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CAMPINAS
2010
CAMILA DALLA POZZA PEREIRA
Monografia apresentada ao
CAMPINAS
2010
i
Dedico este trabalho de conclusão de
curso aos meus queridos e amados pais,
Nivania e Edson, que me deram a vida e
a oportunidade de ser quem eu sou e de
chegar até aqui, através de grandes
esforços e renúncias.
ii
Agradecimentos
iii
RESUMO
A leitura é parte importantíssima do ensino de Língua Portuguesa que tem sido
realizado, cada vez mais, através de materiais didáticos como os livros didáticos que, por
sua vez, são amplamente utilizados na rede pública brasileira de ensino. A leitura feita pelo
aluno e conduzida pelo livro didático e pelo professor deve ser situada, isto é,
contextualizada para que o leitor seja ciente de tudo o que cerca um texto, verbal ou não. O
ensino de leitura deve ter como objetivo formar leitores conscientes, reflexivos e críticos
que respondam ativamente ao que leem, colocando-se como sujeitos ativos na interlocução.
Por isso, este trabalho pretende analisar duas coleções de livros didáticos de Língua
Portuguesa, direcionadas ao 7º e 9º ano do Ensino Fundamental II, para avaliarmos se a
leitura situada e a atitude responsiva ativa são desenvolvidas no ensino de leitura e como
este é realizado no início e no término deste nível de escolaridade. As coleções foram
escolhidas por meio do Programa Nacional do Livro Didático 2008 (PNLD) e por terem
recebido avaliações distintas no eixo da leitura. Os referenciais teóricos que orientam a
análise das coletâneas textuais e das questões interpretativas dos livros didáticos são os do
Círculo de Bakhtin e outros referentes à leitura e letramento.
Palavras-chave
iv
ABSTRACT
Reading is a very important part of the teaching of Portuguese language that has
been accomplished, increasingly, through educational materials such as textbooks which, in
turn, are widely used in Brazilian public schools. The reading done by the students and led
by the textbook and the teacher should be located, i.e. contextualized for the reader is aware
of everything that surrounds a text, verbal or otherwise. The teaching of reading should be
aimed at educating readers aware, reflective and critical to respond actively to what they
read, putting themselves as active subjects in dialogue. Therefore, this study aims to
examine two sets of textbooks for Portuguese, directed at 7º and 9º years of elementary
school II, to evaluate if the reading situated and responsive attitude active are developed in
teaching reading and how this is done at the beginning and at the end of this level of
schooling. The collections were chosen through the National Textbook Program 2008 and
have received separate assessments of reading axis. The theoretical framework underlying
the analysis of collections of textual and interpretive questions of the textbooks are the
Bakhtin Circle and others related to reading and literacy.
Key-words
v
Lista de Figuras e Tabelas
vi
SUMÁRIO
Introdução_____________________________________________________________ 9
5.1.2.2 – Pesquisa_____________________________________ 43
5.1.2.3 – Vocabulário___________________________________ 44
5.1.2.5 – Argumentação_________________________________ 44
vii
5.2.1 – Preparação para a leitura________________________________ 51
Considerações finais_____________________________________________________101
Anexos________________________________________________________________ 108
viii
Introdução
1
De acordo com o site da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, em 2010, os alunos da rede
receberam material de uso pessoal (mochila, cadernos, lápis etc) e o Caderno do Aluno “(...) material didático
elaborado pela Secretaria e distribuído às escolas da rede com os conteúdos das matérias (...)”, que serão
substituídos por novos a cada bimestre e custaram R$ 77 milhões de reais. Disponível em
http://www.educacao.sp.gov.br/noticias_2010/2010_19_01_a.asp, acesso em 15/04/2010.
2
Segundo Batista, o Programa Nacional do Livro Didático, edição 2008, “é uma iniciativa do Ministério da
Educação e seus objetivos básicos são a aquisição e a distribuição, universal e gratuita, de livros didáticos
para os alunos das escolas públicas do ensino fundamental brasileiro. (...) A fim de assegurar a qualidade dos
livros a serem adquiridos, o Programa desenvolve, a partir de 1996, um processo de avaliação pedagógica das
obras nele inscritas (...)” (2003, p. 25-26).
3
Disponível em http://www.anl.org.br/web/pdf/pesquisa_setor_livreiro/relatorio_FIPE_2008.pdf. Acesso em
23/04/2010.
9
relatório, deveu-se a “à oscilação verificada nas compras governamentais, o que é
característico desse segmento de mercado, pois suas decisões de compra pautam-se por
critérios próprios à administração pública e aos programas geridos pelo governo”
(Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas - FIPE, 2008, p. 5). Em 2008, 18.081 títulos
de LDs foram editados e 177.553.165 exemplares foram vendidos em todo o país, incluindo
obras dedicadas à Educação Infantil, Ensino Fundamental I e II e Ensino Médio.
Segundo Bunzen (2009), no início da década de 80 surgiu a imagem do professor
como tecnólogo e passivo em relação ao LD, já que a ideia que se tinha era a de que o
docente não sabia o que fazer em sala de aula e, por isso, utilizava “modismos
metodológicos, como os livros didáticos e manuais pré-programados” (SILVA, 2000 apud
BUNZEN, 2009, p. 200). Assim, a responsabilidade de preparar a aula, organizar os
conteúdos e didatizá-los ficou a cargo do autor do LD e não do professor.
No entanto, acreditamos que o docente é o maior responsável pela construção do
seu projeto didático e, assim sendo, ele deve apreciar valorativamente e responder
ativamente (conceitos bakhtinianos que desenvolveremos no 2º capítulo) aos recursos
didáticos disponíveis e isso seria uma atividade autoral, como afirma Bunzen (2009, p.
200). O autor ainda ressalta que alunos e professores não são consumidores passivos dos
LDs, pois “com base em seus interesses, crenças, valores, apreciação dos objetos de ensino
e dos sujeitos aprendizes, observamos um processo de diálogo – o que não exclui o conflito
– entre projetos didáticos autorais” (op.cit, p. 202).
Portanto, tendo em mente o papel do LD em sala de aula e a importância de um bom
ensino de leitura, objetivamos estudar, no campo da Linguística Aplicada, o modo de se
abordar a leitura nas coletâneas textuais e nos exercícios de interpretação de dois livros
didáticos de Língua Portuguesa (LDPs). São metas gerais do trabalho analisar se os textos
que compõem as coletâneas são contextualizados; se os LDPs, através dos Manuais do
Professor, orientam o docente nessa direção e, se sim, como o fazem; analisar se os
exercícios de interpretação textual desenvolvem a “atitude responsiva ativa” (BAKHTIN,
1997 [1979]) verificando assim aspectos importantes para a formação do aluno leitor.
As perguntas de pesquisa que orientam este trabalho são:
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1. Os textos que compõem as coletâneas dos LDPs analisados são tratados
discursivamente pelos respectivos autores, isto é, são contextualizados? Se
sim, de que maneira isso é feito?
2. De que forma o uso situado é abordado? A leitura é trabalhada, de forma
situada, pelos LDPs através dos exercícios de compreensão e interpretação?
O que eles buscam desenvolver?
3. Como a postura didática dos LDPs referente à leitura guia o trabalho do
professor nas aulas de leitura, compreensão e interpretação de textos?
Os LDPs foram escolhidos através da leitura das resenhas presentes no Guia do
Livro Didático PNLD 20084 que é baseado nos critérios de avaliação de Língua Portuguesa
do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD). Os LDPs selecionados são Português
na Ponta da Língua escrito por Lino de Albergaria, Márcia Fernandes e Rita Espeschit,
publicado pela Quinteto Editorial e Português: Uma Proposta para o Letramento de Magda
Soares, lançado pela Editora Moderna, ambos destinados aos 7º e 9ª anos.
O primeiro livro mencionado recebeu uma avaliação positiva no eixo da leitura,
pois apresenta uma tendência metodológica de situar os textos; o segundo livro citado, por
sua vez, na resenha é avaliado positivamente neste aspecto, mas o Quadro Geral das
Coleções (BRASIL, 2007, p. 24) o coloca de maneira diferente, como explicaremos mais
adiante. Isto gerou dúvidas e, para nos certificarmos, escolhemos o segundo livro citado.
Optamos por LDPs de 7º e 9º anos do Ensino Fundamental II para termos uma noção de
como o ensino de leitura é realizado no início e no final deste ciclo escolar.
Para responder essas questões, a presente monografia se apresenta da seguinte
maneira: o 1º capítulo é dedicado ao aprofundamento teórico sobre a leitura e seu ensino no
Brasil; no 2º explicamos mais profundamente, baseadas em Bakhtin e seu círculo, o que
chamamos de leitura situada e o que é a “atitude responsiva ativa” (BAKHTIN, 1997
[1979]); o 3º capítulo traz a análise dos critérios de avaliação de leitura do PNLD 2008; no
4º explicamos a metodologia de recorte e geração dos dados; o 5º capítulo dedica-se à
análise dos Manuais do Professor, para verificarmos como os LDPs orientam o trabalho
4
Esta edição do Programa avaliou e distribuiu livros didáticos de 5ª a 8ª séries, atuais 6º e 9º anos do EFII.
11
docente; no 6º traçamos a análise quantitativa das coletâneas dos LDPs em termos dos
textos e gêneros que as compõem e de como os autores contextualizam estes textos e o 7º
capítulo dedica-se à análise qualitativa dos exercícios de interpretação. Em seguida as
discussões oriundas das análises anteriores são retomadas, tecendo-se as considerações
finais.
12
Capítulo 1 – Leitura: um panorama geral
13
Já o modelo top down visa um leitor que constrói o que lê lendo, alicerçado no
contexto linguístico em que a palavra aparece. Apesar de o leitor continuar sendo um mero
decodificador, podemos notar que há uma diferença entre esse modelo e o exposto acima: o
conhecimento prévio do leitor na concepção descendente de leitura é valorizado. Como
afirma Silva (2000, p. 41), “o texto apresenta então lacunas a serem preenchidas pelo leitor
com o seu conhecimento de mundo”. Apoiado nnesse aspecto, o leitor passa a ser capaz de
fazer inferências, hipóteses e seleções a fim compreender o significado do texto. O leitor,
anteriormente, era um agente passivo no ato de ler; agora ele se torna ativo, mas não tão
ativo a nosso ver, como explicaremos mais adiante. É bom salientarmos que o texto
continua autônomo, porém, como diz Jurado (2003, p. 68), “agora, em relação ao autor que
é completamente apagado”, o que impede uma real interlocução entre leitor e autor e,
consequentemente, o ato de ler.
O próximo modelo cognitivista que abordaremos é o interativo, que pressupõe o
uso combinado dos dois modelos descritos acima, porém, com um detalhe: o autor passa a
ser valorizado e, portanto, a ser visto pelo leitor. Nessa concepção, para que haja uma
compreensão textual eficaz, faz-se necessário que leitor e autor estejam, conforme Silva
(2000, p. 43), “sócio-historicamente determinados e ideologicamente constituídos”. Essa
perspectiva visa, através da interação entre leitor e autor, produzir sentidos utilizando as
diferentes estratégias dos modelos bottom up e top down. A decodificação, a localização
(scanning), os conhecimentos textuais, linguísticos e prévios, formulação de hipóteses e a
sua comprovação e a identificação das intenções do autor serão os instrumentos necessários
ao leitor para produzir sentidos.
Após esta análise, concluímos que esses modelos de leituras fazem parte do
processo do ensino/aprendizagem de leitura, mas aprender a decodificar as palavras, a
localizar frases e fazer inferências é apenas o início do aprendizado da leitura. Além do
mais, nenhuma destas concepções tem como objetivo contextualizar os textos e tratá-los
discursivamente, visando o desenvolvimento de uma “atitude responsiva ativa” (Bakhtin,
1997 [1929]) por parte do aluno. Quando dissemos acima que a concepção bottom up não
leva em consideração o conhecimento prévio do leitor, queremos dizer que suas
expectativas também não são consideradas e, assim, não há incentivo para que o aluno
14
pense e reflita sobre o que leu. Ao afirmamos que “o modelo top down visa um leitor que
constrói o que lê lendo, alicerçado no contexto linguístico em que a palavra aparece”,
comprovamos que o que esse modelo busca é apenas trabalhar a palavra dentro do texto e
não o texto como um todo dentro de um contexto, através de trechos parciais
descontextualizados, ou seja, “desprovidos das informações relevantes sobre o tempo e o
lugar em que foram escritos, textos incompletos” (KLEIMAN, 1999, p. 37). E em relação à
concepção interacionista, apenas de ele valorizar o conhecimento prévio do leitor e as
intenções do autor, por ser uma mescla dos outros dois, também não objetiva o leitor crítico
e reflexivo que almejamos.
O ensino de leitura também deve almejar desenvolver capacidades, estratégias e
práticas sociais utilizando gêneros do discurso e situando a prática da leitura em seu
contexto social, ou seja, os letramentos5. Salientamos o fato de que tanto os PCNs quanto o
PNLD 2008 fazem menção a esse conceito e apóiam o trabalho com os gêneros, sendo que
os PCNs são totalmente pautados na teoria dos Gêneros do Discurso bakhtiniana. Dois dos
critérios avaliativos contidos no Guia do Livro Didático 2008 em relação à coletânea
textual dos LDPs fazem menção aos gêneros do discurso e aos letramentos: “Os gêneros
discursivos são o mais diversos e variados possível, manifestando também diferentes
registros, estilos e variedades (sociais e regionais) do Português”; “A coletânea favorece o
letramento do aluno, e incentiva professores e alunos a buscarem textos e informações fora
dos limites do próprio LDP” (Guia do Livro Didático, 2008, p. 30).
Ao firmarmos esta posição, estamos alicerçados nos estudos linguísticos e
filosóficos de Mikhail Bakhtin, um grande pensador e teórico da linguagem do século XX
que, juntamente com o seu círculo, formulou pressupostos fundamentais que norteiam esta
pesquisa. A seguir, abordaremos o que achamos ser o ideal para formarmos um leitor
proficiente à luz de fundamentos bakhtinianos como a compreensão responsiva ativa, as
vozes, os temas, os gêneros do discurso e a apreciação de valor a fim de enunciarmos
5
Neste projeto, entendemos letramentos por “(...) o que as pessoas fazem com as habilidades de leitura e de
escrita, em um contexto específico (...) é o conjunto de práticas sociais relacionadas è leitura e à escrita em
que os indivíduos se envolvem em seu contexto social” (SOARES, 1998, p. 72 apud ROJO, 2002, p. 16).
15
como deve proceder um Livro Didático de Língua Portuguesa (doravante LDP) no
desenvolvimento da leitura na escola.
16
Capítulo 2 – Leitura situada: conceitos e perspectivas
18
Eles dividem-se entre primários (simples) que são aqueles oriundos de uma
“comunicação discursiva imediata” (Bakhtin, 1997 [1979], p. 263) e secundários
(complexos) que seriam o romance, a peça teatral, o discurso científico, o ideológico, entre
outros. A natureza do enunciado se dá na inter-relação entre os dois tipos de gêneros e no
processo histórico de formação dos mesmos e, saber dessa natureza é indispensável em
qualquer estudo.
De acordo com Rojo (2002), os gêneros do discurso apresentam três
dimensões essenciais e indissociáveis: os temas, a forma composicional e as marcas
linguísticas. Para nós, a principal delas são os temas que, segundo a autora, “são conteúdos
ideologicamente conformados que se tornam comunicáveis através do gênero” (Rojo 2002,
p. 37). Os temas e a significação são inseparáveis, já que Bakhtin (1992a [1929], p. 131)
denomina que “o sentido da enunciação completa” é o seu tema e ele deve ser único,
individual e não reiterável. O autor afirma que “ele se apresenta como a expressão de uma
situação histórica concreta que deu origem à enunciação” (Bakhtin, 1992a [1929], p. 131),
ou seja, o tema representa verdadeiramente a condição de produção do enunciado que, por
sua vez, determina também as outras duas dimensões do gênero. Nenhum gênero ou texto
pode ser compreendido se não tomarmos parte de sua condição de produção. Assim, o tema
não é determinado apenas pelas formas linguísticas que o compõem, mas também pelos
elementos não verbais da situação. Bakhtin (1992a [1929], p. 132) afirma que se perdemos
esses elementos, estaremos “pouco aptos a compreender a enunciação como se
perdêssemos suas palavras mais importantes”. Apenas a enunciação tratada como
fenômeno histórico possui um tema. Para nós, esse aspecto é muito importante, pois reflete
o que pensamos ser a leitura situada, na qual o aluno é posto frente a frente com a condição
de produção do gênero, situando-o na leitura e tendo o texto como um fenômeno histórico,
social e linguístico já que, para o autor, a linguagem é um fenômeno social e histórico e,
por isso mesmo, ideológico.
O tema pode ser chamado de ato ideológico, pois carrega um conjunto de
significações oriundas de sua passagem por diversas esferas. Pode-se dizer que o tema é
composto por signos e estes, por sua vez, são ideológicos. Se o tema expressa uma situação
histórica como dissemos acima, como o signo linguístico reflete e refrata (deforma) a
19
realidade? A língua muda, seus significantes mudam porque, justamente, os temas mudam
e, a reflexão e a refração da realidade também se transformam porque a língua precisa
refletir e refratar a nova realidade. Para Bakhtin, uma mudança de significante que tem um
deslocamento desse tipo gera a seguinte pergunta: o que mudou nas relações sociais que
permitiu a emergência de outro tema?
