.
Fig. 28: Fonte da Bica.

Fig. 29: Detalhe da pintura no


azulejo da Fonte da Bica com
texto de Ubaldo Usório.
3. O PROJETO dependência do Brasil na Bahia, criando estratégias
de batalha, lutando corpo a corpo e auxiliando na
3.1 a d a p ta ção da narrat iva expulsão dos portugueses de Itaparica.

Nos capítulos 1 e 2, são detalhados os processos O maior desafio para redigir o texto do projeto foi
da pesquisa teórica e da pesquisa de campo. As transformar uma pesquisa histórica em um texto
pesquisas são essenciais para a construção do tex- narrativo, sem algum precedente para se usar
O Manual do Roteiro é um to, pois lançando mão da coleta de informações, como apoio. Dos principais livros utilizados na
importante livro sobre a escri- é possível fazer escolhas acertadas e responsáveis pesquisa: o livro de Eny Kleide é um texto acadê-
ta principalmente de roteiros
sobre o que de fato vai entrar no texto ou não mico; o livro de Xavier Marques apenas cita Maria
cinematográficos e para TV,
mas as estruturas narrativas
(FIELD, 2001). Sendo assim, esta etapa do projeto Felipa e sua narrativa, embora se passe na mesma
mostradas no livro também utiliza o livro “Manuel do Roteiro”, de Syd Field, época, possui outro foco e não contempla os acon-
servem para textos literários e como base para a construção do texto final. Sobre tecimentos que precisavam ser narrados. Já o livro
teatrais. a importância da pesquisa, o autor diz: de Jarid Arraes, que conta com um capítulo sobre
Maria Felipa, é escrito na forma de um cordel. O
Pesquisas lhe dão idéias, sensibilidade para as pessoas, texto deste, apesar de literário e de muita ajuda
situações e locais. Permitem que você adquira um grau de para a construção do texto do projeto, não se en-
confiança, de maneira que fique sempre no controle de seu contrava estruturado em forma de prosa.
assunto, operando por escolha, não por necessidade ou ig-
norância. (FIELD, 2001, p. 24) A primeira etapa, então, foi dividir a pesquisa em
tópicos. Quais acontecimentos precisam constar?
No capítulo “Assunto”, Field explica que “ação é Qual a ordem correta? Então, prosseguiu-se um
o que acontece; personagem, a quem acontece” trabalho de curadoria e edição para selecionar fa-
(FIELD, 2001, p. 20) e orienta articular o assunto tos da própria história da independência na Bahia,
em poucas frases, em termos de ação e persona- para contextualizar, e fatos importantes da vida de
gem. Aplicando ao projeto, temos: Maria Felipa e suas ações junto à comunidade de
Itaparica no cotidiano e nas batalhas. A seleção de
Maria Felipa, pescadora, marisqueira, ganhadeira e tópicos foi criada de forma preliminar, para sofrer
capoeirista natural da ilha de Itaparica, lidera um alterações futuras na construção do texto final. A
grupo de 40 mulheres durante as guerras pela in- seleção encontra-se a seguir:
• Criada a campanha de independência pelo cirur- • Ataques aos insulanos na madrugada de 10 de
gião Luiz Gonzaga da Luz, promovido mais tarde julho de 1822. Trabalhou cuidando dos enfermos.
a sargento pela coragem das suas ações. Maria • A botica é destruída e algumas casas invadidas
Felipa alistou-se na campanha. no primeiro ataque português, sob o comando
• A botica de Francisco José Batista Massa, no Lar- de Joaquim José, o “Trinta diabos”. Entraram na
go da Glória, na Ponta das Baleias, hoje centro his- fortaleza de São Lourenço e mataram a sentine-
tórico do atual município de Itaparica, promovia la. Roubaram e quebraram objetos sagrados na
encontros para discutir sobre a monarquia absolu- Igreja de São Lourenço. As mulheres suplicaram
tista portuguesa na Bahia. Traidores portugueses respeito aos objetos sagrados. Desesperados, os
frequentavam o lugar e levavam informações para moradores fugiram para as matas.
Madeira de Melo (governador da Bahia). • João Português morava em uma casa defronte
• Vedetas, sentinelas ou vigias, que dia e noite vi- a uma vivenda, onde os pescadores se reuniam.
giavam barcos próximos ou que vinham ao longe. Segundo os pescadores, levava notícias para Ma-
Maria Felipa era líder. Observava as praias, matas, deira de Melo. Foram promovidas retaliações.
os caminhos e subia em outeiros, levando tochas • Seguiram para Cachoeira em fuga e ao retornar
acesas para identificar portugueses que desciam travaram a Batalha no Estreito do Funil, que vence-
dos barcos para saquear. ram e causou entusiasmo. Levantaram proteções
• Assassinato da sóror Joana Angélica, em 10 de e trincheiras e fortificaram as costas da ilha.
fevereiro de 1822, torna-a conhecida como “mártir • Incendiam a canhoneira Dez de Fevereiro, reti-
da independência” e fomenta as lutas. rando-se as demais embarcações. Em 12/10/1822,
• O grupo de mulheres liderado por Maria Felipa o príncipe regente foi aclamado na Ponta das
estava sempre em conflito com portugueses, com Baleias, como o “defensor perpétuo do Brasil,
divergências e lutas corpo-a-corpo. sua Alteza, Príncipe D. Pedro”. À noite, o povoa-
• Maria Felipa auxiliava na pesca das baleias junto do festejou com luzes acesas em todas as casas,
com suas companheiras. acenderam tochas e fizeram fogueiras nas praias.
• A batalha das mulheres contra os soldados de
Madeira de Melo, do qual participou com Maria Em seguida, foi aplicado o método de construção
Quitéria na foz do rio Paraguaçu. “Combateram de roteiro ensinado por Syd Field. A seguir estão os
com água até os seios” contra uma barca lusa que esquemas como constam originalmente no livro e,
pretendia desembarcar. ao lado, os esquemas adaptados para o projeto.
assunto guerras da Independência do
Brasil na Bahia
ação personagem
luta Maria Felipa

