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Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho

Instituto de Geociências e Ciências Exatas


Campus Rio Claro-SP
Programa de Pós-graduação em Educação Matemática

Carmen Rosane Pinto Franzon

A Característica universal de Leibniz: contextos, trajetórias e implicações.

Rio Claro/SP
2015
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho
Instituto de Geociências e Ciências Exatas
Campus Rio Claro-SP
Programa de Pós-graduação em Educação Matemática

Carmen Rosane Pinto Franzon

A Característica universal de Leibniz: contextos, trajetórias e implicações.

Texto apresentado à comissão


examinadora para obtenção do
grau de Doutor em Educação
Matemática, na Universidade
Estadual Paulista Júlio de
Mesquita Filho – Campus de
Rio Claro-SP.

Orientadora: Arlete de Jesus Brito

Rio Claro/SP
2015
Carmen Rosane Pinto Franzon

Texto apresentado à comissão


examinadora para obtenção do
grau de Doutor em Educação
Matemática, da Universidade
Estadual Paulista “Júlio de
Mesquita Filho” – Campus de
Rio Claro-SP.

Comissão Examinadora

_______________________________________________________________
Profa. Dra. Arlete de Jesus Brito – Orientadora
Departamento de Educação – UNESP/Rio Claro – SP

Prof. Dr. Iran Abreu Mendes


Departamento de Práticas Educativas e Currículo – UFRN/Natal – RN

_______________________________________________________________
Prof. Dr. Fumikazu Saito
Departamento de Matemática – PUC/São Paulo – SP

_______________________________________________________________
Prof. Dr. Marcos Vieira Teixeira
Departamento de Matemática – UNESP/Rio Claro – SP

_______________________________________________________________
Profa. Dra. Rosa Lúcia Sverzut Baroni
Departamento de Matemática – UNESP/Rio Claro – SP

Rio Claro – SP, 02 de Março de 2015.


Dedico carinhosamente este trabalho às
pessoas que fizeram parte desta caminhada.
RESUMO

Durante sua vida, Leibniz persegue o objetivo de criar uma Linguagem


universal que comunique perfeitamente o pensamento e assim permita o
conhecimento de todas as coisas. Segundo ele, a viabilidade da construção de
tal linguagem deriva da convicção de que todo o conhecimento tem por base
um número finito de conceitos básicos ou ideias simples que podem ser
identificadas e estruturadas hierarquicamente. Em sua concepção para a
elaboração de tal linguagem, é necessário: chegar às ideias simples; estipular
um sistema adequado de signos – o que ele denomina Característica universal;
e estabelecer as regras lógicas para compor ideias complexas – o que ele
denomina Gramática racional. Delineamos então como objetivo central deste
trabalho apresentar uma pesquisa sobre Linguagem universal e, em especial,
sobre a Característica universal e investigar os caminhos percorridos por
Leibniz nesta busca. Deste propósito decorrem como objetivos
complementares: verificar de que forma Leibniz desenvolve suas pesquisas na
Aritmética binária, uma materialização da Característica universal; e expor
brevemente seus estudos relativos à Gramática racional. Para dar suporte a
este estudo, trazemos ao debate algumas discussões em torno da tentativa de
criar uma Linguagem universal que ocorre ao longo do século XVII e nas
primeiras décadas do século XVIII, assim como sua importância para o
desenvolvimento das ciências. Verificamos que até o fim de sua vida, Leibniz
mantém sua proposta de inventar um simbolismo completo e definitivo, no
entanto ele reconhece a grandiosidade deste projeto e que as dificuldades
intrínsecas a ele o impedem de obter sucesso em sua busca. Mesmo assim,
esse esforço contribui de forma decisiva nas ciências, especialmente em
matemática, com a criação do Cálculo Infinitesimal e o aperfeiçoamento da
Aritmética binária. Salientamos que, na construção do presente texto,
buscamos articular três esferas de análise: a historiográfica, a epistemológica e
a contextual-histórica.

Palavras chaves: História da matemática. Gramática racional. Aritmética


binária, Jungius. Linguagem universal.
ABSTRACT

During his life, Leibniz pursues the goal to create a universal language that
perfectly communicates the thought and thus allows the knowledge of all things.
According to him, the viability to the construction of a universal language
accrues from the fact that all the knowledge sustains itself on a finite number of
basic concepts or simple ideas which can be identified and hierarchically
structured. In his conceiving for the preparation of such language is necessary:
defining the simple ideas; setting a proper system of signs - what he calls
universal characteristic; and establishing the logical rules in order to compose
complex ideas – or, as he’s defined, rational grammar. We have defined the
main goal of this paper as to present a survey on a universal language, in
particular about the universal characteristic and to investigate the paths taken
by Leibniz in this pursuit. From this purpose it courses the following secondary
objectives: to verify how Leibniz develops his research in Binary Arithmetic, that
consists on materialization of the universal characteristic; and briefly to present
his rational grammar. To support our goal, we introduce some discussions on
the foundation of a universal language that took place on seventeenth century
and first decades of the eighteenth century, as well as their importance for the
development of science. We have concluded that Leibniz has kept his ideas
about creating a definitive and complete symbolism. However, he ends up
recognizing the magnitude of this project and the multiples difficulties about it.
His efforts, though, contributed for the development of science, especially on
mathematics, with the creation of the Infinitesimal Calculus and the
improvement of Binary Arithmetic. In the construction of this text, we try to
articulate three types of analysis: the historiographical, the epistemological and
the historic-contextual.

Keywords: History of mathematics. Rational Grammar. Binary Arithmetic.


Jungius. Universal Language
Abreviaturas Usadas

LC COUTURAT. L. La logique de Leibniz: d'après des documents


inédits.

OC COUTURAT. L. Opuscules et fragments inédits de Leibniz:


extraits des manuscrits de la Bibliothèque royale de Hanovre.

NE LEIBNIZ. G. W. Novos Ensaios sobre o entendimento humano.


In: Os Pensadores. Tradução de Luiz João Baraúna.

GP GERHARDT, C.I. Die Philosophischen Schriften von Gottfried


Wilhelm Leibniz (Escritos filosóficos de Gottfried Wilhelm Leibniz).
Volumes 3, 4 e 7.

GM GERHARDT, C.I. Leibnizens mathematische Schriften. (Escritos


matemáticos de Leibniz). Volumes 4, 5 e 7.
SUMÁRIO

Introdução ......................................................................................................... 6

1 Leibniz: a trajetória de um polímata. ......................................................... 30


1.1 Um pouco de sua história .................................................................... 30
1.2 Suas ideias e suas obras ..................................................................... 62

2 Característica universal: contextos e trajetórias ...................................... 73

3 Característica universal: projetos e implicações ................................... 106


3.1 Fontes leibnizianas e o primeiro ensaio da Característica Universal –
a Scriptura universalis. ............................................................................ 106
3.2 Projetos da Característica universal por Leibniz e Aritmética binária
.................................................................................................................... 132

Referências Bibliográficas .......................................................................... 174


6

Introdução

[...] se pudermos encontrar caracteres ou signos próprios para


exprimir todos os nossos pensamentos, tão nítida e exatamente
como a aritmética exprime os números, ou a análise
geométrica exprime as linhas, poderemos fazer em todas as
matérias, enquanto estão sujeitas ao raciocínio, tudo o que
pode ser alcançado em Aritmética e em Geometria. [...] Ora os
caracteres que exprimem todos os nossos pensamentos,
comporiam uma língua nova, que poderia ser escrita e
pronunciada: esta língua será muito difícil de ser criada, mas
muito fácil de aprender. Será rapidamente aceita em toda parte
em virtude da sua grande utilidade e da sua surpreendente
facilidade e servirá maravilhosamente à comunicação de
diversos povos o que contribuirá para a sua aceitação. [...]
Essa língua será o maior órgão da razão. Ouso dizer que este
é o último esforço da mente humana, e quando o projeto
estiver implementado, não restará aos homens senão serem
felizes, pois terão um instrumento que não servirá menos para
exaltar a razão, do que o Telescópio serve para aperfeiçoar a
vista.1 (LEIBNIZ, 1677)

O excerto acima foi retirado do prefácio do texto Science Générale


(Ciência Geral) escrito por Gottfried Wilhelm von Leibniz (1646-1716) em 1677.
Nele estão postos, de modo entusiástico, a viabilidade de se criar uma nova
língua e os benefícios decorrentes de sua utilização, argumentos presentes em
grande parte de suas pesquisas durante toda sua vida.
Os estudos de Leibniz acerca da criação de uma nova língua, ou uma
2
Linguagem universal desenvolvem-se sob quatro vertentes principais:

1
“[...] si l’on pouvoit trouver des caracteres ou signes propres à exprimer toutes nos pensées,
aussi nettement et exactement que l’arithmètique exprime les nombres ou que l’analyse
geométrique exprime les lignes, on pourroit faire em toutes les matières autant qu’elles sont
sujettes au raisonnement tout ce qu’on peut faire em arithmètique er Géometrie. [...] Or les
caracteres qui expriment toutes nos pensées, composeront une langue nouvelle, qui pourra
estre écrite, et prononcée: cette langue sera très difficile à faire, mais très aisée à apprendre.
Elle sera bien tost recue par tout le monde à cause de son grand usage, et de sa facilité
[merveilleuse] <surprenante> <et elle servira merveilleusement à la communication de plusieurs
peuples ce qui aidera à la faire receuvoir>.[...] [Cette langue sera le plus gran organe de la
raison.] [...] J’ose dire que cecy est dernier effort de l’esprit humain, et quand le projet sera
executé, Il ne tiendra qu’aux hommes d’estre heureux puisqu’ils auront um instrument qui ne
servira pás moins à exalter la raison, que le Telescope ne sert à perfectionner la veue.”
(LEIBNIZ in OC, p. 155 -157)
2
Para se referir à Linguagem universal, Leibniz utiliza diversos termos: alfabeto do pensamento
humano, lingua universalis, língua racional, gramática racional, gramática filosófica, lingua
philosophica, lingua rationalis, lingua generalis, lingua nova, scritptura universalis. Aos projetos
7

aperfeiçoamento da língua alemã, constituição a posteriori 3 de uma língua


universal a partir das línguas naturais (a Gramática racional) e construção a
4
priori de uma linguagem simbólica (a characteristica universalis);
paralelamente a este último programa, Leibniz desenvolve projetos de
construção de uma Enciclopédia universal, com o objetivo de encontrar as
noções mais simples do pensamento humano.
Na verdade, à medida que detalha a ideia de uma Linguagem universal,
Leibniz define os passos a serem seguidos em direção ao seu objetivo.
Compreende que para constituir o alfabeto do pensamento humano, que seria
a base do vocabulário desta língua, é necessário analisar todos os conceitos e
reduzi-los a termos primitivos. Em suas palavras,

Como eu me aplicasse a esse estudo [a língua universal] mais


energicamente, caí forçosamente nesta contemplação
admirável, que um certo Alfabeto do pensamento humano,
poderia evidentemente ser imaginado, e que da combinação
das letras desse Alfabeto e da análise das palavras, todas as
coisas poderiam ser tanto descobertas quanto julgadas. 5
(LEIBNIZ, ?)

Isto o leva a tentar desenvolver um tipo de inventário do conhecimento


humano, o que resulta na construção da Enciclopédia universal.
Uma vez que tais termos primitivos estivessem explicitados e
classificados, seria preciso criar caracteres apropriados para representá-los.
Leibniz, então, se volta para a tentativa de concretização do que ele identifica
como Característica universal. De igual forma, faz-se necessário estabelecer
critérios para exprimir as combinações e relações dos termos primitivos:

que são ligados ao uso de simbolismos adequados inspirados na Álgebra denomina por
characteristica universalis ou characteristica realis, ou ainda caractéristique réele.
3
Segundo Pombo (1997) projetos de linguagens a posteriori são “[...] aqueles que, operando
sobre materiais linguísticos já constituídos, tanto lexicais como sintáticos, os procuram
combinar, reformar e/ou aperfeiçoar [...]” (POMBO, 1997, p. 29)
4
Pombo (1997) define projetos a priori como “[...] aqueles que supõem a invenção total de um
novo léxico e o estabelecimento das suas regras funcionais (seriam predominantemente deste
tipo os projectos filosóficos) [...]” (POMBO, 1997, p. 29)
5
“Cui studio cum intentius incumberem, incidi necessario in hanc contemplationem
admirandam, quod scilicet excogitari posset quoddam Alphabetum cogitationum humanarum, et
quod literarum hujus Alphabeti combinatione et vocabulorum ex ipsis factorum analysi omnia et
inveniri et dijudicari possent.” (LEIBNIZ in GP VII, p. 185).
8

Leibniz dedica-se a criar o que denomina Gramática racional. Em outras


palavras, a verdadeira Linguagem universal pressupõe a elaboração da
Característica universal e da Enciclopédia universal, e de uma Gramática
racional.
Os projetos são desenvolvidos ora sucessiva, ora simultaneamente. Não
são pensados como alternativos um em relação a outro, mas sim como
complementares, quer seja quanto ao ponto de partida, quer quanto às suas
finalidades. Com exceção dos trabalhos relativos à constituição de uma
Gramática racional, que podem ser localizados em um tempo (de 1678 a 1685),
os demais projetos são desenvolvidos ao longo de sua vida, e por meio de
múltiplas estratégias. Além do fato de Leibniz não seguir uma investigação
ordenada e unitária, ele explora diversos caminhos e abre diversas frentes de
trabalho, mas não conclui a maior parte de seus projetos, relegando aos
demais estudiosos a tarefa de avançar metodicamente.
O tema da pesquisa que apresentamos no presente trabalho consiste
em investigar os caminhos percorridos por Gottfried Wilhelm Leibniz na
tentativa de criação de tal Linguagem universal, e em especial, do que
denomina Característica universal. Nesta perspectiva, abordamos uma de suas
decorrências diretas, a Aritmética binária e apresentamos brevemente os
projetos relativos à Gramática racional. Também examinamos alguns estudos
desenvolvidos na Europa dos séculos XVII e XVIII a respeito de tal assunto,
incluindo os que serviram de inspiração para Leibniz.
A partir da escolha do tema, definimos a pergunta que buscaríamos
responder, qual seja, quais os pressupostos de Leibniz na defesa da criação de
uma Linguagem universal, em especial, da Característica universal e de que
forma este estudo foi por ele desenvolvido e aperfeiçoado?
As formulações argumentativas conduzidas a fim de mostrar os
contextos, trajetórias e implicações da Característica universal nos fizeram
verificar a tese segundo a qual, a viabilidade da construção de uma Linguagem
universal, para Leibniz, deriva da convicção de que todo o conhecimento tem
por base um número finito de conceitos básicos ou ideias simples que podem
ser identificadas e estruturadas hierarquicamente. A Linguagem universal,
portanto, consistiria na construção de um sistema que possibilitaria traduzir de
forma adequada tal hierarquia. Em suas palavras
9

Embora esta língua dependa da verdadeira filosofia, ela não


depende da sua perfeição. Quer dizer que esta língua pode ser
construída, apesar da filosofia não ser perfeita: na medida em
que a ciência dos homens crescer, esta língua crescerá
também. Nessa perspectiva ela será de uma ajuda maravilhosa
e usar aquilo que sabemos para tomar consciência daquilo que
nos falta, e para descobrir os meios para alcançar tal objetivo,
mas sobretudo poderá servir para eliminar as controvérsias nos
assuntos que dependem do raciocínio. Porque então raciocinar
e calcular serão a mesma coisa.6 (LEIBNIZ, ?)

Delineamos então, o objetivo principal do presente trabalho, qual seja,


apresentar uma pesquisa sobre a Linguagem universal, em especial sobre a
Característica universal e investigar os caminhos percorridos por Leibniz na
tentativa de tal criação.
Do propósito principal decorrem como metas complementares: verificar e
apresentar de que forma Leibniz desenvolve suas pesquisas na Aritmética
binária, que, conforme explicitaremos, é a materialização na matemática, da
Característica universal; e expor um breve relato sobre seus estudos relativos à
Gramática racional.
O objeto de estudo ora proposto pode suscitar ao leitor questionamentos
tais como: quais as motivações que nos levaram a escolher, dentre tantos
autores, o pensador e filósofo Gottfried Wilhelm Leibniz? E ao decidir por
Leibniz, porque não optar em estudar o Cálculo Infinitesimal, seu trabalho mais
celebrado, mas sim seu projeto no tema da Linguagem universal,
particularmente no que diz respeito à characteristica universalis?
Com vistas a elucidar estas questões, é necessário retomar nosso
histórico enquanto acadêmica.
Ao cursar o Mestrado na Universidade Federal do Rio Grande do Norte,
minha orientadora, Dra. Arlete de Jesus Brito, e eu, elegemos enquanto objeto
de estudo, a Geometria Analítica segundo uma abordagem histórica.

6
“Cependant quoyque cette langue depende de la vraye philosophie, elle ne depend pas de sa
perfection. C’est à dire cette langue peut estre établie, quoyque la philosophie ne soit pas
parfaite: et à mesure que la science des hommes croistra, cette langue croistra aussi. En
attendant elle sera d’un secours merveilleux et pour se servir de ce que nous sçavons, et pour
voir ce qui nous manque, et pour inventer les moyens d’y arriver, mais sur tout pour exterminer
les controverses dans les matieres qui dependent du raisonnement. Car alors raisonner et
calculer sera la méme chose.” (LEIBNIZ, ? in OC, p. 28)
10

Naquela ocasião, pudemos constatar que René Descartes pode ser


considerado o criador da Geometria Analítica, ainda que Fermat tenha
desenvolvido concomitantemente estudos que o levaram a alcançar princípios
semelhantes. A constatação assim colocada deve-se ao fato de que a obra de
Descartes teve maior divulgação que a de Fermat, além do que a simbologia
usada por Descartes era de mais fácil compreensão que a de Fermat.
Ao compilar parte dos escritos de Descartes, averiguamos que a
Geometria Analítica é apresentada como uma concretização matemática do
método proposto por ele no Discurso do Método. Ali, Descartes (1985, p. 23)
afirma que “[...] o método é necessário para a procura da verdade.” Ele acredita
que é preciso encontrar um novo caminho para a Filosofia e dar-lhe uma
estrutura de absoluta segurança, o que seria obtido encontrando um método
eficiente. Foi a primeira vez que nos deparamos com a questão da busca de
um método que permitisse encontrar a verdade nas ciências. Nas leituras
realizadas verificamos que Leibniz, depois de Descartes, segue nesta procura.
Na investigação atual, pudemos constatar que a busca por este método
se traduz em Leibniz como a criação de uma Linguagem universal, e que este
estudioso desempenha papel preponderante nas discussões da época. Assim,
no intuito de retomar este indicativo ao qual chegamos durante o Mestrado,
decidimos por investigar os estudos leibnizianos acerca deste tema.
É importante lembrar que nosso trabalho adquire relevância e potencial
contribuinte para a produção científica nacional uma vez que pode provocar
discussões na academia sobre assunto que foi predominante nas pesquisas
entre os eruditos por mais de um século, a Linguagem universal. E, não
obstante a produção intelectual acerca do assunto tenha se mostrado vasta
naquele período, pouco tem sido pesquisado e quase nada tem sido produzido
acerca do tema no meio acadêmico brasileiro, especialmente na área de
Educação Matemática.
Segundo Struik (1989, p. 181), “[...] a procura de um método universal
através do qual pudesse obter conhecimentos, fazer invenções e compreender
a unidade essencial do universo [que em Leibniz toma a forma de uma nova
linguagem] foi o principal objetivo de sua vida”. Assim, supomos relevante
trazer ao debate os estudos desenvolvidos neste tema por Leibniz, uma vez
que existem poucas referências e um número reduzido de teses, dissertações
11

e artigos a este respeito, apesar do assunto ter permeado grande parte dos
estudos que Leibniz realizou durante sua vida e deles terem resultado seus
principais trabalhos em matemática.
Feitas estas considerações e para situar o leitor, faremos a seguir uma
exposição sucinta sobre as motivações que levam Leibniz à tentativa de criar
uma Linguagem universal e, consequentemente, em relação à Característica
universal.
Na concepção de Leibniz, por serem vagas, as palavras da língua
corrente frequentemente conduzem ao erro. Ele observa as notae7 utilizadas
pelos aritméticos e algebristas e deduz que elas são o que de melhor existe
para as pesquisas. Inspirado nesta simbologia, Leibniz imagina que é possível
criar uma linguagem de tal forma que por meio dela se torne viável verificar a
validade de ideias conhecidas e descobrir novas verdades. Em um manuscrito
datado de 1679 que, escreve ele

[...] como eu tenho a sorte de melhorar consideravelmente a


arte de inventar ou analisar dos matemáticos, eu tenho
começado a ter algumas vezes novos pontos de vista, para
reduzir todo o raciocínio humano a uma espécie de cálculo,
que servirá para descobrir a verdade. [...] este método servirá
como em Matemática, para nos aproximar tanto quanto
pudermos ao ponto de partida para raciocinar e determinar
exatamente o que é o mais provável.8 (LEIBNIZ, 1679)

O método a que se refere Leibniz trata-se da characteristica universalis,


que vai além do ideal da criação de uma Linguagem universal facilitadora da
comunicação: ela permite uma espécie de calculus e, uma vez concluída,

7
De acordo com Bacon no De Augmentis, “As notae rerum, que significam as coisas sem a
obra e o intermédio das palavras são de dois tipos: um baseado na analogia outro na
convenção. Do primeiro tipo são os hieróglifos e os gestos, do segundo tipo os caracteres reais
de que falamos [...]. Ocorre que hieróglifos e gestos tem alguma semelhança com a coisa
significada: são uma espécie de emblema, e por essa razão os chamamos notas [...]” (BACON
apud ROSSI, 1992, p. 274). Devemos observar que a tradução de notas para o latim é notae.
Então, o termo notae significa símbolos ou emblemas.
8
“Et comme j’ay eu le bonheur de perfectionner considerablement l’art d’inventer ou analyse
des Mathematioiens, j’ay comencé à avoir certaines vues toutes nouvelles, pour reduire tous les
raisonnemens humains à une espece de calcul, qui serviroit à decouvrir la verité, [...], cette
methode serviroit comme dans les Mathematiques, á approcher autant qu’on le peut sur le
donné et à determiner exactement ce qui est le plus probable.” (LEIBNIZ in GM VII, p. 25)
12

possibilita a construção de demonstrações em toda filosofia. No manuscrito


Projet et Essais pour arriver à quelque certitude pour finir une bonne partie dês
disputes et pour avancer l’art d’inventer (Projeto e ensaio para se chegar a
alguma certeza e para dar fim à maior parte das disputas e avançar na arte de
inventar), de 1686, ele comenta que,

[...] por este método chegar-se-ia não unicamente a um


conhecimento sólido sobre várias verdades importantes, mas
que além disso atingiríamos [uma] Arte de inventar admirável e
uma análise que faria algo de semelhante noutras matérias, ao
que a Álgebra faz em relação aos Números.9 (LEIBNIZ, 1686)

De acordo com Rossi (2004), o projeto leibniziano de criar uma


Linguagem, é fundamentado em três princípios básicos:

1. As ideias podem ser analisadas e é possível descobrir


aquele alfabeto dos pensamentos que é constituído pelo
catálogo das noções simples ou primárias;
2. As ideias podem ser representadas simbolicamente;
3. É possível configuração simbólica das relações entre ideias
e, mediante regras adequadas, é possível proceder para a sua
combinação. (ROSSI, 2004, p. 332)

Em outras palavras, para edificar tal língua primeiramente seriam


elaboradas listas das noções primitivas ou essenciais do pensamento, para em
seguida atribuir símbolos ou caracteres a tais noções, de forma que estes
caracteres fossem utilizados em combinações lógicas que dariam origem à
Linguagem universal. Para Couturat (1901), é aí que se encontra a
originalidade de Leibniz, ou seja, em expressar por meio de signos
convenientes as noções simples, e por operações entre estas, noções
complexas.

9
“[...] par ce moyen on n’arriveroit pás seulement à une connoissance solide de plusieurs
importantes verities, mais encore qu’on parviendroit à [une] l’Art d’inventer admirable, et à une
analyse qui feroit quelque chose de semblable en d’autres matieres, à ce que l’Algebre fait
dans les Nombres.” (LEIBNIZ in OC, p. 175)
13

Na busca por tais caracteres, Leibniz toma por princípio que eles devem
denotar, tanto quanto possível, a natureza das coisas. Leibniz exemplifica esta
ideia, em carta destinada a Henry Oldenburg (1618-1677), considerando que
nesta língua o nome que

[...] se atribuir ao ‘ouro’ será a chave de todos os


conhecimentos que pela natureza humana se podem obter,
posto que, do exame desse nome, se revelarão quais as
experiências que com ele devem ser estabelecidas
racionalmente.10 (LEIBNIZ, ?)

Para Yates (2004), “[...] os signos e caracteres significantes da


characteristica de Leibniz eram símbolos matemáticos [...]” (YATES, 2004, p.
470).
Em fragmento de 1688, intitulado On symbols and the characteristc art
(Sobre os símbolos e a arte característica), Leibniz define símbolo, arte
característica, expressão e lei das expressões da seguinte forma:

Eu chamo símbolo um sinal visível que representa


pensamentos.
A arte característica é a técnica de formar e ordenar símbolos
de modo que eles reproduzam pensamentos, ou seja, de modo
que eles tenham a mesma relação um com outro que os
pensamentos têm.
Uma expressão é um agregado de símbolos que representa a
única coisa que é expressa.
A lei das expressões é esta: assim como a ideia de que uma
coisa para ser expressa seja composta de ideias dessas coisas,
a expressão de uma coisa é composta destes símbolos para
essas coisas.11 (LEIBNIZ, 1688)

10
“Nomen tamem quod in hac língua imponetur, clavis erit eorum omnium quae de auro
humanitus, id est ratione atque ordine sciri possunt, cum ex eo etiam illud appariturum sit,
quaenam experimenta de eo cum ratione institui debeant.” (LEIBNIZ in GP VII, p. 13)
11
“I call a symbol a visible sign representing thoughts.
The characteristic art is thus the art of forming and ordering symbols so that they reproduce
thoughts, i.e. so that they have the relation to each other that thoughts have to each other.
An expression is an aggregate of symbols representing the thing which is expressed.
The law of expressions is this: just as the idea of a thing to be expressed is composed from the
ideas of those things, an expression of a thing is composed from the symbols for those things.”
(LEIBNIZ in < http://www.leibniz-translations.com/symbol.htm>, acesso em 15.07.2013)
14

Para Leibniz, um símbolo é tão mais útil quanto mais próximo estiver da
coisa a que se refere. Ele define ‘coisa’ como ‘o que pode ser pensado’, e
considera que a linguagem para nomear as coisas deve estar tão próxima da
realidade, como havia estado àquela utilizada por Adão, cuja gênese foi
perdida.
Nesse sentido, na obra As palavras e as coisas, Foucault (2010) analisa
uma ideia muito importante para a época, que era consenso geral, de que as
palavras mais ocultam do que revelam as coisas.
Este filósofo analisa que “[...] sob sua forma primeira, quando foi dada
aos homens pelo próprio Deus, a linguagem era um signo das coisas
absolutamente certa e transparente, porque se lhes assemelhava.”
(FOUCAULT, 2010, p. 49). A ideia defendida por Foucault é que, segundo a
tradição hermética, o nome realmente representa o essencial do que a coisa é,
pois eles são depositados por Deus sobre aquilo que designam. Ocorre que
“essa transparência foi destruída em Babel para punição dos homens. “[...] As
línguas foram separadas umas das outras e se tornaram incompatíveis [...]”
(FOUCAULT, 2010, p. 49). A partir de então, com diversas línguas instituídas,
as marcas da nomeação se perdem e os nomes das coisas passam a ser mera
convenção.
Especialmente no século XVII e início do século XVIII, os estudiosos
vêem em tal questão um problema para o avanço do saber e entendem que se
faz necessário criar uma Linguagem universal que elimine a confusão das
línguas naturais e supere suas imperfeições. Dentre os diversos eruditos que
defendem essa ideia podemos citar Seth Ward (1617-1689), professor de
astronomia em Oxford. Rossi (2004) comenta que ele via

[...] na ‘escrita simbólica inventada por Viète, melhorada por


Harriot e aperfeiçoada por Oughtred e Descartes’, o melhor
remédio para a verbosidade excessiva dos matemáticos.
Aquele tipo de escrita, segundo Ward, pode ser estendido à
linguagem inteira de maneira que ‘para cada coisa e noção
possam ser encontrados símbolos’ apropriados e capazes de
eliminar qualquer confusão. (ROSSI, 2004, p. 294)
15

Robert Boyle (1627-1691), filósofo, químico e físico irlandês, igualmente


comunga com esta ideia. Em carta escrita em março de 1647, dirigida a
Samuel Hartlib (1600-1662), Boyle afirma que, assim como a matemática
obteve um caráter interlinguístico, seria possível construir uma linguagem
composta por caracteres reais. Alega que

[...] se o projeto de um Caráter Real conseguir chegar a efeito


poderá restituir ao gênero humano aquilo que veio a perder por
causa de seu orgulho na época da Torre de Babel. E na
verdade, posto que os nossos caracteres aritméticos são
compreendidos do mesmo modo por todas as nações da
Europa...não vejo a impossibilidade de fazer com as palavras
aquilo que já fizemos com os números (BOYLE apud ROSSI,
2004, p. 295)

John Wallis (1616-1703), matemático britânico, por sua vez, também não
fica alheio à discussão em torno da linguagem e da escrita. Fazendo referência
a tais questões em sua obra De álgebra (Sobre a álgebra), trata do problema
da escrita em geral e também da escrita oculta. O autor foi um dos cultores da
álgebra e considera os caracteres utilizados nessa parte da matemática um
aspecto particular do problema dos sinais, das cifras e das escritas. Na obra
Mathesis universalis (Ciência Universal), de 1657, dentre outros assuntos,
enumera as vantagens que as técnicas dedicadas ao fortalecimento da
memória oferecem para o matemático.
Devemos lembrar que, os eruditos que se dedicam a essa busca
consideram que essa nova língua será artificial, pois será construída utilizando
um artifício humano dado por Deus, a razão, entidade que possibilita ao
homem obter o conhececimento das coisas e dele se apropriar.
Para que esta linguagem cumpra seus objetivos, deve ser criada de tal
forma que reflita imediatamente as coisas e noções definidas a partir do
conhecimento que se tem da natureza, de modo que, por fim, resulte em uma
chave universal para desvendar a natureza. Nas palavras de Leibniz,
16

Todos que falarem ou escreverem sobre qualquer assunto, pela


própria habilidade da língua, concebem não somente as
palavras, mas também as ciências. O nome de cada coisa,
nesta língua, será a chave de todas as coisas que devam ser
ditas, pensadas e nomeadas com a razão sobre a questão.12
(LEIBNIZ, ?)

A propósito, a busca por tal linguagem se confunde, ao longo do tempo,


com a tentativa de encontrar um método que trouxesse a verdade à filosofia ou,
em termos atuais, às ciências. Trata-se de um assunto averiguado por vários
estudiosos, em diferentes momentos da história da humanidade.
Citaremos alguns autores que se debruçaram sobre o tema e seus
trabalhos, naturalmente nos desobrigando de abranger todos os aspectos por
estes tratados e com mais razão, nos reservando da tarefa de alcançar todos
aqueles que o fizeram.
A origem da busca pela Linguagem universal, segundo Gaukroger
(2002), remete-nos a Aristóteles (384 a.C-322 a.C.) e a Proclos (412-485). A
fonte mais provável de que se tem registro formal, no entanto, ainda segundo o
filósofo e historiador britânico, é precisamente a Ars Magna (Grande Arte), de
1305, de autoria de Ramon Lull (1232-1315). Após o falecimento de seu autor,
a Ars Magna cai no esquecimento. Somente em 1526, Cornelius Agrippa
(1486-1535) retoma o projeto na obra De incertitudine et vanitate scientiarum et
artium atque excellentia verbi Dei, declamatio invectiva (Sobre a incerteza e a
futilidade das ciências e das artes, e da excelência da palavra de Deus: uma
declamação injuriosa), editada e publicada em 1531, a qual, mais tarde, vem
a fazer parte da base literária da Irmandade Rosa-Cruz. O autor belga Adrianus
Romanus (1561-1615), na obra Apologia pro Archimede (Apologia para
Arquimedes), de 1597, desenvolve detalhadamente a ideia de uma mathesis
universalis.
No século XVII e início do século XVIII, a tentativa da criação de uma
língua artificial atrai diversos estudiosos. Dentre eles, podemos citar Francis
Bacon (1561-1628) e João Amós Comênio (1592-1670), que inspiram

12
“Quicunque de aliquo argumento loqui aut scribere volt, huic ipse linguae genius non tantum
verba, sed et res suppeditabit. Ipsi cujusque rei nomen clavis erit omnium quae de ea dici,
cogitati, fieri um ratione debeant.” (LEIBNIZ in GP VII, p. 13)
17

fortemente os demais eruditos. Também adquirem importância considerável


nesse estudo René Descartes (1596-1650) com a procura de uma mathesis
universalis, e o próprio Leibniz.
Bacon, em particular, colabora para a continuidade dos estudos nesta
área. Ele pode ser apontado como um dos eruditos que contribui para que os
estudos filosóficos naquela época tenham tomado esta direção. Apesar de não
ter desenvolvido projetos específicos, o filósofo e ensaísta inglês defende a
ideia da criação de uma língua universal acreditando que os diferentes idiomas
representam um entrave para a fiel descrição de fatos e de forças da natureza.
Ele se contrapõe ao pensamento de Galileu, para quem só seria possível
compreender o universo entendendo a língua e conhecendo os caracteres com
os quais ele está escrito.
Galileu defende a ideia de que o universo se expressa através da
linguagem matemática, cujos caracteres, segundo ele, são triângulos,
circunferências e outras figuras geométricas. Por sua vez, Bacon acredita que
a linguagem matemática não está na natureza, posto que constitui criação do
homem, e imagina que para se chegar ao conhecimento, é preciso decifrar as
marcas deixadas por Deus. Assim, Bacon e seus seguidores presumem que o
segredo não está na escrita, mas sim na imagem, motivo que leva tal
associação de estudiosos ser considerada, para não dizer mais, emblemática.
Essa sociedade defende o uso de ideogramas para comunicação e
assegura que o seu uso privilegia a memória, já que, uma vez tendo sido
apreendido seu sentido, a fonética correspondente a tal ideograma pode não
ser imediatamente recordada, mas o significado estará nele impresso e por
isso será facilmente recuperado.
Além disso, segundo o grupo baconiano, mesmo que sejam utilizados
diferentes idiomas, as pessoas poderão se comunicar. Segundo Eco (2001)
Bacon comenta que

[...] os ideogramas são sinais que se referem diretamente a


uma noção, sem passar pela mediação de uma língua verbal:
os chineses e os japoneses falam línguas diferentes e, portanto,
chamam as coisas de nomes diferentes, mas reconhecem os
mesmos ideogramas e quando se escrevem podem entender-
se mutuamente (ECO, 2001, p. 259)
18

Outro estudioso que tem papel relevante na defesa da criação de uma


língua universal artificial é João Amós Comênio, cientista, educador e escritor
da Boêmia.
Comênio desenvolve suas investigações nos Reinos Germânicos, onde
finaliza sua formação acadêmica, e na Inglaterra. Ali, retoma e aprofunda as
observações baconianas a respeito dos caracteres reais, defendendo que os
estudos se voltem para a descoberta de uma linguagem real que não seja
apenas mais uma maneira de se comunicar, mas que permita desvelar o
pensamento e as verdades próprias de cada coisa.
Neste sentido, o educador boêmio assume que, se é possível adaptar os
conceitos às formas das coisas, também é possível adaptar a linguagem a
expressões e conceitos exatos e precisos (os caracteres chineses seriam um
exemplo desta proposta pois representam as coisas diretamente). Assim como
Bacon, Comênio acredita na exequibilidade de seu intento. Segundo seu
pensamento, é urgente a criação de uma nova língua pois a multiplicidade das
línguas causa confusão e representa o maior obstáculo para a disseminação
da lux (luz) e para o alcance da pansofia13 entre os povos.
Descartes, defende suas ideias a respeito da mathesis universalis em
sua obra Discours de la methode – Pour bien conduire sa raison, e chercher la
verité dans les sciences (Discurso do Método – Para bem conduzir a razão e
encontrar a verdade nas ciências), de 1637, e apresenta a materialização
destes preceitos na matemática no apêndice intitulado La Geometrie.
O filósofo francês demonstra uma postura diversa em relação ao projeto
da criação de uma língua universal, muito embora a matemática criada por ele
tenha contribuído para o estabelecimento de uma atmosfera favorável a este
projeto.

13
Rossi (2004) comenta que Comenius se dedica à busca “[...] de um método, de uma lógica e
de uma linguagem capazes de permitir ao ser humano penetrar e dominar tudo e garantir a
posse da enciclopédia, ou seja, da sabedoria universal” (ROSSI, 2004, p. 261). Dessa forma
podemos entender ‘pansofia’ como ‘sabedoria universal’.
19

Figura 1 - Folha de Rosto da primeira edição do Discurso sobre o


método, de 1637 e seu autor.

Fonte: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Discurso_sobre_o_M%C3%A9todo> Acesso em


03.01.2014

Em carta de 1629 enviada a Marin Mersenne (1588-1648), Descartes


descreve as características e finalidades de uma língua filosófica, afirmando
que é possível estabelecer uma ordem de todos os pensamentos que podem
penetrar no espírito humano, da mesma forma que existe uma ordem
estabelecida entre os números. A dificuldade em fazê-lo reside em que, para
enumerar e ordenar todos os pensamentos da humanidade é necessário
construir a verdadeira filosofia, uma vez que elencar as ideias simples depende
de uma listagem ordenada de todos os pensamentos, tarefa, segundo ele,
impossível de ser concebida.
Leibniz se opõe a Descartes quanto à plausibilidade de se listarem todas
as noções essenciais. Leibniz acredita não somente na possibilidade de
enumerar as noções, como também em uma consequente sistematização de
todo o conhecimento humano alcançado até então, de forma a compor uma
20

Enciclopédia. Nesta obra estariam reunidas todas as artes e ciências


conhecidas. Comentando a carta que Descartes enviou a Mersenne, Leibniz
escreve que:

Embora esta língua dependa da verdadeira filosofia, ela não


depende da sua perfeição. Quer dizer que esta língua pode ser
construída, apesar da filosofia não ser perfeita: na medida em
que a ciência dos homens crescer, esta língua crescerá
também. Nessa perspectiva ela será de uma ajuda maravilhosa,
usar aquilo que sabemos para tomar consciência daquilo que
nos falta, e para descobrir os meios para alcançar tal objetivo,
mas sobretudo poderá servir para eliminar as controvérsias nos
assuntos que dependem do raciocínio. Porque então raciocinar
e calcular serão a mesma coisa.14 (LEIBNIZ, ?)

As primeiras ideias sobre Linguagem universal se encontram na primeira


obra de Leibniz, escrita em sua juventude no ano de 1666, intitulada Dissertatio
de Arte Combinatoria (Tratado sobre a arte das combinações, ou, Tratado
sobre a ciência das combinações). Leibniz se refere a este trabalho em
diversas oportunidades, asseverando que nele estão contidas as ideias
primordiais acerca da Característica universal. No Projet et Essais pour arriver
à quelque certitude pour finir une bonne partie dês disputes et pour avancer
l’art d’inventer, referindo-se ao De Arte Combinatoria, esclarece que

Foi há mais de vinte anos que eu [desenvolvi um projeto


admirável] encontrei a demonstração desta noção importante, e
que descobri um método que nos leva infalivelmente à análise
geral dos conhecimentos humanos. [fiquei surpreso que os
homens o tenham negligenciado] como pode ser verificado
através dum pequeno tratado que eu fiz imprimir àquela altura,
onde se encontram algumas coisas que denunciam o jovem
homem e o aprendiz, mas cujo fundamento é bom, e construi a

14
“Cependant quoyque cette langue depende de la vraye philosophie, elle ne depend pas de
sa perfection. C’est à dire cette langue peut estre établie, quoyque la philosophie ne soit pas
parfaite: et à mesure que la science des hommes croistra, cette langue croistra aussi. En
attendant elle sera d’un secours merveilleux et pour se servir de ce que nous sçavons, et pour
voir ce qui nous manque, et pour inventer les moyens d’y arriver, mais sur tout pour exterminer
les controverses dans les matieres qui dependent du raisonnement. Car alors raisonner et
calculer sera la méme chose.” (LEIBNIZ, ? in OC, p. 28)
21

partir disso tanto quanto outros assuntos e distrações me


permitiram.15 (LEIBNIZ, 1686)

Figura 2 - Folha de Rosto da primeira edição do Dissertatio de Arte


Combinatoria, de 1666, e seu autor.

Fonte: <http://www.rarebookroom.org/Control/leiart/index.html> e
<http://www.ime.unicamp.br/~calculo/history/leibniz/leibniz.html> Acesso em 03.01.2014.

Nos séculos posteriores, diversos estudiosos dão continuidade às


pesquisas antes empreendidas por Leibniz. Podemos citar filósofos como
Gottlob Frege (1848-1915), Giuseppe Peano (1858-1932) e Bertrand Russel
(1872-1970) que fizeram estudos sobre este assunto.
Passamos agora a explicitar nossas escolhas metodológicas justificando
alguns pontos de vista adotados, e a expor a trajetória percorrida para
elaboração do presente texto.

15
“Il y a plus de 20 ans que je [me fis un projet admirable] trouva la demonstration de cette
importante connoissance, et que je m’avisa d’une methode qui nous mene infalliblement à
l’analyse generale des connoissances humaines. [j’ay esté souvent surpris que les hommes ont
negligé] comme on peut juger par un petit traité que je fis imprimer à lors, ou il y a quelques
choses qui sentent le jeune homme et l’apprentif, mais le fonds est bom, et j’y basti depuis la
dessus autant que d’autres affaires et distractions me pouvoient permettre.” (LEIBNIZ in OC, p.
175)
22

Quanto ao método de abordar a história, nos aliamos às concepções


defendidas por Alfonso-Goldfarb (2008) no trabalho Centenário Simão Mathias:
Documentos, Métodos e Identidade da História da Ciência. Assim como a
autora, entendemos que “[...] é sempre recomendável para um bom trabalho
[...]” (ALFONSO-GOLDFARB, 2008, p. 07) em história da ciência, articular três
esferas de análise: a esfera epistemológica, a esfera historiográfica e a esfera
contextual-histórica.
Neste sentido, admitimos que,

A primeira dessas esferas se refere aos aspectos intrínsecos


das teorias e práticas científicas sob estudo, combinando a
crítica textual (assumida a partir de um modelo filológico) e a
análise teórico-contextual interna ao texto (através da análise
epistêmica de seus principais conceitos e argumentos). A
segunda, uma esfera propriamente historiográfica, concerne às
várias formas através das quais já se analisou um determinado
problema, documento. Finalmente, a terceira diz respeito ao
contexto propriamente histórico, com destaque para as
circunstâncias sob as quais foi elaborada a documentação em
análise (ALFONSO-GOLDFARB et al, 2013, p. 45)

Estas três esferas de análise nortearam a nossa pesquisa e foram


articuladas resultando na seguinte estrutura: a presente introdução; um
primeiro capítulo que trata da história pessoal de Leibniz, abrangendo a esfera
contextual histórica; um segundo capítulo que traz informações sobre a busca
de uma Linguagem universal nos séculos XVII e XVIII, compreendendo a
esfera historiográfica; e um terceiro capítulo contendo alguns projetos que
inspiram Leibniz e uma apreciação sobre seus feitos em termos de Linguagem
universal, em especial na Característica universal, comportando aspectos
intrínsecos da teoria com análise epistemológica e filológica. Em seguida
registramos as referências bibliográficas.
Com a intenção primordial de destacar o contexto histórico sob o qual
são elaborados os trabalhos de Leibniz, examinamos no primeiro capítulo a
estrutura política da região em que Leibniz nasce e que influência este
ambiente, à época palco da Guerra dos Trinta Anos, pode ter gerado sobre ele,
já que sua filosofia é permeada por um ideal de paz e união dos povos. Em
23

seguida, ainda neste primeiro capítulo, abordamos indícios da educação que


recebe e que pode tê-lo influenciado a desenvolver sua filosofia tendo por base
o pensamento aristotélico/platônico. Para tanto, em primeiro lugar averiguamos
as contribuições recebidas de seus pais e, por conseguinte, elucidamos alguns
aspectos a respeito de sua educação formal: em quais escolas e universidades
estuda, a que correntes filosóficas está sujeito e que mestres inspiram seus
questionamentos e convicções. Apresentamos a classificação do conhecimento
proposto por Bacon. Expomos ainda em linhas gerais algumas dessas ideias,
as atividades profissionais que desenvolve e relatamos brevemente alguns de
seus trabalhos filosóficos.
No segundo capítulo realizamos um levantamento historiográfico e
examinamos as possíveis causas que direcionam os estudos daquela época, e
não de outra, para a tentativa da criação de uma Linguagem universal. Para
tanto, descrevemos e analisamos brevemente as mudanças relativas à forma
de obter o conhecimento entre os séculos XVI e XVII, ocorridas na comunidade
científica europeia, fato este que propicia a busca de uma Linguagem universal.
Tomamos o cuidado de verificar a concepção de diferentes estudiosos, bem
como fatores internos e externos à ciência da época. Analisamos, então,
possíveis motivações para que este estudo tenha se desenvolvido por tantos
estudiosos e por tão longo período. Apresentamos algumas ideias de Bacon e
Comênio a respeito de tal tema e examinamos de que forma eles defenderam a
ideia da criação de uma Linguagem universal, uma vez que estes dois
personagens contribuíram de forma decisiva para que outros investigadores se
dedicassem a projetos similares.
No terceiro capítulo, investigamos mais detidamente os delineamentos
da ideação da Característica universal, uma das propostas levantadas por
Leibniz no percurso em direção à tentativa da criação de uma Linguagem
universal. Elencamos as motivações e os argumentos que utiliza em defesa de
sua tese. Expomos, em seguida, o ensaio presente em sua primeira obra
Dissertatio De Arte Combinatoria – Leibniz o denomina scriptura universalis – e
prosseguimos pondo à vista os estudos leibnizianos que se seguiram a este.
Descrevemos brevemente projetos de Linguagem universal nos quais Leibniz
se inspirou. Apresentamos um breve estudo sobre a Gramática racional, uma
vez, que para combinar os elementos da Característica universal, Leibniz se
24

deu conta da necessidade de criar um sistema de regras lógicas.


