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Alan Alves Brito

(Organizador)

Zumbi-Dandara
dos Palmares
Desafios estruturais e
pedagógicos da educação
escolar quilombola para a
promoção da equidade
racial no Brasil do século 21
3. Antropologia e educação escolar quilombola:
um debate necessário

Alan Alves-Brito1
Paulo Sérgio da Silva
Matheus Nascimento
Iosvaldyr C. Bittencourt Junior

Prólogo
Parte considerável do texto que segue foi submetido no dia
31/05/2021 para compor o número 63 da revista Horizontes An-
tropológicos2, com temática Negritude e Relações Raciais. Para este
número temático, fomos informados de que a revista recebeu um
total de 56 artigos, dos quais 32 passaram na primeira etapa de
análise e seguiram para a avaliação às cegas por pares, entre eles
o presente texto, conforme mensagem recebida em 18/08/2021
dos editores. No dia 17/02/2022 fomos informados de que dos
32 textos que foram para a segunda fase, apenas 11 foram sele-
cionados para compor a Edição 63, sendo que o presente texto
não estava entre os finalistas. Segundo a mensagem recebida, o
critério de seleção foi embasado pelos pareceres de árbitros e dos
próprios editores da revista. Recebemos um longo parecer de 11
páginas. Dada a relevância da discussão, decidimos publicizar a
ideia principal do artigo como capítulo deste livro, para o qual
ele foi de fato inicialmente pensado. Nos pareceres do artigo, os
avaliadores levantaram questionamentos que serão, nessa atual
versão do texto, respondidos em forma de diálogo com o que foi
originalmente submetido ou, simplesmente, ampliando as expli-
1
Alan Alves-Brito e Matheus Nascimento são professores doutores no
Instituto de Física da UFRGS. Paulo Sérgio da Silva é doutor e professor
da educação básica na rede Municipal de Porto Alegre. Iosvaldyr Bitten-
court Júnior é doutor e membro do IACOREQ/RS.
2
O artigo original enviado a Horizontes Antropológicos foi submetido
por Alan Alves-Brito, Paulo Sérgio da Silva, Matheus Nascimento e Ios-
valdyr C. Bittencourt Junior.

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cações e/ou referências, já que agora não há limitação quanto ao
número de páginas, como no caso da(s) revista(s) científica(s).
Desde que o texto foi submetido à revista Horizontes Antropo-
lógicos até os desdobramentos finais do Projeto Zumbi-Dandara
dos Palmares, passou-se quase um ano, de forma que não apenas
mantemos a nossa argumentação original — ou seja, a Antropo-
logia3, comprometida com a luta antirracista e mais próxima à
educação escolar quilombola, é crucial nos debates sobre práticas
educacionais voltadas ao fortalecimento da identidade quilom-
bola (das pessoas e das escolas) nos nossos tempos, como parte de
entendermos uma das expressões da Negritude e Relações Raciais.
Também incorporamos na presente versão do artigo parte dos
novos resultados obtidos com a nossa pesquisa-ação, que corro-
boram com a ideia principal em diálogo com o que os/as ava-
liadores/as também nos apontaram. Chamaremos a atenção no
texto quando for o caso.

3.1 Introdução
A Antropologia, como campo dinâmico e complexo, está entre
as ciências básicas que mais têm a ganhar com uma aproximação
mais profunda ao projeto de Educação Escolar Negra4 e Quilom-
3
Para Tim Ingold, “a antropologia é uma busca generosa, aberta, uma
investigação comparativa e ainda assim crítica sobre as condições e os
potenciais da vida humana no único mundo em que todos habitamos”
(INGOLD, 2020).
4
Educação escolar negra no sentido de que, epistemologicamente, a es-
cola é ainda um espaço “branco”, eurocêntrico, que não pratica de for-
ma orgânica a Lei 10.639/2003 — que prevê o estudo da História e da
Cultura Africana e Afro-Brasileira em todos os níveis da educação — e
as próprias Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar
Quilombola. A expressão educação escolar negra é usada ao longo do
texto, como veremos, para também nos lembrar que os estudantes da
educação pública brasileira são, majoritariamente, negros, de forma que
a história e a cultura negra africana, por exemplo, precisam fazer parte
das experiência escolares desde muito cedo, e essas experiências pre-
cisam retratar as pessoas negras, seus legados e suas culturas de forma
positiva e não como tem sido historicamente no Brasil.

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bola, vistas como demandas históricas que trazem questionamen-
tos e novas proposições estruturais, ontoepistemológicas e peda-
gógicas como meio de superação do racismo estrutural no Brasil.
Baseados nos resultados de pesquisa do nosso projeto, os
quais foram já discutidos no capítulo precedente, apresenta-
mos nesse trabalho ensaístico reflexões teóricas, metodológicas
e epistêmicas sobre como novos horizontes antropológicos são
também essenciais para que a Educação Escolar Negra e Quilom-
bola cumpram, no Brasil, seu papel de poderosa tecnologia social
com vistas ao fortalecimento da democracia e promoção do pen-
samento afrodiaspórico como parte central da vida, das experi-
ências cotidianas e da constituição do país, numa cosmopolítica
quilombola que envolve o estabelecimento de um outro contrato
social em que as subjetividades negras e quilombolas sejam recu-
peradas, retomadas, ocupadas e potencializadas.
Do ponto de vista histórico, para pensarmos criticamente ne-
gritude e relações raciais no Brasil, é preciso ressaltar os avanços
e os abismos ainda presentes na relação entre a Antropologia e a
Educação, colocados nem sempre de maneira explícita no hori-
zonte de discussões teóricas, metodológicas e epistemológicas e
na vitrine de lutas e paradigmas (anti)racistas no país. Talvez o
elemento mais fundamental dessa discussão passa pelo fato con-
creto de que a educação tem sido, há muito, negada aos corpos
negros no país. Como discutido por Silva (2007), a escola, desde
seu surgimento, ainda padece das influências históricas no âm-
bito da lógica colonizadora do século XVI, o que leva os estu-
dantes a terem uma educação massificada5, enviesada às lógicas
branco-europeias, completamente racializadas6, que colocam os
corpos-pensamentos negros em posição de inferioridade, já que a
escola é, de fato, uma das matrizes da modernidade e de seu pro-
jeto iluminista. E, mais relevante para a discussão que queremos
5
No sentido de homogeneizada, sem levar em conta as diferenças que
há nas múltiplas experiências negras que se encontram na escola.
6
Embora negada, a racialização está presente o tempo inteiro, porque a
raça “branca” articula privilégios, conforme muito bem estudado na lite-
ratura (BENTO, 2002), e não se enxerga enquanto “raça” e, muito menos,
plena de privilégios.

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imprimir no presente ensaio, a certeza de que é também a Antro-
pologia que historicamente contribuiu para cimentar o racismo
científico7, pseudociência que legitima o sistema de escravidão
de corpos negros africanos por meio do colonialismo e justifica
ideias eugenistas, as quais seguem em voga (MUNANGA, 2004),
influenciando políticas públicas educacionais até os nossos dias
(ROCHA, 2007). O racismo científico está na base da estrutura-
ção da educação escolar no Brasil que, materializado nas questões
estruturais impostas à educação escolar pública, trata o conhe-
cimento e as contribuições negras como permanente estado de
pós-verdade (ALVES-BRITO, 2020; ALVES-BRITO, MASSONI,
GUIMARÃES, 2020; ROSA, ALVES-BRITO, PINHEIRO, 2020).
Nesse sentido, a principal linha argumentativa do presente tex-
to é que, tal qual aconteceu com o Direito, área do conhecimen-
to da qual a Antropologia se aproximou fortemente nos últimos
anos, quando se passou a discutir a questão das terras quilombo-
las8, ela também necessita estreitar seus laços com a Educação, de
forma a potencializar identidades de pessoas negras e quilombo-
las, historicamente excluídas ou tratadas de modo desigual nos
sistemas educativos que se constituem territórios materiais e sim-
bólicos de r(existência) identitária.9 Nesse quesito, vale destacar
que a Associação Brasileira de Antropologia10, sob a presidência
do professor João Pacheco de Oliveira, constituiu o Grupo de
Trabalho da ABA, em 1995, para refletir sobre a conceituação de
7
A pesquisadora Lílian Schwarcz, em “O espetáculo das raças” (Com-
panhia das Letras, 1993), faz uma síntese histórica do racismo científico
no Brasil. E lá está bem documentado o papel da Antropologia Criminal
para o enraizamento do racismo científico que, nos dias de hoje, man-
tém suas raízes profundas (ROSA; ALVES-BRITO; PINHEIRO, 2020).
8
Embora seja importante aprofundar essas aproximações que nunca
acontecem de fato, já que a Antropologia tende a olhar de fora.
9
Não estamos afirmando com isso que, ao longo da História da Ciência,
não houve pessoas trabalhando Antropologia e Educação. Há dezenas delas.
Mas se trata de pensarmos como apesar destes estudos ainda há um vácuo
nessas relações, sobretudo quando se considera certos espaços de poder.
10
ABA - Terra de Quilombos, Apresentação. (Org.) O’DWYER, Eliane
Cantarino, Decania CFCH/UFRJ, Julho de 1995.