física emocional define a ação é


necessidade personagem criar sentimento proteger a ação é
estratégias de justiça Ilha e seus personagem
e lutar habitantes
corpo a dos
corpo portugueses

ato I ato II ato III


Apresentação da Estratégia das vedetas, Saída dos portugueses
personagem, do ataque à vila de Itaparica, da ilha de Itaparica,
cenário e contexto batalha no estreito do funil, hasteamento da bandeira
ato I ato II ato III
ataque à canhoneira Dez no forte, confronto na foz
início meio fim
de Fevereiro e Batalha de do rio Paraguaçu, saída
Itaparica (6 a 9 de janeiro definitiva dos portugueses de
de 1823) Salvador

apresentação confrontação resolução apresentação confrontação resolução

ponto de ponto de Maria Felipa Estratégia de seduzir


virada I virada II alista-se na os soldados, dar-lhes
Campanha de surra de cansanção
Independência e queimar os barcos
portugueses
3.2 te xto Maria Felipa retirou a rede e agradeceu a Iemanjá
por ter lhe permitido entrar em sua casa e garantir
Com a base montada e os tópicos revisados, foi o seu sustento. O trabalho só havia começado:
possível elaborar o texto do livro. A seguir consta agora era preciso colocar toda a pesca do dia em
na íntegra a versão final do texto produzido: um barco para abastecer o Recôncavo. Conhecia
a ilha como a palma da sua mão. Os melhores
Era uma tarde quente na ilha de Itaparica, lugares para pesca, onde melhor se esconder,
localizada no coração da Baía de Todos os Santos, onde atacar. Tudo isso era de muita utilidade para
cercada por um mar de águas tranquilas e por lin- criar estratégias contra os portugueses, e a tor-
dos recifes de corais em toda a sua extensão. Daí nava uma liderança importante na comunidade.
vinha o seu nome em tupi, que significa “cerca de O respeito que possuía vinha da sua coragem e
pedra”. Nas praias e matas a variedade era imen- da sua capacidade, e também por ser solidária e
sa, com coqueiros gigantes, bananeiras, limoais, cuidadosa. Não abandonava ninguém em luta,
cajueiros, mangueiras e o doce perfume de frutas, estava sempre atenta às necessidades de todos e
flores e ervas. Os mangues da ilha fervilhavam não tinha medo de defender a ilha e as pessoas
com vida: mariscos, ostras, sernambis, aratus e que tanto amava.
caranguejos em profusão. Diversos outeiros tor-
navam a ilha praticamente um forte, de onde se Sua figura era impactante: alta, corpulenta, ener-
podia observar o navegar dos barcos pelo mar. gética. Costumava usar batas bordadas na cor
branca, saias rodadas, turbante, torço e chinelas.
Nascida na rua da Gameleira, Maria Felipa morou Quando necessário, amarrava a saia nas pernas e
durante algum tempo na Beribeira e agora morava lutava com golpes de capoeira. Era comum vê-la
no Arraial da Ponta das Baleias, em um casarão com os cabelos revoltos, a camisa descaída e as
chamado de “Convento”, onde alugava um quar- costas lavadas de suor agitando-se à frente da tur-
to. Localizado na Vila de Itaparica, o Convento era ba. Junto com as suas companheiras, aproveitava-
uma residência de trabalhadores, onde se aloja- -se dessas vestes para esconder armas, principal-
vam pescadores, carpinteiros, ferreiros, dentre mente as peixeiras que utilizavam em seu trabalho.
outros. Juntos formavam uma comunidade, onde Folhas de espinhos também eram ocultas junto à
ninguém tinha nada seu e muito menos onde cair flores e outras folhas comuns, fazendo com que
morto, mas tinham uns aos outros. parecessem estar apenas enfeitadas. Ela tinha a fé
dos seus antepassados, a fé do candomblé dos ori- contraram em estado de tristeza, e a vontade de
xás, dos caboclos escondidos nas matas. Uma fé justiça inflamou-se na ilha de Itaparica.
injustiçada, que não se podia declarar em público,
praticada clandestinamente. Maria Felipa, então, alistou-se como voluntária na
Campanha de Independência, que vinha organi-
Apesar de todas as suas belezas, a ilha, no mo- zando a resistência na ilha. E passou a conciliar a
