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Introdução

A Base Nacional Comum Curricular (BNCC), aprovada em 2017 pelo


então ministro da educação Mendonça Filho e publicada a seis de março de
2018, possui diversas similaridades com o currículo colombiano, mais
conhecido como Lineamientos Curriculares (LCCS), publicado em 2002. Ambos
se apresentam com propostas de promover a multiculturalidade e a
interdisciplinaridade, capaz de transformar o indivíduo em um cidadão crítico
que possa contribuir ativamente na sociedade, realizando um exercício de
compreensão da realidade a qual está inserida.
A exemplo do texto da BNCC, há um trecho que diz: “o passado que
deve impulsionar a dinâmica do ensino-aprendizagem no Ensino Fundamental
é aquele que dialoga com o tempo atual”. Nisso, o entendimento é de que
demandas e sujeitos sociais antes não inseridos serão abordados de forma
mais clara e a partir de uma narrativa própria, que não seja produzida a partir
da intervenção de terceiros em sua historiografia, fazendo com que o objetivo,
citado na competência específica de número quatro para o ensino de História
para o ensino fundamental, de “Identificar interpretações que expressem visões
de diferentes sujeitos, culturas e povos com relação a um mesmo contexto
histórico, e posicionar-se criticamente com base em princípios éticos,
democráticos, inclusivos, sustentáveis e solidários” (BRASIL, 2018) seja
alcançado.
Porém, apesar de possuírem estes objetivos, demonstram controvérsias
e falhas em comum nas duas propostas curriculares. Neste artigo, procurei
apresentar algumas semelhanças entre ambos currículos, bem como algumas
diferenças, e trazê-las como questões problematizadoras para o ensino.
Analisarei, para ser mais específico, as questões de sujeitos que estão (ou
não) inseridos no currículo, a narrativa a qual se busca construir (ou perpetuar)
e a questão identitária presente em ambas as propostas.
As questões de raça, etnia e a (in)visibilidade
Para currículos que tem como objetivo promover a maior integração
social entre diversos sujeitos, uma demanda que tem de estar presente é a do
ensino das matrizes culturais africanas e indígenas, que são cruciais na
formação identitária dos indivíduos que as estudam. Estas matrizes fazem
parte de nosso cotidiano e são de suma importância quando se trata da
formação da cidadania, pois muitos de seus costumes estão presentes em
nossas vidas até os dias atuais.
Dentro da BNCC, os indígenas, em específico, são citados a partir dos
anos iniciais do ensino fundamental, com representações para celebrar o Dia
do Índio e com o objetivo de “compreender as diferenças e as raízes indígenas
presentes em nossa sociedade” (BRASIL, 2018). A partir disso, o termo
“indígena” é trabalhado apenas de uma forma a “celebrar suas contribuições
para a cultura moderna”, sem se tornar um objeto de estudo exclusivo que nos
ajude a compreender a totalidade de sua cultura e como estamos próximos a
eles ao se tratar da questão identitária. É a partir disso que os termos “negros”
e “africanos” são inseridos. Apesar da proposta buscar promover a
multiculturalidade, sujeitos como negros, africanos e indígenas são
caracterizados como subalternos, sendo, desde os anos iniciais, citados como
“Outros”. Diversas habilidades ao longo dos anos iniciais citam coisas como “o
reconhecimento do ‘eu’ e do ‘outro’”, o que demonstra a diferenciação e não a
integração entre ambos. Esta diferenciação é acentuada, como citado
anteriormente, a partir de que seu ensino (de forma bastante escassa) se inicia
a partir do momento da chegada dos europeus no continente.
Dessa forma, não diferente dos Lineamientos Curriculares, a BNCC
apresenta estes sujeitos como “outros” (negros, africanos e nativos), que só
passam a ser vistos, dentro do currículo, a partir do marco cronológico da
escravidão e da conquista do território. Isso explicita a controvérsia quanto a
apresentação feita no início do módulo de história da BNCC e no texto base da
construção da “Malla Curricular” dentro dos LCCS, pois não integra estes
sujeitos da forma a qual se pretendia, apresentando e ensinando suas culturas
de forma independente e exclusiva, sem taxa-los a partir de um marco
cronológico eurocentrista, que é sua exploração. Além de todas essas
questões, aparecem de forma sucinta ao longo dos anos acadêmicos. No
Brasil, são estudados nos 5° ano do ensino fundamental (aproximadamente 10
anos), quando adentram às questões da escravidão no território brasileiro e na
produção canavieira, no 9° ano do fundamental (aproximadamente 14 anos),
quando retomam ao estudo da colonização portuguesa, indo até os anos da
república, e são comentados temas como “movimentos sociais e a cultura afro-
brasileira como elemento de resistência e superação das discriminações”
(BRASIL, 2018), e no 2° e 3° ano do ensino médio (entre 16 e 18 anos),