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Terras de Remanescentes de Quilombos, a sistemática adminis-
trativa para sua implementação. A primeira reunião ocorreu em
17 de outubro de 1994, tendo a participação de pesquisadores que
atuavam com o tema. Nesta ocasião, foi elaborado um documento
para o Seminário das Comunidades Remanescentes de Quilom-
bos, promovido pela Fundação Cultural Palmares/MinC, em Bra-
sília, dias 25 e 27 de outubro de 1994, quando tratou da abrangên-
cia do significado de Quilombo visando à aplicação do Artigo do
ADCT da Constituição Federal de 1998, e que fora discutido com
representantes de diversas Associações e Comunidades Negras
Rurais então presentes. De acordo com este documento, o termo
quilombo “assumiu novos significados na literatura especializada
e também para grupos, indivíduos e organizações. Ainda que te-
nha um conteúdo histórico, o mesmo vem sendo ‘ressemantizado’
para designar a situação presente dos segmentos negros de dife-
rentes regiões e contextos do Brasil”. Mas vale também destacar
que outros experimentos mais próximos da experiência dos qui-
lombos precisam ser levados em consideração na definição do
que é quilombo (ver, por exemplo: DOS ANJOS 2006; MACHA-
DO, 2018; FLORES, 2019).
Entendemos que a educação pública, sobretudo a Educação
Escolar Quilombola (EEQ), é crucial como política pública para
desmantelar estruturas racializadas e racistas que têm sido nor-
malizadas no país com o auspício da ciência. Além disso, destaca-
mos que, quando comparada à História e à Sociologia, o estudo
de raça e do racismo pelas lentes da Antropologia precisa ganhar
outros terrenos no Brasil. Entendemos que caberá a Antropologia,
ao longo dos próximos anos, um maior esforço para engendrar
novos horizontes civilizatórios, ou seja, será preciso romper com
a própria ideia de humanidade criando mundos possíveis onde
quilombos possam ser humanizados, na construção de um ethos
de Educação Escolar Negra e Quilombola que permita a socieda-
de brasileira acessar, entre suas negritudes (MUNANGA, 2019)
e branquitudes (BENTO, 2002), outras sinapses de relação com
o Outro. A alteridade é um território de tensão, disputa e refle-
xão na Antropologia (MUNANGA, 2006), que, como ciência, não

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apenas não poderá mais se abster do debate racial como também
será necessário (re)construir estratégias de articulação e diálogo
com diferentes áreas do conhecimento, incluindo a educação.
A partir de encruzilhadas práticas e teórico-epistêmicas en-
tre a Antropologia e a Educação, o presente texto propõe refle-
xões sobre como entendemos que conceitos antropológicos de
raça e cultura são fundamentais para refletirmos o conceito de
“vulnerabilidade” e “desigualdades” no Brasil rumo à efetivação
de políticas públicas que promovam a equidade racial no país.
A partir de dados numéricos, aqui vistos como sintomas de his-
tórias coletivas da educação escolar negra no Brasil, bem como
embasados nos resultados do nosso projeto de pesquisa-ação
colaborativa, discutimos e exploramos — à luz dos dados anali-
sados, leis e documentos curriculares nacionais — novas subje-
tividades negras, a partir do ethos de um sujeito coletivo que, ao
mesmo tempo modernamente homogeneizado, trabalha o tempo
inteiro com a diferença por meio de distintos marcadores sociais
(gênero, raça, classe, sexo, orientação sexual, geração, origem ge-
ográfica)11. Tentamos responder, ao longo do texto, algumas das
questões mais fundamentais do presente momento: desafiados
por condições históricas, linguísticas e psicológicas, aprofunda-
das pela pandemia de COVID-19 (do inglês, Coronavirus Disease
2019), cujo vírus que dilacera ainda mais as relações desiguais de
poder e de organização comunitária nas redes do capitalismo e
do neoliberalismo — que vem aumentando o abismo social entre
as comunidades negras, escolas quilombolas e não quilombolas
urbanas e rurais — seremos capazes de ampliar nossos horizon-
tes antropológicos com o objetivo de exterminarmos de uma vez
por todas o mito da democracia racial (OSÓRIO, 2008) no Brasil?
Estamos dispostos, por meio da educação escolar, a rever o apa-
gamento e silenciamento material, simbólico e epistêmico a que
foram submetidas comunidades negras e quilombolas contem-
porâneas? Como construiremos novos marcos simbólicos com
11
Ainda que a categoria raça se encontre numa encruzilhada com outros
marcadores sociais, pensamos que é ela o marcador principal quando se
trata de discutir no Brasil a educação para as relações étnico-raciais e
um projeto de educação escolar quilombola diferenciado.

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o objetivo de garantir uma outra ressemantização dos territórios
negros na atualidade, para além da garantia e titularidade das suas
terras? Uma vez que os modelos antropológicos contemporâneos
são marcadamente masculinos, brancos e cis-hetero-normativos
de pessoas bem-nascidas do Norte e Sul global12, como construir,
por meio da relação Antropologia-Educação, novas estratégias e
políticas antirracistas capazes de construir novas crenças e sabe-
res nas comunidades e nos regimes de produção de saberes e de
conhecimentos na sociedade brasileira?

3.2 Antropologia e educação escolar: lutas e disputas na


afirmação de identidades
A Antropologia, enquanto ciência que nasce de relações his-
toricamente construídas entre homens, mulheres e seus saberes
para explicar e estudar o outro13, tem, no Brasil, seus primeiros
estudos pautados no trabalho de Raimundo Nina Rodrigues
(1862-1906), uma das figuras mais controversas da história da
ciência brasileira (MUNANGA, 2019). Historicamente, Silvio
Romero (1851-1914) e Nina Rodrigues14 são os expoentes dos es-
tudos étnico-raciais no Brasil, responsabilizados pela articulação
original das ideias fixas e a-históricas sobre a inferioridade das
pessoas negras de forma que, desde então, a temática das relações
raciais tem tomado variados impulsos, numa interação dinâmi-
12
Convidamos os leitores a visitarem um grande número de artigos
de pesquisa em ciências que revelam o quanto as universidades, as so-
ciedades científicas e as academias de ciências no Brasil e no chamado
Ocidente apresentam este perfil hegemônico. Esse dado não é biológico,
natural. É uma construção social. E, nesse sentido, a Antropologia não
é uma exceção à regra. Ver, por exemplo, Alves-Brito (2020) e as várias
referências lá citadas.
13
Não obstante seu postulado da unidade do gênero humano, que é dife-
rente de si, outro este entendido como exótico, estrangeiro, não europeu,
dialogando com formas variadas de conhecimento centradas no mundo
da cultura.
14
Inclusive, o famoso antropólogo francês Marcel Mauss resenhou o tra-
balho “O animismo fetichista dos negros baianos” de Nina Rodrigues
como sendo a primeira etnografia sobre o assunto (SCHWARCZ, 1993).

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ca do mundo acadêmico com as abordagens das relações raciais
protagonizadas por ativistas e vivenciadas no chão de variados
territórios racializados do Brasil15. Apesar de todos os avanços, e
muito embora o campo acadêmico tenha se aperfeiçoado nas dis-
cussões das relações raciais construídas no cotidiano brasileiro, a
objetivação dos negros no âmago das Ciências Sociais no Brasil
ainda é uma realidade (CARNEIRO, 2005).
No entanto, mesmo admitindo que a Antropologia se rein-
ventou ao longo de sua história e passou a repensar seus aportes
teóricos, metodológicos e epistêmicos no trato com o outro16, é
preciso também ter em mente que embora o conceito de raça e
racismo sejam temas controversos, apresentando diferentes vi-
sões e interpretações no campo da Antropologia contemporânea
(MARQUES; KOSBY, 2020) — particularmente no debate acalo-
rado em torno da adoção de política de cotas raciais nas univer-
sidades brasileiras17 (TEIXERIA; STEIL, 2005) — pensamos que
ao mesmo tempo que ela é uma das ciências mais fundamentais e
efetivas para ajudar a construir práticas e epistemes educacionais
antirracistas ela poderá, num diálogo com outras áreas, repensar
marcos históricos, linguísticos e psicológicos (MUNANGA, 2019)
na resolução dos problemas que assombram a existência dos cor-
pos negros no Brasil desde a chegada dos europeus no âmbito do
projeto transatlântico escravocrata. Mais importante, sabermos
que embora a Antropologia (e as ciências como um todo, emba-
ladas pelas ideias eugenistas) tenha, no Brasil, ajudado fortemen-
te a sedimentar o imaginário social coletivo com a ideia de que
os corpos negros são destituídos de potência epistêmica (ROSA;
15
Novamente, recomendamos os leitores a ampliarem as discussões a
partir dos variados referentes históricos apresentados no livro “O espe-
táculo das raças” (Companhia das Letras, 1993) de Lilian Schwarcz.
16
Essa é uma questão histórica muito bem conhecida. Ver, por exemplo,
o livro “textos Básicos de Antropologia”, de Celso Castro (Editora Zahar,
2016), em que contextualiza do ponto de vista histórico as diferenças
entre a antropologia física/evolucionista com a denominada cultural.
17
Embora por vezes esquecido, é interessante notar que as universida-
des, do ponto de vista metodológico e epistêmico, ganham muito com
as ações afirmativas.

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ALVES-BRITO; PINHEIRO, 2020) — o que trouxe enormes pre-
juízos ao desenvolvimento de relações raciais sadias, desde fins
do século XX até os eventos recentes desse século — as preocupa-
ções antropológicas sobre a socialização e inculturação de crian-
ças e jovens em diferentes configurações culturais solidificam as
relações entre Antropologia e Educação e, por isso mesmo, é pre-
ciso entendemos que é preciso expandir o olhar antropológico
sobre a educação escolar negra e quilombola, em seus ambientes
formais e não formais de ensino e aprendizagem18. Será preciso,
nesse século, afirmar novos horizontes antropológicos capazes de
moldar um olhar de deslocamento, de mudança sobre a educação
escolar negra e quilombola, fortalecendo saberes locais, a diversi-
dade e a diferença étnico-cultural, tratando suas complexidades e
re(construindo) afirmativamente subjetividades que possam dar
conta dos desafios do cotidiano social contemporâneo por meio
da construção e proposição de novas práticas pedagógicas, ali-
cerçadas no alargamento da ideia de território19. A aproximação
18
Notem que não há qualquer contradição ao se reconhecer, ao longo do
texto, que a Antropologia historicamente está ligada às bases do racismo
científico (e ela não é a única nesse sentido — mas aqui nos interessa o
caso da Antropologia) e afirmar que, na contemporaneidade, a Antro-
pologia é importante na luta antirracista. E essa não é só uma tarefa da
Antropologia. Se por hipótese o racismo é estrutural, parece-nos óbvio
supor que as ciências “hegemônicas” irão reproduzir as lógicas racistas.
É preciso um grande esforço de descolonização do pensamento e das
metodologias para se fazer um caminho inverso. E o primeiro passo é
reconhecer que sim vivemos uma ciência que é desenvolvida no âmbito
do racismo estrutural, institucional e epistêmico (ROSA; ALVES-BRI-
TO; PINHEIRO, 2020; ALVES-BRITO, 2021). Isso não é uma acusação
leviana. Trata-se de discussão científica, referendada inclusive em um
editorial histórico na prestigiosa revista Nature em maio de 2021, con-
forme disponível aqui: https://www.nature.com/articles/d41586-021-
01312-4. Acesso em: 3 Mar. 2022.
19
Historicamente, a Antropologia desenvolveu ferramentas poderosas
de análise de contextos culturais. Aqui sugerimos que essas ferramentas
precisam ser descolonizadas para cumprir o seu papel em sociedades do
século XXI que buscam autonomia e emancipação política e de ideias.
Os Novos Horizontes Científicos e Antropológicos não podem ter medo
de se assumir racista que, aliás, a própria Antropologia mostra que é

