Você está na página 1de 4

A REVOLTA DOS MALÊS: O DESCASO COM A REPRESENTAÇÃO DO

PROTAGONISMO NEGRO EM SALA DE AULA


Adrielle Candeu Saquelli (UENP)
adriellecsaquelli22@gmail.com

Fábio Augusto dos Santos (UENP)


f4bioweb@hotmail.com

Isadora Inácio Sousa (UENP)


isadora.inacios02@gmail.com

Palavras-chave: Revolta dos Malês; Resistência; Ensino de História.

Introdução
Considerando a bagagem de 300 anos de escravidão e de 135 anos de abolição, que negligencia a
inserção do negro na sociedade brasileira, comtemporâneamente movimentos sociais se mobilizam mais
ardualmente em relação a pauta do racismo. Devido a isso, a escola que é uma instituição que foi sempre
influenciada por uma hegemonia cultural, e dessa forma propaga uma História única onde apenas
homens brancos e da elite são vistos como “heroís”, com a Lei 10639/2003 a educação da um passo a
frente para trazer em pauta questões étnicos-raciais. Entretanto, mesmo ocorrendo mudanças
significativas, na prática na sala de aula ou nos materiais didáticos, narrativas que trazem o
protagonismo negro são omitidas.
Pensando nisso, a proposta desse resumo é mostrar a relevância da temática da Revolta dos
Malês, já que o estudo sobre esse assunto desconstroi uma visão esteriotipada dos indivíduos
escravizados no Brasil no século XIX. A pertinência de se trabalhar sobre essa temática, reside no
combate ao racismo dentro da sociedade atual, valorizando a questão da representatividade do aluno
negro presente em sala de aula, que verá seus antepassados representados como agentes ativos da
História, que lutavam bravamente para mudar a sua realidade.

Objetivo
O objetivo deste resumo é evidenciar como a Revolta dos Malês é um acontecimento do período
regencial deixado muitas vezes em segundo plano na sala de aula e nos materiais didáticos,
privilegiando assuntos da história oficial, mesmo após a implementação da Lei 10639/2003.
Discutiremos essa problemática através de nossas observações dos materiais didáticos no programa
Residência Pedagógica. Defenderemos a relevância social do tema e sua importância para um ensino
contra-hegemônico, como afirma bell hocks em Ensinando a Transgredir (2013).