Desvendamos, então, seus pressupostos no aperfeiçoamento da Aritmética
binária, uma das mais destacadas concretizações da characteristica
universalis. Por fim, tecemos algumas considerações a respeito de nossa pes-
quisa.
A última parte do trabalho lista nossas referências bibliográficas.
Quanto ao modo de tratar a História, levamos em conta que é importante,
ao estudarmos algum assunto pertencente ao passado, tentar nos despir dos
pré-conceitos que temos, ou que pensamos ter, e tratar as ideias que pareçam
estranhas e obsoletas com igual respeito que temos pelas ideias que hoje
fazem parte de nossa cultura. Nas palavras de Rossi

Jamais se deve, como se fazia segundo os cânones da


historiografia positivista, conceber o crescimento do
pensamento científico como constituído por uma multidão de
semianalfabetos da qual emergem milagrosamente defensores
das verdades hoje codificadas. (ROSSI, 1992, p. 339).

Saliente-se desde já que, muito embora as crenças nas quais se


baseiam as comunidades científicas de outrora pareçam guardar certa
incompatibilidade com o que se admite atualmente, as teorias delas
decorrentes não deixam de ser científicas. De igual forma, deve-se ter em vista
que as teorias tidas como corretas atualmente, provavelmente não o serão em
16
uma época futura. Thomas Kuhn (1992) leva em consideração esta
concepção de transcendência dos tempos em obra publicada há mais de
quarenta anos, A estrutura das revoluções científicas. Ao se referir aos
historiadores da ciência, Kuhn afirma que

[...] em vez de procurar as contribuições permanentes de uma


ciência mais antiga para nossa perspectiva privilegiada, eles
procuram apresentar a integridade histórica daquela ciência a
partir de sua própria época (KUHN, 1992, p.22).

16
Frisamos que neste trabalho não nos alinharemos com a concepção de paradigma científico,
que conforme o autor significa um conjunto de crenças, técnicas e valores compartilhados por
uma comunidade que serve de modelo para a abordagem e soluções de problemas.
25

O autor sustenta este ponto de vista afirmando que, de acordo com ela,
as ideias de Galileu não devem ser estudadas em comparação com as
concepções adotadas pela ciência moderna, mas sim em relação às
partilhadas por seu grupo, seus contemporâneos e sucessores imediatos.
Para evitar anacronismos tentamos articular o aspecto epistemológico
com o contexto histórico, como recomenda Alfonso-Goldfarb (2008), pois para
ela os anacronismos cometidos ao se fazer história da ciência decorrem em
grande parte da falta de articulação entre estes aspectos.
Ainda, em relação à completa fidelidade dos acontecimentos históricos,
consideramos assim como Lima (2006), que por sermos “[...] criaturas
históricas, não podemos deixar de ser parciais. Por mais arraigada que a
quimera positivista se mantenha, ela empobrece a escrita da história. A
exatidão é, muitas vezes, sinônimo de superficialidade.” (LIMA, 2006, p. 95). É
preciso entender que uma exposição totalmente transparente e imparcial dos
fatos históricos torna-se inatingível, uma vez que a verdade historiográfica é
condicionada à ação de um agente, que interpreta os fatos e estabelece
critérios para a consumação do trabalho.
Por sua vez, Dias (2012), baseado em (1990), Ginzzburg (1989),
Ferreira (1998) e Portelli (1996), comenta que a partir da década de 1970, a
ampliação do conceito de fonte histórica adquire relevância, deixando de ser
vista “[...] ancorada na analogia da água que brota da pedra ou da terra,
inodora, insípida, incolor, transparente, cristalina, límpida para saciar a sede de
informações históricas do historiador.” (DIAS, 2012, p. 303). Assim, o poder de
prova atribuído a documentos diminui, importando mais ter em conta que
perguntas foram feitas em função dos problemas enfrentados pelo historiador e
em que se apoia para interpretar seus achados, além das respostas a que
chega.
Também consideramos, assim como Foucault (2002) na obra
Arqueologia do Saber, que se até então para escrever história tentava-se
reconstituir o passado por meio da crítica a documentos, interpretando-os,
verificando o que eles dizem e se dizem a verdade, se são autênticos ou não,
hoje as perspectivas mudaram. A tarefa primordial da história não é a
interpretação de documentos, determinando simplesmente se o que neles
consta é verdadeiro ou não, mas sim procurar definir, no seu interior, relações,
26

conjuntos e séries; distinguindo o que é pertinente ou não. Diferentemente do


que ocorria outrora, atualmente a história encara o documento como na
arqueologia, reconstruindo-o, acompanhando sua vibração em sua própria
época. Dessa forma o conhecimento não é retratado como algo que se
desenvolve em direção a uma perfeição constante, segundo a qual a ciência
atual se considera superior à antiga.
Feito estes esclarecimentos, entendemos ser oportuno tecer algumas
considerações no sentido de esclarecer o fato de que, em um programa de
pós-graduação em Educação Matemática, estejamos apresentando uma tese
cujo conteúdo diz respeito à História da Matemática.
Em primeiro lugar, é salutar lembrar que, atualmente, a História da
Matemática enquanto componente curricular faz parte, senão da totalidade, da
maior parte dos currículos tanto de cursos de Extensão quanto de Formação de
Professores, além de cursos de Pós-graduação em Matemática ou Educação
Matemática. Reconhecer a relevância da inserção de conteúdos da História da
Matemática em tais cursos é ter consciência da importância de que os
professores e futuros professores tenham conhecimento de como foi e como
vem sendo produzido o saber matemático.
Em contrapartida, consideramos que, além de constar como uma
disciplina da estrutura curricular, a participação orgânica da História da
Matemática nas disciplinas de conteúdo específico adquire relevância uma vez
que se levando em conta a história, resta potencializada a capacidade de
compreensão e apreensão de conteúdos da matemática e, por conseguinte,
otimizadas as ações pedagógicas futuras levadas a efeito pelo professor. É o
que Miguel e Brito (1996) comentam no artigo A história da matemática na
formação do professor de matemática. Eles afirmam que “[...] por meio dela
(história nas disciplinas) o licenciado seria beneficiado, uma vez que lhe seria
dada oportunidade de construir os seus conhecimentos de matemática dentro
de um perspectivo histórico e sócio cultural”. (MIGUEL, BRITO, 1996, p. 50).
Desta forma, entendemos ser de grande valor produzir e tornar
disponíveis fontes acessíveis para possíveis consultas por aqueles que tenham
a intenção de utilizar a História da Matemática em sua prática pedagógica,
tanto de cursos superiores, quanto de Ensino Médio. Nas palavras de Mendes
(2012)
27

A produção gerada na pesquisa [em história da matemática]


poderá se constituir em contribuições importantes para que os
professores de Matemática possam contar com mais uma
possibilidade didática no processo de construção significativa
do conhecimento matemático por meio de situações didáticas e
atividades para o ensino de Matemática apoiado no uso dos
materiais produzidos nas pesquisas em história da Matemática
no Brasil [...] (MENDES, 2012, p. 89)

No que diz respeito ao assunto tratado no presente trabalho, por se


tratar de um tema pouco discutido atualmente, o material se encontra em obras
complexas e muito volumosas, em outros idiomas – muitas vezes em latim,
dificultando a pesquisa para preparações de atividades pedagógicas.
Recorrentemente tais obras abordam o tema de forma fragmentada, nem
sempre com explicações suficientes ou diretas para uma rápida compreensão.
Então levando em consideração estas questões, entendemos ser
pertinente trazer um trabalho que inclua História da Matemática dentro de um
programa de pós-graduação em Educação Matemática.
Decidido o tema, os objetivos, as escolhas metodológicas e a forma que
daríamos ao texto, partimos então em busca do material bibliográfico que daria
suporte a nossa pesquisa: fragmentos de textos, cartas, livros, teses,
dissertações, periódicos, artigos de revistas científicas além de conteúdo
disponível na rede mundial de computadores. Utilizamos como arquivos em
nossas pesquisas sítios eletrônicos de universidades, de bibliotecas,
acadêmicos e especializados nos estudos leibnizianos, nacionais e de outros
países. Empregamos para nossa pesquisa tanto fontes primárias quanto fontes
secundárias.
Classificamos como fonte primária os escritos de Leibniz que estão
contidos em livros elaborados por pesquisadores especializados em sua obra.
Tais fontes assim consideradas guardam o caráter da primariedade, pois são
apresentados ora como transcrições, ora enquanto reprodução exata, que
preservam a forma e o conteúdo original, sem tradução, interpretação ou
avaliação feita por outros escritores. Também entendemos que os textos
traduzidos literalmente e obras escritas contendo a simples tradução dos textos
originais constituem fontes primárias. Efetuamos as traduções das fontes
primárias que se encontram em latim e em francês, idiomas utilizados por
28

Leibniz, bem como os textos que encontramos escritos em inglês.


Dois editores em particular tornaram-se basilares para a construção da
presente pesquisa. São eles Carl Immanuel Gerhardt (1816-1899) e Louis
Couturat (1868-1914). Ambos publicaram obras que reúnem cartas, fragmentos
de textos e textos completos de Leibniz, transcritos literalmente, ou seja, em
latim ou em francês, que adquirem suma importância para quem se dedica a
estudar a obra de Leibniz.
Filósofo, matemático e linguista francês, Couturat publicou as obras
Opuscules et fragments inédits de Leibniz: extraits des manuscrits de la
Bibliothèque royale de Hanovre (Opúsculos e fragmentos inéditos de Leibniz:
extratos dos manuscritos da Biblioteca Real de Hanôver), publicada em volume
único no ano de 1903, em Paris, que contém transcrições de manuscritos
retirados das obras de Gerhardt; e La logique de Leibniz: d'après des
documents inédits (A lógica de Leibniz: a partir de documentos inéditos), de
1901, também em volume único, que contém uma análise criteriosa da lógica
de Leibniz bem como algumas transcrições de manuscritos, alguns extraídos
dos livros de Gerhardt.
O editor alemão Gerhardt deteve-se em extensos volumes contendo as
transcrições dos escritos de Leibniz, reunidos em duas obras. São elas Die
Philosophischen Schriften von Gottfried Wilhelm Leibniz (Escritos Filosóficos de
Leibniz), publicada em sete volumes, entre 1875 e 1890, em Berlim; e a
igualmente importante Leibnizens mathematische Schriften (Escritos
Matemáticos de Leibniz), publicada em sete volumes, aos quais se somou um
último livro denominado Der Briefwechsel von Gottfried Wilhelm Leibniz mit
Mathematikern (A Correspondência entre Gottfried Wilhelm Leibniz e
Matemáticos), todos publicados em Berlim entre 1849 e 1899. Salientamos que
não é necessário conhecer a língua alemã para utilizar estes livros uma vez
que os manuscritos transcritos estão ou em latim, ou em francês.
Quando nos referimos, em citações, aos textos de Leibniz contidos nas
obras destes dois autores consideramos que são fontes primárias, uma vez
que são transcrições dos escritos de Leibniz.
Vale comentar que os manuscritos de Leibniz permaneceram durante
quase cento e cinquenta anos em poder da Königlichen Bibliothek zu Hannover
(Biblioteca Real de Hanôver) sem que houvesse permissão de serem abertos.
29

Atualmente a administração dessa biblioteca está gerenciando a catalogação


sistemática e a publicação, inclusive na rede mundial de computadores, de
seus escritos tornando acessíveis a pesquisadores de todo mundo. São
disponibilizados para consulta pela Biblioteca de Gottfried Wilhelm Leibniz do
Estado da Baixa Saxônia, em espaço denominado Coleções Digitais de Leibniz,
no sítio eletrônico http://www.leibnizcentral.de/. A biblioteca, dedicada às obras
de seu patrono que lhes nomina, foi fundada oficialmente em 1943, e conta
com aproximadamente 1,6 milhões de volumes e 8.000 periódicos. Em honrosa
tarefa, a biblioteca mantém muitos arquivos digitalizados com os manuscritos
originais de Leibniz, obras de fundamental importância para a história da
ciência e para todos aqueles que buscam fontes seguras e legítimas.
Enquanto fonte secundária, em relação ao trabalho de Leibniz,
consideramos os textos de historiadores e comentadores de seus estudos,
tendo o cuidado de conferir as informações constantes em diferentes fontes de
uma mesma época, procurando minimizar a influência das concepções
ideológicas de seus autores. Também são fontes secundárias as informações
que obtivemos por meio de livros e textos sobre o panorama da época e sobre
a história pessoal de Leibniz.
Em relação à construção do texto, de posse do material que iria
instrumentar nossa análise, fizemos uma leitura superficial com vistas a
categorizar tal material. Estabelecemos as seguintes categorias: material
referente aos dados pessoais de Leibniz; à época em questão, ou seja, século
XVII e XVIII; às questões pertinentes à Linguagem universal, englobando a
Característica universal, e às questões dos projetos e defesas de Leibniz em
relação a este tema. Definidos os grupamentos de conteúdo, passamos a fazer
uma leitura criteriosa de todo o material. Os textos que continham informações
sobre a Gramática racional foram coletados posteriormente. A última fase da
tarefa, decerto não a definitiva, consistiu precisamente na produção escrita e
sistematizada dos aspectos levantados e das inferências e considerações
deles decorrentes, de forma a alcançarmos o resultado direto imediato da
pesquisa: o trabalho ora apresentado.
30

1 Leibniz: a trajetória de um polímata.

Nesta primeira parte do texto, buscamos reconstruir historicamente a


vida e a obra de Leibniz. Tivemos o cuidado de verificar as circunstâncias
segundo as quais foram elaboradas suas teorias e de observar a trajetória de
seus estudos além de averiguar possíveis motivos que o levaram a se dedicar
ao tema Linguagem universal. Trazemos também um breve relato sobre suas
atividades profissionais.

1.1 Um pouco de sua história

Gottfried Wilhelm Leibniz nasce e morre na região conhecida atualmente


como Alemanha, onde passou a maior parte de sua vida. É registrado com o
nome Gottfried Wilhelm Leibnütz,e aos vinte anos, não se sabe exatamente
por qual motivo, mais tarde passa a se identificar como Leibniz. Ross (1984),
comenta este fato afirmando que “Leibniz mudou a forma de seu nome de ‘-ütz’
para ‘-iz’: ele nunca usou a forma ‘-itz’, que se tornou a normal em sua vida e
só recentemente saiu de moda.” (ROSS, 1984, p. 11). Chega ao mundo em 1º
de julho de 1646, na cidade luterana de Leipzig, localizada na região da
Saxônia, que na época fazia parte do Sacro Império Romano-germânico e é
provável que alguns aspectos religiosos, sociais e políticos destes territórios
tenham influenciado suas ideias. Vem a falecer após setenta anos, em 14 de
novembro de 1716 na cidade de Hanôver, depois de ter passado uma semana
acamado, vítima de gota. Essa doença é conhecida como a doença dos reis ou
enfermidade dos patrícios. Manifesta-se pela formação de cálculos renais,
inflamação articular e depósitos de cristais de ácido úrico no tecido celular
subcutâneo e ataca em crises causando cólicas. Supõe-se que era causada,
na época, devido à intoxicação pelo chumbo presente nos alimentos e no vinho,
já que o excesso de chumbo influencia na excreção do ácido úrico pelos rins.
31

O Sacro Império Romano-Germânico era composto por uma infinidade


de lugarejos submetidos a diferentes formas de domínio, dentre as quais
reinados, principados, ducados, eleitorados e condados. Vigente do século XIII
ao início do século XVII englobava os países atualmente conhecidos como
Alemanha, República Tcheca, Suíça, Áustria, Liechtenstein, Bélgica,
Luxemburgo, Eslovênia, Países Baixos, parte da Polônia, França e Itália.
Com o advento da Reforma Protestante, cujo auge ocorre no início do
século XVI, os habitantes do Sacro Império Romano-germânico ficam divididos
em católicos e protestantes. Alguns soberanos passam a impor sua religião à
localidade por ele governada, reprimindo qualquer tipo de manifestação ou
crença diversa. Isto causa transtornos e obriga os habitantes de determinada
região a construir lares em outras localidades para que possam exercitar suas
crenças religiosas. Aqueles que não o fazem permanecem sujeitos às
perseguições do soberano local. A situação é de constante tensão e
instabilidade, ambiente propício para deflagração de conflitos de maiores
grandezas. Em 1618, tem início a batalha que mais tarde seria conhecida como
Guerra dos Trinta Anos. Esta guerra representa o confronto entre a hegemonia
da igreja católica e a nova igreja protestante. Aparentemente, a causa do
desencadeamento da guerra é a defesa da liberdade religiosa, mas motivos de
cunho político envolvendo disputas de poder também contribuem para o
estopim do conflito. Segundo alguns historiadores, uma motivação da Guerra
dos Trinta Anos é o fato de os nobres da Boêmia, região que hoje faz parte da
República Tcheca, elegerem para seu rei um monarca protestante em
detrimento de Ferdinando II, grão duque da Áustria. A Boêmia é
predominantemente protestante e Ferdinando II, o principal pretendente ao
trono boêmio, é católico e sabidamente pretendia limitar as liberdades
religiosas da região, sendo por este motivo rejeitado. A rejeição a Ferdinando,
somada a um ataque contra seus enviados à Boêmia, transformou-se, segundo
tais historiadores, no estopim da guerra. Certamente este é um motivo
meramente pontual pois a disputa religiosa entre a reação católica e a Reforma
Protestante já vinha se estabelecendo antes do início desta guerra. Ao longo do
tempo, contudo, os motivos da guerra vão tomando outros rumos, culminando
com a disputa do poder entre os governantes dos territórios que hoje são
ocupados pela França e Suécia, que querem expandir sua influência. A Guerra
32

dos Trinta Anos é um dos mais violentos conflitos da história da humanidade,


causando cerca de oito milhões de mortes e deixando para trás um território
arrasado, especialmente a parte que equivale à atual Alemanha. Cidades e
aldeias inteiras desaparecem e inúmeras propriedades são destruídas. Muitos
sobreviventes deixam a região no intuito de reconstruírem suas vidas em outro
lugar.
Leibniz chega ao mundo neste ambiente – ele nasce dois anos antes do
fim da Guerra dos Trinta Anos. Naquele momento, não há, portanto, o que
possa ser chamado de nação alemã, o conjunto de localidades que vem a
constituir esta nação encontra-se dividido e enfraquecido. Cabe frisar que a
unificação da Alemanha enquanto Estado Nacional consuma-se apenas no ano
de 1871 e, antes disso, apesar de haver povos compartilhando a língua e os
costumes alemães, não se pode falar em estado alemão. Devemos levar em
consideração que uma situação como esta não muda rapidamente. Disto se
infere que Leibniz vive num ambiente de conflitos no qual não pode vislumbrar
uma coexistência pacífica entre as diferentes crenças religiosas.
Provavelmente, esta situação o motiva a basear sua filosofia num ideal de
união e paz.
Atualmente Leibniz é considerado um polímata, ou, como é chamado
pelos alemães: um universalgenie (gênio universal). Conforme o pensamento
de Dilthey, Leibniz, assim como Platão e Aristóteles realiza a missão suprema
da filosofia, qual seja, a de elevar “[...] a cultura duma época à consciência de
si mesma e à clareza sistemática, aumentando o poder desta cultura [...]”.
(DILTHEY, 1947, p. 35).
Considerá-lo um polímata se justifica pelo fato de que, durante sua vida,
desenvolve teorias abrangendo diversos temas, legando importantes
contribuições ao que hoje conhecemos como matemática, filosofia, lógica,
física, direito, política, mecânica, metafísica, lingüistica, teologia e história. Tal
como é comum na literatura, utilizamos uma classificação atual para identificar
seus estudos.
No que se refere à segmentação das áreas do conhecimento, Francis
Bacon (1561-1628) na obra, The Advancement of Learning 17 (O progresso do

17
O título original completo da obra é The proficience and advancement of learning: divine e
humane (Da proficiência e do progresso do conhecimento: divino e humano). Bacon escreve
33

conhecimento), de 1605 apresenta ao longo do texto uma nova categorização,


para a época, com relação às ciências, além de defender a excelência do
conhecimento. Ele adota quatro critérios para classificar o conhecimento. O
primeiro critério leva em conta a memória, a imaginação e a razão. Afirma que
“[...] as partes do conhecimento humano fazem referência às três partes do
entendimento humano, que é a sede do saber: a História à sua Memória, a
Poesia à sua Imaginação e a Filosofia18 à sua Razão” (BACON, 2007, p. 112).
O segundo critério leva em conta a individualidade e a generalidade das
descobertas, ligados respectivamente à História e à Filosofia. Outra forma de
distinção que Bacon adota, o terceiro critério, diz respeito à divisão entre teoria
e prática, conhecimento e ação, que ele denomina especulativo e operativo.
Aplica este critério apenas à Filosofia. O quarto critério leva em conta o divino e
o não divino, o qual é subdividido de modo aparentemente indefinido entre
natural, humano e civil (ou social). Este último critério de divisão dos saberes
reflete sua maior preocupação que é separar a filosofia da teologia, a razão da
fé. Esta visão está na base de sua contribuição para a configuração da
modernidade. Para ele,

O conhecimento humano é como as águas, as quais umas


descem do alto e outras brotam de baixo; de um lado está
informado pela luz da natureza, de outro inspirado pela
revelação divina. A luz da natureza consiste nas ideias da
mente e nas notícias dos sentidos; porque o conhecimento que
o homem recebe do ensino é cumulativo e não original, como a
água, que além de sua própria fonte se nutre de outros
mananciais e correntezas. Assim, pois, em conformidade com
estas duas iluminações ou origens, o conhecimento se divide
primeiro em Teologia e Filosofia. (BACON, 2007, p. 136).

Quanto à História, Bacon a divide em História Natural, Civil, Eclesiástica


e Literária. Considera que a História da Cosmografia é uma mistura de História
Natural, Civil e Matemática. Ao longo da obra, ele estabelece diversas outras

esta obra em inglês, pois “[...] pretendia, assim, atingir um público mais amplo, objetivando
ganhar apoio para a grandiosa empresa científica que projetava; tinha consciência de que o
trabalho científico era algo muito dispendioso e não poderia ser realizado por um único
indivíduo.” (ANDRADE, 1999, p. 09).
18
Bacon se refere indistintamente à Filosofia e à Ciência. Na obra O progresso do
conhecimento utiliza tanto o termo Filosofia Natural quanto Ciência Natural para identificar a
mesma área de conhecimento.
34

subdivisões de cada uma dessas partes da História. Para ele, História é a


história do mundo que tem por tarefa descrever e apresentar o estado geral do
saber ao longo das épocas, com o propósito de “[...] tornar sábios os doutos no
uso e administração do saber [...]” (BACON, 2007, p. 113). Afirma ainda que
deveria existir

[...] uma história correta do saber, onde se contenham as


antiguidades e origens dos conhecimentos e suas seitas; suas
invenções, suas tradições, suas diferentes administrações e
seus cultivos; seus florescimentos, suas oposições,
decadências, diminuições, esquecimentos, desaparições, com
as causas e ocasiões destes, e todos os demais eventos
relacionados com o saber, ao longo das idades do mundo [...]
(BACON, 2007, p. 113)

Em relação à Poesia, afirma que ela deve ser sumamente livre, a não
ser quanto à medida das palavras e é tomada em dois sentidos: no que diz
respeito às palavras, incluída, então, na arte da Retórica, ou no que diz
respeito ao conteúdo, sendo então parte da História Simulada. Divide a Poesia
em Poesia Narrativa, que é uma mera imitação da história; Representativa ou
Dramática, que é como uma História Visível; e Alusiva ou Parabólica, que é
utilizada quando se quer expressar algum propósito ou ideia particular.
Quanto à Filosofia, Bacon inicialmente a subdivide de acordo com o
modo de contemplação pelo homem, podendo este olhar se dirigir a Deus, à
Natureza ou ao próprio Homem estabelecendo respectivamente a Filosofia
Divina, a Filosofia Natural e a Filosofia Humana ou Humanidades. Adiante, se
refere a elas como Radius Refractus, Radius Directus e Radius Reflectus.
Porém, antes de discorrer sobre cada uma dessas filosofias, observa a
necessidade de estabelecer e constituir uma “[...] ciência universal, que, com o
nome de Philosophia Prima, filosofia primitiva ou suprema, seja como a via
principal ou comum que há antes que os caminhos se dividam e separem.”
(BACON, 2007, p. 136). Nela estão encerrados os princípios e axiomas
comuns que são gerais e indiferentes para as diversas ciências. Um dos
exemplos que utiliza para justificar essa noção é que a regra “Se a coisas
desiguais se acrescentam coisas iguais, as somas serão desiguais” (“Si
35

inaequalibus aequalia addas, omnia erunt inaequalia.”) (BACON, 2007, p.


137,138) serve tanto para a Matemática quanto para a Justiça.
No que diz respeito à Filosofia Natural, Bacon a subdivide em Física e
Metafísica. Afirma que na Física se estuda o que está inserido na matéria,
sendo, portanto, transitório, e que ela se ocupa do que só admite na natureza
uma existência e um movimento. Na Metafísica se estuda o que é abstrato e
fixo, se ocupando do que supõe na natureza uma razão, um entendimento e
um plano. Com essa classificação, Bacon distingue a Metafísica da Teologia e
também da Filosofia Suprema. Ainda nessa obra, Bacon situa a Física, que
descreve “[...] as causas fixas e constantes [...]” (BACON, 2007, p. 146), num
termo médio entre a História Natural, que descreve “[...] a variedade das coisas
[...]” (BACON, 2007, p. 146) e a Metafísica. Assim, a História Natural faz parte
também da Filosofia Natural. Ele compara os conhecimentos a pirâmides que
têm por base a história; “[...] assim da Filosofia Natural a base é a História
Natural, no andar seguinte a base é a Física, e no andar contíguo, o ápice, é a
Metafísica.” (BACON, 2007, p. 150).
A História da Natureza é dividida por Bacon em História das Criaturas,
História das Maravilhas e História das Artes ou História Mecânica, conforme se
refiram à natureza em seu curso normal, à natureza em seus erros e variações
e à natureza alterada ou trabalhada, respectivamente. Segundo ele, o uso da
História Mecânica é o mais fundamental para a filosofia natural

[...] pois, não só ministrará e sugerirá para o presente muitas


práticas engenhosas em todas as indústrias, mediante a
conexão e transferência das observações de uma arte à prática
de outra, uma vez que as experiências de diversos mistérios
sejam submetidas à consideração de uma mesma pessoa, mas
que além disso, dará uma iluminação mais verdadeira e real
sobre as causas e axiomas que até agora se alcançou.
(BACON, 2007, p. 117)

Em relação à Matemática, Bacon a coloca como um ramo da Metafísica.


Considera que o objeto de estudo da Matemática é a Quantidade Determinada
36

ou Comensurada, que é uma das Formas Essenciais das coisas19. Os estudos


relativos à Quantidade indefinida seriam algo relativo à Philosophia prima, ou,
Filosofia suprema. Ainda, classifica a Matemática em Pura ou Mista. A
Geometria e a Aritmética, ciências que lidam com a Quantidade Determinada
separadas dos axiomas da filosofia natural, pertencem à Matemática Pura,
enquanto à Matemática Mista pertencem as ciências que se ocupam de certos
axiomas ou partes da filosofia natural e da Quantidade determinada auxiliar e
incidentes a eles. Neste grupo, Bacon coloca a Perspectiva, a Música, a
Astronomia, a Cosmografia, a Arquitetura, a Engenharia e outras que
aparecerão à medida que a natureza for sendo desvelada.
Ainda, em relação às três partes da Filosofia Natural (História Natural,
Física e Metafísica, que as denomina como Partes Especulativas da natureza),
associa as Partes Operativas, que têm correspondência e analogia com as
anteriores, e são respectivamente Experimental, Filosófica e Mágica. As Partes
Operativas dizem respeito a “[...] um tipo de invenção que está ao alcance do
empírico.” (BACON, 2007, p. 156)
Quanto à Filosofia Humana ou Humanidades, divide-a em duas partes:
Simples e Particular, que diz respeito ao homem segregado, ou Conjugada e
Civil, que diz respeito ao homem na sociedade. No entanto, antes de se
dedicar a cada uma destas divisões constitui o que chama de conhecimento
em conjunto da Natureza Humana, que se refere “[...] às simpatias e
concordâncias entre espírito e corpo, que, sendo mistas, não se podem
propriamente atribuir às ciências de um ou de outro.” (BACON, 2007, p. 164).
Em seguida, subdivide a primeira destas partes em: conhecimento
concernente ao corpo humano, no qual inclui, dentre outras artes, a Medicina e
o que denomina arte da Atividade ou Atlética; e conhecimento concernente ao
Espírito, o qual é subdividido em: substância da alma ou espírito e suas
faculdades ou funções e conhecimento concernente à mente.
Ao conhecimento relativo à natureza ou substância da alma ou espírito
pertencem as considerações sobre a origem da alma, até que ponto ela escapa
das leis da matéria, sua imortalidade e, portanto, deve ser limitado pela religião.

19
Para Bacon o estudo das formas essenciais ou diferenças verdadeiras “[...] são em número
de poucas e de cujas graduações e coordenações nascem toda a variedade que vemos.”
(BACON, 2007, p. 151), e faz parte da Metafísica.
37

Divide em Adivinhação, que é o poder da mente em fazer predições, e


Fascinação, que é o poder e ação da imaginação sobre outros corpos do de
quem imagina.
Quanto ao conhecimento relativo às faculdades da mente, haveria duas
partes: Racional ou Entendimento e Razão (Artes Intelectuais); e Moral ou
Vontade, Apetite e Afeto. Bacon afirma que

[...] os Conhecimentos Racionais são a chave de todas as


demais artes; pois, como afirma Aristóteles oportuna e
elegantemente, a mão é o instrumento dos instrumentos,e a
mente é a forma das formas, assim destes se pode afirmar que
são a Arte das Artes; e que não só dirigem, como confirmam e
reforçam, assim como o costume de atirar não capacita
somente parada dar um tiro certeiro, mas também para atirar
com um arco mais forte. (BACON, 2007, p. 185)

Para ele, as Artes Intelectuais são divididas em quatro partes, de acordo


com os fins a que se referem, sendo: Arte da Inquirição ou Invenção e
Descobrimento; Arte do Exame ou Juízo; Arte da Custódia ou Memória e Arte
da Eloquência ou Tradição; servindo respectivamente para descobrir aquilo que
se busca ou propõe; julgar aquilo que se descobre; reter aquilo que se julga e
finalmente comunicar aquilo que se retém.
Bacon subdivide cada uma dessas Artes, mas nos reportaremos apenas
à subdivisão da Arte da Inquirição ou Invenção e Descobrimento, pois é aqui
que Bacon coloca a Lógica e o que hoje denominamos Gramática. Desta forma,
propõe que a Arte da Invenção pode ser: das Artes e Ciências ou do Discurso e
Argumentos. Bacon comenta que embora ele inclua a Lógica como Arte da
Invenção das Ciências, ela apenas passa por alto, uma vez que o estudo dessa
parte do conhecimento encontra-se deficiente. Quanto à Arte da Invenção dos
Argumentos, Bacon considera que os Argumentos consistem em Proposições,
e Proposições em Palavras, e Palavras não são senão os signos ou sinais das
coisas.
Por sua vez, do conhecimento Moral fazem parte o Modelo ou Imagem
do Bem, que trata da natureza do bem; e o Regimento ou Cultura do Espírito,
38

que trata das normas para submeter, aplicar e acomodar a ele a vontade do
homem.
Quanto ao Conhecimento Civil, Bacon o divide em três partes:
Conversação, Negociação e Governo, correspondentes respectivamente à
prudência de comportamento, à prudência de negócios e à prudência de
governo. Especialmente em relação ao Governo, comenta que a parte mais
pública dele são as leis, e estas são até então feitas tanto por filósofos quanto
por jurisconsultos, mas não por estadistas. Com isso finaliza a divisão da
Filosofia e passa a fazer comentários sobre a Teologia Sagrada e Inspirada,
que “[...] na nossa língua chamamos Saber Divino [...]” (BACON, 2007, p. 310).
Entende que a Fé Cristã é a que merece ser louvada, “[...] pois neste aspecto
mantém e conserva a áurea mediania entre a lei dos pagãos e a lei de Maomé,
que abraçaram os dois extremos [...]” (BACON, 2007, p. 311). Considera, então,
que a teologia tem duas partes principais: o conteúdo informado ou revelado e
sua natureza. E delas se originam seus quatro principais ramos: Fé, Moral,
Liturgia e Governo. A Fé contém a doutrina de Deus, de seus atributos e de sua
obra, na Moral está contida a lei que revela o pecado, a Liturgia consiste nos
atos recíprocos que há entre Deus e o homem, e finalmente o Governo da
Igreja diz respeito ao patrimônio, seus privilégios, seus ofícios e jurisdições e
as leis eclesiásticas.
Termina sua obra afirmando que, “[...] deste modo compus, por assim
dizer, uma pequena esfera do mundo intelectual, com tanta veracidade e
fidelidade como me é possível.” (BACON, 2007, p. 325).
A Figura 3 a seguir ilustra a classificação das ciências proposta por
Bacon, esquematizado por nós durante a pesquisa.
39

Figura 3 - Esquema da classificação do conhecimento proposta por Bacon na obra O progresso do conhecimento

Fonte: Elaborada pelo autor


40

Podemos dizer que Leibniz deu importantes contribuições às três


filosofias: Filosofia Divina (teologia), Filosofia Natural (matemática, física,
metafísica) e Filosofia Humana (direito, política, lógica, linguística); e à História
Natural (mecânica) e Civil (história).
Leibniz é reconhecido atualmente pelo legado que deixou,
especialmente na matemática, na lógica e na filosofia, sendo considerado um
dos criadores do Cálculo Infinitesimal, um dos precursores da lógica moderna e
um dos filófosos racionalistas, concepção adotada somente a partir do século
XVIII, portanto após sua morte, numa classificação criada por Immanuel Kant
(1724-1804). Na obra, intitulada Leibniz, Ross (2001), comenta que os cursos
universitários de história da filosofia moderna têm sido estruturados tendo por
base essa classificação, na qual se encontram de um lado os racionalistas:
Descartes, Spinoza e Leibniz; de outro lado, os empiristas20: Locke, Berkeley e
Hume e, em outra posição, Kant que sintetiza as duas correntes. Afirma ainda
que “[...] os historiadores da filosofia sempre tiveram particular dificuldade em
forçar Leibniz a entrar nesse molde, dado que sua abordagem é marcadamente
menos racionalista do que Descartes ou Spinoza”. (ROSS, 2001, p. 09).
Analisa também que outra distorção comum é entender Leibniz como
essencialmente filósofo, “[...] como se seu papel na vida fosse o mesmo de um
filósofo profissional do século XX” (ROSS, 2001, p. 10), e desta forma
equivocadamente desconsiderando o que significa ser filósofo no tempo em
que ele vive.
Leibniz troca inúmeras cartas com rainhas, imperadores e intelectuais. A
correspondência pessoal é o primeiro meio empregado para a difusão de
concepções e para a colaboração intelectual entre os homens sábios. As cartas
são enviadas a amigos e eruditos relatando as descobertas mais recentes,

20
No século XVII, duas correntes filosóficas são predominantes: o racionalismo, cujo precursor
é René Descartes, e o empirismo com Francis Bacon. Tanto o racionalismo quanto o empirismo
se opõem às ideias que estavam em vigor até então. Eles têm diferentes formas de explicar o
caminho para atingir o conhecimento. Nas palavras de Brito: “Segundo o empirismo, nosso
conhecimento é erigido por um grande número de experiências sensíveis e da indução. Já para
o racionalismo, o conhecimento é conseguido exclusivamente por via racional e dedutiva.”
(BRITO, 1995, p. 74). Em outras palavras, enquanto que para Descartes só é possível chegar
ao conhecimento de todas as coisas mediante o método edificado exclusivamente na razão,
para Bacon, o verdadeiro caminho para atingir o conhecimento é recolher “[...] os axiomas dos
dados dos sentidos e particulares, ascendendo contínua e gradualmente até alcançar, em
último lugar, os princípios de máxima generalidade.” (BACON, 1999, p. 36). Kant, por outro
lado, cria um novo pensamento filosófico a partir do que há de melhor tanto no empirismo
quanto no racionalismo.
41

circulando entre grupos de interessados que as examinam e as discutem


criticamente. Leibniz troca mais de quinze mil cartas com inúmeros
correspondentes.
Outro meio de comunicação entre os estudiosos naquela época são as
atas ou memórias, que consistem em relatos escritos das descobertas ou
trabalhos e são discutidos em reuniões nas sociedades eruditas. Esses escritos
são impressos e distribuídos entre os membros dessa sociedade ou amigos
que estejam explorando assuntos análogos, para que sirvam de fonte de
consulta ou referência. Estas formas de interlocução são lentas e os conteúdos
contidos nas cartas ou atas, apesar de atingirem um número razoável de
pessoas, não são acessíveis a todos que se interessam. Como uma evolução
deste modelo de difusão das ideias, surgem, no século XVII, as primeiras
revistas ou periódicos científicos. O aparecimento desta nova forma de
comunicação não significa, no entanto, que os eruditos deixem de se
comunicar por cartas. Cada meio de comunicação tem sua função peculiar: as
cartas enquanto comunicação pessoal entre os eruditos; as atas enquanto
registros dos trabalhos apresentados em reuniões; e as revistas, ou periódicos,
como uma forma de divulgação dos temas objeto da atenção dos estudiosos
naquele momento. Os artigos publicados nas revistas são mais breves e
específicos que as cartas e atas e trazem de forma resumida todo o processo
de investigação. Por este motivo, passam a desempenhar importante papel no
processo de comunicação. Leibniz, ciente deste fato, incentiva a publicação de
artigos em revistas. Ao longo de sua vida, é colaborador de revistas periódicas,
dentre elas o Journal des Sçavans (Jornal dos Sábios), fundado em 1665 e o
Philosophical Transactions (Relatos filosóficos) da Royal Society, também de
1665. Stumpt (1996) comenta que estes são dois importantes periódicos para a
pesquisa científica da época e que eles

[...] contribuíram como modelos distintos para a literatura


científica: o primeiro influenciou o desenvolvimento das revistas
dedicadas à ciência geral, sem comprometimento com uma
área específica, e o segundo se tornou modelo das publicações
das sociedades científicas, que apareceram em grande número
na Europa, durante o século XVIII. (STUMPT, 1996, p. 02)
42

Figura 4 - Periódico Journal des Sçavans, publicação de 1666.

Fonte: <http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k581215.image> Acesso em 25.9.2014.


43

Figura 5 - Periódico Philosohical Transactions , publicação de 1667.

Fonte: <http://rstl.royalsocietypublishing.org/> Acesso em 25.9.2014.

Além de colaborar com estes periódicos, Leibniz apoia fortemente a


fundação do Acta Eruditorum (Feitos em Educação, ou, Atos de Aprendizagem),
de 1682, periódico alemão e para o qual envia numerosas contribuições,
inclusive o esboço de sua obra Protogaea: sive de prima facie telluris et
antiquissimae historiae vestigiis ipsis naturae monumentis dissertatio.
(Protogaea: ou tratado sobre o aspecto primitivo da Terra e sobre os vestígios
da antiquíssima história que encerram os próprios monumentos da natureza),
publicada em 1693. Em 1684 publica também no Acta o artigo Nova Methodus
pro Maximis et Minimis itemque Tangentibus, quae nec Fractas nec Irrationales
44

Quantitates Moratur et Singulare pro Illis Calculi Genus que traz uma exposição
sistemática e organizada de ideias e resultados sobre o Cálculo Infinitesimal,
obtidos por Leibniz desde 1673. O texto é considerado atualmente como o
marco do nascimento do Cálculo Infinitesimal.

Figura 6 - Capa da obra Protogaea de Leibniz, edição de 1749.

Fonte: <http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k64708018.r=.langPT> (13.01.2014).

No ano de 1700, Leibniz inaugura sua própria revista, a Monatliche


Auszug (Resumo Mensal), que é publicada por dois anos.
Além dos periódicos e revistas científicas, surgem as academias que
45

também passam a representar instrumentos importantes para a comunicação e


divulgação do conhecimento entre os estudiosos. Ribnikov (1987) afirma que
no transcorrer do século XVI e XVII, são criadas várias associações eruditas ou
organizações científicas. A respeito de tais organizações, Brito (2011) em sua
tese intitulada A matemática e seu ensino no século XVII: dois ensaios,
comenta que:

Evans (1977) classifica essas associações em três tipos. Num


primeiro grupo estão as literárias, preocupadas com a pureza da
linguagem, como por exemplo, a Accademia della Crusca, de
Florença e a Fruchtbringende Gesellschaft fundada [...] em 1617;
um segundo tipo encontrado principalmente na Itália e na França,
é composto pelas corporações profissionais destinadas a
recrutar e treinar aprendizes para diferentes profissões. O
terceiro tipo seria composto por filósofos da natureza que
agregavam pessoas interessadas em desenvolver e divulgar
conhecimentos. Assim, por exemplo, têm-se a Accademia dei
Lincei de Roma, fundada em 1657, o círculo de Samuel Hartlib,
em Londres; o círculo do químico germânico Johann Moriaen em
Amsterdam, e a sociedade Ereunética ou Zetetika, fundada [...]
por Jungius e seu amigo Tassius em 1622. (BRITO, 2011, p.
57,58)

As academias mais conhecidas e influentes do século XVII são a Royal


Society (Sociedade Real) de Londres fundada em 1662, e a Académie des
Sciences (Academia de Ciências), também conhecida como Académie Royale
des Sciences (Academia Real de Ciências), de Paris fundada em 1666. É
curioso que inicialmente os grupos de ambas as sociedades têm intenção de
trabalhar segundo as concepções de Bacon. Os franceses têm o desejo de “[...]
trabalhar na história natural conforme o plano traçado por Bacon” (ROSSI,
2001, p. 380) enquanto os ingleses assumem uma “[...] atividade tipicamente
baconiana: a compilação de ‘histórias’; da mecânica, da astronomia, das
profissões, da agricultura, da navegação [...]” (ROSSI, 2001, p. 381). Mas o
principal dado é “[...] o caráter de renúncia ao trabalho solitário que em todo
caso caracteriza o fato de homens cultos se constituírem em grupo [...]”
(ROSSI, 2001, p. 371), pois é nas academias que se têm oportunidade de
trocar informações, discutir hipóteses, apresentar resultados de estudos e
realizar experiências em conjunto, em outras palavras, circunstâncias
46

favoráveis à produção do conhecimento em grupos.