Isto pode ser trabalhado com os alunos através de um texto ou gênero que
aborde um assunto que sofreu mudanças de valores de acordo com o passar dos anos, como
por exemplo, a questão do namorar e do “ficar”. O escritor Ivan Ângelo publicou na revista
“Veja São Paulo” (da qual é colaborador a cada quinze dias) em 20 de junho de 2007 uma
crônica chamada “Balada dos homens antigos” na qual relembra os namoros de
antigamente. O autor revive todo o ritual de “paquera” daquela época: os rapazes e moças
se vestiam elegantemente apenas para passearem na praça onde se olhavam e conversavam
timidamente; o casamento era para toda a vida, o amor do homem era somente para uma
mulher (e vice-e-versa) e sexo era feito com amor e não somente por fazer etc. Lidar com
este assunto com os alunos seria muito proveitoso, pois se trata de um tema da realidade
deles que retrata a mudança de valores ocorrida com o passar do tempo. Debater o porquê
que isto ocorreu, o que mudou nas relações familiares e sociais de uma maneira geral que
acarretou nessa transformação de comportamento etc. Também é interessante ler e debater
as cartas enviadas pelos leitores da revista na semana seguinte à publicação desta crônica,
pois, a maioria foi escrita por pessoas mais velhas que sentem saudades desses velhos
tempos e criticam o “ficar” dos jovens de hoje em dia. As perguntas de interpretação podem
também focar esta discussão e provocar uma reflexão nos alunos ao questionar a opinião
deles.
Podemos concluir que não existe sentido sem tema e vice-e-versa. A
significação sem o tema não passa de ser apenas um potencial, segundo Bakhtin (1992a
[1929]) e não uma real capacidade da língua. O trabalho de compreensão, de acordo com o
autor, pode objetivar apenas a significação ou, ir mais além e ter como meta o tema. Se o
leitor optar por este último, ele irá estudar a “significação contextual” (Bakhtin, 1992a
[1929], p. 134) de um gênero ou texto em condições enunciativas completas. Somente
através da compreensão responsiva ativa podemos apreender o tema de um enunciado. De
20
acordo com Bakhtin (1992a [1929], p. 135), “a compreensão é uma forma de diálogo”;
assim, o aluno ciente da situação de produção de um enunciado, que o trata como fenômeno
histórico e social e que responde ativamente a ele é um leitor situado que desenvolve uma
leitura discursiva do gênero ou do texto. Portanto, os LDPs devem guiar o trabalho do
professor e o aprendizado dos alunos para o desenvolvimento da leitura crítica através da
ótica do gênero como um fenômeno histórico e social. Se o autor do LDP não o fizer, não
estará objetivando a leitura situada. Isto pode ser realizado na abordagem textual e nas
questões de compreensão.
Volochínov (1992a [1929] apud ROJO, 2002), estudioso integrante do Círculo
de Bakhtin, ressalta que as três dimensões dos gêneros do discurso também são
determinadas pela apreciação de valor (ou valorativa) do locutor ou do escritor a respeito
dos temas e dos ouvintes ou leitores do seu discurso. Assim, o autor afirma que toda
enunciação é determinada pelas suas reais condições de produção e, acima e antes de tudo
pela sua situação social mais imediata que, por sua vez, também determina a entoação
expressiva que, por outro lado, é onde o tema se realiza.
Pode-se dizer que cada autor possui sua apreciação de valor e sua entoação
expressiva específicas que são determinadas pela situação social imediata na qual se produz
o gênero ou o texto. No momento em que falamos ou escrevemos, isto é, momento da
interação, fazemos vários julgamentos de valor de acordo com o contexto no qual estamos
inseridos e aí se inicia um confronto de entoações e de visões de mundo. Entrar nesse
embate valorativo é responder ativamente ao que ouvimos e ao o que lemos:
21
A palavra é tecida por milhões de fios ideológicos e serve de trama à todas relações sociais.
Ela é o indicador mais sensível de todas as mudanças sociais. No âmbito da leitura situada,
é importante o aluno reconhecer a apreciação valorativa do autor para se chegar ao tema do
enunciado e desenvolver esse embate valorativo com o intuito de responder ativamente ao
texto.
Já que nenhum discurso é neutro, inferimos que dentro de um texto há
elementos não originais, ou seja, que não são exclusivos do autor e, como a compreensão é
dialógica, o aluno leitor deve saber que, inseridos em um texto há outros texto, outros
discursos. Segundo Bakhtin (1992a [1929]), o locutor não é o primeiro que rompe com o
silêncio de um mundo que não fala e, então pressupomos a existência de enunciados
anteriores, os nomeados já-ditos ou interdiscursos, com os quais o próprio enunciado se
vincula, se comunica. Como diria Bakhtin (1992a [1929], p. 272 ), “cada enunciado é um
elo na corrente complexamente organizada de outros enunciados”, que possibilita que
façamos (re) significações.
Os já-ditos se constituem no que o autor chama de vozes: um discurso é
composto por uma teia de vozes oriundas de outros discursos. Ao ler e ao ouvir, o sujeito
recebe muitas vozes sociais que não devem ser apenas decifradas, como bem diz Jurado
(2003), mas sim reelaboradas como afirma Marques (2001), já que “o ser, refletido no
signo, não apenas nele se reflete, mas também se refrata” (Bakhtin/Volochínov, 1992a
[1929], p.46 ). O aluno também deve estar ciente das vozes que compõem o texto estudado
e produzir sentidos a partir dos conhecimentos adquiridos através dos já-ditos e da leitura
do próprio autor do texto.
Ao final desta exposição dos conceitos bakhtinianos que nos interessam e
que justificam o que pensamos, podemos concluir que realizar um trabalho de leitura
situada em sala de aula não é impossível. O professor deve utilizar-se do conhecimento
prévio de seus alunos e proporcionar a eles uma verdadeira interação com os textos. O
LDP, ao expor um texto, deve situá-lo historicamente e socialmente e guiar o trabalho do
professor a fim de mostrar aos alunos todos estes conceitos sobre os quais falamos acima.
Segundo Orlandi (1999), há duas formas de repetição: a empírica ou efeito papagaio, na
qual não há deslocamento do sujeito e do dizer, e a histórica, na qual existe este
22
deslocamento. Ao usarmos qualquer material didático, devemos visar desenvolver no aluno
a repetição histórica na qual o sujeito se desloca entre os textos e forma a sua própria
opinião através de atividades discurvivas que podem ser formuladas no formato de
pergunta, já que os questionários são muito utilizados em todos os LDPs. No entanto,
simplesmente perguntar se o aluno gostou ou não do texto, concordou ou não com o autor,
não leva a uma atitude responsiva ativa; agora, se o LDP questiona o porquê da resposta do
aluno, este será levado a refletir e a argumentar para comprovar sua opinião. Fazer com que
o aluno estabeleça conexões, relações entre textos ou outros materiais, também o fazem
pensar de maneira crítica. Na análise qualitativa das atividades de compreensão textual do
corpus, mostraremos como elas podem levar ao desenvolvimento da leitura situada e da
atitude responsiva ativa.
23
Capítulo 3 - Análise dos critérios de avaliação de leitura do PNLD/2008
de Língua Portuguesa
25
entre autor, leitor e texto (não se restringindo à localização de informações),
contextualizando a prática de leitura socialmente; colaborem para que o aluno consiga
reconstruir o sentido do texto através da discursividade; explorem os aspectos discursivos e
linguísticos dos textos; solicitem dos alunos suas apreciações valorativas de forma a
contribuir na formação do leitor crítico e que propiciem, através de rigorosa seleção de
textos literários, a formação do leitor literário. Além disso, os enunciados das questões
devem ser claros para o aluno e devem buscar desenvolver diversas capacidades e
competências em leitura.
A nosso ver, nessas diretrizes há a coexistência de diferentes concepções de
leitura já que acreditamos que todas façam parte de um longo processo de
ensino/aprendizagem. Apesar de pensarmos que os modelos cognitivos ascendente (bottom
up), descendente (top down) e interativo não atinjam plenamente o objetivo de desenvolver
a leitura crítica e proficiente, eles são o início do processo, pois desenvolvem capacidades e
habilidades primárias necessárias, como por exemplo, localização, seleção, formulação de
hipóteses, comprovações e inferências etc. A partir do momento em que o aluno consiga
lidar com estas práticas, ele está pronto para ir além e busca realizar uma verdadeira
interação com o autor e o texto, para que através dela se faça possível a (re) construção dos
sentidos. Na verdade, uma diretriz é consequência da outra, pois só se tem uma apreciação
de valor se houver uma (re) construção dos sentidos através da exploração de aspectos
discursivos (como o tema, as condições de produção e os interdiscursos, por exemplo) e
linguísticos e uma interação dialógica com o autor e seu texto. Além disso, não podemos
nos esquecer de que todo este processo deve estar contextualizado política, histórica e
ideologicamente.
Porém, devemos nos ater ao fato de que os idealizadores do PNLD permitem
que os autores dos LDPs utilizem a metodologia que julgarem adequadas, desde que
cumpram os cinco requisitos metodológicos descritos anteriormente. Então, pensamos que
não podemos concluir com total certeza que o PNLD utiliza determinadas teorias de leitura
ao enumerar seus objetivos neste quesito. Podemos apenas inferir, baseados em nossos
estudos.
26
Ao avaliar os LDPs aprovados, o PNLD detecta quatro principais tendências
metodológicas: vivência, transmissão, construção ou reflexão e uso situado. A primeira
consiste na ideia de que só se aprende algo vivenciando-o, como por exemplo, só se
aprende a ler lendo. Em se tratando de leitura, podemos dizer que esta tendência
corresponde ao modelo top down, já que este visa um leitor que construa o que lê lendo,
apoiando-se no contexto linguístico em que a palavra surge. A transmissão se dá pela
assimilação de conteúdo pelo aluno através de uma organização lógica feita pelo professor;
de acordo com os autores do Guia, este é o caso do ensino da gramática normativa no qual
há a definição dos conceitos, seguida de exemplos e de exercícios de aplicação, ou vice-e-
versa, já que muitos LDPs estão exemplificando os conceitos gramaticais a partir de um
dado, primeiramente, e depois os explicam e aplicam exercícios. A construção ou reflexão
requer, primeiramente, uma reflexão sobre o conteúdo e posteriormente uma produção de
inferências sobre o mesmo baseadas nas explicações do docente ou do próprio LDP ou
ainda de ambos, o que seria o ideal.
O uso situado, por sua vez, é aquele método no qual há um uso contextualizado
daquilo que se está aprendendo, por exemplo, aprender a formular uma propaganda
inserindo o aprendiz neste contexto. Como já dissemos no 3º capítulo, os PCNs basearam-
se totalmente na teoria dos Gêneros do Discurso bakhtiniana e isso refletiu na organização
dos LDPs em torno de eixos temáticos, isto é, cada unidade, capítulo ou módulo dos LDPs
é dedicado a um tema e neles o aluno é apresentado a vários gêneros que tenham a ver com
o tema. Podemos constatar este dado ao lermos que 75% dos livros resenhados organizam-
se em temas gerais (meio ambiente, educação, saúde, sociedade etc) e em temas associados
a gêneros nos quais os capítulos associam um assunto a um gênero, como por exemplo,
“crises existenciais dos adolescentes” com diário ou carta (BRASIL/MEC, 2008, p. 22).
Este dado corrobora o que Bezerra (2005) afirma quando diz que “há uma tendência em
estruturar-se as lições em torno de temas sociais (...), do interesse da faixa etária do público
a que de destinam os livros (família, animais de estimação, amor, esporte, mistério,
aventura, viagem) (...)” (BEZERRA, 2005, p. 40). A autora ainda ressalta que este é um
fenômeno recente, pois os LDPs mais antigos se restringiam a um texto principal e dois ou
três complementares (quando havia) e que, a partir da década de 90, os autores passaram a
27
abordar um tema “com uma coletânea de textos de variados gêneros, predominantemente,
autênticos, ou seja, não escritos com finalidades didáticas, mas com uso constante na nossa
sociedade letrada” (BEZERRA, 2005, p. 40). E são justamente estes textos, os das
coletâneas, que pensamos que devem ser contextualizados e situados pelo LDP, já que a
maioria deles não foi escrita, inicialmente, para fins didáticos e sim, foi “transportada” para
o LDP e assumiu, assim, uma nova função. Por exemplo, quando uma notícia é posta no
LDP, normalmente é requisitado do aluno uma leitura diferente da qual ele faria se lesse a
notícia do jornal de origem e isso deve ser explicado a ele. Verificaremos, no 7º capítulo, se
as atividades propostas pelos LDPs tendem a desenvolver uma leitura realmente discursiva
do gênero ou apenas “estrutural”, na qual somente a organização, a estruturação e as partes
constitutivas do mesmo são valorizadas, ou seja, se os LDPs propõem leituras “técnicas”.
Há também aqueles LDPs que se organizam em torno de projetos ligados à
gênero, nos quais cada capítulo, unidade ou módulo é dedicado a um determinado gênero e
tem como função explorá-lo o máximo possível. No resumo da verificação destas
metodologias nos LDPs, o Guia afirma que maioria dos aprovados (83,33%) recorre à
construção/reflexão principalmente no que diz respeito à interpretação de textos; este
tratamento ora associa-se com a vivência, ora com o uso situado e, a conclusão dos autores
do Guia é que, nestes casos específicos,
28
imprensa, publicidade, universo literário) como um romance, um texto jornalístico
(reportagem, entrevista, editorial dentre outros), uma propaganda, uma letra de música
dentre demais exemplos, isso é muito pouco. Os alunos devem aprender a usar a língua e a
linguagem em diferentes contextos; assim sendo, professores e LDPs devem atentar os
aluno sobre em qual esfera aquele determinado gênero circula, que significações (temas)
ele carrega consigo, como ele reflete e refrata a realidade, que já-ditos há dentro dele etc.
Passemos, neste momento, à análise da ficha de avaliação6. O Guia 2008
denomina leitura como “leitura de textos escritos” (BRASIL/MEC, 2008, p. 37) e a
subdivide em coletânea e conhecimentos e capacidades que concorrem para a leitura de
textos escritos.
As primeiras três perguntas a respeito da coletânea objetivam saber se os textos
que a compõem representam o que a cultura da escrita oferece e exige do jovem nos dias de
hoje; se há textos multimodais (ou seja, textos verbais, não-verbais e que integram imagem
e texto verbal) e se os gêneros selecionados estão associados à esferas sociais relevantes
para o aluno, isto é, se a coletânea textual proporciona experiências reais de leitura que
exemplifiquem práticas de leitura e de letramento cotidianas que os jovens terão de fazer
em seu dia-a-dia, já que todos nós circulamos por diversas esferas que suportam gêneros
variados, inclusive os multimodais. Assim, este é um ponto positivo a nossa ver. Quanto
aos temas abordados pela coletânea, a ficha questiona se eles são pertinentes para a
formação do aluno; se são abordados sob diferentes pontos de vista e se comtemplam a
diversidade sócio-cultural do aluno (urbano, rural, regional etc), ou seja, se os temas são
relevantes e contribuem para a formação social e cidadã do aluno e se são expostos aos
jovens são perspectivas distintas, tanto em relação a opiniões pessoais e institucionais,
quanto à diversidade de contexto, já que cada aluno tem uma história de vida diferente e
deve conhecer outras histórias, visões e outros posicionamento. Até porque eles terão de
aprender a lidar com isso ao longo de suas vidas social e profissional.
6
Neste momento, não iremos listar todas as questões presentes na ficha e sim resumi-las e analisadas como
um todo. Para quem deseja ler toda a ficha, a mesma pode ser encontrada no Guia do Livro Didático de
Língua Portuguesa de 2008, disponível em http://www.sed.sc.gov.br/secretaria/documentos/cat_view/89-
ensino/165-livro-didatico/166-guia-pnld-2008. Acesso 31/08/2010.
29
Em relação à textualidade, a questão é sobre a autenticidade e originalidade dos
textos, isto é, se a maioria dos textos são originais e autênticos e se circulam socialmente.
As perguntas seguintes, a respeito das adaptações e fragmentos textuais, vêm para
complementar a questão anterior, pois questiona se os textos mantém o sentido, mesmo
sendo fragmentos e se trazem indicações de cortes ou adaptações e se são compatíveis com
as atividades dedicadas a eles. Uma outra questão, que diz respeito à apresentação de textos
verbais e não-verbais complementa estas questões anteriores, já que pergunta se a
apresentação dos textos é fiel ao suporte original, quando pertinente.
Portanto, estas quatro perguntas têm o intuito de verificar de onde os textos da
coletânea foram extraídos (se de autores, suportes ou gêneros que circulam socialmente) e
como eles são expostos e trabalhados nos LDPs, já que o modo de exibição dos mesmos
influi diretamente no olhar do aluno e direciona o processo de ensino/aprendizagem
realizado pelo autor através dos exercícios e da contextualização da coletânea. Por
exemplo, se o LDP traz uma notícia de jornal e a exibe como ela foi apresentada no jornal
de origem, o aluno terá contato com toda a estrutura característica do gênero, como a
diagramação, título, subtítulo, os chamados “olho” e “lead” e, além disso, se houver uma
contextualização sobre qual tipo de jornal ela é originária, as questões poderão abordar o
objetivo da publicação, o público-alvo etc. Porém, se apenas o texto da notícia for exibido,
o gênero foi descaracterizado e nada do que mencionamos acima poderá ser explorado.
Temos consciência de que, quando um gênero sai de seu suporte de origem e é
posto dentro de um LDP, ele mudou de função. A notícia que tinha como meta informar os
leitores sobre um acontecimento, por exemplo, passou a ter como finalidade auxiliar o
aluno a aprender a ler uma notícia ou até a estudá-la. E o ensino com gêneros, para ser bem
realizado, deve ser situado, abordando as condições de produção, os temas, as memórias
discursivas e as valorações como explicamos no capítulo três. Fazer isso, a nosso ver, é
valorizar o conteúdo posto na coletânea textual.
No que diz respeito à apresentação de textos verbais e não-verbais, a ficha
questiona os avaliadores se os LDPs trazem os créditos completos dos mesmos (autor,
fonte, título original, editora, local e data de publicação, páginas de referência etc) e
legendas, quando necessário, além da pergunta sobre se a apresentação é fiel ao suporte
30
original quando pertinente que já analisamos acima. Esta questão sobre os créditos tem
como intuito verificar, apenas, se os autores obedecem à lei de direitos autorais trazendo
suas fontes de pesquisa para a formação da coletânea textual.