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entre a Antropologia e a Educação pode inclusive ajudar a esta-
belecer as conexões epistemológicas nem sempre óbvias entre o
projeto de educação quilombola e aquele esperado da educação
escolar quilombola. Esta não é, certamente, uma tarefa fácil, pois,
no transcurso desse artigo, o mundo enfrenta a COVID-19 que se
constitui numa das crises sanitárias globais mais desafiadoras dos
nossos tempos, vitimizando milhões de pessoas no planeta, sen-
do que, no Brasil, por razões históricas baseadas no aprofunda-
mento de desigualdades racializadas, a pandemia é sistêmica e já
considerada como uma das maiores catástrofes de nossa história,
ceifando a vida de mais de 650 mil pessoas, entre as quais estão
principalmente os corpos negros, de mulheres, quilombolas, po-
vos originários e dos mais pobres do país (SEGATA et al. 2021).
Se, por um lado, no Brasil, a pandemia representa uma crise ética,
política, econômica e social, altamente debatida no contexto dos
processos históricos de exclusão dos corpos negros no que tange
seus parcos acessos sistêmicos à saúde, por outro lado, a educação,
considerada uma das tecnologias mais importantes para a trans-
formação social do país, tem sido pouco discutida no contexto
dos desdobramentos pandêmicos, sobretudo no contexto das co-
munidades negras e quilombolas.
Gusmão (2015) faz uma revisão muito contundente de como
a Antropologia e a Educação formam um campo com muitos ca-
minhos possíveis. De fato, a professora Neusa Gusmão é uma das
grandes estudiosas no Brasil sobre Antropologia da Educação ou
Antropologia e Educação. Segundo ela:
Assim, a antropologia como ciência busca avaliar as
diferenças e proporcionar alternativas de interven-
ção sobre a realidade de modo a não negar as dife-
renças, como tem sido comum na história ocidental
e nos processos educativos que lhe são próprios.
Nesse sentido, as relações sociais entre diferentes
são entendidas como relações de poder socialmen-
te construídas em sociedades como a nossa. São
eles, os processos de:
o caso do racismo à brasileira (ver os amplos estudos da pesquisadora
branca Lílian Schwarcz).

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- homogeneização (objetivo de agentes e agências
que operam o tecido social e implicam um campo
de poder)
- contradição (socialização/sociabilidades constru-
ídas nas relações sociais entre sujeitos diversos e na
gestão dos interesses coletivos)
- conflito (de classe e de outra natureza, tais como
raça, cor, gênero, etc...)
Portanto, falar de antropologia e de seus métodos
exige pensá-la como uma ciência situada, que ca-
minhou do “outro” como diferente ao “outro” que
compõe a alteridade do mundo moderno no jogo
entre homogeneização, contradição e conflito. Esse
caminhar só foi possível pelo estranhamento do so-
cial (de longe e de perto) e pelo modo específico
de proceder na construção de um conhecimento do
“outro”, a que chamamos etnografia e sua constitui-
ção no tempo. (GUSMÃO, 2015, p. 25).
Apresentamos no Quadro 1 uma releitura dos Quadros 1 e
2 dispostos em Gusmão (2015), nos quais a autora traz relações
fundamentais da Antropologia e da Educação do final do séc. XIX
até 2010. Para comparação, elencaremos em cada período a situa-
ção da educação escolar para negros no Brasil.

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Quadro 1. Adaptação dos Quadro 1 e 2 de Gusmão (2015)
com notas do presente trabalho.
Gusmão (2015) Notas deste
trabalho20
Temas Teorias
Final do séc. XIX Evolução e EVOLUCIONISMO Do período
Progresso Cultural superior/ocidental colonial até
da Infância e da etnocentrismo a república, a
Adolescência. homogeneização educação popular
não é prioridade.

Negros não
frequentavam a
escola.

A Igreja Católica
só permitia
que brancos
estudassem.

Filhos de colonos
aprendiam a ler e
a escrever.

Reforma Couto
Ferraz de 1854:
regulamentação
dos ensinos
primário e
secundário foi
insignificante para
negros.

Decreto 7031-A
(1878): negros só
podem estudar à
noite.

Modelo Biológico –
EDUCAÇÃO como ASSIMILAÇÃO

20
Para as referências completas, sugerimos conferir Rocha (2011).

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Início séc. XX Transmissão FUNCIONALISMO Limiar do sécu-
Cultural – Difusionismo lo XIX até início
ensinamento e Relativismo do XX: escola
aprendizagem
ainda era nega-
Processos Incultu-
rativos –
da aos negros.
aprendizagem –
personalidade Construção
de um ideário
nacional branco,
ocidental e
cristão.
EDUCAÇÃO como
CONTROLE/SOCIALIZAÇÃO
Anos 20/50 Sistemas educati- CULTURALISMO Silenciamento
vos Formais: Cult. e Persona- das tradições
Instituição lidade negras cultu-
ANTROPOLOGIA
rais e negras
DA EDUCAÇÃO
(teoria/metodo-
africanas.
logia/
planejamento) Censos de
1940-1950
demonstram
profunda desi-
gualdade social
(racial) no cam-
po da escola.
EDUCAÇÃO como
INTERVENÇÃO/HOMOGENEIZAÇÃO
Anos 30/40 Adolescência ESTUDOS DE Processo educa-
(Mead/ COMUNIDADES tivo consolida
Benedict) Vida e fundamenta
Escolar e da
uma perspectiva
Comunidade
Sociedades
eurocêntrica.
Industriais
(grupos. raciais, Mito da demo-
sexuais étnicos, cracia racial.
sociais
diferentes) I Congresso
Negro Brasileiro
(1950).
EDUCAÇÃO como central p/a MUDANÇA

14 | Alan Alves Brito


CONCEPÇÃO POSITIVISTA DE SOCIEDADE
(TEORIAS DO EQUILÍBRIO)
Anos 60/90 DESCOLONIZA- PÓS-FUNCIONA- Pessoas quilom-
ÇÃO LISMO bolas só serão
Culturas/Subcul- ESTRUTURALIS- reconhecidas
turas MO
como sujeitos
Interpretação/ MARXISMO
representação
políticos em
1988, 100 anos
após a Lei
Áurea.
EDUCAÇÃO como REPRODUÇÃO
EDUCAÇÃO como
APARELHO DE ESTADO/ALIENAÇÃO
Anos 90/2010 Sociedades Com- ANTROPOLOGIA Em 1995 há a
plexas/ INTERPRETATIVA Marcha Zumbi
Antropologia ANTROPOLOGIA dos Palmares
Urbana CRÍTICA
e I Encontro
Processos Incultu- ANTROPOLOGIA
rativos – REFLEXIVA
Nacional de
aprendizagem – Comunidades
personalidade Negras Rurais
Quilombolas.

LDB de 1996
ainda tímida
nas questões
étnico-raciais.

Parâmetros
Curriculares
Nacionais.

Lei 10.639/2003
(negros)
Lei 11.645/2008
(negros+indíge-
nas)

EDUCAÇÃO como
TRANSFORMAÇÃO/LIBERTAÇÃO
(Diversidade/Campo Político de muitas possibilidades)
TRATAMENTO COMPREENSIVO E
INTERPRETATIVO DE SOCIEDADE
(TEORIAS DO CONFLITO)

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Do quadro anterior, estamos de acordo com a análise feita por
Gusmão (2015) quando ela diz que a Antropologia foi se ade-
quando e se firmando como campo científico moderno, entre o
séc. XIX e até meados do séc. XX, em uma concepção de educação
funcional e sistêmica, que procurava manter o status quo. Além
disso, acertadamente, vê-se que entre os anos 1950 e 1960 do séc.
XX, as teorias críticas entram em cena para fomentar ideias de
transformação e conflito. A educação, notadamente, se apega à
concepção de libertação. As práticas teóricas e metodológicas da
Antropologia vão assim ganhando ímpeto e a etnografia ganha
papel fundamental. A autora ainda destaca o movimento históri-
co da antropologia buscando sua própria reformulação, e dando
espaço internamente à crítica sobre suas próprias práticas e es-
colhas no caminhar da ciência. Otimista, a autora afirma ainda
que da segunda metade do séc. XX até 2010 as teorias do conflito
acabam sendo cruciais para não somente a transformação da an-
tropologia, mas para o encontro harmonioso desta com a educa-
ção, ambas aliadas para enfrentar os desafios presentes no campo
educacional diante da diversidade sociocultural de agrupamentos
sociais distintos.
Enquanto estamos em sinergia com a análise de Gusmão
(2015), argumentamos que ao longo de toda esta trajetória his-
tórica da Antropologia e da Educação os corpos negros, mar-
cadamente as pessoas quilombolas, sempre foram excluídas ou,
quando consideradas, tratadas como objetos (ver última coluna
do Quadro 1). Vale também destacar, conforme nos alertou um
dos árbitros anônimos, “que houve esforços de antropólogos e
antropólogas, em especial nas décadas de 1990 e 2000, em não
pressupor qualquer traço essencial das comunidades quilombo-
las”. Então, sim, não apenas reconhecemos os avanços nos entre-
laçamentos históricos entre a antropologia e a educação, como
consideramos crucial que esta relação, no presente século, precisa
ser ressignificada, principalmente no que tange o diálogo com
as comunidades quilombolas para ajudar a fomentar um outro
processo de escolarização que insurge a partir de 2012, com a
aprovação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação

