Você está na página 1de 291

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC/SP

Regina Braz da Silva Santos Rocha

A escrita argumentativa:
Diálogos com um livro didático de português

Mestrado em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem

SÃO PAULO
2010
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC/SP

Regina Braz da Silva Santos Rocha

A escrita argumentativa:
Diálogos com um livro didático de português

Mestrado em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem

Dissertação apresentada à Banca Examinadora


da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, como exigência parcial para obtenção do
título de mestre em Linguística Aplicada e
Estudos da Linguagem, sob a orientação da
Prof.ª Doutora Elisabeth Brait.

SÃO PAULO
2010
BANCA EXAMINADORA

_________________________________________________

_________________________________________________

_________________________________________________
Para Ricardo, o grande amor da minha vida.
Para meus pais, Cícera e Eroaldo, por me ensinarem o valor do conhecimento.
AGRADECIMENTOS

À CAPES, pelo apoio financeiro dado à esta pesquisa.


À Professora Doutora Beth Brait, pela orientação deste trabalho e pela amizade,
sendo um exemplo de teórica, orientadora e mestra, com a qual pude adentrar no
pensamento bakhtiniano.
À Professora Doutora Maria Inês Batista Campos, pela amizade e pelas essenciais
contribuições em minha pesquisa. Obrigada pelas inúmeras leituras feitas durante diferentes
fases da pesquisa e pelos aportes durante a qualificação.
À Professora Doutora Fernanda Coelho Liberali, pela amizade, pela confiança e pelas
preciosas sugestões dadas durante as aulas e no exame de qualificação.
Aos Professores Doutores do programa de Linguística Aplicada e Estudos da
Linguagem, da PUC/SP, com os quais tive oportunidade de conviver e aprender: Tony Berber
Sardinha, Rosinda de C. G. Ramos e Maria Francisca Lier-De Vito.
Às amigas Gabriela, Isabel, Dionéia e Teresa, pela belíssima amizade construída, pelos
momentos de discussão e aprendizado e pelo compartilhamento das angústias e anseios
durante o desenvolvimento de nossos trabalhos.
Aos amigos do “grupo braitiano” – Denísia, Irene, Rodolfo e Rodrigo – por dividirem
comigo os saberes e pelas discussões em torno da obra de Bakhtin.
À amiga Ana Marta, pela amizade, pelo apoio e pela leitura e correção da última
versão do texto.
Ao meu irmão, Erasmo, e aos meus amigos que incentivaram e torceram por esta
conquista: Elaine, Evelyn, Edna, Ricardo Marini, Alessandra, Sílvia e Telma.
Ao meu esposo Ricardo, pelo amor, apoio e compreensão nos momentos de
incertezas e dificuldades.
Aos meus pais, pelo carinho, apoio e confiança depositados na realização deste
trabalho.
E, por ser início e fim, agradeço a Deus o privilégio de conviver e aprender com todas
as pessoas mencionadas, sem as quais não realizaria este trabalho.
A escrita argumentativa: diálogos com um livro didático de português
Regina Braz da Silva Santos Rocha
RESUMO

Este trabalho discute o ensino de produção de textos argumentativos em uma coleção


didática de língua portuguesa destinada ao ensino médio e demonstra como o ensino dos
recursos linguístico-discursivos é essencial para a apropriação das práticas sociais em que a
escrita argumentativa é inerente. Para isso, escolhemos como objeto de estudo a coleção
Português: Linguagens, da qual selecionamos três atividades didáticas de produção escrita
de textos argumentativos para constituir o corpus de pesquisa. O nosso objetivo é mostrar
como se ensina a produzir textos argumentativos escritos nesta obra didática e propor uma
possibilidade de encaminhamento teórico-metodológico para o ensino da escrita
argumentativa, em uma perspectiva enunciativo-discursiva, adotando como ponto de
partida a análise realizada. Questionamos qual é o encaminhamento linguístico-discursivo
oferecido pelos autores para levar o aluno à produção de textos argumentativos e como a
proposta de produção escrita é organizada na coleção, com a finalidade de mostrar os
conteúdos da língua tomados como objetos de ensino, comparando a proposta prescrita
pelo manual do professor e a proposta concretizada nas atividades didáticas. Nessa
condição, este estudo reconstrói a tradição referente à produção escrita, apontando a
trajetória histórica dos paradigmas de ensino instaurados, bem como a utilização de livros
didáticos, desde o século XIX até a ascensão do conceito de gênero a partir da década de
1990. Interligamos esse panorama histórico com a complexidade em que o ensino médio foi
instituído na educação brasileira, para discutir as especificidades desse segmento no que se
refere ao ensino da escrita argumentativa. Partindo da descrição da proposta de ensino de
produção de textos argumentativos da coleção Português: Linguagens, apontamos quais
acepções teóricas são convocadas, articulando com a descrição e análise das atividades
didáticas, quanto ao seu projeto gráfico e à organização do capítulo. Para isso,
fundamentamos a pesquisa nos conceitos de interação, enunciado concreto e gênero do
discurso, conforme as concepções bakhtinianas. A análise esclarece que a coleção utiliza o
conceito de gêneros do discurso como sinônimo de tipologia textual e de gênero textual. O
tratamento conferido aos textos ressoa a tradição da produção da composição, instaurada
no século XIX, trazendo as vozes da retórica aristotélica e da Nova Retórica. A sequência de
questões não possibilita que o aluno vivencie as práticas sociais de escrita argumentativa. A
partir da análise, propomos outra possibilidade de encaminhamento teórico-metodológico
para os textos tomados como unidades de ensino em cada atividade didática, reconstituindo
a cadeia discursiva em que estão imersos, como enunciados que se materializaram de
acordo com as coerções do gênero do discurso. Esse ponto de vista recuperou os diálogos
instaurados, bem como os recursos linguístico-discursivos utilizados. Essa sugestão didática
mostra que o estudo didático dos textos, considerando sua materialidade verbal, visual ou
verbo-visual, interliga procedimentos de leitura e interpretação com os conhecimentos
necessários para a produção de textos argumentativos, possibilitando que a língua seja
estudada na totalidade do enunciado, podendo ser adotada pelo aluno para a construção de
sentidos, marcando seu ponto de vista.

PALAVRAS-CHAVE: ensino médio, escrita argumentativa, gênero do discurso, práticas sociais


The argumentative writing: dialogues with a didactic collection of Portuguese
Regina Braz da Silva Santos Rocha
ABSTRACT

This work discusses the teaching of the production of argumentative texts in a didactic
collection of Portuguese intended for high school and demonstrates how the teaching of
linguistic and discursive resources is essential for the appropriation of social practices in
which writing is inherently argumentative. For this, we chose as the object of study the
collection Português: Linguagens, of which three didactic activities of argumentative text
production were selected to constitute the corpus of research. Our purpose is to show how
the book teaches to produce argumentative texts written in this didactic collection and
propose a possibility of theoretical and methodological proposal for teaching argumentative
writing, in a perspective enunciative and discursive, adopting as a starting point the analysis.
We asked what is the purpose linguistic and discursive offered by the authors to teach the
student to produce argumentative texts written and how the proposed written production is
organized in the collection, in order to show the contents of the language taken as teaching
objects, comparing the proposed prescribed the teacher's manual and the proposal
implemented in didactic activities. In this condition, this study reconstructs the tradition of
the written production, pointing to the historical trajectory of learning paradigms and the
use de didactic books, since the nineteenth century until the rise of the concept of genrer
from the 1990s. Interlink this historical overview with the complexity in which the high
school was established in Brazilian education, to discuss the specifics of this segment with
regard to the teaching of argumentative writing. From the description of the teaching
proposal for the production of argumentative texts of Português: Linguagens, indicate which
theoretical meanings are called, articulating with the description and analysis of didactic
activities, refers to graphic design and organization of the chapter. For this, the theoretical
foundations of our research are the concepts of interaction, utterance and speech genres, as
the bakhtinian conceptions. The analysis clarifies that the collection uses the concept of
speech genres as a synonym of textual typology and textual genre. The treatment given to
the texts echoes the tradition of producing the composition, established in the nineteenth
century, bringing the voices of Aristotelian rhetoric and the New Rhetoric. The following
questions does not allow the student to experience the social practices of the argumentative
writing. From the analysis, we suggest another possibility of didactic proposal for the texts
taken as teaching units in each didactic activity, reconstructing the discursive chain in which
they are immersed, as utterances which are materialized in accordance with constraints of
the speech genres. This view has recovered initiated dialogues, as well as linguistic and
discursive resources used. This didactic suggestion shows that the didactic study of texts,
considering their materiality verbal, visual or verbal visual, linking procedures of reading and
interpretation with the knowledge necessary for the production of argumentative texts,
enabling the study of language in a utterance´s totality, could be taken by the student for
the construction of meaning, marking its point of view.

KEY-WORDS: high school, argumentative written, speech genres, social practices


[...]
O menino pegou um olhar de pássaro
– Contraiu visão fontana.
Por forma que ele enxergava coisas por igual
como os pássaros enxergam.
As coisas todas inominadas.
Água não era ainda a palavra água.
Pedra não era ainda a palavra pedra.
E tal.
As palavras eram livres de gramáticas e
Podiam ficar em qualquer posição.
Por forma que o menino podia inaugurar.
Podia dar às pedras costumes de flor.
Podia dar ao canto formato de sol.
E, se quisesse caber em uma abelha, era
Só abrir a palavra abelha e entrar dentro dela.
Como se fosse infância da língua.