Leibniz é um entusiasta deste tipo de confraria, dedica-se a promovê-las,
e cria uma academia em Berlim, em 1700. Couturat (1901) comenta que, desde
1697, Leibniz tentara fundar uma academia com o apoio da princesa Sophie
Charlotte, com quem mantém estreita amizade, esposa de Friedrich William I
(1688-1740) rei da Prússia. Porém, somente em 1700, Friedrich aprova o
projeto. Em 11 de julho do mesmo ano, é fundada a Societas Regia
Scientiarum (Sociedade Real das Ciências) ou Sociedade das Ciências de
Brandemburgo, sendo definitivamente reconhecida somente em 19 de janeiro
de 1711, sob a denominação de Königliche Preussische Akademie der
Wissenschaften (Academia Real Prussiana das Ciências). No dia seguinge à
fundação, Leibniz é nomeado presidente vitalício da sociedade.
Dilthey aponta que

[...] constituiu-se uma Academia que no seu universalismo iria


ultrapassar tudo quanto o mundo até então tinha conhecido em
matéria de instituições congêneres. A associação abrangeria
todo o âmbito das ciências matemáticas e físicas e das suas
aplicações, propondo-se ao mesmo tempo a cultivar as Letras,
nomeadamente a língua alemã e a história da Alemanha,
profana e religiosa [...], promover a agricultura e a indústria, as
fábricas e o comércio, as consciências política e nacional, e por
fim a moral e a religião. (DILTHEY, 1947, p. 55)

A intenção de Leibniz com tal sociedade é aprimorar a existência


humana em todas as manifestações e atividades. Por esta razão, em seu
projeto, ele “[...] aconselha acrescentar à Sociedade um observatório,
bibliotecas, museus de história natural, de artes, coleções de medalhas e
antiguidades, um jardim zoológico e botânico, enfim um verdadeiro Theatrum
Naturae e Artis (Teatro da Natureza e Arte).” 21 (LC, p. 517). Apesar disso,
durante onze anos esta sociedade subsiste precariamente. Porque não conta
com o apoio financeiro do Estado, passa a buscar alternativas de geração de
renda. Uma delas é a produção e venda de um novo calendário gregoriano.

21
“[...] conseille-t-il d’adjoindre à La Société un observatoire, dês bibliothèques, dês musées
d’histoire naturelle et d’arts et métiers, dês cabinets de médailles et d’antiquités, un jardin
zoologique et botanique, breuf, un veritable Theatrum Naturae et Artis” (LC, p. 517)
47

Dilthey (1947) afirma que, sem condições de remunerar os sócios ou convidar


eruditos estrangeiros famosos, Leibniz tem que se contentar em ter como
integrantes os professores e funcionários de uma cidade que nem sequer conta
com uma universidade. Além disso, juntamente com eruditos laboriosos, nessa
confraria ingressam pessoas superficiais e nem sempre honradas. Mesmo
assim, Leibniz cuida da academia com zelo e consegue que o primeiro volume
da revista Miscellanea Berlinensia (Mistura berlinense) seja publicado, ainda
em 1710, sendo que, dos sessenta artigos nela contidos, doze são de autoria
do próprio Leibniz.
Para o propósito do nosso trabalho, é mister abordar pontos a respeito
do tipo de educação que Leibniz recebe e das atividades e encontros que
mantém com alguns intelectuais, pois estas informações são determinantes
para entender seus referenciais e influências que recebe e que refletirão em
suas teorias e pensamentos, direcionando suas investigações na filosofia.
Leibniz é um estudante precoce. Seu pai Friedrich Leibnütz (1597-1652),
professor de filosofia na Universidade de Leipzig é quem lhe ensina a ler, antes
mesmo dele frequentar a escola. Após a morte do pai, que ocorre quando
Leibniz tem apenas seis anos, passa a receber a educação de sua mãe,
Catharina Shmuck (1621-1664), terceira esposa de Friedrich, que detém certa
erudição. Filha de um célebre jurista obtém instrução primeiramente por meio
de seu pai e, quando fica órfã, passa a receber ensinamentos de Johann
Hopner, professor de teologia, por quem é criada, e de Quirino Schacher,
professor de direito.
O pai de Leibniz havia construído uma biblioteca notável. Dela fazem
parte, dentre outros títulos, livros de filosofia e teologia com obras de grandes
filósofos da Antiguidade, tais como Platão, Aristóteles, Virgilio e Tito Lívio. É
plausível considerar que Leibniz herda esta biblioteca uma vez que sua mãe
permite que ele escolha livremente o que quer ler. Aos oito anos, Leibniz
encontra na biblioteca uma cópia ilustrada de um livro de Tito Lívio, na qual é
contada a história de Roma a partir de sua fundação, no ano de 753 a.C., até o
início do século I da era cristã. Fica interessado em fazer tal leitura, mas,
depara-se com um problema: a obra, cujo título é Ab urbe condita (Desde a
fundação da cidade), está escrita em latim. Leibniz, apesar da tenra idade, não
se deixa intimidar e por si inicia estudos nessa língua. Aos doze anos, lê e fala
48

em latim fluentemente.
A leitura das obras destes filósofos certamente formam as bases de sua
erudição nos clássicos e na filosofia escolástica. Os livros contém a mesma
tradição aristotélica da educação que ele recebe tanto na escola quanto na
universidade. É este provavelmente, um dos motivos pelo qual o jovem
precocemente se interessa por lógica.
Na opinião de Parkinson (2002), sua educação formal é bastante
tradicional. Leibniz é iniciado nesta educação aos sete anos de idade, quando
entra na Escola Nicolai (Nikolaischule), em Leipzig. A escola, fundada em 11 de
março de 1395 por católicos com permissão do papa Bonifácio IX, traz no
programa curricular literatura alemã, história, latim, grego, teologia e lógica. A
aritmética é ensinada somente no nível elementar e não há geometria no
currículo. A lógica estudada é a aristotélica. O principal livro utilizado nesta
disciplina é o Compedium Logicae Peripateticae (Compêndio de Lógica
Peripatética), além de um manual de Melanchthon.
Philipp Melanchthon (1497-1560), colaborador de Martinho Lutero –
primeiro teólogo sistemático da Reforma Protestante – auxilia na organização e
reforma das escolas da Alemanha. Chega a instalar em sua casa uma escola
experimental onde faz experiências pedagógicas por cerca de dez anos.
“Melanchton está entre os educadores do século XVI que adotavam o ‘novo
estilo’, ou seja, que omitiam a memória das partes da retórica.” (YATES, 2007,
p. 291). Os manuais acadêmicos e escolares escritos por ele são utilizados até
o século XVIII, em diversos lugares da Europa, inclusive em instituições ligadas
a Roma.
49

Figura 7 - Capa do Compedium Logicae Peripateticae.

Fonte:
<http://books.google.com.br/books?id=qu5OAAAAcAAJ&printsec=frontcover&hl=pt-
BR&source=gbs_ge_summary_r&cad=0#v=onepage&q&f=false> Acesso em 12.10.2013.

Sete anos mais tarde, Leibniz ingressa na Universidade de Leipzig, onde


seu pai lecionara filosofia moral, contando quatorze anos de idade. Ali,
completa o curso padrão de dois anos, cujo currículo inclui filosofia, retórica,
matemática, latim, grego e hebraico. Contudo, “O horizonte intelectual na
Universidade de Leipzig, onde Leibniz ingressou, em 1661, nem é tão amplo. A
ênfase é na doutrina tradicional aristotélica.” 22 (PARKINSON, 2002, p. x). Em
1663, conclui o curso e qualifica-se como conferencista em filosofia, com o
trabalho acadêmico intitulado Disputatio metaphysica de Principio Individui

22
“Nor were the intellectual horizons of the University of Leipzig, which Leibniz entered in 1661,
much wider; here again, the emphasis was on traditional Aristotelian doctrine.” (PARKINSON,
2002, p. x)
50

(Disputa metafísica sobre o principio do indivíduo). Nesta obra, Leibniz trata do


valor existencial que deve ser dado ao indivíduo como um ser total, explicitando
que este valor não pode ser explicado separadamente nem pela matéria nem
pela forma. Esta noção contém o germe da sua futura concepção de mônada.
A partir de então, Leibniz tem como alternativa seguir seus estudos em
doutoramento escolhendo uma das áreas de estudo ali ofertadas: teologia,
direito ou medicina. Ele opta pela área jurídica, mas antes de iniciar o curso,
passa as curtas férias de verão estudando matemática sob a orientação de
Erhard Weigel (1625-1699), professor da Universidade da cidade de Jena,
localizada na atual Turíngia na Alemanha, distante aproximadamente cem
quilômetros de Leipzig. É provável que o interesse em buscar instruções na
matemática tenha ocorrido pelo fato de Leibniz não estar satisfeito com os
conhecimentos adquiridos em matemática nos tempos de universidade. Weigel
é conhecido por ser mais progressista que os professores de Leipzig. Ele se
torna importante referencial para Leibniz e influencia de forma decisiva sua
linha de pensamento.
Weigel é filósofo, astrônomo, professor de matemática e estudioso da
filosofia mecânica. Vários são os seus interesses, combinando Euclides,
Aristóteles e os novos filósofos, que, de acordo com sua opinião, procuram
construir a verdadeira filosofia. Concebe a lógica de Aristóteles sob duas
formas. Na primeira forma, admite que a lógica deve ser reestruturada em uma
base euclidiana uma vez que Aristóteles reconhecia como válida apenas a
matemática axiomática. Por este pensamento, transmite a Leibniz a
importância do método da demonstração matemática em assuntos como a
filosofia. Nas palavras de Parkinson (2002) “[...] Weigel desejava que a toda
filosofia fosse conferido o rigor da disciplina matemática; e nisto ele é um
23
precursor das ideias de Leibniz sobre uma Característica Universal.”
(Parkinson, 2002, p. xi). Na segunda, Weigel critica os escolásticos afirmando
que eles se equivocam na maneira como interpretam a lógica aristotélica,
pensamento que está posto em sua obra Analysis Aristotelica ex Euclide
restituta (Análise aristotélica a partir da reconstituição de Euclides) de 1658,

23
"[…] Weigel wanted the whole of philosophy to be given the rigour of a mathematical
discipline; in this, he is a precursor of Leibniz's ideas about a Universal Characteristic."
(Parkinson, 2002, p. xi)
51

referida por Leibniz como Analysis Euclidea (Análise Euclideana). Além disso,
para Weigel, o número é o conceito fundamental na descrição do universo, e
por isso pode ser considerado um neopitagórico. Em seus ensinamentos em
matemática, destaca a importância da aritmética, tanto no plano teórico quanto
no prático. Segundo Parkinson (2002), Leibniz posiciona-se de acordo com
este pensamento no De Arte Combinatoria, em 1666. De alguma forma, todas
estas ideias o influenciam em seus trabalhos posteriores.
Juntamente com o aprendizado por meio das leituras das obras da
biblioteca de seu pai, de seus estudos na escola e na universidade e do
aprendizado com Weigel, Leibniz deve muito de sua educação também a dois
professores da Universidade de Leipzig: Johann Adam Scherzer (1628-1683) e,
com maior intensidade, Jakob Thomasius (1622-1684).
Johann Adam Scherzer, teólogo luterano, é professor de filosofia, de
hebraico e de teologia. Jakob Thomasius, é professor de retórica, dialética e
filosofia moral na Universidade de Leipzig, onde também tinha sido estudante.
Antes de sua morte em 1684, faz publicações em todas as áreas relevantes da
filosofia e orienta trabalhos acadêmicos numa série de assuntos. É considerado
um importante conciliador, filósofo reconhecido e eminente historiador de
filosofia. Em seus ensinamentos, entremea argumentos do aristotelismo com o
platonismo e com outras escolas filosóficas. Thomasius é mentor e conselheiro
de Leibniz desde a época em que este frequentava a Universidade de Leipzig.
Além de aliar-se aos estudiosos da época, Leibniz dedica-se à teologia,
ao direito, à filosofia e à matemática com o intuito de participar das disputas24
na universidade, que constituem requisito obrigatório para ascender de um
estágio a outro.
Leibniz finaliza sua formação jurídica no ano de 1666, obtendo o título de
bacharel em leis. Apresenta o trabalho De Arte Combinatoria, obtendo assim a
posição de professor de filosofia de Leipzig. Conta, então, com a idade de vinte
anos e está preparado para se candidatar à obtenção do grau de doutor em
Direito. Por outro lado, poderia ensinar filosofia, porém prefere concorrer a uma
das doze tutorias em Direito, na universidade em que se forma. As tutorias são

24
Disputas são debates abertos entre alunos previamente escolhidos e sob a supervisão de um
professor. Um dos alunos defende uma tese e o outro contrapõe-se a ela. Ao final de uma
disputa, a defesa da tese é publicada. Este tipo de exercício é difundido pelo método
escolástico de ensino.
52

concedidas aos diplomados em Direito quando há vaga e firmadas por


antiguidade em relação à data da graduação. No ano em que Leibniz conclui o
curso, há muitos candidatos à espera de tais tutorias e, por este motivo, os
recém graduados são aconselhados a aguardar. Inconformado, Leibniz vai para
a Universidade de Altdorf, cidade próxima a Nuremberg, na época importante
centro de estudos, com a intenção de conquistar o título de Doutor em Direito e
então assumir o cargo de professor. Faz seu registro em 4 de outubro de 1666,
e logo em seguida apresenta sua tese de doutoramento, intitulada De Casibus
Perplexis in jure (Sobre casos intrigantes). Recebe o título de doutor em
fevereiro de 1667. Devido à qualidade de sua tese, é imediatamente convidado
a exercer o cargo de professor, mas decide declinar do convite. A decisão não
significa o abandono da vida intelectual.
Portanto, ao findar o curso na universidade, Leibniz inicia sua vida
profissional, buscando sempre a conciliação dos estudos com o trabalho. No
tocante aos cargos que viria a ocupar, além de se destacar enquanto
conselheiro político exerce atividades diversificadas, trabalhando como
diplomata, bibliotecário, alquimista, engenheiro de minas, historiador e
advogado25.
Quando Leibniz se encontra em Altdorf, em 1666, adquire seu primeiro
emprego. É um cargo temporário, no secretariado de uma sociedade de
intelectuais de Nuremberg, que desenvolve estudos sobre alquimia – Leibniz
sempre manteve o interesse pelos estudos alquímicos. Quando deixa o
secretariado de tal sociedade, passa a ser protegido pelo barão Johann
Christian von Boineburg (1622-1672), ex-ministro do Eleitorado 26 de Mainz.
Leibniz conhece Boineburg, por acaso, em novembro de 1667. Este,
impressionado com o conhecimento alquímico do jovem intelectual, o convence
a aceitar seu patrocínio e a se hospedar em sua casa, em Frankfurt-am-Mainn,
ou simplesmente Frankfurt, próximo a Mainz.

25
Quando nos referimos às atividades profissionais, utilizamos a nomenclatura atual, visto que
as funções que Leibniz exerce em cada uma equivalem ao que se faz hoje nas mesmas
atividades.
26
Eleitorado de Mainz (ou, Mogúncia) refere-se a um arcebispado que faz parte do Sacro
Império Romano-Germânico. Os eleitores, ou príncipes eleitores, são escolhidos dentre os
mais importantes donos de terras do império. Dentro dos seus territórios eles são governadores
praticamente independentes. Cada príncipe tem um ministério especial com algumas
obrigações. O eleitor do Arcebispo de Mainz, na época, é o arquichanceler do império do Reino
Germânico e ocupa uma das sete cadeiras do Conselho dos Eleitores.
53

Utilizando-se de sua influência política, Boineburg logo providencia a


nomeação de Leibniz como assistente do conselheiro legal do eleitor de Mainz,
o bispo Philipp von Schönborn, e por volta de um ano e meio depois, Leibniz é
promovido ao cargo de assessor da Corte de Apelação. Permanece no
Eleitorado até 1672 e mesmo exercendo estes cargos, continua sendo
protegido pelo barão, dividindo seu tempo entre Frankfurt e Mainz.
Leibniz nunca foi um estudioso solitário. Depois que sai da universidade,
entra em contato com as ideias e estudos de seu tempo, basicamente de duas
maneiras: ou por meio de cartas ou em encontros com estudiosos, ocasiões
nas quais aproveita para discutir as suas ideias e entrar em contato com novos
pontos de vista.
Aproveitando-se da proximidade de Boineburg, em 1667 Leibniz começa
a se corresponder por meio de cartas com inúmeros estudiosos, hábito que
mantém durante toda a vida. Quando Leibniz aceita trabalhar para Boineburg,
este o coloca em contato com intelectuais de toda Europa, uma vez que o
próprio mantém correspondência com muitos eruditos. “Em poucos anos
Leibniz mantinha correspondência com literalmente centenas de pessoas ao
mesmo tempo e acerca de todo assunto sob o sol – ciência, matemática, direito,
política, religião, filosofia, literatura, história, linguística, numismática,
antropologia.” (ROSS, 2001, p. 17), além de lógica e metafísica. Jacob
Thomasius, seu guia intelectual e orientador, é um dos primeiros e mais
importantes correspondentes.
A permuta de cartas entre Leibniz e Thomasius inicia em setembro de
1663, enquanto Leibniz mora em Jena, e se mantém como um vínculo que
atravessa profundas mudanças na vida do jovem rapaz. A correspondência
entre aluno e professor é bastante significativa porque evidencia a influência de
Thomasius no desenvolvimento da filosofia de Leibniz bem como as
divergências de pensamento entre eles.
Especificamente, em abril de 1669, Leibniz envia uma carta endereçada
a Thomasius reivindicando a harmonização entre os aristotélicos e os filósofos
da mecânica, e uma concepção de substância que levasse a efeito esta
reconciliação. Ele publica a carta no ano seguinte sob o título de: Carta para
um homem da mais refinada sabedoria a respeito da reconciliação entre
Aristóteles e os modernos. Dentre todas as cartas trocadas entre Leibniz e seu
54

mestre, esta é uma das mais importantes, pois possibilita o entendimento do


pensamento leibniziano. Apesar da pouca idade, Leibniz apresenta nesta
missiva sua maturidade e audácia em relação ao pensamento da época, ao
propor o resgate do fundamento do pensamento aristotélico em sua essência,
afastando as crenças propostas pelos escolásticos.
Leibniz, enquanto cuidadoso discípulo, não evita aplaudir a inegável
erudição do seu mestre, atribuindo a este a missão pela busca da paz na
filosofia. Ele parece convidar seu mestre a liderá-lo na sua recém iniciada
jornada filosófica, cujo objetivo, naquele momento, seria recuperar as bases da
filosofia antiga, preservá-la e apresentá-la apropriadamente aos jovens
filósofos. O objetivo a que Leibniz se propõe na sua jornada, ele diz claramente
na carta a seu mestre: conciliar. Segundo ele, é necessário construir a paz
filosófica no que diz respeito à maneira como se interpretam os fundamentos
aristotélicos, seja pelos filósofos modernos, seja pelos escolásticos. Leibniz
assume sua posição afirmando que apesar de não ser “[...] nada além de um
Cartesiano [...]”, ele “[...] mantém a regra comum a todos estes inovadores da
filosofia, de que nada deve ser explicado a respeito de corpos que não seja por
meio da grandeza, da figura e do movimento.”27 (LEIBNIZ apud LODGE, 2004,
p. 31). Leibniz admite, portanto, ter adotado as premissas da mecânica e da
física, em detrimento da metafísica e das explicações incorpóreas, este seu
principal embate com o pensamento dos escolásticos. Para ele, o pensamento
aristotélico em termos de matéria, por exemplo, é certo e demonstrado. A
divergência situa-se precisamente na interpretação que a esta se atribui. “A
questão é se de fato as teorias abstratas aristotélicas devam ser explicadas,
entendidas através da grandeza, da figura e do movimento.” 28 (LEIBNIZ apud
LODGE, 2004, p. 32). Leibniz afirma, de pronto, que, ao contrário dos
escolásticos, os novos filósofos – chamados por Leibniz de reformadores,
(reformatores) – admitem a fundamentação aristotélica por intermédio da
grandeza, da figura e do movimento, e é esta, do seu ponto de vista, a teoria
que mais se aproxima do pensamento aristotélico. Para ele, quanto mais as

27
“Although he is ‘anything but a Cartesian,’ he does ‘maintain the rule that is common to all
these innovators of philosophy, nothing ought to be explained in bodies except through
magnitude, figure, and motion’” (LODGE, 2004, p. 31)
28
“The one question is whether Aristotle´s abstract theories of matter, form and change should
be explained by magnitude, figure and motion.” (LODGE, 2004, p. 32)
55

explicações acerca do pensamento de Aristóteles se aproximam da verdade


mais se aproximam da mecânica e não da incorporeidade metafísica defendida
pelos escolásticos.
Leibniz prossegue alegando que os escolásticos acabam por deturpar o
pensamento aristotélico também na física, além de tê-lo feito na metafísica, na
lógica e no direito – os filósofos reformadores admitem essa deturpação
apenas nas três últimas áreas citadas. Levando em consideração esta
premissa, Leibniz propõe sua própria base para a reforma filosófica. Ainda,
segundo o autor, a partir destas ideias levadas a termo na carta que enviara a
seu mestre, Leibniz identifica e afirma no pensamento aristotélico alguns dos
princípios da mecânica física.
Nesta carta, revelam-se, portanto, dois aspectos da personalidade de
Leibniz em relação ao seu professor. Por um lado, ele é conservador e
cuidadoso; segue seu mentor ao proclamar as virtudes do passado de grandes
filósofos, especialmente Aristóteles; sugere que as maiores verdades filosóficas
são encontradas nos textos dos antigos, quando aqueles são lidos
adequadamente; e insiste numa filosofia que irá reconciliar a antiga filosofia
com a nova. Por outro lado, ele é rebelde e inovador, aceita pontos de vista dos
quais Thomasius discorda, e segue seu próprio caminho filosófico.
À parte de seu profundo envolvimento com questões filosóficas, Leibniz
exerce diversas atividades profissionais. Do início de 1676 até sua morte em
1716, fica a serviço de governantes alemães, servindo sucessivamente a três
duques, todos de Hanôver: Johann Friedrich (1625-1679), Ernst August (1629-
1698), e Georg Ludwig (1660-1727). Já foi comentado, no presente texto, que
uma das maneiras de Leibniz entrar em contato com o que está sendo
estudado é por meio de encontros com eruditos. As reuniões com intelectuais
acontecem durante as muitas viagens diplomáticas que realiza. Enquanto
influente representante de governo, Leibniz tem a oportunidade de visitar
diversos lugares como Paris, Londres, Amsterdã, Áustria, Itália, Rússia e Viena.
Nos cargos que ocupa, ocasionalmente Leibniz é responsável por
questões políticas. A primeira delas o leva a Paris, no final de março de 1672,
com a finalidade de cumprir uma missão diplomática: apresentar um plano de
ataque ao Egito para o rei Luís XIV. O propósito é de contornar um possível
ataque da França à região que hoje conhecemos por Alemanha. Nestes
56

tempos, a situação política na Europa encontra-se tensa. A França tem


interesses expansionistas, enquanto a federação de estados alemães se
encontra fragilizada. Para desviar a atenção de Luiz XIV e evitar que ele utilize
sua potência contra a federação alemã, Leibniz concebe um projeto de
conquista do Egito pela França. Apresenta este plano para Boineburg, que fica
muito impressionado e o envia a Paris para apresentar a estratégia ao governo
francês.
Enquanto aguarda o momento de apresentar seu plano ao rei, dedica-se
aos círculos intelectuais, mas a espera, ao menos no que diz respeito à missão
a cumprir ali, foi inútil, pois o Rei Luis XIV não chega a recebê-lo.. Mais de um
século depois, Napoleão utiliza uma estratégia semelhante àquela proposta por
Leibniz para conquistar o Egito.
Se, por um lado, o objetivo diplomático não é cumprido, por outro, a
viagem é bastante produtiva e permite a Leibniz conhecer em Paris, e mais
tarde em Londres e nos Países Baixos, a nova ciência matemática, por meio
das relações pessoais que estabelece com os grandes nomes que a
representam. Permanece em Paris até 1676, período que se revela ser um dos
mais intensos e frutíferos de sua vida intelectual, especialmente na disciplina
de Matemática.
Logo após a chegada em Paris, entra em contrato com diversos
intelectuais, incluindo os filósofos Antoine Arnauld (1612-1694) e Nicolas
Malebranche (1638-1715), além de Christian Huygens (1629-1695),
matemático que o orienta em seus estudos e que lhe permite adquirir
maturidade nesse assunto. Leibniz até então não tinha conhecimento dos
recentes estudos desenvolvidos na matemática, mas longe de se sentir
desestimulado, dedica-se com afinco a aprendê-los.
Sempre se menciona que a instrução matemática recebida por Leibniz
até então não era adequada. O próprio Leibniz afirma que, antes de ir a Paris,
considerava-se um novato em matemática, uma vez que, em relação a esta
disciplina, o currículo da universidade que frequentara havia se revelado
precário. Além disso, embora houvesse uma cultura intelectual diversa
disponível em Leipzig, a filosofia mecânica de René Descartes, Pierre
Gassendi (1592-1655) e Thomas Hobbes (1588-1679) não havia sido
assimilada pelos professores. Vale destacar que a filosofia natural, na qual está
57

inserida tanto a física quanto a matemática, somente passa a integrar,


sistematicamente, o currículo das universidades a partir do século XVIII. É
compreensível, portanto, que os seus professores, não detivessem
conhecimentos relacionados à disciplina. Também é interessante observar que
“Se por um lado, na maior parte das universidades, a inserção da filosofia
natural é lenta (cf. BURKE, 2003), por outro, ocorria o contrário na maior parte
dos ginásios acadêmicos, ou como também são conhecidos, ginásios ilustres.”
(BRITO, 2011, p. 69). Os ginásios acadêmicos são criados com a intenção de
que ocupem um lugar intermediário entre as escolas de latim e as
universidades. “Nestas instituições, no século XVII propunha-se um currículo
que podemos considerar enciclopédico com ênfase na ciência moderna e
prioridade para o ensino de matemática.” (BRITO, 2011, p. 05)
Pelo fato das universidades não terem adotado ainda a filosofia natural,
o contato de Leibniz com a filosofia cartesiana, até então, é basicamente de
segunda mão, baseado em exposições triviais, conforme ele mesmo reconhece.
Em janeiro de 1673, deixa brevemente Paris com o intuito de realizar
uma missão política em Londres, momento em que entra em contato com
matemáticos e filósofos naturais como Robert Hooke (1635-1703) e Robert
Boyle (1627-1691). Nesta estada, Leibniz torna-se membro da Royal Society e
conhece John Collins (1625-1683), matemático que exerce a função de
bibliotecário de tal sociedade. Conhece também seu compatriota Henry
Oldenburg, secretário da mesma entidade, com quem posteriormente
corresponde-se intensamente.
Em 1675, conhece o matemático Ehrenfried Walther von Tschirnhaus
(1651-1708), mais jovem que ele, com quem mantém contato por longo período.
É Tschirnhaus que lhe apresenta alguns escritos inéditos que contém a filosofia
de Bento de Espinosa (1632-1677), filósofo reconhecido pela invenção das
técnicas de fabricação de lentes e espelhos. Mais tarde, a partir de 1682,
Tschirnhaus se torna membro da Académie des Sciences.
Em 1676, Leibniz se vê obrigado a deixar Paris devido a dificuldades
financeiras. Seus patronos haviam falecido – Boineburg em 1672, e Phillip von
Schönborn, em 1673. Recebe então uma proposta de Johann Friedrich de
Brünswick-Lüneburg, duque de Hanôver, para servi-lo nos cargos de
bibliotecário e conselheiro da corte. De acordo com os historiadores, a vontade
58

de Leibniz é permanecer em Paris. Tenta obter um emprego junto à Academia


de Paris, todavia, não se sabe ao certo se devido a sua religião ou a sua
nacionalidade ou por outro motivo qualquer, o fato é que ele não alcança
colocação, pelo que aceita a oferta de Friedrich, retornando a sua terra natal..
Sua nomeação ocorre em janeiro de 1676, mas ele chega a Hanôver somente
no mês de dezembro daquele ano.
Por ocasião do retorno à Alemanha, se detém por um tempo em
Londres, oportunidade em que se encontra novamente com Oldenburg e
Collins. Depois vai até a Holanda, onde tem encontro com outros importantes
estudiosos. Em Haia, trava discussões com Espinosa, durante quatro dias,
quando, possivelmente, teve acesso ao projeto sobre ética espinosiana.
Chega a Hanôver, lugar onde Leibniz fixa residência e reside até sua
morte. Porém, neste período, não deixa de fazer diversas viagens. Nesta
cidade, ao longo do tempo, assume as várias atribuições que mencionamos
anteriormente. Vale lembrar que, paralelamente às atividades profissionais,
continua seus estudos em lógica, metafísica, teologia e matemática.
Em Hanôver, mantém discussões sobre alquimia com o duque Johann
Friedrich e depois com seu sucessor. Nesta época, conhece, por intermédio do
duque, os alquimistas Johann Daniel Kraft (1624-1697) e Johann Joachim
Becher (1635-1682). Com Becher logo se desentende, mas continua a amizade
com Kraft por longo tempo e por meio dele, entra em contato com outro
alquimista, o alemão Henning Brand (1630-1710), descobridor do fósforo. A
alquimia é um dos interesses que acompanha Leibniz ao longo de sua vida. Ele
é considerado um profundo conhecedor teórico da arte, embora não tenha feito
experiências em laboratório. Segundo Ross (2001), "Seus motivos declarados
são científicos: se a transmutação fosse uma possibilidade prática, o processo
deveria produzir valiosas informações sobre a estrutura da matéria." (ROSS,
2001, p. 13).
Após a morte de Johann Friedrich, em dezembro de 1679, seu sucessor,
Ernst August de Brünswick-Lüneburg, contrata Leibniz. Sua primeira tarefa
consiste em escrever sobre a história recente da Casa de Welf. A denominação
Casa de Welf refere-se a uma dinastia que vem desde o século XI. Essa
dinastia se ramifica, dentre outras, na Casa de Brünswich, que por sua vez,
origina o Eleitorado de Hanôver.
59

Porém, nessa época Leibniz está dedicado a projetos para as minas das
montanhas Harz. Essas jazidas são importante fonte de renda de Hanôver e,
por terem sido exploradas durante séculos, desde o século XI, seus poços se
aprofundam cada vez, o que dificulta a drenagem da água. Friedrich consente
que Leibniz trabalhe em projetos para a melhoria e expansão dessas minas.

Figura 8 - Atividades em uma mina (segundo G. Agricola, De re Metallica).

Fonte: PAPAVERO, 1997, p. 07

É bom lembrar que naquele tempo a mineração é uma forte fonte de


renda para os governos. Os principais minérios extraídos na região do Sacro
Império Romano Germânico são carvão de pedra, ferro, cobre, prata, chumbo,
estanho, ouro, alume, além das minas marinhas de sal. Na região do Harz há
minas de ferro, chumbo, cobre, prata e ouro. Leibniz comenta na Introdução da
60

obra Protogaea que “Temos a região mais elevada da baixa Alemanha e a mais
fecunda em metais.” (LEIBNIZ in PAPAVERO et all, 1997, p. 19).
Leibniz se dispõe a tentar drenar a água das minas com bombas de
vácuo auxiliadas por cataventos. De 1680 a 1686 dispende de boa parte de seu
tempo nas montanhas. Estes empreendimentos, em sua maioria malogrados,
causam perturbações nas rotinas dos trabalhadores além de despesas extras.
No entanto, a busca por soluções para a mineração de Harz em Hanôver
permite a Leibniz visitar diversas minas em vários lugares, momentos em que
aproveita para estudar fósseis e formações geológicas. Destas expedições
resulta a obra Protogaea. Na opinião de Papavero (1997), a “[...] experiência
levou-o a formular uma nova hipótese sobre a formação da Terra e a origem
dos fósseis, sendo por isso considerado um dos fundadores da Geologia
moderna ao lado de Steno.” (PAPAVERO et all, 1997, p. 06).
No intuito de fazer com que Leibniz se afaste das minas e se dedique à
tarefa para a qual fora contratado, qual seja, a pesquisa sobre a Casa de Welf,
Ernst August lhe garante remuneração permanente. Esta oferta foi prontamente
aceita, Leibniz, contudo, deixa Harz somente em dezembro de 1686, quando,
então, passa a cumprir a sua parte do acordo.
Depois de ter esgotado o material disponível em Hanôver, obtém
permissão para fazer uma viagem pela Bavária, Áustria e Itália em busca de
mais informações sobre as dinastias. Em outubro de 1687, inicia esta viagem
cujo objetivo oficial é levantar informações sobre a Casa de Welf. Novamente,
aproveita a jornada para outros fins além do proposto. Mesmo assim ao
retornar a Hanôver, em meados de 1690, têm considerável material para
compor a história dos Welf.
Ernest August morre em 1698, sendo sucedido por Georg Ludwig (1660-
1727), seu primogênito, mais tarde rei George I da Grã-Bretanha e Irlanda.
Leibniz, como já apontado, durante muitos anos se ocupa de questões políticas,
dentre elas, a questão da sucessão inglesa. Porém não é possível determinar
até que ponto tenha exercido influência na promulgação da Lei de Sucessão de
1701, que faz de Georg Ludwig o sucessor do trono inglês. Leibniz se torna
amigo da esposa de Ernest August, a princesa eleitora de Hanôver, Sophie von
Hannover (1630-1714), uma admiradora da vida inteira. Sua filha, Sophie
Chalotte (1668-1705), eleitora de Brandenburg torna-se também amiga de
61

Leibniz. Desta dupla amizade se origina uma correspondência substancial que


revela notável interesse científico e capacidade intelectual das duas
correspondentes. Esta última se torna sua protetora e o apoia na criação da
Sociedade de Ciências de Berlim, em 1700, conforme já nos referimos.
Em 1711, viaja para a Rússia a fim de propor uma estratégia de
organização civil e moral ao czar Pedro, o Grande. “Em 1712, estava a serviço
de cinco cortes distintas: Hanôver, Brunswick-Lüneburg, Berlim, Viena e São
Petersburgo.” (ROSS, p. 32). Leibniz é alvo de reclamações de todas elas por
não produzir em troca do salário que recebe, principalmente de Hanôver, pois
Georg Ludwig acredita ter prioridade sobre os serviços de Leibniz. No outono
de 1712, vai para Viena onde permanece por dois anos, desobedecendo às
ordens para retornar a Hanôver. Regressa somente em 1714, ao saber da
morte da rainha Anne da Inglaterra e da consequente ascensão de Georg
Ludwig ao trono inglês. Ao chegar, porém, Georg havia partido para a Inglaterra
há três dias. De acordo com Russell (1969) Leibniz “[...] foi deixado para trás,
em Hanôver, quando Jorge I se tornou rei da Inglaterra, sendo que a principal
razão disso foi a sua disputa com Newton ter feito com que a Inglaterra o
olhasse com maus olhos” (RUSSELL, 1969, p. 111), apesar da princesa de
Gales ter se colocado a favor dele e contra Newton.
A disputa a que se refere Russel (1969) diz respeito à polêmica existente
na época acerca da identidade do inventor do Cálculo Infinitesimal: Leibniz é
acusado de ter plagiado as ideias newtonianas. Hoje sabemos que estas
acusações são descabidas, pois é sabido que os dois autores trabalharam de
forma independente e chegaram aos seus métodos sob dois pontos de vista
distintos. Vale salientar ainda que a notação utilizada nos dias atuais
corresponde àquela proposta por Leibniz. Acerca das diferenças de perspectiva
nas quais se apoiaram Newton e Leibniz, Chaui (1983) assevera que

Em Newton, as variações das funções são comparadas ao


movimento dos corpos, sendo, portanto, a ideia de velocidade
que fundamentava seu cálculo. Leibniz, ao contrário, parte de
uma colocação metafísica, introduzindo a noção de
quantidades infinitamente pequenas, o que o leva a empregar o
algoritmo. (CHAUÍ, 1983, p. 98)
62

Convém recordar que fato semelhante ocorre na criação da Geometria


Analítica. Os princípios da Geometria Analítica são desenvolvidos praticamente
ao mesmo tempo por dois grandes intelectuais, Descartes e Fermat, sem que
um tenha plagiado o outro. Fazendo uma analogia, é perfeitamente aceitável
que dois pensadores à altura de Newton e Leibniz tenham desenvolvido os
princípios do Cálculo, ao mesmo tempo, sem que um tenha se prevalecido
indevidamente da ideia do outro.
Com respeito à volta de Leibniz a Hanôver, estando sem a presença de
Georg Ludwig, que se encontra na Inglaterra, nem de sua protetora, a eleitora
Sophie de Hanôver, que havia falecido, Leibniz vê seu prestígio diminuído.
Passa os últimos dois anos de sua vida nesta cidade, relativamente esquecido
e isolado dos assuntos públicos, muito embora pudesse fazer outra escolha. É
convidado por Luís XIV para ir à França e talvez tivesse ido se este não tivesse
falecido logo em seguida, em 1715. Poderia morar em Viena, tendo começado
negociações para compra de propriedades na cidade. Poderia ainda ir para
Berlim, onde continuaria sendo o presidente da Academia, ou então para São
Petesburgo, onde é conselheiro. No entanto, com quase 70 anos, prefere
permanecer em Hanôver até sua morte em 1716.

1.2 Suas ideias e suas obras

Leibniz escreve muito, mas em vida tem poucas obras publicadas. Ele é
um autor extremamente produtivo e deixa uma impressionante quantidade de
escritos. A maior parte consiste em cartas, pequenos ensaios, esboços e
anotações particular. Atualmente, a maior parte de seus manuscritos está
disponível para consulta na rede mundial de computadores.
Seus três primeiros trabalhos, como já declarado anteriormente, são
destinados a finalização de cursos acadêmicos. O primeiro é Disputatio
metaphysica de Principio Individui, de 1663, quando se qualifica como
conferencista em filosofia; depois, em 1666, apresenta o trabalho intitulado
Dissertatio de Arte Combinatoria, quando obtém o título de bacharel em leis e
finalmente em 1667, o De Casibus Perplexis in Jure, para obter o título de
63

doutor em direito.
Das três obras, é possível que a de maior peso seja o De arte
combinatoria, apesar de Leibniz o considerar, sob vários aspectos, imaturo, o
trabalho de um “[...] homem jovem recém-saído da escola [...]”29 (PARKINSON,
2002, p. xii), conforme suas palavras. Na obra, entretanto, estão contidas
algumas das ideias básicas de sua lógica e a ideia do alfabeto do pensamento
humano, cuja importância plena ele disse ter compreendido somente depois.
Também está contido o ideal de união entre as nações representado por meio
da proposta de uma Linguagem universal. Ribnikov (1987) comenta que
Dissertatio de Arte Combinatoria é um trabalho cuja importância transcende a
época em que é escrito porque apresenta a primeira construção sistemática da
combinatória enquanto disciplina científica, a qual mais tarde, por volta do ano
de 1700, é melhorada por Leibniz com o desenvolvimento do sistema de
índice30.
De certa forma, as questões tratadas nessa obra estão em consonância
com alguns questionamentos feitos em sua tenra juventude. Parkinson (2002)
comenta que quando Leibniz tinha treze ou quatorze anos, já escrevia
observações interessantes sobre lógica e questionava seus tutores a respeito
do que se denominam categorias, dentro da lógica.

Os problemas de Leibniz são estes: há, ele dizia, categorias


para termos simples, isto é, para conceitos, pelos quais os
conceitos podem ser sistematicamente arranjados para formar
proposições – porque, então, não existem categorias para
termos complexos (isto é, para proposições), pelos quais
verdades possam ser sistematicamente arranjadas para formar
argumentos dedutivos? 31 (PARKINSON, 2002 p. x).

Mais tarde, Leibniz nota que tais questionamentos são desnecessários,

29
“[…] young man just out of school […]” (PARKINSON, 2002, p. xii)
30
Esta disciplina é aperfeiçoada, depois de Leibniz, por Bernoulli na obra Arte de La suposición
em 1713, onde a Combinatória é utilizada para resolver problemas teórico-probabilísticos. No
século XX, a Análise Combinatória é mais profundamente estudada adquirindo amplas
possibilidades de aplicação.
31
“Leibniz’s problem was this: there are, he said, categories for simple terms, i.e. for concepts,
by which concepts may be arranged systematically to form propositions – why, then, are there
not categories for complex terms (i.e. for propositions) by which truths may be arranged
systematically to form deductive arguments?” (PARKINSON, 2002 p. x).
64

uma vez que organizar as verdades da maneira como está propondo já é feito
em geometria. Dá conta de que em geometria as proposições já são arranjadas
de acordo com a dependência uma da outra. Leibniz deseja utilizar esse
método em outras áreas do conhecimento. Buscando a solução para o seu
questionamento, deduz que tal sistematização é possível se, primeiramente, for
estabelecido um estudo das categorias dos termos simples. Estes termos
simples devem constituir o que denomina, posteriormente, como alfabeto do
pensamento humano.
No mesmo período em que mantém correspondência com Thomasius,
de 1663 até 1672, o jovem filósofo trabalha em temas nas áreas de lógica
(Tratado sobre a arte das combinações de 1666), jurisprudência (Um exemplo
de questões filosóficas concernentes à lei de 1664), teologia (Confissão da
natureza contra os ateístas de 1668), metafísica (a carta para Thomasius
datada de abril de 1669, mas publicada apenas em 1671), física (Teoria do
Movimento Universal de 1671), e metodologia filosófica (o prefácio do texto de
Marius Nizolius (1498-1576) também de 1671).
Leibniz estuda latim detidamente, adquirindo um sofisticado estilo de
escrita. Admira Nizolius, quem defende a pureza e eloquência de estilo além de
promover o gosto pela literatura correta e elegante. Mario Nizzoli ou
simplesmente Nizoli, eminente estudioso italiano, é conhecido na época, pelo
livro Ciceronianus Thesaurus (O Tesouro ciceroniano), um dicionário das
palavras que ocorrem em Cícero.
Em 1670 Leibniz prepara a edição da obra Antibarbarus Philosophicus
(O filósofo anti bárbaro) de Nizolius. Esta obra havia sido publicada
anteriormente sob o título de De veris principiis et veras ratione Philophandi
(Dos verdadeiros princípios e do verdadeiro método de filosofar) e nela Nizolius
critica os escolásticos pelas corrupções que introduzem na língua latina.
Leibniz fica tão impressionado com sua solidez e elegância que elabora notas
críticas, as quais fazem parte de uma nova edição desta obra, em que expõe a
obstinação daqueles que são ligados a Aristóteles. Esse fato mostra o interesse
de Leibniz pela questão da melhoria da linguagem, sendo favorável ao tema de
estudo de Nizolius, considerando que “[...] um estilo puro em latim é uma rota
mais segura para o conhecimento e a sabedoria do que o barbarismo lógico e
linguístico da filosofia universitária." (ROSS, 1984, p. 13).
65

De 1667 a 1671, produz vasto material acerca de proposta de


elaboração de um projeto visando equacionar uma metafísica coerente com as
doutrinas católica e protestante. Essa intenção pode ser observada no texto
intitulado Demonstrationes Catholicae (Manifestações Católicas), elaborado
nos primeiros meses de 1668. Também produz uma série de artigos sobre
tópicos religiosos, especialmente sobre pontos nos quais as igrejas divergem,
incluindo a doutrina da transubstanciação. Conta com o apoio de Boinemburg e
de outras pessoas de sua convivência que se converteram do luteranismo para
o catolicismo. Escreve também várias notas sobre a lei natural, nas quais ele
articula e compila, pela primeira vez, vários dos principais assuntos em
metafísica.
Além de temas de cunho religioso, Leibniz escreve sobre Direito. Em
1667, publica Nova methodus discendae docendae que jurisprudentiae (Novo
método de ensinar e aprender jurisprudência). Nessa obra, propõe uma nova
organização nos princípios e leis que regem a justiça. É compreensível essa
preocupação de Leibniz, pois nessa época, o sistema de leis alemão é intricado
e, portanto, desafiador para qualquer que dele queira se utilizar. Neste sentido
Ross (1984) comenta que:

Na situação de então, o direito alemão compreendia uma


mistura caótica de código romano, lei comum germânica
tradicional e o estatuto e as leis casuísticas dos vários estados.
Leibniz desejava reduzir a lei a fim de definir todos os conceitos
legais em termos de uns poucos conceitos básicos, deduzindo-
se todas as leis específicas de um pequeno conjunto de
princípios incontroversos de justiça natural. (ROSS, 1984, p. 15)

Em 1671 e 1672, compõe uma série de notas publicadas sob o título de


Elementa juris naturalis (Elementos de Direito Natural), nas quais discute
teologia, metafísica e ética, abrangendo uma vasta gama de tópicos, dentre
eles o conhecimento e a harmonia universal, a justiça humana e a justiça divina.
Apesar dos múltiplos interesses, Leibniz nunca se afasta das questões
políticas e em 1669, escreve um tratado sobre a sucessão real polonesa
usando o pseudônimo de Georgins Ulicovius. Nesse texto, ele apoia um dos
pretendentes à substituição do rei da Polônia, Johann Casimir (1543-1592),
66

quando este abdica do trono. Para defender seu ponto de vista, emprega um
método incomum, valendo-se de argumentos dedutivos.
Outro assunto a que se dedica é a questão do bem e do mal, um assunto
que iria desenvolver até o fim de seus dias. Em 1673, quando vai de Londres
para Paris, redige um longo diálogo que nomeia Confessio Philosophi
(Confissão de Filósofos), discutindo o problema do mal. Em seguida, escreve o
ensaio De vera methodo philosophiae et theologiae ac de natura corporis
(Sobre o verdadeiro método da filosofia e teologia e da natureza do corpo) no
qual ratifica suas inquietações em relação à questões metodológicas. Assegura
que o importante é saber sobre o bem da alma e a verdade na teologia, temas
que nem a física nem a matemática falam diretamente.
Em 1671, produz escritos sobre as leis do movimento e suas
fundamentações metafísicas e os apresenta à comunidade de estudiosos no
intuito de ser aceito em alguma sociedade científica. Um dos textos, intitulado
Hyphotesis physica nova (Novas hipóteses da física), de subtítulo Theoria
motus concreti (Teoria do movimento concreto), é apresentado à Royal Society,
e o outro, Theoria motus Abstract (Teoria do movimento abstrato), à Académie
des Sciences. É aceito como membro da primeira em abril de 1673, e sete
anos depois, em março de 1700, é convidado a tomar parte na segunda
sociedade.
Em 1678 e 1679, além dos trabalhos técnicos envolvendo as minas,
estuda diversos temas. Compõe uma série de notas originais sob o título
Calculus Universalis (Cálculo Universal), nas quais tenta formular um cálculo
lógico. Mantém também correspondência com Nicolas Malebranche (1638-
1715) sobre metafísica. Elabora um projeto para sua enciclopédia inspirado na
obra Ecyclopedia de Johann Heinrich Alsted (1588-1638). Também faz grande
avanço em seu trabalho sobre dinâmica, opondo-se ao princípio de
conservação de movimento de Descartes.
Em 1686, fica preso por algum tempo nas montanhas Harz devido a uma
tempestade de neve e aproveita o tempo livre para compor uma de suas
principais obras, o Discours de Métaphysique (Discurso da Metafísica). Nela
apresenta sua primeira tentativa de resumir as ideias principais de sua filosofia.
Chega a enviar uma sinopse para Antoine Arnauld, dando início a uma profícua
troca de correspondências filosóficas. As críticas de Arnauld forçam Leibniz a
67

explicar e expandir algumas de suas ideias fundamentais.


