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MESTRADO PROFISSIONAL EM ENSINO DE HISTÓRIA / UFRN

TEORIA DA HISTÓRIA – Prof.ª Juliana


Jefferson Heitor
Resumo – História Local (Aryana Costa)

O uso de história local para o ensino de história pode ser considerado tanto a partir do
seu próprio valor quanto um grande ponto de partida para atividades que
desenvolvem inúmeras outras competências para a construção do conhecimento
histórico.
Fazer/ensinar/estudar história local pressupõe tomá-la como objeto do conhecimento
ou como o lugar de onde partem os conhecimentos. Logo, é possível identificar a
presença da História em espaços (escalas menores ou grupos sociais) ou a partir de
sujeitos que não seria cogitada pelo senso comum.
A historiografia tradicional, por muito tempo, se baseou em um recorte ocidental,
considerando-se capaz de abranger todos os acontecimentos do que se chamou o
desenvolvimento das civilizações (europeias). O Brasil, no contexto da formação da sua
identidade nacional, buscou se inserir nesse processo civilizatório atribuindo a si como
herdeiro do desenvolvimento europeu, tomando por referência desde a Grécia clássica
ao Império Ultramarino português.
O problema desse tipo de abordagem historiográfica é que ela se pretende universal,
portanto, um parâmetro justo para análise das diferentes culturas e povos que
existiram e existem. Chama-se isso de eurocentrismo. Porém, isso também ocorre na
História Nacional ao considerar cidades históricas apenas os antigos (e atuais) centros
políticos e econômicos do nacionais e regionais, logo não conseguimos enxergar a
história ao nosso redor, consequentemente não entendemos as tensões implícitas, as
rupturas e permanências que nos rodeiam, bem como não enxergamos pessoas “como
nós” como objetos da História e muito menos como Sujeitos dessa História, fruto disso
não nos vemos como sujeitos da nossa história, hoje.
Os avanços na investigação historiográfica e as transformações socioculturais do
século XX contribuíram para a percepção que tal abordagem, política, biográfica,
masculina e elitista, não dava conta de abranger a diversidade dos problemas que a
ciência História se debruça para elucidar. Essas transformações tem dado a pessoas e
grupos sociais historicamente marginalizados a possibilidade de não apenas se
enxergar na História, mas de produzir História, sendo assim não apenas objetos, mas
sujeitos dessa História.
Como implantar essa descentralização da História na sala de aula? A História Local é
uma alternativa muito interessante, mas que traz consigo algumas reflexões
pertinentes.
Em primeiro lugar, é muito difícil que o material didático escolhido atenda às
especificidades locais, visto que esses materiais são elaborados para atender
professores de diferentes regiões do país, esses materiais costumam trazer uma
abordagem mais “universal” da História a que mais pessoas possam se relacionar e não
conseguem aprofundar de maneira equânime as necessidades locais. Isso significa que
optar por trabalhar com História Local implica que provavelmente os professores e
alunos terão que pesquisar para coleta e produção de material didático, por outro lado
essa característica oportuniza a atuação tanto de professores quanto de alunos na
produção de conhecimento histórico, atendendo às discussões acerca do
protagonismo estudantil.
A História Local não se limita apenas a História da cidade ou do estado que, por vezes,
segue os mesmos parâmetros de produção da História Nacional, biográfica, masculina,
política e elitista. Para um melhor aproveitamento da História local é importante se
apropriar de conceitos da Geografia, como paisagem, região e território, servindo para
delimitação do objeto de estudo, bem como sua inteligibilidade.
Os temas podem ser diversos, relacionados a práticas cotidianas, como a ocupação do
solo, lazer, moradia, saneamento, grupos sociais, instituições, o bairro, e não
necessariamente os limites políticos e oficiais do município, mas os temas percebidos
pelos próprios alunos à medida que elegem seus temas de investigação. O mesmo
raciocínio se aplica a periodização, visto que nem sempre os temas escolhidos
obedecem aos mesmos marcos temporais que a história universal adota, que
geralmente são políticos. Pode ser que as formas de moradia de uma determinada
localidade tenham os marcos temporais diferentes dos marcos políticos da cidade, já
que, na pesquisa, identifica-se outros promotores de mudanças que não apenas os
órgãos oficiais.
“Saber estabelecer outros marcos temporais e múltiplas causalidades para o processo
histórico ajuda os alunos a desnaturalizarem a narrativa histórica [...] Esse é mais um
passo para os alunos perceberem que a história que eles leem nos livros didáticos
também é produzida por alguém. E que aquela narrativa pode ser incrementada,
confirmada ou modificada por eles mesmos, desde que seguindo algumas regras para
sua produção”. (p. 135)
Uma dessas condições são as fontes históricas, identificá-las e analisá-las
proporcionam uma experiência de saber como o saber histórico é produzido,
mobilizando várias escalas, o pessoal, o institucional, oralidades, escritas e visuais.
Possibilita o conhecimento do local dos alunos por meio da busca pelos espaços de
memória, acervos, arquivos, monumentos, pessoas a serem entrevistadas, além de
proporcionar o trabalho coletivo, a tomada de decisão, o desenvolvimento de
habilidades de raciocínio e argumentação dos alunos.
O trabalho com história local na escola tem sido utilizado como ferramenta para
interdisciplinaridade, mas enseja alguns cuidados, assim como a História Geral, a
História Local não dá conta de tudo e pode incorrer nas mesmas problemáticas da
História Oficial. A História Local só tem seu valor plenamente explorado se as escalas
sejam trabalhadas de modo intercambiado e sobreposto, a fim de que os alunos
possam enxergar onde o local e o geral se aproximam e se distanciam.

REFLEXÕES

Uma problemática que vejo ser constantemente questionada pelos alunos em sala de aula é a
utilidade de determinados objetos de estudo da História no seu cotidiano ou sua importância
para o futuro. Numa retórica longa e contorcionista, podemos atribuir sentido aos diversos
objetos de conhecimento ligados à história europeia, mas que nos levam a concepção,
apresentada no texto, de uma ligação entre a História do Brasil à História da Civilização. Esta
História elitista, política, masculina e biográfica, cada vez mais não atende às necessidades de
orientação dos jovens, a não ser como conhecimento acessório destinado ao Exame Final.

Ao mesmo tempo que esse conhecimento não lhes parece útil, a pressão por resultados os
obriga a “aprender”, sendo a memorização a estratégia mais utilizada para isso. Como
consequência temos um conhecimento histórico obtido sem reflexão, nem criticidade, nem
aplicabilidade que, por exemplo, viabiliza a aceitação de discursos negacionistas, justamente
pela falta de consciência histórica. Para alguns jovens, esses objetos de estudo irão despertar
interesse e poderão obter seus resultados, mas para um número cada vez maior a falta de
sentido os leva ao desinteresse, somado às pressões, resultando na somativa de problemas de
ordem socioemocional e até mesmo existencial.

Conhecer a sua própria História me parece uma estratégia que pode atender às demandas de
aprendizagem que o currículo exige atribuindo sentido de orientação prática aos jovens,
trazendo-os para o centro do processo de ensino-aprendizagem, avaliando-os de forma
processual e mais humanizada.

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