mento, não era um paraíso para se viver. As no- luta contra os portugueses com o seu trabalho de
tícias vindo de Salvador não eram boas: a coroa marisqueira, pescadora - participando da pesca de
portuguesa, em uma atitude autoritária, ordenou baleias - e ganhadeira durante as tardes de verão,
ao tenente-coronel português Inácio Luis Madeira vendendo quitutes.
de Melo que ocupasse o cargo de Governador
das Armas da Bahia, passando por cima do atual E as mulheres ganhadeiras se uniam e se apoia-
ocupante do cargo, Manuel Pedro de Freitas, que vam, pois pelos outros eram só toleradas; juntas
não aceitou transmitir o cargo sem ser notificado eram responsáveis por alimentação em tempos de
formalmente pelo governo. O governo português escassez e muitos outros serviços, e faziam o que
propôs um acordo, que também não foi aceito, podiam para ir cada vez mais longe do lugar social
e as tropas de Madeira de Melo iniciaram um destinado à elas. E juntas cantavam, chamando os
confronto em Salvador. Manuel Pedro de Freitas fregueses.
acabou preso e aproximadamente 300 pessoas
morreram, entre elas a Abadessa Sóror Joana An- Naqueles tempos de conflito, muitos barcos inimi-
gélica, que tentara impedir a entrada dos soldados gos navegavam pelo Recôncavo. Para monitorar
portugueses no Convento da Lapa. esses barcos, Maria Felipa e suas companheiras
formaram um grupo chamado de Vedetas. A fun-
A morte violenta da Sóror, abatida com um tiro de ção delas era de sentinela: noite e dia patrulhavam
baioneta, causou comoção na cidade de Salvador, as matas, os manguezais, as praias e todos os
que logo se espalhou pelo Recôncavo. Era revol- caminhos da ilha, inclusive subindo em outeiros
tante a tirania dos soldados portugueses culminar como o do Balaústre e o da Josefa, mais próximos
no arrombamento de um convento e assassinato aos campos de guerra. Levando tochas acesas
de uma religiosa. Ao tomarem conhecimento da feitas de palha de coco e chumbo, identificavam
notícia, Maria Felipa e suas companheiras se en- portugueses que desciam dos barcos à noite para
saquear a vila (interceptando principalmente ali- que custar. Para isso levantaram proteções e trin-
mentos) e também para lutar. Maria Felipa liderava cheiras por todo o litoral.
este grupo e também se encarregava de repassar
informações sobre a guerra para companheiros de Porém, um mês depois, foi solicitado o retorno
luta em Salvador, a bordo de uma jangada. dos combatentes de Itaparica à Cachoeira por par-
te de uma Junta da Independência, prontamente
Os brasileiros viviam em estado de alerta, temen- negado. “A Ilha é nossa e daqui não há quem nos
do que os portugueses se reunissem para atacar. obrigue a sair”, foi a resposta.
Além da vigilância da vedetas, haviam os que dor-
miam em barcos ancorados distantes das praias. Então, um tempo depois, uma canhoneira inimiga
Diariamente, informações sobre os planos dos chegou à ilha.
portugueses eram trazidas.
A canhoneira Dez de Fevereiro se aproximou
Na madrugada de 10 de julho de 1822, a vila foi da praia de Manguinhos. Contava com 180 ma-
atacada. A povoação ficou toda erma, e regada de rinheiros e 26 peças. Com o apoio da trincheira
sangue; as brenhas orvalhadas de lágrimas e co- construída nesta praia, os insulanos atacaram.
bertas de ais e gemidos; todos desvairadamente Logo pela manhã, com o raiar do sol, um vivo e
buscaram fugir ao desmedido furor dos inimigos. inesperado fogo tomou conta da canhoneira e
Maria Felipa e suas companheiras cuidaram dos forçou as demais embarcações inimigas a bater
feridos. O objetivo deste ataque era tomar a Ilha, em retirada, deixando a bacia do Recôncavo livre.
ou naquele mesmo dia, ou em outras batalhas, À noite, D. Pedro I foi aclamado na Ponta das Ba-
pois chegara aos ouvidos de Madeira de Melo que leias como príncipe regente e o povoado festejou
havia uma resistência insulana organizada. com tochas acesas e fogueiras nas praias.