Em 1697, a correspondência de Leibniz com missionários jesuítas que
estavam na China é publicada sob o título Novissima Sinica (Últimas notícias
sobre a China). Naquela época é comum coleções de cartas serem publicadas
como livros.
Quando retorna a Hanôver, depois de ter viajado com a intenção de
buscar material sobre a dinastia Welf, escreve seis densos volumes como
preliminar à história dos Welf, que são publicados no período de 1698 a 1700.
De 1707 a 1711, dedica-se a escrever mais três volumes, desta vez a respeito
da história propriamente dita dos Welf, e intitula-os Scriptorum Brunsvicensia
(Relatos de Brunswick).
Termina um ensaio que trata das migrações de tribos da Europa
deduzidas a partir de evidências linguísticas e toponímicas. Reúne grande
quantidade de informações sobre a origem das línguas europeias, buscando
provas de existência de uma única língua arquetípica, provavelmente o
hebraico. Suas pesquisas, no entanto, passam a indicar que cada grupo
linguístico tem sua origem singular.
Em relação à língua utilizada em seus escritos, Leibniz adota o latim, o
francês e ocasionalmente o alemão, evitando neste caso o uso de termos
latinos.
Devemos observar que, nesta época, a sociedade culta dos estados
alemães não dispunha de um vocabulário mais sofisticado que permitisse a
conversação ou a exposição de um assunto mais elevado, existia apenas uma
língua alemã popular corrente. Além disso, a imitação dos antigos, por parte
desta sociedade, deu origem a períodos muito extensos na prosa, que
juntamente com a influência dos modernos, levou a estranhas misturas
idiomáticas. Na verdade “O que mais saltava à vista é o lamentável estado da
língua alemã. Esta tinha incomparável capacidade de expressão para a
intimidade da vida religiosa. Mas que atraso na prosa filosófica, na discussão e
reflexão livre e fluente.” (DILTHEY, 1947, p. 72).
Neste contexto, é natural que surja algum movimento em defesa da
língua. Assim, a Fruchtbringende Gesellschft (Sociedade Fecunda) é fundada,
em 1617, tendo como uma de suas metas a defesa da pureza da língua alemã
e sua libertação de estrangeirismos. Mais tarde, Leibniz compartilha desta
68

intenção, estabelecendo como um dos objetivos da Sociedade das Ciências de


Berlim, cultivar as Letras, especialmente a língua alemã. Também elabora
projetos para a purificação desta língua.
Além de escrever sobre os mais variados assuntos, Leibniz elabora
diferentes projetos que utilizam mecanismos variados e constrói protótipos de
alguns deles. Na ocasião em que ingressa na Royal Society apresenta o
projeto de uma calculadora.
Os primeiros inventores de máquinas de calcular são Wilhelm Schickard
(1592-1635) e Blaise Pascal (1623-1662).
O projeto da máquina de calcular de Schickard é elaborado em 1623.
Em carta enviada a Johannes Kepler, ele explica o mecanismo indicando que é
possível serem feitas operações com números de até seis dígitos. Refere-se a
sua máquina como Relógio Calculador, isto porque utiliza engrenagens que
são desenvolvidas para relógios. Seu projeto é encontrado no século XIX e
somente em 1960, é construído um modelo dessa máquina.
Pascal, por sua vez, de 1642 até 1644, se dedica à invenção de uma
máquina de calcular que permita a realização das operações de adição e
subtração com números compostos por até seis dígitos. As operações de
multiplicação e divisão são feitas por adições ou subtrações sucessivas. Esta
máquina ficou conhecida como Pascalina. Ele apresenta seu modelo em um
texto intitulado Advertência Necessária àqueles que têm curiosidade de ver a
Máquina Aritmética e de a usar32. Nele, defende as vantagens de utilizar essa
máquina ao invés do ábaco ou caneta, que são, até então, as únicas maneiras
de efetuar as operações. Adverte sobre a construção feita por artesãos que,
por não entenderem de mecânica e geometria, constroem máquinas
defeituosas. Salienta que até chegar a este modelo trabalhou em diversos
outros projetos construindo cerca de cinquenta protótipos diferentes. Discorre
sobre a dificuldade de ensinar textualmente a manusear as engrenagens,
sugerindo que isso seja feito por meio de palestras. Finalmente salienta que
seu objetivo é de agradar e ajudar e que teve muito cuidado para tornar fáceis,

32
Texto traduzido por Cleonice Narciso e Magda Lourenço a partir das Oeuvres de Blaise
Pascal editadas em 1908 por Brunschvieg e Boutrox, Paris: Les Grands Ecrivans de la France,
vol 1, pp. 303-314. Revisão de Olga Pombo. Disponível em
<http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/opombo/seminario/a%20mao/pascal_traducao.htm>. Acesso
em 29.09.2013.
69

simples, prontas e seguras, operações que são complexas, longas e incertas


quando efetuadas pelos métodos disponíveis.
Por outro lado, a máquina de calcular criada por Leibniz representa um
avanço em relação às máquinas de somar inventadas por Schickard e por
Pascal, pois é a primeira a efetuar as quatro operações por meios puramente
mecânicos, e encontra-se na origem de uma sucessão de invenções de
máquinas de calcular que se prolongou até o século XX. Além disso, permite a
entrada de números com até oito dígitos e saída com até dezesseis dígitos.

Figura 9 - Máquina de calcular de Leinbiz.

Fonte:
<https://archive.org/stream/sourcebookinmath00smit#page/172/mode/2up/search/leibniz>.
Acesso em 27.09.2013.

Figura 10 - Protótipo da máquina de calcular de Leibniz.

Fonte:<http://www.leibnizcentral.de/> Acesso em 14.01.2014


70

Apesar de o projeto ter sido apresentado em 167333, a máquina vem a


ser construída somente em 1694 e não chega a ser comercializada, ao
contrário do dispositivo pascalino.
No texto Machina arithmetica in qua non additio tantum et subtractio sed
et multiplicatio nullo, divisio vero paene nullo animi labore pégantur 34, escrito
em 1685, publicado postumamente, em 1897, no periódico Die Zeitschbrift für
Vermessungswesen (O Jornal de Agrimensura), Leibniz apresenta sua
invenção em detalhes. No escrito, narra que tivera a ideia de construir uma
maquinaria que efetuasse as operações aritméticas ao observar um
instrumento que gravava automaticamente o número de passos dados por um
pedestre enquanto este o carregava. Faz então uma descrição pormenorizada
do mecanismo de uma máquina composta por duas partes ajustadas: uma para
adição e subtração, que é igual ao que denomina ‘caixa de calcular de Pascal’,
e outra para multiplicação e divisão.

Figura 11 – Parte da engrenagem da máquina de calcular de Leibniz

Fonte: <http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/opombo/seminario/a%20mao/leibniz_traducao.htm>.
Acesso em 27.09.2013.

Explica que a máquina é composta por três filas de rodas cada uma com
dez dentes e ligadas por correias. Apresenta desenhos e, por meio de
exemplos, demonstra o funcionamento para multiplicação e divisão .

33
Leibniz registra a ideia somente em 1685, alguns anos depois da máquina ter sido inventada.
34
Texto traduzido por Cleonice Narciso e Magda Lourenço realizada a partir da versão inlesa
do texto latino feita pelo Dr. Mark Holmes, David Eugene Smith (ed.), A Source Book in
Mathematics, New York: Dover, 1959, pp. 173-181. Revisão de Olga Pombo. Disponível em
<http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/opombo/seminario/a%20mao/leibniz_traducao.htm>. Acesso
em 29.09.2013.
71

Figura 12 - Parte da engrenagem da máquina de calcular de Leibniz

Fonte: <http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/opombo/seminario/a%20mao/leibniz_traducao.htm>
Acesso em 27.09.2013.

Em seguida, lista as possíveis aplicações do dispositivo nas profissões


que utilizam a matemática, como por exemplo, administradores de bens,
mercadores e astrônomos. Salienta que essa máquina é de grande utilidade
para o governo e para a ciência e que com ela todos os erros de cálculo são
eliminados. Verifica a superioridade de sua máquina em relação à de Pascal,
pois esta apresenta grandes dificuldades nas operações de multiplicação e
divisão é necessário fazer cálculos prévios, portanto mostrando-se ineficaz
para uso prático. Também menciona a superioridade de sua criação em relação
às réguas de cálculo de Napier, que caem em desuso pela dificuldade que
apresentam na operação de divisão, já que esta é tão demorada quanto
quando da utilização do método normal. Finaliza seu texto mencionando que
“[...] é impróprio de homens excelentes perderem horas como escravos no
trabalho do cálculo, que podia ser seguramente delegado para qualquer outra
pessoa se a máquina fosse utilizada.” 35 A máquina de calcular é um dos muitos
artefatos que Leibniz inventa.
Para finalizar, destacamos que esta parte do texto diz respeito à esfera
contextual-histórica. Dentro desta perspectiva, forma abordados os seguintes
tópicos:
35
Manuscrito de Leibniz traduzido e disponível em
<http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/opombo/seminario/a%20mao/leibniz_traducao.htm> Acesso
em 27.09.2013.
72

 questões sócio-políticas da época e do lugar em que Leibniz


nasce;
 divisão e classificação do conhecimento proposta por Bacon;
 mudança na forma de difusão do conhecimento na época
(cartas/atas/memórias/periódicos/academias);
 educação formal e informal recebida por Leibniz;
 mestres e estudiosos que serviram de referência para Leibniz;
 atividades profissionais exercidas;
 produção intelectual.
Ainda, em decorrência dos estudos destinados à elaboração do presente
capítulo pudemos constatar que, apesar de exercer as mais variadas atividades
profissionais, Leibniz colabora efetivamente para o desenvolvimento do
conhecimento científico na época. Trata-se de um estudioso incansável, e
escritor prolífico. Ele comenta que “[...] surgem-me por vezes tantos
pensamentos de manhã numa hora, enquanto estou ainda na cama, que tenho
necessidade de empregar toda a manhã, e por vezes todo o dia e mais ainda,
para os pôr distintamente por escrito.” (LEIBNIZ apud POMBO, 1997, p. 166).
Detectamos também que uma das grandes ambições de Leibniz refere-
se a formação de uma só cultura entre os homens que abarque todas as
nações. Deseja criar uma nova síntese a partir de conflitos aparentemente
irreconciliáveis entre as tradições mais antigas e a nova filosofia. Defende a
unificação das igrejas, dos povos, das ideias e da língua. Concluímos que
estas concepções possivelmente representem um dos motivos que o
conduzem à busca da criação de uma Linguagem universal.
É importante ressaltar que tanto a defesa de uma cultura de paz e
harmonia entre os povos quanto o desejo de se ter uma linguagem única e,
portanto, universal, não é exclusividade de Leibniz, mas faz parte do
pensamento da sociedade de uma época, como veremos a seguir.
73

2 Característica universal: contextos e trajetórias

Neste capítulo, investigamos as possíveis razões pelas quais o estudo


sobre Linguagem universal tenha se desenvolvido por tão longo período,
durante todo o século XVII e nas primeiras décadas do século XVIII, e por
tantos estudiosos. Expomos, em especial, as ideias de Bacon e Comênio na
defesa desta busca, fonte de estímulo para que as investigações naquele
período se dirijam para este tema.
Iniciamos o capítulo examinando as transformações ocorridas no seio da
comunidade europeia, tanto na vida econômica quanto na organização social, a
partir do século XV. Nesta época, com o advento do Renascimento, as classes
burguesas adquirem autonomia em relação à vida feudal e eclesiástica, a
influência da igreja diminui, as pessoas passam a se dedicar ao trabalho na
indústria e no comércio e atribuem novo valor à família, ao trabalho e à
sociedade. De acordo com o ideal renascentista, a afirmação dos valores da
vida terrestre é retomada por meio de uma nova compreensão da vida, do
homem e da natureza. Os dogmas da Igreja católica originados em concepções
mais estreitas são questionados. Surge uma aristocracia eclesiástica que se
opõe ao Papado, que vê na disciplina hierárquica da Igreja um impedimento ao
acesso direto a Deus. Este novo grupo percebe que é necessário romper as
barreiras impostas pelos dogmas tradicionais. Daí emerge um movimento que
reivindica direito à autonomia, liderado por Martinho Lutero (1483-1546) no
Reino Germânico, João Calvino (1509-1564) na França e Úlrico Zwínglio
(1484-1531) na Suíça: são as origens da Reforma Protestante.
No seio da Igreja católica, irrompem contendas envolvendo lados
antagônicos. Os representantes intelectuais das tendências mais liberais
passam a sofrer perseguições e findam por ser expulsos. Conflitos de cunho
religioso se espalham por toda a Europa, abalando o prestígio da Igreja e do
Estado. É uma das maiores crises na história dos povos modernos.
Na obra O progresso do conhecimento, Bacon comenta que ao iniciar o
movimento da Reforma contra Roma e as tradições degeneradas da igreja,
Lutero percebe que não encontra apoio nas opiniões de seu tempo, então
socorre-se dos autores da Antiguidade. Esse teria sido um dos motivos pelos
quais os livros até então esquecidos nas bibliotecas, passam a ser amplamente
74

lidos e discutidos. As doutrinas filosóficas da Grécia Antiga são recuperadas


para fazer oposição às concepções da Idade Média.
Numa época de grandes transformações, é plausível que se examinem
novos métodos para a busca do conhecimento. É preciso encontrar um
caminho que conduza a ciência à verdade. Tal preocupação se generaliza a
partir do final do século XVI e caracteriza a investigação filosófica do século
XVII. De acordo com Struik (1989), muitos pensadores procuram um método
geral, às vezes considerado, num sentido mais limitado, como um método da
matemática, outras vezes, num sentido mais amplo, como um método de
entender a natureza e conceber novas invenções.
Dilthey (1947) comenta este fato, ao afirmar que

O século XVII viu produzir-se um grande movimento intelectual.


O gênio humano elevou-se então a uma ciência de valor
universal em que colaboraram todas as nações civilizadas.
Sujeitou-se a terra ao poder do homem pelo pensamento, e
pretendeu-se subordinar também a vida do indivíduo e da
sociedade às direções da inteligência. (DILTHEY, 1947, p. 01)

No livro As palavras e as coisas, Foucault (2010) faz uma análise


minuciosa em relação à estrutura do saber ocidental nos séculos XVI e XVII.
Nesta obra, ele apresenta, conforme suas palavras,

[...] um estudo que se esforça por encontrar a partir de que


foram possíveis conhecimentos e teorias; segundo qual espaço
de ordem se constituiu o saber; na base de qual a priori
histórico e no elemento de qual positividade puderam aparecer
ideias, constituir-se ciências, refletir-se experiências em
filosofia, formar-se racionalidades, para talvez se
desarticularem e logo desvanecerem. (FOUCAULT, 2010, p.
XVIII)

Do ponto de vista de Foucault (2010), até o fim do século XVI obtém-se


o conhecimento buscando indícios de semelhança entre as coisas. Ao falar
sobre semelhança, Foucault se refere às
75

“[...] relações de similaridade ou equivalência que fundam e


justificam as palavras, as classificações, as trocas [bem como],
a maneira como ela [a cultura] experimenta a proximidade das
coisas, como ela estabelece o quadro de seus parentescos e a
ordem segundo a qual é preciso percorrê-los [...]” (FOUCAULT,
2010, p. xxi)

De acordo com essa forma de compreensão, as marcas de semelhança


estão nas coisas, de maneira que para compreender a natureza bastaria
desvendá-las. O homem acredita que Deus deixou os sinais exteriores para ele
e que é suficiente decifrá-los para obter o conhecimento. Nas palavras de
Foucault (2010), “Foi ela [a semelhança] que, em grande parte, conduziu a
exegese e a interpretação dos textos: foi ela que organizou os jogos de
símbolos, permitiu o conhecimento das coisas visíveis, guiou a arte de
representá-las.” (FOUCAULT, 2010, p. 23). As coisas que se assemelham são
em número infinito, o mundo forma uma cadeia de similitudes, segundo a qual
os elementos do mundo ou se refletem – a planta é semelhante ao animal, a
terra ao mar e o homem a tudo que o rodeia – ou se encadeiam – faz-se
correspondência da planta com o animal, este, por sentimento, com o homem,
e este por inteligência se concilia com os astros. Também são semelhantes
alma e corpo, pois a alma recebe os movimentos do corpo.
Segundo o filósofo francês, naquela época, o caminho para o
conhecimento pressupõe fazer as coisas falarem por si e então interpretá-las. É
uma época de magia, tudo está escrito na natureza. Para conhecer um animal,
ou uma planta, ou uma coisa qualquer da terra, é preciso recolher “[...] toda a
espessa camada dos signos que puderam ser depositados neles ou sobre
eles.” (FOUCAULT, 2010, p. 55). Sabe-se, por exemplo, que uma planta, como
o acônito, faz bem para os olhos porque ela trás uma marca: suas sementes
são pequenos glóbulos envolvidos por uma película branca, que se
assemelham às pálpebras dos olhos.
A transição do século XVI para o século XVII inaugura novas formas de
investigar os saberes. O conhecimento vai deixando de se basear na similitude.
A forma mágica de decifrar as semelhanças secretas dos signos passa a ser
encarada como um modo delirante de explicar as analogias. Para parte dos
pensadores do novo século, a sabedoria até então estabelecida é misturada e
76

sem regras, e nela “[...] todas as coisas do mundo se podiam aproximar ao


acaso das experiências, das tradições ou das credulidades.” (FOUCAULT, 2010,
p. 70).
Em certo sentido, Bacon e Descartes são os autores que primeiro
criticam a forma de pensamento até então estabelecida e se tornam defensores
de uma nova disposição do saber. Eles propõem pela primeira vez a exclusão
da semelhança como experiência fundamental e forma primeira do saber, muito
embora não excluam do pensamento racional o ato de comparação.
Bacon ao se pronunciar a respeito da forma de obter conhecimento no
século XVI, afirma que, naquela época, se vê mais semelhanças e ordem do
que realmente existe, uma vez que a natureza está cheia de exceções e
diferenças. Analisa que, segundo essa forma de examinar, é adotado um
mesmo nome a coisas que não são da mesma natureza e que somente a
prudência do espírito pode desfazer esses equívocos. Bacon entende que as
semelhanças surgem aos olhos, mas quando nos aproximamos, elas se
desfazem. Segundo ele

[...] o intelecto humano, mercê de suas peculiares propriedades,


facilmente supõe maior ordem e regularidade36 nas coisas que
de fato nelas se encontram. Desse modo, como na natureza
existem muitas coisas singulares e cheias de disparidades,
aquela imagina paralelismos, correspondências e relações que
não existem. Daí a suposição de que no céu todos os corpos
devem mover-se em círculos perfeitos, rejeitando por completo
linhas espirais e sinuosas, a não ser em nome. (BACON, 2007,
p. 41)

Descartes corrobora com a ideia de que a similitude deve deixar de ser


uma forma de obter conhecimento, alegando, assim como Bacon, que ao se
tentar obter conhecimento por meio dela, corre-se o risco de se enxergarem
mais semelhanças do que realmente acontecem. Ele justifica sua crença ao
afirmar na Regra I da obra Regras para a direção do espírito, que “Os homens
costumam, sempre que reconhecem alguma semelhança entre duas coisas,
avaliar ambas, mesmo naquilo em que são diversas, mediante o

36
No caso o termo regularidade é usado no sentido de semelhança.
77

reconhecimento numa delas como verdadeiro.” (DESCARTES, 1985, p. 11).


Na verdade, a figura de Descartes representa “[...] o pensamento
clássico 37 excluindo a semelhança como experiência fundamental e forma
primeira do saber” (FOUCAULT, 2010, p. 71). Para ele o conhecimento deve
ser obtido por outra forma de comparação. Em suas palavras,

[...] todo conhecimento, que não se obtém por meio de intuição


pura e simples de um objeto isolado, se consegue apenas pela
comparação de dois ou mais objectos entre si. E, efectivamente,
quase toda a indústria da razão humana consiste em preparar
esta operação, pois, quando é conhecida e simples, não há
necessidade de nenhum auxílio da arte, mas apenas das luzes
naturais para se ver instintivamente a verdade que por ela se
obtém. (DESCARTES, 1985, p. 91)

Para Descartes a comparação se dá pela análise em termos de medida


e de ordem. Segundo ele, a comparação que é efetuada pela medida se reduz
às relações aritméticas da igualdade e da desigualdade. Ou seja, a medida
permite comparar segundo a forma calculável da identidade e da diferença.
Quanto à ordem, considera que não é possível conhecer a ordem das coisas
de forma isolada, mas sim descobrindo a que é mais simples, em seguida a
que mais se aproxima desta, e assim por diante, para chegar às coisas mais
complexas. Segundo Descartes, a ordem não é inerente às coisas do mundo,
mas sim estabelecida pelo pensamento racional. Ainda, a ordem pode ser
tanto necessária e natural quanto arbitrária, depende da maneira que a
consideramos, pois toda coisa pode ser colocada em um ou em outro ponto.
Para ele, mesmo a comparação pela medida leva à comparação pela ordem,
pois toda dificuldade que pertence ao campo da medida pode ser conduzida ao
terreno da ordem.
Segundo Foucault (2010), esta forma de comparação tem grandes
consequências para o pensamento ocidental. Em suas palavras:

37
No presente texto, quando utilizamos o termo ‘clássico’, ou ‘classicismo’, com o intuito de
indicar um período de tempo, estamos nos referindo ao período classificado por Foucault como
‘período clássico’, que se inicia por volta dos meados do século XVII e vai até o século XVIII.
78

[...] a comparação não tem mais como papel revelar a


ordenação do mundo; ela faz segundo a ordem do pensamento
e indo naturalmente do simples ao complexo. Daí toda a
epistémê 38 da cultura ocidental se achar modificada em
disposições fundamentais. E em particular o domínio empírico
em que o homem do século XVI via ainda estabelecerem-se os
parentescos, as semelhanças e afinidades e em que
entrecruzavam sem fim a linguagem e as coisas – todo esse
campo imenso vai assumir uma configuração nova.
(FOUCAULT, 2010, p. 74 e 75)

Descartes exemplifica seu método de comparação utilizando-se da


matemática. Naquela época, essa disciplina é vista como um exemplo de que a
verdade pode ser encontrada nas ciências e, este é um dos motivos pelos
quais ela torna-se o meio mais seguro para a compreensão do universo. Na
opinião de Dilthey (1947), se deve também, em grande parte, a Galileu Galilei
(1564-1642) o fato de a ciência moderna ter sido desenvolvida segundo um
espírito de harmonia entre a experimentação e a teoria, com destaque para o
uso intenso da matemática. A respeito desta questão, afirma que,

[...] em todas as disciplinas, os rigorosos processos contidos no


método de Galileu passaram a impor-se em todas as criações
científicas do homem. Estes métodos consistiam na união entre
pensamento matemático, a observação e a experiência. As
possibilidades que residiam no pensamento matemático foram
sujeitas à prova dos fatos. (DILTHEY, 1947, p. 13)

Vale salientar que, assim como Platão na Antiguidade, o interesse de


Descartes pela matemática não é pela própria matemática, mas sim em buscar
nela um modelo de raciocínio. É o que constatamos na regra XIV da obra
Regras para a Direção do Espírito, na qual Descartes afirma que seu método
não é criado para resolver problemas de matemática, mas que é preciso
aprender as matemáticas para cultivá-lo.

38
Para Foucaul, epistémê é o campo onde os conhecimentos são “[...] encarados fora de
qualquer critério referente a seu valor racional ou a suas formas objetivas, enraízam sua
positividade e manifestam assim uma história que não é de sua perfeição crescente, mas,
antes, a de suas condições de possibilidade [...]” (FOUCAULT, 2010, p. xviii e xix)
79

A sua utilidade (Aritmética e Geometria) para adquirir uma


maior sabedoria é tal que não recearei afirmar que esta parte
do nosso método não foi inventada por causa dos problemas
matemáticos, antes são estes que importa estudar quase só
por mor de a cultivar. (DESCARTES, 1985, p.93)

A intenção de Descartes ao utilizar a matemática é de acostumar seu


espírito às verdades, não se contentando com falsas razões, pois em sua
concepção só a matemática apresenta raciocínios rigorosos, e
consequentemente, quando o espírito se acostumar aos raciocínios
matemáticos, estará preparado para pesquisar outras verdades, já que em toda
parte há somente uma e mesma forma de raciocinar. Daí segue que o
fundamental para a epistémê clássica 39 não é o sucesso ou o fracasso do
mecanicismo, nem o direito ou a impossibilidade de matematizar a natureza,
como alguns historiadores da ciência colocam, mas sim a relação que mantém
com a máthêsis40. Um dos aspectos que envolve essa relação é a possibilidade
de estabelecer entre as coisas, mesmo que não mensuráveis, uma sucessão
ordenada.

Neste sentido, a análise vai adquirir bem depressa valor de


método universal; e o projeto leibniziano de estabelecer uma
matemática das ordens qualitativas se acha no coração mesmo
do pensamento clássico; e é em torno dele que gravita todo
esse pensamento. (FOUCAULT, 2010, p. 78).

Foucault (2010) salienta que com a busca de uma máthêsis, novos


domínios empíricos surgem, tais como, a gramática geral, a história natural, a
análise das riquezas, as ciências da ordem no domínio das palavras, dos seres
e das necessidades; tais domínios têm como instrumento o sistema de signos 41,

39
Foucault define “[...] duas grandes descontinuidades na epistémê da cultura ocidental: aquela
que inaugura a idade clássica e aquela que, no início do século XIX, marca o limiar da nossa
modernidade.” (FOUCAULT, 2001. p. xix)
40
Máthêsis neste caso pode ser entendida como a ciência universal da medida e da ordem.
Foucault enuncia que “Quando se trata de ordenar as naturezas simples, recorre-se a uma
máthêsis cujo método universal é a Álgebra” (FOUCAULT, 2010, p. 99).
41
“Na sua perfeição, o sistema de signos é essa língua simples, absolutamente transparente,
que é capaz de nomear o elementar; é também esse conjunto de operações que define todas
as conjunções possíveis.” (FOUCAULT, 2002, p. 86)
80

e não o método algébrico, ou seja, os signos são convertidos em sistemas de


análise que darão sustentação à epistémê clássica. Em outras palavras, a
relação mantida entre o conhecimento e a máthêsis não significa que seja nas
matemáticas que se fundamentem todos esses domínios empíricos – aliás, em
nenhum deles se encontra vestígios de mecanicismo ou de uma
matematização; mas todos eles se constituem tendo por princípio a
possibilidade de uma ciência da ordem.
Esta concepção da ordem na ciência, originada a partir do pensamento
matemático, constitui o germe do ideal de criação de uma linguagem nova e útil
para a apreensão e transmissão do conhecimento.
No século XVI, a linguagem também faz parte do jogo de semelhanças e
deve ser estudada enquanto pertencente à natureza. Segundo Foucault (2010),

No seu ser bruto e histórico do século XVI, a linguagem não é


um sistema arbitrário; está depositado no mundo e dele faz
parte, porque, ao mesmo tempo, as próprias coisas escondem
e manifestam seu enigma como uma linguagem e porque as
palavras se propõem aos homens como coisas a decifrar
(FOUCAULT, 2010, p. 47)

Para Foucault (2010, p. 80) o classicismo define o signo segundo três


variáveis: a origem da ligação, o tipo de ligação e a certeza de ligação. A
origem da ligação pode ser: “[...] natural (como o reflexo num espelho designa
o que ele reflete), ou de convenção (como uma palavra, para um grupo de
homens, pode significar uma ideia).” Quanto ao tipo de ligação “[...] pode
pertencer ao conjunto que ele designa (como a boa fisionomia que faz parte da
saúde que ela manifesta), ou ser dele separado (como as figuras do Antigo
Testamento são os signos longínquos da Encarnação e do Resgate).” Quanto à
certeza da ligação, “[...] pode ser tão constante que estamos seguros de sua
fidelidade (é assim que a respiração designa a vida); mas ele pode ser
simplesmente provável (como a palidez para a gravidez).” É importante
observar que nenhuma dessas formas de ligação corresponde à semelhança.
Os signos quando são dados pela natureza são denominados signos
naturais e quando instituídos pelo homem são designados artificiais. Até o
81

século XVI se reconhecem nas línguas humanas os signos artificiais, porém


eles se fundamentam nos signos naturais, ou seja, os signos artificiais devem
seu poder à fidelidade que mantém com os signos naturais.
A partir do século XVII, surge uma nova disposição na linguagem.
Passa-se a questionar de que forma um signo pode estar relacionado ao que
ele denota. O modo de decifração passa a se basear, portanto, no sentido da
significação, ou seja, aquilo que uma coisa quer dizer seja refletida na forma de
representação.
Quando o signo é natural ele é subtraído às coisas e constituído como
signo pelo conhecimento. Desta forma ele é prescrito e rígido. Por isso o
espírito não consegue dispor dele, ele não passa de um esboço rudimentar.
Por outro lado, quando se introduz um signo de convenção, ele é escolhido de
tal maneira que seja simples, fácil de lembrar, aplicável a um número indefinido
de elementos, capaz de se dividir e de se compor. Para chegar ao signo de
convenção, é necessário estabelecer um sistema arbitrário que deve ser
instaurado de tal forma que permita a análise das coisas nos seus mais simples
elementos, decompondo até a origem. Também deve definir as possíveis
combinações de forma a apreender a diversidade das coisas.
Na verdade existe uma disposição que atravessa o conhecimento do
período clássico: é o campo de um cálculo universal e da procura do elementar
a um sistema que é artificial e que por isso mesmo pode fazer com que
sobressaia a natureza de seus elementos da origem até a concomitância de
todas as suas combinações possíveis. Na idade clássica, servir-se de signos é
tentar descobrir a linguagem arbitrária que possibilita “[...] o desdobramento da
natureza no seu espaço, os termos últimos de sua análise e as leis de sua
composição” (FOUCAULT, 2010, p. 86).
Ainda de acordo com Foucault (2010), o sistema de signos define os
instrumentos do pensamento clássico, “[...] é ele que aproxima todo saber de
uma linguagem e busca substituir todas as línguas por um sistema de símbolos
artificiais e de operações de natureza lógica.” (FOUCAULT, 2010, p. 87). Neste
sentido, o autor considera que a existência da linguagem no período clássico é
soberana, uma vez que as palavras recebem a tarefa e o poder de representar
o pensamento no sentido estrito, ou seja, a linguagem não é efeito exterior do
pensamento, mas o próprio pensamento, em outras palavras, a linguagem é
82

encarregada de manifestar o pensamento.


Assim, segundo estas concepções, naquele período se afigura um
ambiente propício para a busca de tal linguagem, ou seja, uma linguagem que
mostre diretamente o pensamento.
Na obra A busca da língua perfeita, Eco (2001) analisa que, no século
XVII, ocorre um movimento em torno de uma reforma universal do saber.
Afirma que este movimento propõe ainda a renovação espiritual e a busca pela
harmonia entre os povos, sinalizando uma possível ligação entre a busca por
uma língua perfeita e o ideal de paz.
Este movimento havia sido iniciado no século anterior, quando são
delineados diversos projetos de sociedades ideais, ou seja, lugares onde todos
viveriam felizes e em harmonia. Podemos citar a obra La cittá del sole (A
cidade do sol) de Tommaso Campanella, de 1602, Christianopolis: Republicae
christianopolitanae descriptio (“Christianópolis: descrição da república da
cidade cristã” (BRITO, 2011, p. 53)) de Johann Valentinus Andreae, de 1619; e
New Atlantis (Nova Atlântida) de Francis Bacon, de 1624.
Anterior a estes projetos, temos o de Thomas More (1478-1535), ou
Morus, intitulado Utopia, de 1516, fonte de inspiração para as demais obras
conforme a opinião de inúmeros historiadores. No escrito de More a linguagem
é colocada como um ponto que auxilia a unificação e harmonia entre as
pessoas. Utopia é o nome da ilha imaginada pelo autor, onde todos vivem em
harmonia e trabalham para o bem comum. O escritor assume a idealização de
uma linguagem única, pois apesar de a ilha ser formada por cinquenta e quatro
cidades, “A linguagem, os hábitos, as instituições, as leis são perfeitamente
idênticas.” (MORUS, 2001, p. 75). Pombo (1997) considera essa a primeira
língua imaginária e comenta que, “Por língua imaginária entendemos aquelas
criações de sistemas linguísticos mais ou menos elaborados e completos,
surgidos no âmbito da literatura de ficção e que, de alcance claramente utópico,
os seus próprios inventores ou proponentes reconhecem como irrealizáveis.”
(POMBO, 1997, p. 31).
Apesar de serem consideradas inalcancáveis, as línguas imaginárias
trazem características desejadas para as línguas universais. A língua falada em
Utopia é aprazível, harmoniosa, agradável de ouvir e, além disso, por meio dela
o pensamento é interpretado de modo fiel. É o que constatamos quando More
83

relata que "Os utopianos aprendem as ciências em sua própria língua, rica e
harmoniosa, intérprete fiel do pensamento [...]” (MORUS, 2001, p. 119)
Assim como More, Bacon escreve uma obra utópica: a Nova Atlântida.
Nessa obra, segundo Brito (2011), Bacon “[...] coloca como o fulcro da
felicidade, não a organização econômica política e social, mas a existência de
uma instituição denominada Casa de Salomão ou Colégio da Obra dos Seis
Dias. Nesse colégio, sábios investigam a natureza por meio da empiria e
desenvolvem conhecimentos e produtos que levam o bem estar a todos de
Nova Atlântida.” (BRITO, 2011, p. 53). Nesta obra Bacon não se detém em
questões relativas à linguagem. Apenas menciona, sem revelar maiores
detalhes, que o povo deste lugar domina várias línguas, e que falam entre si
em espanhol. Enuncia que no primeiro contato que os estrangeiros têm com os
habitantes da ilha, estes lhes entregam um pergaminho e, “Nesse rolo estavam
escritas, em hebraico e grego antigos, em bom latim escolástico e em espanhol
[...]” (BACON, 1999, p. 224). É curioso que Bacon neste texto, que é de 1624,
mesmo criando uma sociedade quimérica, não tenha idealizado uma linguagem
a ser utilizada pelos habitantes da ilha, como More fez em Utopia, já que, antes
disso, em 1605, havia descrito em O Progresso do Conhecimento, as
vantagens de se utilizar os caracteres reais, que levam a uma língua ideal.
Eco (2001) salienta que no século XVII, tempo de muitos conflitos, tanto
por questões nacionalistas quanto por questões religiosas – época da
sangrenta Guerra dos Trinta Anos – e talvez em contraposição a eles, surja,
entre os pensadores, um espírito de concórdia e paz universal.
Neste contexto, é publicado, em 1614, o manifesto Fama Fraternitatis
R.C. (Conformação da Fraternidade R.C.), como segunda parte de um escrito
alemão anônimo intitulado Allgemeine und general Reformation, der gantzen
weiten Welt (Reforma geral e universal de todo o Mundo). O manifesto
conclama a existência de uma sociedade capaz de levar os homens a
conhecer tudo o que Deus possa permitir. De acordo com o documento,

[...] deve haver uma sociedade na Europa, possuidora de ouro,


prata e pedras preciosas, suficientes para outorgar Reis, para o
que se fizer necessário, e para os propósitos da lei: para a qual
os governantes devem ser trazidos, para aprender tudo que
Deus pode permitir aos homens saber, e assim serem capazes
84

em todos os tempos de dar conselhos àqueles que os


procuram, como o Oráculo dos Ignorantes: neste momento,
confessaremos ao mundo que este já é grande o bastante para
receber esta Comoção; e trará homens dignos, que derrubarão
qualquer força através da Escuridão e do Barbarismo, e nos
permitirá segui-los: e seguramente eles serão os comandantes
da Arraia de Fogo, cuja flama agora deverá estar mais e mais
brilhante, e sem dúvida levarão ao mundo a última luz. 42
(YATES, 1972, p. 301)

Ainda neste manifesto, a confraria dos rosacrucianos, ou rosa-cruzes,


revela sua existência, conta a sua história e divulga o nome de seu fundador
mítico – Christian Rosencreutz – descrito como um homem iluminado que viaja
constantemente convocando os homens sábios a se unirem em busca de uma
reforma do mundo. Segundo Yates (1972), os rosa-cruzes afirmam neste
manifesto que,

[Este chamado] deveria ser feito na Alemanha hoje onde não


há carência de homens sábios, ‘mágicos, Cabalistas, físicos e
filósofos’ que deveriam colaborar uns com os outros. O viajante
[Christian Rosencreutz) conheceu a ‘Magia e Cabala’, e
aprendeu como utilizá-las para fortalecer sua própria fé e para
‘entrar em harmonia com o mundo inteiro, maravilhosamente
impresso por todos os tempos’43 (YATES, 1972, p. 60)

No ano seguinte, em 1615, é difundido outro manifesto intitulado


Confessio fraternitatis Rosae crucis. Ad eruditos Europae (Manifesto da
irmandade Rosa cruz. Para os eruditos europeus). O documento contém um
chamado para que todos os homens cultos entrem em contato com os autores

42
“[…] there might be a Society in Europe, which might have Gold, Silver, and precious Stones,
sufficient for to bestow them on Kings, for their necessary uses, and lawful purposes: with which
such as be Governors might be brought up, for to learn all that which God hath suffered Man to
know, and thereby to be enabled in all times of need to give their counsel unto those that seek it,
like the Heathen Oracles: Verily we must confess that the world in those days was already big
with those great Commotions, laboring to be delivered of them; and did bring forth painful,
worthy men, who brake with all force through Darkness and Barbarism, and left us who
succeeded to follow them: and assuredly they have been the uppermost point in Trygono igneo,
whose flame now should be more and more brighter, and shall undoubtedly give to the World
the last Light.” (YATES, 1972, p.301)
43
“The same should be done in Germany today where there is no dearth of learned men,
‘magicians, Cabalist, physicians, and philosophers’ who ought to collaborate with one another.
The traveler learned the ‘Magia and Cabala’ of the east, and knew how to use it to enhance his
own faith and to enter into ‘the harmony of the whole world, wonderfully impressed on all
periods of time’” (YATES, 1972, p. 60)
85

do manifesto.
É interessante notar que os dois manifestos insistem na necessidade de
que não se revelassem a identidade de seus integrantes. No entanto, eles
afirmam que, de alguma forma, saberão a opinião de todos em qualquer língua
que escrevam e que todos que enviarem seu nome poderão manter contato
com eles, pessoalmente ou por escrito, embora esteja descrito no manifesto
Fama Fraternitatis o caráter da invisibilidade da sociedade, segundo a qual, “[...]
nosso edifício (mesmo que cem mil pessoas o contemplem bem de perto)
permanecerá para sempre intocável, indestrutível, e invisível para o mundo
ímpio.”44(YATES, 1972, p. 312).
De toda parte da Europa chegam apelos aos rosacrucianos. Os
historiadores cujos escritos consultamos não explicitam de que maneira tais
apelos chegam ao conhecimento dos rosacruzes.
Em 1616 é publicado um terceiro manifesto, desta vez em alemão, na
cidade de Estrasburgo, sob o título de Chymische Hochzeit Christiani
Rosencreutz (Núpcias alquímicas de Christian Rosencreutz). É o mais longo
dos três manifestos e contém a narrativa da ida de Christian Rosencreutz a um
casamento realizado em um castelo. O texto é dividido em sete partes
correspondendo aos sete dias da jornada de Christian Rosencreutz, talvez uma
alusão à criação do mundo em sete dias como está descrita no livro Genesis.
Em poucas palavras, trata-se de uma alegoria alquímica, abordando o tema do
casamento e da morte. Utiliza-se a imagem do casamento, união entre sponsus
e sponsa, fazendo analogia à fusão dos elementos (casamento alquímico); e
da morte, o nigredo, em analogia ao processo de transmutação pelo qual
passam os elementos (morte alquímica).
O casamento alquímico está representado na Figura 13 a seguir, nos
emblemas da escola de Michael Maier (1568-1622), médico, filósofo e
alquimista alemão. O Rei e a Rainha com vestes reais representam a
finalização de uma transformação alquímica, denominada conjunção, obtida
por meio das forças arquetípicas adversárias do Sol (Rei) e da Lua (Rainha).
Ou ainda, a união dos princípios do enxofre (Rei) com o mercúrio (Rainha).

44
“Also our building (althoug one hundred thousand people had very near seen and beheld the
same) shall for ever remain untouched, undestroyed, and hidden to the wicked world.” (YATES,
1972, p 312).
86

Figura 13 - Ilustração visual do casamento alquímico.

Fonte: YATES, 1972, p. 206.

Na cerimônia descrita no manifesto, um dos sete dias é dedicado ao


trabalho alquímico, mais uma vez ressaltando a importância da alquimia para a
sociedade rosacruz. Conforme descrição de Yates (1972)

O Sexto Dia foi ocupado por trabalho pesado em fornos e com


outros aparatos alquímicos. Os alquimistas conseguiram criar
vida na forma do Pássaro alquímico. Processos em conexão
com a criação derivando deste pássaro são descritos de
maneira bem humorada e alegre.45 (YATES, 1972, p. 90)

O autor deste escrito é conhecido: trata-se do teólogo protestante


alemão Johann Valentin Andreae (1586-1654). Suspeita-se até os dias atuais
que ele e seus amigos do círculo de Tubinga 46 também tenham sido os
autores dos outros dois manifestos. A respeito deste pensador, Brito (2011)
comenta que ele difunde a ideia de uma sociedade ideal que “[...] visaria à

45
“The Sixty Day was occupied by hard work with furnaces and other alchemical apparatus.
The alchemists succeeded in creating life, in the form of the alchemical Bird. Processes in
connection with the creation and tending of this Bird are described in a humorous and sprightly
manner” (YATES, 1972, p. 90)
46
Círculo de Tubinga, ou Tübingen em alemão, era um dos muitos grupos de filósofos e
pessoas cultas, que tinham sonhos reformistas e buscavam uma sociedade ideal, do qual
Andreae fazia parte. Tübingen é uma cidade localizada no atual estado de Baden-Württemberg,
cuja capital é Sttuttgart, e se localiza no sudoeste da Alemanha.
87

unificação espiritual, utilizando-se para isso de Hermetismo e do escrutínio


da natureza.” (BRITO, 2011, p. 17). Coincidentemente, ou não, a filosofia
rosacruciana manifesta a intenção de promover uma reforma espiritual na
Europa e o desejo de criar uma nova ciência.
No que se refere à questão da linguagem, os rosacruzes mencionam no
primeiro manifesto a existência de uma língua e escrita mágicas, expressa por
números e desenhos, até então conhecida por poucos e mantida em segredo.
Segundo eles, esta escrita mágica é tirada por empréstimo dos caracteres e
letras que Deus imprime na criação do céu e da terra e de todos os animais. De
acordo com o manifesto,

Estes caracteres e letras, que Deus inscreveu aqui e lá nas


Escrituras Sagradas, na Bíblia, quis imprimi-los também
manifestamente na maravilhosa criação do céu e da terra, bem
como em todos os animais. Assim, como os matemáticos e
astrônomos podem descobrir e entender antecipadamente
eclipses que estão por vir, nós poderemos verdadeiramente de
antemão conhecer e enxergar as obscuridades da Igreja, e por
quanto tempo elas devem durar. A partir deste código secreto,
foi tirada por empréstimo a nossa escrita mágica e descobrimos
e criamos nossa nova língua, que é apta para exprimir e tornar
conhecida a natureza de cada coisa. Se não somos igualmente
eloquentes em outras línguas, sabemos que estas não ecoam
a língua de nossos ancestrais, Adão e Enoch47, e que foram
corrompidas pela confusão de Babel.48 (YATES, 1972, p. 318-
319)

Ainda segundo o manifesto, é importante dedicar-se ao estudo e


divulgação de tal escrita, de modo que o livro da natureza fique acessível a
todos os seres humanos. A importância da linguagem é, portanto, defendida e
divulgada pelos rosacruzes como requisito essencial para levar a humanidade

47
Enoch é o filho de Caim, personagens do Antigo Testamento da Bíblia cristã.
48
“These characters and letters, as God hath here and there incorporated them in the Holy
Scriptures, the Bible, so hath he imprinted them in all beasts. So that like as the mathematician
and astronomer can long before see and know the eclipses which are to come, so we may verily
foreknow and foresee the darkness of obscurations of the Church, and how long they shall last.
From the which characters or letters we have borrowed our magic writing, and have found out,
and made, a new language for ourselves, in the which withal is expressed and declared the
nature of all things. So that it is no wonder that we are not so eloquent in other languages, the
wich we know that they are altogether disagreeing to the language of our forefathers, Adam and
Enoch, and were through the Babylonical confusion wholly hidden.” (YATES, 1972, p. 318 e 319)
88

a alcançar o conhecimento verdadeiro.