16 | Alan Alves Brito


Escolar Quilombola. Nos alinhamos, nesse sentido, às ideias do
antropólogo inglês Tim Ingold, quando propõe uma outra rela-
ção de ensino e aprendizado para além da transmissão e percebe
o poder que a relação entre educação e antropologia têm para
mudar o mundo. Para ele, a educação democrática é a prática
da diferença, potencialmente capaz de permitir que os seres hu-
manos “coletivamente se façam, cada um em seu caminho” (IN-
GOLD, 2020). Para ele, a educação (assim como a antropologia)
precisa ser contra hegemônica.
O termo quilombo, como amplamente discutido na literatu-
ra especializada (O’DWYER, 2002; ARRUTI, 2006; CARNEIRO,
2011; NASCIMENTO, 2019; MOURA, 2004; 2020; e referências
lá citadas), tem sido, na diáspora, ressignificado ao longo do tem-
po, passando de reduto de negros fugidos no século XVI (lugar
acusatório, criado pelas forças de repressão) para, pós Consti-
tuição Federal de 1988, e marcadamente no presente século, ad-
quirir conotação de resistência política, diferenciação, território,
identidade, cultura, propriedade, bem econômico, cultural, social,
cidadania e cosmopolítica (SANTOS, 2015), capaz de agregar
grupos diferenciados por valores e práticas étnicas e culturais,
por cosmopercepções comuns. A luta histórica das comunidades
quilombolas para assegurar os seus territórios representa uma
das formas mais tenazes de resistência ao regime escravista (o
mercantil e o contemporâneo). Essas comunidades, alijadas de di-
reitos básicos fundamentais, continuam lutando bravamente pela
sobrevivência após séculos de opressão. Mas vale ainda lembrar
que os quilombos, na origem etimológica da palavra kilombo, do
idioma kimbundo, situado na atual região de Angola, representa-
vam lugares de resistência militar e estavam associados a organi-
zações comunitárias em torno dos mais velhos das comunidades
(LOPES, 1988; MUNANGA, 1996).
A ressemantização contemporânea da palavra quilombo é (e
tem sido) consequência direta das pedagogias negras21 que, dos
21
Pedagogias negras não no sentido de segregação ou estigmatização da
pedagogia, como algumas leituras rápidas poderiam sugerir. Mas uma
pedagogia que expressa sua semiótica pautada nos marcos civilizatórios

Zumbi-Dandara dos Palmares | 17


seus lugares e muito empenhadas em trazer novos marcos teó-
ricos e epistêmicos à Antropologia, à História e ao Direito, têm
colocado os Movimentos Sociais Negros como intrinsicamente
educadores (GOMES, 2017), uma vez que estes tiveram que poli-
ticamente ressignificar o conceito de raça, retirando do mesmo o
determinismo evolucionista e geográfico que a Antropologia clás-
sica (e outras ciências) acabaram por historicamente sedimentar.
É interessante notar que, no Brasil, é a partir dos Movimentos Ne-
gros que a escola, historicamente homogeneizadora, eurocêntrica,
etnocêntrica e excludente, passa também a ser lugar de tensiona-
mento de estruturas opressoras e, por isso mesmo, entendida por
negros e quilombolas como lugar de disputa de narrativas, lugar
potente para desmantelar o mito da democracia racial, fortemen-
te perpetrado no imaginário coletivo brasileiro principalmente
por Gilberto Freyre (OLIVEIRA, 2016), outro antropólogo de
peso na história da ciência brasileira.
Ainda pensando a ressemantização do termo quilombola
como construção de novas identidades negras no Brasil, desta-
camos as contribuições de Beatriz Nascimento (1942-1995), in-
telectual negra que coloca à mesa a discussão profunda do ser-
-quilombola numa dimensão do orí22, já que, para Beatriz, é a
cabeça que possibilita acessar a memória coletiva, ancorada nos
corpos negros; quilombo é assim um território corporal, cujo orí
nos convida a pensar o corpo, os gestos, os modos, os hábitos, a
linguagem corporal como materialidade central da memória, da
cultura, das experiências dos negros diaspóricos (NASCIMEN-
TO, 2008; RATTS, 2000). O orí é uma forma de produção de iden-
tidade, como pessoas na diáspora, numa relação território geo-
gráfico-simbólico. O corpo negro é, nesta interpretação, o próprio
quilombo. É nestes termos que argumentamos no presente texto
que a Antropologia antirracista, ou seja, aparada em um outro sis-
tema de pensamento, ampliando os seus horizontes para dialogar
cada vez mais com a educação antirracista, poderá desvelar, no
chão das escolas e em campos hegemônicos de saberes, os corpos

africanos e afro-brasileiros, conforme bem explicado no texto..


22 Cabeça, na cultura Yorubana.

18 | Alan Alves Brito


negros em suas memórias coletivas.
Antropologicamente, é verdade que o termo remanescente de
quilombos, perpetrado na Constituição Federal de 1988, produ-
ziu um novo sujeito político e fez também surgir uma vertente do
Movimento Social Negro que passa a ser denominada de Movi-
mento Social Quilombola que, no campo ou na cidade, traz ino-
vações e novas reflexões ao quadro conceitual antropológico. Os
remanescentes de quilombos são, na contemporaneidade, os oásis
de ressignificação e remarcação do projeto de modernidade e de
nacionalidade, no Brasil, em que as verdades quilombistas foram
desconsideradas23. A Lei 10.639 (BRASIL, 2003), que altera a Lei
9.394 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDBN;
BRASIL, 1996) para prover as diretrizes e bases da educação na-
cional com intuito de incluir no currículo oficial da rede de en-
sino a obrigatoriedade do ensino da história e cultura africana e
afro-brasileira nas escolas do país, é um marco legal fundamental
para fomentar uma outra forma orgânica de pensar e trabalhar,
na contemporaneidade, os processos de ensino-aprendizado no
contexto das comunidades negras e de remanescentes de quilom-
bo. Logo em seguida, como consequência dos vários movimentos
sociais e legais em curso à época, foram aprovadas as Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola
(DCNEEQ), instituídas pela Resolução nº 8 de 20 de novembro
de 2012 (BRASIL, 2012). Desde então, as DCNEEQ orientam que
a EEQ requer pedagogia própria, respeito à especificidade étnico-
-racial e cultural de cada comunidade, formação específica de seu
quadro docente, materiais didáticos e paradidáticos específicos e
que devem observar os princípios constitucionais, a base nacional
comum e os princípios que orientam a Educação Básica Brasilei-
ra, devendo ser oferecidas nas escolas quilombolas e naquelas es-
colas que recebem alunos quilombolas fora de suas comunidades
de origem. Trata-se, portanto, de uma escola diferenciada, em que
o conceito de identidade está em disputa.
23
Mas também é importante ter em mente que não podemos ficar presos às
categorias do Estado ou como o Estado as aplicam no chão dos territórios.
É preciso compreender a diversidade de quilombos e, como nos propõe
Nêgo Bispo (SANTOS, 2015), contra-colonizar os conceitos do Estado.

Zumbi-Dandara dos Palmares | 19


Além disso, como revisado por Alves-Brito (2020), o sistema
educacional público brasileiro é majoritariamente frequentado
(70%) por pessoas negras. Alicerçados assim nas ideias de Beatriz
Nascimento ao trazer novas territorialidades à definição de qui-
lombo, consideramos, primeiro, no presente texto que a escola,
como instituição pública, é majoritariamente um território negro
no Brasil (frequentado majoritariamente por pessoas negras). A
ideia de território é inerente à categoria quilombo e se, histori-
camente, a Antropologia tem ajudado a fortalecer juntamente às
comunidades quilombolas a noção de território e a de sujeito polí-
tico que emana de suas fronteiras, nós argumentamos que pensar
a educação escolar negra e quilombola no âmbito do tecido social
brasileiro é, assim, expandir a noção de território24, para garantir
que a luta histórica de negros e quilombolas, no campo ou na
cidade, se perpetue, numa migração rural-urbana-universo como
não fronteira desse território-ser-saber-poder.
Por um lado, enquanto a educação tem o papel de mover es-
truturas sociais, reconhecemos que no processo de lutas e dispu-
tas por uma educação qualificada, sobretudo quando dirigida a
populações historicamente excluídas, há tensões e nós culturais25
que somente novos horizontes da antropologia e/com a educa-
ção poderão dar conta e nos ajudar a desatá-los; por outro lado,
as histórias e realidades coletivas materializadas pelas estatísticas
não deixam dúvidas de que, como parte do racismo estrutural e
estruturante à brasileira (ALMEIDA, 2018), as pessoas negras têm
24
Sugerimos aprofundar a ideia de território da linha cruzada de Dos
Anjos (2006).
25
Por exemplo, as tensões que são discutidas mais adiante em termos
dos aparatos conectados à Quarta Revolução Industrial. Ou então à ten-
são do que se espera quando um/a estudante negro/a ou quilombola
oriundo de uma escola sem qualquer infraestrutura física e pedagógica
ou de uma família que não lhe cobre com capital cultural “formal” che-
gue à universidade e lide com esse território que é branco. Os nossos
resultados discutidos no capítulo anterior demonstram formas com as
quais o racismo institucional e estrutural definem o “gosto” dos estudan-
tes quilombolas por certas áreas do conhecimento no acesso universal
à universidade.

20 | Alan Alves Brito


sido ainda alijadas de educação escolar oportunizadora de novas
possibilidades existenciais, conforme discutimos para o caso do
Brasil e do Rio Grande do Sul, particularmente, ao longo deste li-
vro. Por razões já revisitadas na Introdução, as pessoas negras têm
apresentado as taxas mais altas de analfabetismo e analfabetismo
funcional no país. Entre quilombolas, é importante ressaltar, há
ainda no Brasil uma elevada e perversa taxa excedente de analfa-
betos26. A evasão escolar é também altíssima entre os estudantes
negros em comparação aos brancos e a porcentagem das pessoas
negras que chegam às universidades também é muito mais baixa
quando comparada aos pares brancos (ALVES-BRITO, 2020)27.
As relações raciais no Brasil são marcadas, consequentemente,
por um abismo profundo de desigualdade que têm privilegiado
as pessoas brancas. Num efeito cascata, a sub-representação de
pessoas negras, como professores, gestores, diretores em universi-
dades e outros espaços de poder contribuem para alargar as ten-
sões raciais no país e enfraquecer a afirmação positiva da identi-
dade negra.
Apesar dos avanços dos últimos anos, dados mais recentes
(INEP, 2018; SISTEMA DE AVALIAÇÃO DA EDUCAÇÃO BÁ-
SICA, 2017; LOUZANO, 2013; ORTIGÃO, AGUIAR, 2013; AL-
VES, ORTIGÃO, FRANCO, 2007) mostram que a triste realidade
da escola pública brasileira, frequentada majoritariamente por
pessoas negras, não mudou tanto. As desvantagens dos negros se-
guem altas em todos os quesitos estudados, quando comparadas
àquelas experimentadas pelas pessoas brancas, independente da
classe (ver estudo quantitativo detalhado apresentado no capítulo
anterior deste livro). Globalmente, dois de cada três alunos brasi-
leiros de 15 anos não são capazes de entender percentuais, frações
26
Vale lembrar que, no Brasil, somente após a Constituição Federal de
1988 é que o voto de pessoas analfabetas foi considerado, incorporando
milhões de negras e negros ao eleitorado do país.
27
Notar também os dados para o Rio Grande do Sul apresentados em
capítulos anteriores deste livro. Vê-se que há um abismo de desigualda-
de racial no Estado em todos os níveis da escolarização, que se agudiza
no Ensino Superior. Essa, infelizmente, não é uma realidade só do Rio
Grande do Sul.

