Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
mulher quilombola.
VIVIANE BANDEIRA.1
Optei, então, por escolher uma mulher negra que exercesse algum tipo de liderança.
Assim, escolhi Zeferina que foi líder do Quilombo do Urubu, mostrando a representação da
mulher quilombola nos manuais didáticos.
A opção por esse tema foi por conta da ausência nos livros didáticos da participação
da mulher negra nos movimentos de resistência e mais especificamente da mulher
quilombola. Entender o espaço quilombola não apenas como um local masculinizado, mas,
como um espaço em que as relações de gênero se teciam.
1
Cursando o Mestrado Profissional em História da África e da Diáspora e dos Povos Indígenas- UFRB.
Kabelenge Munanga (2005) no livro “Superando Racismo na Escola” sinaliza que
cabe ao professor mostrar a participação do negro como sujeito histórico. Como esse estudo
2
trata sobre a elaboração de um material didático sobre Zeferina vem justamente ao encontro
do que Munanga sugere em seu trabalho.
Ana Célia (2005) ressalta que nos manuais didáticos, a cidadania e a humanidade são
representadas pelo homem branco e de classe média. A mulher, o negro, os povos indígenas,
entre outros, são descritos pela cor da pele ou pelo gênero, para registrar sua existência. A
autora mostra que esse por ser o principal material utilizado pelos professores acaba por
perpetuar estereótipos negativos, sugere assim, atividades ou materiais que os professores
possam utilizar para desconstruir esses estigmas. Reiterando esse pensamento, sugerimos a
elaboração de um produto pedagógico sobre Zeferina, com intuito de positivar a figura da
mulher negra.
O presente estudo tem como objetivo elaborar um material didático sobre Zeferina
para subsidiar os professores da Educação básica a trabalharem essa temática em sala de aula,
procurando revisar o conceito de quilombo, identificando a diversidade étnica e de gênero
existente nos mocambos baianos. Além disso, procura desconstruir a ideia dos quilombos
como locais masculinizados.
Para fundamentar minha pesquisa, utilizo como referenciais teóricos autores da Nova
historiografia da resistência escrava, como, João José Reis, Flávio Gomes, Eduardo Silva,
Isabel Reis entre outros. E também autores pós-colonialistas como Munanga, Nilma Lino e
Ana Célia Silva.
auxiliará na construção desse material didático. Como o trabalho está em andamento, não há
ainda resultados.
Pensar num material didático para subsidiar os professores em sala de aula, torna-se
um desafio, pois, é necessário refletir que muitas vezes o docente desconhece ou nunca ouviu
falar sobre a temática. Além de realizar um produto pedagógico para aluno, tornar-se
fundamental elaborar um direcionado ao professor. Assim, percebe-se que esse estudo no
momento que traz a elaboração de um produto pedagógico sobre Zeferina contribui ao levar
para Educação Básica a voz de personagens que até então se encontravam ignorados e
silenciados nos relatos históricos e nas salas de aula.
2
Os estudos positivistas dão ênfase aos grandes feitos e heróis, voltada para uma história política.
4
Nos anos 80 e 90, os herdeiros dos paradigmas marxistas e culturalistas, renovam sua
discussão sobre quilombos, entendendo-os dentro dos aspectos simbólicos e rituais de vida
em sociedade, contextualizando-os historicamente. Esses estudos preocuparam-se com a
pesquisa documental, a descoberta das fontes manuscritas e orais que ampliassem o nosso
conhecimento sobre os mocambos no Brasil, observando uma relação entre eles e os diversos
grupos da sociedade escravocrata.
Na década de 90, observa-se uma nova onda de estudos revisionistas que vem
apontando para um novo olhar a resistência escrava no Brasil, como o de João José Reis,
Eduardo Silva, Flávio Gomes, entre outros.
A nova historiografia da resistência escrava3 trouxe uma grande contribuição para o
entendimento dos quilombos, enfatizando que muitas dessas organizações quilombolas
ficavam próximas aos centros e fazendas em contato direto com a sociedade escravocrata,
mantendo uma relação direta com os comerciantes locais e taverneiros, contradizendo assim,
a ideia do senso comum de que combatiam o sistema escravista ou de que viviam isolados. O
que negavam era a condição de ser escravizado.
Ramos (1996) percebe os quilombos não como uma rejeição sistêmica da escravidão,
mas, um veículo para a fuga individual do cativeiro, enfatizando que apesar do escravo fugir
do cativeiro, muitos mocambos existiram perto e cooperaram com elementos da sociedade
colonial. Este autor faz uma menção que os quilombos faziam parte do sistema escravocrata
mais amplo, não sendo simplesmente uma fuga dele, evidenciando que esses funcionavam
como uma válvula de escape, retirando os escravizados incapazes ou não desejosos de
permanecerem no interior do tecido social. Ratificando esse pensamento, Kátia Matoso (1988)
afirma que os quilombos surgiram da própria instabilidade do regime escravista,
representando uma solução a todos os problemas da inadaptação do escravo.