Passemos agora à análise das questões que visam avaliar as atividades de leitura
propostas pelos LDPs. A primeira das dezesseis perguntas é crucial para todas as outras, já
que, a nosso ver, direciona toda a avaliação em relação à leitura: as atividades de leitura
propriciam o desenvolvimento da proficiência em leitura?. Esta resposta depende da visão
de proficiência em leitura que o avaliador tem; ele pode pensar que saber decodificar e
localizar é ser proficiente; também pode acreditar que se o aluno realiza as tarefas
cognitivas da leitura corretamente ele é um leitor proficiente. A nosso ver, ser proficiente
em leitura é ser capaz de ler um texto criticamente e reflexivamente, desenvolvendo a
“atitude responsiva ativa” (BAKHTIN, 1997 [1979]) a partir do conhecimento de tudo o
que ronda um texto, como foi explanado anteriormente.
Ainda nas questões que dizem respeito às atividades de leitura, duas delas se
voltam para os modelos cognitivos de leitura (bottom up, top down e interacionista) do qual
falamos anteriormente: elas visam verificar se as atividades exploram a localização, a
reprodução de informações explícitas nos textos e a produção de inferências. Há uma outra
pergunta que objetiva verificar se há exploração dos recursos linguísticos-textuais, mas sem
questionar como isto é feito pelo LDP já que o mesmo pode focar apenas aspectos
gramaticais ou analisar estes recursos de modo que o aluno veja como eles colaboram para
o entendimento do texto, pois expressam possíveis intenções do autor ao usar um
determinado adjetivo, substantivo ou verbo, por exemplo.
As demais doze questões, a nosso ver, representam uma intenção do PNLD
2008: que os LDPLs desenvolvam, através de suas atividades de leitura, uma leitura
discursiva. Afirmamos isto porque o restante das questões avaliativas da ficha buscam
verificar se as atividades de leitura trabalham aspectos discursivos, como por exemplo, se a
leitura é situada em seu universo de uso social; se o contexto de produção é resgatado; se
existe uma definição de um objetivo de leitura; se colaboram para uma (re)construção de
sentidos pelo leitor; se exploram aspectos discursivos como a polifonia, efeitos de sentidos,
pressupostos, implícitos e argumentação; propõem apreciações valorativas, estéticas,
31
críticas, éticas, políticas e religiosas e se as atividades demonstram encararar a leitura como
uma interlocução entre leitor/texto/autor. Assim, concluímos que o intuito do PNLD 2008,
em relação à leitura, é que ela seja tratada e trabalhada discursivamente, tanto em textos
verbais como em textos não-verbais, já que os multimodais devem estar presentes e devem
ser trabalhados como os demais. Perguntas sobre se há estabelecimento de relações entre
diversos textos e linguagem e se há compreensão das relações entre o verbal e o não-verbal
também estão na ficha, além de questões que visam verificar se o LDP propõe outras
leituras que ele não comporta e se apresenta conceitos corretos, o que é fundamental.
Finalmente, chegamos às questões que visam avaliar a abordagem dos textos
literários. A primeira pergunta desta parte da ficha objetiva verificar se o LDP contribui
para a formação do leitor literário, no entanto, acreditamos que esta deveria ser a última
pergunta deste bloco, pois ela depende das respostas dadas às outras seis questões que a
acompanham. Dizemos isto porque as demais perguntas tem como finalidade verificar se o
LDP respeita as convenções e o modo constitutivo de ler um texto literário (já que não
lemos um romance como lemos uma reportagem, por exemplo); se o texto ou excerto
estudado é situado em relação à obra a qual faz parte (e isto engloba, a nosso ver, situar o
aluno também em relação ao contexto de produção dessa obra e não apenas dizer que o
capítulo lido faz parte do livro Dom Casmurro de Machado de Assis, por exemplo); se há
estímulo para que o aluno leia a obra a qual o texto estudado faz parte ou até outras à ele
relacionadas; se contempla a singularidade discursiva, linguística e cultural do texto em
relação à epoca na qual foi escrita, ao estilo estético próprio do autor etc; se leva em
consideração a organização particular do texto e sua relevância na apreensão de sentidos
pelo aluno e se aproxima adequadamente o aluno ao padrão linguístico do texto quando
necessário. Se todas ou a maioria das respostas para essas perguntas forem positivas, aí sim
a primeira pergunta também pode ser respondida positivamente, pois todas elas
representam aspectos e modos de abordar o texto literário que colaboram para a formação
do leitor literário. Assim, concluímos a análise da ficha avaliativa no que concerne a leitura
de textos escritos.
32
Capítulo 4 - Metodologia de recorte e geração dos dados: da escolha dos
livros didáticos
33
Figura 1 – Quadro Síntese das Coleções. Fonte: Brasil/MEC, 2008.
34
A partir destas questões, selecionamos duas coleções que podem respondê-las:
Português na Ponta da Língua escrito por Lino de Albergaria7, Márcia Fernandes8 e Rita
Espeschit9, publicado pela Quinteto Editorial (cod.138) e Português: Uma Proposta para o
Letramento de Magda Soares10, publicado pela Editora Moderna (cod.065). A seguir,
resumiremos o que o Guia nos diz sobre estes dois materiais de análise em relação ao
trabalho de ambos no eixo da leitura.
7
Licenciado em Letras pela Universidade Federal de Minas Gerais e em Comunicação pela Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG); pós-graduado em Editoração pela Universidade de
Paris, Mestre e Doutor em Literatura de Língua Portuguesa na PUC-MG. Autor de vários livros infanto-
juvenis foi editor em São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte.
8
Licenciada em Letras pela Universidade Federal de Minas Gerais e Mestre em Estudos Linguísticos pela
mesma instituição; ex-professora universitária e atual docente da rede pública de Belo Horizonte.
9
Licenciada em Comunicação pela Universidade Federal de Minas Gerais, é autora de diversos livros infanto-
juvenis, muitos deles vencedores de prêmios como o Jabuti, João de Barro, Estado do Paraná, Cruz e Sousa
etc. Roteirista de vídeos infantis foi editora em Belo Horizonte e cronista do Jornal Hoje em Dia.
Atualmente reside no Canadá e atua como jornalista.
10
Licenciada em Letras, Doutora em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais e professora da
mesma instituição.
35
promovidas. Estas informações estão contidas na síntese da resenha e, logo abaixo dela, há
o Quadro Esquemático no qual estão expressos os pontos fortes e baixos, um item de
destaque, a adequação ao tempo escolar e referências ao manual do professor; o trabalho
com a leitura e as consequentes possibilidades de experiências relevantes devido à
variedade de gêneros e temas são os pontos fortes dessa coleção de acordo com o Guia,
juntamente com a produção de textos escritos e orais.
A seguir, o Guia descreve rapidamente os LDPs desta coleção, dizendo que
cada um possui cinco unidades temáticas nas quais um tema é abordado de diferentes
maneiras e sob pontos de vista diferentes. As apresentações das seções dos mesmos nos
interessou, já que há uma delas dedicada à compreensão dos textos principais das unidades,
chamada De Olho no Texto e outra que tem como meta desenvolver uma reflexão crítica
sobre os textos lidos intitulada Indo Além.
Português na Ponta da Língua é avaliado positivamente quanto à sua proposta
pedagógica que, segundo o Guia, é “consistente e bem articulada” pois “se manifesta em
práticas reflexivas e contextualizadas de compreensão” (BRASIL/MEC, 2008, p. 90).
Também é dito que em todos os volumes as habilidades de leitura são bem exploradas,
como, por exemplo, a localização e o cruzamento de informações como a produção de
inferências e a compreensão global que propiciam a formação de bons leitores. Aspectos
como a intertextualidade e o contexto em que os textos que compõem a coletânea foram
escritos são bem trabalhados para o Guia. Em relação às atividades propostas, as de análise
textual visam estudar as características de cada gênero, destacando os seus aspectos
composicionais, estilísticos (na análise qualitativa verificaremos se isto é realmente feito,
como dissemos no capítulo anterior) e sua diagramação. A única ressalva do Guia é que
esta coleção não contempla amplamente textos literários e, quando os utiliza, não aborda a
singularidade especial que cada texto requer; cabe ao professor “situar o texto em relação
ao conjunto da obra a que pertence e promover a apreensão” por parte do aluno
(BRASIL/MEC, 2008, p.92). Isso se deve ao fato de que estes LDPs abordem outros
gêneros de suportes e contextos de circulação distintas, priorizando a esfera jornalística;
este dado vem de encontro ao que Bezerra (2005) afirma ao dizer que, entre os textos que
36
não são da esfera literária, os mais encontrados são os jornalísticos – fragmentados ou
integrais, presentes nos livros de todas as séries.
Estes são os aspectos que nos chamaram a atenção para Português na Ponta da
Língua ser escolhido para compor o nosso corpus de pesquisa, principalmente a existência
da seção Indo Além que visa desenvolver uma leitura crítica e reflexivas sobre os textos.
37
O Guia ainda afirma que a grande maioria dos textos é original, autêntica e
integral e, antes de sua leitura há uma seção chamada Preparação para a Leitura que
adianta o tema da unidade e já pretende discutir seu contexto de produção; depois da
apresentação do texto principal, há a seção Interpretação Oral que visa explorar e debater
aspectos como público-alvo, autor, assunto, época, local, objetivos e suporte original. Isto
tudo é muito positivo, pois é isso que objetivamos quando falamos em leitura situada
porém, se isto é realizado, os textos são contextualizados, situados mas, por que isto não é
exposto no Quadro de Síntese de Coleções?
Segundo a resenha avaliativa, as demais seções dedicadas à interpretação
(Interpretação Oral e Escrita) levam o aluno a compreender globalmente o texto lido, a
comparar e a articular informações e a elaborar inferências.
Devido às dúvidas expostas acima, resolvemos verificar se realmente Português
– Uma Proposta para o Letramento desenvolve, no eixo da leitura, tudo o que afirma o
Guia. Apesar do que está escrito na resenha, continuamos pensando que esse processo não
pode ser realizado sem recorrer ao uso situado como método pedagógico e nos faz por em
xeque a elaboração do próprio Guia, já que ele mesmo se contradisse ao esquematizar as
tendências metodológicas diferentemente do que é relatado na resenha pelo avaliador.
11
REC é a sigla que denomina que a coleção foi recomendada pelo Guia 2008.
12
RD é a sigla que denomina que a coleção foi recomendada com distinção pelo Guia 2008. Além desta sigla
e a da descrita acima, havia ainda a RR (recomendada com ressalva) e a EX (excluída); este sistema foi
abolido pelo PNLD 2011, que afirma em seu Guia apenas quais coleções foram aprovadas.
38
Total = Total = Total = 15 Total = 100
15 20
Figura 2 - Quadro comparativo entre as coleções escolhidas para comporem o corpus de pesquisa
O que nos chamou a atenção foi o fato de que, na resenha avaliativa do Guia
2008, a coleção Português na Ponta da Língua teve apontada, como seu ponto forte, seu
trabalho com a leitura e, na base de dados, por sua vez, recebeu uma nota de 12,5 em um
total de 15. Já a coleção Português: Uma Proposta para o Letramento recebeu uma nota
melhor em comparação à outra não só neste quesito, mas em todos, contrariando a sua
própria resenha avaliativa (Brasil/MEC, 2008, p. 69) e o Quadro de Síntese das Coleções
(Brasil/MEC, 2008, p. 24). Por que as resenhas diferem tanto da base de dados?
Devido à estas e demais dúvidas expostas anteriormente, resolvemos verificar
se realmente Português: Uma Proposta para o Letramento desenvolve, no eixo da leitura,
tudo o que afirma o Guia 2008. Apesar do que está escrito na resenha, continuamos
pensando que esse processo não pode ser realizado sem recorrer ao uso situado como
método pedagógico e nos faz pôr em xeque a elaboração do próprio Guia 2008, já que ele
mesmo se contradisse ao esquematizar as tendências metodológicas diferentemente do que
é relatado na resenha pelo avaliador.
39
hipóteses para desenvolverem cada vez mais a leitura crítica e no 9º ano essas habilidades
deverão estar bem mais desenvolvidas.
Segundo os PCNs,
40
Capítulo 5 – Análise dos Manuais do Professor
41
pela contextualização teórica (os autores se dizem adeptos da Análise do Discurso13 e da
Linguística Textual14).
Os autores também abordam os objetivos do ensino da Língua Portuguesa, que
segundo eles, “é desenvolver a competência comunicativa natural do aluno, ampliando a
sua capacidade de comunicação, expressão e integração social pela linguagem”
(ALBERGARIA; FERNANDES; ESPESCHIT, 2008, p. 06 do MP). Para isto acontecer, o
aluno deve aprender a interpretar diversos tipos de texto e a produzir textos adequados às
diferentes situações; além do mais, estas capacidades devem ser levadas para além dos
muros da escola, ou seja, para a vida do aluno. O trabalho com a leitura deve mirar o
desenvolvimento de estratégias e habilidades de compreensão de textos variados quanto aos
gêneros: interação com o texto, utilização dos conhecimentos prévios do aluno, os
interdiscursos contidos nos textos, leituras possíveis etc. Os autores afirmam que
consideram o desenvolvimento destas habilidades ajudam o aluno a escrever bons textos e a
utilizar “socialmente sua própria voz” (ALBERGARIA; FERNANDES; ESPESCHIT,
2008, p. 07 do MP).
Passaremos, neste momento, à análise dos aspectos referentes à didatização da
leitura pelo LDP15: prática de compreensão de textos escritos, orientações para o trabalho
com a leitura, contextualização e preparação, pesquisa, vocabulário, análise textual,
argumentação, leitura em voz alta e leitura silenciosa.
13
Segundo Orlandi (2006, p. 13), a Análise do Discurso se constitui da relação da linguística, da
psicanálise e do marxismo e trabalha a língua, a história e o sujeito de acordo com estas ciências, sem se
confundir com as mesmas, apenas tendo seu método e seus objetos próprios que tocam os bordos da
linguística, da psicanálise e do marxismo. “E os pressupõe na medida em que se constitui da relação de três
regiões científicas: a da teoria da ideologia, a da teoria da sintaxe e da enunciação, e a teoria do discurso
como determinação histórica dos processos de significação. Tudo isso atravessado por uma teoria
psicanalítica do sujeito”.
14
De acordo com Koch (2001), a Linguística Textual teve várias facetas ao longo de sua existência
como ciência, já que em seu início, seu foco era no estudo da organização global dos textos e, com o passar
do tempo, “assumem importância particular as questões de ordem sócio-cognitiva, que envolvem,
evidentemente, as da referenciação, inferenciação, acessamento ao conhecimento prévio etc.; o tratamento
da oralidade e da relação oralidade/escrita; e o estudo dos gêneros textuais, este agora conduzido sob outras
luzes isto é, a partir da perspectiva bakhtiniana, voltando, assim, a questão dos gêneros a ocupar lugar de
destaque nas pesquisas sobre o texto e revelando-se hoje um terreno extremamente promissor”.
15
Analisaremos estes aspectos seguindo a ordem com que eles são abordados no MP e mantendo os
nomes que os autores dão para os tópicos que tratam destes aspectos.
42
5.1.1 Prática de compreensão de textos escritos
Primeiramente, o MP reconhece a importância da leitura em toda sociedade
letrada e admite que o LDP representa um apoio fundamental, principalmente para as
camadas menos favorecidas, no desenvolvimento da mesma. Há ainda a afirmação que o
aluno necessita de um LDP adequado, já que a leitura se desenvolve através da própria
leitura, o que nos remete à teoria descendente de leitura. Segundo os autores do MP, eles
desejam formar leitores capazes de interagir com o mundo através da leitura, respeitando
sua criatividade, mas lembrando-se sempre que tanto o leitor quanto o texto delimitam as
possibilidades de interpretação. Assim, o sentido constrói-se no espaço entre o leitor e o
texto.
Os textos que compõem a coletânea da coleção buscam propiciar reflexões
sobre os usos sociais da língua e, os critérios para escolha dos mesmos foram os seguintes:
no início de cada unidade apresentar textos menos complexos quanto ao vocabulário e a
organização; diversidade textual quanto às formas, ou seja, os autores do MP quiseram
inovar inserindo no LDP roteiros de filmes e textos formatados para a internet;
intertextualidade entre todos os textos da mesma unidade e entre todas as unidades; ênfase
nos temas transversais propostos pelos PCNs; recortes de textos que não prejudicassem a
interpretação; utilização de textos não cortados internamente; utilização de várias
linguagens e escolha de autores literários de diversas épocas.
43
do MP). Para os autores, ser autônomo é conduzir-se por conta própria ao ler, “construindo
seu conhecimento pessoal numa recriação crítica do que leu” (ALBERGARIA;
FERNANDES; ESPESCHIT, 2008, p.09 do MP). A seguir, os autores enumeram os
princípios básicos que seguiram ao tratarem os textos que compõem a coletânea textual da
coleção:
5.1.2.2 – Pesquisa
Incitar para que serve uma pesquisa, o quanto de conhecimento ela pode trazer
são alguns dos argumentos que o professor deve usar para estimular os alunos a
44
pesquisarem através da leitura, de acordo com os autores. Novamente, analisaremos se esta
iniciativa parte do LDP ou se ela foi posta no MP para ficar a cargo somente do docente.
5.1.2.3 Vocabulário
O vocabulário deve ser sempre um ponto de atenção para o professor, mesmo
quando o LDP não o trabalha em determinado texto. O docente precisa ensinar aos alunos
maneiras eficientes de se lidar com palavras novas ou desconhecidas, por exemplo, atribuir
sentido pelo contexto, usar o dicionário etc. Se levarmos em consideração o que está escrito
no MP, a impressão que dá é que este trabalho com o vocabulário é exclusivo do docente.
Iremos verificar se o LDP realmente procede desta forma ou se faz algo com a questão do
vocabulário, através de glossários e/ou perguntas que explorem este aspecto.