Devido ao ataque, os insulanos seguiram até Madeira de Melo reagiu ao festejo e enviou uma
Cachoeira, mas retornaram no dia 13 de agosto. verdadeira ofensiva à ilha, composta de várias em-
Não contavam que no caminho iriam travar mais barcações. O confronto marítimo durou metade
uma batalha no Estreito do Funil, da qual saíram de um dia, até que os insulanos devastaram a bar-
vitoriosos. Entusiasmados com a reconquista da ca Constituição. Maria Felipa se destacou durante
Ilha, prometeram mantê-la em seu poder, custe o esta batalha junto à suas companheiras de luta,
pois sua coragem foi admirada por todos como rio, morada de Oxum, veio a solução: o uso de
a de uma grande guerreira, assistida pela força e uma estratégia diferente, com armas não con-
senso de justiça de Xangô. As batalhas marítimas vencionais. Tal como Oxum, as armas do grupo
prosseguiram contra os portugueses e a cada uma seriam astúcia e sedução. E também folhas de
delas, as defesas da ilha eram reforçadas. cansanção, bebidas e tochas improvisadas.

Enquanto isso em Salvador, um cerco era forma- As folhas de cansanção eram as folhas de espinho
do. O alimento era escasso, pois todas as rotas que utilizavam presas à saia, disfarçadas no meio
que os traziam estavam bloqueadas. Os portugue- de flores e folhas comuns. Eram uma espécie de
ses entenderam o erro de não terem direcionado urtiga muito perigosa: em contato com a pele cau-
esforços para dominar Itaparica o quanto antes. savam queimaduras fortes.
Além de rota dos alimentos, Itaparica passou a
ser a principal rota das comunicações entre os Os portugueses estavam atacando as praias e,
batalhões patrióticos e D. Pedro I. quando o grupo de 40 mulheres lideradas por
Maria Felipa se aproximou, eles não viram amea-
Sem saída, no dia 6 de janeiro de 1823, a esquadra ça, pois não conheciam o perigo das folhas. As
de Madeira de Melo saiu de Salvador em direção mulheres, supostamente apenas enfeitadas, ofe-
à Itaparica. As embarcações estavam em pontos receram bebida aos soldados e os seduziram para,
diversos da ilha: as de guerra em Manguinhos e então, surrá-los com os galhos de cansanção.
uma barca grande circulava pelo mar vigiando a
ilha. Os insulanos fizeram o mesmo, e as Vedetas Pegos de surpresa, não imaginavam que elas tam-
observaram vários pontos da ilha e contaram cer- bém possuíam as tochas feitas de palha de coco,
ca de 40 embarcações. Então, ficaram de tocaia, pólvora e chumbo, que foram jogadas por elas
armados, enquanto os barcos lusitanos avança- nos barcos, incendiando-os.
vam cada vez mais.
Essa estratégia criada por Maria Felipa deixou
Maria Felipa reuniu seu grupo, que também eram a Ponta das Baleias em fogo vivo e pela manhã
chamadas de mulheres guerreiras, para criar no- o litoral estava ainda coberto de fumaça. A luta