Manuel de Barros (Canção do ver)


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 14

CAPÍTULO 1
Panorama brasileiro do ensino de produção de textos no ensino médio: os
paradigmas de ensino e o livro didático de português 21
1.1 De 1850 a 1950: os gêneros poéticos e retóricos 22
1.2 De 1960 a 1980: as tipologias textuais 26
1.3 A década de 1990 e início do século XXI: gênero do discurso ou gênero textual 31
1.4 2010: Programa Ensino Médio Inovador e o conceito de gênero do discurso 43

CAPÍTULO 2
Ensino de produção escrita de textos argumentativos 46
2.1 As vozes da retórica no ensino da argumentação 47
2.1.1 A retórica aristotélica 47
2.1.2 A Nova Retórica 52
2.2 O conceito de gênero do discurso na apropriação das práticas de escrita 55
2.2.1 Interação: o conceito constitutivo da teoria dialógica da linguagem 55
2.2.2 Enunciado concreto: o olhar bakhtiniano para o texto 58
2.2.3 Gêneros do discurso: totalidade e acabamento do enunciado concreto 62
2.3 A escrita de textos argumentativos 68
2.3.1 As vozes discursivas na construção da atividade didática 68
2.3.2 Os recursos linguístico-discursivos 71

CAPÍTULO 3
A escrita argumentativa em Português: Linguagens 76
3.1 Pesquisas realizadas 77
3.2 As últimas edições da coleção selecionada 80
3.2.1 Descrição das coleções 82
3.2.2 Comparando e estabelecendo relações dialógicas 85
3.3 O manual do professor 91
3.4 A produção escrita de textos argumentativos 96
3.4.1 O artigo de opinião (capítulo 5, volume 1) 97
(A) Projeto gráfico da atividade 97
(B) Questões propostas 100
(C) Dialogando com as outras atividades 108
3.4.2 O editorial (capítulo 9, volume 2) 109
(A) Projeto gráfico da atividade 109
(B) Questões propostas 113
(C) Dialogando com as outras atividades 119
3.4.3 A carta de leitor (capítulo 2, volume 3) 121
(A) Projeto gráfico da atividade 121
(B) Questões propostas 123
(C) Dialogando com as outras atividades 129

CAPÍTULO 4
Um olhar dialógico para o ensino da escrita argumentativa 134
4.1 O artigo de opinião 135
4.1.1 Ler e pesquisar em sala de aula: confrontando pontos de vista 135
4.1.2 A língua portuguesa na prática social: marcadores de avaliação 147
4.1.3 Você é o articulista! 153
4.2 O editorial 154
4.2.1 Ler e dialogar em sala de aula: formando opinião 154
4.2.2 A língua portuguesa na prática social: progressão temática 164
4.2.3 Você é membro de um conselho editorial! 169
4.3 A carta de leitor 170
4.3.1 Ler, pesquisar e dialogar em sala de aula: argumentando como cidadão 170
4.3.2 A língua portuguesa na prática social: coesão referencial 176
4.3.3 Você é um leitor atuante! 179

CONSIDERAÇÕES FINAIS 181

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 186

ANEXOS 192
ANEXO – CD-ROM
Lista de quadros

Quadro 1: Levantamento quantitativo de atividades por eixo didático – 5ª edição 83


Quadro 2: Levantamento quantitativo de atividades por eixo didático – 6ª edição 85
Quadro 3: Objetos de ensino do eixo didático produção de textos no volume 1 89
Quadro 4: Objetos de ensino do eixo didático produção de textos no volume 2 90
Quadro 5: Objetos de ensino do eixo didático produção de textos no volume 3 90
Quadro 6: Transcrição das questões da atividade A carta de leitor 127
Lista de figuras

Figura 1: Exemplo de texto proposto pelas OCEM (BRASIL, 2006, p. 39) 38


Figura 2: Capas da 5ª edição de Português: Linguagens 82
Figura 3: Capas da 6ª edição de Português: Linguagens 83
Figura 4: Capas do primeiro volume das 5ª e 6ª edições de Português: Linguagens 86
Figura 5: Capas do segundo volume das 5ª e 6ª edições de Português: Linguagens 87
Figura 6: Capas do terceiro volume das 5ª e 6ª edições de Português: Linguagens 88
Figura 7: Sumário do manual do professor de Português: Linguagens 92
Figura 8: Proposta de produção de textos de Português: Linguagens 93
Figura 9: Reprodução do agrupamento de gêneros em PL 94
Figura 10: Seções organizadoras das atividades de produção escrita 96
Figura 11: Atividade O artigo de opinião 98
Figura 12: Imagens ilustrativas da atividade O artigo de opinião 99
Figura 13: Questões 1 e 2,– O artigo de opinião, volume 1, p.337-338 101
Figura 14: Questões 3, 4,e 5 – O artigo de opinião, volume 1, p. 338 102
Figura 15: Questões 6, 7, 8 e 9 – O artigo de opinião, volume 1, p.338-339 104
Figura 16: Painel de textos – O artigo de opinião, volume 1, p. 339. 105
Figura 17: Proposta de produção de artigo de opinião, volume 1, p.400 106
Figura 18: Atividade O editorial 110
Figura 19: Imagens ilustrativas da atividade O editorial 112
Figura 20: Questões 1, 2 e 3 – O editorial, volume 2, p.437-438 113
Figura 21: Questões 4, 5, 6, e 7 – O editorial, volume 2, p.438 114
Figura 22: Questões 8 e 9 – O editorial, volume 2, p. 438 115
Figura 23: Planejando e produzindo o editorial – volume 2, p. 440. 117
Figura 24: Proposta de produção do editorial, volume 2, p. 440 118
Figura 25: Atividade A carta de leitor 122
Figura 26: Questões 1, 2 e 3 – A carta de leitor, volume 3, p.174 124
Figura 27: Questões 4, 5, e 6 – A carta de leitor, volume 3, p.174 125
Figura 28: O artigo de opinião em PL 136
Figura 29: Artigo original – Cotas: o justo e o injusto 137
Figura 30: Missão da Revista Veja 138
Figura 31: Perfil do leitor da Revista Veja 139
Figura 32: Página A4 do Jornal O Estado de S. Paulo, de 22 jan. 2008 141
Figura 33: Página da internet, texto Sistema de cotas raciais na UFSC é suspenso 146
Figura 34: O editorial em PL 155
Figura 35: Página A2 do jornal Folha de S. Paulo, 11 maio 2008 156
Figura 36: Cabeçalho dos editoriais, jornal Folha de S. Paulo, 11 maio 2008, p. A2 157
Figura 37: Trecho da primeira página, jornal Folha de S. Paulo, 10 maio 2008 158
Figura 38: Quadrante superior, Folha de S. Paulo, 10 maio 2008, p. C2 160
Figura 39: Quadrante inferior, Folha de S. Paulo, 10 maio 2008, p.C2 162
Figura 40: Editorial Propaganda a ser limitada, Folha de S. Paulo, 11 maio 2008, p. A2 165
Figura 41: A carta de leitor em PL 171
Figura 42: Página A3 do jornal Folha de S. Paulo, 31 maio 2008 171
Figura 43: Notícia de primeira página, Folha de S. Paulo, 30 maio 2008 172
Figura 44: Perfil do leitor do jornal Folha de S. Paulo 173
Figura 45: Página A15 do jornal Folha de S. Paulo, 30 maio 2008 174
Figura 46: Cabeçalho da seção Painel do Leitor, Folha de S. Paulo, 31 maio 2008, p. A3 177
Lista de abreviaturas e siglas

EM – Ensino médio
ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio
LD – Livro didático
LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
LDP – Livro didático de português
MEC – Ministério da educação
OCEM – Orientações Curriculares para o Ensino Médio
PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais
PCNEM – Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio
PCN+EM – PCN+Ensino Médio: Orientações Curriculares Educacionais Complementares aos PCN
PL – Português: Linguagens
PEMI – Programa Ensino Médio Inovador
PNLD – Plano Nacional do Livro Didático
PNLEM – Plano Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio
SAEB – Sistema de Avaliação da Educação Básica
INTRODUÇÃO

As questões em torno da linguagem no âmbito escolar, especialmente, as


relacionadas ao ensino de língua portuguesa, receberam novas recomendações a partir da
inserção dos Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998), sendo muito discutidas nos
documentos oficiais subsequentes. No ensino médio, três documentos de diretrizes sobre o
ensino de língua portuguesa marcam as nossas propostas – os Parâmetros Curriculares
Nacionais do Ensino Médio (PCNEM), os PCN+Ensino Médio: Orientações Educacionais
complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais, (PCN+EM) e as Orientações
curriculares para o Ensino Médio (OCEM) – e um se refere ao processo de avaliação dos
materiais didáticos – o Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio (PNLEM)1.

Os parâmetros oficiais e o programa nacional de avaliação de livros didáticos


propõem que o ensino da língua portuguesa deva considerar os diferentes gêneros do
discurso, para focalizar a dimensão discursiva da linguagem, ou seja, a linguagem, fruto das
mais variadas situações de interação humana, produzida nas diferentes práticas sociais de
que os sujeitos participam diariamente. Após a formulação dos PCN (BRASIL, 1998) e dos
PCNEM (BRASIL, 1999), o conceito de gênero foi adotado massivamente no país como uma
“fórmula mágica” capaz de resolver diferentes problemas de aprendizagem relacionados à
leitura e à produção de textos, na Educação Básica, sendo o que Faraco (2009) aponta como
uma “apropriação pedagógica epidêmica” do conceito bakhtiniano.

Na década de 1990, a promulgação da Lei 9.394/96 (BRASIL, 1996) e a participação


efetiva do Ministério da Educação (MEC) na avaliação dos livros didáticos contribuíram para
que a nova proposta de ensino de língua portuguesa fosse inserida na escola, ocasionando a
reformulação dos manuais didáticos segundo as novas diretrizes. O conceito de gênero,
portanto, passou a ser predominante também nos livros didáticos de português.