Zumbi-Dandara dos Palmares | 21


ou gráficos ou de realizar a leitura crítica do mundo. Este cenário
preocupante, aprofundado no tecido social negro, representa a
expressão do fracasso escolar, que traz consequências duradouras
não só para os indivíduos, mas para toda a sociedade. Em termos
práticos, o conjunto de indicadores sociais disponíveis expressa
um sistema educacional discriminatório, que acaba por produzir
realidades distópicas para estudantes negros, tecendo uma reali-
dade permanente de exclusão escolar que culmina nas dificulda-
des de inserção de jovens negros no mundo do trabalho. Soma-se
a isso o fato de que, para além do entendimento dos processos
de ensino-aprendizagem, das metodologias ou mesmo das for-
mas de avaliação a serem desenvolvidas no contexto escolar, não
há para as escolas (educação básica pública), estudos detalhados
sobre os processos de implementação e o impacto de políticas pú-
blicas. O Ensino Médio, cada dia mais fragmentado e excludente,
é um projeto inacabado no Brasil (ROSA, 2018). Tampouco há
estudos sistemáticos sobre como estes desafios estão relaciona-
dos com fatores socioculturais (território, geografia, memória,
história, epistemologias negras). Os denominados marcadores
sociais da diferença (ALMEIDA, 2009) como renda, raça, gênero,
geração, orientação sexual, também desempenham papel funda-
mental para aumentar o nível de complexidade dos processos de
ensino e aprendizagem escolar nos territórios negros, o que leva
sérios problemas a professores, gestores e pesquisadores do cam-
po educacional que, muitas vezes sem referentes antropológicos28,
debruçam-se, atônitos, sobre soluções práticas para um problema
complexo, como é o caso da sistematização de ações equânimes
em vista à democratização racial (de fato) no Brasil.
No caso particular da EEQ, conforme demonstrado e discu-
tido ao longo do presente livro, a análise estrutural das escolas
localizadas em áreas remanescentes de quilombos, realizada por
meio dos microdados do Censo Escolar, revela uma realidade
perversa. A partir do Censo Escolar é possível obter um expres-
28
E, novamente, aqui não nos referimos aos referentes antropológicos
hegemônicos, mas a todo o potencial que a Antropologia traz para esses
diálogos entre campos do saber, mas que precisam de uma outra lente
de análise.

22 | Alan Alves Brito


sivo número de informações sobre escolas, alunos e professores,
desde estrutura física e localização, até condições de trabalho e
materiais didáticos utilizados. Em posse dos dados, conforme já
discutido, a primeira análise descritiva tratou de mostrar qual o
contingente de escolas quilombolas do Brasil na amostra, a partir
da resposta dos gestores escolares ao questionário do Censo.
Para a presente discussão, como critério analítico, devemos
lembrar que consideramos escolas quilombolas aquelas localiza-
das em área remanescente de quilombos ou em unidade de uso sus-
tentável em área remanescente de quilombos29. No entanto, como
nos adverte Arruti (2011), a categoria escola quilombola no censo
precisa ser analisada com cautela, no sentido de diferenciarmos
o que as próprias DCNEEQ definem como escola quilombola e
escolas que atendem quilombolas e, mais importante, quais delas
(dentro ou fora dos territórios quilombolas) aplicam, de fato, uma
educação diferenciada, seja na sua forma física, seja nos métodos
pedagógicos, produção de materiais didáticos, gestão, composição
e formação dos seus professores (ARRUTI, 2011). Notadamente
há, já aí, com vistas à discussão das relações raciais e tensiona-
mentos políticos de ordem identitária, uma questão fundamental
sobre o ser quilombola, sobre cujas questões ontológicas, históri-
cas, sociais e culturais a antropologia vem produzindo uma enor-
midade de significativos trabalhos etnográficos em diversos ter-
ritórios quilombolas, situados em variados contextos regionais.
Encontramos ainda que dois estados, Maranhão e Bahia, são
responsáveis por mais da metade do número de instituições. Pará
e Minas Gerais também contam com um número importante
de escolas quilombolas. Sobre a dependência administrativa das
escolas quilombolas do Brasil, cerca de 94% são municipais, 6%
estaduais, com uma fração pequena de escolas privadas. Não en-
contramos nenhuma escola quilombola com dependência admi-
nistrativa federal, o que é profundamente paradoxal, tendo em
vista que as normativas legais são produzidas nas esferas federais.
Dos resultados obtidos podemos considerar, para efeito de análi-
se, que todas as instituições quilombolas são públicas. Em relação
29
Mas o que fazer com o que os próprios quilombolas definem o que é
escola quilombola?

Zumbi-Dandara dos Palmares | 23


à localização, vemos que 92% são rurais e apenas 8% urbanas.
Para inferir a condição estrutural dessas escolas, criamos um
índice a partir das respostas obtidas do questionário, denomina-
do índice de infraestrutura escolar (IIE). Separamos o IIE em três
dimensões, a primeira relacionada com condições básicas (IIE_
Básica), a segunda relacionada com estrutura física (IIE_Física)
e a terceira dimensão relacionada com a estrutura para a prática
pedagógica (IIE_Pedagógica). O IIE_Básica trata das condições
mínimas estruturais para a existência de uma escola, qual seja,
possuir água, energia elétrica e esgoto sanitário. É importante
destacar que estamos considerando neste indicador qualquer
forma de abastecimento de água, de energia elétrica e de destino
para o esgoto sanitário, seja pelo poder público ou não. O IIE_Fí-
sica avalia a presença de espaços que são fundamentais para o
funcionamento das escolas, como sala dos professores, cozinha,
refeitórios e banheiros, entre outros. Já o IIE_Pedagógica infere
a estrutura da escola no que tange os seus diferentes espaços pe-
dagógicos, como a presença de laboratórios de informática e de
ciências, biblioteca, quadra de esportes e acesso à internet. Todos
os resultados obtidos são discutidos no capítulo precedente, de
forma que não vamos repeti-los aqui. Em suma, quando olhamos
para a situação das escolas quilombolas, percebemos um con-
texto extremo de desigualdade educacional, particularmente em
termos estruturais, indicando que o poder público tem deixado
esses espaços totalmente à margem das suas preocupações.
Os resultados obtidos em nossa análise estrutural das escolas
quilombolas do Brasil é mais um resultado empírico do racismo
que perpassa as diferentes instituições e instâncias do país. O
olhar atento para os dados do censo escolar não nos deixa dúvida
sobre o total descaso e abandono da população quilombola por
parte do poder público. Particularmente nesse momento da his-
tória do país, em que as lutas pela coexistência na diferença têm
ganhado novas camadas a partir da ocupação de mídias sociais
e da cultura digital, em que a expressão é uma necessidade real
das comunidades negras e quilombolas, os dados aqui apresen-
tados revelam o abismo em que uma educação, construída para

24 | Alan Alves Brito


ser diferencial, está jogada. Paradoxalmente, políticos, gestores,
pesquisadores, professores e lideranças de movimentos sociais
negros consideram que a educação é a chave para o desenvolvi-
mento de indivíduos, comunidades e sociedades, principalmente
no contexto do Brasil do século XXI no âmbito do pós-pande-
mia. É nesse sentido que, amparados na realidade quanti-quali-
tativa da educação escolar pública, majoritariamente frequentada
por pessoas negras, sugerimos no presente texto que esta pode
ser considerada um enorme e complexo território negro do sé-
culo XXI, na ressemantização da palavra quilombo no contexto
das ideias de Nascimento (2019; primeiras proposições lançadas
nos anos 1980), e, uma vez mais, argumentamos o quão neces-
sário é que a Antropologia, em uma perspectiva mais próxima
das ideias de Tim Ingold, ou seja, em aproximação mais visceral
à educação, continue se apropriando do debate sobre as questões
raciais no Brasil para ajudar o sistema educacional público bra-
sileiro a compreender as questões identitárias intrínsecas aos di-
ferentes territórios aqui abordados, contrastando, material e sim-
bolicamente, educação escolar quilombola, educação quilombola
e educação escolar não quilombola, na zona rural e urbana, com
aspectos históricos, políticos e epistêmicos complementares, po-
rém distintos. Argumentamos que se a antropologia se abrisse,
por exemplo, a esse encontro com a educação, não somente o que
é escola para as políticas públicas seria importante, mas sobretu-
do o que é escola para os quilombolas, já que, mais do que estudar
as políticas públicas, interessa à antropologia o que é escola para
os quilombolas, haja vista que a antropologia é uma ciência que
estuda e leva a sério aquilo que seus interlocutores definem. E,
obviamente, aqui queremos enfatizar a necessidade de que as es-
tratégias da Antropologia neste processo não sejam determinadas
pelas ferramentas de pensamento historicamente enraizadas em
uma ciência que não re-pensa a sua responsabilidade enquanto
reprodutora de desigualdades sociais. Ao se afastar de discussões
(e ações) profundas sobre o impacto da categoria raça nos pro-
cessos educativos e constituição de subjetividades negras e qui-
lombolas, as ciências humanas e sociais (mas não somente estas)

Zumbi-Dandara dos Palmares | 25


exercem o seu papel nos aprofundamentos destas desigualdades.
É nesse sentido que afirmamos que no que tange aos territórios
negros quilombolas a antropologia, em diálogo com a educação,
tem importância fundamental, sobretudo quando entendemos
que os saberes e fazeres, as aprendizagens quilombolas começam
antes da escola, desde o curso de vida dos indivíduos quilombolas
quando ainda criança, e, adentra ao universo escolar se fazendo
presente no processo educativo (GUSMÃO, 2006).

3.3 Antropologia da diferença e educação diferenciada no


século XXI: identidades insurgentes
As realidades dos territórios escolares negros descritas até
aqui escancaram, em pleno século XXI, uma tensão conceitual,
corpo-territorial do que entendemos por educação diferenciada.
Como a memória, a diferença, a cultura, a alteridade e a identi-
dade são expressões valiosas para a construção sólida dessa edu-
cação, entendemos que a Antropologia na Educação tem condi-
ções de avançar para desenvolver um olhar novo, no âmbito do
sensível, capaz de nos ajudar a elaborar um projeto de educação
escolar diferenciada que permita usar as lentes da racialização no
Brasil. É preciso construir uma educação intercultural, dialógica e
criticamente reflexiva, em que o lugar de expressão (baseado aqui
no pensamento apurado de Beatriz Nascimento), a voz e a vez do
Outro deverão ser garantidos. Teoria e prática educacional, por
meio das metodologias da Antropologia, sobretudo com o seu
forte olhar etnográfico30, deverão ser capazes de desegemonizar
esses territórios negros, fazendo com que diferentes experiências
negras coexistam numa escola que passa a ser lugar democrático.
A Antropologia, numa outra relação com a educação escolar qui-
lombola é, portanto, fundamental para (autoa)firmar outros ima-
ginários acerca das identidades negras, produzir e reproduzir no-
vas representações simbólicas, numa relação com a branquitude.
E é nesse sentido que entendemos que os universos étnico-raciais
precisam ainda ser levados em conta no estudo da Antropologia,
30
Tim Ingold prefere denominar etnografia = educação.

