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Alunos: Marcos Motta e Pedro Martins

Professora: Dra. Thayara Lima

Ensino de História para colonizar ou para descolonizar?

Para a realização deste ensaio, foi proposto pela professora Dra. Thayara Lima a
leitura de dois textos para apoio da reflexão sobre “Qual o papel do Ensino de História no
século 21? Diante desse papel, como você se posiciona enquanto professor em
formação?”. Os dois textos analisados apresentam uma clara relação. Em Histórias do
movimento negro no Brasil e em História oral e historiografia são encontrados
exemplificações no nosso mundo contemporâneo sobre o que escreveu Chimamanda Ngozi
Adichie em A historiadora obstinada.
A pergunta "Qual é o papel do ensino da história no século 21?" exige dois tipos de
resposta. A primeira trata de um diagnóstico em relação ao ensino da história nessas duas
décadas do século 21. Em certa medida, podemos considerá-lo uma continuação do projeto de
escola e história escolar anterior, mas que permitiu brechas para a ação dos educadores e
exigiu outros espaços de educação. O âmbito familiar surge como um desses espaços para o
ensino da história, especialmente quando consideramos a consciência racial como uma forma
de consciência histórica e política. A segunda resposta que essa pergunta suscita é qual papel
o ensino de história deve desempenhar. E é nesse prognóstico que se encaixa a pergunta
subsequente, essencial para essa discussão: "Diante desse papel, como você se posiciona
enquanto professor em formação?".
Nesse sentido, vamos começar com uma breve descrição do projeto de educação e
ensino de história que ainda se reflete nos dias atuais. Para abordar esse tema, podemos
recorrer aos textos estudados anteriormente em sala de aula, como o "Diploma de Brancura"
de Jerry Dávila e "História do Ensino de História no Brasil" de Maria Auxiliadora Schmidt.
Esses dois textos nos permitem refletir sobre os projetos institucionais e hegemônicos de
educação nos quais o ensino da história está inserido. Especialmente em "Diploma de
Brancura", podemos identificar o caráter racista do projeto de educação brasileiro. Uma
adaptação do processo de "limpeza racial" anterior agora posto como um embranquecimento
cultural através da educação. Fruto de uma necessidade de mão de obra de um capitalismo
industrial incipiente e políticas eugenistas, esse processo tenta uniformizar o ensino a partir de
um referencial branco e europeu (DÁVILA, 2006; SCHMIDT, 2012).
No entanto, contrastado com os textos "Histórias do Movimento Negro no Brasil",
organizado por Amilcar Pereira e Verena Alberti, e "A Historiadora Obstinada" de
Chimamanda Adichie, vemos uma outra perspectiva para pensarmos o ensino e a educação no
Brasil. Como esse processo ocorria fora dos espaços escolares e como, no cerne da escola,
surgem possibilidades de subversão, tanto por parte dos alunos quanto dos educadores. Em "A
Historiadora Obstinada", vemos dois exemplos dos efeitos do sistema educacional moderno e
ocidental que o Brasil compartilha com a Nigéria em certo nível: Anikwenwa, filho de
Nwangba, e Afamefuna, sua filha. Em poucas palavras, Anikwenwa, devido ao seu
afastamento da mãe e de sua comunidade, sofre nesse processo educacional uma alienação em
relação à cultura de sua família e recebe, por assim dizer, "o diploma de brancura". Já sua
filha Afamefuna, pelos seus laços afetivos com a avó e sua relação com o pai, desenvolve
uma percepção da realidade racial que transforma e ressignifica a sua própria educação
(ADICHIE, 2017).
Percebemos o mesmo fenômeno nos relatos em "Histórias do Movimento Negro no
Brasil". Claro, devemos ter em mente o recorte do projeto, tratam-se de histórias como a de
Afamefuna e não Anikwenwa. Dito isso, notamos como muitas vezes o seio familiar é o
primeiro ensejo para a formação de uma consciência racial. No momento em que o processo
escolar é interpelado por essa consciência, apresenta-se a possibilidade de encará-lo de outra
forma: de forma combativa, politicamente posicionada e que permite seu uso sem
necessariamente um embranquecimento da subjetividade. Um exemplo disso é o caso de Zélia