1
Cf. PCNEM, BRASIL, 1999; PCN+EM, BRASIL, 2002; OCEM, BRASIL, 2006; PNLEM, BRASIL, 2008.
15

Para apontar as consequências dessas coerções nas práticas de leitura e produção


escrita desenvolvidas em nossas escolas, no início da década atual, algumas pesquisas em
torno de livros didáticos de português2 discutiram as recomendações dos documentos
oficiais, bem como os objetivos dos programas nacionais de avaliação de livros didáticos,
comparando as abordagens com os resultados de avaliações e exames como o Sistema de
Avaliação da Educação Básica (SAEB) e o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM).

Os resultados de Rojo (2003), por exemplo, ao traçar o perfil dos livros didáticos de
português de 5ª a 8ª séries3 do ensino fundamental, considerando a proposta dos PCN e as
normatizações do Plano Nacional do Livro Didático (PNLD), demonstram que, de um modo
geral, autores e editores passaram a selecionar textos mais diversificados, representativos e
adequados para compor os livros didáticos. A autora afirmou, contudo, que, embora exista
uma boa avaliação em relação à seleção do material textual, os manuais didáticos ainda são
precários em relação aos aspectos discursivos e às diversificadas linguagens sociais.

No ensino médio (EM), Mendonça e Bunzen (2006) constataram nas atividades de


leitura e produção escrita em livros didáticos que, mesmo havendo a tentativa de
incorporar, no cotidiano escolar, diferentes práticas sociais, predomina o artificialismo
nessas propostas, visto que os textos são descontextualizados, as questões formuladas
permitem respostas restritas e as produções de texto visam à reprodução de modelos
limitados com relação à sua relevância sociocomunicativa.

Ao relacionarmos o contexto atual com o espaço histórico no qual se desenvolveu a


educação básica no Brasil, o ensino médio sempre perpassou por uma política de
improvisação desde a democratização do ensino a partir da década de 1960. Em uma escola
pensada para as elites, o EM foi sendo ocupado pelas classes populares sem o planejamento
adequado, com a finalidade de atender profissionalmente aos objetivos da expansão
industrial do período ditatorial4. O ensino de língua portuguesa, por sua vez, foi direcionado
às imposições do vestibular e como forma de conquistar uma das acirradas vagas nas
universidades, a produção da redação foi instaurada, acreditando que essa medida supriria
as necessidades de uma melhor formação dos alunos na modalidade escrita.

2
Cf. ROJO, 2003; ROJO e BATISTA, 2003; BATISTA, 2003; JURADO e ROJO, 2006; MENDONÇA e BUNZEN JR., 2006; BUNZEN
JR., 2005, 2007, 2009.
3
Atualmente, de acordo com o ensino fundamental de nove anos, leia-se de 6º ao 9º ano.
4
Cf. JURADO, 2003.
16

Considerando o afastamento dos aspectos discursivos e das práticas sociais nas


atividades de livros didáticos de português, conforme as pesquisas apontaram, e o
tratamento histórico dado ao ensino de língua portuguesa no ensino médio, perguntamos: o
que os livros didáticos de português propõem no final da primeira década do século XXI,
após todas as transformações ocorridas? Como se ensina língua portuguesa, na atualidade,
utilizando a proposta de um livro didático de ensino médio?

Para responder a essas questões, selecionamos uma das coleções didáticas mais
utilizadas nas escolas brasileiras, com o objetivo de enxergar o ensino de língua portuguesa
na atualidade. Para a seleção da coleção, consideramos a utilização de um autor que ao
mesmo tempo é referência em pesquisa e objeto de análise, ou seja, pesquisador e autor de
livro didático. Selecionar uma coleção produzida por um pesquisador pode esclarecer como
as teorias linguísticas utilizadas na proposta didática estão chegando às escolas brasileiras, o
que nos permite entender se o que se propõe teoricamente equivale ao que é proposto na
prática.

A coleção escolhida é Português: Linguagens (Ensino Médio, 6ª edição, 2008)5, escrita


e elaborada por William Roberto Cereja em coautoria com Thereza Cochar Magalhães. A
notoriedade dessa obra didática se deve, entre outros aspectos, pelo renome alcançado por
seus autores. Thereza Cochar Magalhães é mestra em estudos literários pela UNESP-
Araraquara/SP e foi professora da rede pública de São Paulo. Cereja, detentor de grande
popularidade, provavelmente pelo prestígio das pesquisas científicas por ele desenvolvidas e
orientadas por grandes pesquisadores brasileiros, é mestre em Teoria Literária e Literatura
Comparada pela USP, tendo como orientador o Prof. Dr. Davi Arrigucci Júnior, e doutor em
Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem, pela PUC/SP, sob a orientação da Prof.ª Dr.ª
Elisabeth Brait. Além disso, atuou por mais de dez anos na rede particular de ensino do
Estado de São Paulo (Colégio Arquidiocesano de São Paulo).

Atualmente, os autores produzem, além de diferentes coleções de livros didáticos de


ensino fundamental e médio para o ensino de língua portuguesa, diferentes gramáticas
pedagógicas. Segundo Bunzen Jr. (2005), tal parceria surgiu com a expansão da Editora Atual

5
De acordo com o catálogo do PNLEM 2009 (BRASIL, 2008), disponível no site <www.fnde.gov.br>, notamos a utilização de
duas edições da coleção selecionada: a 5ª edição, que está sendo utilizada pela escola pública até 2011, e a 6ª edição, que
estava disponível na rede particular a partir de 2009. Tal constatação possibilitou uma reflexão no capítulo de análise sobre
algumas diferenças entre as edições da coleção, optando-se pela edição mais atualizada, já que não analisaremos a coleção
segundo os critérios do PNLEM.
17

(meados dos anos 80) que convidou alguns professores, que trabalhavam com
revisão/leitura crítica de exemplares de outros autores, para desenvolverem propostas
didáticas para o EM, em uma espécie de “concurso”. Nesse contexto, Cereja e Magalhães
foram apresentados e formaram essa parceria que já dura mais de dez anos no mercado
editorial. Com a crescente utilização dos materiais desenvolvidos pela dupla de autores,
ambos deixaram de lecionar para dedicarem-se somente à produção de seus livros didáticos.

Devido à notoriedade alcançada pela dupla, a coleção Português: Linguagens (PL),


voltada para ensino fundamental, é líder de vendas no segmento de 6º ao 9º ano, tendo três
milhões de exemplares vendidos, segundo informação de seu site oficial6. Com relação ao
ensino médio, a editora não divulgou números atuais, mas segundo reportagem online
publicada na Revista Época (MAIOR, 2008), para este segmento de ensino, os autores
venderam 1,6 milhão de exemplares, sendo a obra mais adotada na última avaliação do
PNLEM (BRASIL, 2008).

Dentro de uma das coleções mais conceituadas da atualidade, produzida por um


grande intelectual e pesquisador em parceria com uma professora de português, olharemos
o ensino de língua portuguesa e a sua relação com a concepção de gênero do discurso, de
acordo com as circunstâncias atuais apontadas pelos documentos oficiais do ensino médio
(PCNEM, PCN+ EM, OCEM) e pelo programa de avaliação de livros didáticos desse segmento
de ensino (PNLEM).

Para delimitar o tema de pesquisa, escolhemos a produção de textos escritos, pois,


em PL, cada atividade relacionada à escrita enfoca um gênero. Partindo dessa organização,
constatamos a existência de 36 atividades didáticas destinadas à produção de texto. Desse
conjunto, identificamos catorze atividades como foco na argumentação, sendo que sete
delas envolvem a escrita de textos jornalísticos. Considerando a preferência dos autores por
textos argumentativos da esfera jornalística, selecionamos uma atividade de cada volume
para compor o corpus de análise, totalizando três: O artigo de opinião (capítulo 5, volume 1),
O editorial (capítulo 9, volume 2) e A carta de leitor (capítulo 2, volume 3).

O nosso objetivo é mostrar, dentro de uma obra didática de referência nacional,


como se ensina a produzir textos argumentativos escritos e, adotando como ponto de

6
Cf. <http://pl.atualeditora.com.br>.
18

partida a análise do corpus, propor uma possibilidade de encaminhamento teórico-


metodológico para o ensino da escrita argumentativa, em uma perspectiva enunciativo-
discursiva. Para isso, elaboramos as seguintes questões de pesquisa:

1. A partir da seleção de textos, qual o encaminhamento linguístico-discursivo


oferecido pelos autores para levar o aluno à produção de textos argumentativos?

2. Como os autores organizam a proposta de produção escrita de textos


argumentativos?

Para responder às questões apontadas, temos os seguintes objetivos específicos:

1. Analisar, no conjunto das atividades didáticas, o encaminhamento linguístico-


discursivo oferecido pela coleção nas atividades de produção escrita de textos
argumentativos.

2. Comparar a proposta prescrita pelo manual do professor e a proposta


concretizada nas atividades didáticas de produção escrita de textos
argumentativos.

A coleção Português: Linguagens, organizada em três volumes, abrange seis edições


publicadas respectivamente na seguinte sequência: 1990, 1994, 1999, 2004, 2005, 2008. Há
uma versão em volume único com duas edições, cujas datas são 2003 e 2005, nessa ordem.
Embora essa obra esteja inserida em uma longa tradição, servindo também como referência
na formação de professores, a maioria das pesquisas analisou a coleção destinada ao ensino
fundamental7.

Esta pesquisa se justifica, portanto, por mostrar como, hoje em dia, essa coletânea,
utilizada por duas décadas, ensina a produzir textos argumentativos escritos no EM e, pelo
fato de, no diálogo travado com nosso objeto, sugerirmos um encaminhamento didático
para o ensino da escrita, em uma perspectiva dialógica.