5.1.2.5 Argumentação
De acordo com os autores, “a interação social por intermédio da língua se
caracteriza, fundamentalmente, pela argumentação” (ALBERGARIA; FERNANDES;
ESPESCHIT, 2008, p.10 do MP). Eles afirmam que, ao lermos ou ouvirmos alguma coisa,
avaliamos, julgamos e criticamos aquilo, o que nos remete ao conceito de apreciação de
valor de Bakhtin (1992a [1929]). Dando continuidade ao raciocínio, os autores dizem que
ao escrevermos ou falarmos, tentamos influenciar a opinião do outro e assim, fazer com que
ele concorde conosco. Esta afirmação nos faz lembrar de Foucault (1996) que afirma que,
dentro de todo e qualquer discurso há um desejo de poder sobre o outro, poder de
45
convencimento ou persuasão. Quando pronunciamos um discurso crítico sobre algum tema,
estamos querendo convencer o nosso interlocutor de que estamos corretos e assim
queremos “impor” o nosso poder sobre o outro. Isso já vem de muito tempo atrás, com o
surgimento da retórica. Esse processo não tem fim e demonstra o que Foucault chamava de
“relações de poder” do discurso. Isso vem ao encontro do que Bakhtin diz sobre signos
ideológicos, ou seja, nenhum discurso está livre de ideologia e, pensar o contrário já
constitui um ato ideológico.
46
internas do texto, notar detalhes fundamentais e confrontar o que foi lido com o seu prévio
conhecimento. Para nós, os autores desta coleção enfatizaram mais a leitura em voz alta do
que a silenciosa, pois a dispensaram mais espaço e importância, o que é raso, a nosso ver.
47
constroem sentidos e significados, oral ou verbalmente; estes sentidos e significados são
constituídos de acordo com as relações que cada pessoa possui com a língua e com a
linguagem, com o tema sobre o qual se escreve ou fala, lê ou ouve, segundo seus
conhecimentos anteriores, atitudes e “pré-conceitos”. As relações entre os interlocutores, as
condições e o contexto nos quais eles interagem também contam neste processo. É isso que
Soares chama de discurso e de práticas discursivas constituídas “segundo as condições de
produção do discurso” (SOARES, 2002, p. 5 do MP). Podemos perceber aí traços
bakhtinianos, pois é nas esferas de atividade humana que o discurso se dá entre os sujeitos
e, o modo como isto ocorre define os sentidos e significações finais.
Neste ponto, a autora assume claramente que o objetivo desta coleção de LDPs
é ensinar Língua Portuguesa mirando o desenvolvimento dos letramentos nos alunos
através de práticas discursivas materializadas nos textos orais e escritos de diversos gêneros
presentes nos LDPs. As condições de produção seriam trabalhadas através da elaboração de
questões como “quem escreve ou quem está falando?”; “o que se está falando ou
escrevendo?”; “quem é meu público-alvo quando falo ou escrevo?”; “para que falo ou
escrevo?”; “quando e onde falo ou escrevo?”, dentre outras possíveis. Estas perguntas são
de fundamental importância tanto no ensino da leitura quanto da produção textual, pois
guiam o aluno e são capazes de estimulá-lo a ler ou escrever se estiveram relacionados com
assuntos e temas que tenham a ver com ele e com a comunidade onde vive.
Esta atitude deve ser tomada desde as séries iniciais nas aulas de leitura e
produção de texto para que os alunos desde cedo tenham ciência do que é preciso se
lembrar ao ler ou escrever um texto e para interpretá-lo e resignificá-lo melhor e escrevê-lo
da maneira mais eficiente. Se isto não for feito, os alunos certamente não verão motivo para
escrever ou ler: “Muitas vezes, eles (alunos) tiveram de produzir textos sem função
comunicativa durante a escolaridade inicial e, por acreditarem que escrever é uma chatice,
são mais resistentes” (Rojo, 2009). Apesar desta citação se referir, especificamente, à
produção de texto, acreditamos que vale igualmente para a questão da leitura, já que ela
também deve ter um planejamento e um objetivo interessante e com intuito comunicativo
para atrair o aluno a ler e, assim, envolvê-lo nesse processo. Muitas escolas requisitam
leitura de livros para os alunos apenas para aplicar provas ou fazê-los escrever resumos e
48
isto os desinteressa totalmente, já que o único objetivo da leitura é testá-la em uma
avaliação; pensamos que as escolas deveriam investir mais em outras atividades e em
outros gêneros, como por exemplo, debates e seminários, já que são opções que integram e
envolvem mais os estudantes, pois os dá oportunidade de se expressarem e de responderam
ativamente o que leram.
Acreditamos também que os textos publicados no meio digital (sites de diversos
tipos nos quais há a exibição de textos como de jornais, revistas e os portais que possuem
várias pessoas como colaboradoras; blogs etc) podem ser uma boa alternativa no momento
de circular textos entre os alunos, já que a maioria deles, sem dúvida, acessa a internet, lê e
até mantém uma página como um blog, por exemplo. Isso faz com que os educandos se
aproximem mais de outros gêneros como reportagens, artigos, entrevistas, depoimentos,
diário virtual dentre outros e desenvolvam assim múltiplos letramentos.
A seguir, Soares esclarece quais são os objetivos do ensino de Língua
Portuguesa em sua coleção. O primeiro seria promover “práticas de oralidade e de
letramento de forma integrada” (SOARES, 2002, p. 5 do MP) a fim de levar os alunos a
identificarem as relações entre o oral e o escrito. A segunda meta seria “desenvolver
habilidades de uso da língua escrita em situações discursivas” (SOARES, 2002, p. 5 do
MP) variadas nas quais ocorram motivação e objetivação em ler e escrever textos de
diferentes tipos, gêneros e funções, interlocutores e escritos em diferentes condições de
produção. O terceiro objetivo seria desenvolver habilidades para produzir e ouvir textos
orais e escritos em diferentes gêneros e com as mais variadas funções que dependem dos
interlocutores, das suas finalidades, o assunto em pauta, o contexto dentre outras. O quarto
objetivo consiste em criar situações que propiciem aos alunos oportunidades de reflexão
acerca dos textos que lêem, redigem, dizem ou ouvem “intuindo, de forma contextualizada”
(SOARES, 2002, p. 5 do MP) a gramática, as características dos gêneros, o efeito
decorrente das condições de produção na construção e no sentido do discurso. E,
finalmente, o quinto objetivo pretende desenvolver habilidades de interação oral e escrita a
partir do grau de letramento prévio do aluno. Em nossa análise acerca dos exercícios de
interpretação textual, verificaremos se elas contribuem para que estes objetivos sejam
alcançados ou não.
49
Em seguida, a autora elucida o porquê de utilizar o texto como unidade básica
de ensino. De acordo com Soares, um material didático que vise o letramento deve ter
como unidade básica de ensino o texto, pois “a interação pela linguagem materializa-se em
textos” (SOARES, 2002, p. 7 do MP). Estes, por sua vez, caracterizam-se pelas suas
condições de produção, funções e finalidades e assim, se constituem em gêneros segundo a
autora. Já estes são organizados e estruturados de acordo com determinadas seleções
lexicais, textuais e sintáticas constituindo tipos diferentes de textos. A seguir, Soares afirma
que as possibilidades de interação são infinitas quando trabalhamos com gêneros e os tipos
textuais, nesse aspecto, são mais limitados. Isso se dá segundo Marcuschi (2002) porque os
gêneros textuais
Os tipos textuais são o inverso dos gêneros textuais, pois são definidos pela
natureza linguística (como disse Soares) e abrangem cerca de cinco categorias: narração,
exposição, descrição, argumentação e injunção. O que o autor de LDP não pode fazer,
segundo Marcuschi (2002), é empregar esta concepção erroneamente. Ele exemplifica da
seguinte forma: “(...) quando alguém diz, por exemplo ‘a carta pessoal é um tipo de texto
informal’, ele não está empregando o termo ‘tipo de texto’ de maneira correta”
(MARCUSCHI, 2002, p. 25), pois uma carta qualquer é um gênero textual. O que existe
nos gêneros textuais são sequências tipológicas, como definiu Soares. Porém, esta sua
definição parece-nos confusa quando, a seguir, a autora afirma que em sua coleção há
“textos de muitos e diversos gêneros e tipos” (SOARES, 2002, p.7 do MP), o que nos dá a
impressão que gênero e tipo são coisas separadas e não uma inserida em outra.
Rapidamente, Soares explica o motivo pelo qual organizou sua coleção em
unidades temáticas: ela diz que as unidades são temáticas e constituídas por um conjunto de
textos de gêneros e/ou tipos diferentes que abordem um mesmo tema, visto por diferentes
pontos de vista para mostrar ao aluno que um mesmo tema pode materializa-se em diversos
50
gêneros e/ou tipos, buscando-se assim diferentes finalidades, formas e estruturas. Na
análise qualitativa da coletânea textual, verificamos se há mesmo vários pontos de vista,
sobre um mesmo tema, expostos para os alunos.
Já sobre a seleção dos textos para a coletânea, os critérios estabelecidos para a
escolha dos textos, pela autora, decorrem do que foi exposto acima, já que os textos foram
escolhidos de acordo com os temas abordados (dedicados ao universo dos jovens) e foram
pegos diferentes tipos e gêneros que os abordem sob vários pontos de vista. Há outros cinco
critérios que também foram utilizados: textos autênticos e não simplificados ou adaptados
de forma que ocorra desvirtuação para que o aluno interaja com textos originais e não
“didatizados”; textos que apresentam unidades estruturais e semânticas, ou seja, sentido
completo (se um texto é fragmento de outro maior, sua unidade semântica e estrutural é
assegurada por meio de contextualização e da abordagem dos conhecimentos prévios
necessários à preservação de sua autenticidade); textos curtos para que possam ser
trabalhados dentro do limite temporal estabelecido pelos currículos e horários; textos
oriundos de jornais, revistas, livros e outros suportes que, por sua vez, foram escolhidos de
maneira qualitativa em relação à editoração brasileira, buscando assim a variedade de
fontes e, finalmente, vários textos que representam as diferentes variedades da língua
escrita para que o aluno as reconheça e as interprete.
A nosso ver, estes cinco critérios foram adequadamente estabelecidos, pois
contemplam a leitura situada uma vez que buscam a contextualização ao mostrar seus
diferentes suportes e diagramação originais com o intuito de mostrar ao aluno diversos
gêneros e fontes com os quais ele terá que lidar por toda a sua vida. Em nossa análise
qualitativa da coletânea, verificaremos se isto realmente é feito pela coleção.
Sobre a questão do “transporte” do texto de seu suporte original para o LDP, a
autora admite que o mesmo sofre mudanças inevitáveis, mas necessárias já que o objetivo é
trabalhar com diferentes gêneros. Para amenizar esse problema, Soares afirma que
respeitou e preservou o máximo possível as características essenciais dos textos oriundos de
revistas, jornais, livros etc mostrando figuras e diagramação originais, por exemplo. Nestes
casos, tentou-se preservar sua autenticidade expondo uma pequena cópia da parte do jornal
da qual o texto foi retirado; já gêneros publicitários foram apresentados fielmente. Esse
51
aspecto para nós é positivo, pois demonstra que a autora objetiva contextualizar o máximo
possível os gêneros que adota, fazendo os alunos saberem onde e como eles foram
primeiramente publicados, o que implica em saber com quais finalidades, para que público
alvo, por quem foram escritos e dentre outras coisas.
A seguir, Soares se volta para o que chama de “áreas e atividades de
aprendizagem” que são leitura (preparação para a leitura, leitura oral e silenciosa,
interpretação oral e escrita e sugestões de leitura), produção de texto, linguagem oral,
língua oral – língua escrita, vocabulário e reflexão sobre a língua.
52
5.2.2 Leitura oral
Soares admite que este tipo de leitura não é a mais utilizada no dia-a-dia, mas
afirma que ela é necessária quando se trabalha com poemas e poesias nos quais a
sonoridade, o ritmo, a expressividade e a musicalidade são aspectos essenciais e quando o
texto trabalhado apresenta aspectos novos e difíceis, como por exemplo, uma diagramação
em colunas ou até mesmo quando se trata de uma peça de teatro. A autora, porém, faz uma
ressalva: estas razões cabem ao professor, ou seja, é ele quem deve ler em voz alta nesses
casos para mostrar como se faz. Além disso, Soares aponta outros três motivos para se
realizar a leitura oral: resgatar, por meio da leitura de contos, a tradição de contar e ouvir
histórias; aproveitar as oportunidades de desenvolver as competências de ouvir atentamente
e compreender (o que nos remete ao modelo bottom up) e desenvolver uma leitura fluente
tanto oral quanto silenciosa.
53
momento, de acordo com a autora, não se faz necessário procurar a resposta certa. A nosso
ver, Soares propõe que, neste momento, o professor promova um debate entre os alunos a
fim de fazê-los interpretar oralmente o que foi exposto na preparação para a leitura, o que é
importante e interessante, como já dissemos acima.
Para Soares, a formação do leitor possui duas facetas e cada uma delas deve ser
trabalhada em ambientes diferentes, ao mesmo tempo. Habilidades de leitura como
interpretação e compreensão de textos devem ser desenvolvidas na escola onde também
54
deve ocorrer o incentivo à leitura como lazer e prazer que, por sua vez, deve ser realizada
fora da sala de aula, na casa do aluno, por exemplo. Esse estímulo pode ser dado com a
ajuda do LDP uma vez que este sugere, quando convém, a leitura de livros inteiros que
tenham a ver com o tema ou o autor estudado; assim, o professor pode e deve promover
atividades que aticem o desejo de ler nos alunos. Deste modo a autora afirma sua posição
de dar apenas um empurrão nessa tarefa e delega o resto para o docente, também pensando
que, talvez, nem todas as escolas nas quais esta coleção foi adotada haja bibliotecas
adequadas ou que os alunos possam adquirir as obras sugeridas.
Soares deixa claro que, apesar da “escolarização” da literatura ser inevitável sob
seu ponto de vista, ela acredita que ela pode ser adequada se o ato de ler não for imposto
como atividade escolar e nem avaliado com notas formais como as provas, como dissemos
anteriormente. A autora acredita que existem muitas outras atividades que podem ser
realizadas com um livro, como por exemplo, debates, idas à bibliotecas e à livrarias (com o
intuito de aproximar os jovens dos livros), produção de cartas para os autores, seminários
dentre outras ao invés de resumos e preenchimento de fichas. Gostaríamos de dizer que
apoiamos essa posição, pois pensamos que certas atividades arruínam a formação do leitor
literário que, ao enfrentá-las, perde a vontade e o gosto de ler e ficam verdadeiramente
traumatizados, pois pensam que toda a leitura que fizerem será cobrada com resumos e
provas.
Após esta análise dos MPs das duas coleções, podemos dizer que ambas
afirmam coisas semelhantes, principalmente no que diz respeito aos objetivos do ensino de
Língua Portuguesa e metas na didatização da leitura, já que as duas coleções citam
produção de inferências, hipóteses, estabelecimento de relações e leitura crítica. A
impressão que tivemos é que o MP de Soares aprofunda a questão do letramento e da
organização temática e avança ao explicar como se dá a preparação da leitura proposta.
Nas análises das coletâneas textuais e dos exercícios de interpretação e
compreensão textual, verificaremos se o que os autores afirmaram nos MPs realmente é
realizado, na prática.
55
Capítulo 6 – Análise das Coletâneas Textuais
16
Disponível em http://homepage.mac.com/rrojo/LDP-Properfil/Menu33.html, acesso em 29/04/2009.
56
esferas presentes nos livros de 7º e 9º anos, respectivamente. A esfera mais contemplada,
nos dois livros, é a literária com 41% no livro de 7º ano e 40% no livro de 9º ano. O
terceiro lugar, no livro do 7º ano, fica a cargo da esfera artística17 com 16% e no livro do 9º
ano corresponde à esfera escolar18 com 10%.
Já o segundo lugar, em relação aos gêneros, varia de ano para ano: no LDP do
7º ano, as “narrativa de aventura”19 correspondem a 15% dos gêneros abordados; já no LDP
para o 9º ano, este lugar pertence aos paradidáticos20, com 11%. O terceiro lugar, no livro
para 7º ano, fica a cargos dos poemas, com 13% do total e, no livro para o 9º ano, há um
empate entre textos didáticos21 e narrativas de aventura, ambos com 9% do total.
Pensamos que a diferença entre os primeiros lugares de gêneros e de esferas se
dá pela maior quantidade de ambos no livro do 9º ano (por este ser maior e por trazer uma
maior variedade de gêneros e, consequentemente, de esferas). Também devemos considerar
a abrangência de algumas esferas: a literária, por exemplo, envolve narrativas de aventuras,
contos, crônicas, poemas, romances etc; a divulgação científica reúne biografias,
paradidáticos (em determinados casos), glossários etc. O interessante é notar que, nessa
coleção, a esfera jornalística é representada, quase que exclusivamente, pela reportagem e
não por outros gêneros como a notícia, por exemplo.
Seguem, abaixo, os gráficos que expressam as quantidades (em percentuais) dos
gêneros e das esferas contempladas no Português na Ponta da Língua:
17
Como as bases de textos mostram, a esfera artística abrange vários gêneros como reprodução de pinturas,
fotos, histórias em quadrinhos, tiras etc.
18
A esfera escolar corresponde aos gêneros didáticos.
19
Narrativas de aventura são os gêneros extraídos de livros infanto-juvenis e apenas juvenis.
20
A categoria paradidático agrega gêneros que não são exatamentes didáticos, isto é, não são produzidos para
circularem na esfera escolar, mas são utilizados por professores e alunos para auxiliarem o processo de
ensino aprendizagem de determinado conteúdo. Vários gêneros, dependendo da situação, podem ser tidos
como paradidáticos, como por exemplo, instrucional, ficção, científico etc.
21
Consideramos textos didáticos aqueles textos que foram escritos pelos próprios autores do LDP para a
coleção, com o objetivo de explicar algum conceito.