quando também retomam os estudos da colonização portuguesa, avançando
até os anos atuais republicamos e quando passam a estudar a descolonização
afro-asiática1, com os processos de independências durante o século XX. Já
nos Lineamentos Curriculares, a matriz sociocultural africana aparece em
apenas duas ocasiões: durante o 4° ano dos anos iniciais (aproximadamente 9
anos) e no sétimo ano do ensino fundamental (aproximadamente 13 anos),
quando são estudadas as questões da chegada dos espanhóis ao continente
americano, da escravidão e da colonização espanhola.
Nas palavras de Ibagón (2016), “a invisibilização do negro e do africano
demonstra que a proposta curricular segue as linhas metodológicas de
perpetuação de uma narrativa quadripartite, e se contrapõem ao objetivo de
desenvolver autonomia para não apenas conhecer, mas sim compreender o
‘outro’ ao qual se busca abordar”.
As mulheres e as questões de gênero dentro das propostas curriculares
Uma outra controvérsia ao objetivo de inclusão de ambas as propostas
ocorre quando adentramos ao assunto das questões de gênero e das mulheres
dentro da historiografia. O termo “mulher”, nos Lineamientos Curriculares,
aparece 8 vezes: uma vez como “eixo curricular”, ao qual será inclinado o
1
A descolonização afro-asiática aparece apenas uma vez como uma habilidade no 3° ano do
ensino médio. (EF09HI31) Descrever e avaliar os processos de descolonização na África e na
Ásia.
pensamento desta temática, uma como “pergunta problematizadora”, que
discutirá o papel da mulher e do homem na “formação da terra”, e seis vezes
como “âmbito conceitual sugerido”, o qual serve de exemplo ao que produzir
dentro da sala de aula. Termos que se refiram a questões de gêneros e
sexualidade não aparecem nenhuma vez. Já na BNCC, o termo “mulher”
aparece apenas duas vezes, enquanto questões de gênero e sexualidade
também ficam de fora. Além disso, aparece uma vez o termo “feminino”, em
uma unidade temática do 9° ano do ensino fundamental chamado de
“Anarquismo e Protagonismo Feminino”.
Em ambas as propostas, a questão feminina aparece entrelaçada a
alguma outra questão hierárquica, como a “busca pela igualdade entre homens
e mulheres”, a exploração de “crianças, mulheres e negros no período colonial”
(COLOMBIA, 2002) e a partir de sua exploração, algo que se assemelha a
retratação dos negros dentro dos currículos aqui trabalhados. Esta comparação
entre os dois projetos curriculares de dois países distintos demonstra uma
semelhança na narrativa que se adequa à construção (ou fortalecimento) de
uma identidade e na elaboração curricular, que propõe desde seus textos-base
uma maior integração social das “camadas subalternas antes excluídas do
ensino” (COLOMBIA, 2018).
Conclusão
Como demonstrado anteriormente, há questões que vão em contramão
ao objetivo apresentado nos textos iniciais de ambas as propostas. Ao propor
promover uma interdisciplinaridade e uma multiculturalidade do ensino de
História, entende-se que haverá maior integração das demandas do presente e
de sujeitos caracterizados como “outros”. Desta forma, através de uma análise
de ambos os currículos, busquei abordar dois temas que são pautas em
debates sobre o que ser (ou não ser) ensinado dentro da sala de aula.
Além das questões disciplinares, existem as questões de tempo de aula.
A grade curricular do 9° ano da BNCC, por exemplo, apresenta uma quantidade
de temáticas e assuntos a serem abordados que não se encaixam no tempo
dado aos professores de História nas escolas, que desfrutam de duas aulas
semanais com cinquenta minutos cada uma. Nos LCCS, há uma série de
perguntas problematizadoras a serem abordadas ao longo dos anos
acadêmicos que são deixadas de lado, muito por conta do tempo em sala de
aula, que também desfrutam de apenas duas aulas semanais com uma hora
cada.
Entende-se que a História explicitada aos alunos tem um ponto de vista:
o europeu. Esse ponto de vista perpetua uma tradição curricular que insere
sujeitos como negros e mulheres e as questões de gênero de forma sucinta e
partindo de um marco cronológico o qual teve algum papel, como, por exemplo,
a escravidão. É abordada a “história do Ocidente, de grandes acontecimentos e
de grandes homens, heróis da pátria” (IBAGÓN, 2016).
Referências
COLOMBIA. Lineamientos curriculares para el área de ciencias sociales. Serie
lineamientos curriculares. Ministerio de Educación Nacional. Bogotá, 2018.
BRASIL. Ministerio da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília,
2018.

IBAGÓN, Nílson J. M. El currículo oficial y la (in) visibilización de la matriz


sociocultural africana en la enseñanza de la historia de Colombia. In:
DECONSTRUIR la alteridad desde la didátctica de las Ciencias Sociales:
Educar para una ciudadanía global. [S. l.]: Entinema, 2016.

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