Walter Fraga e Wlamyra R. de Albuquerque (2006) em “Uma História do negro no
Brasil” ao tratarem sobre os quilombos afirmam que é comum as pessoas imaginarem que
eram comunidades exclusivamente negras escondidas no meio das florestas, longe das cidade,
nas quais viviam através da agricultura, caça e extrativismo. Além disso, estes autores
mostram que grande número de quilombos estava próximo das fazendas, engenhos e cidades
inquietando as autoridades locais.
3
São estudos revisionistas sobre a resistência escrava que procuram entender essa com um novo olhar, a partir de
outras possibilidades. Observa-se que esses estudos estão dentro da abordagem historiográfica da História
Cultural. E a pesquisa também segue essa influência.
5
João José Reis (1998) no livro “Rebelião escrava no Brasil- A História do Levante dos
Malês (1835)” mostra que os quilombos localizados na periferia das cidades ou nas áreas
agrícolas sobreviveram de assaltos e saques nas fazendas e estradas circunvizinhas, levando
certa instabilidade ás áreas em que atuavam, provocando frequentemente, ações repressivas.
Os quilombos também podem ser entendidos como uma forma de controle social,
visto que, a sociedade escravocrata sabendo da existência deles, permitia-os, evitando com
isso, as revoltas que almejavam o fim do sistema escravista. “A rebelião representavam
muitos casos um esforço para destruir o sistema, enquanto o quilombo era, pelo menos na
superfície, apenas uma rejeição do sistema.” (RAMOS, 1996, 167). No entanto, o autor
reconhece que alguns deles interagiram com a elaboração de revoltas, contribuindo a sua
constituição, como o caso do Quilombo do Urubu4.
Schwartz (2001) aponta que alguns quilombos interagiam com a organização de
revoltas escravas, contribuindo com elas, mostrando com isso que havia um grande temor da
população local em relação a essas manifestações. Assim, eles passaram a serem vistos como
uma ameaça, no momento que esses pudessem estabelecer laços de união com outros
escravos, negros libertos e livres para organizarem uma revolta.
Reis (1998) sinaliza que alguns quilombos foram resultantes de fugas coletivas
iniciadas em revoltas, percebendo uma grande semelhança entre essas duas formas de
resistência escrava. Apesar dos quilombos não representarem uma ameaça efetiva à
escravidão, no entanto, o autor retrata que passa a se constituir numa ameaça simbólica, visto
que, passa a povoar o medo dos senhores e colonos.
O medo da sociedade por revoltas escravas era intenso. Podemos constatar essa
questão, nas posturas municipais, algumas delas são proibições à organização e o contato de
escravizados com pessoas de outros grupos sociais.
4
Quilombo do Urubu existiu por volta de 1826, sendo um importante mocambo da Bahia. Ficava nas imediações
do bairro Pirajá, cidade Salvador. Tendo como líder Zeferina. Nota-se que a intenção desses quilombolas era se
aglutinarem com outros para deflagrarem uma revolta.
6
Sidney Chalhoub (1990) em “Visões da Liberdade: uma história das últimas décadas
de escravidão na corte” mostra o medo das insurreições escravas na primeira metade do
século XIX não levava, a maiores questionamentos a respeito do sistema escravista. No
entanto, percebemos que o problema das revoltas escravas era assunto de vigilância.
Conforme observamos nas posturas municipais.
Dessa maneira, percebemos que os quilombos apesar de apresentarem várias
peculiaridades, foram muito importantes, pois, dinamizaram o sistema escravista brasileiro,
mobilizando um grande número de homens e mulheres que desejavam dar novos rumos as
suas vidas, espalhando assim, suas sementes em todo o país, como ocorreu em Salvador, com
o Quilombo do Urubu.
A maioria das pessoas toma ainda o quilombo de Palmares como referência e padrão
para o entendimento sobre os mocambos no Brasil, o que de certa forma também não permite
que estas pessoas se informem a respeito da presença de quilombos em outras regiões do país
e que tiveram grande dimensão para o contexto da época, como o quilombo do Urubu.
Segundo Pedreira (1973) no livro “Os quilombos brasileiros”, o quilombo do Urubu
ficava localizado nas matas do sítio cajazeiras, vizinhança da cidade do Salvador, sendo
datado em 1823. Apesar de ficar próximo dos engenhos e do centro da cidade, Urubu ficava
num local de difícil acesso.
