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BNCC E O PASSADO PRÁTICO: TEMPORALIDADES E

PRODUÇÃO DE IDENTIDADES NO ENSINO DE HISTÓRIA

No atual panorama político-social do Brasil, a Base Nacional Comum Curricular


(BNCC), documento referencial para a elaboração dos currículos escolares, visivelmente se
mantém como um dos temas mais discutidos e segregados em debates, e certamente, divide
múltiplas opiniões entre docentes e agentes do Estado. Para discorrer sobre o ensino de
história, a formação de identidade e a importância do Estado como interventor a fim de
melhorar a educação, Nilton Pereira & Mara Rodrigues publicaram em 2018 o artigo “BNCC
e o passado prático: Temporalidades e produção de identidades no ensino de história.”

Primordialmente o artigo problematiza, através da teoria da história e do ensino de


história, o conteúdo e as narrativas presentes nas três versões da BNCC disponibilizadas pelo
Ministério da Educação. Embora, superficialmente pareça ser apenas um documento de
conteúdo escolar, a Base Nacional Comum Curricular é fundamental para a formação cidadã
dos brasileiros, desde a sua consciência individual até a coletiva. O que ocorre é que o
conteúdo abordado e a forma como é apontado, carrega enorme simbologia sócio-histórica.
Quem tem voz na narrativa? Com que frequência e sobre qual olhar a história está sendo
contada dentro das escolas? Qual o impacto causado na percepção de mundo dos estudantes
de ensino básico? Qual é a influência social e cultural que o conteúdo gerará no país a longo
prazo? São muitas perguntas que estão interligadas e são disputadas por profissionais da área.

Desta forma, Pereira & Rodrigues defendem que a Primeira versão da BNCC,
disponibilizada em 2015, traz um recorte de temporalidade diferente daquela
tradicionalmente imperialista, na qual o discurso Europeu se sobressai. De acordo com os
autores “a aprendizagem histórica pode se dar pela via do pertencimento e da identidade, (...)
o que aproximaria o estudante de sua própria história” (PEREIRA; RODRIGUES, 2018, p.
8). Contudo, é apontado que essa mesma versão não trabalha a alteridade, a diferença entre o
outro, o que é essencial para estimular a diversidade e a diminuição de preconceitos: O
passado se torna prático exatamente nesse momento em que o estranhamento é um encontro
com o outro e permite uma expansão da vida, isto é, é um encontro com o passado para
problematizar o presente e abrir o futuro em possibilidades de vida. (PEREIRA;
RODRIGUES, 2018, p. 9).

Já na segunda versão é apontado o abandono do “passado prático”. O passado prático é


a forma “que se pretende como antídoto para o presentismo, consiste em pensar o passado
como alteridade e não somente como continuidade em relação ao presente. Sendo assim, nos
alinhamos uma vez mais com White (1992) ao considerar que a forma constitui conteúdo.”
(PEREIRA; RODRIGUES, 2018, p. 6). Existe uma abordagem mais “clássica” e conteudista
no documento, com menos criticidade, “muito próxima de uma história sem corpo e sem
política, uma vez que estabelece conteúdos considerados “canônicos” e obrigatórios ao
conhecimento dos estudantes e das novas gerações” (PEREIRA; RODRIGUES, 2018, p. 9).

Posteriormente, a terceira versão da BNCC demonstra que “a aula de história não seria
um espaço de construção de relações de pertencimentos ou de lugar da alteridade, já que
desconhece o modo como historicamente as identidades se constituem e a maneira como a
memória nacional e as lutas em torno dela são construídas no Brasil” (PEREIRA;
RODRIGUES, 2018, p. 12). Embora a história indígena e africana sejam pautadas na terceira
versão do documento, ela decorre de forma fria e excessivamente metódica, novamente sem a
ênfase necessária na problematização. Além do mais, não existe a abordagem de temas como
“gênero” e “sexualidade” o que dificulta a construção da aula de história como um espaço de
pertencimento também.

Nesse ínterim, o que pode ser observado pela leitura do texto, é que as mudanças na
BNCC têm relação com o período político e as tensões vividas no país nos últimos anos.
Cada versão possui sua particularidade e evidentemente um discurso sócio-político por trás
dele, fato que nos faz refletir sobre as pessoas que estão por trás da elaboração do documento,
e, quais são as intenções e desencadeamentos futuros na construção de um senso de
pertencimentos de múltiplas identidades brasileiras.

Por fim, os autores em momento algum descartam a importância de haver uma


documentação base para o ensino em sala de aula, o que de fato, é fundamental. A grande
questão que envolve todo o debate é como a noção de passado é essencialmente um dos
pontos que mais deve ser cuidado ao ser passado para os alunos, eles irão refletir sobre o seu
espaço no mundo a partir disso. Essa identidade tem forte relação com o olhar para o outros,
partindo do princípio de que se um indivíduo se reconhece na sociedade como alguém com
voz e trajetória, e, foi ensinado sobre outras existências a partir de pontos de vistas diversos,
unindo tais elementos com o pensamento crítico, ele conviverá melhor com a diversidade
presente no mundo. A BNCC é um documento que simboliza uma grande luta dos docentes
de história, principalmente para aqueles que têm a consciência do quão relevante a noção de
temporalidade histórica é na vida em sociedade. Infelizmente o que vemos é um campo de
disputa, de múltiplas narrativas, com distintas intenções, que não levam em conta o que a
educação simboliza na vida das pessoas, principalmente dos alunos de escolas públicas e
membros de minorias sociais. Logo estes, que mais precisam ter as suas vozes ouvidas.

REFERÊNCIAS

PEREIRA, N. M., & RODRIGUES, M. C. M. (2018). BNCC e o passado prático:


Temporalidades e produção de identidades no ensino de história. Arquivos Analíticos de
Políticas Educativas, 26(107). http://dx.doi.org/10.14507/epaa.26.3494

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