Amador (ALBERTI; PEREIRA, 2007, p. 42-43).
Analisando o exemplo de Mariléia Santiago (ALBERTI; PEREIRA, 2007, p. 41-42),
percebe-se a importância da continuação da luta do movimento negro. Mariléia fala sobre sua
neta ter sofrido discriminação e que a sugestão da avó foi dizer que ela era negra e que tinha
muito orgulho de ser. Após isso, e após a convivência com integrantes do movimento negro,
esse processo de consciência racial começou a ser construído em sua neta, que com apenas 4
anos já se via como negra e tinha orgulho disso.
O acontecimento supracitado evidencia como a coletivização é importante para o
processo de construção da identidade e do orgulho da mesma. Acreditamos que o ensino de
história e o docente envolvido nesse processo deve fomentar esse tipo de atitude.
Evidenciando e dialogando com assuntos que valorizem a cultura do povo negro no Brasil e
em África.
Como fica evidente no relato de Lúcia Xavier (ALBERTI; PEREIRA, 2007, p. 43-44),
a presença em casa de uma figura que apresente para os filhos suas origens, que fale sobre
assuntos que normalmente não são falados no ambiente escolar é de extrema importância.
Como a própria envolvida no relato afirma, esse processo de conversa e compreensão sobre
sua identidade e origem era o que as incentivava a reagir a possíveis ações negativas que
poderiam ser vividas, e que quase majoritariamente ocorriam pela primeira vez no ambiente
escolar.
Portanto, no ambiente escolar é de suma importância compreender e buscar praticar o
que defende Ana Flávia Magalhães Pinto (ALBERTI; PEREIRA, 2007, p. 45 do pdf),
militante negra e professora. Urge a necessidade de inserir com maior frequência o estudo de
autores negros, como Lélia Gonzalez, bell hooks, Chinua Achebe, entre outros. Além também
de conhecimentos que atualmente não estão inseridos no ambiente acadêmico e/ou escolar
mas que não merecem menor atenção por conta disso, como o uso dos “cadernos do Ilê Aiyê
para entender que existem práticas de ensino dessa História ausentes no curso” (ALBERTI;
PEREIRA, 2007, p.46 do pdf), ou até nos remetendo ao relato supracitado de Lúcia Xavier,
conversas e debates sobre a relação entre as origens do candomblé e o povo negro.
No conto A historiadora obstinada fica evidente como o afastamento de um indivíduo
de sua história e dos costumes de sua cultura dificulta a construção de consciência racial e
favorece a alienação, como pode ser visto no processo de Anikwenwa, filho de Nwamgba.
Esse processo é refletido na sociedade quando se compreende o processo de colonização
como um embranquecimento e uma busca pela dominação das instituições brancas -
representada no texto pela Igreja - sobre a cultura negra. E esse processo é algo que a escola
perpetua até os dias de hoje. Não é à toa que, de acordo com os relatos, é o primeiro ambiente
de hostilidades racistas sofridas pelos entrevistados.
O papel do ensino de história no século 21 e do professor nesse contexto parece ser o
de lutar por um ambiente de inclusão, oferecer ferramentas para a crítica e um
comprometimento político anti racista com a educação, de acordo com as conjunturas sociais.
Além de fornecer ferramentas a partir do conteúdo da disciplina de história para que haja um
processo de fortalecimento da compreensão da identidade do povo negro. Utilizar temas,
abordagens teóricas e métodos didáticos alinhados ao seu posicionamento. Abrindo portas
para o processo de construção de consciência racial e comunitária, para que a luta continue e
esteja presente nas ações do dia a dia dos envolvidos.
Referências

ADICHIE, Chimamanda Ngozi. No seu pescoço. Tradução: Julia Romeu. 1. ed. São Paulo:
Companhia das Letras, 2017.

ALBERTI, Verena; PEREIRA, Amilcar Araujo. Histórias do movimento negro no Brasil:


Depoimentos ao CPDOC. Rio de Janeiro: Pallas; CPDOC-FGV, 2007.

DÁVILA, Jerry. Diploma de brancura: política social e racial no Brasil, 1917-1945. Unesp,
2006. p. 17-46.

SCHMIDT, Maria Auxiliadora Moreira dos Santos. História do ensino de História no


Brasil: uma proposta de periodização. Revista História da Educação, v. 16, n. 37, p. 73-91,
2012.

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