57
Figura 3 – Porcentagem de gêneros Português na Ponta da Língua 7º ano EFII
58
Figura 5 – Porcentagem gêneros Português na Ponta da Língua 9º ano EFII
Baseados nestes dados, podemos concluir que o foco dos autores desta coleção
não é formar apenas um tipo de leitor, como por exemplo, um leitor literário e sim formar
um leitor que leia uma grande variedade de gêneros (principalmente no 9º ano), enfatizando
aqueles que circulam nas esferas literária e jornalística. Na verdade, acreditamos que
iremos estabelecer realmente o tipo de leitor que se objetiva em cada coleção ao
59
analisarmos, também, os exercícios de compreensão e interpretação textual, pois são neles
que veremos se a leitura situada é desenvolvida e, se sim, de que maneira. Neste caso,
podemos afirmar que a variedade de gêneros é grande e isso é bom, pois coloca os alunos
em contato com diversos textos de diversas esferas.
Outro aspecto que notamos é que o LDP dedicado ao 9º ano contém uma maior
quantidade de gêneros e estes diferem do LDP do 7º ano. Em ambos os casos, na esfera
jornalística as reportagens são, quase que predominantemente, os gêneros mais utilizados,
já que a notícia, por exemplo, não é explorada e o artigo de opinião é utilizado apenas uma
vez no LDP do 9º ano. Neste caso, portanto, concluímos que os autores desta coleção,
aparentemente, objetivam formar leitores jornalísticos de reportagens e não de uma maneira
mais abrangente, que envolva outros gêneros desta esfera. A ausência de textos opinativos e
argumentativos como editorais e artigos de opinião é um aspecto que deve ser levado em
consideração, pois pode revelar que formar leitores e escritores de gêneros deste tipo não
seja a meta desta coleção. Claro que todo e qualquer gênero possui uma opinião de seus
autores e de suas vozes entremeadas, mas gêneros de essência argumentativa deveriam ser
mais trabalhados.
Em relação às narrativas de aventura, a diferença entre os LDPs não é
significativa, já que o LDP de 7º ano traz nove narrativas de aventura e o de 9º ano traz
sete. Podemos dizer que este gênero pertence à esfera literária e a preferência por ele em
detrimento ao conto e à crônica (gêneros pouco estudados), neste momento, não é possível
de ser explicada, já que neste momento estamos nos atentando à análise quantitativa dos
gêneros que compõem as coletâneas textuais. Talvez, na análise qualitativa dos exercícios
de compreensão, possamos explicar o porquê desta preferência. Aliás, pretendemos fazer
isto com todos os gêneros, em ambas as coleções.
Um outro aspecto que notamos foi a grande presença de autores brasileiros
nessa coleção, sem preferência aparente por um ou outro, já que há uma grande variedade.
O que sentimos falta foi de mais textos que contemplassem a diversidade sócio-cultural e
regional brasileira, que é lembrada, apenas, na unidade quatro do livro do 7º ano que trata
da temática do folclore brasileiro e na primeira unidade do livro do 9º ano que aborda a
60
temática da água e utiliza um fragmento de O Quinze, de Rachel de Queiróz, para retratar a
questão dos retirantes nordestinos que buscam água.
Aproveitando essa menção aos temas, passemos a eles. Podemos dizer que os
temas contemplam os temas transversais22 dos PCNs. No livro do 7º ano, a primeira
unidade é denominada “Viver bem depende de quem?” e aborda questões ambientais como
a poluição, questões de saúde como o estresse da vida moderna e questões sociais e
relativas ao trabalho, já que há a presença de textos que abordam a rotina de pessoas que só
trabalham e não possuem tempo para a família e para o lazer. A segunda unidade nomeada
“Corpos mutantes” traz à tona a adolescência e suas consequência, como por exemplo, as
mudanças físicas (surgimento de cravos e espinhas, crescimento, mudança da voz nos
meninos etc), psicológicas, sociais e relativas aos relacionamentos com pais e pares. A
terceira unidade trata do embate entre “Desemprego x tecnologia”, com textos que abordam
o dia-a-dia de um desemprego em busca de emprego, a questão da tecnologia que “rouba”
vagas, como uma família encara o desemprego do provedor e o desejo de ser um
determinado profissional. Já a quarta unidade aborda a cultura brasileira através do folclore,
pois chama-se “Festas, histórias & criaturas” e traz textos que tratam de festas e mitos
folclóricos. A quinta e última unidade deste livro, a “Corações solidários”, aborda a
solidariedade e a caridade.
Já o livro do 9º ano tem como tema de sua primeira unidade a água, pois a
intitula de “Planeta água” e traz textos que abordam este tema sob visões diferentes: sob a
ótica ambiental através do ciclo da água e da poluição e sob o aspecto literário através do
texto “O paraíba” de José de Alencar, “Chuva com lembranças” de Cecília Meireles e
“Retirantes” de Rachel de Queiróz. A segunda unidade, nomeada “Vizinhos”, aborda a
relação entre vizinhos através de textos que tratam de problemas de condomínios de
apartamentos como barulho e sujeira e suas soluções e regulamentações e também por meio
de textos que abordam relações interpessoais como o namoro. A terceira unidade contempla
22
Segundo os PCNs, os Temas Transversais visam contemplar “as demandas atuais da sociedade” através
do tratamento transversal dado a esses temas para que a “escola trate de questões que interferem na vida dos
alunos e com as quais se vêem confrontados no seu dia-a-dia”. Assim, temas como ética, saúde, meio-
ambiente, consumo, trabalho e sexualidade foram integrados aos PCNs como Temas Transversais
(BRASIL/MEC, 1998a, p. 65).
61
um tema pouco abordado na escola, a loucura e chama-se “Um grão de loucura”. Esta
unidade trabalha com textos que explicam os limiares entre saúde e doença mental, dos
direitos dos doentes mentais e a história dos manicômios no Brasil. Já a quarta unidade,
trata do tema trabalho e é nomeada de “Hora de trabalhar!”. Através de textos que abordam
aspectos como primeiro emprego, produção social, inflação, formação técnica e acadêmica
e profissões, esta unidade traz o tema trabalho que é muito recorrente entre os jovens. A
quinta e última unidade, “Uma língua, várias línguas”, traz à tona a questão linguística
brasileira por meio de textos que explanam a respeito da diversidade linguística.
62
Figura 7 – Porcentagem gêneros Português: Uma Proposta para o Letramento 7º ano EFII
Figura 8 – Porcentagem esferas Português: Uma Proposta para o Letramento 7º ano EFII
63
Figura 9 – Porcentagem gêneros Português: Uma Proposta para o Letramento 9º ano EFII
Figura 10 – Porcentagem esferas Português: Uma Proposta para o Letramento 9º ano EFII
64
jornais e páginas de revistas que mostram como os textos foram originalmente publicados.
Os dados também comprovam isto, já que no livro do 7º ano a esfera “divulgação
científica” é a segunda mais contemplada com 30% do total e no livro do 9º ano ela
responde a 43%, ficando em primeiro lugar.
Com isto, pode-se trabalhar e explorar questões como suporte (por exemplo,
uma revista é diferente de um jornal por vários motivos e entre esses mesmos suportes há
diferentes, já que a revista Veja é diferente da Isto É, por exemplo ou mesmo o jornal O
Globo é distinto da Folha de São Paulo); público-alvo (pois cada suporte possui um
público-alvo específico para o qual é voltado); disposição na página (a diagramação pode
revelar possíveis objetivos e intenções do suporte, já que a atenção pode ser voltada para
inúmeros aspectos como manchetes, “olho”, fotos etc) dentre outros. Investigaremos esse
aspecto ao analisarmos as questões interpretativas relativas à estes textos.
Porém, em relação a contextualização dos textos da esfera literária, podemos
dizer que ela existe, já que há notas biográficas e fotos sobre os autores e, em alguns casos,
há capas de livros de onde os textos foram retirados. Mas, ao lermos as instruções dadas
pela autora página a página, vimos que a contextualiação completa fica a cargo do
professor, pois Soares diz o que pretende com cada texto, foto, cópia reduzida etc.
Acreditamos que, por motivos de espaço, seria realmente impossível colocar todos os
aspectos que contextualizem um texto,uma imagem ou qualquer gênero multimodal23, mas
isso deve ser dito ao professor e a ele deve ser dado todo o suporte para fazer esse trabalho
e a autora o dá, revelando os objetivos de cada texto em seu livro e dando sugestões de
como o professor pode proceder.
No livro do 7º ano, a esfera jornalística é a mais contemplada, com 43% do
total e a literária é a terceira mais utilizada com 23%. Já no livro do 9º ano, a segunda
esfera mais contemplada é a literária com 28% do total e a terceira é a jornalística com
25%, ou seja, houve uma inversão de posições entre as esferas jornalística e literária, apesar
da diferença não ser muito significativa. Talvez isto tenha acontecido para aproximar os
23
No oitavo capítulo, das considerações finais, comentaremos de maneira mais ampla esta questão do espaço
e do suporte que o papel pode e não dar a professores e alunos.
65
alunos da literatura, já que o 9º ano é o último ano do EFII e, no EM, esta disciplina passa a
fazer parte, oficialmente, do ensino da Língua Portuguesa.
Nota-se que há uma maioria de autores brasileiros na coletânea, sem
preferência explícita por nenhum, já que há uma grande variedade. Sentimos falta de textos
que abordem a diversidade sócio, cultural e regional brasileira, mas acreditamos que isto se
deve ao fato de os temas das unidades não tratarem destes assuntos por serem, justamente,
temas globais e não especificamente brasileiros como o folclore, por exemplo.
Aproveitando este gancho, abordaremos os temas tratados em cada LDP de
Soares. No livro do 7º ano, a primeira unidade chama-se “Nós somos assim?” e traz a
adolescência à tona por meio de textos que falam sobre as tribos, tatuagens, sonho de
independência, namoro e leis que protegem a criança e o adolescente. A segunda unidade é
intitulada como “Jornais: a vida no papel?” e aborda o jornal como um todo através de
notícias, fotos e uma crônica sobre este mesmo assunto. A terceira unidade, “Diferentes,
mas iguais”, trata da questão da discriminação por cor de pele (etnia), por gênero
(masculino/feminino), condição social, idade e necessidades especiais por meio de
reportagens como “O mapa da exclusão”, de Rodrigo Almeida e cartazes de Elifas
Andreato. A quarta unidade complementa a terceira, pois chama-se “Iguais, mas diferentes”
e defende a ideia de que as pessoas são desiguais entre si, já que “cada um é cada um”
(SOARES, 2008, p. 176). A autora faz isto através de poemas de Carlos Drummond de
Andrade e reportagens que retratam estilos diferentes de vida.
No livro do 9º ano, a primeira unidade é intitulada de “Somos só nós no
universo?” e aborda a questão da existência ou não de vida extraterrestre por meio de um
artigo do físico brasileiro Marcelo Gleiser, de uma entrevista do pesquisador Peter Ward
que pensa que realmente estamos sós no universo e do relato de Orson Wells sobre a sua
falsa narração de uma invasão dos marcianos na década de 50. Já a segunda unidade,
chamada “O tempo e você”, trata sobre a questão filosófica da nossa relação com o tempo e
esta unidade traz, quase que exclusivamente, textos literários, crônicas essencialmente. A
terceira unidade também traz um tema filosófico, pois chama-se “O homem: lobo do
homem?” e aborda a questão de que, todos nós, temos um lado bom e um lado ruim, por
meio de fábula (O lobo e o cordeiro), poemas e artigos de opinião a favor e contra à
66
compra de armas pela população civil. A quarta e última unidade, “A língua que eu falo”,
trata justamente da Língua Portuguesa e seus usos por crianças, adolescentes e adultos, pois
traz textos que abordam as variedades da língua, como uma entrevista com José Paulo Paes
intitulada “Geração ‘tipo assim’” e crônicas de Lygia Fagundes Telles e Fernando Sabino.
Assim, podemos afirmar que os LDPs de Soares contemplam os temas
transversais dos PCNs, já que tratam de assuntos recorrentes no dia-a-dia dos jovens e
importantes na construção da cidadania. Também é importante dizer que, em cada página
inicial de cada unidade, há uma explicação da autora em relação ao tema da mesma e sobre
seus objetivos, além de sugestões de como o professor pode proceder com aquelas
atividades.
67
reduzidas de capas e páginas de livros, revistas e jornais que possibilitam que o aluno veja
como e onde o texto foi originalmente publicado, além de utilizar fotos e pequenas notas
biográficas dos autores dos textos literários. Obviamente, o professor ficará encarregado de
completar a contextualização, mas a atitude de Soares é um começo para este processo, pois
ela também traz sugestões para os mesmos.
Em suma, concluímos que ambas as coleções possuem coletâneas de qualidade,
comprovando o que afirmou o Guia do Livro Didático 2008: as duas apresentam gêneros
variados e não apenas verbais (já que os textos multimodais também são contemplados) e
privilegiam esferas socialmente relevantes como a jornalística, a literária e a artística. A
seguir, na análise dos exercícios de interpretação e compreensão de textos, iremos observar
como essa coletânea é trabalhada.
68
Capítulo 7 - Análise dos exercícios de interpretação e compreensão de
textos
24
Demos o nome de “primárias” para estas capacidades leitoras por as considerarmos iniciais, mas não menos
essenciais, no desenvolvimento do leitor. Como afirmamos no segundo capítulo deste trabalho, acreditamos
que estas capacidades são importantes e fundamentais no processo de ensino-aprendizagem da leitura, mas
não se pode parar nelas e sim deve-se ir além, ou seja, objetivar a leitura crítica.
25
Intitulamos de “críticas” estas capacidades, pois acreditamos que elas levam a uma leitura crítica e reflexiva
do aluno.
69
último critério serve para verificar se as questões, de alguma maneira, contextualizam e
situam o texto (histórica, social, política e ideologicamente) para o aluno.
Como os enunciados das questões moldam a interpretação do aluno, pois
trazem os objetivos dos autores dos LDs, através desta análise, desejamos verificar e avaliar
como a leitura é desenvolvida em nosso corpus: se a língua é usada para dar voz aos alunos,
pois acreditamos que eles têm o que dizer, com razão de dizer e para quem dizer, como
afirma Geraldi (1995); se o dialogismo (vozes e memória discursiva) é explorado e se a
leitura crítica e reflexiva é objetivada através da atitude responsiva ativa de Bakhtin (1997
[1979]) e se são desenvolvidas estratégias de como fazer isto. Obviamente que os autores
do LD podem colocar objetivos diferentes para os textos das coletâneas ou até mesmo para
um único texto (buscar informações, estudar, se distrair (aqui, então, entraria a fruição
estética)), já que como afirma Antunes (2003), existe “uma leitura não-uniforme, diferente,
portanto, em cada circunstância, dependendo do tema, do nível de formalidade e do gênero
do texto lido ou, ainda, dos objetivos e dos motivos implicados no ato de ler” (ANTUNES,
2003, p. 77) e com esta variação de gêneros e objetivos, as estratégias de leitura também
variam. Apesar disso, pensamos que mesmo que o objetivo da leitura seja por prazer, sem
cobranças, deve haver o desenvolvimento da atitude responsiva ativa (BAKTHIN, 1997
[1979]), já que a realizamos em todos os momentos de interação, seja com outras pessoas,
com textos, obras de arte, programas de TV, músicas etc.
Assim sendo, daremos início à análise dos exercícios interpretativos do nosso
corpus pelo Português na Ponta da Língua.
70
Cynara Menezes: “O texto diz que Arthur é um exemplo de trabalhador globalizado. Que
informações confirmam isso?” (ALBERGARIA, FERNANDES & ESPESCHIT, 2008, p.
27). Além de pedir para que o aluno localize tais informações, a questão necessita que o
aluno saiba o que significa o termo “globalizado”, portanto mesmo que implicitamente, os
autores buscam acessar a memória discursiva dos alunos. Talvez, no 7º ano, os alunos ainda
não tenham estudado globalização, mas os autores sugerem que sim, já que na resposta
esperada desta questão não há nenhuma recomendação para que o professor explique a
palavra “globalizado” e de onde ela deriva.
Já um exemplo de pergunta que objetiva desenvolver a formulação de
hipóteses, podemos ver um na página 48, na primeira questão sobre a narrativa de aventura
“Crescendo” de Lino de Albergaria, autor do LD: “Por que o texto tem o título
Crescendo?” (ALBERGARIA, FERNANDES & ESPESCHIT, 2008, p. 48). Em relação às
inferências, podemos ver um exemplo de exercício na mesma página: “Como o leitor pode
saber que dona Amélia é a mãe de Alice?” (ALBERGARIA, FERNANDES &
ESPESCHIT, 2008, p. 48). Para respondê-la, o aluno deve voltar ao texto, localizar seu
trecho que cita dona Amélia, relê-lo e inferir.
O estabelecimento de relações é também uma capacidade de leitura
desenvolvida algumas vezes por este LD e ela se dá de duas formas: pede-se que o aluno
estabeleça relações entre dois textos ou entre sentenças do próprio texto. Encontramos um
exemplo de intertextualidade na sexta questão sobre o poema “Para comer depois” de
Adélia Prado: “Se o homem do texto Cinza e Verde vivesse na cidade do poema, você acha
que ele precisaria fugir para o campo?” (ALBERGARIA, FERNANDES & ESPESCHIT,
2008, p. 11). “Cinza e Verde” é uma reprodução de pintura de Semíramis Paterno exibida
nas páginas 8 e 9 do LD e esta questão pede para que o aluno o relacione o poema em
questão por meio de uma comparação. Já um exemplo de exercício que requer que o aluno
relacione aspectos ou sentenças de um mesmo texto pode ser lido na página 81, na segunda
questão sobre a narrativa de aventura “A notícia” de Cristina Agostinho: “Relacione o título
dado ao texto (A notícia) com o fato de a televisão, sempre sintonizada no noticiário
daquela hora, estar desligada” (ALBERGARIA, FERNANDES & ESPESCHIT, 2008, p.
81).
