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Atividade

O ensino de História e a representação das mulheres negras nos livros


didáticos
A presença das mulheres negras, sobretudo escravizadas, no espaço público, veio anterior à das
brancas

Por Rayssa A. Carvalho*

Os movimentos sociais negros vêm pautando, em sua trajetória de lutas, demandas pela representação da
população negra no ensino de História, por meio do reconhecimento da participação desse grupo na História do
Brasil e, ainda, das matrizes africanas em nossa sociedade.
Em 2003, a Lei nº 10.639 alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei nº 9.394/96), incluindo no
currículo oficial das redes de ensino, pública e privada, a obrigatoriedade do ensino da História da África e
História e Cultura Afro-Brasileira.
A Lei nº 10.639 foi um marco importante para o desenvolvimento de políticas públicas no tratamento das
questões étnico-raciais na educação, como fomentadora de uma educação antirracista e no combate ao racismo.
Assim, a implementação da Lei nº 10.639/03 colocou demandas relativas às representações da população negra
em diversos espaços da sociedade, sobretudo nos ambientes educacionais. Mas, além de apontar a importância
dessa norma, é necessário lançar um olhar crítico sobre a sua efetivação na esfera da prática educativa.
Em reflexão sobre a educação antirracista, a intelectual negra Nilma Lino Gomes levanta alguns
questionamentos pertinentes: “Será que, na escola, estamos atentos a essa questão? Será que incorporamos essa
realidade de maneira séria e responsável, quando discutimos, nos processos de formação de professores(as), a
importância da diversidade cultural?”. Nesse sentido, a autora destaca a importância de considerar as dimensões
subjetivas e políticas que atuam na construção da identidade racial negra.
As universidades e seus pesquisadores e pesquisadoras têm papel importante no estímulo a estudos que
forneçam subsídios para a efetivação da educação antirracista. Nesse sentido, o trabalho dissertativo intitulado
Leituras sobre representações imagéticas femininas negras em livros didáticos de história (1997-2014)
objetivou expor e discutir possíveis olhares sobre as representações imagéticas de mulheres negras retratadas
em livros didáticos de História para o Ensino Fundamental utilizados na rede pública de ensino da cidade de
João Pessoa, nas décadas de 1990 a 2010.

Como as mulheres negras estão representadas nos livros didáticos de História?


O texto aborda o contexto em que tais representações foram produzidas e como essas imagens, enquanto
representações, com todos os elementos que as constituem, são inseridas numa literatura didática. O livro
didático é um instrumento privilegiado na construção de identidades. E as imagens visuais contidas nele
compõem uma cultura visual no âmbito do espaço escolar, construindo social e culturalmente as práticas e as
experiências do ver a nós mesmos e aos outros.

As mudanças nas representações identificadas nos livros didáticos de História na atualidade podem produzir
transformações importantes nas formas como as mulheres negras são vistas pelos leitores dos livros didáticos.

Ao mergulharmos na leitura das imagens visuais, a fim de compreender como as mulheres negras foram e são
representadas nos livros didáticos de História, desvelamos espaços de permanência e mudança na forma como
elas foram pintadas, desenhadas, impressas nas páginas de tais objetos culturais.

Os estereótipos das mulheres negras, como a “mãe preta”, cuidadora das crianças brancas e das casas grandes,
ou como a “bela mulata”, uma mulher negra hipersexualizada, representações construídas na literatura brasileira
e em obras ensaístas de intérpretes do Brasil, afirmaram tais imagens das mulheres negras e um discurso de
democracia racial que velou o racismo sofrido por essas mulheres na sociedade brasileira.

Vale salientar que as mulheres negras se encontram quase completamente ausentes dos conteúdos escritos nas
coleções didáticas analisadas, mas localizam-se nas figuras femininas negras em várias representações
imagéticas produzidas em diversas técnicas, como pinturas, gravuras, artes gráficas, charges, fotografias.

Nas coleções didáticas mais recentes, após a Lei nº 10.639, observaram-se mudanças que mostram com algum
destaque as trajetórias de mulheres negras, no período escravista e no pós-Abolição, o que não havia na coleção
didática de 1997, na qual ainda se afirmavam os estereótipos; a maioria das ilustrações retrata as mulheres
negras na condição de escravizadas, relacionadas sobretudo ao trabalho no cuidado das crianças brancas.

As imagens utilizadas, sobretudo no contexto do século XIX, também retratam as mulheres negras nos espaços
públicos urbanos, imagens que estão compostas principalmente por personagens masculinos. A presença das
mulheres negras, sobretudo escravizadas, no espaço público, deu-se anteriormente a conquista desse espaço
pelas mulheres brancas – esse é um dos pontos que marca as diferenças nas experiências históricas femininas.