Para atingir os objetivos propostos, nossa pesquisa está pautada nos conceitos de
interação, de enunciado concreto e de gênero do discurso, conforme as concepções teórico-
metodológicas de Bakhtin e o Círculo. Esse enfoque exige que seja esmiuçada a

7
As pesquisas de Reinaldo (2001), Neto (2001) e Bunzen Jr. (2009) focaram a coleção Português: Linguagens do ensino
fundamental; já as pesquisas de Pinheiro (2006) e Cunha (2006) analisaram o ensino de literatura na coleção do ensino
médio; somente Bunzen Jr. (2005) centralizou sua investigação na análise da produção de textos na coletânea do ensino
médio.
19

materialidade das atividades de produção escrita que compõem o corpus, associando-as ao


contexto social e histórico que as concebem. Tal posicionamento teórico encaminhou a
organização da dissertação em quatro capítulos.

No primeiro capítulo, Panorama brasileiro do ensino de produção de textos no ensino


médio: os paradigmas de ensino e o livro didático de português, mapeamos a trajetória
histórica do ensino da produção de textos e da utilização de livros didáticos no Brasil,
delimitando o período da metade do século XIX à atualidade, com o objetivo de identificar os
paradigmas de ensino instaurados e as coerções oficiais que incitaram (e incitam) as
metodologias e tradições/inovações didático-pedagógicas a serem seguidas.

O segundo capítulo, Ensino de produção escrita de textos argumentativos, foi dividido


em três momentos que se complementam. O primeiro recupera as vozes da retórica
aristotélica e da Nova Retórica, com o objetivo de explicar diferentes aspectos teóricos em
torno do conceito de argumentação, resgatando a sua tradição no ensino de produção
escrita. O segundo contempla os conceitos bakhtinianos de interação, enunciado e gênero
do discurso, discutindo a articulação dessa concepção por meio do trabalho de diferentes
intelectuais do Círculo, para embasar possibilidades didáticas para o ensino da produção
escrita argumentativa. E, por fim, considerando a importância do ensino dos recursos
linguístico-discursivos para a apropriação das práticas sociais de escrita argumentativa,
refletimos sobre organização da proposta didática a partir das vozes convocadas.
Procuramos esclarecer a importância da materialidade verbal, visual ou verbo-visual dos
enunciados, no resgate dessas vozes e dos sentidos construídos, o que possibilitou que os
recursos linguístico-discursivos do texto escrito argumentativos sejam estudados na
totalidade do enunciado.

No terceiro capítulo, A escrita argumentativa em Português: Linguagens, organizado


em quatro seções, primeiramente, mapeamos diferentes análises que nosso objeto de
estudo suscitou, apontando a ênfase dada à análise da coleção do ensino fundamental. Em
segundo lugar, apresentamos uma apreciação comparativa das duas últimas edições de PL,
descrevendo as capas e, quantitativamente, as atividades que compõem cada volume, para
sumarizar os objetos de ensino privilegiados no eixo didático produção de textos. Após essa
discussão, analisamos o manual do professor para identificar as concepções teóricas que
embasam a proposta de produção de textos da coletânea, o que permitiu identificar o
20

aspecto da escrita que recebeu maior enfoque. E, finalmente, analisamos as atividades


didáticas que constituem o corpus, quanto ao seu projeto gráfico, às questões propostas,
dialogando com as outras atividades que compõem cada volume.

Em Um olhar dialógico para o ensino da escrita argumentativa, quarto capítulo,


apresentamos uma possibilidade de encaminhamento teórico-metodológico para a
apropriação das práticas sociais de escrita argumentativa, adotando a análise de PL como
norteador dessa sugestão didática.

Nas Considerações finais, destacamos algumas conclusões em torno dos aspectos


apontados pela análise das atividades, que permitiram caracterizar como está organizado o
ensino de produção de textos argumentativos na coleção Português: Linguagens, dialogando
com os possíveis encaminhamentos didáticos sugeridos para o ensino da escrita
argumentativa.
21

CAPÍTULO 1
Panorama brasileiro do ensino de produção de textos no ensino
médio: os paradigmas de ensino e o livro didático de português

A proposição de um redimensionamento de qualquer proposta


curricular pode ser entendida como reflexo de uma série de fatores que o
currículo recebe do contexto sócio-histórico que o absorve (ou o atualiza),
ou seja, reflete-se aí um movimento que procura responder a uma
necessidade engendrada pelas demandas sociais, históricas, culturais e
políticas de uma comunidade ou de uma sociedade.
Orientações curriculares para o ensino médio – OCEM

O nosso objetivo, neste capítulo, é resgatar os principais paradigmas de ensino


adotados ao longo da história do ensino de língua portuguesa, no que concerne à produção
de textos. Para isso, focamos o contexto educacional brasileiro de 1850 até o início do século
XXI, dividindo o capítulo em quatro partes. A primeira relata a tradição dos gêneros poéticos
e retóricos, instaurada no século XIX e fortalecida entre os anos de 1850 a 1950. A segunda
parte enfatiza como as tipologias textuais, entre as décadas de 1960 e 1980, passaram a
integrar o currículo de língua portuguesa. A terceira, por sua vez, esclarece como o contexto
educacional passou a convocar os conceitos de gênero do discurso e gênero textual para
organizar a proposta oficial de língua portuguesa. E, por fim, a última parte discute o
Programa Ensino Médio Inovador e as novas coerções oficiais que objetivam dar unicidade a
esse segmento da Educação Básica, refletindo sobre as suas relações com o conceito de
gênero do discurso na acepção bakhtiniana.

A partir dos trabalhos de alguns autores8, pretendemos retomar as principais


situações históricas relacionadas ao ensino médio e suas relações com o currículo de língua
portuguesa e com a produção do livro didático de português (LDP), buscando compreender
por que o ensino de língua materna convocou o conceito de gênero do discurso ou de texto
para compor o currículo oficial, no qual o livro didático (LD), por sua normatização histórica,
ganha status de organizador do processo didático-pedagógico da escola.

8
Cf. BUNZEN JR., 2005; BEZERRA, 2005; CEREJA, 2005; JURADO, 2003; RAZZINI, 1992, 2000; ROJO, 2006, 2008.
22

1.1 De 1850 a 1950: os gêneros poéticos e retóricos

No final do século XIX e início do século XX, o ensino de língua portuguesa era
baseado no modelo clássico que propunha ao indivíduo práticas de leitura e produção de
textos pelo exercício da tradução, da imitação e da composição, por meio das antologias de
textos literários. Essa tradição foi instaurada desde 1830 e, segundo Razzini (2000), a fusão
entre as disciplinas retórica, poética e gramática em único componente curricular ocorreu
paulatinamente, dialogando com a ordem de estudos herdada da formação clássica, na qual
o estudo da gramática nacional era ligado ao estudo da gramática latina e o ensino de
literatura nacional (portuguesa e brasileira) unia-se ao estudo da retórica e da poética
clássicas “dividida por gêneros” (RAZZINI, 2000, p. 238, negrito nosso).

Razzini (2000) aponta que a ascensão da disciplina português, no Colégio Pedro II,
ocorreu somente quando o exame de língua portuguesa foi incluído nos Exames
Preparatórios, ou seja, nas provas realizadas para a seleção de alunos para os cursos
superiores (faculdades de direito, faculdades de medicina, escola politécnica, escola de
minas, etc.). A autora esclarece que os Exames Preparatórios vigoraram de 1808, a partir do
surgimento dos primeiros cursos superiores no Brasil, até 1911, quando se instituiu o Exame
Vestibular, oficializado pelo decreto 11.530 de 18 de março de 1915. Cada curso superior era
responsável pela elaboração dos conteúdos de suas avaliações até a criação das Bancas de
Exames Preparatórios, em 1854, tomando por base o currículo do Colégio Pedro II,
considerado oficial. Somente os egressos do Colégio Pedro II não precisavam prestar esses
exames, pois seu diploma de Bacharel em Letras dava direito ao ingresso em qualquer
faculdade do Império. A conclusão do ensino secundário não era obrigatória até 1931, com
isso as escolas secundárias cumpriam a função de treinar os candidatos para os exames.

No que tange ao ensino de português, a escola que determinava o currículo oficial, o


Colégio Pedro II, focava o estudo da gramática e, aos poucos, foi acrescentando as práticas e
conteúdos das aulas de retórica.

Primeiro vieram a leitura literária e a recitação (1855), para auxiliar o ensino de


língua que, no entanto, continuava a não ultrapassar o primeiro ano. Depois da
ascensão do português nos exames preparatórios (responsável pela ampliação da
carga horária), entraram no currículo de português a redação e a composição
(1870) e, depois da queda da retórica e poética, ainda veio a gramática histórica
(1890) (RAZZINI, 2000, p. 238)
23

Os currículos de retórica, poética e literatura nacional, tomados como base para o


ensino de português, ofereciam exemplos dos principais escritores, oradores e poetas,
gregos, latinos e portugueses. A proposta dos exercícios de composição era escrever
adequadamente textos, a partir de figuras ou títulos dados, baseando-se em modelos
apresentados pelo professor, considerando os textos literários como modelos para o bem
falar e bem escrever. O objetivo dessa tarefa era atingir a composição livre, pois visava o
ingresso dos alunos nos cursos superiores, por meio da aprovação nos preparatórios.

Em 1869, a fusão das disciplinas pouco acrescentou à organização curricular,


entretanto, o estudo da gramática era o ponto de partida para o ensino da língua, no qual os
gêneros literários eram predominantes nos exercícios de uso. Quinze anos mais tarde, a
redação, pelo exercício da composição, em outros gêneros (retóricos deliberativos e
demonstrativos) é inserida no conteúdo de português.