Na opinião de Eco (2001), é de se esperar que se uma nova ciência está
sendo proposta por estudiosos de diversos países da Europa, está implícita a
adoção de uma língua comum, que todos entendam. Em suas palavras,

É natural que o apelo é dirigido aos homens de todos os países


para propor uma nova ciência, dentro do espírito dos tempos,
seria necessário propor também a adoção de uma língua
perfeita. Na verdade, nos manifestos fala-se dessa língua, mas
a sua perfeição coincide com o seu segredo. (ECO, 2001, p.
224)

Até então, entre os estudiosos o latim faz o papel de língua universal.


Porém, gradativamente este idioma vai perdendo o lugar para as línguas
vernáculas.
Considerada uma língua internacional empregada por sábios, teólogos,
políticos e diplomatas de toda Europa, a língua latina predomina durante quase
mil anos. Na Idade Média, todas as obras científicas e filosóficas são escritas
neste idioma, ele é a língua universal dos estudiosos. De acordo com Eamon
(1994) naquele contexto, saber latim era atributo para distinguir o homem
estudioso do homem vulgar, a elite do povo, os poucos aptos a receber algum
conhecimento secreto dos muitos que tentavam corrompê-lo. Em suas palavras,

A ciência medieval era definida pela cultura das universidades


e sua língua oficial, o Latim. A ciência era o corpo do
conhecimento criado nas universidades por professores,
transmitido aos alunos através de leituras, comentários, e
disputas, e baseada numa tradição textual cuja língua era o
Latim, a franca língua da elite sábia. Uma língua falada apenas
na sala de aula e completamente controlada pela escrita, o
Latim simbolizava a barreira que dividia os sábios e a cultura
popular, na Idade Média.49 (EAMON, 1994, p. 93)

49
“Medieval science was defined and shaped by university culture and its official language, Latin.
Science was the body of knowledge created in the universities by professors, passed down to
students through lecture, commentary, and disputation, and embodied in a textual tradition
whose language was Latin, the lingua franca of the learned elite. A language spoken only in the
classroom and completely controlled by writing, Latin symbolized the barriers that divided
learned from popular culture in the Middle Ages.” (EAMON, 1994, p. 93)
89

Na análise de Eamon (1994), a textualização da ciência em latim serve


entre outras coisas para legitimá-la, colocando-a separada do saber popular, da
tradição oral. Isto porque na Idade Média a literati, no sentido da habilidade de
saber ler e escrever na língua latina, representa o viés que separa a elite
científica do resto da sociedade. Os termos escolásticos utilizados para
descrever a illiterati, ou seja, a incapacidade de ler ou escrever em latim, revela
muito sobre o significado cultural da latinidade. Além de serem identificados por
illiterati (analfabeto, ignorante, iletrado), são denominados também por laici
(leigo) e indocti (ignorante), significando o estado secular de sua ignorância na
ciência e em sua doutrina. Outros termos utilizados para referir-se a estas
pessoas são rustici (rústico) ou idiotae (ignorante, deseducado), ou ainda
simplices (simples) ou pauperes (pobre, indigente).
A noção de literati é intimamente relacionada à racionalidade, enquanto
a illiterati, à credulidade e à superstição. A partir do desenvolvimento da
linguagem formal na ciência, teologia, literatura e filosofia, análises textuais
surgem como método geral do conhecimento e só é confiável o que tenha
suporte textual. Assim, por não contar com registros escritos, a sabedoria
popular passa a ser desprezada.
Na ciência escolástica a ideia de natureza é baseada em textos, ela
suplanta a concretude e a tangibilidade da natureza que a tradição oral aceita
sem questionamentos. Dessa forma os termos literati e iliterati carregam
significados culturais que transcendem a habilidade de ler e escrever em latim.
Eles significam a divisão entre duas culturas. A língua latina, que durante a
Idade Média foi inquestionavelmente uma língua estrangeira empregada por
uma minoria de clerici (clérigo, sábio, estudioso), estabelece uma divisão entre
o racional, a cultura científica da classe educada; e o concreto, a cultura leiga
relacionada aos fenômenos da natureza, a cultura dos rústicos, das pessoas
comuns, das pessoas simples.
No entanto, com a invenção da máquina impressora de tipos móveis por
Johannes Gutenberg (1398-1468) e o consequente crescimento de publicações
é de se esperar que as línguas naturais se fortaleçam. De fato, a máquina
impressora de tipos móveis é vista como o símbolo de uma nova era,
associada frequentemente à invenção da pólvora e da bússola. No século XVI
avoluma-se a quantidade de material impresso publicado. Nas palavras de
90

Burke (2000), no artigo Coping with Gutenberg: the information explosion in


early modern Europe (Dificuldades causadas por Gutenberg: a explosão de
informações no início da Europa moderna), vivencia-se

[...] a assim chamada ‘explosão’ da informação - uma metáfora


desconfortável que remete à pólvora - que se seguiu à
invenção da imprensa. As informações espalharam-se 'em
quantidades sem precedentes e numa velocidade sem
precedentes’. 50 (BURKE, 2000, p. 03).

Se até a pouco tempo os autores escreviam para uma audiência


pequena de leitores da academia, agora um mais amplo e mais diversificado
público, nem sempre conhecedor da língua latina, reinvidica atenção e aqueles
envolvidos na produção de livros não podem ignorar a variedade de interesses
desse novo público. Segundo Burke (2000),

Costuma-se ver a impressão com tipos móveis como a solução


para um problema, como uma forma de ajustar a oferta de
textos para atender a crescente demanda por eles no final da
Idade Média, época em que o número de leigos e mulheres
alfabetizadas estava aumentando.51 (BURKE, 2000, p. 01)

Struik (1989) concorda com esta posição e entende que a tendência em


escrever no vernáculo e não no latim se deve também ao fato dos eruditos
desejarem alcançar um público que está pronto a aprender acerca das novas
ciências e que não conhece o latim.
Com a invenção de Gutenberg, a cultura dos iletrados e dos letrados se
aproxima. A imprensa possibilita a troca de informações entre grupos
anteriormente separados por barreiras sociais e culturais, uma vez que
proporciona o encontro entre sábios, artesãos, comerciantes e humanistas

50
“[…] at the so-called information ‘explosion’ - a metaphor uncomfortably reminiscent of
gunpowder - which followed the invention of printing. Information spread ‘in unprecedented
amounts and at unprecedented speed’.” (BURKE, 2000, p. 03)
51
“It is customary to view printing with moveable type as the solution to a problem, as a way of
adjusting the supply of texts to meet the increasing demand for them in the late Middle Ages, a
time when the numbers of literate laymen and women were increasing.” (BURKE, 2000, p. 01)
91

envolvidos em tarefas mutuamente relacionadas tais como a produção e


distribuição de livros e a regulamentação das palavras escritas.
Para Eamon (1994) "Com o advento dos tradutores profissionais, das
casas da imprensa especializadas na literatura vernacular e a explosão das
publicações em vernáculo a velha distinção latim/letrados versus
vernacular/iletrados começa a declinar."52 (EAMON, 1994, p. 95). O surgimento
da imprensa pode não ter excluído a barreira cultural entre sábios e populares,
mas esta barreira não coincide mais com a barreira imposta pelo latim. Em
outras palavras, se até então é o latim que estabelece a divisão de letrados
versus iletrados, neste momento ele perde esta função: a imprensa assume o
papel de mediadora das culturas.
No artigo a que nos referimos, Burke (2000) comenta que, segundo o
geógrafo sueco Torsten Hägerstrand, todo processo de inovação traz em si não
só aspectos positivos, mas também aspectos negativos, ou seja, possui um
lado construtivo e outro lado destrutivo. A imprensa sendo inovadora possui
estes dois aspectos e é criticada por diferentes grupos sociais, a exemplo dos
copistas, dos que vendem manuscritos e dos cantores contadores de histórias,
que receiam perder seu ofício. Os clérigos também a criticam por temerem que
os leigos passem a estudar os textos religiosos por conta própria, e adquiram
uma maneira própria de interpretá-los em vez de seguir as orientações da
Igreja. E é o que acontece quando, no século XVI as classes menos eruditas,
como sapateiros, pedreiros, artesãos e donas de casa, reivindicam o direito de
interpretar as escrituras por conta própria.
Os estudiosos também observam desvantagens em relação ao novo
sistema de divulgação. Conforme Burke (2000),

O astrônomo humanista Johann Regiomontanus observou por


volta de 1464 que tipógrafos descuidados poderiam multiplicar
erros, e um outro humanista, Niccolò Perotti, apresentou em
1470 um projeto para a censura erudita. Ainda mais grave era
o problema de recuperação de informação e, ligado a isso, a
seleção e crítica de livros e autores.53 (BURKE, 2000, p. 03).

52
“With the advent of professional translators, the growth of printing houses specializing in
vernacular literate, ant the explosion of vernacular publication, the old distinction, Latin/lettered
versus vernacular/unlettered, began to break down.” (EAMON, 1994, p. 95)
53
“The humanist astronomer Johann Regiomontanus noted in 1464 or thereabouts that
careless printers would multiply errors, and another humanist, Niccolò Perotti, put forward a
project for scholarly censorship in 1470. Even more serious was the problem of information
92

De qualquer forma, já a partir do século XV, inicia-se a publicação de


obras em línguas vernáculas. Dentre elas, podemos citar, no século XV, a obra
Triparty en la science des nombres (A ciência dos números tripartidos) de
Nicolas Chuquet (1445-1517), publicada postumamente em francês; a obra
Fascicolo di Medicina, (Fascículo de Medicina) de 1493, uma espécie de
compêndio de medicina que tem numerosas reedições e traduções nos idiomas
latino, italiano e espanhol, é disponibilizada não só para os estudantes
universitários, mas também para aprendizes de cirurgiões, barbeiros e quem se
interesse pelo assunto.
No século XVI, Galileu Galilei (1564-1642) escreve a obra Dialoghi sopra
i due massimi sistemi del mondo, ptolemaico e copernicano (Diálogos sobre os
dois sistemas máximos do mundo, ptolomaico e copernicano) em italiano,
publicada em 1632. Este trabalho desencadeia o conhecido processo da Santa
Inquisição contra Galileu.
Muitos outros eruditos a partir do século XVII escrevem no idioma pátrio,
mas não abandonam o latim. Dentre eles podemos citar Simon Stevin (1548-
1620) que escreve em holandês, Francis Bacon em inglês, René Descartes em
francês, o próprio Leibniz que tem alguns escritos em alemão.
Outro motivo pelo qual, no Renascimento, os idiomas ditos vulgares
passem a ganhar força refere-se à consolidação das fronteiras dos novos
estados e a criação de novas nações.
Podemos citar ainda que os próprios humanistas do século XVII
condenam o latim à decadência ao tentar restaurar sua pureza original,
desaprovando todas as alterações que este idioma havia sofrido pelo uso
vulgar na Idade Média, dessa maneira relegando o latim à obsolescência.
Por sua vez, os ingleses, que na época são bastante influentes, passam
a rejeitar fortemente o latim enquanto língua oficial. Isto por duas questões
principais: uma de cunho religioso e outra de cunho linguístico. A Igreja Católica
defende o latim como língua oficial argumentando que, uma vez que há uma só
natureza e várias línguas, embora a semelhança, que é primeira razão de ser
da linguagem, é apagada quando a Torre de Babel é destruída, a linguagem
não está separada do mundo. Assim, Deus ordena que a linguagem de sua

retrieval and, linked to this, the selection and criticism of books and authors.”(BURKE, 2000, p.
03)
93

igreja, o latim, se estenda por todos os lugares. Na Inglaterra, por questões


históricas que vêm a influenciar a orientação religiosa 54, predomina a religião
protestante. A divergência religiosa, portanto, justifica a rejeição inglesa em
relação à língua latina.
No que se refere à questão linguística, os ingleses desaprovam o uso do
latim como língua filosófica devido à acentuada dificuldade em assimilar uma
língua tão diferente da sua, e se desagradam com “[...] os frequentes
sarcasmos dos estrangeiros que acham graça observando a incapacidade
geral deles em falar tal idioma.” (SALMON apud ECO, 2001, p. 256).
Então, com o abandono gradativo do latim enquanto língua
compartilhada na academia é natural que se busque uma nova Linguagem
universal para substituí-lo.
A maior parte das referências que mostram o início da defesa da criação
de uma língua universal no século XVII advém da Inglaterra. Como já vimos, o
primeiro que advoga em favor é Francis Bacon. Apesar de Eco (2001)
considerar que Francis Bacon se interessa pela criação de uma Linguagem
universal de maneira periférica, reconhece que suas observações têm
importância fundamental nos estudos sobre este tema. Na verdade, o primeiro
enunciado sobre a construção de uma língua universal está na obra intitulada
O progresso do conhecimento, publicada em 1605. As ideias empregadas por
Bacon na defesa da criação de uma Linguagem universal ou filosófica estão
presentes em praticamente todos os trabalhos elaborados por outros eruditos,
fazendo parte dos pressupostos desses autores, implícita ou explicitamente.
Daí a importância de discutir as ideias baconianas.
Bacon, na obra O progresso do conhecimento, dentre outros pontos,
trata do modo de transmitir o conhecimento de uma pessoa para outra, o que
denomina Comunicação ou Transmissão. Divide a análise em três partes: o
método, a ilustração e o órgão da comunicação (Discurso ou Palavra).
Ao tratar desse último ponto, faz a defesa da criação de uma língua
universal que expresse diretamente o pensamento, “[...] pois tudo aquilo que é

54
No século XVI, o rei Henrique VIII da Inglaterra patrocina uma reforma religiosa que provoca
mudanças nas áreas econômica e social. Ele cria uma igreja nacional e torna-se, além de
chefe político, chefe religioso da Inglaterra. Com este poder, confisca dois terços do solo inglês
que até então estavam em poder de Roma, tornando-se inimigo do Papa. Depois disso, sob o
reinado de sua filha Elizabeth I, a Inglaterra torna-se a maior potência protestante da época e
adquire extraordinária força política.
94

suscetível de mostrar diferenças suficientes perceptíveis pelos sentidos, é por


natureza apto para expressar os pensamentos” (BACON, 2007, p. 204). Para
tanto, essa língua é composta por caracteres reais que representam
imediatamente coisas e noções. Na opinião dele, as palavras muitas vezes
trazem confusão, por não evidenciar o que significam, por esta razão os
caracteres idealizados por ele não precisam ser expressos por letras ou
palavras. Lembra que os pensamentos nem sempre são expressos por
palavras, por exemplo, os bárbaros, ao comercializarem entre si, apesar de não
falarem a mesma língua, se comunicam por meio de gestos, assim como as
pessoas privadas da audição e/ou da fala. Menciona também que o povo da
China e dos reinos do Extremo Oriente também não usam letras ou palavras. A
escrita deles é constituída por caracteres não alfabéticos e, desta maneira
países e províncias que utilizam línguas diferentes podem ler textos de outros
lugares que usem esse meio de escrita.
Dando continuidade à discussão sobre os sinais usados para
comunicação, Bacon os classifica em dois tipos: ex côngruo (da congruência) e
ad placitum (da vontade).
São do primeiro tipo aqueles que guardam alguma semelhança ou
congruência com a ideia – é o caso dos hieróglifos e dos gestos. Salienta que
os hieróglifos foram cultivados pelos egípcios e dizem respeito a emblemas
fixados, os quais reduzem “[...] os conceitos intelectuais a imagens sensíveis,
que atingem mais a memória, do que se pode extrair axiomas muito mais
práticos que os que agora se utilizam [...]” (BACON, 2007, p. 204). Os gestos
são como hieróglifos transitórios, já que têm afinidade com as coisas
significadas.
São do segundo tipo os que são construídos por contato ou convenção,
ou seja, arbitrários, que é o caso dos caracteres reais e das palavras. Destes,
foram poucos os frutos obtidos ao tentarem impor-lhes nomes da razão e do
entendimento.
Bacon considera que essa parte dos conhecimentos, relativa aos Signos
das Coisas e Pensamentos, não está, até aquele momento, suficientemente
investigada. Recomenda seu estudo, “[...] pois as palavras são o meio de troca
corrente e aceito das ideias, como as moedas são dos valores” (BACON, 2007,
p. 206).
95

O filósofo inglês defende a criação de uma Linguagem universal não só


com a intenção de eliminar as confusões a que as línguas naturais estão
sujeitas, mas também para evitar os obstáculos para o avanço do
conhecimento, criados pelos escolásticos por meio do mau uso da retórica e de
falsos saberes55.
Os eruditos ingleses que fazem parte do que se chamava grupo
baconiano comungam da mesma opinião de Bacon, dirigem as mesmas
críticas aos escolásticos e defendem de forma bastante intensa o rigor
científico, incluindo o linguístico, contra a retórica escolástica.
Apesar da crítica aos escolásticos, Bacon considera que eles poderiam
ter contribuído para o progresso de todo saber e conhecimento uma vez que
eles têm grande sede de verdade e são incansáveis no trabalho. Mas para ter
sucesso nessa tarefa, precisariam ter saído do escuro em que se encontram
buscando maior variedade e universalidade de leituras para contemplação,
atitude que não tomam e, assim, não apenas deixam de cooperar para o
avanço do conhecimento como também criam muitos obstáculos. Em suas
palavras, os escolásticos,

[...] providos de engenho afiado e robusto, e abundância de


tempo livre, mas pequena variedade de leituras, pois estavam
encerrados seus entendimentos nas celas de uns poucos
autores (principalmente Aristóteles, seu ditador), como o
estavam suas pessoas nas celas de monastérios e colégios; e
conhecendo pouca história natural ou dos tempos, com
reduzida quantidade de matéria e agitação infinita do engenho
nos teceram essas laboriosas teias de saber que achamos em
seus livros. (BACON, 2007, p. 49,50)

55
Bacon caracteriza três tipos de falsos saberes. O saber fantástico decorrente das
imaginações fúteis; o saber contencioso causado pelas disputas fúteis e o saber delicado
advindo de afetações na forma de dizer as coisas. De acordo com Bacon, os escolásticos
desenvolveram o saber contencioso e o saber delicado. O saber delicado é aquele no qual as
palavras se tornam mais importantes do que o assunto estudado. Nas palavras de Bacon
(2007), os escolásticos “[...] se davam a liberdade de cunhar e compor termos novos para
expressar seu sentido próprio e evitar o rodeio, sem consideração à pureza, à elegância e, por
assim dizer, à legitimidade da frase ou palavra.” (BACON, 2007, p. 46). Por sua vez, o saber
contencioso refere-se à inflexibilidade de posições assumidas, que forçosamente alimentam
oposições acirradas e levam a contestações fúteis. Segundo Bacon, os escolásticos,
“Destroem a solidez das ciências com minúcias dialéticas.” (“Quaestionum minutiis scientiarum
frangunt soliditatem.”) (BACON, 2007, p. 51).
96

Por outro lado, Bacon entende que uma língua filosófica é necessária
para eliminar os obscurecimentos da mente, os Idola 56 , que impedem o
conhecimento verdadeiro. No livro Novum Organum Scientiarum: sive indicia
de interpretatione naturae57, (Novo Método (ou Nova Linguagem) da Ciência:
ou Verdadeiras Indicações Acerca da Interpretação da Natureza) publicado em
1620, Francis Bacon descreve quatro gêneros de ídolos: Ídolo da Tribo, da
Caverna, do Foro e do Teatro58.
Na concepção de Bacon, os enganos que se impõem por meio das
palavras, ou são nomes de coisas que não existem ou nomes de coisas que
existem, mas cuja noção é confusa, e são mal definidas, são os Ídolos do Foro.
Ele entende que para nos aproximarmos das coisas é preciso, primeiramente
rejeitar os nomes que não correspondem a coisas reais e, em segundo lugar,
aprender a construir palavras que correspondam efetivamente às coisas.
Segundo Bacon, “[...] a fortuna, o primeiro móvel, as órbitas planetárias,
o elemento fogo e ficções semelhantes, que têm origem em teorias vazias e
falsas.” (BACON, 1999, p. 47) são exemplos de palavras para coisas que não

56
Um dos alicerces da filosofia baconiana é a destruição dos Idola (os Ídolos), ou seja, das
falsas ideias que derivam da própria natureza humana, ou dos dogmas filosóficos difundidos
pela tradição.
57
‘Organum’ é uma palavra latina traduzida geralmente por ‘organismo’ ou ‘instrumento’.
‘Instrumento’ no sentido de ‘instrumento do pensamento racional’ e, portanto, ‘método’. De
acordo com o Novissimo diccionario latino-portuguez de L. Quicherat, Prudentius – considerado
o maior poeta cristão da Antiguidade – usa ‘organum’ no sentido de ‘língua’ ou ‘linguagem’.
Venantius Fortunatus – outro grande poeta cristão – usa palavra no sentido de ‘língua ou voz
humana’. Assim Novum Organum Scientiarum tanto pode ser traduzido por Novo Método da
Ciência, quanto Nova Linguagem ou Nova Língua da Ciência.
58
No original Idola Tribus, Idola Specus, Idola Fori e Idola Theatri. Os Ídolos da Tribo se
fundamentam na natureza humana. Nesta doutrina “[...] as percepções tanto dos sentidos
quanto da mente guardam analogia com a natureza humana e não com o universo” (BACON,
1999, p. 40). Por este motivo os sentidos do homem não devem ser a medida das coisas. Os
Ídolos da Caverna, nomenclatura inspirada no Mito da Caverna descrito na República de Platão,
correspondem aos enganos cometidos pelos homens enquanto indivíduos. Segundo Bacon
(1999) “[...] cada um – além das aberrações próprias da natureza humana em geral – tem uma
caverna ou cova que intercepta e corrompe a luz da natureza” (BACON, 1999, p. 40). Ídolos do
Foro são os provenientes das relações e da ação mútua das pessoas entre si e dizem respeito
ao modo como usamos a língua. Para Bacon os homens são arrastados a inúmeras
controvérsias e fantasias devido a definições e explicações defeituosas causadas pelo mau uso
de palavras. Para ele “[...] as palavras, impostas de maneira imprópria e inepta, bloqueiam
espantosamente o intelecto” (BACON, 1999, p. 41). Os Ídolos do Teatro são os enganos que
entram no espírito do homem por meio das diversas doutrinas filosóficas e pelas regras
defeituosas das demonstrações. Ele afirma, então, que “[...] não pensamos apenas nos
sistemas filosóficos, na sua universalidade, mas também nos numerosos princípios e axiomas
das ciências que entram em vigor, mercê da tradição, da credulidade e da negligência.”
(BACON, 1999, p. 41). Para Bacon, os ídolos só são dissipados pela prudência do espírito e
negação da pressa.
97

existem. Para livrar-se delas, é suficiente rejeitar a teoria que criou estas
palavras. Por sua vez, a palavra úmido é um caso de noção confusa, pois
significa coisas diferentes, dentre outras possibilidades pode significar: “[...]
tudo que se expande facilmente em torno de um outro corpo, tudo que é em si
mesmo indeterminável e não pode ter consistência, tudo o que cede facilmente
em todos os sentidos [...]” (BACON, 1999, p. 47). Neste caso, o problema é
mais complexo porque tem conexão com a abstração das coisas, que, quando
feita de modo superficial e inexperiente, ocasiona noções confusas. Bacon
reflete que as noções devem ser abstraídas corretamente das coisas e
corresponder a elas, pois quando a noção é construída de forma vaga e
imprecisa, o nome dado à coisa ressente da falta de uma definição. Para ele,
não se trata de dar uma definição no sentido de apontar o campo de aplicação
da palavra, restringindo seu sentido. Não lhe parece útil usar definições
precisas como as dos matemáticos, uma vez que quando se trata de coisas
naturais e materiais as definições são feitas por palavras e palavras geram
outras palavras. De acordo com Rossi (2004), Bacon defende que é necessário
criar as noções das coisas, e para tanto “[...] elaborar, com base em um ‘estudo
dos casos particulares, assim como da sua série e ordem’, uma noção que
reconduza a diversidade dos comportamentos à unidade e sirva de critério para
explicar tal diversidade.” (ROSSI, 2004, p. 289). Na opinião de Bacon, a criação
de uma nova linguagem é uma alternativa para evitar estes equívocos.
Outra motivação elencada pelos historiadores, talvez de menor
importância, que justifica a intenção da construção de sistemas universais que
superem a diversidade das línguas naturais é o aumento, na época, do
intercâmbio político, econômico, científico e religioso entre os países.
Além disso, nos séculos XV e XVI, quando os europeus, principalmente
portugueses e espanhóis, lançam-se em grandes navegações, são
descobertas rotas marítimas que os levam a ter contato culturas
completamente diferente das que até então conhecem. Pombo (1997) lembra
que os relatos dessas viagens colocam o homem europeu em contato não só
com novas culturas, mas também com novas línguas naturais, fato que origina
um movimento de curiosidade e criatividade linguísticas.
Assim, os europeus percebem que o mundo é bem maior do que
imaginam e que existem plantas, animais, técnicas e práticas desconhecidas
98

para eles, que não se encaixam na classificação até então estudada. Podemos
verificar que entre meados do século XVI e meados do século XVII, a área de
estudos que atualmente denominamos como ciências da natureza sofre
acentuado impacto em decorrência das novas descobertas nos campos da
botânica, zoologia, mineralogia, geologia e biologia, especialmente em relação
à quantidade de dados. Para que se tenha uma ideia, o tratado Herbarum
verae icones (Ervas corretamente simbolizadas), de 1530, escrito por Otto
Braunfels (1488-1534) tem registradas duzentas e cinquenta e oito espécies de
plantas. Em 1623, menos de cem anos depois, o naturalista suíço Gaspar
Bahuin (1560-1624) registrou em torno de seis mil espécies no tratado Pinax
theatri botanici (Lugar botânico das árvores). E em 1686, menos de sessenta
anos depois, saía o primeiro volume de uma obra monumental, a Historia
plantarum (História das plantas) de um dos fundadores da botânica enquanto
ciência, John Ray (1627-1705) contendo a descrição de dezoito mil espécies
de plantas.
Com tantas novas espécies, se torna difícil, se não impossível,
memorizar o nome de tantas plantas bem como suas características. Conclui-
se então que é necessário criar um novo método de classificação pois o
disponível àquele tempo se torna ineficaz.
Joseph Pitton de Tournefort (1656-1708), professor de botânica,
comenta que os antigos davam nomes às plantas de acordo com as virtudes e
as possibilidades de uso de cada planta, auxiliando a medicina, mas ofuscando
a botânica. A este respeito afirma que a fim de que a botânica se tornasse
ciência seria preciso “[...] que se inicie o estudo das plantas mediante o estudo
de seus nomes.” (TOURNEFORT apud ROSSI 2001, p. 344). Para ele, as
características de uma planta deveriam “[...] ser entrelaçadas tão estritamente
com o seu nome a ponto de resultar inseparáveis do mesmo.” (ROSSI, 2001, p.
344). Assim, aprendendo o nome das coisas, estaríamos sendo instruídos a
respeito de sua natureza. Então “[...] se as ligações, as contraposições e as
relações entre os termos da linguagem reproduzem as ligações, as
contraposições e as relações entre as coisas, nomear equivale a conhecer.”
(ROSSI, 2001, p. 344). Antes de dar nome às coisas da natureza, é necessário
então proceder à tabulação de tais coisas, ou seja, classificar as coisas das
ciências naturais. Mas, para fazer essa tabulação, é preciso primeiro fazer um
99

diagnóstico das coisas, tipificando-as de acordo com o que é essencial e


desprezando o supérfluo, adotando ramificações ao invés de semelhanças. Daí
a busca da língua universal se torna uma necessidade para encontrar
nomenclaturas para as novas descobertas.
No entanto, por não ter tido outra alternativa o latim foi adotado. Não foi
um caminho fácil chegar à nomenclatura das coisas da natureza que temos
hoje, por exemplo, a planta ‘gerânio’, foi nomeada com duas palavras pelo
botânico Carolus Linnaeus (1707-1778), conhecido por Lineu, no século XVIII,
enquanto Tournefort no século XVII o nomeou com 15 palavras59.
Devemos acrescentar ainda outro acontecimento que pode esclarecer a
influência histórica da produção científica sobre o tema das linguagens: trata-se
da chegada a Londres, em 1641, de João Amós Comênio, ou Comenius.
De acordo com Eco (2001), é curiosa a influência de Comênio em um
ambiente científico inglês, uma vez que ele é ligado às questões da
espiritualidade rosacruciana, “[...] sendo impelido por uma tensão religiosa que
poderia ter pouco em comum com as preocupações científicas do ambiente
inglês” (ECO, 2001, p. 261).
Apesar dessa diferença entre as concepções inglesas e as de Comenius,
no ano de sua chegada, o manuscrito Via Lucis (Caminho da Luz) começa a
circular na Inglaterra. No texto Comenius retoma as recomendações de Bacon
sobre os caracteres universais com uma amplitude bem maior. Ele defende que,
se a língua escrita pelos chineses permite a pessoas de outras línguas se
entenderem, se esta é uma característica boa e vantajosa, por que não buscar
uma linguagem real, isto é, uma língua que mostre o pensamento e a verdade
das coisas? Questiona que, se a multiplicidade das línguas,

[...] é decorrente do acaso e da confusão, por que não se


poderia, fazendo uso de um procedimento consciente e
racional, construir uma única língua que seja elegante e criativa
e se mostre capaz de superar aquela confusão perniciosa? Se
temos a possibilidade de adaptar os nossos conceitos às
formas das coisas, por que não deveríamos ter aquela de
adaptar a linguagem a expressões mais exatas e a conceitos
mais precisos?(COMENIUS apud ROSSI, 2004, p. 298)

59
Lineu o nomeou por ‘Poa bulbose’. Tournefort o nomeou por ‘Gramen Xerampelinum,
miliacea, praetenui, ramosaque sparsa canícula, sive Xerampelinum congener, arvense,
aestivum, gravem minutíssimo semine’.
100

A partir da circulação do Via Lucis, muitos estudiosos publicam sobre o


tema da construção de uma única língua. Nas palavras de Rossi (1992), “[...]
depois desse ano houve uma verdadeira florescência de textos.” (ROSSI, 1992,
p. 280).
Em 1640, Comenius vai para a Inglaterra a convite de Samuel Hartlib (ca.
1600-1662), educador que vive na Inglaterra desde 1628. Era uma época de
profundas mudanças nos sistemas político, econômico, social e cultural inglês.
Naquele ano, o Alto Parlamento Inglês se reúne para discutir graves problemas
que afetam a nação, dentre eles, a imagem que a população tem dessa
instituição, a política interna da monarquia e mais do que tudo, a política
relativa aos imigrantes e estrangeiros. A partir das decisões tomadas,

Um clima de grande entusiasmo foi gerado e os pensamentos


se voltaram para a possibilidade de uma ampla reforma
universal, na educação, na religião, no avanço do
conhecimento para o bem da humanidade. [...] Naquele
momento empolgante, quando a Inglaterra parecia ser a terra
escolhida por Jeová para ser o palco da restauração de todas
as coisas, quando pela primeira vez seria possível que o bem
comum imaginado talvez se tornasse o bem comum real,
colégios invisíveis, [se tornassem] colégios reais, Hartlib
escreve a Comenius incitando-o a vir para a Inglaterra para
ajuda-lo neste magnífico trabalho. 60 (YATES, 1972, p. 228,229)

Comenius se junta a Hartlib e John Dury (1596-1680), estudioso escocês


entusiasta dos mesmos projetos idealistas de Hartlib. Ali, eles entram em
contato com o baconismo, movimento que está florescendo vigorosamente
nesta época. Os três amigos são admiradores do trabalho de Bacon e
consideram-no o grande mestre do avanço do conhecimento. Este tempo é
marcado pelo furor rosacruciano e pela esperança de uma reforma universal do
saber. Eles tentam divulgar esta reforma e “[...] talvez tenham entendido melhor

60
“A mood of great enthusiasm was generated and thoughts turned to far-reaching vistas of
some universal reformation, in education, in religion, in advancement of learning for the good of
mankind. […] In this thrilling hour when it seemed that England might be the land chosen by
Jehovah to be the scene of the restoration of all things, when the possibility dawned that here
imaginary commonwealths might become real commonwealths, invisible colleges, real colleges,
Hartlib wrote to Comenius and urged him to come to England to assist in the great work.”
(YATES, 1972, p. 228,229)
101

do que nós o mistério dos Irmãos R. C. e seu Colégio Invisível.” 61 (YATES,


1972, p. 228).
A denominação Invisible College, ou, Colégio Invisível, refere-se a um
tipo de organização existente na Inglaterra no século XVII. Trata-se de grupos,
ou talvez apenas um grupo, de estudiosos que se reúnem para discutir ciência,
filosofia e para realizar experimentos. Os resultados desses encontros são
registrados e muitas vezes distribuídos como cartas ou atas aos participantes e
amigos que desenvolvem trabalhos afins.
Não se sabe ao certo se existe apenas um ou mais Colégios Invisíveis,
nem quem faz parte deles. As suposições de Yates (1972) na obra The
Rosacrucian Enlightenment (A iluminação rosacruciana) nos leva a dois
caminhos: ou é um grupo diretamente ligado aos Rosa Cruzes ou se refere à
associação liderada por Hartlib, Dury e Comenius.
Na verdade, quem utiliza pela primeira vez a expressão Invisible College
é Robert Boyle em uma carta escrita em outubro de 1646. Em outra carta
datada de 1647, Boyle cita novamente a expressão. Ele se refere ao Colégio
Invisível como um grupo de estudiosos de filosofia. O conteúdo dessas cartas
nos leva a crer mais fortemente que seria uma organização ligada ao Rosa
Cruzes.
Na primeira carta, endereçada a seu tutor, Boyle anuncia que está se
inscrevendo para uma aula de filosofia natural, cujos preceitos estão de acordo
com os princípios da nova escola de filosofia. Pede indicação e livros que
possam ser úteis a ele e que o façam ser bem vindo ao Colégio Invisível.
Comenta ainda sobre sua satisfação em ser aceito no grupo:

O melhor disso é que os pilares do Colégio Invisível (ou como


eles chamam a si mesmo Colégio Filosófico) de agora em
diante me honram com a sua companhia... Homens de espírito
abrangente e curiosos, tanto que a filosofia é senão a mais
diminuta área de seu conhecimento. [...] pessoas que se
esforçam para excluir as mentes estreitas através da prática da
caridade atingindo tudo que pode se chamar homem e nada

61
[...] may well have understood better than we do the meaning of the mystery of the R.C.
Brothers and their Invisible College.” (YATES, 1972, p. 228)
102

menos do que uma bondade universal poderia os uni-los.” 62


(BOYLE apud YATES, 1972, p. 235)

Na outra carta, endereçada a Hartlib, Boyle fala novamente sobre o


Colégio Invisível e seus planos direcionados à prática do bem comum. O uso
por Boyle da expressão Invisible College ao referir-se ao grupo a que ele está
tendo acesso, sugere que, apesar de os rosacruzes não terem sido
mencionados, Boyle e seus amigos têm algum conhecimento de que exista
uma relação entre estes e os membros do Colégio Invisível, pois se referem a
esta organização utilizando o termo ludibrium.
O termo, ludibrium, é repetidamente citado por Andreae na sua obra
Chymische Hochzeit Christian Rosencreutz para referir-se ao movimento Rosa
Cruz. Yates (1972) observa que, conquanto alguns autores tenham traduzido o
termo ludibrium como ‘farsa’, ‘mentira’, é de se considerar que o termo em si
possui outras possibilidades de tradução, como por exemplo, ‘comédia’, ‘peça
teatral’. Se tomarmos os últimos sentidos da palavra, podemos interpretar que
o jovem Andreae procura afirmar que o movimento Rosa Cruz não se trata de
uma mera ilusão, uma mentira, mas sim que a história de Christian
Rosencreutz ali contada não deve ser compreendida na literalidade. Nas
palavras da autora inglesa, esta abordagem de Andreae

[...] nos encoraja a pensar que, embora possamos admitir que


o manifesto não tenha a intenção de ser levado como uma
verdade literal, pode-se admitir mesmo assim algum outro
sentido, como que poderia ser uma divina comédia, ou alguma
representação alegórica de um movimento complexo religioso e
filosófico que possuiria influência através dos tempos. 63
(YATES, 1972, p. 68)

62
“The best on't is, that the conerstones of the Invisible or (as they term themselves) the
Philosophical College, do now and then honour me with their company...men of so capacious
and searching spirits, that school-philosophy is but the lowest region of their knowledge (...);
persons that endeavour to put narrow-mindedness out of countenance, by the practice of so
extensive a charity that it reaches unto everything called man, and nothing less than an
universal good-will can content it.” (BOYLE apud YATES, 1972, p. 235)
63
“[…] encourages the thought that, though the framers of the manifestos did not intend the
story of Christian Rosencreutz to be taken as literally true, it might yet have been true in some
other sense, might have been a divine comedy, or some allegorical presentation of a complex
religious and philosophical movement having a direct bearing upon the times.” (YATES, 1972, p.
68)
103

Na verdade, Yates (1972) conclui por fim que o termo se refere a “Nada
menos do que o velho ludibrium, a velha brincadeira sobre a invisibilidade
sempre associada aos Irmãos Rosa Cruzes e seu colégio.”64 (YATES, 1972, p.
235).
Segundo Stump (1996), quando o número de pessoas ligadas a um
Colégio Invisível, torna-se demasiado grande, ou os membros se dispersam, ou
se transformam em instituições mais estruturadas e visíveis, como as
academias e as sociedades científicas. Existem especulações de que o Colégio
Invisível, ou, um dos Colégios Invisíveis, mais tarde, tenha se tornado a
organização precursora da Royal Sociedade.
É possível que Comenius defenda a criação de algum tipo de
organização semelhante ao Colégio Invisível, pois no manuscrito Via Lucis ele
afirma que “Deveria existir um colégio, ou uma sociedade secreta, devotada ao
bem comum da humanidade, governado por leis e regras.”65 (COMENIUS apud
YATES, 1972, p. 231).
Da mesma forma que Bacon, Comenius é um forte defensor da
necessidade de se criar uma Linguagem universal para as ciências, tema
central de seus projetos. Rossi (2004) comenta que, para Comênio, assim
como para os seguidores de Lullio, a criação de uma Linguagem universal ou
língua filosófica perfeita teria dois objetivos:

1) Colocar o ser humano em contato renovado com a divina


harmonia que está presente no universo, mostrando-lhe a
coincidência entre o ritmo do pensamento e o ritmo da
realidade; 2) Colocar como única base possível para uma
reconciliação total do gênero humano e para uma paz religiosa
estável. (ROSSI, 2004, p. 299)

O manuscrito Via Lucis é publicado, como livro, em 1668. Assim como


os rosacrucianos, seu autor pensa que com uma linguagem nova, clara e
racional, todos os homens pertenceriam a uma só raça e um só povo, o que

64
“It is the old ludibrium, the old joke about invisibility always associated with the R.C. Brothers
and their college.”(YATES, 1972, p. 235)
65
“There should be a College, or a sacred society , devoted to the common welfare of mankind ,
and held together by some laws and rules” (COMENIO apud YATES, 1972, p. 231)
104

reflete seu pensamento sobre a paz universal. Comenius afirma que,

O mundo é como uma comédia na qual a sabedoria de Deus


brinca com os homens. O espetáculo ainda está
acontecendo; nós ainda não alcançamos o final da história e
os grandes avanços do homem em termos de conhecimento
estão prestes a acontecer. Deus nos promete os mais altos
estágios de luz ao final. [...] Quando todas as instâncias e
regras forem compiladas nós podemos esperar ‘uma Arte
das Artes, Ciência das Ciências, Sabedoria das Sabedorias,
Luz das Luzes”. As invenções das épocas passadas,
navegação e imprensa, abriram um caminho para a
propagação da luz. Nós estamos no limiar destas grandes
mudanças.66 (COMENIUS apud YATES, 1972, p. 230)

Comenius acredita que os homens sábios se debruçarão sobre o


problema da busca de uma Linguagem universal e acredita que, desta forma,
“[...] a luz dos ensinamentos de Cristo assim como a luz do conhecimento será
espalhada por todo mundo.”67
Neste capítulo, dedicado principalmente à esfera historiográfica,
analisamos diferentes abordagens segundo as quais se justifica a necessidade
de criar uma nova linguagem, dentre elas:
 a mudança na forma do saber ocidental, ocorrida do século XVI
para o XVII, segundo análise de Foucault;
 influência do movimento de busca pela paz e harmonia entre os
povos, com comentários sobre projetos de sociedades ideais;
 influência do movimento rosacruz: comentamos os três
manifestos – Fama Fraternitatis, Confessio Fraternitatis e
Chymische Hochzeit Christiani Rosencreutz;
 abandono do latim enquanto língua internacional, analisando as

66
“The world near the beginning of this book, is like a comedy which the wisdom of God plays
with men in every land. The play is still on; we have not yet reached the end of the story and
greater advances in man’s knowledge are at hand. God promises us the very highest stage of
light at the very end. […] When all instances and rules have been collected, we may hope that
‘an Art of Arts, a Science of Sciences, a Wisdom of Wisdom, a Light of Light’ shall at length be
possessed. The inventions of pervious ages, navigation and printing, have opened a way for the
spread of light. We may expect that we stand on the threshold of yet greater advances.”
(COMENIUS apud YATES, 1972, p. 230)
67
“So will the light of the Gospel, as well as the light of learning, be spread throughout the
world.” (YATES. 1972, p. 231)
105

motivações – advento da imprensa/ rejeição do latim pelos


ingleses/ tentativa frustrada de restaurar a pureza original do latim;
 defesa de Bacon para que se busque uma Linguagem universal e
consequente influência sobre outros eruditos;
 necessidade de novos termos para designar novos
conhecimentos;
 chegada de Comênio à Inglaterra.

Inspirados por um ou outro dos motivos explicitados anteriormente para


a tentativa de criar uma Linguagem universal, são muitos os projetos
formulados pelos estudiosos neste tema, especialmente na segunda metade do
século XVII e nas primeiras décadas do século XVIII, dentre eles os elaborados
por Leibniz, como explicitaremos a seguir.
106

3 Característica universal: projetos e implicações

Nesta parte do trabalho procuramos situar as ideias de Leibniz em


consonância com as discussões mantidas com os estudiosos da época
relativas à Linguagem universal nos detendo especialmente nas ideias
relacionadas à Característica universal. Trazemos projetos de outros eruditos,
nos quais ele se inspira para criar as próprias propostas. Apresentamos alguns
ensaios de Leibniz relativos à Linguagem universal e à Característica universal,
bem como um estudo sobre a Aritmética binária, uma concretização, na área
da Matemática, da Característica universal. Também examinamos suas
investigações relativas à Gramática racional.

3.1 Fontes leibnizianas e o primeiro ensaio da Característica Universal – a


Scriptura universalis.