26 | Alan Alves Brito


incluindo não apenas questões locais, regionais, históricas e da
memória, mas, sobretudo, de uma perspectiva de fortalecimento
da autoestima epistêmica que, para a escola pública majoritaria-
mente frequentada por pessoas negras e para a educação brasi-
leira, constitui-se o maior de todos os desafios. Fazer valer uma
outra cosmologia (ALVES-BRITO, 2021), amparada numa noção
de territorialidade que permita dialogar com os desafios do pre-
sente século. Há ainda, a nosso ver, um enorme distanciamento
entre o que a Antropologia hegemônica compreende das relações
étnico-raciais e das subjetividades negras no Brasil e da forma
como as articulações e expectativas dos povos negros acontecem
no chão dos seus territórios, num diálogo com as instituições e
agentes públicos responsáveis pela elaboração de políticas públi-
cas. Há muitas tensões interculturais que precisam ser superadas,
principalmente no estabelecimento da EEQ.
O primeiro e mais importante desses tensionamentos é, por si
só, a própria concepção de educação no presente século, no cam-
po ou na cidade, quando em comunicação ao que se é referido
como educação escolar negra31 e quilombola diferenciada. Se, por
um lado, os laços viscerais entre Antropologia-Direito-História
garantem, localmente, em cada comunidade quilombola/tradicio-
nal, a partir dos movimentos sociais dos anos 1970, consciência
política e aspirações por novos direitos, é importante não perder
de vista como a educação e a cultura eram vistas nacionalmente,
no contexto militar brasileiro e, internacionalmente, no contexto
do pós Segunda Guerra Mundial, no âmbito das discussões lide-
radas pela Organização das Nações Unidas (ONU) e pela Organi-
zação das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
(UNESCO). A noção internacional de humanidade e de diversi-
dade com que lidamos atualmente está muito alinhada ao que foi
(e é) discutido no âmbito dessas duas instituições. É exatamente
nesse contexto de mudanças paradigmáticas da UNESCO, sobre
o que diversidade significa (muito mais alinhada à luta dos povos
originários do que dos povos negros e quilombolas) que há uma
aproximação frutífera entre o Direito e a Antropologia, focados
31
À esta altura, os leitores já devem ter compreendido o que, para nós,
significa educação escolar negra.
Zumbi-Dandara dos Palmares | 27
ainda em defender a ideia de terra, posteriormente ressemanti-
zada para a noção de território. Essa breve retrospectiva históri-
ca é muito importante para entendermos quais fatores externos
também contribuíram para o acirramento e o entendimento de
construção de educação inclusiva ou educação diferenciada com
a qual lidamos hoje.
Por outro lado, vale também lembrar que em setembro de
2015, na Assembleia Geral da ONU, foram aprovados os Objeti-
vos do Desenvolvimento Sustentável (ODS). Entre os vários ob-
jetivos lá listados, o quarto estabelece que, até 2030, as sociedades
mundiais teriam que assegurar educação inclusiva, equitativa e de
qualidade, e promover oportunidades de aprendizado ao longo da
vida para todos. Mais do que isso, os ODS sugerem que a educa-
ção precisa lidar com as novas questões e demandas que atingem
o planeta, focadas na assim denominada 4ª Revolução Industrial,
materializada por processos de aceleração da automação e da ro-
botização, com a Inteligência Artificial substituindo trabalho hu-
mano por algoritmos. Assim como a Antropologia hegemônica
despontou como ciência preocupada com o Outro no contexto
da Revolução Industrial, reafirmando ideologias racistas, argu-
mentamos que esta precisa, no contexto da 4ª Revolução Indus-
trial, articular-se à Educação para desconstruir estereótipos que
ainda perpassam as estruturas de poder e construir uma outra
narrativa, contra hegemônica, contra colonial, sobre a diferença
do Outro, e do outro negro e quilombola, especialmente. Desta
forma, no contexto da educação diferenciada que precisa existir
para pensarmos uma outra escolarização das pessoas negras, cabe
então nos indagar: que é desenvolvimento e o que significa de-
senvolvimento sustentável na escolarização dos corpos negros à
deriva em pleno século XXI?32
O documento Trends Shaping Education 2019, da Organização
32
Estas ideias foram amplamente discutidas no artigo “A Educação Es-
colar Quilombola: desafios para o ensino de Física e a Astronomia”, por
Alan Alves-Brito, publicado pela revista Plurais, um dos produtos do
presente trabalho de pesquisa. Vale dizer que quando enviamos o pre-
sente texto para apreciação da revista Horizontes Antropológicos, o ar-
tigo agora publicado em Plurais não tinha ainda sido escrito.

28 | Alan Alves Brito


para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OECD, 2019;
do inglês), coloca explicitamente como a educação moderna se
molda para solucionar os problemas do século. Do documento
podemos notar como será difícil conciliar, nos próximos anos, os
valores da educação escolar negra e quilombola diferenciada com
o que o OECD (2019) chama de culturas modernas: um mundo
individualista, com declínio do senso de pertencimento a referen-
ciais clássicos como a família, a Igreja e o trabalho, de forma que
o senso de pertencimento não desaparece, mas se desloca para a
categoria sociedade em rede. Entre as várias tendências que o do-
cumento aponta, como discutido por Costin (2020), COVID-19
acelera o futuro, levando a educação escolar mais cedo para o
mundo da digitalização e automação, o que, no contexto do pre-
sente ensaio, caracteriza-se como um cenário preocupante, dado o
escasso acesso da escolarização das pessoas negras e quilombolas
no Brasil às tecnologias da contemporaneidade e às benesses edu-
cativas promovidas pela cultura digital. Como exemplo flagrante
da crise que se instaura, segundo Costin (2020) a educação no
futuro deverá, entre tantas atribuições, se quiser combater desi-
gualdades sociais: (i) focar na resolução colaborativa e criativa de
problemas; (ii) personalizar o ensino, focando a aprendizagem de
cada estudante, no contexto de plataformas adaptativas apoiadas
por Inteligência Artificial; (iii) flexibilizar os currículos e promo-
ver interdisciplinaridade; (iv) desenvolver competências atribuí-
das ao século XXI, como as socioemocionais, a experimentação
e a autonomia e protagonismo do estudante, que deverão estar
associados às competências cognitivas; (v) fortalecer o ensino de
pensamento crítico e sistêmico; (vi) desenvolver nos estudantes
agilidade cultural, capaz de permitir que estes navegam bem nos
contextos mais diversos, entendendo os pressupostos e valores
próprios de cada povo, sem cair em relativismos e preservando
conquistas humanitárias; (vii) criar ecossistema educacional que
inclua diversificadas instituições e meios para evitar o desempre-
go; (viii) formar crianças e adolescentes para a cidadania global,
promovendo a empatia, formas de comunicação e interação so-
cial não agressivas e combatendo visões xenófobas, racistas e ex-
cludentes; (ix) prover sentido de responsabilidade, em crianças,
Zumbi-Dandara dos Palmares | 29
jovens e adultos, pelos destinos do planeta e pela adoção de hábi-
tos de vida e consumo mais sustentáveis.
Além disso, a recém aprovada Base Nacional Comum Curri-
cular (BNCC) estipula as aprendizagens necessárias para todos
os brasileiros, a cada nível de escolaridade, numa visão bastante
contemporânea e, em teoria, com aprendizagens voltadas para
uma educação transversal para a cidadania e a sustentabilidade.
Uma vez mais questionamos: como conciliar a cultura diferencia-
da da escola pensando as existências negras e quilombolas com a
cultura moderna teorizada e defendida na BNCC em que, confor-
me apontam Massoni, Alves-Brito e Cunha (2021) para o caso do
Referencial Curricular Gaúcho para o Ensino Médio de 2021, os
conhecimentos, saberes e contribuições históricas dos povos ne-
gros e quilombolas não são sequer retratados e suas identidades
desconsideradas?
Enquanto os projetos de educação e as experiências de edu-
cação em contexto quilombola se encontram em construção, a
BNCC, articulada a interesses de instituições privadas e assegura-
doras do sistema colonial-patriarcal-capitalista, cruza o caminho
em direção diametralmente oposta. É nesse sentido que, uma vez
mais, argumentamos que novos horizontes antropológicos são
necessários na educação para refletirmos acerca do que se coloca
como necessidades práticas e reais em termos de educação para os
coletivos negros e de remanescentes de quilombos (ARRUTI 2009;
GUSMÃO E SOUZA, 2012), para que possamos de fato dialogar,
refletir e agir sobre as variadas formas que a cultura brancocên-
trica, urbana e capitalista elimina, do horizonte, a perspectiva da
diferença na educação escolar negra no Brasil.
Para dialogar com Sodré (2012), a educação escolar pensada
para pessoas negras e quilombolas também nos convida a refletir
o que de fato significa sociedade da informação e do conhecimen-
to, em que as inovações tecnológicas terminam, por vezes, defi-
nindo novos marcadores semióticos. Pelo exposto, fica evidente
que a educação escolar para pessoas negras e quilombolas não
pode ser pensada pelo viés de desenvolvimento apenas entendido
como crescimento econômico, mas será preciso levar em conta

30 | Alan Alves Brito


um outro arcabouço de humanidade, antropo-lógico, de valoriza-
ção do poder ecológico, cultural e ancestral dos territórios negros
e quilombolas como alternativas não mais periféricas, mas cen-
trais, para a resolução dos problemas estruturais do país. Na arti-
culação com uma outra Antropologia, uma outra cosmopolítica
é necessária, capaz de enxergar o racismo ético, fomentado pelo
paradigma étnico da branquitude, pautado na ideia de autentici-
dade epistêmica que cria os inumanos universais, conforme nos
en-sina Sodré (2012).