Página 37 do livro didático da 7ª série da Coleção Didática História – Edição reformulada, da Editora FTD (1997).

Nos livros didáticos mais recentes, as modificações nas representações foram perceptíveis na análise
comparativa das coleções didáticas e consideramos importantes, uma vez que podem produzir leituras que
colocam as mulheres negras em formas, papéis e espaços que desconstroem imagens tradicionais e arquitetam
outras imagens, podendo influir no processo de desconstrução e construção das identidades dos leitores.
À esquerda, a página 120 do livro didático do 7º ano da Coleção Didática do Projeto Araribá História, da Editora Moderna
(2010), e, à direita a página 252 do livro didático do 9º ano da Coleção Didática do Projeto Araribá História, da Editora
Moderna (2010).

Os estereótipos das mulheres negras como a “mãe preta”, cuidadora das crianças brancas e das casas grandes,
são representações construídas na literatura brasileira e em obras ensaístas de intérpretes do Brasil.

Todavia, cabe destacar também que nas novas ilustrações, como da menina negra na imagem à esquerda,
existem permanências, pois, mesmo que a figura tenha trazido a personagem feminina negra para o presente
inserida no ambiente da escola, sua representação está carregada de uma passividade que não rompe com as
imagens tradicionais. Já a imagem à direita traz a mulher negra desempenhando o papel profissional como
educadora, representação que não aparece em nenhum dos outros livros das coleções didáticas analisadas;
entendemos que essa representação pode, ao mesmo tempo, ampliar e restringir como as pessoas veem os
espaços de atuação que são possíveis para as mulheres negras.

Portanto, as mudanças nas representações identificadas nos livros didáticos de História na atualidade podem
produzir transformações importantes nas formas como as mulheres negras são vistas pelos leitores dos livros
didáticos e, provavelmente, influir na construção das identidades de forma positiva, em um saber escolar que
possibilite desenvolver olhares que problematizem o conhecimento histórico, levando à compreensão pelos/as
discentes das diversidades e da alteridade, transformando às realidades racistas e sexistas.

Referências

CARVALHO, Rayssa Andrade. Leituras sobre representações imagéticas femininas negras em livros didáticos de história
(1997-2014). 2015. 159f. Dissertação (Mestrado em História) – Centro de Ciências Humanas e Letras, Universidade Federal
da Paraíba, João Pessoa, 2015. Disponível em: https://repositorio.ufpb.br/jspui/handle/tede/8362?locale=pt_BR. Acesso em:
29 ago. 2020.

FLORES, Elio Chaves. Etnicidade e ensino de História: a matriz cultural africana. Tempo, Rio de Janeiro: nº 21, p. 65-81,
jun. 2007. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/tem/v11n21/v11n21a06.pdf. Acesso em: 28 ago. 2020.

GOMES, Nilma Lino. Alguns termos e conceitos presentes no debate sobre relações raciais no Brasil: uma breve discussão.
In: SANTOS, Sales A. (Org.). Educação antirracista: caminhos abertos pela Lei Federal nº 10.639/03. Brasília:
MEC/Secad, 2005. p. 39-62.

XAVIER, Giovana; FARIAS, Juliana Barreto; GOMES, Flavio (Orgs.). Mulheres negras no Brasil escravista e do pós-
emancipação. São Paulo: Selo Negro, 2012. p. 297-313.

Rayssa A. Carvalho é mestra e graduada em História pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB), com pesquisas sobre
Feminismo Negro Brasileiro. Atualmente, como graduanda em Direito/UFPB, estuda os temas das mulheres negras e o
sistema de justiça criminal.

Site:https://www.brasildefatopb.com.br/2020/09/21/o-ensino-de-historia-e-a-representacao-das-mulheres-negras-nos-livros-
didaticos.

Objetivos
 Refletir sobre a representação das mulheres negras nos livros didáticos.
 Identificar a continuidade de discursos de exclusão e marginalização da mulher negra.

Conteúdo conceitual
 O papel da mulher negra na história do Brasil.

Sequência didática
1. Solicite aos/as alunos/as leiam a reportagem.
2. Proponha um debate com os/as alunos/as sobre a representação da mulher negra nos
livros didáticos. Sugestão: aula dialogada.
3. Solicite aos/as alunos/as que pesquisem nos seus próprios livros didáticos a forma
como as mulheres negras são representadas.
4. Organize uma exposição geral dos resultados obtidos nas pesquisas.

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