Como mencionamos, especialmente no século XVII e início do século


XVIII, fortemente influenciados por Bacon e Comenius, muitos estudiosos se
dedicam a buscar uma Linguagem universal, sendo que, especialmente a partir
de 1641, ocorrem muitas publicações sobre este tema. A língua universal é
abordada e desenvolvida de diversas formas e em diversos campos do
conhecimento, recorrentemente sob a alegação de que possibilitaria uma via
direta de acesso ao conhecimento além de servir como ferramenta para facilitar
a comunicação entre povos que utilizam diferentes linguagens. Em todos os
casos, o ponto de partida para a invenção de tal língua ora é a consciência dos
limites das línguas existentes, a que se atribui a responsabilidade pelas
dificuldades de comunicação e outras imperfeições discursivas, ora é o desejo
de se ter uma linguagem que comunique perfeitamente o pensamento, motivos
pelos quais todo projeto da criação de uma Linguagem universal se apresenta
como forma de superação de defeitos.
A língua universal então é pensada enquanto uma possibilidade de
permitir o conhecimento tanto verificando a veracidade de ideias já existentes
quanto produzindo novas descobertas, além de oportunizar a comunicação
107

entre os homens, não importando qual seja sua nacionalidade.


Na análise de Couturat (1901), a intenção de fundar uma nova
linguagem que substitua todas as línguas não só no comércio entre os
diferentes países, mas principalmente nas relações entre os filósofos de toda
Europa, procede do movimento intelectual da Renascença, que ao renovar as
ciências e a filosofia, revela a unidade fundamental do espírito humano e cria a
ideia de “[...] uma rede de correspondências de pessoas que, no século XVII,
pretendiam divulgar o saber então produzido. Tais pessoas se
autodenominavam ‘República das Letras’”. (BRITO, 2012, p. 11). Couturat
(1901) entende que,

Enfim, o espírito humano tomava consciência de sua unidade,


e da unidade da ciência; todo esse grande movimento de ideias,
essa renovação das ciências, e a reforma da Lógica que era ao
mesmo tempo a condição e o resultado devia naturalmente
sugerir a criação de uma língua filosófica e científica mais
lógica que as línguas vulgares, que seria comum a todos os
eruditos e em consequência uma língua internacional.68 (LC, p.
56).

Leibniz, estudioso dedicado, participa intensamente de diversos


movimentos intelectuais de seu tempo, discutindo as ideias, apoiando-as,
refutando-as ou retirando delas o que têm de mais relevante, e neste caso
divulgando seus autores e prestando-lhes homenagem, demonstrando assim
sua honestidade intelectual. Especificamente em relação ao projeto sobre
Linguagem universal, ele explora praticamente todas as modalidades que estão
sendo investigadas e estabelece diversas estratégias para sua concretização.
Na opinião de Pombo (1997) é

[...] com Leibniz que esse projeto encontra o seu momento


mais alto e significativo. Com Leibniz se poderá dizer ter ele

68
“Enfin l’esprit humain prenait conscience de son unite, et de l’unité de la science; tour ce
grand movement d’idées, cette renovation des sciences, et la réforme de la Logique qui en était
à la fois la condition et le résultat, devaient naturellement suggérer la création d’une langue
philosophique et scientifique plus logique que les langues vulgaires, qui serait commune à tous
les savants, et par suíte internationale.”(LC, p. 56).
108

alcançado o mais elevado nível de problematicidade, adquirido


maior consciência das suas implicações lógicas e
epistemológicas. Simultaneamente, pela natureza diversificada
das estratégias e perspectivas com que Leibniz o procura
circunscrever, pelo caráter fragmentário e radicalmente
inconcluso dos seus múltiplos esboços, é também em Leibniz
que ele se revela em toda a sua incontornável aporeticidade.
(POMBO, 1997, p. 18)

Mesmo assim é possível estipular dois grandes objetivos em Leibniz,


relativos aos seus estudos em Linguagem universal, quais sejam: o de
compreender e aperfeiçoar as línguas naturais e o de construir uma nova
linguagem. Sob o ponto de vista de Pombo (1997), os projetos relativos a este
tema decorrem “[...] tanto da consideração do caráter impróprio das línguas
naturais para a constituição e progresso dos conhecimentos científicos, como
do reconhecimento das dificuldades que a linguagem humana oferece à sua
correcta utilização.” (POMBO, 1997, p. 168).
Na concepção de Leibniz, para a concretização da Linguagem universal
é necessário estabelecer as noções primitivas da filosofia, estipular um sistema
adequado de signos para representá-las e escolher as regras lógicas que ligam
as ideias simples ou noções primitivas para formar as noções complexas e
então expressar os pensamentos. Vale ressaltar que estes preceitos não
necessariamente precisam ser executados nesta ordem, porém se executados,
mesmo que em outra sequencia, estaria criada a Linguagem universal. A partir
daí, as investigações filosóficas poderiam ser feitas por meio dela, e o erro, se
houvesse, seria detectado por uma aplicação de regras de combinação,
transferência ou inferência. No prefácio do texto Science générale (Ciência
Geral) de 1677, Leibniz comenta que:

Aqueles que escreverem nessa língua não se enganarão


desde que evitem (os erros de cálculo), barbarismos,
solecismos e outras faltas em gramática e em construção.
Ademais, essa língua tem uma propriedade maravilhosa, que é
calar os ignorantes. Porque não se poderá falar nem escrever,
nessa língua, daquilo que não se entende; se se ousar fazê-lo,
pode acontecer uma de duas coisas: ou a vacuidade daquilo
que se afirma é manifesto (para toda a gente), ou aprende-se
ao escrever ou ao falar.69 (LEIBNIZ, 1677)

69
“Ceux qui ecriront en cette langue ne se tromperont pás pourveu qu’ils evitent les <erreurs de
calcul et> barbarismes, solicismes et autres fautes de grammaire et de construction; De plus
109

Conforme já declaramos no presente texto, a primeira proposta de


Leibniz em relação à constituição de uma Linguagem universal está contida na
obra Dissertatio De Arte Combinatoria.
A respeito deste trabalho, Couturat (1901) comenta que nele Leibniz
concebe o plano de uma língua universal verdadeiramente filosófica que
supera os projetos até então conhecidos, na medida em que não se trata
apenas de uma estenografia ou uma criptografia 70, mas sim de uma escrita
universal lógica na qual uma ideia é representada por meio de sinais. Mais
tarde Leibniz reconheceria o valor de sua obra, porém com algumas ressalvas.
Nos Novos Ensaios do Entendimento Humano ele comenta que

Foi fruto da minha primeira adolescência, e todavia a obra foi


reimpressa depois de muito tempo, sem consultar-me e mesmo
sem observar que se tratava de uma segunda edição. Isso
levou alguns a crerem, a meu desfavor, que eu era capaz de
publicar tal obra em idade avançada. Com efeito, embora
existam ali teses que ainda aprovo, outras há que só podem
convir a um jovem estudante. (LEIBNIZ, NE, p. 309)

Apesar da autocrítica, Leibniz se refere a projetos posteriores como uma


continuação desse trabalho.
Nele Leibniz desenvolve a concepção de Logicae inventionis (Lógica
inventiva ou Lógica da descoberta) ou ars inveniendi71 (arte de inventar). Como
resultado prático de tal lógica, decorre a proposta de uma nova linguagem. Ali,
Leibniz ainda não se refere especificamente a uma Linguagem universal, mas
sim a uma scriptura universalis (escrita universal), assegurando que as ideias
contidas em seu texto levam à “[...] escrita universal, isto é, [uma escrita] para

cette langue aura une proprieté merveilleuse, qui est de fermer la bouche aux ignorans. Car on
ne pourra pás parler ny ecrire en cette langue que de ce qu’on entend: on si on osa le faire, il
arrivera de deux choses: une ouque la varité de ce qu’on avance soit manifeste <à tout le
monde>, on qu’on apprenne em écrivant on en parlant.” (LEIBNIZ in OC, p. 156)
70
Estenografia (ou taquigrafia): arte e método de escrever tão rápido como uma pessoa fala,
por meio de sinais e abreviaturas. Criptografia (ou esteganografia): “[...] língua secreta para
codificar mensagens.” (ECO, 2001, p. 241, 242).
71
‘ars inveniendi’ é uma expressão latina que significa ‘arte de descobrir’, ou, ‘método de
inventar’, ou ainda ‘ciência da descoberta’. Na expressão temos ‘ars’ que é um substantivo
significando ‘arte, método, artifício, ciência, tudo que é de indústria humana’; e ‘inveniendi’ que
é um verbo significando ‘achar, encontrar, descobrir, inventar’.
110

qualquer leitor, qualquer especialista em linguagem inteligível, tal como até hoje
muitos homens eruditos tentaram.”72 (LEIBNIZ, 1666, p. 89).
Vale salientar que a escrita universal apresentada não é inspirado na
Álgebra ou na Aritmética, uma vez que, naquela época, Leibniz era um
principiante no campo da matemática, mas a exemplificação da teoria sobre
este tema é elaborada no campo da matemática.
Figura 14 - Capa e primeira página da obra Dissertatio de Arte Combinatoria.

73
Fonte: <http://www.rarebookroom.org/Control/leiart/index.html.> Acesso em 18.10.2013.

72
“[...] scripta universalis, id est cuicunque legenti, cujus cunquae lingua perito intelligibilis,
qualem hodie complures viri eruditi tentarunt [...]”. (LEIBINZ, 1666, p. 89)
73
Em relação ao diagrama constante desta figura Yates (2010) interpreta que “[...] o quadrado
dos quatro elementos está associado ao quadrado lógico de oposição, [e isto] mostra que
Leibniz compreendia o llullismo como lógica natural.” (YATES, 2010, p. 472)
111

Na Dissertatio de Arte Combinatoria, Leibniz primeiramente apresenta a


sinopse, depois uma Demonstratio existentiae Dei (Demonstração da
existência de Deus) como um suplemento do texto e então inicia o texto
propriamente dito com a expressão CUM DEO, que significa, “Sob o comando
de Deus”

Figura 15 - Excertos do Dissertatio de Arte Combinatoria.

Fonte: <http://www.rarebookroom.org/Control/leiart/index.html> Acesso em 18.10.2013.

Em linhas gerais, o texto compreende inicialmente um tratado sobre o


que ele denomina Lógica Inventiva, cujos princípios dão origem à atual Análise
Combinatória. Depois apresenta um estudo sobre as figuras do silogismo, para
em seguida utilizar os resultados obtidos na Lógica Inventiva e aplicá-los às
figuras do silogismo. Finalmente usa esses mesmos resultados para descrever
o método para construção do que designa Scriptura Universalis, “[...] isto é,
112

uma língua que é inteligível para todos que a lerem [...]”74(LEIBNIZ, 1666, p.
43), e logo depois, apresenta um exemplo dessa escrita na disciplina de
matemática. Acrescenta, no decorrer do texto, comentários a respeito de outros
projetos sobre este assunto, ora criticando-os, ora aprovando-os.
Para construir a teoria da Lógica Inventiva, começa estipulando diversas
definições até chegar ao conceito do que denomina complexiones. Afirma que
à “Variabilidade de uma associação chamamos ‘complexiones’, por exemplo,
quatro coisas podem ser juntadas de quinze maneiras diversas” 75 (LEIBNIZ,
1666, p. 04).
Podemos deduzir que o significado que Leibniz dá ao termo
complexiones é o mesmo significado que atribuímos atualmente a todas as
combinações simples, considerando os subconjuntos com todas as
quantidades possíveis de elementos. Se tomarmos o conjunto formado pelos
elementos: A, B, C e D, temos as seguintes combinações: Combinações de
quatro elementos tomados um a um (A, B, C, D); combinações de quatro
elementos tomados dois a dois (AB, AC, AD, BC, BD, CD); combinações de
quatro elementos tomados três a três (ABC, ABD, BCD, ACD) e finalmente
combinações de quatro elementos tomados quatro a quatro (ABCD), que são
quinze combinações, ou seja, ‘as quinze maneiras diversas que quatro coisas
podem ser juntadas’, conforme as palavras de Leibniz.
Em seguida apregoa que, para certa complexion ser determinada, o
maior conjunto deve ser dividido em partes iguais assumidas como a menor.
Afirma ainda que cada parte terá um número determinado de elementos que
será representado por um expoente. Ou seja, ele define complexion como cada
uma das combinações com certo expoente, sendo o expoente a quantidade de
elementos do subconjunto, como fazemos hoje na Análise combinatória. Por
exemplo, uma complexion com expoente três será a ‘combinação de quatro
elementos tomados três a três’. Ou seja, por complexiones ele entende todas
as complexion.
Exemplifica da seguinte forma:

74
“[...] id est cuicunque legenti, cujuscun’que línguae perito intelligibilis [...]” (LEIBNIZ, 1666, p.
43)
75
“Variabilitatem complexionis dicimus complexiones, v. g. Res IV modus diversis 15 invicem
conjungi possunt.” (LEIBNIZ, 1666, p. 04).
113

Se o todo é A B C D. Se os menores conjuntos tiverem duas


partes, por exemplo, AB. AC. AD. BC. CD o expoente será 2.
Se for três, por exemplo, ABC. ABD. ACD. BCD o expoente
será 3. Dado o expoente da complexiones então escrevemos:
se o expoente é 2. Com2nationem (combinationem) se 3.
Con3nationem (conternationem) se 4. Con4nationem, etc. 76
(LEIBNIZ, 1666, p. 04)

No exemplo dado por Leibniz, o conjunto maior tem quatro elementos: A,


B, C e D. Com2nationem é o que chamamos combinação de quatro elementos
tomados 2 a 2, que são AB, AC, AD, BC e CD. Con3nationem é o que
chamamos combinação de quatro elementos tomados 3 a 3, que são ABC,
ABC, ACD e BCD.
Daí Leibniz constrói toda teoria das complexiones, incluindo um estudo
sobre as figuras do silogismo, e então passa a explicar como construir uma
nova linguagem por meio de termos primitivos e termos derivados de primeira
classe e de segunda classe, e assim por diante, o que, em suas palavras
consiste num emprego da Lógica Inventiva.
Explica que se os termos primitivos são, por exemplo, designados por 3,
6, 7 e 9; os termos derivados da segunda classe serão (1) 3,6; (2) 3,7; (3) 3,9;
(4) 6,7; (5) 6,9; e (6) 7,9; denominados com2nação (combinação) 77 . Os de
terceira classe, denominados con3nação (conternação) podem ser expressos
por três termos primitivos, por exemplo, 3, 6, 9; ou como .9, que significa o

primeiro termo (expresso pelo numerador) da segunda classe (expresso pelo


denominador) – que é o 3,6 – e o 9; ou então .6, que significa o terceiro termo

da segunda classe – que é o 3, 9 – e o 6; ou ainda, .3.

Afirma então que é hora de passar a outra parte da Lógica inventiva, que
diz respeito às proposições. Para Leibniz uma função de sua arte de inventar é
a de encontrar os possíveis sujeitos de uma proposição, sabendo qual é o
predicado, e os possíveis predicados de uma proposição, conhecido o sujeito.
Em suas palavras:

76
“Si totum A B C D. Si tota minora constare debent ex 2, partibus, v.g, AB.AC.AD.BC.CD
exponens erit 2. Si ex tribus, v.g, ABC.ABD.ACD.BCD exponens erit 3. Dato Exponente
Complexiones ita scribemus: si exponens est 2. Com2nationem (combinationem) si 3.
Con3nationem (conternationem) si 4. Con4nationem, etc.” (LEIBNIZ, 1666, p. 04).
77
Os números entre parênteses indicam a posição do subconjunto na classe.
114

Uma proposição é composta de sujeito e predicado; todas as


proposições, portanto, são com2nações. É então, a ocupação
da Lógica inventiva resolver estes problemas: 1. Dado um
sujeito, encontrar seu predicado; 2. Dado um predicado
encontrar seus sujeitos [...] tanto afirmativa quanto negativa. 78
(LEIBNIZ, 1666, p. 31)

Entende que para esta função seja concretizada, primeiramente é


necessário encontrar os termos primitivos; depois, fixar as categorias das
coisas e então utilizar a arte das combinações (complexiones) para formar os
termos derivados.
Para encontrar os termos primitivos, antes de tudo, cada termo
composto ou derivado deve ser colocado em suas partes formais, ou seja, nas
explicitadas pela definição, e estas em outras partes até chegar a termos
indefiníveis (termos primitivos ou termos primeiros). Os termos primitivos são
coisas, modos ou relações. Depois dos termos derivados terem sido reduzidos
a termos primitivos, esses termos derivados devem ser colocados em classes e
designados por sinais; sendo mais conveniente que eles sejam representados
por números.
Pelo fato dos termos derivados serem com2nação, se compostos por
dois termos primitivos; con3nação, se compostos por três termos primitivos; e
assim por diante, são criadas classes hierarquizadas de acordo com a
complexidade crescente.
Encontrados os termos primitivos, a eles se associam números. Os
termos derivados, por serem decompostos em termos primitivos, são, portanto,
combinações dos números correspondentes àqueles termos. Desta forma
todos os possíveis sujeitos e predicados podem ser encontrados por meio da
teoria exposta no texto.
Leibniz então exemplifica como construir um sistema desse tipo. Ele
declara que a Matemática é mais adequada para um ensaio, e passa a

78
“Propontio componitur ex subjecto & praedicato, omnes igitur propositiones sunt
com2nationes. Logicae igitur inventivae propositionum est hoc problema solvere: 1. Dato
subjetcto praedicata, 2. Dato praedicato subjecta invenire utrag tum affirmative, Tum negative.”
(LEIBNIZ, 1666, p. 31)
115

descrevê-lo.
Enunciamos a seguir uma parte deste ensaio, retirada de sua obra
Dissertatio de Arte Combinatoria:

A Classe I contém os primeiros termos (termos primitivos): 1.


Ponto. 2. Espaço. 3. Entre. 4. Adjacente, ou, contíguo. 5.
Disjuntos, ou distantes. 6. Limite, ou, o que é distante. [...] 9.
Parte. 10. Todo. 11. Mesmo. [...] 14. Número.[...]

A classe II terá: 1. Quantidade é 14.9 (quantidade é o número


de partes); 2. Contorno é 6.10 (contorno é o limite do todo) [...]

A classe III terá: 1. Intervalo é 2.3.10 (intervalo é espaço entre o


todo); 2. Igual é 11.1/2 (igual é mesma quantidade) (1 do
numerador indica a posição e o denominador 2 indica a classe).

A classe IV terá: ... 3. Linha é 1/3 1 (2) (linha é o intervalo entre


dois pontos). 79 (LEIBNIZ, 1666, p. 42 e 43)

Leibniz vai descrevendo os elementos das demais classes, até chegar à


Classe XVII e lá dentre as outras definições, consta a de triângulo escaleno
como “Scalenum est . cujo . consiste de (3). não (3).”80 (LEIBNIZ, 1666, p.

43). Esta representação significa o seguinte: ‘Triângulo escaleno é uma figura


cujo contorno consiste de três segmentos de reta, os três não iguais.’81
Depois de completar seu ensaio, afirma que, até aqui “[...] tratamos da
lógica inventiva, cujas categorias seriam formadas por uma tabela de termos
deste tipo, e daí flui como corolário o uso XI. Escrita Universal [...]”.82 (LEIBNIZ,
1666, p. 43).
Daí comenta que

79
“Ergo classis I, in qua termini primi: 1. Punctum. 2. Spatium. 3. intersitum. 4. adsitum seu
contiguum, 5. dissitum, seu distans. 6. Terminus, seu quae distant. [...] 9. Pars. 10. Totum. 11.
Idé. [...] 14. Numerus [...]. Classis II. I Quantitus est 14.9, 2. Includens est 6.10. [...] III. I.
Intervallum est 2.3.10, 2. Aequale 11. . [...] IV [...] 3. Linea . I(2) [...] ” (LEIBNIZ, 1666, p. 42 e
43)
80
“Scalenum est cujus est (3) non (3)” (LEIBNIZ, 1666, p. 43)
81
Triângulo escaleno é quinto elemento da quarta classe (figura), cujo segundo elemento da
segunda classe (contorno) consiste de (3) terceiro elemento da oitava classe (segmento de reta)
não (3) segundo elemento da terceira classe (igual).
82
“[...] seu Logica inventiva disseruimus, cujus quasi praedicamenta ejus modi Terminorum
tabula absolverentur, fluit velut Porisma: seu usus XI. Scriptura Universalis, id est cuicunque
legenti, cujuscun’que línguae perito intelligibilis [...]” (LEIBNZ, 1666, p. 43)
116

[...] quando as tabelas ou categorias de nossa arte complicada


forem constituídas, algo maior surgirá. Então os termos
primitivos de cujas combinações consistirão todos os outros,
serão designados por signos (notis) e estes signos (notae)
serão um tipo de alfabeto. Será conveniente para os signos
serem o mais natural possível, por exemplo, para o número um,
um ponto; para números, pontos; para as relações de ente para
ente, linhas [...]. Se estes forem correta e engenhosamente
constituídos, esta escrita universal será tão fácil quanto comum,
e será capaz de ser lida sem o auxílio de dicionários;
simultaneamente o conhecimento fundamental de todas as
coisas será obtido.83 (LEIBNIZ, 1666, p. 44)

Nesta obra Leibniz menciona alguns projetos contemporâneos,


especialmente o de um espanhol anônimo, o de Johann Joachim Becher
(1635-1682) e o de Athanasius Kircher (1601-1680). Ele apenas os cita, sem
trazer maiores informações sobre eles.
No entanto, verificamos que o projeto do espanhol a que Leibniz se
refere data de 1653, e consiste em distribuir as coisas, ou seja, os conceitos
correspondentes a elas, em classes, e a estas atribuir uma numeração. Então,
designar cada um desses conceitos por outro número, que aponta sua
localização na classe a que pertence. Dessa forma cada coisa ou noção é
indicada por dois números: um que indica a classe a que pertence, e outro que
indica a localização dentro de sua classe. A esses dois números, são
adicionados alguns sinais que substituem as flexões gramaticais. Este projeto
nos lembra fortemente a Escrita Universal proposta por Leibniz.
As outras duas obras lembradas por Leibniz são o Characteres pro
notitia linguarum universalis (Características para o entendimento da língua
universal), por vezes citada como Clavis convenientiae linguarum (Chave para
entendimento das línguas), de J. Joachim Becher, publicado em Frankfurt em
1661, e o Polygraphia nova et universalis ex combinatória arte detecta
(Poligrafia nova e universal a partir da revelação da arte combinatória) do padre
jesuíta Atanasius Kircher, publicada em Roma em 1663.

83
“Verum constitutis Tabulis vel praedicamentis artis nostrae complicatoriae, majora emergent.
Nam Termini primi ex quorum complexu omnes alii constituuntur, signentur notis, hae notae
erunt quase alphabetum. Commodum autem erit notas quam máxime sieri naturaes, v. v. preo
uno punctum, pro numeris puncta; pro relationibus Entis ad Ens lineas [...] Ea si recte constituta
fuerint & inbgeniose, scriptura haec universalis aeque erit facilis quam comanis, & quae posit
fine omni lexico legi, simulque imbibetur ominum rerum fundamentalis cognitio.” (LEIBNIZ, 1666,
p. 44)
117

O projeto de Becher exposto no Characteres pro notitia consiste na


construção de um dicionário alfabético com pouco mais de dez mil palavras
latinas, enumeradas, incluindo tabelas de conjugações e tabelas de flexões. A
partir desse dicionário, ele se propõe a estabelecer uma correspondência
numérica entre as palavras sinônimas de línguas distintas, deixando sua
execução a cargo do leitor. Por meio dessa equivalência, um texto escrito em
caracteres numéricos em uma língua pode ser traduzido com o dicionário
correspondente ao idioma do leitor.
Sobre esse assunto, Eco (2001) comenta que

Cada termo é acompanhado por um algarismo arábico (para


escrever Zürich é necessário o número 10283); um segundo
algarismo arábico remete a uma tábua das conjugações (que
abrange também cifras para comparativos, superlativos e
adverbializações) e um terceiro para uma tábua de flexões. A
dedicatória inicial (“Inventum Eminentissimo Principi, etc”)
escreve-se da seguinte forma: 4442.2770:169:3.6753:3 e deve
ser lida como “Inventum eminens (+ superlativo + dativo
singular) princeps (+ dativo singular).” (ECO, 2001, p. 247).

Ao imaginar que pode haver povos que não saibam ler algarismos
arábicos, Becher oferece outra maneira de representar os números mediante
pontos e traços colocados em torno de uma estrutura.

Figura 16 - Representação proposta por Becher em pontos e traços

Fonte: ECO, 2001, p. 248


118

Os números de 1 a 4 (escritos da direita para a esquerda na primeira


linha) são representados pela quantidade de pontos colocados à direita da
estrutura; o número 5 é simbolizado por um pequeno traço horizontal
acrescentado à estrutura, acima e à direita. Os números de 6 a 9 (na segunda
linha) consistem deste mesmo traço, acrescidos de pontos. Assim como o 5, o
número 10 é expresso por um traço vertical acrescentado à estrutura, no centro
e abaixo. Os números 11 a 14 equivalem a esta estrutura com este mesmo
traço acrescido de pontos. Quando os pontos são colocados à direita remetem
ao item lexical e quando colocados à esquerda, à lista dos morfemas
gramaticais.
Gaspar Schott (1608-1666), também citado por Leibniz no De arte
combinatória, tenta melhorar esta representação numérica na obra Thecnica
curiosa, de 1664, no capítulo Mirabilia graphica. Ao invés da representação
visual de Becher, ele propõe uma tabela formada por duas colunas e quatro
linhas, onde as linhas representam milhares, centenas, dezenas e unidades, a
partir da linha superior. A coluna da direita refere-se aos morfemas gramaticais
e a da esquerda às unidades lexicais. Um ponto representa uma unidade e um
traço cinco unidades.

Figura 17 - Representação numérica proposta por Schott

Fonte: ECO, 2001, p. 249

Considerando o primeiro quadro à esquerda na Figura 17, temos, na


coluna da esquerda, dois pontos na terceira linha correspondente à dezena e
três pontos na quarta linha correspondente à unidade, o que resulta o número
23. Na coluna à direita temos um ponto na quarta linha que equivale à unidade,
o que resulta o número 1. Daí vem 23.1. Da mesma forma são construídos os
119

outros dois quadros da figura.


A representação da figura acima se lê 23.1 15.15 35.4, que significa de
acordo com Eco (2001) “o cavalo come a cevada.” (ECO, 2001, p. 249).
Eco (2001) comenta que, se entendermos os pseudo ideogramas de
Becher como instruções referidas a circuitos eletrônicos, que indicam a uma
máquina o caminho a seguir na memória para identificar e imprimir a palavra
equivalente, estaremos à frente de um dispositivo para tradução entre duas
línguas, palavra por palavra, ou seja, um prenúncio ao princípio utilizado nos
programas de computador para efetuar traduções on line. Os precursores do
método de tradução computadorizada foram o inglês Booth e o americano
Warren que, na década de 40, criaram uma calculadora científica com dados
para gerar uma tradução palavra a palavra, fornecendo uma ideia do conteúdo
do texto traduzido. Nos dias atuais a tradução automática é uma área da
linguística computacional.
O terceiro ensaio citado por Leibniz no De Arte Combinatoria é o de
Athanasius Kircher que, conforme as palavras de Pombo, é a “[...] figura mais
representativa da curiosidade barroca [...]” (POMBO, 1997, p. 117). Eco (2001)
concorda com esta posição afirmando que se trata do

[...] barroco entre os barrocos, e como demonstra em cada livro


seu (em que dedica talvez maior cuidado para acompanhar a
execução das tábuas do que a redação muitas vezes
recomendada e repetitiva dos textos) não consegue realmente
pensar, a não ser por imagens. (ECO, 2001, p. 205)

Kircher compôs um duplo dicionário em cinco línguas: latim, italiano,


francês, espanhol e alemão. Os dois dicionários registram 1228 termos,
contendo as palavras que Kircher julgou serem de uso mais comum. O
dicionário A, que serve para codificar, segue uma primeira ordem alfabética
para os nomes comuns e os verbos; em seguida, numa nova ordem alfabética
acrescenta nomes de regiões, cidades, pessoas, advérbios e preposições e,
em separado, enumera as conjugações dos verbos ser e ter. Este dicionário é
formado por trinta e duas tabelas com cinco colunas cada uma, uma para cada
língua, e na ordem alfabética da língua. Logo, não há correspondência
120

semântica entre as palavras de cada linha. Cada tabela recebe um número


romano, e a cada palavra latina é acrescentado um número arábico em ordem
crescente. As palavras das outras línguas recebem os números
correspondentes ao sinônimo em latim. Logo, neste dicionário, com exceção do
latim, os números não estão ordenados.
O dicionário B, que serve pra decodificar mensagens, tem a mesma
disposição, mas ao invés de seguir a ordem alfabética, possui uma ordenação
numérica crescente para todas as colunas (os números arábicos colocados no
outro dicionário).
Kircher acrescenta quarenta e quatro sinais para indicar tempo e modo
verbal e doze para as flexões (nominativo, genitivo, dativo, acusativo, vocativo
e ablativo; tanto no singular quanto no plural).
Eco (2001) exemplifica uma codificação da seguinte maneira: “[...] se
alguém visa pôr em código o termo latino abdere (esconder) escreverá I.2; para
codificar o termo francês abstenir (evitar) escreverá I.4 (e I.4 na coluna latina
será abstinere - evitar).” (ECO, 2001, p. 244).

Figura 18 – Kircher: Dicionário A

Latim Italiano Espanhol Francês Alemão


abalierare I.1 astenere I.4 abstenir I.4 abstenir I.4 abhalten I.4
abdere I.2 abbracciare II.10 abbraçar II.10 abayer XII.35 absehneiden I.5

Fonte: transcrição de ECO, 2001, p. 244

E para decodificar, conforme explicação de Eco (2001), “[...] se alguém


que fala alemão recebe a mensagem I.2, deve procurar no dicionário B na
tabela I, na coluna da língua alemã, e verificará que o remetente lhe queria
dizer verbergen (esconder). Se ele quisesse saber como este termo se traduz
para o espanhol, encontraria esconder” (ECO, 2001, p. 244).
121

Figura 19 - Kircher: Dicionário B

abalienare 1 alienare 1 estrañar 1 estranger 1 entfremden 1


abdere 2 nascondere 2 esconder 2 musser 2 verbergen 2

Fonte: transcrição de ECO, 2001, p. 248

Leibniz enumera algumas vulnerabilidades que tais sistemas


apresentam: o fato dos termos nas várias línguas terem diversos significados, o
que causa ambiguidade no sentido; da impossibilidade de uma precisa
correspondência entre os termos de duas línguas devido à falta de sinônimos
exatos; e da inviabilidade de uma tradução direta e simples dos termos, um por
um, devido à diversidade das regras sintáticas. Tendo em vista essas
fragilidades, Leibniz compreende que “[...] uma escrita ou língua universal que
quisesse evitar tais perigos devia ser baseada em uma análise completa dos
conceitos e na sua redução aos termos mais simples”. (LEIBNIZ apud ROSSI,
2004, p. 338).
Em suma, os vários projetos que Leibniz conhece na época mostram
falhas e representam sistemas de escritas convencionais nos quais a
correspondência entre as palavras e os números, se mostra artificial e arbitrária.
Além das dificuldades já apresentadas, Leibniz percebe também que o principal
defeito dos sistemas é a falta de base lógica e filosófica, por terem como
objetivo somente a utilidade prática, ou seja, a tradução entre diferentes
línguas com uso de dicionários. Leibniz considera sua scriptura universalis
superior a estes ensaios e garante que o principal benefício dessa escrita
consiste na possibilidade desta ser utilizada como instrumento da razão e não
apenas para facilitar o comércio entre os países, ou seja, critica os estudiosos
que se preocupam em criar uma língua apenas para utilidade prática. Além
disso, entende que nesses ensaios é quase impossível memorizar muitos
termos, uma vez que são expressos numericamente, e assim sendo, o uso de
dicionários é indispensável.
A Linguagem universal que Leibniz imagina é muito fácil de aprender e
de lembrar, porque ela repousa em um fundamento lógico, ou seja, na análise
122

exaustiva dos conceitos e na sua redução a termos simples. Esses termos


simples devem ser representados por sinais o mais natural e apropriado
possíveis. Os conceitos compostos ou derivados devem ser escritos como
combinação dos sinais utilizados para simbolizar os termos simples dos quais
derivam. Leibniz julga que, como os conceitos simples se apresentam em
número reduzido, é suficiente memorizar o alfabeto lógico desses conceitos
para poder ler e compreender de imediato um texto escrito nesse sistema, sem
haver a necessidade de consultar dicionários.
Apesar de criticar a Polygraphia de Kircher, Leibniz admira sua intenção
em utilizar hieróglifos chineses. A expressão caracteres hieroglíficos é usada
para indicar os ideogramas chineses. Rossi (1992) comenta que Kircher, por
ser um estudioso dedicado às culturas egípcia e chinesa, defende a tese de
que teria havido, em alguma época remota, contato direto entre a antiga
civilização egípcia e a chinesa. Do seu ponto de vista, a vantagem de usar
caracteres chineses ao invés dos egípcios se deve ao fato de que os primeiros
se referem a uma civilização que ainda faz uso de tais caracteres. Kircher
percebe que os caracteres chineses têm um fundamento icônico, isto é,
representam com exatidão os conceitos a que se referem, embora se trate de
uma iconismo estilizado no qual o traço da figuração originária praticamente se
perdeu. É exatamente por tentar representar diretamente os conceitos que
Leibniz se interessa por este tipo de escrita, embora mais tarde mude de
opinião e critique o uso desses caracteres por eles terem perdido a figuração
originária. E, por isso antevê a dificuldade de tais caracteres serem lembrados
rapidamente uma vez que eles perderam o vínculo com o significado do que
representam.
Desde os vinte anos, Leibniz demonstra este interesse em relação a
símbolos ao conceber os primórdios de uma Linguagem universal como uma
ideografia, na qual a representação de uma ideia é feita por meio de sinais que
incluem o objeto. Depois da Scriptura Universalis, ele trabalha em projetos
sobre a língua universal enquanto uma pasigrafia lógica84, ou seja, “[...] uma
língua escrita, ou um alfabeto internacional, do qual é prevista a execução

84
Pasigrafia “[...] é definida pela enciclopédia Larousse do século XIX como ‘[...] a arte de
escrever ou imprimir no único idioma que se sabe de modo a poder ser lido e entendido, sem
necessidade de tradução, em qualquer outro idioma que se ignora desde que o leitor saiba a
sua língua e conheça a arte de escrever’.” (POMBO, 1997, p. 80)
123

verbal.” (ECO, 2001, p. 242).


Nos anos posteriores à publicação do De Arte Combinatoria, Leibniz é
impelido a esclarecer e aperfeiçoar seu projeto relativo ao estabelecimento da
língua universal comparando-o a outros projetos. Neste momento mostram-se
especialmente importantes para Leibniz dois eruditos, membros da Royal
Society – John Wilkins (1614-1672), clérigo e filósofo natural inglês, e George
Dalgarno (1626-1672), estudioso que se interessa por questões linguísticas.
No ano de 1641, é publicado o livro Mercury or the secret and swift
Messenger. Showing how a man may with privacy and speed communicate his
thoughts to a friend at any distance (Mercúrio ou o secreto e veloz mensageiro.
Mostrando como um homem pode com privacidade e rapidez comunicar seu
pensamento para um amigo a qualquer distância), que versa sobre linguagens
secretas e a arte da comunicação, escrito por John Wilkins.
Entre o século XVI e XVIII são numerosas as investigações sobre
linguagens cifradas, as pasigrafias e as criptografias. Num primeiro momento
“O objetivo principal destes trabalhos é constituir sistemas de escrita secreta
que se caracterizam pela natureza cifrada de sua notação e pela dimensão
exotérica dos saberes que é suposto transmitirem.” (POMBO, 1997, p. 77).
Estes sistemas de escrita permitem o acesso e transmissão de certos saberes
secretos pela direta observação de seus signos e, desta forma, não depende
da língua falada pelo iniciado.
Apesar de, inicialmente, o objetivo principal das linguagens cifradas ser
o registro e transmissão de conhecimentos sigilosos, numa época de muitos
conflitos e disputa por territórios, passam a servir de instrumento nas relações
diplomáticos e militares. Neste sentido, John Wallis relata que em 1642, no
início da guerra civil, os puritanos solicitam a ele que decifre uma mensagem
interceptada. Wallis prontamente decodifica a mensagem, pelo que recebe do
exército puritano a incumbência de elaborar um alfabeto cifrado.
Em outra direção, inspirado na obra de Wilkins, George Dalgarno
vislumbra a possibilidade de elaborar um sistema de linguagem filosófica
aperfeiçoado, o qual é explicitado no Ars Signorum (Arte dos Sinais) publicado
em Londres em 1661. Em 1668, também em Londres, é publicada outra obra
sobre Linguagem universal, o Essay towards a real character and a
philosophical language, with an alphabetical Diccionary (Ensaio sobre o
124

caracter real e uma língua filosófica, com um dicionário alfabético) também


escrito por John Wilkins. Este livro traz duas propostas completas e detalhadas:
The Real Character (Um caracter real) e The Philosophical Language (Uma
língua filosófica).
É provável que, quando Leibniz escreve o De arte combinatória,
desconheça estas obras. Presume-se que, somente no início de 1671, Leibniz
tem conhecimento ao mesmo tempo da obra de Dalgarno e de Wilkins e mostra
seu entusiasmo, sobretudo em relação aos projetos de Wilkins.
Em carta datada de abril de 1671 endereçada a Oldenburg, Leibniz
anuncia que tivera acesso ao trabalho Essay towards a real character, de
Wilkins, mas não assume que está desenvolvendo seu próprio trabalho a
respeito do tema. Comenta que

Há pouco, li o Caráter universal do doutíssimo Wilkins; suas


tábuas me agradam muito e gostaria que ele tivesse utilizado
figuras para exprimir aquelas coisas que não podem ser
descritas a não ser por meio de pintura, como por exemplo as
espécies dos animais, das plantas e dos instrumentos. Como
seria desejável uma tradução da sua obra para o latim!
(LEIBNIZ apud ROSSI, 2004, p. 331)

A aprovação aos trabalhos de Dalgarno e Wilkins deve-se ao fato de que,


somente nestes autores, Leibniz depara-se com uma tentativa análoga que ele
havia iniciado na Dissertatio de Arte Combinatoria, qual seja, a de construir
uma língua universal que não se fundamente apenas em concordância de
dicionários, mas que se baseie em uma classificação de conceitos.
Apesar da admiração de Leibniz pelos ensaios desses dois sábios, ele
critica as relações lógicas entre os conceitos, que eles estabelecem,
particularidade que, em sua opinião, é um dos maiores defeitos dos projetos de
concepção da língua universal. Ele considera que nestes ensaios, as relações
não são adequadas e que a correspondência entre as ideias e seus símbolos é
estabelecida de modo arbitrário.
Se reporta a este fato numa carta enviada a Thomas Burnett (1635-
1715), em 24 de agosto de 1697. Burnett, erudito e clérigo anglicano, discute
125

questões geológicas, dentre outras, a possibilidade de não ter havido o dilúvio


proclamado pela Igreja católica. Nesta missiva, Leibniz assegura que já no De
arte combinatoria havia emitido a opinião de que os caracteres
verdadeiramente reais e filosóficos deveriam corresponder à análise dos
pensamentos e critica os projetos de Wilkins e Dalgarno. Afirma que

Eu tinha-me debruçado sobre este tema antes do livro do Sr.


Wilkins, quando era um jovem de 19 anos, no meu pequeno
livro De Arte Combinatoria, e sou da opinião que os caracteres
verdadeiramente reais e filosóficos devem responder à Análise
dos pensamentos. É verdade que esses caracteres
pressupõem a verdadeira filosofia e só presentemente eu
ousaria empreender a sua construção. As objeções do Senhor
Dalgarno e do Senhor Wilkins contra o verdadeiro método
filosófico são apenas uma desculpa para a imperfeição dos
seus ensaios e dão conta somente das dificuldades com que se
defrontaram85. (LEIBNIZ, 1697)

Dalgarno constrói um sistema filosófico distribuindo todos os conceitos


em dezessete classes ou categorias supremas. Cada uma das classes é
designada por uma letra que serve de inicial a todos os conceitos dessa
categoria. O sistema admite algumas regras de composição, variação dos
nomes, um conjunto de seis pronomes e flexões gramaticais. A letra R significa
oposição, a letra V faz com que as letras que precedem sejam lidas como
números e a L indica o meio entre dois extremos. Também apresenta um
sistema de tradução de palavras em números.

85
“J’avois consideré cette matiere avant le livre de Mr. Wilkins, quand j’estois un jeune homme
de 19 ans, dans mon petit livre de Arte Combinatoria, et mon opinion est que les Caracteres
veritablement reels et philosophiques doivent repondre à l’Analyse des pensées. Il est vray que
ces Caracteres pressupposeroient la veritable philosophie, et ce n’est que presentement que
j’oserois entreprendre de les fabriquer. Les objection de M. Dalgarno et de M. Wilkins contre la
methode veritablement philosophique, ne sont que pour excuser l’imperfection de leurs essais,
et marquent seulement les difficultés qui les en ont rebutés” (LEIBNIZ in GP III, p. 216).
126

Figura 20 - Relação das 17 classes e de três flexões da linguagem de


Dalgarno

Fonte: Couturat, 1901, p. 545

Figura 21 - Relação (traduzida para o português) das 17 classes da


linguagem de Dalgarno.

Fonte: Rossi, 1992, p. 308


127

Cada uma dessas classes supremas é subdividida em subclasses que


se diferenciam pela alteração da segunda letra. Vejamos por exemplo as
subclasses de K. Este processo prolonga-se o número de vezes necessário
para a completa identificação do conceito.

Figura 22 - Subdivisão da classe K da linguagem criada por Dalgarno

Fonte: Couturat, 1901, p. 547

Partindo dessa hierarquização de conceitos em classes e subclasses,


Dalgarno fornece critérios para a constituição de uma terminologia lógica
através da qual seja possível a articulação da realidade.
Por sua vez, John Wilkins, no início de sua obra Essay towards a real
character and a philosophical language, assume a arbitrariedade na escolha
dos símbolos dessa linguagem, lembrando que os caracteres reais propostos
por Bacon também são arbitrários. Neste sentido, Rossi (2004) comenta que

[...] ao elucidar as linhas fundamentais do seu projeto de uma


língua filosófica [Wilkins] remetia o leitor às páginas do ensaio
Advancement of Learning (e do De augmentis) de Bacon, onde
o autor enumerava as diferenças entre os hieróglifos e os
‘caracteres reais’. Por serem emblemas, os primeiros ‘tem
sempre algo em comum com o objeto significado’, ao passo
que os segundos ‘não tem nada de emblemático’, sendo
caracteres construídos artificialmente cujo significado depende
somente de uma convenção e do costume. (ROSSI, 2004, p.
284)
128

Wilkins busca os termos primitivos e tem a intenção de reduzir todas as


coisas e noções complexas a composições destes termos, construindo uma
tábua completa. A integralidade dessa língua universal depende, portanto, da
integralidade da tábua, que deve ser um espelho ordenado do mundo real. As
tábuas contêm as coisas de natureza mais simples; as de significado misto e
complexo devem ser reduzidas às primeiras. Leibniz propusera o mesmo
sistema em sua scriptura universalis. Wilkins, em mais de trezentas páginas,
elabora uma classificação das coisas e noções às quais atribui os nomes de
acordo com sua natureza. Mediante o uso de letras e de sinais convencionais,
é possível, segundo ele, criar uma linguagem que seria a linguagem própria da
natureza. Para consolidar o ordenamento de todas as coisas e noções em
tábuas, Wilkins elabora uma lista com quarenta gêneros ou categorias
principais (Summa genera), cada uma dessas categorias subdivididas em seis
diferenças (Diferentia) e cada diferença contendo as diversas espécies
(Species). As espécies são agrupadas e classificadas conforme tamanho, uso,
sua utilização nas artes, etc.
129

Figura 23 - Sinais característicos que Wilkins atribui aos quarenta


Gêneros e também os sinais que servem para indicar as Diferenças e as
Espécies

Fonte: ECO, 2001, p. 294

Na investigação para encontrar o que denomina real character, as


categorias com as quais ele pretende cobrir a totalidade dos conhecimentos
humanos são representadas por caracteres de natureza ideográfica. Esse
sistema de caracteres escritos consiste de um conjunto de símbolos originais e
arbitrários (radical works) de dois tipos fundamentais: os integrais, que
correspondem aos substantivos e adjetivos, e as partículas, que correspondem
ao verbo ser e aos pronomes, conjunções, preposições, advérbios etc. Um
integral é representado por um traço contínuo formado por três elementos: um
signo básico, um prefixo e um sufixo correspondentes respectivamente ao
gênero, à diferença e à espécie. A ele podem ser acrescentadas pequenas
marcas e traços adicionais que indicam as diversas formas de flexão e
derivação dos nomes. A articulação sintática dos integrais é conseguida por
meio de caracteres correspondentes às diversas partículas, os verbos ser e
130

estar são representados por pequenos círculos, os pronomes por pontos etc.
Por exemplo,

[...] o conceito de pai é representado pelo integral , que é


composto pelo signo básico correspondente ao gênero
(relação interpessoal), acrescido de um traço oblíquo à
esquerda que designa a 1ª diferença (neste caso, a
consanguinidade) e de um traço vertical à direita que designa a
2ª espécie (neste caso, a ascendência directa). (POMBO, 1997,
p. 103)

Em sinais característicos, a primeira linha da oração Pater Noster (Pai


Nosso) é escrita da seguinte forma:

Figura 24 - Primeira linha do Pai Nosso na linguagem criada por Wilkins

Fonte: Eco, 2001, p. 296

Paralelamente a esta escrita ideográfica, Wilkins constrói outro sistema


gráfico que pode também ser falado, a philosophical language. Para expressar
as diferenças, usa as consoantes B, D, G, P, T, C, Z, S, N; para expressar as
espécies, usou os símbolos α, a, e, i, o, ǒ, y, yi, yǒ. A cada um dos gêneros, faz
corresponder uma sílaba formada por uma consoante maiúscula e uma vogal.
O integral de cada conceito é formado acrescentando-se uma consoante (a
diferença) e uma vogal (a espécie). Para representar a flexão e a derivação,
são acrescentados ao integral monossílabos especiais. As partículas
representadas por um monossílabo são colocadas linearmente estabelecendo
as articulações sintáticas dos conceitos na frase.
131

Figura 25 - Sílabas que Wilkins atribui aos quarenta Gêneros e também


as consoantes que servem para indicar as Diferenças e as vogais e sinais para
indicar as Espécies

Fonte: ECO, 2001, p. 295

Segundo este sistema,

O mesmo conceito de pai seria representado pelo integral


CoBa em que a sílaba Co corresponde ao signo básico do
gênero supremo (relação interpessoal), B à 1ª diferença
(consanguinidade) e a à 2ª espécie (ascendência direta).
(OLGA, 1997, p. 104)

Assim, Nosso Pai se pronuncia Hai CoBa.