vas estratégias de batalha. Com tantos barcos, continuou e, ferozmente, Maria Felipa lutou na
como se aproximar do inimigo? Na beira de um praia do Convento com suas companheiras até
que os soldados lusitanos deixaram Itaparica em se alistar como voluntária, fingindo-se de homem
9 de janeiro. utilizando as roupas e o sobrenome do cunha-
do. Foi descoberta, mas continuou no batalhão.
Enfim, paz? Não exatamente. O cerco ainda acon- Possuía um ótimo manejo das armas e imensa
tecia em Salvador e os conflitos continuavam fora coragem e disciplina.
da ilha. Mas, devido a bravura dos combatentes
insulanos, o Forte de São Lourenço em Itaparica Após os conflitos na ilha cessarem, as tropas de
recebeu sua primeira bandeira brasileira para ser Madeira de Melo, já bastante reduzidas, não re-
hasteada no Largo e uma proclamação elogiosa sistiram muito tempo. O cerco havia se acirrado
das mãos de Labatut, que comandava as tropas ainda mais. A cidada de Salvador estava completa-
brasileiras. A ocasião de festa não impediu Maria mente isolada e já não havia como continuar com
Felipa de ir atrás de um português rico que que- os planos da coroa portuguesa. Madeira de Melo
ria assaltar a vila. Surrou-o, enquanto ela e suas propôs um acordo de cessar fogo, que só seria
companheiras bradavam: “Havemos de comer aceito após a capitulação, sem direito a acordo.
marotos com pão!” Dessa forma, as tropas portuguesas abandonaram
definitivamente Salvador em 2 de julho de 1823.
Em abril, enquanto Maria Felipa e suas companhei-
ras estavam se preparando para ir ao Recôncavo,
receberam a notícia de que barcas portuguesas
pretendiam desembarcar na foz do rio Paraguaçu.
Ao chegar, já haviam outras mulheres combaten-
do com água até a altura dos seios e uma figura se
destacava entre todas.

Era uma pessoa de cabelos curtos, armada e vesti-


da como um soldado. Após conseguirem expulsar
com sucesso os portugueses da foz, Maria Felipa
foi ter com aquela curiosa figura e descobriu que
se tratava de Maria Quitéria, integrante do Bata-
lhão dos Periquitos. Ela havia fugido de casa para
3.3 cr i a çã o de perso nagem

A etapa de criação de personagem teve foco ape-


nas em Maria Felipa, já que os outros personagens
que aparecem no livro tem pouco destaque. Na
busca de inspirações, foram feitas pesquisas e
leituras, que geraram moodboards. Desses, foram
selecionadas como inspiração pessoas reais como
Chimamanda Ngozi Adichie e Angela Davis (da
esquerda pra direita, abaixo).

Além disso, como falado anteriormente, Maria Fe-


lipa seria de origem sudanesa. Pensando nisso, foi
feito um moodboard com mulheres sudanesas, a
fim de compreender seus traços físicos e culturais
para auxiliar na criação da personagem. Esta etapa
foi importante porque no continente africanos há
diversos etnias e culturas diferentes, sendo um
erro generalizá-las.