Metodologia
Primeiramente, nossa motivação para a abordagem desta temática, surgiu com o contato com os
materiais didáticos na Residência Pedagógica, visto que observamos como a Revolta dos Malês é
abordada de maneira concisa. Desse modo, para discutir essa questão, traremos os artigos “A Revolta
dos Malês na História: uma análise sobre a resistência dos escravos e o saber histórico frente à
implementação da Lei 10639/2003” de Juarez de Assis Fernandes e Clarissa F. Do Rego Barros; e
“Reflexões sobre identidade negra e análise da revolta dos Malês no livro didático de história” de
Manuela de Novaes e Silva Alves.
Baseando-nos na obra de bell hocks “Ensinando a transgredir: A educação como prática de
liberdade”, iremos argumentar a importância de trabalhar um ensino antirracista que traga o negro como
protagonista, e assim promova na sala de aula uma educação inclusiva e libertadora.
Desenvolvimento
A Lei 10639/2003 trouxe para o ensino de humanidades a obrigatoriedade de se trabalhar as
temáticas da cultura afro-brasileira, algo que já era necessário, porém era desconsiderado por
consequência, entre outros fatores, da tradição eurocêntrica do ensino de história brasileiro. Mesmo
com as mudanças significativas da Lei, tais perspectivas eurocêntricas ainda se perpetuam na
historiografia, se refletindo nos materiais didáticos escolares. Dessa maneira, acreditamos que a Revolta
dos Malês não é tratada em suas dimensões necessárias, não levando em consideração sua relevância
social e sua importância para uma educação étnico-racial, visto que essa temática quebra com a ideia de
passividade e de homogeneidade dos povos africanos, além de trabalhar a identidade negra em sala de
aula.
Para essa discussão, propomos analisar o livro didático vigente no 8° ano, intitulado “História:
Sociedade & Cidadania” da editora FTD, escrito pelo historiador Alfredo Boulos. No capítulo 10, são
abordadas as revoltas ocorridas no período regencial. Nesse momento, observamos uma discrepância de
narrativa em relação a Guerra dos Farrapos e a Revolta dos Malês, principalmente na questão da
organização das revoltas. Na primeira revolta, que aconteceu nos atuais estados do Rio Grande do Sul e
Santa Catarina, organizada pelos comerciantes de charque, o autor afirma que um dos líderes usaram
“interessantes táticas” (pág.161) contra o governo, enquanto na Revolta dos Malês, afirma-se que “já era
de se esperar” (pág.164) que os negros fossem vencidos. O livro não menciona que eles também se
organizaram e desenvolveram suas próprias estratégias para o levante.Um exemplo disso, é o fato de que
os malês utilizaram-se de uma comemoração católica, já que eles estariam mais livres da vigilância das
autoridades (BARROS; FERNANDES, 2003).
Em decorrência desse descaso, apontaremos a ideia de multiculturalidade trabalhada pela bell
hooks em sua obra (2013). Segundo a autora, um ensino multicultural faz do aprendizado uma
experiência de inclusão, ou seja, o professor deve considerar as diferentes culturas presentes em sala de
aula para elaborar suas estratégias e metodologias, com o apoio dos materiais didáticos que também
devem estar alinhados a essa perspectiva. Entretanto, não basta apenas a inclusão dessas temáticas no
debate em sala de aula e nos livros didáticos, se não houver uma narrativa justa – como observado no
livro analisado sobre a Revolta dos Malês - , que evidencie a luta dos povos subalternizados e a sua
postura ativa na História.
bell hooks ainda discute os desafios que alguns professores encontram com a proposta de se
trabalhar um currículo multicultural, “[...] muitos professores se perturbam com as implicações políticas
de uma educação multicultural, pois têm medo de perder o controle da turma caso não haja um modo
único de abordar um tema, mas sim modos múltiplos e referências múltiplas.” (2003, p.51). Esse receio
aflige não apenas os docentes estadunidenses, mas também os brasileiros, no qual esse despreparo
ocorre, muitas vezes, por conta de deficiências na formação, que não preparou devidamente esses
profissionais para praticar o ensino multicultural em suas aulas. Por essa razão, é essencial o
comprometimento dos cursos de licenciatura e também do ensino básico, que promove cursos de
preparação, com a formação decolonial dos professores, pois, a continuidade dos problemas na formação
dos professores, em conjunto com a escassez do material didático, contribuem para o predomínio de um
ensino eurocêntrico.
Entendemos que em um contexto escolar multicultural, a identidade dos estudantes é diretamente
atingida, principalmente daqueles pertencentes às minorias, como os alunos negros. Assim, segundo
Alves, “A identidade negra é entendida, aqui, como uma construção transitória, social, histórica e
cultural que implica na construção do olhar de um grupo ou sujeitos sobre si mesmos, a partir de suas
relações com outros grupos ou sujeitos” (2012, p.4). A identidade da pessoa negra é moldada em seus
ambientes de socialização, e principalmente na escola, que é o lugar no qual ela vai se ver como sujeito
histórico ao compreender as histórias de seus antepassados. Desse modo, a abordagem utilizada em sala
de aula produz efeitos não apenas na forma como o aluno vê o mundo, mas também na sua própria auto-
estima. Por sua vez, a Revolta dos Malês é imprescindível para se trabalhar a identidade positivamente,
já que, quando abordada corretamente, evidencia os negros como protagonistas de sua História só se
sublevarem contra o escravismo no período regêncial.

Conclusão
Evidenciamos a importância da temática da Revolta dos Malês, visto que ela rompe com ideias
como a de que os africanos teriam a mesma cultura e origem, ou seja, de que eram um povo homogêneo.
Quando há uma análise aprofundada sobre a revolta e sua organização, é perceptível a diversidade étnica
durante essa luta por liberdade. Além do mais, o acontecimento faz com que tenhamos um exemplo
claro de não submissão dos negros no Brasil do século XIX, não colocando estes sujeitos como
indivíduos que foram passivos ou até mesmo conformados com suas situações no período. Entretanto,
mesmo com sua relevância em destaque, e com o surgimento da Lei 10.639/2003, assuntos como este
que devem ser tratados em salas de aula tendem a passar por diversos desafios, como o escasso o
material didático e a falta de preparação dos professores de trabalhar um currículo multicultural,
implicando diretamente na identidades dos alunos. É necessário que haja estruturas estáveis e dignas
para tratar de temas como este a fim de gerar uma conscientização e um olhar crítico a respeito da
história do povo negro no Brasil.
Referências.

ALVES, Manuela de Novaes e Silva. Reflexões sobre identidade negra e análise da revolta dos
Malês no livro didático de história. UniCEUB, Bahia, 2012.
FERNANDES, Juarez de Assis; BARROS, Clarissa F. do Rêgo. A Revolta dos Malês na História:
Uma análise sobre a resistência dos escravos e o saber histórico frente a implementação da Lei
10639/2003. História Agora, 2003.
hooks, bell. Ensinando a Transgredir: A Educação Como Prática de Liberdade. 1°. ed. Editora:
Wmf martins fontes, 2013.

Você também pode gostar