Leibniz admira o projeto de Wilkins, mas prefere a sua concepção de
Característica real que, segundo ele, quando construída refletirá a composição
dos conceitos pela combinação dos sinais que representam os elementos mais
simples obtendo dessa forma uma correspondência, natural e não
132

convencional, entre as ideias e os símbolos.

3.2 Projetos da Característica universal por Leibniz e Aritmética binária

Na época em que se encontra em Paris, de 1673 a 1676, portanto, fase


em que aprofunda seus estudos em matemática, Leibniz começa a definir
alguns projetos que denomina por Charactérisque réele (Característica real) ou
Characteristica universalis (Característica universal).
Como já afirmamos, trata-se de assunto já apresentado em 1666 no
trabalho Dissertatio de Arte Combinatoria, mas agora sob nova abordagem,
com novos objetivos. Sua proposta é de que a Característica universal sirva
não somente para a comunicação do pensamento, mas para ampliá-lo e, de
acordo com análise de Lodge (2004), esta seria a principal diferença entre o
seu trabalho e aquele de autoria de John Wilkins.
Quando escreve aquele texto, Leibniz pensa na Linguagem universal
como um sistema de sinais (não de palavras) que representam imediatamente
as coisas. Defende o uso de símbolos, inspirado nos hieróglifos egípcios e
chineses e nos sinais utilizados pelos químicos. Entende que uma linguagem
construída nessas bases permite que cada povo utilize o mesmo sistema de
escrita, mas cada um leia no seu idioma, como se faz com a escrita chinesa.
A partir de 1673, o assunto sobre Característica universal passa a ser
um tópico relevante em suas discussões. Na verdade é quando Leibniz deixa
claro suas intenções e admite estar desenvolvendo uma ideia em uma forma
de “[...] tratar a ciência da mente por meio de demonstrações [...].” 86 (LODGE,
2004, p. 64), e não apenas para criar uma linguagem inteligível para todas as
pessoas independente da língua falada.
Em cartas destinadas a Oldenburg e Jean Gallois (1632-1707),
estudioso francês, editor do Journal des Sçavans no período de 1666 a 1674 e
secretário da Académie des Sciences, Leibniz faz algumas considerações
sobre o que entende por caracteres. Considera que caracteres são todos os

86
“[…] treat the science of mind by means of geometrical demonstrations […]” (LODGE, 2004, p.
64).
133

sinais escritos, desenhados ou esculpidos; e reconhece como caracteres reais


não as palavras, letras ou sílabas, mas sim os sinais que representam
diretamente as coisas e as noções. Entre os caracteres reais, distingue entre
os que servem somente à representação das ideias e os que servem para
auxiliar o raciocínio. Declara que ao primeiro tipo pertencem os hieróglifos
chineses e egípcios, os símbolos dos astrônomos e químicos, julgando-os
imperfeitos e insuficientes. Afirma então que deseja para a sua Característica
caracteres do segundo tipo. Como exemplos, ele cita os algarismos aritméticos
e os sinais algébricos e julga que a Aritmética e a Álgebra são amostras de sua
Característica. Por este motivo, acredita que não só é possível concluir tal
projeto, mas também que ele já se encontra em parte elaborado. A este
respeito, Couturat (1901) comenta que

Compreende-se, portanto, porque ele eleva seu projeto bem


acima dos diversos ensaios da Língua Universal e porque ele
desejou diferenciá-los radicalmente. Existe, segundo ele, muita
diferença entre a língua universal de Wilkins, por exemplo, e
sua própria Característica, como entre os sinais de Álgebra e
os de Química, entre os algarismos aritméticos e os símbolos
dos astrólogos, ou entre as notações de Viète e as de Hérigone.
Ora a vantagem capital que ele atribui a sua característica
sobre todos os outros sistemas de caracteres reais, é que é ela
que permitirá efetuar os raciocínios e as demonstrações por um
cálculo análogo aos cálculos aritmético e algébrico. Por último,
é a notação algébrica que personifica o ideal da característica,
e que vai servir de modelo.87 (LC, p. 83 e 84)

Em carta de 1675 a Oldenburg, Leibniz afirma que a Álgebra é apenas


uma parte de toda esta teoria e demonstra seu entusiasmo em relação ao
poder dessa linguagem. Afirma que:

87
“On comprend, des lors, pourquoi il élève son projet bien audessus des divers essais de
Langue universelle, et pourquoi il tient à les em distinguer radicalement. Il y a, selon lui, autant
de différence entre Langue universelle de Wilkins, par exemple, et as propre Caractéristique,
qu’entre les signes de l’Algèbre et ceux de la Chimie, entre les chiffres arithmétiques et les
symboles dês astrologues, ou entre les notations de Viète et celles d’Hérigone. Or l’avantage
capital qu’il attribue à sa Caractéristique sur tous les autres systèmes de caracteres réels, c’est
qu’elle permettra d’effectuer les raisonnements et les démonstrations par un calcul analogue
aux calculs arithmétique et algébrique. Em somme, c’est la notation algébrique qui incarne pour
ainsi dire l’idéal de la Caractéristique, et qui devra lui servir de modele” (LC, p. 83 e 84)
134

De qualquer maneira, me atrevo a afirmar que nada pode ser


concebido que seja mais eficaz para a perfeição do
pensamento humano; e uma vez que esta teoria seja aceita,
virá o tempo, e virá rápido, em que não teremos menos certeza
sobre Deus e sobre a mente do que sobre figuras e números, e
quando a invenção de máquinas não será mais difícil do que a
construção de problemas geométricos 88 . (LEIBNIZ apud
LODGE, 2004, p. 65)

A partir de então, Leibniz se inspira na Álgebra e na Aritmética para


mostrar o quanto um sistema de signos bem escolhido é indispensável ao
pensamento dedutivo. Segundo ele, o desenvolvimento das matemáticas e sua
riqueza se devem ao fato de terem sido encontrados símbolos convenientes
para os algarismos aritméticos e para os sinais algébricos. Considera que a
Geometria se encontra menos avançada porque até aquela época não tinham
sido encontrados caracteres próprios para representar as figuras e construções
geométricas.
No manuscrito Elementa Characteristica universalis (Origem da
Característica universal), escrito em maio de 1676, Leibniz defende uma
linguagem que seja uma espécie de Álgebra do pensamento. Naquele ano,
aborda a composição dos conceitos como análogo à multiplicação aritmética e
á decomposição dos conceitos em elementos simples, numa analogia à
decomposição dos números em fatores primos, ou seja, imagina os temos
primitivos como sendo números primos e os termos compostos como produto
destes números. Este é o princípio do primeiro sistema de Cálculo lógico que
Leibniz concebe. De acordo com Couturat (1901), “Vê-se que Leibniz empresta
doravante às Matemáticas seu ideal lógico e mesmo estético”.89 (LC, p. 63).
Leibniz exemplifica sua ideia tomando o conceito de ‘homem como
animal racional’, de acordo com a tradição. Aos termos primitivos animal e
racional associa os números 2 e 3 respectivamente. O conceito de homem é

88
“This, however, I dare to say, that nothing can easily be conceived which is more effective for
the perfection of the human mind; and once this theory of philosophizing has been accepted,
the time will come, and come soon, when we shall have no less certainty about God and the
mind than about figures and numbers, and when the invention of machines will be no more
difficult than the construction of geometrical problems.”
89
“On voit que Leibniz emprunte désormais aux Mathématiques son ideal Logique et mêmê
esthétique.” (LC, p. 63)
135

então expresso por 2.3, ou seja, seis. Assim, 2x3 = 6, isto é, animal x racional =
homem.
Em outras palavras, para que uma proposição seja verdadeira, é
necessário que a relação sujeito/predicado, como fração (S/P) resulte em um
número inteiro. Ou seja, o número atribuído ao sujeito deve ser exatamente
divisível pelo número atribuído ao predicado. Por exemplo, a proposição “Todos
os homens são animais” pode ser reduzida à fração 6/2, onde, 6 é o número do
sujeito (homem) e 2 é o número do predicado (animais). O resultado da divisão
é o número inteiro 3. Daí conclui-se que a proposição é verdadeira. Se
quisermos saber se o ouro é metal devemos verificar se o número atribuído ao
ouro é divisível pelo número atribuído ao metal.
Em 1678, no fragmento Lingua Generalis, Leibniz propõe um projeto da
língua universal, possivelmene inspirado no projeto de Dalgarno, que, segundo
Couturat (1901), exerce influência sobre o pensamento de Leibniz até a
maturidade.
Neste projeto Leibniz apresenta um sistema de tradução de números por
letras, que consiste em atribuir números às ideias de maneira que o registro
escrito possa ser falado. Primeiramente todo o conhecimento humano é
decomposto em ideias simples e então a cada ideia é atribuído um número.
Leibniz então estabelece uma correspondência entre as nove primeiras
consoantes (b, c, d, f, g, h, l, m, n) e os algarismos de 1 a 9 respectivamente.
Às vogais (a, e, i, o, u) faz corresponder às potências de 10, ou seja, (1, 10,
100, 1000, 10000) respectivamente. Considera ainda que esta série pode ser
prolongada usando ditongos. Com este sistema, o número 81374 se escreve e
pronuncia Mubodilefa, pois m = 8 e u = 10000, então Mu = 80000; b = 1 e o =
1000, então bo = 1000... e assim por diante. A vantagem dessa notação sobre
a que Dalgarno executa em Ars Signorum é que cada sílaba indica (pela vogal)
sua ordem decimal, de modo que seu valor independe da posição da sílaba.
Ou seja, o mesmo número poderá ser expresso pela palavra Bodifalemu, pois
será 1000+300+4+70+80000=81374.
Para Leibniz, o fato de poder inverter as sílabas das palavras é uma
vantagem que pode tornar a língua artificial mais agradável e harmoniosa. Ele
sugere que assim seria possível criar uma língua musical.
Leibniz é levado a mostrar a utilidade de sua Característica. Ele
136

argumenta que a Característica é como que ‘o fio de Ariadne’ para o raciocínio.


Ele entende que cada caractere deve conter um máximo de sentido numa
forma condensada, e, dessa maneira, abreviar o trabalho do pensamento.
Explica que, devido à limitada capacidade da mente, que compreende apenas
um pequeno número de ideias e efetua apenas uma dedução imediata e
simples por vez, ela está sujeita a se emaranhar e se perder quando o
raciocínio é longo. Deduz que quando as ideias são representadas por sinais e
suas combinações por uma combinação de sinais, de tal forma que a análise
lógica dos conceitos seja substituída pela análise material dos caracteres, o
raciocínio fica reduzido a um cálculo análogo ao aritmético ou algébrico e
dotado do rigor e de certeza que lhes é característico. Em carta a Gallois de
1677, declara que

O verdadeiro método deve nos fornecer o Fio de Ariadne, isto é,


um meio seguro, acessível e significativo, que conduza o
espírito, como as linhas traçadas em geometria e as fórmulas
das operações que se determina aos aprendizes de Aritmética.
Sem isto, nosso espírito não saberia fazer um longo caminho
sem se perder.”90 (LEIBNIZ, 1677)

Em outra carta, desta vez endereçada a Tschirnhaus, em maio de 1678,


Leibniz desenvolve e justifica suas ideias e comprova que sua Característica é
boa. Tschirnhaus o havia criticado afirmando que não via utilidade no novo tipo
de Cálculo criado, nem nas novas notações. Leibniz responde a Tschirnhaus
primeiro mostrando a utilidade dos sinais, quando então menciona que as
mesmas objeções dirigidas à Característica cabem aos estudiosos que
substituíram os algarismos romanos pelos arábicos e também a Viète, que
substituiu, na Álgebra, os números pelas letras. Explica que a vantagem dos
algarismos arábicos é a de expressar a gênese dos números, conforme ele
propõe em sua Característica, de modo que tais algarismos se tornam mais
acessíveis, não só pela escrita como também pela facilidade de lembrar sua
construção. Afirma que “Os sinais devem ser considerados como uma
90
“La véritable methode nous doit fournir um filun Ariadnes, c’est-à-dire un certain moyen
sensible et grossier, qui conduise l’esprit, comme sont les lignes traces en Geometrie et les
forms des operatiosn q’on prescript aux apprentifs en Arithmetique. Sans cela nostre esprit ne
sçauroit faire un long chemin sans s’egarer.” (LEIBNIZ in GM I, p. 181 e GP VII, p. 22)
137

vantagem para descobrir, na maioria das vezes, como a natureza interna se


expressa e, como tão maravilhosamente diminuiu o trabalho do pensamento”.91
(LEIBNIZ, 1678?)
Neste mesmo ano, em dezembro, em carta a Jean Gallois, Leibniz
explica que

Esta Característica consiste de uma certa escrita ou língua


(para a qual de uma se pode ter a outra) que relaciona
perfeitamente as relações de nossos pensamentos. Este
caractere será muito diferente de tudo o que até aqui se
projetou. Porque nos esquecemos que o principal é que os
caracteres dessa língua devem servir para a invenção e para o
juízo, tal qual na Álgebra e na Aritmética.92 (LEIBNIZ, 1678).

Na opinião de Couturat (1901), logo Leibniz

[...] percebe que o problema é menos simples e fácil do que ele


pensava; e em vez de criar a priori um trabalho de
reconstituição a partir de seus elementos, e fabricar uma
linguagem puramente convencional, ele adota um método a
posteriori, menos arbitrário e menos temerário. Ele tomará
como ponto de partida as línguas vivas e extrairá pela análise
lógica, de um lado, as ideias simples que serão expressas e
combinadas, e por outro lado uma Gramática racional,
simplificando, regularizando e fundindo com as gramáticas de
línguas diferentes.93 (LC, p. 63 e 64)

Já em 1605, o estudo da gramática havia sido recomendado por Bacon

91
“In signis spectanda est commoditas ad inveniendum, quae máxima est quoties rei naturam
intimam paucis exprimunt et velut pingunt, ita enim mirisice imminuitur cogitandi labor” (Leibniz
in LC, p. 86)
92
“Cette characteristique consiste dans une certaine écriture ou langue (car qui a l’une peut
avoir l’autre) qui rapporte parfaitement les relationes des nos pensées. Ce charactere seroit tour
autre que tout ce qu’on a projetté jusqu’icy. Car on a oublié le principal qui est que les
characteres de cette écriture doivent servir à l’invention et au jugement comme dans l’Álgebre
et dans l”Arithmetique” (LEIBNIZ in GP VII, p. 22-23)
93
“[...] s’apreçoit que le problème est moins simple et moins facile qu’il ne le croyait d’abord;
etm au lieu de créer a priori et de toutes pièces une langue purement conventionnelle, il adopte
une méthode a posteriori, moins arbitraire et moins téméraire. Il prenda pour point de départ les
langues vivantes, et il em extraira par l’analyse logique, d’une part, les idées simples à exprimer
et à combiner, et d’autre part, une grammaire rationnelle, em simplifiant em régularisant et em
fondant ensemble les grammaires des différentes langues.” (LC, p. 63 e 64)
138

na obra O progresso do conhecimento. Nela ele chama a atenção para a


possibilidade da criação de uma nova ciência, a Gramática racional, na qual
seria reunido o que há de melhor nas línguas cultas e vulgares. Considera que
o estudo do que ele classifica como Discursos e Palavras gera esta ciência,
apesar de que, segundo sua análise, ela seria uma arte de pouca utilidade para
a língua materna. Teria maior utilidade para línguas estrangeiras,
especialmente para aquelas que se tornaram línguas cultas.
Ao propor uma Gramática, Bacon entende que há um tipo de analogia
entre as palavras e a razão, pois considera duplo seu encargo, "[...] um popular,
que atende à aprendizagem rápida e perfeita das línguas, tanto para o
intercâmbio falado como para a compreensão de autores, e outro filosófico, que
examina o poder e natureza das palavras como marcas e sinais da razão."
(BACON, 2007, p. 206). Na mesma direção, Leibniz defende que a análise do
pensamento pode ser facilitada ou mesmo substituída pela análise dos
caracteres que são os sinais sensíveis do pensamento e por consequência,
analisar os caracteres é o mesmo que analisar a própria linguagem.
Percebe-se, pois que, ao desenvolver estudos para criar a Gramática
racional, Leibniz continua a perseguir o mesmo objetivo, qual seja, elaborar
uma análise do pensamento. Em suas palavras, “[...] se a análise dos conceitos
corresponder exatamente à análise dos caracteres, precisamos apenas olhar
os caracteres para que as noções adequadas sejam trazidas à nossa mente
espontaneamente e sem esforço” (LEIBNIZ apud POMBO, 1997, p. 235).
Isto reflete a crença corrente no século XVII, de que há um paralelismo
entre as questões lógicas e gramaticais. De acordo com Pombo (1997), Leibniz
apresenta a mesma fundamentação contida na maior parte dos trabalhos dos
lógicos, incluindo a Port Royal Logic94 (Lógica de Port-Royal), qual seja, que a
análise da linguagem é a própria análise do pensamento uma vez que ela
reflete as propriedades universais do pensamento humano.
Neste sentido, Foucault (2007) comenta que a linguagem nesta época
“[...] não é efeito exterior do pensamento, mas o próprio pensamento. [...] Ela
está para o pensamento e para os signos como a álgebra para a geometria:

94
Lógica de Port Royal é a designação popular para a obra La Logique ou l’Art de penser, de
Antoine Arnauld e Pierre Nicole, publicada em 1662. Esses dois eruditos dirigiram um
movimento no convento de Port Royal desprezando as autoridades eclesiásticas e apoiando o
movimento denominado Jansenismo (doutrina religiosa criada pelo bispo Cornelius Jansenius).
139

substitui a comparação simultânea das partes (ou das grandezas) para uma
ordem cujos graus se devem percorrer uns após outros.” Leibniz, na mesma
direção deste raciocínio, entende que é plausível que exista uma estrutura
lógica comum, implícita às formas sintáticas das várias línguas.
Em agosto de 1677 no texto Dialogus de connexione inter res et verba
(Conversa filosófica conectando a coisa e a palavra), Leibniz escreve que “Se
os caracteres podem aplicar-se ao raciocínio, deve haver neles uma
construção complexa de conexões, uma ordem que convenha com as coisas,
se não nas palavras individuais (o que seria melhor), pelo menos na sua
conexão e flexão. (LEIBNIZ apud POMBO,1997, p. 251). Ele retoma esta ideia
nos Novos Ensaios. Afirma que “[...] as línguas constituem o melhor espelho do
espírito humano, e (que) uma análise exata da significação das palavras
ajudaria, melhor que qualquer outra coisa, a conhecer as operações do
entendimento.”(LEIBNIZ, NE, p. 263)
Então, é possível que Leibniz tenha cogitado que, quando estivesse
concluída a criação da Característica universal, ou seja, os termos primitivos
estivessem estabelecidos juntamente com uma simbologia, seria necessário
estabelecer uma forma para os termos se relacionarem, e isso seria feito por
meio de regras lógicas contidas em uma gramática.
Neste momento, Leibniz se depara com um problema: para instituir esta
gramática é preciso ter uma linguagem, à qual é destinado seu emprego, e por
outro lado, para a instituição do vocabulário, supõe-se que haja uma gramática
preliminarmente estabelecida. A solução encontrada por Leibniz é de buscar
uma língua natural para auxiliá-lo na confecção de tal gramática. Ou seja,
Leibniz procura uma língua auxiliar que desempenhe temporariamente o papel
da língua universal. Após alguma hesitação, decide utilizar o latim e, tomando o
que há de melhor na gramática das diversas línguas, como recomendado por
Bacon, tentar criar uma gramática bastante simplificada, que denomina
gramática racional ou gramática filosófica.
Neste ponto, vale retomar alguns conceitos em relação à língua latina.
Nela, as funções sintáticas são ditas casos, ou declinações, que são
identificadas pela terminação da palavra e regidas por preposições próprias a
cada caso. São os seguintes casos: Nominativo (função de sujeito), Vocativo
(função de chamamento), Acusativo ou Oblíquo (objeto direto), Genitivo (indica
140

posse), Dativo (objeto indireto) e Ablativo (advérbio). Por exemplo: a palavra


‘ilha’ pode ser designada como insula (nominativo), insula (vocativo), insulam
(acusativo), insulae (genitivo), insulae (dativo) ou insula (ablativo).
Para extrair os pontos mais relevantes de cada gramática, ao invés de
compará-las, Leibniz, por análise lógica, tenta descobrir as razões que dão
fundamento à generalidade que está em todas as línguas para então criar
regras gramaticais e aplicá-las à língua latina, constituindo dessa forma uma
nova sintaxe latina simplificada e regular.
Seguindo os mesmos pressupostos que até então utiliza para a criação
da Característica universal, Leibniz quer encontrar os elementos simples e
primitivos do pensamento que conduza a um vocabulário descomplicado. Para
isto propõe, no texto Grammatica Rationali, de abril de 1678, a redução do
vocabulário da linguagem aos termos estritamente necessários para expressar
as ideias simples. Também sugere que as palavras que tem sentido dúbio ou
que carecem de sentido sejam eliminadas, pois entende que “[...] tais defeitos
(na arte de dar nomes) subsistem apenas em razão da nossa negligência. Pois
depende de nós concordarmos para destruir esta torre de Babel.” (LEIBNIZ, NE,
p. 267).
Ele tenta então reduzir ao máximo o número de partes do discurso.
Primeiramente, substitui os substantivos por adjetivos acompanhados da
palavra ‘Ens’ ou ‘Res’. Por exemplo, ao invés de utilizar o substantivo ‘homo’
para se referir ao ‘homem’ utiliza-se a expressão ‘Ens humanum’ (ser humano).
Retira a distinção do número ou do gênero, que passam a ser reconhecidos
pelo artigo que acompanha a expressão. Chega a afirmar que “Os gêneros não
significam nada na gramática filosófica [...]” (LEIBNIZ, NE, p. 261). Observa
que as preposições regem as funções sintáticas (os casos) e que as
conjunções regem os modos verbais, havendo, portanto, duplicidade de papéis.
Então conclui que: ou as funções sintáticas e os modos verbais são
mantidos, e consequentemente as preposições e conjunções são retiradas; ou
estas são mantidas e os casos e os modos verbais são eliminados. Leibniz fica
com a última opção, pois, em sua opinião, as preposições e conjunções
compõem a forma da língua e são elas que determinam a sua sintaxe, ritmo e
padrão. Além disso, por existirem mais preposições e conjunções que funções
sintáticas e modos verbais, julga que desta forma preserva uma maior
141

variedade na língua. Excluir as preposições e as conjunções poderia levar a um


empobrecimento da língua.
Em relação aos modos verbais, Leibniz inicialmente suprime todas suas
diferenciações, estabelecendo apenas uma conjugação. Afirma que “[...] outras
partículas estão escondidas nas flexões dos verbos” (LEIBNIZ, NE, p. 261). Em
seguida, retira também o sinal que indica a pessoa e número a que se refere o
verbo. Finalmente, se decide por utilizar apenas os verbos em sua forma
substantivada, isto é, o verbo ‘est’ (é/está) com o substantivo correspondente.
Por exemplo, a frase Petrus scribiti (Pedro escreve) se transforma em Petrus
est scribens (Pedro é escritor).
Conforme Couturat (1901), Leibniz entende que

Em última análise, todo o discurso pode ser reduzido ao único


nome substantivo Ens ou Res, ao único verbo substantivo est,
aos nomes adjetivos (exprimindo qualidades) e às partículas,
as quais são utilizadas para conectar todas as palavras
precedentes [nome substantivo, verbo substantivo] e indicam
as suas relações95. (LC, p. 70)

Quanto às preposições e conjunções, que chama de partículas, Leibniz


considera seu estudo de fundamental importância para a Gramática racional,
dedicando exclusivamente a elas um capítulo dos Novos Ensaios (1984).
Comenta que:

É bem verdade que a doutrina das partículas é importante, e


gostaria que entrássemos em mais detalhes sobre esta matéria.
Pois nada seria mais próprio para dar a conhecer as diversas
formas do entendimento. [...] Homens sábios têm-se dedicado
a elaborar tratados explícitos sobre as partículas do latim, do
grego e do hebraico. [...] Vê-se, contudo, que via de regra é
mais por meio de exemplos e de sinônimos que se pretende
explicá-las, do que por meio de noções distintas. (LEIBNIZ, NE,
p. 261)

95
En définitive, tout le discours peut se réduire au seul nom substantif Ens u Res, au seul verbe
substantive est, à dês noms adjectifs (exprimant des qualités) et aux particules, qui servent à
relier tous les mots précédents et à indiquer leurs relations (LC, p. 70)
142

Assim, inventaria, analisa, define e classifica o maior número possível de


partículas e tenta determinar os vários significados que elas assumem, pois
nas suas palavras,

Tampouco se pode encontrar uma significação geral ou formal


[...] poder-se-ia sempre reduzir todos os usos de uma palavra
a um determinado número de significações. É isto que se
deveria fazer. (LEIBNIZ, NE, p. 261)

Por outro lado, quando necessário, as substitui por perífrases. Em suas


palavras,

Para bem explicar as partículas, não basta dar uma explicação


abstrata como acabamos de fazer. Cumpre recorrer a uma
perífrase que possa ser colocada em seu lugar, assim como a
definição pode ser colocada no lugar da coisa definida. Quando
nos dedicarmos a procurar e a determinar essas perífrases
substituíveis em todas as partículas, na medida em que cada
uma delas é suscetível disto, então teremos regulado as suas
significações (LEIBNIZ, NE, 262).

No texto Analysis linguarum, de setembro de 1678, Leibniz afirma que,


tendo reduzido os elementos do discurso a elementos primitivos, é necessário
estudar a sintaxe, isto é, os diferentes modos de reunir e combinar os
elementos do discurso, ou seja, acredita ser necessário estabelecer uma
análise da linguagem. Deseja simplificar ao máximo a gramática e a sintaxe e
torná-las lógicas e consequentemente universais.
Ele percebe que, como as flexões e as partículas desempenham o
mesmo papel na sintaxe, elas devem ser analisadas conjuntamente e esta
análise é de âmbito lógico. Sobre esse assunto POMBO (1997), afirma que em
Leibniz, a

[...] análise gramatical não é contudo suficiente para dar conta


da totalidade dos modos de substituição e derivação entre os
elementos linguísticos. Na verdade, só a análise lógica,
mostrando ‘de que modo se conjugam muitas substituições
gramaticais entre si’ pode permitir mostrar ‘de que modo se
143

podem substituir proposições por proposições, ainda que,


mediante uma substituição gramatical, elas não surjam
imediatamente umas das outras’.96 (POMBO, 1997, p. 209).

Então Leibniz direciona seus esforços para o estudo das funções


sintáticas. Entende que é necessário descobrir uma nova forma de tratá-las,
diferentemente de como são utilizadas no latim. Deseja suprimir todas as
declinações e deixar apenas o nominativo, regido por preposição. Afirma que
“[...] os casos correspondem às proposições, e muitas vezes a proposição está
envolvida no nome e como que absorvida por ele [...]”(LEIBNIZ, NE, p. 261).
No entanto, Leibniz tem dificuldade em eliminar o caso acusativo (ou
oblíquo), pois este não é regido por preposição. Decide então reduzir o
acusativo ao genitivo, transformando o verbo em substantivo verbal. Cita como
exemplo no texto Grammatica rationali que a frase Ego laudo Titium (Eu saúdo
Titus) se tornaria Ego sum laudator Titii (Eu sou saudador de Titus). Na
primeira frase, a palavra Titium é o acusativo de Titus, o imperador romano. Na
segunda a palavra Titii é o genitivo de Titus. O verbo laudare (saudar), de laudo
(saúdo), passa a sum laudator (sou saudador), substantivo verbal.
Neste cenário, ele se concentra no genitivo, e ao estudá-lo percebe que
este ‘caso’ expressa relações bastante variadas, como a relação entre o todo e
a parte (manus hominis – a mão do homem); entre causa e efeito (filius hominis
– filho do homem); entre possuidor a possuído (equus hominis – cavalo do
homem) e outras.
Leibniz tenta uma reformulação na escrita de vários tipos de sentenças.
Essas sentenças ou não são da forma sujeito-predicado ou compõem
argumentos que não podem ser justificados por meio das formas silogísticas de
inferência. Apesar de guardar respeito pela lógica tradicional e admirar
Aristóteles, tendo estudado as formas silogísticas, compreende que nem todos
os argumentos válidos podem ser formulados no modo de silogismos. Comenta
esse fato nos Novos Ensaios (1984):

Acredita-se geralmente que o silogismo é o grande instrumento


da razão e o melhor meio para pôr esta faculdade em exercício.

96
Os períodos entre aspas simples foram retirados do texto Analysis Linguarum de Leibniz.
144

Quanto a mim, tenho dúvidas, pois o silogismo serve apenas


para ver a conexão das provas num só exemplo e não vai além
disso, ao passo que o espírito vê esta conexão facilmente, e
talvez melhor sem o silogismo. [...] Não digo isso para
menosprezar Aristóteles, que considero um dos maiores
homens da antiguidade, [...]. Todavia, essas formas não
constituem o único nem sequer o melhor instrumento para
raciocinar [...] (LEIBNIZ, NE, p. 389)

Leibniz lamenta as limitações da lógica tradicional e acredita que essa


matéria precisa mais de suplementação do que de expansão e reafirma a sua
“[...] ‘Gramática racional’, que irá transformar os argumentos relacionais em
formas que a lógica tradicional possa manipular.”97 (PARKINSON, 2002, p. xix,
xx,). Ele se refere ao tipo de raciocínio não silogístico estudado por Joachim
Jungius (1587-1657), especialmente no que se refere a argumentos obtidos per
inversionem relationis (por inversão de relações) e argumentos a recto ad
obliquam.
Leibniz guarda profunda admiração por Jungius. Julga que ele é um dos
maiores matemáticos de seu tempo e um dos homens mais inteligentes dos
Reinos Germânicos. No texto Historia et Commendatio linguae characteristicae
universalis, o coloca no mesmo patamar de Aristóteles e Descartes,

Na verdade, Aristóteles, quando escreveu o Organon e a


Metafísica, explorou com grande talento as questões mais
profundas do conhecimento. Joaquim Jungius de Lübeck é um
homem conhecido por poucos na própria Germânia, mas foi de
tal forma larga e evidentemente conhecido pelo discernimento
e capacidade da inteligência, de modo que eu não sei se,
dentre os mortais, não excluído o próprio Descartes, tenha
existido alguém considerado mais virtuoso pela grande
renovação das ciências.98 (LEIBNIZ, ?)

A admiração de Leibniz por Jungius não decorre somente do seu modo

97
“’rational grammar’, which will transform relational arguments into forms which traditional logic
can handle” (PARKINSON, 2002, p. xix, xx)
98
“Aristoteles enim, cum Organon et Metaphysica scriberet, notionum imtima magno ingenio
rimatus est. Joachimus Jungium Lubecensis vir est paucis notus etiam in ipsa Germania, sed
tanto fuit judicio et capacitate animi tam late patente, ut nesciam an a quoquam mortalium, ipso
etiam Cartesio non excepto, potuerit rectius expectari resturatio magna scientiarum, si vir ille
aut cognitus aut adjutus fuisset.” (LEIBNIZ in GP VII, p. 186)
145

de tratar argumentos não silogísticos, mas também porque se trata de um


polímata, assim como ele, que dá contribuições importantes à física, botânica,
mineração, teologia e teorias educacionais, além de exercer a profissão de
médico e de ter fundado a Sociedade Ereunética em Rostock no ano de 1622.
Compartilhando da ideia defendida por Jungius, para Leibniz, a análise
gramatical é como que um prefácio da análise lógica, julgando que as
inferências que não podem ser reduzidas a silogismos devem ser analisadas
pelas palavras, ou seja, pela gramática.
Atualmente se sabe que a lógica silogística, por ser restrita às
proposições que, ou estão na forma sujeito/predicado, ou se referem às
classes que elas incluem ou têm como membros, não pode abarcar
argumentos dedutivos que dependam das propriedades lógicas das relações.
Parkinson (2002) busca um exemplo comentado por De Morgan (1806-1871)
no século XIX e assegura que, “[...] é impossível chegar a uma prova silogística
de um argumento válido como ‘Por que um cavalo é um animal, a cabeça de
um cavalo é a cabeça de um animal’” (PARKINSON, 2002, p. xix)99.
Os escritos do século XVI e XVII não trazem uma abordagem definitiva
da lógica das relações, embora alguns eruditos tenham estudado este tema,
dos quais se destacam Philipp Melanchton (1497-1560), com a obra Erotemata
Dialecticae de 1550, e Konrad Dietericus (1571-1639) com o escrito
Institutiones Dialecticae de 1613.
Ashworth (1967) menciona que no Livro I de sua obra, Melanchton trata
da categoria das relações, e então estabelece duas regras: (1) que uma
relação deve ser estabelecida entre dois termos e (2) que sempre deverá haver
uma correlação entre eles. Por exemplo, não se pode dizer simplesmente:
‘Cambyses é o filho’; deve se acrescentar ‘de Cyrus’. Melanchthon ainda
estabelece cinco formas sob as quais uma relação pode surgir. Afirma que, por
exemplo, a relação ‘pai-filho’ é resultado de uma ação natural, enquanto a
relação ‘senhor-servo’ é resultado de ação da vontade. Depois, usando o
exemplo da relação ‘pai-filho’, mostra que dada uma relação, sua correlação
também o é, e consequentemente se uma é destruída a outra também o é.

99
“For example, it is impossible to give a syllogistic proof of a valid argument such as ‘Because
a horse is an animal, the head of a horse is the head of an animal’.” (PARKINSON, 2002, p. xix)
146

Após Melanchthon, pouco se acrescentou à discussão, até Dietericus.


Este discute o predicamento das relações de modo usual, mas quando se atém
às relações contrárias, além de afirmar que dada uma relação, a correlação
está dada; também assume que: “Uma inferência válida pode ser feita da
pressuposição de uma relação para a pressuposição de outra. Por exemplo:
Cristo é o filho de Davi. Então, Davi é seu pai.” 100 (DIETERICUS apud
ASHWORTH, 1967, p. 76). Dietericus considera esta uma relação assimétrica
destacando que relações opostas não podem ser atribuídas à mesma coisa da
mesma maneira, pois um pai não é seu próprio filho, e nem um filho seu próprio
pai. Daí ele estabelece duas regras: a primeira, que é a já conhecida segunda
regra de Melanchthon, que se uma relação é destruída ou negada, a contrária
também será; e a segunda, que se uma relação é verdadeiramente afirmada de
um termo, então seu contrário é verdadeiramente negado para o mesmo termo.
E exemplifica afirmando que se “Abraham é pai de Isaac, então Abraham não é
filho de Isaac.” 101 (ASHWORTH, 1967, p. 77). Observe que Dietericus
considera a relação ‘filho de’ como o contrário da relação ‘pai de’.
Depois de Dietericus, o trabalho mais importante na lógica é de Jungius
cuja obra, Logica Hamburgensis, publicada em 1638, é elaborada com o
objetivo de ser utilizada pelos estudantes da Universidade de Hamburgo. Esta
obra é considerada por alguns historiadores um dos melhores escritos deste
período e é contrastada com a Port Royal Logic. De acordo com Kneale (1962),
a Logica Hamburgensis “Além dos assuntos do costume, contém algumas
novidades que se parecem com antecipações de descobertas posteriores, em
particular uma exposição de algumas propriedades das relações.” (KNEALE,
1962, p. 318)
Ashworth (1967) afirma que o fato de as inferências não silogísticas
estarem “[...] firmemente postas no contexto da argumentação lógica, mais do
que estarem isoladas entre as categorias ou os tópicos [...] seria suficiente para
estabelecer a superioridade de Jungius sobre seus predecessores e primeiros

100
“A valid inference can be made from the positing of one relation to the positing of the other:
Christ is the son of David. Therefore David is his father.” (DIETERICUS apud ASHWORTH,
1967, p. 76).
101
“[...] If Abraham is the father of Isaac, then Abraham is not the son of Isaac.”
(ASHWORTH,1967, p. 77). No caso Dietericus considera a relação ‘filho de’ como o contrário
da relação ‘pai de’. (ASHWORTH, 1967, p. 77).
147

contemporâneos.”102 (ASHWORTH, 1967, p. 78). Já Heirich Scholz (1884-1956)


na obra Geschichte der Logic (História da Lógica), citado por Ashworth (1967),
considera que a superioridade de Jungius decorre de este ter reconhecido na
Logica Hamburgensis quatro tipos de inferências não silogísticas: “[...] a
equivalente a inversão de uma relação, a da consequência lógica do composto
para o simples e do simples para o composto, o avanço das consequências
simples do reto para o oblíquo e o assim chamado silogismo obliquo.” 103
(ASHWORT,1967, p. 77).
A inferência a compositis ad divisa (do composto para o simples) é
descrita por Jungius como aquela que pode ser aplicada nos casos que se vai
de uma sentença com predicado composto para uma com predicado simples,
por exemplo, nas frases “‘Platão é filósofo eloquente, portanto Platão é filósofo,
e, portanto, Platão é eloquente’; e ‘Paulo é mais sábio que Pedro, portanto
Paulo é sábio.’” 104 (JUNGIUS, 1638, p. 122). Na primeira sentença, Jungius
defende que ‘p.q’ implica logicamente em ‘p’; mas na segunda parece que está
tentando substituir uma afirmação que contém um predicado diádico por uma
que contém um predicado monádico105; e em alguns casos, tal reestruturação
não é verdadeira. Se tivermos, por exemplo, a afirmação ‘A é menor que B.’
Não é possível afirmar que ‘Portanto A é pequeno’, pois ambos podem ser
grandes.
Jungius estabelece corretamente a inferência a divisis ad compósita (do
simples ao composto). Ele a define apenas para os casos no qual as
afirmações têm o mesmo sujeito e exemplifica com a afirmação: “Todos os
planetas se movem no zodíaco. Todos os planetas são estrelas. Portanto todos
os planetas são estrelas que se movem no zodíaco”106 (JUNGIUS,1638, p. 122).
Na verdade, este tipo de inferência já havia sido tratado por Dietericus, a quem

102
“[...] firmly in a context of logical argumentation, rather than being isolated among the
categories or the topics; and this point alone would be sufficient to establish Jungius’s
superiority over his predecessors and near-contemporaries” (ASHWORTH, 1967, p. 78).
103
“[…] the aequipollentia per inversionem relationis, the consequentia a compositis ad divisa et
a divisis ad composita, the consequentiae simplices a rectis ad obliqua procedents, and the so-
called oblique syllogism.” (ASHWORT,1967, p. 77)
104
“’Plato est philosophus eloquens, ergo Plato est philosophus, item ergo Plato est eloquens’;
Paulus est doctior Pedro, Ergo Paulus est doctus.” (JUNGIUS, 1638, p. 122)
105
Predicado monádico: predicado que se aplica a um indivíduo. Ex: Maria é bonita. (bonita se
refere apenas à Maria) Predicado diádico: predicado que envolve dois indivíduos. Ex: Maria
admira Clara. O termo ’admira’ está relacionando Maria e Clara.
106
“Omnis Planeta per Zodiacum movetur, Ominiz Planeta est Stella, Ergo omnis Planeta est
Stella, quae per Zodiacum movetur.” (JUNGIUS,1638, p. 122)
148

Jungius se reporta.
A equivalência lógica per inversionem relationis é caracterizada pelo fato
de que o sujeito de uma afirmação é parte do consequente de outra; e as
partes principais de ambas as afirmações são correlacionadas. Exemplifica
com a frase: “Davi é o pai de Salomão, também Salomão é o filho de Davi.”107
(JUNGIUS, 1638, p. 89). Na primeira afirmação, as partes principais dos
predicados são ‘pai de’ e ‘filho de’ e Salomão e Davi são alternadamente sujeito
e predicado. As partes correlacionadas são a relação (pai de) e seu contrário
(filho de); e o sujeito e predicado são os termos da relação. Jungius faz um
relato completo da equivalência lógica entre uma relação e seu contrário.
Mas, o que ninguém tinha estudado até então, a mais importante
inferência relacional discutida por Jungius é a inferência a rectis ad obliqua (do
reto ao oblíquo), que, diferentemente das outras inferências, é válida apenas
na lógica de predicados poliádicos108. Jungius afirma que, nesta inferência, o
sujeito e o predicado do antecedente são obliquamente (estão em algum caso
que não o nominativo) unidos ao consequente por alguma noção de relação.
Cita então como exemplo a relação de ‘describere’ (desenhar, traçar), na frase
‘Circulus est figura; ergo qui circulum describit, is figuram describit (Todo círculo
é uma figura, portanto, quem desenha um círculo, desenha uma figura.). No
antecedente: ‘Circulus est figura’, circulus e figura estão no caso nominativo.
No consequente: ‘qui circulum describit, is figuram descrit’, circulum e figuram
estão no caso acusativo ou oblíquo.
Leibniz cita como Jungius classifica as inferências do argumento a recto
ad obliqum109:

1º Afirmativa direta: Círculo é figura; portanto quem traça um


círculo; traça uma figura.
2º Afirmativa inversa: Todo réptil é animal; portanto quem cria
todo animal cria todo réptil.
3º Negativa: Quem é rico não é feliz; portanto quem tem
riqueza não tem felicidade.110 (LEIBNIZ apud LC, p. 75)
107
“David est pater Salomonis, et Salomon est filius Davidis.”(JUNGIUS, 1638, p. 89)
108
Predicados poliádicos: predicado que envolve mais de dois indivíduos. Ex: João está entre
Maria e Clara. O predicado “está entre” envolve os indivíduos João, Maria e Clara.
109
‘A recto ad obliquus’ (alguns autores se referem como ‘a rectis ad obliqua’) ou seja, ‘do
direto ao oblíquo’, em outros termos, passando da menção de um termo tomado como sujeito
(no nominativo, caso direto) a uma menção deste mesmo termo tomado, por exemplo, como
complemento de nome (no genitivo, caso oblíquo)” (NE, 1984, p. 391)
110
“1º Affirmative directe: Circulus est figura; ergo qui circulum describit, is figuram describit. 2º
149

Seguindo esse pensamento, argumentos do tipo Se cavalos são animais,


então cabeças de cavalos são cabeças de animais são válidos. Na opinião de
Ashworth (1967), esta lei já havia sido estabelecida por Aristóteles, porém
Jungius a colocou com mais clareza e simplicidade.
Jungius percebe que o contrário desta inferência não é válido, ou seja,
não é válido passar de um predicado diádico para um monádico. Por exemplo,
dizer que ‘Quem receber um apóstolo de Cristo recebe o próprio Cristo’ não
valida dizer que ‘Um apóstolo de Cristo é o próprio Cristo’.
Outra contribuição de Jungius à lógica das relações é o estudo sobre
silogismo oblíquo, ou seja, silogismos que contém as premissas em outro caso
que não o nominativo. Em termos atuais, são melhores descritos como
inferências quantificacionais com predicados monádicos ou diádicos. Apesar
deste tema ser considerado criação de Jungius, vinha sendo estudado desde
Aristóteles.
Jungius abre a discussão afirmando que se um silogismo num caso
oblíquo (em algum caso que não o nominativo) contiver algum termo que o
obscurece, deverá ser colocado no caso direto (nominativo). Ele esclarece que
esta retificação envolve a inversão de relações ou algo similar, mas não dá
maiores explicações, apenas apresenta exemplos. O tipo de transformação que
Jungius mostra é do tipo A é B se transforma em A tem B; B despreza A passa
a ser A é desprezado por B.
Como já mencionamos, Leibniz admira particularmente o modo de
Jungius ao abordar argumentos não silogísticos, principalmente ao tratar a
inversão de relações e ao recto ad obliquum.
Adotando os princípios de Jungius, Leibniz analisa diversas
transformações. No texto Gramaticae Cogitationes (Reflexões gramaticais) dá
como exemplo a frase: Ensis Evandri (A espada de Evandro) onde Evandri é o
genitivo de Evander é transformada na frase: Ensis quem habet Evander (A
espada que Evandro possui), onde Evander está no nominativo111.