José Alípio Goulart (1972) no texto “Da fuga ao suicídio: Aspectos da rebeldia
escrava no Brasil” assinala que o quilombo do Urubu formou-se em 1826, no sítio de
cajazeiras, nas proximidades da capital. Notamos que esse teve sérias proporções, não só
começando a atacar, realizando pequenos furtos, como preparavam um ataque à capital, onde
premeditavam uma revolução. Observamos isso claramente nos fragmentos dos documentos
transcritos abaixo:
[...] que na madrugada do dia dezessete do corrente houvera huma
insurreição de negros nas imediações de Pirajá da qual se seguirão
assassinos, roubos, incêndios de casas, como foi presente do mesmo
excelentíssimo vice-presidente pella parte que dera o comandante da polícia
[...] leva a caso da devaça que ia a ella proceder e por isso cujo me ordenava
[...] presente auto para [...] perguntar testemunhas e tomar conhecimento do
7
facto, e igualmente saber quem para tal acontecimento dera conselho ajuda
ou favor [...] (APEB, Insurreições de Escravos, 1826, pg. 2).
O quilombo do Urubu tomou uma grande dimensão, no momento, que foi descoberto
pelas autoridades numa tentativa de levante, que teria a participação de outros escravizados,
passando a ser altamente combatido. João José Reis mostra que no ano de 1826, ocorreu uma
revolta do quilombo do Urubu, sendo deflagrado por escravos fugidos que se reuniram
inicialmente em Cajazeiras, no Distrito de Pirajá, evidenciando que suas primeiras vítimas
foram membros de uma família de lavradores, que surpreenderam uns negros carregando para
o esconderijo carne e farinha de mandioca roubada. Assim, temendo serem denunciados, eles
atacaram às testemunhas, inclusive uma menina de nome Brízida, que foi seriamente ferida.
Verger (1981) em “Notícias da Bahia de 1850” mostra que as mulheres africanas eram
muito independentes. Em torno delas, se formava a família. As mulheres nagôs e seus
descendentes na Bahia tiveram o mesmo espírito empreendedor e de dominação tornando-se
visível na organização de irmandades religiosas católicas, como, a Nossa Senhora da Boa
Morte, dirigida por essas. Tomando como base essa postura de liderança, podemos perceber
esse papel na figura de Zeferina no quilombo do Urubu, pois, a sua nação era angolana.
A presença feminina nos quilombos foi importante, mas no caso do Urubu foi
determinante, uma vez que, foi liderado por uma dessas figuras, conforme sinalizado na
transcrição do documento abaixo:
que dos 13 livros selecionados5, apenas 04 tratam sobre a participação da mulher negra nos
movimentos de resistência, mas, nenhum deles cita a mulher quilombola.
Confrontando os estudos recentes sobre resistência escrava com os livros didáticos
analisados, percebemos que há uma distância do que é produzido na academia e o que chega à
comunidade. A maioria dos autores segue a análise tradicional sobre os quilombos, dando
uma visão simplista e reducionista sobre esses movimentos de resistência. No entanto,
reproduz da historiografia a ausência dos estudos sobre a mulher quilombola.
Por conta dessa invisibilidade da mulher negra constatada nos livros didáticos da
Educação Básica, urge a necessidade de um produto pedagógico sobre essa temática, a fim de
dar subsídios ao professor de tratar dessas questões em sala de aula, promovendo a
positivação da mulher negra.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Concluímos com esse estudo sobre a representação da mulher quilombola nos livros
didáticos, que há uma invisibilidade dessa temática nesses, o que vem a ser ratificado pela
própria limitação da historiografia da resistência escrava, que ainda deixa muito a desejar no
que diz respeito à participação feminina nos mocambos baianos.
Os livros didáticos analisados apresentaram uma discussão muito restrita e vaga sobre
o tema quilombos, limitando-se muitas vezes, a abordarem apenas sobre o quilombo dos
Palmares, dando a impressão que só esse mocambo foi importante para o processo de
resistência escrava. O que não é verdade, visto que, no Brasil e na Bahia houve a formação de
diversos mocambos que apesar de não terem a dimensão de Palmares, trouxeram grande
temor à sociedade colonial, contribuindo assim, na luta contra a opressão.
Dessa forma, constatamos que apesar da função social da Academia ser a de promover
conhecimento para a comunidade, observamos que na maioria das vezes, essa produção fica
restrita a ela mesma. Como esse estudo propõe a elaboração de um paradidático sobre a
liderança de Zeferina no quilombo Urubu, acredita-se que minimizará o distanciamento
existente entre esses dois locus de conhecimento.
5
Foi feita uma análise nos manuais didáticos do ensino médio procurando saber se esses tratavam sobre a
participação da mulher negra nos movimentos de resistência escrava e se abordavam sobre a mulher quilombola.
Neste estudo, optamos em não mostrar detalhadamente essa análise nem mencionar os livros analisados. Os
manuais didáticos selecionados são do Ensino Médio.
10
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Documentação primária.
APEB, Insurreição de Escravos, 1826, maço 2845, Rebelião dos Malês.
CÂMARA MUNICIPAL, POSTURAS MUNICIPAIS, FCH, liv. 119.5.
Referências bibliográficas.