Entre os conteúdos privilegiados pelo currículo do Colégio Pedro II descritos por


Razzini (2000), destacamos alguns presentes após a unificação das disciplinas retórica,
poética e literatura nacional: “gramática, análise lógica e gramatical”; “exercícios de leitura,
recitação e ortografia”; “lexicologia e sintaxe”; “análise lógica e etimológica”; “leitura (prosa
e verso) de autores clássicos”; “composições”, “retórica e poética, leitura e apreciação
literária dos clássicos; “redação verbal e escrita”; “retórica, poética, estilo e composição
oratória”; “poesia, metrificação”; composição de narrações, descrições, cartas e discursos”;
“retórica, poética e literatura nacional: estilo, teoria e histórico dos diferentes gêneros de
prosa e de poesia”; “gramática expositiva”, “gramática histórica”; (RAZZINI, 2000, p. 251-
267). Essas unidades de ensino marcam que a concepção da poética e da retórica aristotélica
integrava a organização curricular para o ensino de português.

Razzini (2000) ressalta que a Proclamação da República fortaleceu a ideia de


implantação de uma cultura nacional na escola brasileira, passando para o ensino de
português e de literatura o papel de representar a pátria. Em 1895, ocorre a publicação da
Antologia Nacional, oficialmente adotada no ensino de português do Colégio Pedro II, cujos
programas e compêndios tornaram-se referências para outras escolas secundárias. A
Antologia Nacional era composta por textos de autores brasileiros e portugueses,
organizados por períodos históricos, dispostos em ordem cronológica decrescente, do século
XIX ao XVI.
24

Jurado (2003) aponta que, nesse período, houve uma tentativa de buscar a
especificidade dos anos finais do ensino secundário, centrando as reformas desse momento
em dois aspectos: as finalidades do ensino secundário e o currículo a ser desenvolvido.
Desde o final do século XIX, segundo a autora, o caráter dualista adquirido historicamente
pelo governo brasileiro propunha a extensão do ensino a toda sociedade: alfabetizando as
massas e oferecendo uma extensão da escola elementar para aqueles que ingressariam nas
universidades. Na primeira metade do século XX, Jurado (2003) lista diferentes reformas,
entre as quais citamos a Reforma Epitácio Pessoa de 1911, cujo objetivo foi simplificar o
currículo e uniformizar o ensino secundário em todo o país, por meio da imposição do
currículo, de acordo com o Colégio Pedro II.

O ensino de português no período secundário, a partir dos estudos da Antologia


Nacional, permaneceu contemplando atividades de leitura, recitação, estudo do vocabulário,
gramática normativa, gramática histórica, exercícios ortográficos, formação das palavras,
produção de composições e tudo necessário para o estudo da norma culta vigente, de
acordo com as exigências dos exames preparatórios (RAZZINI, 2000).

Ensinar português nesse período era transmitir para a classe mais abastada as regras
gramaticais de uma variante linguística de prestígio. Isso se deve, segundo Razzini (2000),
porque, após a Independência do Brasil, a estrutura econômica, social e política do Antigo
Regime foi mantida, sendo dissimulada pela adoção dos modelos culturais europeus,
sobretudo, franceses e ingleses, o que dava distinção à elite emergente. A manutenção de
uma sociedade escravista e agrária ratificou o desenvolvimento de uma elite autoritária,
cujo acesso à cultura europeia legitimava o poder da classe dominante e excluía a maior
parte da população, segregada na pobreza e no analfabetismo (RAZZINI, 2000).

[...] no Brasil, enquanto mais de 70% da população permaneceu analfabeta


(inclusive até a década de 1950), uma pequena elite se preparava às pressas no
curso secundário para enfrentar os exames preparatórios para os poucos cursos
superiores existentes.
A não-obrigatoriedade da conclusão do curso secundário (até 1931) e a falta de
seriedade dos preparatórios, suscetíveis a fraudes e ao clientelismo, prejudicaram a
formação dos alunos e restringiram o currículo da escola secundária às exigências
dos exames preparatórios. (RAZZINI, 2000, p. 237)

Segundo Bezerra (2005), o professor também pertencia à classe mais abastada e,


desse modo, era representante da variante de prestígio, não dependendo de atividades
25

didáticas prontas para ministrar suas aulas, pois ele mesmo as preparava, utilizando as
antologias de textos literários.

As reformas educacionais da primeira metade do século XX, segundo Jurado (2003),


pouco influenciaram no currículo do ensino secundário, a não ser pela constante imposição
de um estudo voltado à preparação para o exame vestibular, nos últimos anos de
escolarização. Com relação ao currículo de língua portuguesa, notamos que os gêneros, na
tradição da poética e da retórica aristotélica, permaneciam entre os conteúdos ministrados,
sendo, contudo, centrada nos gêneros literários, como modelos para a aquisição da norma
padrão.

Essa tradição permaneceu no ensino de língua portuguesa até meados dos anos 50
do século XX, reforçando a longevidade do modelo clássico e beletrista no ensino de língua
materna, a partir dos modelos literários. Razzini (2000) expõe que a Antologia Nacional,
além de instruir o “bem falar” e “bem escrever”, foi propagadora dos conhecimentos da
literatura brasileira. A crença no modelo beletrista impediu a entrada de autores
modernistas nas antologias até meados da década de 1960.

Apenas em 1942, a Reforma Gustavo Capanema estabeleceu a obrigatoriedade dos


conhecimentos de literatura nacional nos exames vestibulares. Além disso, essa reforma
instituiu as primeiras leis orgânicas para o ensino secundário, com o objetivo de conferir um
método para o segmento, por meio da seriação, dando uma caracterização específica aos
objetivos de ensino. O ginasial passou de cinco para quatro anos e o colegial de dois para
três anos, sendo instituídas duas modalidades: o curso clássico e o científico. Paralelamente,
no entanto, aparecem os cursos para formação profissional (JURADO, 2003).

Segundo Jurado (2003), a falta de fiscalização do governo impediu o cumprimento


das novas medidas propostas. Aliado a esse fator, entretanto, a autora apontou para o
aumento do número de matrículas no ensino secundário depois dessa reforma. Sem
qualquer planejamento, nessa década, portanto, o colegial se instituiu no período noturno,
com o objetivo de formar o trabalhador, durante o Governo Vargas, impedindo a elaboração
de uma proposta pedagógica unitária para a continuidade do ensino ginasial.

Após a década de 1960, o ensino de língua portuguesa se libertou do modelo clássico,


passando da intensa leitura dos clássicos e da composição, partindo de modelos literários,
26

para a leitura e redação de diferentes textos. A democratização do ensino, porém, revelou a


insuficiência do número de vagas e de professores nas escolas públicas brasileiras,
conduzindo para a reformulação do ensino secundário sem o planejamento adequado,
introduzindo uma política emergencial para o cumprimento dos objetivos do Estado.

1.2 De 1960 a 1980: as tipologias textuais

A situação educacional brasileira passou por um período de intensa transformação a


partir da década de 1960, quando se consolidou o processo de democratização do ensino.
Em 1964, o golpe militar colocou o país em uma nova condição sociopolítica. Essa mudança
não foi apenas uma reforma educacional, mas foi a busca de um novo modelo econômico,
que objetivava o desenvolvimento do capitalismo, por meio da industrialização do país. A
proposta educacional, desse modo, tornou-se condizente com a perspectiva do Governo
Ditatorial, pois atribuiu à escola o dever de fornecer os recursos humanos necessários para a
realização da pretendida expansão industrial.

Desde o Governo Vargas, a partir de 1930, a escola começou a receber diferentes


camadas sociais e, automaticamente, diferentes níveis de letramento. A intensa procura por
vagas levou o poder público a instalar classes noturnas, no final da década de 1940. Na
década seguinte, sem os recursos financeiros necessários para atender a demanda, o
governo insere, nas escolas primárias, as classes abertas no período noturno. Jurado (2003)
expõe que os alunos do ginasial e colegial não podiam acessar todas as dependências das
escolas, como bibliotecas ou áreas de recreação, construindo um preconceito, sobretudo,
relacionado ao perfil da clientela: trabalhadores e estudantes de faixa etária superior e de
classes sociais desfavorecidas.

Para cumprir os objetivos do Estado, portanto, era necessário rever a escolarização


oferecida, procurando alinhar a escola ao mercado de trabalho. Em língua portuguesa, as
atividades de leitura e produção escrita passaram a enfocar outros textos, além dos
literários. Os conteúdos que abordavam a Teoria da Comunicação começam a ser
privilegiados, ensinando-se os elementos da comunicação e as funções da linguagem. Para
Bezerra (2005), a língua começou a ser vista como código, pelo qual, os emissores podem se
comunicar e expressar para diferentes receptores, por meio de diferentes funções.
27

A Reforma de 1961 deliberou a Lei nº. 4.024, pela qual a denominação ensino médio
passou a designar o ensino secundário e o ensino técnico-profissional, instituindo-se a
equivalência entre os dois tipos para fins de ingresso no ensino superior (JURADO, 2003).
Somente em 1971, contudo, a promulgação de uma nova Lei de Diretrizes e Bases do Ensino
de 1º e 2º graus, de 1971, a Lei nº. 5.692 (BRASIL, 1971), instituíram-se importantes
modificações na estrutura educacional. As disciplinas Comunicação e Expressão, no primeiro
grau, e Língua Portuguesa e Literatura Brasileira, no segundo grau, são fundadas para o
ensino de português.