71
Um dos poucos exemplos de exercício que desenvolve a capacidade de
comparar textos é a quarta questão sobre a narrativa de aventura “O contador de histórias”
de Marcelo Xavier que pede para que o aluno leia a definição de mito de Leonardo Boff e a
compare com a definição do texto (ALBERGARIA, FERNANDES & ESPESCHIT, 2008,
p. 121).
Há algumas tentativas de acesso à memória discursiva dos alunos, mas elas não
são recorrentes. Um exemplo é a quarta questão sobre a reportagem “Uma revolução dos
bons modos” de Zuenir Ventura: “Baseando-se na sua observação da realidade, você diria
que esses fatos só acontecem nessa cidade? Justifique.” (ALBERGARIA, FERNANDES &
ESPESCHIT, 2008, p. 31).
Quando o gênero em questão é um texto não verbal, as questões visam a
interpretação da imagem e, em alguns casos, pede-se que o aluno o relacione com outro
gênero, como já exemplificamos anteriormente. A segunda questão sobre a reprodução de
pintura “Cinza e Verde” de Semíramis Paterno, demonstra isto: “Se a ordem das imagens
fosse modificada, você continuaria entendendo a história do mesmo jeito?”. A primeira
questão sobre a história em quadrinhos “Alex e Alfred”, de Sabine Wilharm, também é um
exemplo adequado de trabalho com textos não verbais: “As personagens falam em alemão.
Mesmo escrita em alemão, você entende a história? Por quê?” (ALBERGARIA,
FERNANDES & ESPESCHIT, 2008, p. 40).
Pudemos ver, acima, que os autores requisitam a utilização de mais de uma
capacidade de leitura, pois os enunciados dos mesmos são compostos de etapas e cada
etapa remete-se à uma capacidade leitora. Um exemplo disso é a primeira pergunta sobre o
textos “As faces do estresse”, de Tim Hindle, que diz: “Relacione a afirmação de que o
estresse pode ajudar na formação de campeões olímpicos com o parágrafo intitulado
“Efeitos nas pessoas”” (ALBERGARIA, FERNANDES & ESPESCHIT, 2008, p. 17). Para
respondê-la, primeiramente o aluno deve localizar a citada afirmação e o parágrafo
mencionado, relê-los e então relacioná-los; assim, duas capacidades leitoras são
requisitadas. Aproveitamos este exemplo para dizer que notamos que quando a localização
é desenvolvida, a releitura sempre a acompanha, pois o aluno sempre deve localizar uma
72
sentença ou um trecho, relê-lo com um objetivo e fazer algo com ele; mesmo que o
enunciado não diga explicitamente que o aluno deve reler, ele o leva a fazer isso.
Apesar de termos nos deparado com diversas questões que pedem para que o
aluno expresse sua opinião sobre os textos, pensamos que só podemos considerar como
questões que objetivam a desenvolver a leitura crítica e reflexiva aquelas que levam o aluno
a argumentar e a refletir realmente através de imperativos como “justifique” e “explique” e
questionamentos como “por quê”. É claro que pedir a opinião do aluno demonstra que os
autores do LD desejam que os alunos desenvolvam suas apreciações valorativas e isso é
positivo, porém, a didatização da leitura ficaria melhor e mais adequada se requisesse do
aluno, também, uma verdadeira argumentação e reflexão. Portanto, nem todas as questões
que pedem a opinião do aluno, a nosso ver, desenvolve a atitude responsiva ativa de
Bakhtin (1997[1979]).
Um exemplo de pergunta que pede apenas a opinião do aluno pode ser
encontrada na página 136, na seção De Olho no Texto sobre a narrativa de aventura
“Confissão” de Clarice Lispector: “O narrador comenta, em uma frase, que possui um vício
prejudicial à saúde. Em outra frase, ameaça tomar uma atitude que provocaria arrepios em
pessoas preocupadas com o meio ambiente. Que vício e que atitude são esses? Qual é a sua
opinião a respeito deles?” (ALBERGARIA, FERNANDES & ESPESCHIT, 2008, p. 136).
Já um exemplo que requer que o aluno argumente pode ser visto na página 110, sobre o e-
mail “Quando eu crescer vou ser...”: “(...) Após a leitura do texto, você diria que Vanessa
estava sendo irônica em seu título? Por quê?” (ALBERGARIA, FERNANDES &
ESPESCHIT, 2008, p. 110). A seção De Olho no Texto que mais possui exercícios que
pedem que o aluno expresse sua opinião é sobre a reportagem “Mensagens para deixar o
Rio mais lindo”, de Selma Schmidt e Sérgio Pugliese, já que possui duas perguntas desse
tipo e que pedem para que o aluno replique aos slogans (e apesar disso ainda pensamos que
é pouco): “Analise o primeiro slogan e diga: o que você acha de tentar ‘salvar’ um lugar às
custas de uma comparação com a sujeira do outro?” e “Na matéria, são apresentados
slogans que tentar educar o carioca pelo constrangimento (ou seja, envergonhando-o). Você
concorda com essa estratégica de constrangimento? Por quê? Que outras estratégias você
sugeriria?” (ALBERGARIA, FERNANDES & ESPESCHIT, 2008, p. 36).
73
Em relação ao segundo critério de análise, pensamos que a grande maioria dos
gêneros da coletânea textual deste LD é adequada às propostas dos exercícios e aos temas
de cada unidade, tanto no aspecto estrutural (como gênero) como no aspecto temático
propriamente dito. No entanto, há alguns gêneros que não são favoráveis ao
desenvolvimento da atitude responsiva ativa (BAKHTIN, 1997[1979]), como por exemplo
a bula do remédio “Stresstabs” (p. 19), a receita culinária “Salaminho de chocolate” (p. 54)
e as sinopses de filmes e seus respectivos horários (p. 62). Pensamos que estes gêneros
podem ser utilizados para desenvolver determinados letramentos e estratégias de leitura
através da exploração da estrutura e da diagramação dos mesmos, mas não para
desenvolver a leitura crítica.
Em relação à contextualização dos textos nos exercícios, podemos afirmar que
isto não ocorre neste LD, já que não há menção e aproveitamento de informações como
autor(es), suporte original, condições de produção, público-alvo dentre outras. Assim,
concluímos que o Português na Ponta da Língua do 7º ano do EFII pouco desenvolve a
leitura crítica e reflexiva por meio da atitude responsiva ativa (BAKHTIN, 1997[1979]) e
não situa os textos da coletânea textual nem nela mesma, nem nos exercícios de
interpretação textual.
74
Primeiramente devemos dizer que a reportagem não é, a nosso ver,
satisfatoriamente contextualizada, pois é acompanhada, apenas, pelos seus créditos. As
ilustrações que a acompanham não foi retirada do seu suporte original e, certamente, foi
desenhada pelo ilustrador da coleção, Robson Araújo. Isso só vem a reiterar o que
confirmamos no capítulo seis desta pesquisa, na análise das coletâneas textuais: Português
na Ponta da Língua não faz nenhum tipo de contextualização, fora os créditos. Vejamos, a
seguir, as cópias reduzidas da reportagem neste LDP:
75
fizeram isso para obter destaque na imprensa e, para responder isso, os alunos teriam de
inferir essa possibilidade pensando em como um jornal exerce seu papel na sociedade e
como as pessoas podem se valer disso. A pergunta foi direcionada sim, mas para mostrar
que nenhuma atitude é neutra de intenções.
A segunda questão propõe que os alunos relacionem as duas reportagens sobre
Gilvan, que mencionamos acima e pedem para que os alunos calculem quanto tempo
Gilvan levou para receber uma proposta de emprego e se esse tempo foi curto ou não e por
quê. Neste caso, temos um exemplo de intertextualidade entre textos de unidades diferentes
e de desenvolvimento de letramento para leitura de jornal, já que os alunos terão de
verificar as datas das publicações (o que, aqui, pensamos ser uma tarefa fácil, pois basta os
alunos lerem os créditos); além disso, os alunos terão de inferir que esse período foi curto e
argumentar o porque de pensarem assim. Porém, não consideramos isso leitura crítica, pois
a opinião do aluno não foi requisitada.
Já a terceira questão requer que os alunos localizem e infiram informações, pois
pergunta que fato foi fundamental para que Gilvan conseguisse um emprego e por quê. A
matéria, logo no início, menciona a reportagem anterior e ela é a resposta correta para esta
questão; o aluno terá de inferir (ou mesmo apenas localizar) que ela foi crucial para Gilvan
conseguir um trabalho porque deu destaque a ele. A quarta questão, por sua vez,
desenvolve apenas a localização, já que pergunta como a matéria não dá certeza de que
Gilvan conseguiu um emprego e, segundo o MP, a resposta correta é aquela que responder
que há dois trechos que mostram isso: “(Gilvan) pode26 finalmente conseguir trabalho” e
“Se a Redmetal contratar Gilvan tudo muda” (ALBERGARIA, FERNANDES &
ESPESCHIT, 2008, p. 91 do MP).
A quinta e última questão, dividida em a, b e c, pede para que os alunos
analisem o seguinte trecho: “Vou voltar a ser o que eu era, é tudo o que eu quero”. Ou seja,
um homem empregado”. A letra a pergunta o que Gilvan quer e os alunos devem responder
que ele quer ser um homem empregado; a letra b pergunta se o trecho acima permite outra
interpretação e, de acordo com o MP, a resposta certa seria que parece que Gilvan quer um
26
Grifo dos autores do LDP.
76
homem empregado; já a letra c pede para que os alunos reescrevam o trecho de modo que a
ambiguidade fosse excluída e, o MP, diz que o acréscimo do verbo ser (Ou seja, ser um
homem empregado) resolveria esta questão. A nosso ver, esse exercício é um exemplo de
muitos outros que retiram a frase de seu contexto e pedem para que ela seja analisada desta
forma, sem levar em consideração todo o restante e, mesmo assim, não vemos essa
ambiguidade, pois ficou claro que Gilvan quer ser um homem empregado pela frase
anterior, na qual ele diz que irá voltar a ser o que era. O verbo ser já está presente no
período, só que anteriormente.
77
comunidade da Rocinha entraram no rio com suas canoas enquanto ele ainda estava
bastante perigoso, sob o efeito da pororoca. Que sentimento os levou a fazer isso?” (
ALBERGARIA, FERNANDES & ESPESCHIT, 2008, p. 34). A resposta não está explícita
no texto e deve ser inferida pelo aluno.
A formulação de hipóteses é desenvolvida através de questões que, de alguma
forma, explora a imaginação e o conhecimento prévio do aluno, como a quinta questão
sobre a carta “Prezado morador,...” de João das Neves: “Em relação aos direitos e deveres
desse prédio, que regra poderia ser escrita para constar do regulamento do condomínio, em
relação ao problema levantado?” (ALBERGARIA, FERNANDES & ESPESCHIT, 2008, p.
65).
A intertextualidade é mais desenvolvida neste LD de 9º ano do que no de 7º ano
por meio de exercícios que pedem, geralmente, para que o aluno relacione textos de uma
mesma unidade e, com menor frequência, relacione textos de unidades diferentes, sendo
eles verbais ou não. Aliás, o exercício que transcreveremos como exemplo de
intertextualidade é sobre um anúncio publicitário da página 90: “Relacione o título desta
publicidade com o anúncio anterior e com o assassinato de Maria Rita por Marcos
Humberto” (ALBERGARIA, FERNANDES & ESPESCHIT, 2008, p. 90). Os gêneros
mencionados estão na mesma unidade que este anúncio, mas há exemplo de
desenvolvidade de intertextualidade entre unidades na página 153: “Relacione a
personagem Albert Brock com Marcos Humberto, citado no texto Júri Simulado da
Unidade 2” (ALBERGARIA, FERNANDES & ESPESCHIT, 2008, p. 153).
Apesar de, neste volume, a leitura crítica ser mais desenvolvida do que no
volume anterior, ela continua sendo a capacidade leitora menos objetivada e, assim,
podemos concluir que esta coleção não desenvolve adequadamente a leitura crítica, situada
e reflexiva. Como dissemos anteriormente, há mais perguntas que requerem a simples
expressão da opinião do aluno do que questões que estimulam a argumentação e a réplica
ativa. Na página 176, na última questão sobre a narrativa de aventura “O Dr. Papagaio” de
Ledo Ivo, podemos observar um exemplo de questão que requer, apenas, a mera opinião do
aluno: “(...) Imagine que você seja um canário azul. Neste mundão, que lugar você gostaria
de conquistar?” (ALBERGARIA, FERNANDES & ESPESCHIT, 2008, p. 176). Já um
78
exemplo de leitura crítica pode ser lido na página 116, na primeira questão sobre a
entrevista do médico Keith G. Kramlinger: “Você concorda com a afirmação de que “a
sociedade ainda discrimina as pessoas com doenças mentais? Justifique” (ALBERGARIA,
FERNANDES & ESPESCHIT, 2008, p. 116). Através do imperativo “justifique”, os
autores fazem com que o aluno fundamente sua posição por meio da argumentação.
Outra semelhança com o volume do 7º ano é a existência de exercícios que
requerem mais de uma capacidade leitora; normalmente a localização e a releitura são as
capacidades mais recorrentes nesse tipo de questão, mesmo que implicitamente, já que para
responder, o aluno muitas vezes é levado a localizar algum trecho e relê-lo. Um exemplo de
questão que requer mais de uma capacidade pode ser visto na página 72, na terceira questão
da seção “Indo Além” sobre o texto paradidático sobre paródia: “O texto O Condomínio
Roma pode ser considerado uma paródia em relação a um texto sobre Roma? Por quê? Se
pode, corresponderia a qual ou a quais tipos de paródia, segundo o dicionário de literatura
Shipley?” (ALBERGARIA, FERNANDES & ESPESCHIT, 2008, p. 72). Para responder
esta pergunta, o aluno deve relacionar os textos “O Condomínio Roma” com o paradidático
sobre paródia (intertextualidade), dizer se o primeiro é uma paródia e justificar sua opinião
(leitura crítica) e, finalmente, reler o dicionário literário e verificar em quais categorias de
paródia ele se encaixa.
O debate é um gênero muito favorável à atitude responsiva ativa, pois gera uma
situação na qual os alunos devem argumentar de modo adequado para se saírem bem e,
neste LD, ele é utilizado uma única vez (enquanto que no volume para o 7º ano ele não é
trabalhado) na página 101 na primeira questão sobre um capítulo do romance Dom
Casmurro de Machado de Assis: no texto, há palavras escritas em vermelho e o enunciado
pede para que os alunos se dividam em grupos e discutam quais palavras poderiam
substituir as escritas em vermelho para tornar o texto mais atual; a seguir, o grupo leria em
voz alta o novo texto e a classe, então, debateria se as escolhas foram adequadas.
Acreditamos que o debate poderia ser mais trabalhado e explorado pelos autores do LD por
ser uma atividade em grupo muito rica no que tange à utilização e o desenvolvimento de
capacidades orais e argumentativas.
79
A multimodalidade é outro aspecto bastante explorado neste volume e um
exemplo pode ser visto nas páginas 159 e 160, nas quais há a pintura “A cura da loucura”
de Bosch e os exercícios sobre ela quem requerem leitura de imagem, descrição as pessoas
encenadas, intertextualidade entre ela e o texto sobre o museu da loucura. A segunda pede
para que o aluno argumente sobre sua interpretação da pintura: “No quadro, o homem que
sofre a cirurgia – que seria, supostamente, o “louco” – é a figura mais estranha entre as
personagens? Justifique” (ALBERGARIA, FERNANDES & ESPESCHIT, 2008, p. 160).
Apesar de pensarmos que a palavra “estranha” direcionou a interpretação do aluno, não
deixa de ser um exemplo de leitura crítica multimodal.
Este direcionamento de interpretação ocorre mais algumas vezes neste volume,
através da exposição da opinião dos próprios autores nos enunciados das questões, como
podemos ver na terceira pergunta sobre o anúncio publicitário da seção “Indo Além” da
página 86: “Esse anúncio contribui para incentivar atitudes de agressão entre as pessoas.
Como ele faz isso?” (ALBERGARIA, FERNANDES & ESPESCHIT, 2008, p. 86). O
anúncio é de um carro e diz o seguinte: “Você sente orgulho, seu vizinho sente inveja. Os
dois são pecadores, mas pelo menos você é o dono do carro”. No MP, a resposta esperada é
aquela que diz que o anúncio estimula a competição de bens materiais entre vizinhos em
uma atitude materialista e individualista. A nosso ver, esta frase não incentiva violência
entre pessoas e sim traz à tona um sentimento que algumas pessoas sentem (a inveja) e que
pode acontecer entre vizinhos. Ao fazer esta afirmação, pensamos que os autores
direcionaram a interpretação do aluno; se o intuito era trabalhar a questão do materialismo e
do exibicionismo de bens materiais, isto poderia ser feito de outra maneira e com outros
textos que realmente demonstrem isso.
No capítulo anterior, dissemos que não encontramos nas coletâneas textuais
dessa coleção boxes de vocabulário que auxiliassem o aluno na compreensão de palavras
novas e notamos que isto pode ser intencional, já que há perguntas que pedem para o aluno
listar as palavras desconhecidas e procurá-las no dicionário. Porém, a oitava questão do
conto “Apartamento térreo” de Lêdo Ivo (que é a respeito de uma expressão usada no texto)
não oferece subsídios para o aluno responder, pois não há boxe de vocabulário e nem
requer que o aluno consulte o dicionário: “O que seria um “simulacro de biblioteca?”
80
(ALBERGARIA, FERNANDES & ESPESCHIT, 2008, p. 64). Pensamos que um aluno de
9º ano dificilmente sabe o que significa a palavra simulacro e não saberá se não consultar
um dicionário e, infelizmente, não podemos saber qual foi a intenção dos autores com esta
questão, pois eles não a colocaram em seu MP.
Quanto ao segundo critério criado por nós, acreditamos que todos os gêneros
utilizados na coletânea textual deste LD são adequados aos objetivos propostos nos
exercícios de interpretação e, salvo os verbetes e de uma receita de experiência usados nas
seções de leitura, todos os demais gêneros são favoráveis ao desenvolvimento da leitura
crítica e reflexiva.