Outro moodboard foi voltado para referências


de ilustração, buscando formas de se trabalhar o
personagem, cores e estilo. Criadas pelo ilustrador
brasileiro Willian Santiago e pela ilustradora fran-
cesa Céleste Wallaert (da esq. para a dir.), as duas
ilustrações a seguir chamaram a atenção pela ma-
neira como solucionam a forma por meio de áreas
simples com cores chapadas e sobreposições de
estampas e texturas.
Paralelamente aos moodboards, foram feitos os
rascunhos preliminares da personagem, ainda de
maneira livre:
Então, começaram a ser feitos estudos da per-
sonagem que contemplassem ao mesmo tempo
a busca pela técnica a ser usada para finalizar as
ilustrações do livro. O objetivo era encontrar uma
técnica que ajudasse a dar o tom da história e que
fosse criativa.
O teste anterior com recorte e colagem deu origem
ao teste desta página onde, além de recortes de
papel, renda e tecido, são utilizados objetos como
miçangas, conchas e fitas do Senhor do Bonfim
típicas da Bahia. O tecido usado, a chita, também
é um tecido bem comum no Nordeste e ligado
à cultura desta região. O resultado desse teste,
portanto, foi o ponto de partida para que o desen-
volvimento visual da personagem e das ilustrações
fosse decidido.
Então prosseguiu-se o desenvolvimento da perso-
nagem focando em suas características faciais e
corporais. A principal mudança foi a simplificação
das formas – diminuição de detalhes, linhas e
sombras – para obter um resultado visualmente
mais forte e agudo, e um olhar mais determinado.
Os trajes de Maria Felipa são sempre uma bata,
uma saia longa e ocasionalmente acessórios como
turbante, colares, brincos e pulseiras. Seus cabelos
são crespos e volumosos e sua pele é negra de
tom escuro; é corpulenta, para indicar que se trata
de uma trabalhadora e guerreira.

Tendo decidido essas características, foi feito um


teste final (página seguinte) inserindo Maria Felipa
em um cenário que serviria de modelo visual para
a confecção dos próximos.
3.4 e sp e l ho/st o ry bo ard São estes desenhos em sequência que transportam as ideias
do abstrato para o real. 1
O processo de organizar a publicação dividiu-se
em duas etapas. A primeira é o espelho, um esque- Como a definição anterior mostra, o processo de
ma para organizar o conteúdo e a ordem em que storyboard é comum em várias indústrias, como
deverá entrar no livro. A segunda é o storyboard, a cinematográfica, animação e também a edito-
essencial para o planejamento das ilustrações. rial. Abaixo constam todas as páginas duplas da
No caso do projeto, foi possível mesclar as duas publicação e, em cada uma delas, o rascunho da
etapas em um resultado final, porém mantendo a ilustração planejada.
ordem de começar pelo espelho.

1 Storyboard, o quadro a quadro da história. Disponível em: <http://


O storyboard nada mais é do que a versão em desenhos do
www.animamundi.com.br/pt/storyboard-o-quadro-a-quadro-da-
roteiro de um filme. Contém todo o seu conceito visual (...).
-historia/>. Acesso em: 20/12/2018

falsa folha de rosto folha de rosto dedicatória


colofão
3.5 d e s e nv olviment o das revela-se de grande importância e, a partir de en-
i l ustr a çõe s tão, várias imagens apresentam uma combinação
de pintura, desenho e colagem. Trata-se de um
Com base no storyboard gerado, chegou-se a fenômeno recente, que constitui uma das técni-
um número de 14 ilustrações em página dupla cas contemporâneas mais utilizadas. (LINDEN,
a serem desenvolvidas. Foi feito um moodboard 2011, p. 37)
(abaixo) para pesquisar referências ligadas à téc-
nica escolhida durante o processo de criação de Tratando-se de um projeto que se propõe a con-
personagem. Entre as inspirações estão a renda tar fatos históricos com uma linguagem visual
manual feita no Nordeste, ilustrações com recorte contemporânea, a técnica mista mostrou-se uma
de papel sugerindo profundidade, artesanato de ótima opção. Com ela foi possível trabalhar as
garrafinhas com ilustração feita de areia colorida ilustrações com objetos ligados a própria narrati-
e ilustração com objetos variados, como folhas, va e chegar a uma estética mais inovadora.
miçangas, bijuterias.

tinta guache
A técnica mista, como o próprio nome indica, é a tinta acrílica

combinação de técnicas. Na virada do século XXI


fita crepe

miçangas
estilete estilete de papéis
tesoura médio precisão coloridos
média e cola
pequena bastão

conchas
fitas e
rendas

lápis
grafite e
caneta lápis de
nanquim cor
Processo de ilustração das
vedetas Foi feita uma compo-
sição com recortes de papel e
folhas de árvores. Posterior-
mente, a composição sofreu
ajustes e perda de detalha-
mento da pintura.