Segundo as novas diretrizes, a obrigatoriedade escolar oferecida pelo Estado, que


fundiu os cursos primário e ginasial, é instituída em oito anos. Foi proposta, também, a
unificação do ensino médio, por meio da imposição de seu caráter profissionalizante, que
propunha um currículo organizado a partir de uma educação geral e outra diversificada,
contemplando a sua formação profissional. Passa a ser da escola, a obrigatoriedade de
fornecer a formação de recursos humanos necessários para atender à demanda de um
sistema econômico que se expandia e modernizava rapidamente, objetivos esses do governo
ditatorial, para se consolidar no sistema capitalista internacional. Jurado (2003) afirma que
essa “articulação” na realidade não alcançava nem o ensino propedêutico, nem o ensino
profissionalizante, pois o objetivo era, na verdade, controlar a procura pelo ensino superior
e não a qualificação no ensino de nível médio.

Em 1975, através do Parecer n.º 76/1975, foi restabelecida a modalidade de


educação geral, favorecendo as elites, que continuaram recebendo uma formação de caráter
propedêutico, enquanto as camadas populares uma “formação” profissional (JURADO,
2003). O fracasso do Ensino Médio obrigatoriamente profissionalizante levou à revogação da
profissionalização através da Lei 7.044 de 1982, que também ampliou o grau de liberdade
concedida aos diversos sistemas e aos estabelecimentos de ensino para a escolha de
modalidades de EM oferecidas.

Com o aumento do número de alunos, houve, consequentemente, a necessidade de


aumentar o número de professores, que já não pertenciam à elite, e, por isso, não detinham
uma formação ampla e conhecimentos avançados da língua. Os livros didáticos, por sua vez,
para suprir as necessidades de uma formação humanística desse novo professor, deixam de
ser antologias de textos, trazendo também lições de gramática e exercícios prontos,
28

considerando a perspectiva da Teoria da Comunicação no ensino de diferentes linguagens,


com o objetivo de inserir textos dos chamados diferentes códigos (verbal e não-verbal). Na
década de 1970, os autores de LD passaram a ser os responsáveis pela preparação das aulas,
atribuindo ao LD a responsabilidade de ser, ao mesmo tempo, o portador dos conteúdos da
disciplina e o organizador da aula (BEZERRA, 2005).

Segundo o pesquisador Cereja (2005), o papel central assumido pelo LD no universo


da escola durante a democratização do ensino, apesar de facilitar o trabalho de um
professor mal preparado, diminuiu sua responsabilidade na seleção dos objetos de ensino,
subtraindo sua identidade e autonomia no processo de ensino e aprendizagem. O
pesquisador afirmou que o magistério sofreu um sucateamento, pois a descaracterização do
grupo como categoria profissional permitiu a contratação de professores sem levar em conta
a sua formação, o que desencadeou baixos salários, a elevação da carga horária e, por conta
disso, desprestígio social.

Nesse contexto, Bunzen Jr. (2009) ressalta que, no final da década de 1980, emerge
no meio acadêmico o discurso contra a utilização dos livros didáticos, considerando-os com
os verdadeiros representantes do chamado ensino tradicional de língua materna. O autor
ressalta que há, automaticamente, a criação de uma representação de que o bom professor
é aquele que não utilizava o livro didático em suas aulas.

Considerando que o final dos anos 1980 encontrava-se marcado pela crítica
acadêmica às propostas dos livros didáticos de língua materna, em São Paulo, as diretrizes
oficiais para o ensino de português recuperaram a denominação Português para a disciplina
e a Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas de São Paulo (CENP), em 1986,
estabeleceu apenas os objetivos da área, conferindo ao professor a responsabilidade pela
elaboração da sequência e pelo detalhamento dos conteúdos por série. Se considerarmos,
entretanto, a formação dos professores no período de democratização de ensino, tal
procedimento abriu espaço para que os autores e editores de livros didáticos ocupassem o
papel principal na seleção desses conteúdos, passando a definir o currículo, cristalizar
abordagens metodológicas e quadros conceituais, organizando, assim, o cotidiano da sala de
aula (BUNZEN Jr., 2009).

Como relação especificamente à produção escrita, Rojo (2006) esclarece que a


inserção da Teoria da Comunicação nas práticas escolares converge para o surgimento das
29

tipologias de texto como objetos de ensino nas propostas curriculares. Segundo a autora, já
havia uma tentativa de tomar os textos produzidos na sociedade como objetos de reflexão,
partindo da análise de diferentes códigos e das suas funções comunicativas, todavia, a
didática de leitura e escrita foi instaurada a partir do tipo de texto: narrativo, descritivo e
dissertativo. Rojo (2006) convalida que essa postura inseriu uma renovação na perspectiva
dada à leitura e à produção de textos, pois se propunha, em um primeiro momento, ensinar
diferentes textos não somente pela decodificação ou pela memorização de modelos a serem
seguidos. Após um período, esse tratamento apresentou problemas para o ensino.

Bunzen Jr. (2005) acrescenta que as atividades de produção escrita, denominadas de


redação e não mais de composição, baseavam-se na criatividade e no vestibular9. A questão
da “criatividade do aluno” passou a ser alimentada, pois houve uma busca pela liberdade de
expressão individual, na qual a leitura servia como um estímulo para escrever e o texto
produzido era o resultado de um processo criativo proporcionado pelo método.

No final da década de 1970, porém, optou-se pela inclusão obrigatória da prova de


redação nos exames vestibulares, crendo que, dessa maneira, o mau desempenho dos
alunos na modalidade escrita seria sanado. Para Bunzen Jr. (2005), isso desencadeou uma
ênfase no ensino da redação no chamado segundo grau, com o objetivo de preparar o aluno
para o vestibular, acarretando, segundo o autor, a cristalização de um objeto de ensino: “a
redação do vestibular” (BUNZEN JR., 2005, p.65). Nesse contexto, a junção do caráter
profissionalizante ao ensino propedêutico, proposto pela da lei 5.692/71, foi também,
conforme aponta Jurado (2003), uma forma de controlar o acesso ao ensino superior, assim
como a inserção da redação nas provas para ingresso nas universidades.

A democratização do ensino permitiu o acesso de um número maior de alunos ao


ensino médio, logo, mais estudantes passaram a objetivar o ingresso no Ensino Superior. Isso
evidenciou que o número de vagas nas universidades públicas para todos os candidatos era
(e ainda é) insuficiente. Segundo o pesquisador Cereja (2005), a concorrência por uma vaga
tornou-se cada vez mais acirrada, ocasionando o surgimento dos cursos preparatórios para o

9
A instituição do exame vestibular, pelo decreto 11.530 de 1915, revogou os exames preparatórios, entretanto, sua função
continuou sendo selecionar candidatos para o ingresso nos cursos superiores. Até a década de 1960, as provas eram
dissertativas e orais e após esse período surgiram as questões de múltipla escolha.
30

vestibular, os chamados “cursinhos”10. Por isso, ensinar a escrever uma boa redação,
significava, nesse momento, oferecer mais chances ao aluno de vencer a concorrência do
vestibular.

Rojo (2006) aponta que o tratamento dado aos textos pelo viés das tipologias
textuais, intensificado pela exigência do vestibular, acabou por focalizar a forma do texto,
em fragmentos, em modelos, conferindo um estudo da gramática somente por uma
vertente normativa e prescritiva, seja na frase, seja no texto. Os textos não eram estudados,
mas sim “seus avatares: ilustrações mais aproximadas daquilo que o tipo prevê ou prediz”
(ROJO, 2006, p.55).

Para explicitar uma breve definição de tipo textual, Marcuschi (2005) aponta que a
expressão tipologia textual é utilizada para designar as sequências teoricamente definidas
pela natureza linguística de sua composição (aspectos lexicais, sintáticos, tempos verbais,
relações lógicas), subdividindo-se em algumas categorias conhecidas como: narração,
argumentação, exposição, descrição, injunção. A tipologia textual, portanto, confere ao
texto um tratamento dedicado apenas a análise de sua forma e estrutura, considerando as
funções de narrar, descrever, argumentar, expor.

Considerando os problemas existentes no tratamento dado aos textos, Rojo (2006)


aponta que, nesse momento, surgiu a necessidade da aplicabilidade de uma gramática
descritiva, que poderia contribuir para que a leitura e produção de textos, por meio da
recuperação dos sentidos construídos. A autora ressalta que, na década de 1990, o
fenômeno da globalização e o avanço tecnológico possibilitaram mudanças radicais na forma
como as pessoas interagem. A digitalização das imagens, da palavra, das linguagens foi
colocada a serviço da globalização, acarretando uma reestruturação cultural da sociedade e,
consequentemente, de seus hábitos de leitura e escrita.

Essa nova demanda (re)convoca o conceito de gênero para a escola. Segundo Rojo
(2008), os PCN (BRASIL, 1998) são introduzidos com o objetivo de favorecer um tratamento
diferenciado para o ensino de língua materna, considerando os textos como enunciação
produzida pela interação entre os sujeitos, para possibilitar aos alunos oportunidades de

10
Os cursinhos surgiram com a função de revisar todos os conteúdos do ensino médio para melhor preparar o candidato
para o vestibular. Geralmente, os cursos oferecidos têm duração de nove meses (extensivo), sete meses (turmas de maio)
ou cinco meses (semi-extensivo).
31

experimentar situações de interação com textos diferentes para interlocutores também


diferentes. As atividades de escrita passam a ser denominadas de produção textual ou
produção escrita, buscando se desligar da função meramente escolar da redação, para se
aproximar da função social, cultural e histórica dos diferentes textos produzidos, analisando
o diálogo entre linguagens e vozes na construção de sentidos, de acordo com o contexto em
que os textos se inserem. A autora questiona, desse modo, qual concepção foi adotada e de
que forma ela pode contribuir para o ensino de língua materna a partir desse momento.