Em relação ao critério que observa se o enunciado dos exercícios situam os
gêneros estudados, novamente comprovamos que não, como no volume anterior. As
questões, nessa coleção, vão diretamente aos seus objetivos e não situam os alunos acerca
dos aspectos discursivos dos gêneros e, assim, embasados nas análises das coletâneas
textuais e dos exercícios de compreensão, afirmamos que Português na Ponta da Língua
não contextualiza seus textos e pouco desenvolve a leitura crítica e reflexiva através da
atitude responsiva ativa.
81
Figura 12 – Exemplo de exercício Português na Ponta da Língua 9º ano EFII
A primeira questão pede para que os alunos façam uma lista das palavras que
não entenderam e procurem seus significados em um dicionário, depois de tentar
compreendê-las a partir do contexto. Nenhum texto dessa coleção possui um boxe de
vocabulário e questões como essa fazem com que os alunos listem palavras e procurem
seus sentidos no dicionário. Talvez os autores prefiram propor atividades como esta (de
pesquisa de vocabulário) a inserir boxes de glossário ou vocabulário. A segunda questão
requer dos alunos formulação de hipóteses e, possivelmente, que eles formulem inferência
local pelo contexto, já que pergunta onde o protagonista da história está: se em um hospital
ou em uma prisão. A resposta correta, segundo o MP, é que a personagem está em um
hospital psiquiátrico prisional e, para responder corretamente, os alunos devem inferir esse
cenário por meio da leitura das descrições do mesmo e/ou formular inferências locais a
aprtir do contexto para chegar a esta conclusão.
A terceira questão, basicamente, pede para que os alunos descrevam a
protagonista e seu psiquiatra e o espaço em que transcorre a cena, o que consideramos uma
capacidade primária de leitura. A quarta questão pergunta como era o cotidiano das pessoas
82
mostradas no texto e para responderem isto, os alunos devem, apenas localizar os trechos
que demonstram essas cenas e copiá-las, ou seja, este exercício desenvolve, somente, a
localização. A quinta questão objetiva traçar uma relação entre a vida das personagens da
narrativa e a vida no mundo de hoje; para tanto, os alunos terão de relacionar a história com
seu conhecimento de mundo.
Já a sexta questão é dividida em letras a e b e pede para que os alunos releiam o
seguinte trecho: “Depois, entrei na sala e atirei no aparelho de TV, aquela fera traiçoeira,
aquela Medusa, que transforma em pedra um bilhão de pessoas toda noite”. A letras a pede
para que os alunos pesquisem sobre a Medusa e a letra b para que eles expliquem uma
possível relação entre a Medusa e a TV. Mais uma vez vemos uma possível preferência por
atividades de pesquisa em detrimento de boxes de vocabulário, já que o termo “Medusa”
podeeria em um boxe. Já a letra b requer que os alunos estabeleçam relações entre a
Medusa e a TV, levando em consideração o trecho destacado. A sétima questão requer a
opinião dos alunos acerca se o protagonista da história é louco ou não e, em seguida, pede
para que eles relacione a suas atitudes com as de outras personagens. Novamente as
relações são requisitadas e a opinião do aluno é requisitada sem a argumentação e a
reflexão serem objetivadas. A oitava e última questão busca estabelecer relações, agora
através da intertextualidade entre textos de unidades diferentes: entre “O assassino” e “Júri
Simulado”, da unidade dois.
Gostaríamos de ter analisado atividades multimodais, mas as poucas existentes
nessa coleção não são representativas do que é recorrente nesses LDPs, já que os textos
multimodais são raros e, portanto, exceções. Esta atividade representa de forma satisfatória
como a didatização da leitura é realizada pelo Português na Ponta da Língua: a grande
maioria das capacidades leitoras desenvolvidas são primárias e a opinião dos alunos é
meramente pedida, sem objetivar a argumentação, a reflexão e a leitura crítica.
83
de inferências e hipóteses. A intertextualidade, a produção de comparação, a
multimodalidade e a leitura crítica são capacidades menos requisitadas. Notamos também
que estas capacidades, muitas vezes, estão presentes nos exercícios com o intuito de
desenvolver o que Soares chama em suas orientações ao professor, página a página, de
“habilidades básicas de leitura” (SOARES, 2008, p. 56) de cada gênero trabalhado na
coletânea textual. Ou seja, as capacidades leitoras, neste LD, são utilizadas para
desenvolver letramentos específicos de cada gênero, como a autora explicita em suas
orientações ao professor; elas trazem os objetivos de cada seção de atividades, juntamente
com sugestões de trabalho e com as respostas esperadas. Como elas estão dispostas página
a página e não no final do livro, a nossa análise e o trabalho do professor são facilitados.
Um exemplo disto pode ser visto na página 56, nas orientações à seção
“Interpretação Escrita” sobre a reportagem “Pesquisa mostra perfil do namoro” de
Guilherme Aragão que dizem o seguinte: “Como o texto é informativo, as questões buscam
desenvolver habilidades básicas de leitura desse gênero de texto: localizar informações,
identificar o referente de dêiticos e ideias implícitas (...)” (SOARES, 2008, p. 56). Ao
lermos as atividades, verificamos que isto realmente é realizado por meio de questões que
objetivam, principalmente, a localização: “Localize, no início do texto, a frase: “Não é por
acaso”. O que é que não é por acaso? Por que não é por acaso?” (SOARES, 2008, p. 56).
A inferência é outra capacidade de leitura bastante desenvolvida neste LD e,
além de explicitar esta intenção no enunciado das perguntas, a autora também o faz nas
orientações ao professor, como podemos observar na seção “Interpretação Oral” da página
57 sobre o infográfico que acompanha a reportagem acima citada: “Entre as perguntas da
pesquisa, não há nenhuma sobre o “ficar”, mas a pesquisadora afirma que esta é a opção
preferida ou a mais utilizada pelos jovens. Com base em qual dos gráficos ela pôde tirar
essa inferência?” (SOARES, 2008, p. 57). Esta atividade tem como meta mostrar ao aluno
como a pesquisadora inferiu tal dado e chegou a esta conclusão, fazendo o aluno ter o
mesmo raciocínio que ela.
A terceira capacidade leitora mais trabalhada é a formulação de hipóteses.
Podemos ver um exemplo na seção “Interpretação Escrita” sobre a crônica “Os Jornais” de
Rubem Braga: “Recorde a primeira frase da crônica e observe a palavra destacada: “Meu
84
amigo lança fora, alegremente, o jornal que está lendo e diz:”. Se, em seguida, o amigo
reclama contra o que lê no jornal, que só anuncia desastres e desgraças, de onde vem essa
sua alegria?” (SOARES, 2008, p. 81). Para responder esta questão, o aluno precisa
imaginar tal situação e criar uma hipótese para ela.
A intertextualidade é pouco explorada neste LD, mas poderia ser mais e melhor.
Na seção “Interpretação Escrita” sobre a reportagem “Somos todos um só”, de Norton
Godoy, podemos ver um exemplo: “Recorde: o editorial que você leu na unidade anterior
(p. 116) afirma que o único critério democrático para a determinação da raça de uma pessoa
é a autodefinição. No entanto, nos EUA, esse critério não é usado. Responda: Por que o
critério da autodefinição não é usado nos EUA?” (SOARES, 2008, p. 134). Para responder,
o aluno deve voltar à página 116, rever o conceito de autodefinição e estabelecer uma
relação entre os dois textos para explicar o motivo de os EUA não o usarem.
A comparação é outra capacidade pouco desenvolvida neste LD, mas temos um
exemplo ainda na página 134 do mesmo: “Reveja a cópia do trecho do questionário do
Censo brasileiro, na p.117, e recorde os cinco grupos raciais em que é distribuída a nossa
população. Compare-os com os sete grupos raciais em que é distribuída a população norte-
americana e conclua: (...)”(SOARES, 2008, p. 134). Outro aspecto pouco desenvolvido é o
acesso ao conhecimento prévio do aluno a fim de auxiliar a interpretação; o que ocorre é
verificar se o aluno sabe algo que é citado no texto, mas não explicado, isto é, algo que o
autor empírico27 entende que seu leitor já sabe. Na seção “Interpretação Escrita” da
reportagem “Histórias de pais em estúdios de tattoo”, do jornal Folha de São Paulo,
podemos ver um exemplo: “Recorde o início da reportagem: ‘A lei estadual sobre piercings
e tatuagens...’. O que é uma lei estadual?” (SOARES, 2008, p. 29).
A leitura crítica, a nosso ver, também é pouco desenvolvida neste LD, já que há
várias questões que indagam o aluno sobre o que ele pensa ou acha do assunto sem levá-lo
ou estimulá-lo a argumentar e a justificar sua resposta. Inclusive, existem perguntas que
visam verificar se o aluno concorda ou não com determinada afirmação do texto lido, mas
que não pedem para que ele argumente e fundamente sua posição. E, nestes casos, as
27
Chamamos de empírico o autor do texto contido na coletânea textual do LD, ou seja, o autor do conto, da
crônica, da reportagem etc.
85
orientações ao professor que, nas demais perguntas, traz sugestões e os objetivos das
mesmas, nestas apenas diz que a resposta é pessoal e individual de cada aluno. Podemos
ver um exemplo deste tipo na seção “Interpretação Escrita” sobre a entrevista do cantor
Martinho da Vila concedida ao Almanaque Brasil: “O entrevistador pergunta a opinião de
Martinho da Vila sobre o sistema de cotas (terceira pergunta): o cantor se declara favorável.
Que argumento ele apresenta em defesa de seu ponto de vista? Você concorda com este
argumento?” (SOARES, 2008, p. 158). Alguns alunos, ao responderem, podem justificar
sua opinião (mesmo a pergunta não pedindo isto), mas outros talvez não o façam,
infelizmente.
Ao lermos outras atividades que, aparentemente, buscam desenvolver a leitura
crítica e reflexiva, avaliamos que elas poderiam ser melhor elaboradas para que o aluno não
apenas exerça sua apreciação de valor, mas também reflita e refrate sobre o que estudou.
Na unidade três, por exemplo, há um cartaz de Elifas Andreato para o “Gênero e Raça: 1º
Encontro Latino-Americano” de 1990 e na seção “Interpretação Oral” respectiva a ela, há a
seguinte atividade: “Avaliem o cartaz: vocês acham que aimagem representa bem o tema
do Encontro? O cartaz é atraente? Motiva as pessoas a se interessarem pelo Encontro?”
(SOARES, 2008, p. 166). As perguntas são adequadas para o aluno apreciar o cartaz e
avaliar se ele atingiu seu objetivo, mas a autora deveria considerar a hipótese de que algum
aluno respondesse que não a estas perguntas e, assim, deveria formular uma atividade que
pedisse para que o aluno fizesse um cartaz que chamasse a atenção para o Encontro e,
portanto, esta atividade poderia estar na seção de interpretação escrita e não oral.
Já que mencionamos a atividade com este cartaz, aproveitamos para colocarmos
nossas conclusões sobre o trabalho com a multimodalidade deste LD. Pensamos que a
coletânea textual traz vários exemplos de multimodalidade como fotos, cópias reduzidas e
cartazes, mas as perguntas sobre os mesmos param na mera expressão da opinião do aluno,
como vimos acima. Há questões que visam a desenvolver a leitura de imagem, como
podemos observar na página 106, na seção “Interpretação Escrita” da foto exibida na
página 104 que retrata o corpo de um homem estendido na calçada de uma avenida do Rio
de Janeiro e um casal e um corredor que, apesar de estarem na cena, não se importam com
86
o homem morto: o exercício pergunta o que o casal está fazendo, onde a morte está na foto
e o que seria o “jogging28”.
Atividades que requerem mais de uma capacidade leitora não são constantes
neste LD, pois a grande maioria delas objetiva desenvolver uma capacidade de cada vez e
exibe, em seu enunciado, o trecho que o aluno deve relembrar ou reler para responder a
questão, ao invés de mandá-lo localizá-lo no texto. Podemos observar um exemplo desse
tipo de questão na seção “Interpretação Escrita” sobre a crônica “A Morcega” de Walcyr
Carrasco: “No início da crônica, o narrador recorda sua relação com o pai na adolescência:
‘Meu pai resistiu a tudo... só entregou os pontos quando me viu desbotando um jeans
novinho...’. ‘Meu pai resistiu a tudo’: como se comportou o pai até o momento em que viu
o filho desbotando um jeans novinho?” (SOARES, 2008, p.19).
Os poucos exercícios que requerem mais de uma capacidade, normalmente
desenvolvem a localização da resposta e a opinião do aluno, ou seja, pede para que o aluno
responda a uma pergunta baseado em uma afirmação do texto e, depois, pede sua opinião a
respeito disso ou sobre algo relacionado. Mesmo nesse tipo de questão, às vezes, a autora
exibe o trecho que deve ser relido e pede para que o aluno localize a resposta no texto. Um
exemplo pode ser visto na seção “Interpretação Escrita” sobre a reportagem “O sonho de
ser dono do próprio nariz” de Inês Amorim: “Recorde o título da reportagem: ‘O sonho de
ser dono do próprio nariz’. O que quer dizer “ser dono do próprio nariz?”; Em sua opinião,
este título é adequado ao conteúdo da reportagem? É atraente, motivando o leitor a ler a
matéria?” (SOARES, 2008, p. 36).
Quanto ao critério que avalia se os gêneros usados na coletânea textual são
adequados aos objetivos das questões, pensamos que eles são sim adequados para as
atividades propostas pela autora, já que são gêneros representativos de esferas socialmente
relevantes, como dissemos no capítulo anterior e pelos exercícios se concentrarem em
letramentos específicos para se ler cada gênero. Portanto, cada atividade de leitura foi
pensada de acordo com o gênero estudado naquele momento.
28
Nome dado ao corredor por Claudia Corbusier, autora do artigo de opinião “O casal, a morte e o
‘jogging’, exibido na página 105 do LD.
87
Também concluímos que os gêneros expostos são favoráveis a leitura crítica,
pelas mesmas razões que os consideramos adequados aos objetivos propostos, apesar de
pensarmos que a leitura crítica não é estimulada, incentivada e desenvolvida de maneira
satisfatória por este LD pelos motivos mencionados anteriormente.
As questões interpretativas, deste LD, situam (em alguns casos) os gêneros da
coletânea textual, mas esta função fica mais a cargo da seção intitulada “Preparação para a
Leitura”, que antecipa para o aluno que gênero ele lerá, qual seu tema etc. Esta seção
também traz, normalmente, cópias reduzidas dos gêneros e, portanto, quando o exercício
situa o gênero, apenas complementa o que já foi realizado na “Preparação para a Leitura”.
Um exemplo que mostra a contextualização realizada nessa seção e nas atividades de
interpretação pode ser visto na primeira unidade, mais especificamente no texto seis da
mesma, na qual a “Preparação para a Leitura” traz os seguintes dizeres: “(...) o texto que
vocês vão ler é informativo29. Ele foi publicado num jornal – vejam ao lado, na cópia
reduzida, o texto: ele informa sobre uma pesquisa a respeito de adolescentes. (...) (o texto
informativo) mostra os adolescentes não na percepção que os outros têm deles, mas pela
identificação do que eles são, segundo dados fornecidos por eles mesmos, obtidos por meio
de uma pesquisa.” (SOARES, 2008, p. 53). A primeira questão sobre essa reportagem
(“Pesquisa mostra perfil do namoro”) situa o aluno sobre o suporte na qual a mesma foi
originalmente publicada: “Como os jornais são feitos para serem lidos no mesmo dia em
que são publicados, o texto que você leu, publicado num jornal (...) (SOARES, 2008, p.
56).
Gostaríamos de ressaltar, rapidamente, que Soares possui em sua coleção duas
seções de interpretação, como já mostramos anteriormente: a interpretação escrita e oral e,
para cada uma delas, propõe um objetivo. Há textos que possuem essas duas seções e há
textos que possuem apenas uma delas, mas em ambos os casos a autora, em suas
orientações, explicita suas intenções. Pensamos que a existência da interpretação oral é um
ponto positivo neste LD, já que a oralidade não é muito desenvolvida nos materiais
29
Grifo da autora.
88
didáticos e esta seção propõe que os alunos discutam e debatam, juntamente com o
professor, as questões postas.
89
Figura 13 – Exemplo de contextualização de coletânea textual em Português: Uma Proposta para o
Letramento 7º ano EFII
90
Figura 14 – Exemplo de exercício Português: Uma Proposta para o Letramento 7º ano EFII
30
Grifos da autora.
91
comemorar nesse dia e, para responder corretamente, os alunos terão apenas de localizar a
informação de que somente 25% dos entrevistados estavam namorando. A terceira questão
requer a mesma capacidade leitora, já que pede para que os alunos localizem a frase “Não é
por acaso” e pergunta o que é que não é por acaso e por que não é por acaso. As respostas
para estas perguntas estão logo em seguida e são os resultados da pesquisa realizada pela
educadora sexual mencionada acima. A quarta questão segue pelo mesmo caminho, já que
pergunta que explicações a pesquisadora dá para a preferência dos jovens pelo “ficar” e
basta o aluno localizar esta resposta no texto. O que a destaca é o fato de ela perguntar se os
alunos concordam ou não com a pesquisadora, o que consideramos uma leitura crítica. Ela
poderia perguntar o porque da opinião dos alunos para enfatizar mais ainda a atitude
responsiva ativa. Porém, é bom salientarmos que este tipo de questão é uma das poucas em
todo o volume.
A quinta questão é dividida em letras a e b e também requer que os alunos
localizem as respostas certas, mas agora não só na reportagem, mas também no infográfico
que a acompanha. Novamente a autora retira uma frase do texto (“Mas isto nem sempre
acontece”) e pergunta o que nem sempre acontece (letras a) e por que isto nem sempre
acontece (letras b). Mesmo passando a analisar o gráfico, Soares o faz de maneira simplista
nessa questão, pedindo para que os alunos apenas localizem informações nele. A sexta
questão pergunta o que para a pesquisadora significa o “ficar” e o que não significa, isto é,
mais uma atividade de localização, já que a resposta está contida na reportagem.