3.4 Novas práticas pedagógicas e epistemológicas: expandindo


os horizontes antropológicos nas escolas
Miranda et al. (2012), a partir do estudo da arte no campo
da educação, usando teses, dissertações e artigos, faz uma sínte-
se primorosa das questões e desafios principais da educação no
contexto dos quilombos no Brasil até 2014. Os nossos dados, por
meio do Projeto Zumbi-Dandara, ampliam essa análise até 2021.
Dos resultados apresentados não há dúvidas de que, após pouco
mais de uma década após a promulgação da EEQ no país, como
política pública, a identidade quilombola, nos embates políticos,
jurídicos, sociais e territoriais segue sendo a grande questão. No
documento, apreende-se que, embora a ERER e a educação es-
colar quilombola compartilhem de práticas de exclusão social
por meio do racismo, a EEQ precisa ser diferenciada, com uma
identidade definida para além do que significou a Constituição
Federal de 1988. De acordo com o estudo, a maioria da produção
na área aponta para o estabelecimento de uma identidade qui-
lombola não fixa, muito pautada nas ideias de Stuart Hall (1932-
2014); não obstante o pano de fundo histórico em comum, elas
incorporam inflexões socioculturais advindas das influências dos
contextos sociais regionais. E, nesse sentido, o estudo aponta que
é na escola o lugar preponderante (dentro ou fora das comuni-
dades) de reafirmação de identidades, conquistadas, agenciadas,
disputadas, mas nem sempre reconhecidas. Paradoxalmente, é
importante frisar que a análise dos laudos antropológicos das

Zumbi-Dandara dos Palmares | 31


comunidades relativas às 15 escolas quilombolas integrantes do
projeto Zumbi-Dandara dos Palmares no Rio Grande do Sul re-
vela completa ausência da descrição e/ou contextualização breve
que seja da relação das comunidades estudadas com as escolas.
Os laudos, historicamente, tiveram o propósito de atender, em
princípio, a questão da regularização fundiária dos territórios e
outras prioridades, dentre elas a educação. Deve-se reconhecer
que o contexto de construção desses estudos ocorreu em um mo-
mento de ebulição em que as propostas advindas das políticas do
governo federal estavam em gestação e formatação, inclusive a
que vai culminar na Lei 10.639/0333. No contexto do que busca-
mos discutir aqui, a sistematização da categoria educação escolar
quilombola nos laudos antropológicos é, do ponto de vista das
(des)construções culturais em torno da educação escolar diferen-
ciada, necessária.
Geertz (1989), criador da Antropologia Interpretativa, traduz
cultura com uma teia de significados tecida pelo homem34. Esta
teia é feita, portanto, por construções simbólicas, estrutura de
significados contidos em um conjunto compartilhado histórica,
social e legitimado publicamente pelos indivíduos, em que o es-
tudo das culturas é visto como sendo análogo à leitura das so-
ciedades como no processo de leitura de textos correspondentes
às diversas narrativas do universo social. É preciso dizer que, em
se tratando da educação escolar para pessoas negras no diálogo
com a Antropologia, para transformar o Brasil socialmente será
necessário construir uma outra gramática e um novo código de
letramento racial em que brancos e negros se relacionem a par-
tir de outros pressupostos. Enquanto, por um lado, entendemos
que a Antropologia desenvolvida por intelectuais negros, como
Anténor Firmin (1850-1911), Jean Prince-Mars (1876-1969) e
Jacques Roumain (1907-1944), no Haiti, constitui-se como uma
autêntica narrativa antropológica contra-colonial muito útil à
luta antirracista no Brasil (MARQUES; KOSBY, 2020), uma vez
33
Que prevê o estudo da História e da Cultura Africana e Afro-brasileira
em todos os níveis da educação.
34
Aqui usado no sentido de humanidade.

32 | Alan Alves Brito


que, segundo as autoras, a narrativa proposta pelos haitinianos
acima citados não está pautada numa intrínseca insularidade ou
tampouco numa periferia imposta, por outro lado as ideias insur-
gentes do pensador quilombola Nêgo Bispo também estão im-
pregnadas de potência e sentido antropológico sobre as vivências
das pessoas quilombolas (SANTOS, 2015). Nêgo Bispo defende
que a noção de desenvolvimento na lógica da Modernidade, que é
base do currículo eurocêntrico, brancocêntrico e que não afirma
as identidades negras, é justamente des-envolver e, nesse sentido,
podemos refletir aqui que essa noção de des-envolvimento cami-
nha muito mais para aumentar desigualdades, já que as riquezas
das multiplicidade dos seres humanos não são respeitadas, au-
mentando o abismo e a diferença no acesso aos bens e serviços
valorizados simbolicamente no projeto de modernidade. Como
então construir o limiar da diferença? Novamente, a resposta que
damos a esta pergunta, a partir da discussão que nos interessa
aqui, é que somente a articulação de novos horizontes antropo-
lógicos na educação, aprofundando as reflexões acerca das ques-
tões raciais (alteridade), poderão nos ajudar a responder a essas
inquietações.
Trata-se de alteridade que deve ser recolocada sobre uma di-
mensão epistemológica e teórico-metodológica, sob a perspecti-
va afro-centrada. Por exemplo, em trabalho apresentado na 32ª
Reunião Brasileira de Antropologia Virtual, “Saberes insubmissos:
Diferenças e Direitos”, realizada no Rio de janeiro, de 30 de outu-
bro a 06 novembro de 2020, Jade Alcântara Lôbo (UFSC-PPGAS/
PR) apresentou o artigo “Denegrindo a Antropologia: políticas
negras, Afroestratégias, Mandinga e o Drible Contra-Colonial na”,
referindo-se à expansão das ações afirmativas nas universidades,
que culminou com um aumento de ingresso de estudantes ne-
gros, sendo que no campo das ciências humanas, notadamente no
campo da Antropologia, passaram a criticar os parâmetros epis-
temológicos e teórico-metodológicos desta ciência, persistente
na perspectiva hegemonicamente eurocêntrica. E, ao contrário,
propõe “denegrir a antropologia” pensada como ato de “escurecer,
tornar o pensamento negro e reativar forças próprias de um devir

Zumbi-Dandara dos Palmares | 33


negro-africano”, de acordo o filósofo Renato Noguera (2011, p. 3).
Adenisa considera que a antropologia surgiria como uma di-
visão intelectual do trabalho na Europa, cujas pesquisas situavam
as sociedades europeias como sociedades complexas no campo
da Sociologia, ao passo que a Antropologia nomeou de tribos,
primitivos, exóticos as sociedades fora do contexto geográfico eu-
ropeu, e cujo núcleo fundamental da disciplina considerado foi a
“epistemologia da alteridade” (ADENISA, p. 143, 2011; MAFEJE,
1976). Não obstante Mafeje haver sentenciado a morte da Antro-
pologia na África durante a oitava Assembleia Geral do Council
for the Development of Social Science Research in África (Codes-
ria), convocou os antropólogos africanos a se empenharem pelo
“fim da era colonial na produção de conhecimento científico na
África, mormente nas ciências sociais, arriscando-se em novas
formas de conhecimento” (MAFEJE, 1976; LÔBO, 2020).
Portanto, tomando por base Mafeje, a antropologia brasilei-
ra deve aspirar uma etnografia endógena, de anti-alteridade e de
anti-extroversão, trabalhada por um interlocutor autêntico, assim
afirmando uma ontologia combativa “um ser-no-mundo não aca-
bado, uma constatação da transformação do mundo e do devir
constante das pessoas” (MAFEJE, 1976; BORGES et al., p.361,
2015; LÔBO, 2020). Para Lôbo (2020), “como falar sobre descolo-
nização da disciplina [antropológica] se seu currículo não refuta o
cânone?” Ao questionarem uma mesa composta de antropólogos
brancos em evento da Reunião Brasileira de Antropologia, quan-
do era servida por um garçom negro, o que bastou para surgirem
duras críticas à disciplina, ocasião que foram sendo formados a
Articulação Brasileira de Indígenas Antropólogos e o Coletivo de
Antropólogues Negres, que passaram a tecerem críticas ao racis-
mo que, paradoxalmente, presente na disciplina. Estes estudantes
reivindicam outras bases teórico-metodológicas afro-centradas,
assim rompendo com um cânone frigorificado e cristalizado na
insistência em se tomar o sujeito negro e suas temáticas sempre
como objetos de reflexão de pesquisadores brancos, por meio de
epistemologia eurocêntrica ou anglo-saxônica.
Alternativamente, como parte dos processos de lutas antirra-

34 | Alan Alves Brito


cistas em curso, temos hoje um conjunto de pedagogias afro-cen-
tradas, alicerçadas nas experiências negras diaspóricas, como por
exemplo a pretagogia (SILVA, 2013), que trazem novos questiona-
mentos para a ciência e para a Antropologia ao proporem outras
relações sujeito-objeto-natureza, com novos direcionamentos te-
óricos-metodológicos e revolucionárias práticas pedagógicas de
ensino e aprendizagem, pautadas na ressignificação e reposicio-
namento dos corpos negros nos espaços escolares. A pretagogia,
em particular, é baseada em valores africanos como a ancestrali-
dade, a tradição oral, o corpo enquanto fonte espiritual e produtor
de saberes, a religiosidade e a noção de território enquanto espa-
ço-tempo. As pedagogias negras, permeadas de saberes e fazeres,
estabelecem na educação básica outros marcos civilizatórios para
ajudar a construir o ethos da educação diferenciada que a educa-
ção brasileira necessita. São elas que têm reinventado e tensiona-
do as relações escola-comunidade para dar força à categoria esco-
la diferenciada. Do ponto de vista epistemológico, pensamos que
a crítica sócio-antropológica de Kabengele Munanga, que coloca
em xeque a falácia da democracia racial (MUNANGA 2004), em
conjunto com a conceituação de arkhé (SODRÉ, 2019), têm sido
também bálsamos na afirmação das identidades negras no con-
texto da educação escolar, no diálogo com a Antropologia. Num
estudo de caso para o Rio Grande do Sul, a tese de Da Silva (2013)
representa um marco para o estudo dos contornos pedagógicos
da educação quilombola, a partir da construção de uma nova
perspectiva epistemológica, para analisar as tensas relações esta-
belecidas entre as comunidades remanescentes de quilombos, as
distintas organizações sociais e as diversas instituições públicas.
Da Silva (2013) traz luz para as dificuldades e desafios efetivos
para que as políticas públicas aconteçam no chão das comunida-
des quilombolas, garantindo sua autonomia na luta por direitos
sociais, dentre eles o direito à terra e à educação.
Numa análise crítica da área de Antropologia, Carvalho
(2001) afirma que:
Sintetizando as metamorfoses do olhar etnográfico re-
senhadas acima, podemos dizer que o estilo de olhar
de Boas e Herskovits objetiva; o estilo de olhar de Lé-
vi-Strauss distancia e aproxima, mantendo fixo, porém,