Processo de criação da capa


do livro Foram usados re-
cortes de papel e recurso de
vincagem para o efeito tridi-
mensional; pintura com tinta
guache e nanquim. Abaixo,
detalhe de ilustração feita com
recortes e tinta acrílica.

Processo da ilustração das


ganhadeiras Foram criados
colares com linha e miçangas
variadas; as saias são feitas de
chita, as blusas de renda e re-
corte de papel. A cesta na mão
de Maria Felipa foi texturizada
com um estilete.
Processo da ilustração do in- nho do machado, seguido dos
Para esta ilustração, também
cêndio dos barcos A primeira recortes originados do molde.
foram usadas rendas e miçan-
foto mostra o design inicial Abaixo, o machado já com a
gas no tom da paleta de cores,
da personagem e o molde aplicação de fitas, miçangas e
inspirada em Oxum. Abaixo,
do machado de Xangô, ainda búzio e a personagem finaliza-
o molde de papel em branco.
buscando a composição. Ao da com sombreado, linhas em
Com base nele, o corpo da
lado, o molde do design final nanquim e rendas.
personagem em papel mar-
de Maria Felipa, remodelado
rom. A saia e tecido também
para melhor silhueta e empu-
foram feitos com base no
molde, em papel amarelo.

As linhas de miçangas e as
rendas, nesta ilustração,
formaram as contas da coroa
inspirada na indumentária de
Oxum no candomblé. Na gar-
rafa, foi usado papel vegetal
vermelho para a transparência
do material de vidro.
Processo da ilustração de Maria
Quitéria e Maria Felipa na batalha do
Paraguaçu A sequência de imagens
acima mostra os recortes de Maria Processo da montagem das guardas do livro Com
Os detalhes dos barcos Quitéria, com as peças separadas. Ao papéis coloridos, miçangas e fitas do senhor do
sendo feitos com caneta lado, Maria Quitéria e Maria Felipa com Bonfim, o design da guarda foi criado com base na
nanquim e lápis de cor as peças coladas e sombreadas. água e no fogo, elemrntos dominados por Maria
sobre os recortes de papel. Felipa durante a história.
3.6 d i a gr a mação e art e-final No exemplo abaixo, de uma ilustração do miolo, as
edições necessárias incluíram recorte da área útil;
Devido a impossibilidade de se capturar detalhes correção e alinhamento do ângulo da foto; ajuste
tridimensionais pelo scanner, as ilustrações foram do brilho, contraste, luz e sombras; ajuste das co-
fotografadas para serem posteriormente tratadas res e temperatura dos tons; reforço e nitidez das
em software de edição de imagem. Abaixo segue linhas e, por fim, ajuste da resolução de imagem
o exemplo da ilustração da guarda fotografada para impressão, além de adequação ao formato
em estúdio, composta inteiramente de elementos final escolhido para o livro.
tridimensionais:

Após os ajustes necessários, este foi o resultado


da fotografia aplicada à guarda:
O formato em questão é o quadrado, com 21x21cm. A família tipográfica escolhida para o texto corrido
É muito utilizado em livros infanto-juvenis e pro- foi a Zilla Slab, que proporciona boa leitura devido
porciona bom aproveitamento do papel ao mesmo às serifas. A facilidade da leitura, neste caso, é
tempo em que se destaca dos formatos padroniza- importante por conta de uma fração do público a
dos (14x21cm e 16x23 cm). que o livro se destina: crianças em idade escolar a
partir dos 10 anos.
Caracteres da fonte Zilla Slab
Zilla Slab Regular Regular, parte da família Zilla
Slab. É uma slab serif contem-
Aa B b C c D d E e Ff G g H h I iJ j Kk Ll M m porânea criada pelo estúdio
holandês Typotheque.
N n O o P p Q q R r S s T t U u VvWw X x Yy Z z
0123456789