A sétima e última questão é dividida em letras a e b e recorda um comentário
do jornalista: “...parece que os entrevistados acreditam que inteligência não faz parte do
caráter31...”. A letra a afirma que o jornalista tem uma opinião diferente da dos
entrevistados sobre as relações entre inteligência e caráter e pergunta qual é a opinião dele,
a qual está no quarto parágrafo da reportagem e basta os alunos a localizarem. A letra b
pergunta, agora, qual é a opinião dos alunos: se eles concordam ou não com o jornalista.
Novamente, temos uma questão que tende a desenvolver a leitura crítica, mas não requisita
nenhum tipo de reflexão ou argumentação por parte dos alunos. Alguns deles podem dizer
31
Grifo da autora.
92
os motivos pelos quais concordam ou não com o repórter, mas outros podem não dizer
porque a questão não pede.
93
crõnica “O relógio”, de Rubem Alves: “ ‘Só muito mais tarde vim a entender o que ele
dizia: ‘Tempus fugit’’. Relógio não fala... como o relógio dizia ‘Tempus fugit’?”
(SOARES, 2008, p. 93). O aluno, então, teria de imaginar o relógio de parede da crônica,
lembrar de como ele funciona e inferir que ele fala através de suas batidas.
A formulação de hipóteses é a terceira capacidade mais objetivada neste LD e
está ligada a imaginação dos alunos, baseada no que o texto diz. Na seção “Interpretação
Escrita” da fábula “O lobo e o cordeiro”, de La Fontaine, podemos ver uma atividade que
exemplifica a produção de hipóteses: “Sabe-se que, quando La Fontaine publicou esta
fábula, o preceito moral dela foi criticado por muitas pessoas, que não concordavam com
ele. Em sua opinião, que argumentos podem ser apresentados contra o preceito moral da
fábula?” (SOARES, 2008, p. 107). As orientações da autora explicam que a resposta é
pessoal, mas também fornecem ao professores as possíveis respostas.
O estabelecimento de relações entre textos, por meio da intertextualidade, é
mais utilizada na primeira unidade do volume, na qual o tema é a existência ou não de vida
extraterrestre e o objetivo, segundo Soares, é a leitura, interpretação e produção de textos
argumentativos e, portanto, as atividades focam nos argumentos e a intertextualidade é
usada para estabelecer relações entre diferentes textos que abordam opiniões distintas sobre
o assunto. Na seção “Interpretação Escrita” sobre a reportagem “A hora do encontro”, da
revista Superinteressante, podemos ver o primeiro exemplo de exercício intertextual da
unidade: “Qual seria a opinião do autor do texto anterior (Onde estão os Ets?) sobre os
pontos de vista apresentados nessa reportagem (...)?” (SOARES, 2008, p. 22). O segundo
exemplo está na seção “Interpretação Oral” sobre a entrevista do cientista Peter Ward para
a revista Veja: “Recordem as palavras do entrevistado, citadas no fim do texto. Qual ou
quais dos cientistas que vocês conheceram nos textos 1 e 2 concordariam com o
entrevistado? Quais não concordariam?” (SOARES, 2008, p. 43). Como podemos notar,
estes exercícios possuem o intuito de fazer com que os alunos confrontem opiniões
divergentes através dos argumentos de cada pessoa.
As capacidades de leitura menos requisitadas neste volume são a comparação e
o acesso ao conhecimento prévio do aluno que, a nosso ver, deve ser valorizado e utilizado
para melhorar e complementar a interpretação e compreensão. A comparação, por vezes,
94
está ligada à intertextualidade, pois pode ser usada para comparar aspectos de dois textos,
como podemos ver na seção “Interpretação Oral” da crônica “O relógio”, de Rubem Alves,
na qual há o capítulo “A pêndula” de Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de
Assis: “O efeito de bater do relógio sobre o narrador é diferente, na crônica O relógio e em
A pêndula. Comparem e expliquem: Na crônica, o bater do relógio durante a noite causava
medo no narrador (...) Em A pêndula, o bater do relógio durante a noite fazia mal ao
narrador (...)” (SOARES, 2008, p. 96). Então, o enunciado pede para que o aluno compare
que mensagens o bater do relógio transmitia ao narrador de cada texto.
Já o conhecimento prévio do aluno, nas seções de interpretação textual, é
requisitado em poucas oportunidades, como por exemplo, na seção “Interpretação Oral”
sobre o artigo de opinião que é contra a compra de armas pelos cidadãos comuns, publicado
no jornal Folha de São Paulo: “(...) Relacionem a posse de armas com certas atividades e
prodissões e concluam: que cidadãos escapariam à proibição de compra de armas?”
(SOARES, 2008, p. 121). Na verdade, a seção “Preparação para a Leitura” é a que se
dedica a contextualizar o texto que irá ser lido e a explorar o conhecimento prévio do aluno.
Um bom exemplo é a da página 27, que situa o aluno sobre a transmissão de A Guerra dos
Mundos, de H. G. Wells por Orson Welles.
Através da análise quantitativa da coletânea textual, verificamos que há muitos
textos multimodais como fotos, cópias reduzidas de páginas de jornais e revistas, capas de
livros e reproduções de pintura. No entanto, ao analisarmos as atividades de leitura,
concluímos que estes textos foram utilizados para situar o aluno em relação ao tema, ao
autor ou ao suporte original do texto, o que é muito positivo, mas eles são foram
aproveitados no momento da compreensão textual. Um exemplo disso está na segunda
unidade, mais especificamente na parte em que a fábula de La Fontaine, “O lobo e o
cordeiro”; ela é seguida de um desenho feito por Gustavo Doré para a mesma, porém,
nenhuma questão da seção “Interpretação Escrita” faz menção a ele, o que poderia ser
realizado. A autora, em sua orientação ao lado do desenho, propõe que o professor oriente a
análise do mesmo pelos alunos, chamando a atenção deles para o jogo de luz e sombra, o
movimento da vegetação e do rio e a postura do lobo e do cordeiro; a nosso ver, isso
poderia ser realmente feito e não apenas sugerido.
95
A leitura crítica, por sua vez, é mais desenvolvida neste volume de 9º ano do
que no anterior, de 7º ano. Todavia, um aspecto é comum entre os volumes: há mais
questões que requisitam apenas a opinião do aluno do que perguntas que pedem a opinião, a
fundamentação e argumentação. Há até exercícios que perguntam se o aluno concorda ou
não com algo, mas não pedem justificativa, como é o caso da mesma seção de interpretação
da fábula mencionada acima: “Você concorda ou não com o preceito moral da fábula?”
(SOARES, 2008, p. 107). Um dos poucos exemplos de perguntas que desenvolvem a
leitura crítica e reflexiva, totalmente, pode ser visto na seção “Interpretação Escrita” sobre a
entrevista de José Paulo Paes dada ao Jornal do Brasil: “Você concorda que os jovens não
tem o costume de conversar, não tem o que comunicar um ao outro? Justifique.” (SOARES,
2008, p. 171).
Outro traço semelhante ao volume anterior é a rara presença de questões
formuladas com o intuito de desenvolver mais de uma capacidade de leitura e isso se dá
neste volume pelos mesmos motivos: a exibição dos trechos que devem ser relidos nos
enunciados das questões e a presença de um único objetivo.
Pensando no segundo e no terceiro critério de análise, concluímos que os
gêneros utilizados na coletânea textual deste volume são adequados aos objetivos das
questões e a leitura crítica e reflexiva, por serem representativos de esferas sociais
relevantes e, consequentemente, por representarem o que circula socialmente em veículos
de comunicação e na literatura.
Em relação ao terceiro critério, pensamos que algumas questões interpretativas
situam os textos estudados, mas não são todas. O melhor exemplo é a seção “Interpretação
Escrita” da crônica “Bilhete ao futuro”, de Affonso Romano De Sant´Anna, que em três
atividades exibe boxes que contextualizam o aluno sobre algumas coisas citadas no texto
como ecologia, Perestroika e a terra prometida na Bíblia.
96
esfera literária (uma das mais contempladas neste LDP), por conter uma ilustração feita por
Gustavo Doré (que ilustrou várias fábulas do autor francês) e por representar como a
didatização da leitura é desenvolvida neste volume, inclusive em relação aos textos
multimodais, como é o caso deste desenho.
A contextualização da fábula é feita na seção “Preparação para a leitura”, na
qual há um conceito de fábula extraído do dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, uma
foto e uma pequena biografia de Jean de La Fontaine, como podemos ver a seguir:
Abaixo, cópias reduzidas das páginas nas quais estão a fábula, o desenho de
Gustavo Doré e a primeira questão de interpretação:
97
Figura 16 – Exemplo de exercício Português: Uma Proposta para o Letramento 9º ano EFII
98
A quarta questão pergunta se era o lobo ou o cordeiro que tinham razão; a
resposta correta é dizer que o cordeiro tinha razão, já que o lobo inventava fatos para seus
argumentos. Acreditamos que os alunos responderiam facilmente esta questão, por se tratar
de entender a fábula. A quinta questão recorda as palavras finais do lobo (“Necessária a
vingança se faz”) e pergunta se foi mesmo por vingança que o lobo devorou o cordeiro e
ainda requer que o aluno justifique. Para responder esta questão, o aluno terá que perceber e
inferir que o lobo não tinha motivos para se vingar e o fez por razões que a fábula não
menciona. Já a sexta questão pede para que os alunos identifiquem a moral da história, a
expliquem e a relacionem com a fábula; para tanto, basta os alunos localizarem a primeira
frase (“A razão do mais forte vai sempre vencer”) e inferirem que o lobo “ganhou” por ser
mais forte do que o cordeiro.
A sétima questão diz em seu enunciado que quando esta fábula foi publicada,
muitos criticaram sua moral, pois não concordavam com ela. A letra a pergunta se, na
opinião dos alunos, que argumentos podem ser apresentados contra a moral da história e a
letra b se os alunos concordam ou não com o preceito moral da fábula. Para responder a
letra a, os alunos terão de levantar hipóteses e, na letra b, os alunos dirão se concordam ou
não com a moral da história, mas a pergunta não pede argumentação e reflexão, novamente.
A oitava questão pede para que os alunos revejam a definição de fábula, que diz que nelas
os animais agem como pessoas e pede para que os alunos pensem que modos de agir dos
seres humanos é semelhante ao modo de agir do lobo e do cordeiro. São respostas pessoais
que deverão ser embasadas na memória discursiva dos alunos.
A nona e última questão recorda uma frase de uma página anterior, da mesma
unidade: “Homo homini lupus: O homem, lobo do homem. O homem é um lobo para outro
homem”. A letra a desta questão pede que os alunos expliquem esta frase e a letra b retoma
o nome da unidade (O homem: lobo do homem?) e pergunta qual é o objetivo de apresentar
essa frase como pergunta.
Como pudemos observar, a ilustração de Doré foi posta ali para exemplificar a
fábula em uma representação artística ou até mesmo para preencher aquela página, já que
não foi aproveitada e explorada em nenhum atividade de leitura. As capacidades leitoras
mais objetivadas foram as primárias e, novamente, a leitura crítica não foi satisfatoriamente
99
realizada, já que Soares pede, apenas, a mera opinião do aluno sem nenhum argumento ou
reflexão.
100
Considerações Finais
102
satélite32 e, então, a multimodalidade do gênero não é trabalhada. O ideal seria se o LD
pudesse ser desenvolvido em ambiente digital, para que professores e alunos pudessem
utilizar todas as formas composicionais e estilísticas do gênero. Obviamente, isso depende
de mudanças estruturais, financeiras e até culturais, já que escolas, professores e alunos
teriam de mudar seus espaços físicos, obter recursos como computadores, projetores, telões
e outras ferramentas e mudar seus costumes em relação ao uso de um LD.
Passemos agora à segunda questão de pesquisa, que visava verificar como a leitura
era trabalhada pelos LDPs através dos exercícios de interpretação e compreensão textual,
ou seja, o que eles buscavam desenvolver. Para esta pergunta, a resposta é, novamente,
semelhante para as duas coleções analisadas, já que ambas desenvolvem muito mais as
capacidades primárias de leitura em detrimento da intertextualidade, da multimodalidade e
da leitura crítica e reflexiva através da atitude responsiva ativa. O que diferencia uma
coleção da outra é que Português: Uma Proposta para o Letramento, além de fazer isso,
propõe atividades que visam desenvolver letramentos específicos nos alunos, como leitura
de gêneros da esfera jornalística, como já mencionamos acima. Salvo este fato, ambos os
LDPs, a nosso ver, tratam a leitura de maneira rasa, sem aprofundá-la e levá-la para a
crítica e a reflexão, o que empobrece a didatização da mesma. Assim sendo, concluímos
que nosso corpus não dá voz aos alunos e portanto, não faz os professores ouvirem o que
seus educandos têm a dizer.
Assim sendo, atestamos que a pesquisa realizada por Kleiman (1996) continua
atual, pois, ao analisarmos apenas duas amostras de LDP de Ensino Fundamental,
concluímos que os modelos cognitivos e estruturais (ascendentes, descendentes e
interativos), insuficientes para os letramentos críticos, ainda vigoram no cenário do ensino
de leitura brasileiro.
A terceira e última questão de pesquisa buscava entender como a postura
didática de cada LDP, em relação a leitura, guiava o trabalho do professor. Obviamente
que, para termos certeza de nossas conclusões, deveríamos observar aulas de Língua
32
Salvo os LDs de línguas estrangeiras modernas (Inglês e Espanhol) que devem conter CDs de áudio. Para
saber mais, acesse o Guia dos Livros Didáticos de Línguas Estrangeiras Modernas 2001 através do link
http://www.fnde.gov.br/index.php/pnld-guia-do-livro-didatico. Acesso em 27/10/2010.
103
Portuguesa nas quais estas coleções são usadas, mas acreditamos que tanto Português: Uma
Proposta para o Letramento quanto Português na Ponta da Língua deixam a cargo do
professor a contextualização dos textos para que esta auxilie na leitura crítica, já que
Português: Uma Proposta para o Letramento realiza esta contextualização para fins de
letramentos e de maneira rasa, como dissemos anteriormente. Pensamos que o trabalho do
professor que optar por essas coleções será diferente do que ele pensou que seria ao ler as
resenhas avaliativas das mesmas no Guia do Livro Didático 2008, pois através de nossas
análises, encontramos diferenças entre o que as resenhas afirmam e o que os LDPs
realmente fazem, como também já dissemos anteriormente.
Por exemplo, ancorados no que lemos no Guia do Livro Didático 2008,
achávamos que o Português: Uma Proposta para o Letramento não contextualizaria seus
textos e que o Português na Ponta da Língua o faria com maestria e, no fim das contas,
comprovamos o contrário. Portanto, talvez também a própria avaliação do PNLD não
atribua a esse aspecto a importância devida e esta atitude pode dificultar, em algum
momento, o trabalho em sala de aula do professor que, como nós, ao ler a resenha
avaliativa de uma das coleções, pensou uma coisa e se deparou com outra.
Finalizamos este trabalho de conclusão de curso com a certeza de que a
avaliação pelo PNLD deve ser repensada quanto à redação das resenhas avaliativas e em
relação ao que elas devem enfatizar quando o olhar do parecerista está voltado para a
leitura, já que a noção dele de leitura irá moldar completamente a avaliação deste eixo de
ensino. Também estamos certo de que há muito o que se estudar, pesquisar e fazer no
campo da leitura crítica e reflexiva, já que ela é desenvolvida de maneira pouco satisfatória
e este fato somente prejudica a formação de leitores críticos pela escola. Almejamos que os
alunos possam ler criticamente e reflexivamente na escola e fora dela, para tomarem
atitudes autônomas e conscientes de tudo o que está em jogo e a sua volta.
Precisamos ouvir o que os jovens estudantes tem a dizer; precisamos dar
importância para o que eles pensam e fazer com que eles saibam perceber tudo o que está
envolvido no momento da interação, seja com o autor de um livro, de uma reportagem; seja
com um pintor, um cartunista; seja com o seu amigo de sala, com seus pais e professores
etc. Precisamos torná-los seres pensantes, ativos e protagonistas.
104
Referências Bibliográficas
105
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Portuguesa, Letramento e Cultura da Escrita. Campinas: Mercado de Letras, 2003.
106
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Interacional. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal de Uberlândia, 2000.
SOARES, M. Português: Uma Proposta para o Letramento. Moderna: São Paulo, 2008. 7º
e 9º anos do EFII.
107
Anexos
Anexo A - Gêneros da coletânea textual do Português na Ponta da Língua
7º ano EFII
Gêneros contidos na coletânea textual do Português na Ponta da Língua do 7º ano do EFII
Gênero Quantidade
Anúncio 1
Biografia 1
Bula de remédio 1
Classificados 1
Conto 1
Crônica 1
E-mail 1
Didático 2
Glossário 2
História em quadrinhos (HQ) 1
Legenda 1
Lista telefônica 1
Mito 1
Narrativa de aventura 9
Paradidático 5
Poema 8
Receita 1
Reportagem 13
Reprodução de Pintura 7
Resenha 1
Sinopse e horário 1
Tirinha 3
108
Regulamento 1
Relato 1
Romance 3
Reportagem 11
Reprodução de Pintura 3
Resenha 1
Tira 1
Verbete 6
33
Trata-se de uma cópia de uma página de jornal que contém a chamada “seção de cartas do leitor” que nada
mais é do que a seção do jornal para a qual os leitores escrevem cartas com sugestões, críticas, reclamações,
opiniões etc.
109
Capa de revista 2
Citação 1
Conceito 2
Conto 1
Cópia reduzida 1
Crônica 7
Didático 1
Entrevista 2
Fábula 1
Foto 16
Glossário 1
Manchete 7
Mapa 1
Nota biográfica 12
Poema 4
Relato 1
Reportagem 3
Reprodução de pintura 2
Resumo 2
Romance 1
Sumário 1
Tabela 1
Verbete 1
110