Affirmative inverse: Omne reptile est animal; ergo qui creavit omne animal, is omne reptile
creavit. 3º Négative: Quidam opulentus non est felix; ergo quaedam opulentia non est felicitas.”
(LEIBNIZ apud LC, p. 75)

111
Exemplos retirados do texto Grammaticae Cogitationes, manuscrito de Leibniz em OC p.
287.
150

Mais adiante, Leibniz utiliza perífrases para transformar o caso genitivo


para o nominativo, pois observa que a construção anterior nem sempre resulta
em êxito. Em suas palavras,

Para bem explicar as partículas, não basta dar uma explicação


abstrata como acabamos de fazer. Cumpre recorrer a uma
perífrase que possa ser colocada em seu lugar, assim como a
definição pode ser colocada no lugar da coisa definida. Quando
nos dedicarmos a procurar e a determinar essas perífrases
substituíveis em todas as partículas, na medida em que cada
uma delas é suscetível disto, então teremos regulado as suas
significações. (LEIBNIZ, NE, 262)

Ele entende que a análise das partículas e flexões por meio de perífrase
revela as relações primitivas. Por exemplo, a frase Paris est amator Helenae
(Paris é amante de Helena), que contém o genitivo Helenae (genitivo de
Helena), não pode ser transformada com a mesma configuração da frase Ensis
Evandri. Leibniz verifica então que se tratam de duas proposições dentro de
uma só.
Nestas situações, para evitar as funções sintáticas, Leibniz decompõe a
proposição em duas ligadas pela conjunção ‘enquanto’ (quatenus ou et eo ipso).
Então a sentença Paris est amator Helenae (Paris é amante de Helena) passa
a ser: Paris amat et eo ipso Helena amatur (Paris ama enquanto Helena é
amada), onde Helena está no nominativo. Daí, substituindo os verbos como
visto anteriormente, a frase se transforma em Paris est amator, et eo ipso
Helena est amata (Paris é amante enquanto Helena é amada). Seguindo com a
mesma análise, a frase Ensis quem habet Evander (A espada que Evandro
possui) se transforma em Ensis est <ensis> Evandri (A espada é <espada> de
Evandro), e depois, em Ensis est supellex quatenus Evander est dominus (A
espada é um instrumento enquanto Evandro é o proprietário.)112
Ou seja, para explicar e suprimir os diversos casos, Leibniz decompõe a
proposição em outras duas associadas pela conjunção quatenus ou et eo ipso
(como/enquanto).
Segundo Kneale (1972), Leibniz comenta a inversão de relações de
112
Op. Cit. p. 287.
151

Jungius (por exemplo: ‘Tito é maior que Caio’ para ‘Caio é menor que Tito’) e
demonstra que sabe da necessidade de uma expansão da lógica pela teoria
das relações. Segundo Kneale, para Leibniz ‘Tito é maior que Caio’ significa o
mesmo que ‘Tito é tão grande quanto Caio é pequeno’, isto é: “[...] os factos
relacionais podem ser resolvidos em conjunções de factos atributivos. Esta
doutrina é certamente falsa [...] mas Leibniz prestou um serviço à filosofia ao
tentar expô-la de uma forma tão clara” (KNEALE, p. 329).
Ainda conforme Kneale (1972), certamente Leibniz pretende que a forma
lógica das proposições se torne mais simples e mais regular do que nas
línguas naturais, pois

[...] ele muitas vezes afirma que uma gramática construída


filosoficamente facilitaria o raciocínio formal fornecendo as
bases para um calculus ratiocinator (i.é., um método quase-
mecânico de tirar conclusões) no qual mesmo os argumentos
não silogísticos de Junge podiam ser processados com um
número pequeno de regras. E, profetiza que, quando a nova
linguagem tiver chegado à perfeição, os homens de boa
vontade que desejarem arrumar uma discussão sobre um
assunto qualquer, pegarão nas canetas e dirão Calculemus.
(KNEALE,1972, p. 333)

Ou seja, Leibniz deseja que, por meio da Característica, o tipo de


raciocínio usado para o desenvolvimento do domínio matemático seja
estendido para o domínio metafísico. Em carta ao Duque de Hanôver em 1690,
Leibniz afirma que “[...] como tenho a felicidade de aperfeiçoar
consideravelmente a arte de inventar ou a Análise dos Matemáticos, comecei a
ter novos pontos de vista para reduzir todo o raciocínio humano a uma espécie
de cálculo.”113(LEIBNIZ, 1690)
Ele considera que o progresso que trouxe para as matemáticas decorre
unicamente do fato de conseguir encontrar símbolos próprios para as
quantidades e suas relações. O seu legado mais célebre para o conhecimento
humano, a do Cálculo Infinitesimal, é derivado de sua pesquisa constante em
encontrar novos simbolismos, o que confirma, para ele, a importância de uma

113
“Et comme j’ay eu le bonheur de perfectionner considerablement l’art d’inventer ou Analyse
des Mathematiciens, j’ay commence à avoir certaines vues toutes nouvelles, pour reduire tous
les raisonnemens humains à une espece de calcul” (LC, p. 84)
152

boa característica para as ciências dedutivas. Nesse sentido Couturat, (1901)


comenta que
[...] pouco tem sido reconhecido que o algoritmo que ele
felizmente escolheu para a Análise superior deve ser
considerado simplesmente como um resultado de suas
pesquisas, é originalmente apenas (Leibniz o designa assim)
uma Característica, um cálculo operatório.114 (LC, p. 85)

Na verdade a originalidade maior do Cálculo criado por Leibniz está


justamente em representar por sinais apropriados noções e operações que
nada têm de aritmética e lhes submeter a um algoritmo formal. Na opinião de
Couturat (1901), é neste ponto que se encontra o maior mérito de Leibniz e sua
principal vantagem em relação ao Método das Fluxões de Newton. Leibniz
comenta a superioridade de seu método em relação ao criado por Newton, no
artigo Considerations sur La diffèrence qu’il entre l’Analyse Ordinaire et Le
noveau Calcul des transcendentes (Considerações sobre a diferença que há
entre a Análise Ordinária e o novo Cálculo Transcendental), publicado no
Journal des Sçavans de 1694, portanto antes da disputa sobre a prioridade da
criação do Cálculo Infinitesimal. Afirma que “[...] é verdade que ele [Newton] se
serve de outros caracteres, mas como a Característica é, por assim dizer, em
grande parte, a arte de inventar, eu acredito que os nossos [caracteres]
proporcionam mais transparência.”115 (LEIBNIZ, 1694).
Na análise de Couturat (1901), o Cálculo Infinitesimal é a mais ilustre e
bem sucedida amostra da Característica Universal, embora não seja a única.
Em suas palavras

De qualquer forma, é importante destacar a unidade da obra


filosófica e científica de Leibniz, que mostra que sua criação
matemática mais célebre e mais fecunda, a que revelou seu
gênio e consagrou sua glória aos olhos dos eruditos, emanava
de seu pensamento e das suas pesquisas de Lógica, e era
para ele, apenas uma aplicação ou um ramo particular de sua
Característica universal. Mas, convém também observar que
114
“[...] on a trop peu reconnu que l’algotithme qu’il a si heureusement choisi pour l’Analyse
supérieure doit être considere simplement comme um résultat de ces recherches; Il n’est
originairement rien autre chose (et Leibniz lui-mème Le designe ainsi) qu’une caractéristique,
qu’um calcul opératoire.” (LC, p. 85)
115
“[...] Il est vrai qu’il se sert d’autres caracteres; mais comme la caractéristique même est,
pour ainsi dire, une grande part de l’art d’inventer, je crois que les notres donnent plus
d’ouverture”. (LC, p. 85)
153

esta aplicação não foi a única, e a mesma preocupação que lhe


sugeriu muitas outras criações matemáticas mais ou menos
bem sucedidas, mas sempre talentosas, algumas delas,
desconhecidas ou ignoradas, fizeram a partir daí o destino da
Ciência.116 (LC, p. 87)

Podemos citar além do Cálculo, a Aritmética ou Numeração binária por


tratar-se de outra amostra da Característica universal.
A busca pelas noções primitivas e por símbolos adequados que as
representem leva Leibniz a desenvolver estudos sobre a Aritmética binária,
embora, antes dele, Thomas Harriot (1560-1621) no início do século, e depois
Juan Caramuel y Lobkowitz (1606-1682) em 1670, apresentem alguns
resultados neste tópico.
Na Aritmética binária, Leibniz une a matemática e a metafísica. De
acordo com Ross (2001), ele defende que o universo é criado de modo distinto
de Deus por seu aspecto passivo, material e mecânico. Mas, “[...] se a matéria
é irreal, isto quer dizer que a materialidade do mundo consiste num misto de
irrealidade, ou não ser. Deus é puro ser: a matéria é um composto de ser e
nadidade” (ROSS, 2001, p. 113).
Nesse sentido, assim como toda a aritmética pode ser derivada do 1 e
do 0, todo o universo é gerado a partir do puro ser e da nadidade, fortalecendo
a ideia de que as únicas coisas simples são: Deus (número um) e o Nada (o
zero). Esta concepção está colocada no texto De organo sive arte magna
cogitandi (Sobre o instrumento ou a grande arte de pensar), de 1679, onde ele
afirma que “Pode acontecer, que apenas o único ser que é concebido por si
mesmo, seja o próprio Deus, e haja o nada, ou a privação, portanto é mostrada
maravilhosa semelhança.”117 (LEIBNIZ, 1679).
Leibniz considera essa ideia apenas como uma possibilidade, ele não
chega a demonstrar que todas as coisas possam ser decompostas até se
chegar a Deus e Nada, mas considera que se assim fosse, os algarismos ‘0’ e

116
“Quoi qu’il em soit, Il importait, pour faire ressortir l’unité de l’ouvre philosophique et
scientifique de Leibniz, de montrer que son invention mathématique La plus célèbre et La plus
féconde, celle qui a revele son génie et consacré as gloire aus yeux dês savants, se rattachait
dans as pensée à sés recherches de Logique, et n’était pour lui qu’une application on une
branche particulière de as Caractéristique universelle” (LC, p. 87)
117
“Fieri potest, ut non nisi unicum sit quod per se concipitur, nimirum Deus ipse, et praeterea
nihilum seu privatio, quod admirabili similitudine declaratur.”(LEIBNIZ in LC p. 430)
154

‘1’ seriam os símbolos das únicas ideias simples, já que são os únicos
algarismos usados na Aritmética binária e deles se originam todos os outros
números. A respeito de seu sistema Leibniz comenta que:

Por enquanto não vou tocar na imensa utilidade desse sistema:


basta notar quão maravilhosamente todos os números são
assim expressos pela Unidade e pelo Nada. E embora não haja
esperança de que os homens nesta vida sejam capazes de
chegar à ordem secreta das coisas, que tornaria claro que tudo
advém do puro ser e do nada, é suficiente para análise das
idéias, continuar até o ponto necessário para demonstrações
das verdades.118(LEIBNIZ, 1679).

Segundo ele, a primeira qualidade de um sistema de símbolos deve ser


a concisão, pois eles são destinados a aliviar o trabalho da mente
condensando os pensamentos. Leibniz se inspira na matemática, cujos
teoremas não são apenas atalhos de escrita, mas atalhos de raciocínio que
permitem passar das premissas à conclusão por meio de um cálculo ou
operação mecânica. Considera também que as operações efetuadas com os
números binários são fáceis e que nunca é preciso tentar adivinhar nada.
Afirma que, nesse sistema, não é preciso saber nada decorado como quando
se trabalha no sistema decimal – cita como exemplo, o fato de que para fazer
uma operação de multiplicação como 345 por 34 é necessário saber, dentre
outras coisas, que 3 multiplicado por 5 dá 15. No sistema binário não é
necessário guardar nada na memória, pois “[...] tudo é encontrado e provado
na fonte”119 (LEIBNIZ, 1703)
Outra condição que Leibniz impõe aos caracteres da Característica
universal é que por meio de sua forma e de sua composição seja possível
deduzir todas as propriedades dos conceitos que eles representam. Neste
sentido a Aritmética binária cumpre essa condição, pois permite demonstrar
pelo cálculo as verdades aritméticas que a numeração decimal é obrigada a

118
“Imensos hujus expressionis usus nunc non attingo: illud suffecerit annotare quàm mirabili
ratione hoc modo omnes numeri per Unitatem et Nihilum exprimantur. Quanquam autem spes
nulla sit homines in hac vita ad hanc seriem rerum arcanam pervenire posse, qua patent
quanam ratione cuncta ex Ente puro et nihilo prodeant, sufficit tamen analysin idearum eousque
produci, quousque demonstrationes veritatum requirunt.” (LEIBNIZ in OC, p. 431)
119
“[...] tout cela se trouve & se prouve de fource.” (LEIBNIZ in GM VII, p. 225)
155

aceitar como fatos. A este respeito Leibniz comenta que:

Projetei uma forma de assentar as contas, de modo que aquele


que junta as somas das colunas deixa no papel os traços dos
passos progressivos do seu raciocínio, de maneira que não dê
passos inúteis. Pode sempre rever, corrigindo as últimas faltas
sem interferir nas primeiras: desta forma a revisão, mesmo feita
por outro, quase não custa trabalho, visto que pode examinar
os mesmos passos com um relance de olhos. Além dos meios
de verificar ainda as contas de cada artigo, por uma espécie de
prova muito fácil, sem que essas observações aumentem
consideravelmente o trabalho de contagem. (LEIBNIZ, NE, p.
288, 289)

Um dos textos que contém os estudos desenvolvidos por Leibniz sobre a


Aritmética binária é o De dyadicis (Sobre diádica), de 15 de março de 1679.
Nele, Leibniz explica toda a técnica necessária para utilizar esse sistema de
numeração.
Outro texto que contém este assunto é o ensaio intitulado Explication de
l’Arithmétique Binaire, qui se sert dês seuls caracteres 0 et 1, avec des
remarques sur son utilité et sur ce qu’elle done le sens des anciennes figures
chinoise de Fohy (Explicação da Aritmética binária, que utiliza apenas
caracteres 0 e 1, com algumas notas sobre a sua utilidade, e o que dá o
sentido às velhas figuras chinesas de Fohy), de maio de 1703, no qual Leibniz
expõe detalhadamente a relação entre a Aritmética binária e o sistema dos
hexagramas, além de fazer uma comparação entre o sistema decimal e o
sistema binário.
Leibniz inicia o De dyadicis informando que a técnica consiste em
considerar apenas dois caracteres numéricos, 0 e 1 (zero e um), em lugar dos
dez caracteres utilizados no sistema decimal. Em suas palavras “Por vários
anos eu utilizei a progressão mais simples de todas, que procede em dois,
tendo constatado que é totalmente útil para a perfeição da ciência dos números.
Portanto, eu não uso nada além de “0” e “1”, e ao alcançar dois, eu
recomeço.” 120 (LEIBNIZ, 1703).

120
“J’ai employé depuis plusieurs années la progression la plus fimple de toutes, qui va de deux
en deux; ayant trouvé qu’elle sert à la perfection de la science des Nombres. Ainsi je n’y
156

No Explication de l’Arithmétique Binaire, lembra que no sistema decimal


utilizamos os algarismo de 0 a 9 e diz que quando chegamos ao dez, iniciamos
novamente a contagem escrevendo dez como 10, e dez vezes dez, ou cem,
como 100, e dez vezes 100, ou mil, como 1000. No sistema binário, utilizamos
os algarismos 0 e 1 e quando chegamos ao dois recomeçamos a contagem
escrevendo dois como 10, e dois vezes dois, ou quatro, como 100, e dois
vezes quatro, ou oito, por 1000.
No texto De Dyadicis, afirma que,

Então 10 é 2, e 100 é 4, e 1000 é 8, e 10000 é 16, e assim por


diante. [...] e em geral, um número binário da progressão
geométrica de base dois passa a ser expresso pela unidade e
tantos zeros quanto for o expoente da progressão geométrica,
ou seja, 2e = 10e, então constroi-se a tabela:121 (LEIBNIZ, 1679)

Figura 26 - Tabela de correspondência entre potências de base 10 no sistema


binário e potências de base 2 no sistema decimal.

Fonte: GM VII, p. 228

Depois explica como gerar os números a partir do número três,

employe point d’autres caracteres que 0 & 1, & puis allant à deux, je recommence.” (LEIBNIZ in
GM VII, 1863, p. 223, 224)
121
“Itaque 10 est 2, e 100 est 4, et 1000 est 8, e 10000 est 16, et ita porro. [...] e generaliter
Numerus progressionis Geometricae a binário incipientis exprimitur dyadide per unitatem tot
e e
nullitatibus praefixam, quot sunt unitates in progressionis Geometricae exponente seu 2 = 10 ,
Tabulaque ita stabit.” (LEIBNIZ in GM, VII, p. 228)
157

adicionando sempre uma unidade. Explica como efetuar a adição da seguinte


forma:

Sempre que a unidade é transferida deve ser adicionado à


casa anterior, então para lembrar coloca um ponto na casa
anterior, por exemplo, se 11 e 1 (ou 3 e 1) devem ser somados,
como na última casa 1 e 1 é 10, escreve 0 e representa 1 por
um ponto na casa anterior. Voltando para a penúltima casa 1 e
1 (lembrando que o ponto naquele lugar significa 1) faz 10,
escreve 0 e anota um ponto na antepenultima casa. Agora na
antepenúltima casa nada mais tem além do ponto que significa
1 e faz 100.122(LEIBNIZ, 1679)

Ao lado da explicação consta a seguinte figura:


Ou seja, para fazer a soma de 11 com 1, somamos o ‘1’ com ‘1’ da última
coluna, dá ‘2’ que é dez, colocamos então o zero e um ‘ponto’ na coluna
anterior lembrando que o ‘ponto’ vale ‘1’. Aí somamos o ‘1’ com o ‘ponto’, dá ‘2’
que é dez, colocamos o zero e um ponto da coluna anterior. Como não temos
mais o que somar nesta coluna, o resultado é ‘1’. Portanto a soma dá ‘100’.
Em seguida apresenta uma tabela do número 1 ao 16, construída
utilizando a técnica descrita anteriormente, pela adição de uma unidade a cada
número anterior.

122
“Quoties unitas transferenda seu addenda est sedi sequenti ex praecedente, memoriae ergo
in sequenti sede notetur punctum, verb. gr. si 11 et 1 (seu 3 et 1) in unum addi debeant, utique
in sede ultima 1 et 1 est 10, scribatur 0, notetur 1 per punctum in sede sequenti. Rursus in sede
penúltima 1 et 1 (nempe quia punctum ibi significat 1) fiet 10, scribatur 0 et notetur 1 in sede
antepenúltima. Jam in sede antepenúltima non est nisi punctum seu unitas translata, quod
significat 1 et fiet 100” (LEIBNIZ in GM VII, p. 228,229)
158

Figura 27 - Tabela que mostra a construção dos números no sistema binário


em correspondência aos números do sistema decimal.

Fonte: GM VII, p. 229

Depois disto, Leibniz demostra como fazer cada uma das quatro
operações.
A seguir, exibe uma série de números do ‘zero’ ao ‘63’, embora afirme
que é do 1 ao 64, comentando que completa com ‘zeros’ à esquerda até o
maior dos números, provavelmente para que possam ser deduzidas
propriedades da construção da tabela, que corresponde à escrita dos números.
Em suas palavras: “Série dos números naturais de 1 a 64123. Os zeros que não
são precedidos por um 1 podem ser omitidos, mas acrescentamos até o maior

123
Apesar de Leibniz afirmar que é uma tabela do 1 ao 64, o que aparece é a numeração de
zero a 63.
159

período que aparece”124. (LEIBNIZ, 1679)

Figura 28 - Tabela que indica como a construção dos números binários


correspondentes aos números decimais de ‘0’ a ‘63’.

Fonte: GM VII, p. 232

No texto Explication de l’Arithmétique, Leibniz apresenta uma outra


tabela de números, do número 0 ao 32 (Figura 29) salientando que são
inseridos pequenos anéis, nas linhas, antes dos algarismos ‘1’, para destacar
os ciclos que se repetem nas colunas. (os anéis tem menor tamanho do que os
zeros). Comenta que, observando esta repetição, é simples perceber
propriedades e é possivel construir qualquer série que se deseje sem que seja
necessário realizar cálculos ou desenvolver um pensamento mais complexo.

124
“Series Numerorum naturalium ab 1 ad 64. Possunt omitti 0, quas non praecedit 1,
adjecimus tamen ut progressus periodorum magis appareret.” (LEIBNIZ in GM VII, p. 232)
160

Figura 29 – Tabela de Números (criada por Leibniz contendo a


correspondência entre os números do sistema decimal e sistema binário).

Fonte: GM VII, 1863, p. 224


161

Tudo que está dentro da coluna separado por um pequeno traço se


repete abaixo dela. Na parte da tabela na qual estão os números binários, na
primeira coluna da direita para a esquerda, os caracteres são repetidamente 01;
na segunda coluna, 0011; na terceira coluna, 00001111; e assim por diante.

Figura 30 - Tabela de correspondência de números no sistema binário e


decimal para observar o ciclo nas colunas

Fonte: Adaptada pela autora, de LEIBNIZ in GM VII, 1863, p. 224

Esta propriedade cíclica, segundo Leibniz, é seguida por vários tipos de


grandezas. Sua Tabela de Números seria, portanto, uma poderosa ferramenta
nas ciências.

[...] números quadráticos, números cúbicos, e outras grandezas,


como números triangulares, números piramidais e outros
números, possuem ciclos similares, o que significa que tabelas
como esta podem ser imediatamente escritas, sem nenhum
cálculo. A prolixidade inicial faz surgir este desenho [a
regularidade do ciclo], o que torna a forma de calcular
econômica. E prosseguir ao infinito dessa maneira é
infinitamente mais vantajoso.125 (LEIBNIZ, 1703)

125
“[...] Nombres Quarres, Cubiques, & d'áutres puissances; item les Nombres Triangulaires,
Pyramidaux & autres Nombres figurés, ont aussi de semblables périodes: de forte qu’on on
peut écrire les Tables tour de suite, sans calculer. Et une prolixité dans le commencement, qui
162

Leibniz prossegue explicando que, com o seu sistema numérico, torna-


se simples a decomposição de um número dado em outros localizados nos
níveis mais acima na tabela.

Uma olhada de relance torna evidente a razão para a celebrada


propriedade da progressão geométrica duplicada em números
inteiros, que significa que se se dispõe de apenas um destes
números para cada grau, pode-se compor todos os outros
números inteiros inferiores a ele, somando-se os graus mais
altos126. (LEIBNIZ, 1703)

Leibniz ao se referir à ‘progressão geométrica duplicada em números


inteiros’ refere-se à progressão geométrica de razão 2, ou seja, (1, 2, 4, 8,
16, ....) que corresponde a (20, 21, 22, 23, 24, ...).
Exemplifica a decomposição de um número com o número sete (111),
que pode ser decomposto em quatro (100), dois (10) e um (1); o número 13
(1101), que é a soma de oito (1000), quatro (100) e um (1).

Figura 31 - A decomposição dos números 7 e 13 do sistema decimal em


correspondência ao sistema binário.

Fonte: GM VII, p. 224

Percebe-se na contagem proposta por Leibniz que a decomposição de

donne enfuite le moyen d’épargner le calcul, & d´aller à l’infiniti par régle, est infiniment
avantageuse.” (LEIBNIZ in GM VII, p. 224)
126
“On voit ici d’un coup d’oeil la raison d’une propriété célébre de la progression Géometrique
double en Nombres entiers, qui porte que si on n’a qu’un de ces nombres de chaque degré, on
en peut composer tous les autres nombres entiers au – dessous du double du plus haut
degré.” (LEIBNIZ in GM VII, p. 224)
163

qualquer número dado retorna a outros de base dois. Como nos exemplos,
sete corresponde a quatro (22) mais dois (21) mais um (20); treze corresponde a
oito (23) mais quatro (22) mais um (20).
Afirma que sua maneira de contagem por dois também possibilita a
realização de todas as operações aritméticas. Dá exemplos das operações de
adição, subtração, multiplicação e divisão. No trabalho De Dyadicis, Leibniz
descreve os métodos de realização das operações, enquanto que no
Explication apresenta os exemplos de uso.

Figura 32 - Equivalência nas operações, no sistema decimal e no


sistema binário

Fonte: GM VII, 1863, p. 224, 225

Leibniz afirma que a maneira de calcular de acordo com sua tabela


evitaria a necessidade de ter informações armazenadas na nossa memória,
como ocorre nos cálculos de acordo com a contagem de dez em dez.
Apesar de Leibniz enumerar as vantagens desse sistema de contagem,
acrescenta que:
164

[...] eu não estou, de qualquer forma, recomendando que esta


forma de contagem substitua a prática usual de contagem por
dez. Por que, afora o fato de que nós estamos acostumados a
isso, nós não precisamos aprender de novo o que nós já
aprendemos de cor. A prática da contagem por dez é mais curta
e os números não são tão longos. E se nós estamos
acostumados a prosseguir por doze ou dezesseis, haveria
ainda mais vantagens. Mas o cálculo por dois, ou seja, por 0 e
1, como compensação pelo seu comprimento, é a mais
fundamental forma de contagem para a ciência, e nos oferece
novas descobertas, que são úteis, mesmo para a aplicação dos
números e especialmente para a geometria. A razão para isso é
que, como os números são reduzidos aos princípios mais
simples, como 0 e 1, uma ordenação magnífica se
apresenta.127 (LEIBNIZ, 1703)

Leibniz descreve suas pesquisas em Aritmética binária em cartas


endereçadas ao padre Joachim Bouvet (1656-1730), que viveu algum tempo na
China dedicando-se ao estudo do I Ching, o Livro das Mutações. Este livro
contém a base sd sabedoria chinesa, incluindo as origens de sua escrita. Hoje,
no ocidente, é considerado um livro exotérico, com funções mágico-oraculares.
Um dos pontos chave do trabalho de Leibniz contido no Explication de
l’Arithmétique, de 1703, diz respeito à sua explanação a respeito da relação
entre seu método de contagem binária e os hexagramas de Fuxi. Fohy ou Fuxi
ou ainda Fu Hsi (meados de 2.800 a.C.), imperador mítico chinês, é tido como
o criador do I Ching.
Leibniz acredita que, quando descreve suas pesquisas em Aritmética
binária ao padre Bouvet, este compreende que aquela aritmética explica de
maneira admirável a estrutura dos hexagramas chineses.
Essa antiga filosofia utiliza 64 figuras (hexagramas), cada um composto
por dois trigramas. Os trigramas são compostos por três linhas superpostas
que podem ser inteiras (__) ou interrompidas (_ _). Os hexagramas são as

127
“[...] jê ne recommande point menière de compter, pour la faire introduire à la place de la
pratique ordinaire par dix. Car outre qu’on est accoutumé à celle-ci, on n’y a point besoin d’y
apprendre ce qu’on a déjà appris par Coeur: aini la pratique par dix est plus abregée, et les
nombres y sont moins longs. Et si on étoit accoutumé à aller par douze ou par seize, il y auroit
encore plus d’avantage. Mais le calcul par deux, c’est-à-dire par 0 e par 1, em recompense de
as longueur, est le plus fondamental pour la science, et donne de nouvelles découvertes, qui se
trouvent utiles ensuite, même pour la pratique des nombres, et surtout pour la Géométrie, dont
la raison est que les nombres étant reduits aux plus simples príncipes, comme 0 eet 1, il paroit
partout um ordre merveilleux.” (LEIBNIZ in GM VII, p. 225)
165

combinações de dois a dois desses trigramas 128 . Cada hexagrama tem um


significado de acordo com o livro I Ching.
Leibniz entende que, juntamente com o Reverendo Bouvet, desvenda o
enigma que remanesce há séculos entre os chineses. Afirma que os chineses
perderam o sentido das figuras de Fuxi, e que, apesar de terem abordado o
mistério por diversas vezes e terem procurado dar sentido a estas figuras não
alcançaram o significado pleno.
Em 1701, Bouvet envia a Leibniz uma carta anexando uma gravura em
madeira com a disposição dos hexagramas. A respeito dessa carta, Leibniz
comenta que:

Há pouco mais de dois anos em que eu enviei ao padre


Reverendo Bouvet – renomado jesuíta francês que vive em
Pequim – a minha forma de contagem de 0 e 1; e nada mais foi
preciso para que ele reconhecesse que esta era a chave para
as figuras de Fuxi. Escrevendo para mim em 14 de novembro
de 1701, ele enviou-me a grande figura desta preciosa filosofia
que vai até 64, e não deixa nenhum motivo para duvidar da
verdade da nossa interpretação; assim, podemos dizer que
este Padre decifrou o enigma de Fuxi usando o que eu tinha
comunicado a ele. E, como estes números podem ser o
monumento mais antigo da ciência129 que existe no mundo, a
restituição de seu significado, depois de um grande intervalo de
tempo, é ainda mais curioso.130 (LEIBNIZ, 1703)

128
São os seguintes trigramas:

Combinando dois a dois trigramas teremos os 64 hexagramas. Por exemplo,


combinando os trigramas (1) e (5), teremos o seguinte hexagrama:

129
Na época, Leibniz considera os hexagramas como o sistema simbólico mais antigo, porém,
posteriormente foram encontrados os ideogramas sumérios que são mais antigos que estes, de
cerca de 3.500 a. C.
130
“Il n’y a gueres plus de deux ans que j’envoyai au R. P. Bouvet Jésuite, François célébre, qui
demeure à Pekin, ma maniere de compter par 0 & 1; & il n’em fallut pás davantage pour lui faire
reconnoître que c’est la cles dês Figures de Fohy. Ainsi m’écrivant le 14 Novembre 1701, il m’a
envoyé la grande Figure de ce Prince Philosophe qui va à 64, & ne laisse plus lieu de douter de
la vérité de notre interprétation; de sorte qu’on peut dire que e Pere a déchiffré l’Enigme de
Fohy à l’aide de ce que je lui avois communiqué. Et comme ces Figures sont peut-être le plus
ancien monument de science qui soit au monde, cette restitution de leur sens, aprés un si
grand intervalle de tems, paroîtra d’autant plus curieuse.” (LEIBNIZ in GM VII, p. 226, 227)
166

Leibniz esvazia o conteúdo dos símbolos I Ching do significado dado


pelos chineses ao associar o zero à linha segmentada e o número um à linha
inteira e, aproximando o Sistema Binário dos hexagramas do I Ching, confirma
a abrangência do seu simbolismo binário.
Reafirma que a correspondência entre seu método de contagem e as
figuras de Fuxi são óbvias:

Há várias figuras lineares atribuídas a ele, todas elas retomam


a esta aritmética, mas é suficiente mostrar aqui a Figura da
Cova Oito, como é chamada, que se diz ser fundamental, e
para iniciarmos uma explicação, note-se inicialmente que, uma
linha inteira significa unidade, ou 1, e que uma linha quebrada
significa 0.131 (LEIBNIZ, 1863)

Figura 33 - Hexagramas do Fohi em correspondência com os números


binários

Fonte : ECO, 2001, p. 344

131
“Il y a plusieurs Figures Lineaires qu’on lui attribue. Elles reviennent toutes à cette
Arithmétique; mais il suffit de mettre ici la Figure de huit Cova comme on l’appelle, qui passe
pour fondamentale, & d’y joindre l’explication qui est manifeste, pourvû qu’on remarque
premierement qu’une ligne entiere signifie l’unité ou 1, & fecondement qu’une ligne brisée
signifie le zero ou 0.” (LEIBNIZ in GM VII, p. 22)
167

Figura 34 - Hexagramas do Fohi em correspondência com os números


binários (cova oito)

Fonte : GM VII, 1863, p. 226

Em uma das cartas endereçadas ao reverendo, Leibniz afirma que é


possível criar

Uma nova característica que parecerá uma continuação da de


FoHi e que dará o começo da análise das ideias e desse
maravilhoso cálculo de que tenho o projeto. Esta característica
secreta e sagrada dar-nos-á também o meio de insinuar aos
chineses as mais importantes verdades da filosofia e da
teologia naturais. (LEIBNIZ apud POMBO, 1997, p. 231)

No século XX, as concepções sobre Aritmética binária são aplicadas a


circuitos eletrônicos o que permite que seja criada uma linguagem para ser
utilizada nos computadores digitais, que lhes confere mais rapidez no
processamento de tarefas.
Leibniz persegue em sua vida o objetivo de criar uma linguagem que
auxilie o pensamento. Segundo sua concepção uma etapa para a elaboração
de uma Linguagem universal é o estabelecimento e a coleta dos termos
primitivos. Leibniz propõe como objetivo dessa fase a formação de uma
espécie de catálogo das ideias elementares, que ele chama de Enciclopédia
universal. Outro estágio inclui a atribuição de caracteres para representar estes
termos e então, por meio de regras lógicas, tais termos são combinados para
formar termos complexos, donde emergem os projetos leibnizianos ditos
Característica universal e Gramática racional respectivamente. As três
168

propostas de Leibniz (Enciclopédia universal, Gramática racional e


Característica universal) seriam, pois, os pilares da Linguagem universal, a
partir da qual todo o conhecimento seria apreendido.
Seus projetos não se sucedem no tempo, nem são pensados como
alternativos um em relação ao outro, mas sim como complementares, quer seja
quanto ao ponto de partida, quer quanto às finalidades. Busca inspiração nos
hieróglifos chineses, nos símbolos da química e na simbologia da álgebra e da
aritmética. Objetiva ora uma escrita universal, ora uma linguagem que também
possa ser falada; em alguns momentos, propõe uma linguagem destinada a
facilitar a comunicação, em outro, defende uma linguagem filosófica, que
permita o acesso direto ao conhecimento.
Desde muito jovem Leibniz almeja uma maneira de acessar todo o
conhecimento. Quando escreve o De Arte Combinatoria, entre outras coisas,
considera que quando as letras representam o alfabeto de uma linguagem, ao
se instituírem todas as combinações possíveis com tais letras, são formadas as
palavras que, por sua vez, são igualmente combinadas entre si. No resultado
de todas estas combinações (caracteres que formam palavras e palavras que
formam sentenças) estão contidas todas as ideias possíveis. Em suas palavras

[...] E pensei sobre isso no início de meus estudos, ao me


aventurar em publicar um pequeno tratado, o De Arte
Combinatoria [...] Ora visto que todo o conhecimento
humano pode se expressar pelas letras do Alfabeto, e
que podemos dizer que aquele que compreende
perfeitamente o uso do Alfabeto, sabe tudo; resulta disso
que poderemos calcular o número de verdades, as quais
os homens são capazes e que poderemos determinar a
grandeza de uma obra que conterá todo o conhecimento
humano possível; e assim teremos acesso a tudo o que
foi sabido, escrito ou inventado; e bem, além disso, pois
ele conteria não somente as verdades mas ainda as
falsidades que os homens podem enunciar; e mesmo
expressões que não significam nada.132 (LEIBNIZ, 1679)

132
"Et j’avois raisonné làdessus dans les commencemens de mes etudes, m’estant hazardé de
publicr um pétit traité de l’Arts des combinaisons[ ...]. Or puisque toutes [les] conaissances
humaines se peuvent exprimer par les lettres de l’Alphabet, et qu’on peut dire que celuy qui
entend parfaitement l’usage de l’alpahbet, sçait tout; il s’em suit, qu’on pourra calculer le
nombre des verités dont les hommes son capables < et qu’on peut determiner > la grandeur
d’um ouvrage qui contiendroit toutes les connaissances < humaines > possibles; et ou il y auroit
tout ce qui pourroit jamais estre sçû, ecrit, ou invente; et bien au dela. Car il contiendroit non
seulement les verités, mais encor les faussetés que les homes peuvent enoncer; et meme des
169

Ao longo de sua vida, as propostas relacionadas à criação de uma


Linguagem universal são desenvolvidas concomitantemente por meio de
múltiplas estratégias e caminhos e a partir de diferentes frentes de trabalho.
Uma convicção fundamental, contudo, sempre o acompanha: a de que a
linguagem deve servir para desvelar o pensamento e não para limitá-lo. Em
carta a Tschirnhaus, de Maio de 1678, escreve

Ninguém deveria temer que a contemplação dos caracteres nos


levará para longe das coisas em si mesmas; pelo contrário, nos
levará para o interior das coisas. Nós constantemente temos
confundido as noções porque os caracteres que utilizamos são
mal arranjados; mas então, com a ajuda dos caracteres, nós
facilmente teremos as mais distintas noções, nós teremos nas
mãos um meio mecânico de meditação, por assim dizer, com
esta ajuda nós poderemos facilmente expressar qualquer ideia,
não interessa do que seja composta. De fato, se o caráter que
expressa um conceito dado for considerado atenciosamente, o
conceito mais simples dentro do qual pode ser esclarecido virá à
mente. [...] Nós não podemos esperar por ajuda maior do que
essa para a perfeição da mente.133 (LEIBNIZ, 1678)

Em sua busca constante pelos caracteres ideais, Leibniz experimenta


todos os símbolos que consegue imaginar. Até o fim de sua vida, mantém sua
proposta de invenção de um simbolismo completo e definitivo. Ele reconhece
as dificuldades intrínsecas ao seu projeto. Em carta de março de 1706, à
Eleitora Sophie, sua grande amiga, demonstra sua desilusão ao comentar que,

[...] não estou nem estarei jamais em estado de executar tal


projeto em que é necessário mais do que uma mão; e parece
mesmo que o gênero humano não está suficientemente
amadurecido para reivindicar os benefícios que esse Método
poderá proporcionar-lhe.134 (LEIBNIZ, 1706)

expressions qui ne signifient rien” (LEIBNIZ in GP VII, p. 94/95).


133
“No one should fear that the contemplation of characters will lead us away from the things
themselves; on the contrary, it leads us into the interior of things. For we often have confused
notions today because the characters we use are badly arranged; but then, with the aid of
characters, we will easily have the most distinct notions, for we will have at hand a mechanical
thread of meditation, as it were, with whose aid we can very easily resolve any idea whatever
into those of which it is composed. In fact, if the character expressing any concept is considered
attentively, the simpler concepts into which it is resolvable will at once come to mind [...]. We
69can hope for no greater aid than this in the perfection of the mind.” (LEIBNIZ in LOEMKER,
1969, p. 192)
134
“Mais je ne say si je seray jamais en estat d’executer un tel projet qui a besoin de plus
d’une main; et il semble même que le genre humain n’est pas encore assex meur pour
170

Portanto, muito embora Leibniz tenha se mostrado um dedicado e


incansável estudioso, não chega a concretizar seu intento. Desenvolve
inúmeros projetos, apresenta diversas propostas, mas não tem sucesso na
construção da tão desejada Linguagem universal, e, por suposto, da
Característica universal.
Podemos cogitar que o fato de Leibniz não ter realizado inteiramente o
projeto da criação de uma Linguagem universal se deve ao fato da
impossibilidade fundamental de tal realização. Uma possível explicação pode
estar no interior da filosofia leibniziana, pelo motivo de não ser dado a um ser
finito e limitado – o homem – a capacidade de compreender a infinitude divina,
necessária para encontrar os conceitos primitivos do pensamento. Mas é
também presumível que essa impossibilidade seja externa à filosofia de Leibniz,
pois, uma vez que a linguagem é histórica e social, não é possível estabelecer
uma correspondência biunívoca entre signo e significado, imprescindível para a
construção da Linguagem universal.
Leibniz, de fato, não chega a concluir seu trabalho, mas as ideias nele
contidas contribuíram de forma decisiva para a ciência em diversas áreas do
conhecimento. Especialmente em relação à matemática, a busca por um
simbolismo adequado o levou à criação do Cálculo Infinitesimal. E a procura
pelos termos primitivos, por um modo perfeito de expressar as coisas e noções
a partir de sua gênese o levou ao aperfeiçoamento da Aritmética binária.
Devemos lembrar ainda que devido à complexidade e abrangência do
tema aqui desenvolvido, deixamos em aberto diversas possibilidades
relevantes para pesquisas futuras, que passamos a expor brevemente:
 Para chegar à linguagem universal, Leibniz busca os termos primitivos;
para definir os termos primitivos, é necessário conceber um inventário
do conhecimento. Tal inventário corresponde à Enciclopédia Universal,
tema citado no presente trabalho mas que não chegou a ser detalhado e
fica, portanto, legado a pesquisas futuras;
 Ao propor a construção de uma Gramática Racional, Leibniz toma por
base a língua latina e busca simplifica-la ou, em outras palavras, Leibniz

pretendre aux avantages où cette Methode pourroit mener.” (LEIBNIZ in LC, p. 118)
171

tenta converter o latim, que é uma língua sintética, em uma linguagem


analítica. A oportunidade de pesquisa que se define consiste em buscar
as razões e justificativas para que Leibniz tenha tentado fazer esta
transformação se a linguagem simbólica que usamos atualmente, a
exemplo da matemática e até mesmo da lógica, é incontestavelmente
sintética;
 Analisar com maior rigor as razões pelas quais Leibniz não obteve
sucesso no seu intento;
 Verificar por que motivos esse tema, que predominou no cenário
científico por mais de cem anos foi colocado em segundo plano na
academia;
 Aprofundar a pesquisa acerca da relação entre Pascal, Descartes e
Leibniz, especialmente por intermédio de Arnauld e da Port Royal, uma
vez que está intimamente ligada a questões da criação de uma nova
gramática;
 Examinar mais detidamente a relação entre Leibniz e Olbenburg;
 Investigar também a relação Leibniz, Kraft, Becher, especialmente entre
Leibniz e Becher, pois se insinuam questões em relação à alquimia que
podem ter reflexo nas definições da química atual;
 Explorar com mais detalhamento a questão da máquina de calcular
criada por Leibniz. Parece que ele teve mais do que razões práticas de
auxiliar em cálculos que envolvem as operações matemáticas. É
possível que tenha sido um exercício para chegar às questões binárias;
 Examinar as diferenças nas concepções para criar uma linguagem
universal entre Wilkins e Leibniz. As pesquisas de Wilkins, em termos de
linguagem universal, se direcionam para a busca de uma linguagem que
expresse a natureza, enquanto Leibniz, apesar de ter começado por aí,
mais tarde vai buscar uma linguagem sob outro ponto de vista: uma
linguagem que desvela o pensamento;
 Aprofundar os estudos em relação ao surgimento dos periódicos, dos
ginásios, das sociedades eruditas enquanto marco do nascimento da
história da ciência e da matemática modernas, momento em que a
história deixa de ter um papel retórico e passa a mostrar como o
172

conhecimento se desenvolve;
 Criar atividades didáticas envolvendo a história da Matemática,
utilizando as informações sobre Aritmética Binária que constam do
presente texto e que podem auxiliar os professores a trabalhar este
conteúdo tanto na Licenciatura quanto em cursos de Informática;
 Estudar mais detalhadamente a Gramática Racional;
 Explorar os estudos de Leibniz que culminam com a criação do Cálculo
infinitesimal, uma das consequências da tentativa de criar uma
característica universal;
 Aprofundar as questões relativas às classificações das coisas da
natureza e a necessidade de criar uma língua que por meio do símbolo
desvele as características do objeto.

Nesta parte final, que trata da esfera epistemológica, abordamos


especialmente:
 pressupostos de Leibniz na defesa da criação de uma Linguagem
universal, e consequentemente, a Característica universal;
 primeiro ensaio da Característica universal – a Scriptura
universalis;
 projetos da Linguagem universal, a que Leibniz se refere e/ou se
inspira posteriormente: de Becher, de Athanasius Kircher, de
Gaspar Schott; de George Dalgarno e de John Wilkins;
 projetos do próprio Leibniz;
 Gramática racional;
 Aritmética binária;
 considerações gerais.

Concluímos nosso trabalho comentando que a presente pesquisa


consistiu em apresentar o projeto maior de Leibniz de criação de uma
linguagem universal e, particularmente, em relação à sua simbologia,
denominada por Característica universal. Consideramos, por fim, que tanto o
objetivo principal quanto os demais objetivos que nos guiaram foram
alcançados, naturalmente no que nos permitiram as limitações existentes, uma
173

vez que entendemos que toda e qualquer investigação científica não se


encerra em si, mas sim que deve abrir novos horizontes.
174

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