Zumbi-Dandara dos Palmares | 35


o lugar hegemônico. O olhar dos antropólogos ditos re-
flexivos discute a autoridade do lugar hegemônico, po-
rém sua teoria do poder é limitada ao campo etnográfi-
co — e é precisamente essa limitação que é denunciada
com veemência por Edward Said. Dito de outro modo,
a voz do nativo ainda não é vista como voz subalterna.
Na perspectiva pós-colonial, a questão já não é apenas a
voz nativa, como a do outro diferente, mas o reconheci-
mento das condições históricas e políticas de construção
de alteridades submetidas a um regime colonial de su-
balternidade. Em outras palavras, trata-se de deslindar
os mecanismos de articulação do nativo (o objeto etno-
gráfico) junto com o etnógrafo (e sobretudo o etnógrafo
do país periférico), ambos, na verdade, enquanto sujeitos
coloniais (ou neocoloniais) (CARVALHO, 2001, p. 128).
Até o presente momento, os variados olhares da Antropologia
para a educação escolar negra têm, em conjunto com as discussões
políticas e culturais da educação baseadas nas ideias de pensado-
res como Paulo Freire (1921-1997) e Miguel Arroyo, nos permi-
tido também pensar as diferenciações nas abordagens prático-
-pedagógicas entre os pressupostos da educação para as relações
étnico-raciais (GOMES, 2007; SILVA, 2005) daquela praticada na
educação escolar quilombola. Argumentamos que a escola é uma
teia social crucial, muitas vezes a mais sólida, na vida de muitas
crianças negras, tornando-se, portanto, um território de fortale-
cimento da subjetividade e, inclusive, do autorreconhecimento. É
ela, a escola, que (re)cria e propõe realidades por meio de ciclos
temporais variados (ROCHA, 2007). É no contexto da educação
escolar negra e quilombola que palavras como desenvolvimento
e sustentabilidade ganham outros sentidos. Mas sabemos que a
escola no atual projeto de nação, conforme demonstrado nas vá-
rias narrativas trazidas no presente texto, é uma escola excludente
para as existências negras. Os diversos grupos culturais que até
recentemente se encontravam fora do projeto escolar brasileiro,
ou que não eram nele reconhecidos, começaram a chegar e têm
contribuído bastante para ressignificar a educação e a escola. E,
mais uma vez, a Antropologia contra-hegemônica deve entrar em
cena para mediar conflitos no chão dos territórios negros em suas

36 | Alan Alves Brito


múltiplas interações com o mundo, em que aspectos biológicos,
sociais e políticos deverão ser levados em conta para devolver hu-
manidade aos corpos negros, desenvolvendo uma educação an-
tirracista que promova o respeito às diferenças étnicas e culturais
e o extermínio das diferenças econômicas e sociais, racialmente
naturalizadas no Brasil.
Nesse sentido, sendo a educação básica pública no Brasil
também constituída por um território negro (já que frequenta-
da majoritariamente por pessoas negras), isso implica em dizer
que a formação de professores para promover a educação para
as relações étnico-raciais e a formação de uma educação escolar
quilombola diferenciada no presente século é urgente. O vácuo
racial negro flagrante nos quadros universitários brasileiros (AL-
VES-BRITO, 2020), sobretudo entre professores, é constrangedor.
Após séculos de segregação racial no Brasil, é preciso garantir
acesso e permanência de estudantes negros às universidades e
qualificar, negros e brancos, para uma relação menos desigual e
exploratória com as ideias e forças de uma sociedade de mente
colonizadora que se atualiza nas lógicas neoliberais. Assim como
acontece nas diversificadas experiências de formação de profes-
sores indígenas, com suas acirradas tensões curriculares, a An-
tropologia deve também ganhar terreno e ajudar no processo
de reflexão de sujeitos, docentes ou discentes no chão de escolas
frequentadas majoritariamente por pessoas negras e quilombolas.
Práticas transculturais e interculturais (WALSH, 2005) têm sido,
pouco a pouco, colocadas em prática. O olhar atento antropoló-
gico na promulgação da educação negra diferenciada é impor-
tante para fortalecer pertencimento e afirmação da identidade,
sobretudo no caso das subjetividades quilombolas onde há ainda
relatos de flagrante negação de pertença. A Antropologia contra-
-hegemônica será capaz de entregar, à escola “negra” e quilombo-
la, um outro sentido de localidade, universalidade e globalidade.
Ouvir e dar voz aos sujeitos políticos de direito. Por fim, seguindo
as ideias de Moreira (2020), fundamentos antropológicos são cru-
ciais para o estabelecimento de normas antidiscriminatórias que
possam garantir direitos e proteger indivíduos de práticas sociais
excludentes.

Zumbi-Dandara dos Palmares | 37


3.5 Considerações finais
A educação escolar de pessoas negras e quilombolas é uma
forma tensa de expressão do universal e do diferente antropo-
lógico (MUNANGA, 2006). Os números e as realidades brasi-
leiras ratificam que vivemos num país estruturalmente racista,
com pobreza extrema e que apresenta altos índices de subdesen-
volvimento e desigualdade sociorracial. A educação e a cultura
devem ser vistas como estratégicas para garantir que a maioria
negra da população tenha acesso a conhecimentos e tecnologias
sociais e adquira competências e habilidades para estender sua
cidadania. Nesse processo, o olhar antropológico atento e sensí-
vel à educação diferenciada negra e quilombola é necessário para
fazer distinguir o ser humano na sua completa integridade, como
existente no mundo.
No caso particular da EEQ, como foi discutido em capítulos
anteriores deste livro, temos questões fundamentais ligadas ao
currículo, à formação dos professores, criação de material didá-
tico específico, bem como variados desafios ligados à prática da
etnografia (educação) dos contextos escolares quilombolas ou da
trajetória escolar dos estudantes. Uma antropologia contra-hege-
mônica atrelada aos anseios do Movimento Social Quilombola,
também educador, faz-se necessária.
A escola, no diálogo com a Antropologia, numa interpretação
à luz das ideias de Moreira (2020), será então capaz de desen-
volver, primeiro, a sociabilidade, por meio da linguagem, eman-
cipando indivíduos, desenvolvendo o processo de simbolização
e, segundo, a politicidade, numa harmonia com a sociabilidade,
capaz de criar uma relação direta com a juridicidade das relações
sociais. A Antropologia contra-hegemônica é importante para
desmantelar o racismo simbólico, que opera numa lógica indivi-
dualista, porque, embora a raça dominante reconheça os tentácu-
los da discriminação racial, ela muitas vezes culpabiliza os grupos
discriminados por sua condição, atribuindo a eles a situação de
degradação e apartheid social (MOREIRA, 2020). É a partir des-
sas tensões que entram em jogo as epistemologias da resistência
(LARCHERT; OLIVEIRA, 2013) para nos ajudar a pensar as re-

38 | Alan Alves Brito


lações de poder envoltas nos processos de exclusão e apagamento
da educação escolar para pessoas negras e, mais impactante, da
EEQ diferenciada. No que concerne à luta histórica da população
negra no Brasil, a afirmação da identidade negra e, mais precisa-
mente, da identidade quilombola, é urgente romper com a forma
com que diferenças culturais são comunicadas nessas comunida-
des, por meio de estereótipos, relacionados diretamente à discri-
minação e ao racismo.
Nesse sentido, levando em conta o conjunto de transforma-
ções sociais que o país tem enfrentando, sobretudo no que tange
à forte discussão em todos os âmbitos sobre o papel do racismo
estrutural, institucional e subjetivo na sociedade brasileira (AL-
MEIDA, 2018) e a certeza cada dia mais nítida de que é preciso
construir uma outra percepção racial no Brasil, sobretudo neste
conturbado momento histórico de incertezas frente à realidade
pós-pandemia, a Antropologia, como ciência complexa e dinâ-
mica, arranja papel fundamental para questionar as contradições
entre a função social da escola no mundo moderno e contempo-
râneo.
No caso particular dos quilombos, embora as comunidades
quilombolas experimentem há muitos séculos processos contínu-
os de desarticulação, negação, exclusão, silenciamento e distancia-
mento social por meio de políticas de Estado (Imperial, Colonial
e Nacional), multidimensionalmente racializadas, os seus valores
têm sido preservados na sociedade brasileira. O tripé Antropolo-
gia-História-Direito, por meio do conceito de território, tem na
contemporaneidade enaltecido as lutas políticas dos quilombolas
por uma educação diferenciada. A educação entra assim como
novo território material e simbólico para os quilombolas, lugar
que tem a missão de ressignificar o próprio conceito de território
(o que é, afinal, ser quilombola em pleno século XXI?). A escola-
rização diferenciada passa a ser chave fundamental na luta qui-
lombola no país e, a educação, pelo que esta significa, requer no-
vos olhares antropológicos, da mesma forma que a Antropologia
precisou, nos anos 1970, para estender cidadania, dialogar com o
Direito, desvelando as tensas ramificações nas microrrelações de
poder do Estado brasileiro.

Zumbi-Dandara dos Palmares | 39


3.6 Agradecimentos
Aos(às) árbitros(as) anônimos(as) da revista Horizontes An-
tropológicos, cujos comentários foram levados em conta e, espe-
ramos, ajudaram a melhorar a versão original do presente artigo.
Ao doutor Cauê Machado, antropólogo, pela leitura crítica e pro-
ativa do texto.

3.7 Referências

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Dados Internacionais de Catalogação
Z94 Zumbi Dandara dos Palmares: desafios estruturais e pedagógicos
da Educação Escolar Quilombola para a promoção da equidade racial no
Brasil do século 21 / Alves-Brito, Alan. (organizador) -- São Paulo: Prag-
matha, 2022.
408 p.: il. (algumas color.), mapas ; 14 x 21 cm.
Inclui referências bibliográficas.
ISBN 978-65-86926-98-9
1.Negros – Educação – Rio Grande do Sul. 2.Negros – Educação – Brasil.
3.Quilombolas – Educação. 4.Cultura afro-brasileira – Rio Grande do Sul.
5.Negros – Identidade racial. 6.Quilombolas – Usos e costumes. I.Brito,
Alan Alves de.
CDU 37(=96)(816.5)
37(=96)(81)
CDD 370.98165
370.981
Catalogação na publicação:
Bibliotecária Carla Maria Goulart de Moraes – CRB 10/1252

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