1.3 A década de 1990 e início do século XXI: gênero do discurso ou gênero textual

Todas as reformas mencionadas, sobretudo, as políticas públicas adotadas durante o


período militar foram responsáveis pela configuração do quadro educacional brasileiro. No
início da década de 1980, Jurado (2003) expôs que inúmeras discussões travadas por
educadores e especialistas em educação ratificavam a necessidade de uma mudança no
sistema educacional do país. Na década de 1990, iniciaram as discussões em torno de um
projeto para uma nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), promulgada em
1996, sob o n.º 9.394.

A LDB 9.394/96 inclui o ensino médio na categoria de ensino obrigatório, o que não
garantiu o seu financiamento prioritário. Jurado (2003) assinala que essa reforma foi fruto,
não apenas das discussões travadas por educadores e estudiosos em torno do sistema
educacional, mas dos objetivos das agências internacionais financiadoras, como o Banco
Mundial. Para essas agências, a educação é definida como um dos principais determinantes
da competitividade entre os países, entendendo o processo da educação escolar como um
investimento na melhoria da qualidade de vida da população em geral, desenvolvido pela
escola, por meio da organização de um currículo definido por competências e habilidades.

De acordo com o Artigo 36 da LDB 9.394/96, o ensino de língua portuguesa deve


considerar a língua como uma ferramenta de comunicação, por meio da qual se dá o acesso
ao conhecimento, para o pleno exercício da cidadania. Segundo o pesquisador Cereja (2005),
a nova lei procurou inserir, na escola, diversificadas realidades regionais, culturais e
econômicas, evidenciando que todas as modalidades expressivas devem ser privilegiadas,
sem distinção.
32

Surgiu também, nesse momento, uma preocupação com a formação dos professores.
Para especificar a reforma educacional e orientar o professor quanto aos aspectos
específicos de sua disciplina, em 1998, o Governo Federal divulgou os Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCN) do ensino fundamental e, em 1999, o documento do ensino
médio (PCNEM).

Segundo o pesquisador Cereja (2005), a lei 9.394/96 e a instituição de parâmetros


oficiais apontaram uma maneira de buscar a produção de um conhecimento significativo
para o aluno, priorizando o intercâmbio disciplinar, objetivando participação social e
comprometimento cidadão, integrando o aluno ao mundo globalizado, entre outros
aspectos. No que concerne à produção de textos, os documentos oficializaram uma visão
enunciativo-discursiva da linguagem, na qual o ensino da língua portuguesa deve se realizar
por meio de gêneros. Assim como Rojo (2008), perguntamos, todavia, enfocando o ensino
médio, qual concepção de gênero foi convocada à didatização? Os documentos oficiais que
substituíram os PCNEM (BRASIL, 1999) – o PCN+EM (BRASIL, 2002) e as OCEM (BRASIL, 2006)
– mantiveram as mesmas concepções? O PNLEM (BRASIL, 2008) seguiu a mesma acepção
teórica? Para refletir sobre essas questões, buscamos investigar quais ecos ressoam nesses
documentos com o objetivo de entender como o ensino de língua portuguesa é construído e
reconstruído, considerando as tradições que podem ser herdadas e as inovações impostas.

No ensino médio, os PCNEM (BRASIL, 1999), ancorados pelas bases legais da LDB
9.394/96, trouxeram um novo perfil para o currículo, apoiados no desenvolvimento de
competências básicas tanto para o exercício da cidadania quanto para o desempenho de
atividades profissionais. Para isso, o documento propôs, no ensino médio,
desenvolver/aprimorar as capacidades de pesquisar e criar, em oposição ao exercício de
simples memorização.

No PCNEM (BRASIL, 1999), a proposta para o ensino de língua é exposta em nove


páginas, trazendo todos os conhecimentos de língua portuguesa que devem ser ensinados
no decorrer dos três anos do ensino médio. Devido a essa “restrição de espaço”, notamos
que os conceitos teóricos foram trabalhados de maneira superficial. No documento,
entretanto, buscou-se guiar as concepções propostas pelos princípios bakhtinianos que
concebem a linguagem como dialógica, ou seja, as relações dialógicas constituem todo texto
como enunciado, produzido em um contexto social e histórico específico, pela interação
33

entre os sujeitos da comunicação discursiva, formando um diálogo ininterrupto de textos na


construção do espaço discursivo. Para validar esse pensamento, o documento aponta
textualmente a concepção de linguagem adotada:

A língua situada no emaranhado das relações humanas, nas quais o aluno está
presente e mergulhado. Não a língua divorciada do contexto social vivido. Sendo
ela dialógica por princípio, não há como separá-la de sua própria natureza, mesmo
em situação escolar. (PCNEM, BRASIL, 1999, p.138)
O texto só existe na sociedade e é produto de uma história social e cultural, único
em cada contexto, porque marca o diálogo entre os interlocutores que o produzem
e entre os outros textos que o compõem. (PCNEM, BRASIL, 1999, p.139)
O texto é único como enunciado, mas múltiplo enquanto possibilidade aberta de
atribuição de significados, devendo, portanto, ser também objeto único de análise.
(PCNEM, BRASIL, 1999, p.140)
Os gêneros discursivos cada vez mais flexíveis no mundo moderno nos dizem sobre
a natureza social da língua. [...]
Toda e qualquer análise gramatical, estilística, textual deve considerar a dimensão
dialógica da linguagem como ponto de partida. O contexto, os interlocutores,
gêneros discursivos, recursos utilizados pelos interlocutores para afirmar o
dito/escrito, os significados sociais, a função social, os valores e o ponto de vista
determinam formas de dizer/escrever. (PCNEM, BRASIL, 1999, p.143)

O texto deixa de ser visto apenas como modelo para o bem falar e o bem escrever,
considerando a sua função social. O ensino de língua portuguesa, assim, deveria passar a
articular estratégias textualizadoras, mecanismos enunciativo-dicursivos e outros elementos
que constituem diferentes textos produzidos social e historicamente. Acreditamos, porém,
que esse encaminhamento não fica claro para o professor.

Para organizar os conhecimentos que conduzirão o ensino de língua portuguesa, são


expostas três competências a serem trabalhadas pelo professor: representação e
comunicação, investigação e compreensão e contextualização sociocultural. Ao
considerarmos, entre outras coisas, o histórico da educação brasileira, o perfil dos
professores que foi sendo delineado ao longo do tempo e a produção dos livros didáticos no
Brasil, perguntamos se os interlocutores11 desse documento estavam preparados para
interpretar essas novidades: o que é representar e comunicar, investigar e compreender e
contextualizar socioculturalmente, assumindo uma concepção dialógica de linguagem?
Provavelmente, com o intuito de elucidar alguns aspectos confusos dos PCNEM, em 2002, o
MEC publicou PCN+Ensino Médio, com o subtítulo de Orientações Educacionais

11
Nesse caso, referimo-nos especificamente aos professores.
34

Complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais.

Os PCN+EM (BRASIL, 2002) exemplificaram, a partir de situações-problema, com as


quais os alunos possivelmente se deparariam no ensino médio, como deve ser na prática o
desenvolvimento das competências e habilidades mencionadas no PCNEM (BRASIL, 1999) –
representação e comunicação, investigação e compreensão e contextualização sociocultural.
Além disso, o documento considera o texto como “concretização dos discursos proferidos
nas mais variadas situações cotidianas”, (BRASIL, 2002, p.58) e, desse modo, o ensino e
aprendizagem de uma língua o utiliza como construção efetiva para criação de competências
e habilidades específicas.

O documento convoca uma série de conceitos para organizar o ensino de português,


ao mesmo tempo em que exemplifica, para o professor, o que deve ser considerado na
organização do currículo. Com relação à competência geral representação e comunicação, os
seus respectivos conceitos são: “linguagens: verbal, não-verbal e digital”; “signo e símbolo”;
“denotação e conotação”; “gramática”; “texto”; “interlocução, significação, dialogismo”;
“protagonismo” (BRASIL, 2002, p.59-61). Entre as competências e habilidades a serem
desenvolvidas temos: “utilizar linguagem nos três níveis de competência: interativa,
gramatical e textual”; “Ler e interpretar”; “colocar-se como protagonista na produção e
recepção de texto”; “aplicar tecnologias da comunicação e da informação em situações
relevantes” (BRASIL, 2002, p. 61-62).

O pesquisador Cereja (2005) elucidou que essa seleção de conceitos relaciona


modelos teóricos diferentes. O autor mostrou que o conceito de denotação e conotação
está fundamentado em concepções estruturalistas, baseadas em Saussure, já as noções de
interlocução e dialogismo são concepções enunciativo-discursivas de base bakhtiniana. O
pesquisador esclareceu que a junção desses dois modelos teóricos revela a falta de rigor
teórico e clareza do documento, o que acarreta a falta de definição dos direcionamentos
almejados para o ensino de português no ensino médio.

No que se refere à produção de textos, o PCN+EM (BRASIL, 2002) explicita que


“pensar o ensino de Língua Portuguesa no ensino médio significa dirigir a atenção não só
para a literatura ou para a gramática, mas também para a produção de textos e a oralidade”
(BRASIL, 2002, p.70). Nesse contexto, outras observações remetem às concepções teóricas
de base bakhtiniana: “texto é um todo significativo e articulado, verbal ou não-verbal”
35

(BRASIL, 2002, p.60); “os textos ganham materialidade por meio de gêneros” (BRASIL, 2002,
p. 78); “[...] a diversidade de gêneros permite que se estabeleçam diferentes relações entre
textos” (BRASIL, 2002, p. 79).