Mancha de texto
O grid (acima) utilizado na diagramação consis- ERA UMA TARDE QUENTE NA ILHA DE
Zilla Slab Regular
te em três colunas que podem abrigar o texto de ITAPARICA, localizada no coração da Baía 12pt
diversas formas, porém utilizando no máximo a de Todos os Santos, cercada por um mar entrelinha 16pt
largura de duas colunas, conforme pode ser visto de águas tranquilas e por lindos recifes de
neste exemplo de página diagramada: corais em toda a sua extensão. Daí vinha
o seu nome em tupi, que significa “cerca
de pedra”. Nas praias e matas a variedade
era imensa, com coqueiros gigantes,
bananeiras, limoais, cajueiros, mangueiras
e o doce perfume de frutas, flores e ervas.
Os mangues da ilha fervilhavam com
vida: mariscos, ostras, sernambis, aratus
e caranguejos em profusão. Diversos
outeiros tornavam a ilha praticamente um
forte, de onde se podia observar o navegar
dos barcos pelo mar.
Já a capa foi fotografada em partes, que posterior- Por fim, as especificações técnicas do livro estão
mente foram agrupadas em um mesmo arquivo, descritas abaixo:
certificando-se de que os tons se nivelassem. A
orelha da frente completa o rosto da personagem; Formato fechado: 210x210mm
a orelha do verso traz as informações de sinopse e Formato aberto: 420x210mm
autora. Na quarta-capa, um trecho do Hino Maria Capa: Com orelha - 4x4
Felipa de Oliveira composto por Celso Xavier Mar- Papel de capa: Cartão Supremo 250g
ques e citado no livro da pesquisadora Eny Kleide Miolo: 36 páginas - 4x4
Vasconcelos Farias. Papel de miolo: Couchê fosco 120g
Acabamento: Cola hotmelt (lombada quadrada)
Laminação: Fosca
3.7 r e sult ado s
4. CONCLUSÃO Pode-se discutir os motivos pelos quais uma he-
roína negra foi apagada da história oficial. Pode-se
A sensação que perdura após a conclusão deste discutir a participação feminina e popular em mo-
projeto é a de dever cumprido. Um dos princípios vimentos políticos no Brasil, a diáspora africana
que, para mim, norteia o trabalho como designer e suas consequências, as religiões afrobrasileiras
e ilustradora é a possibilidade de trazer para o como o candomblé e as manifestações culturais
mundo projetos relevantes no sentido cultural, que do nordeste do país. Além disso, a história de
possam ser aliados no combate à desigualdade Maria Felipa pode servir de referência e inspiração
social, econômica e de gênero. Acredito que todos para milhares de meninas se sentirem represen-
temos responsabilidade enquanto indivíduos em tadas na história do nosso país tão tomado por
fazer o que for possível para corrigir as injustiças personalidades históricas masculinas.
que testemunhamos todos os dias, e isso não é di-
ferente na profissão. Jamais me sentiria completa Como problemáticas, é necessário citar a dificulda-
em um projeto que servisse apenas à perpetuação de em conseguir as fontes de pesquisa, agrupá-las,
do design essencialmente corporativo, mercadoló- interpretá-las e transformá-las em um texto narra-
gico e esvaziado de propósito social. tivo. Foi um trabalho árduo, quase uma colcha de
retalhos. Porém é o que se espera de uma história
Felizmente, Maria Felipa: uma heroína baiana pouco conhecida e divulgada. Sou extremamente
cumpre tais objetivos. Mas não completamente, grata à todos os pesquisadores e professores que
claro. É apenas uma esforçada contribuição, uma escreveram sobre Maria Felipa e me permitiram re-
semente em uma floresta que só vai germinar com contar essa história em um livro ilustrado, deixan-
esforço coletivo. O resultado é um livro que pode do-a da forma mais acessível e atraente possível.
transitar bem entre crianças em idade escolar, de
aproximadamente 10 até 16 anos, apoiando o con- Por fim, acredito que ainda há muita pesquisa a
teúdo da sala de aula e contribuindo para debater fazer e muito a ser feito em relação a Maria Felipa e
os temas com que se relaciona, como racismo sua participação na Independência. Não podemos
e feminismo. Com este livro, pode-se discutir a mudar nosso passado, mas podemos mudar a for-
questão da Independência de forma que os alunos ma como o vemos e assim construir um novo fu-
tomem conhecimento de que não foi somente turo. Deixo aqui a minha contribuição para os que
um processo pacífico conduzido por D. Pedro I. desejarem seguir adiante nessa necessária tarefa.
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