O documento está fundamentado pela concepção dialógica da linguagem na acepção


bakhtiniana, na qual o conceito de gênero do discurso é imprescindível. A proposta, todavia,
resgata o modelo de redação, que surgiu a partir da década de 1970, baseado nas tipologias
narração, descrição e dissertação, conforme a sugestão da unidade didática “Linguagem;
tipologia textual” (BRASIL, 2002, p.72). Nos procedimentos indicados para o
desenvolvimento da competência textual, por meio da produção de textos, o documento
considera “texto dissertativo (expositivo ou argumentativo)” e “texto argumentativo”
(BRASIL, 2002, p.80) e, “de acordo com as possibilidades de cada gênero”, devem ser
empregados determinados recursos linguístico-discursivos como: “mecanismos de coesão
referencial”, “mecanismos de articulação frasal”, “emprego apropriado de tempos e modos
verbais, formas pessoais e impessoais”, “organização textual”, “citação do discurso alheio”,
“ortografia oficial do Português”, “regras de concordância verbal e nominal”. (BRASIL, 2002,
p.80-81)

Considerando a unicidade de cada texto, materializado pelas coerções de um


determinado gênero do discurso, cabe enquadrá-los na classificação tipológica? A
preocupação com os recursos linguístico-discursivos na produção de textos é de extrema
importância, pois, primeiramente, explicita para o professor o que pode ser ensinado e, em
segundo lugar, articula os conhecimentos da língua com as práticas de leitura e produção de
textos. Contudo, analisar esses recursos, considerando apenas o aspecto tipológico, não
permite a construção de sentidos, conforme a totalidade dos enunciados e suas
especificidades. O documento, embora acrescente contribuições importantes para a
organização do currículo de língua portuguesa, apresenta a combinação de conceitos
advindos de teorias diferentes, tornando o documento confuso para o professor, pois
concebem gênero do discurso e tipologia textual pela mesma definição.

Em 2006, o MEC lançou as Orientações curriculares para o ensino médio (OCEM), com
o objetivo de aprofundar e/ou compreender algumas questões, relacionadas aos PCNEM,
ainda sem esclarecimentos, oferecendo alternativas para o currículo proposto no EM.
36

As OCEM (BRASIL, 2006) propõem que o trabalho com as múltiplas linguagens e com
os gêneros discursivos possibilitem a promoção de letramentos múltiplos, ressaltando o
objetivo de buscar práticas que proporcionem uma formação humanista e crítica do aluno,
estimulando a sua reflexão sobre o mundo, sobre os indivíduos e suas histórias, para
entender a sua singularidade e identidade.

Percebemos, porém, em diferentes partes do documento a presença de termos que


remetem a abordagens distintas. Por exemplo, o termo “atividade de linguagem”, traz a voz
do pesquisador Jean-Paul Bronckart e as postulações teóricas do interacionismo
sociodiscursivo; as expressões “sequências textuais” (BRASIL, 2006, p. 22, 36, 38),
“sequências didáticas” (p.36), “agrupamento de textos” (p.36) e “capacidade de ação de
linguagem” (p.35), apontam os procedimentos de didatização conceituados pelo
denominado Grupo de Genebra, cujos pesquisadores mais conhecidos no Brasil são Bernard
Schneuwly e Joaquim Dolz. Essas expressões marcam uma concepção de linguagem pautada
no conceito de gênero textual. É recorrente a utilização dos termos “gêneros discursivos”
(BRASIL, 2006, p. 21, 28, 36) e “esfera das atividades”, “esferas de atividade humana”
(BRASIL, 2006, p. 32), o que nos remete ao conceito de gênero do discurso bakhtiniano. De
fato, todos esses autores foram inseridos nas referências bibliográficas do documento, no
entanto, são conceitos diferentes e que, por isso, conduzem trabalhos didáticos diferentes.

Os gêneros textuais, segundo Bronckart (1999), são meios sócio-historicamente


construídos para realizar objetivos comunicativos determinados, ou seja, para a realização
de uma comunicação eficiente, é fundamental o conhecimento do gênero envolvido numa
determinada prática social. Para o autor, é por meio das práticas sociais, das formas
linguísticas concretizadas nos gêneros textuais, que aprendemos a moldar a nossa
comunicação verbal, seja ela oral ou escrita.

Bronckart (1999) concebe o gênero como uma denominação convencional e histórica


para uma família de textos que apresentam similaridades, proporcionando a possibilidade
de analisar textos a partir de tipos e/ou sequências textuais utilizadas. Essa classificação
conduz a análise das similaridades para o nível textual (formas textuais e linguísticas) e para
o nível do contexto (situação de produção), cabendo a análise dos tipos de discurso, a
heterogeneidade textual, conferida pelo o uso da língua e da linguagem.
37

O ensino norteado por essa concepção de gênero textual enfoca um trabalho com a
materialidade textual. Segundo Dolz e Schneuwly (2004), o trabalho com gêneros requer a
elaboração de seu modelo didático, construído a partir da análise das características
comuns, das similaridades, de um grupo de textos. A proposta de agrupamento de gêneros
textuais tem por objetivo desenvolver nos alunos, ao longo de sua escolaridade, as
capacidades de linguagem globais: narrar, relatar, argumentar, expor e descrever ações.
Para cada agrupamento, os pesquisadores genebrinos propõem três níveis fundamentais de
operações de linguagem em funcionamento: representação do contexto social (capacidades
de ação), estruturação discursiva do texto (capacidades discursivas) e escolha das unidades
linguísticas ou textualização (capacidades linguístico-discursivas).

Nessa perspectiva, o aluno é encaminhado a produzir textos que cumpram sua


função social, tornando possível a materialização e a organização da linguagem, necessárias
para a escrita, baseando-se em um modelo elaborado a partir de um grupo de textos. Essa
concepção de gênero textual enfoca um trabalho com a materialidade textual e suas
especificidades comunicativas, considerando uma modelização didática.

A concepção bakhtiniana12, por sua vez, considera que todo enunciado se materializa
em um gênero discursivo, não se restringindo à forma de composição e aos usos da língua, já
que está intrinsecamente vinculado a diferentes esferas da atividade humana. Cada texto
será único e irrepetível, tendo seus sentidos compreendidos somente no contexto dialógico
em que se insere, de acordo com as interações estabelecidas em sua época social e histórica,
respondendo ao que já foi enunciado e suscitando novas respostas. Para o conceito de
gêneros do discurso, portanto, não cabe a ideia de modelo, mas sim uma proposta que
considere a singularidade de cada enunciado.

No documento, embora se use o termo gênero discursivo, há uma ênfase apenas na


dimensão textual: “configuração do texto em gêneros discursivos ou em sequências textuais
(narrativa, argumentativa, descritiva, injuntiva, dialogal)” (BRASIL, 2006, p.22). Considerando
esse aspecto, as OCEM (BRASIL, 2006) propõem um trabalho com a organização verbo-visual
dos textos, denominado de letramento multissemiótico:

12
No próximo capítulo, ampliaremos o conceito de gênero do discurso, segundo Bakhtin e o Círculo.
38

[...] situações de produção e leitura de textos, atualizados em diferentes suportes e


sistemas de linguagem – escrito, oral, imagético, digital, etc. – de modo que
conheça – use e compreenda – a multiplicidade de linguagens que ambientam as
práticas de letramento multissemiótico em emergência em nossa sociedade,
geradas nas (e pelas) diferentes esferas das atividades sociais – literária, científica,
publicitária, religiosa, jurídica, burocrática, cultural, política, econômica, midiática,
esportiva, etc. (OCEM, BRASIL, 2006, p.32)
[...] esse investimento deve incluir diferentes manifestações da linguagem – como a
dança, o teatro, a música, a escultura e a pintura –, bem como valorizar a
diversidade de ideias, culturas e formas de expressão. (OCEM, BRASIL, 2006, p.33)

Para validar o posicionamento exposto, as OCEM (BRASIL, 2006) apresentam análises


de diferentes textos, a título de exemplificação das concepções teóricas adotadas,
desconsiderando a materialidade original dos enunciados concretos.

FIGURA 1: Exemplo de texto proposto pelas OCEM (BRASIL, 2006, p. 39)

A composição verbo-visual do anúncio não é recuperada, marcando a ênfase dada


aos aspectos verbais. O “foco das atividades de análise”, segundo o documento, deve
considerar os eixos organizadores das atividades de “leitura”, de “produção”, de “escuta”,
de “retextualização” e de “reflexão”: “os elementos pragmáticos envolvidos nas situações de
interação”, “estratégias textualizadoras”, “mecanismos enunciativos”, “ações de escrita”
(BRASIL, 2006, p.37-39). Do modo como o texto é analisado, o visual não constrói sentido,
desconsiderando o princípio bakhtiniano de unicidade de cada enunciado concreto e sua
respectiva materialização, seja verbal, visual ou verbo-visual, conforme Brait (2009) postula
ao conceituar o verbo-visual, pelos mesmos princípios.

No que se refere aos PCN do ensino fundamental, Rojo (2008) aponta que a
apropriação do conceito de gênero do discurso de Bakhtin e o Círculo, para efeitos de
didatização, realiza um duplo movimento: desarticulação do conceito de seu espaço de
sentido original e uma rearticulação do conceito com outros já presentes na esfera escolar.
Concordamos com Rojo (2008) e acrescentamos, no caso dos documentos oficiais do ensino
39

médio, que a princípio há uma rearticulação entre o conceito de gênero do discurso e a


tradição instaurada pelas tipologias textuais e, em um segundo momento, a rearticulação se
dá pelo tratamento sinonímico dos conceitos de gênero discursivo e gênero textual.

Diferentemente do grupo genebrino, Bakhtin e o Círculo não estavam preocupados


com a didática do ensino de língua materna, mas sim com uma nova visão de língua e
linguagem que contrapunha o subjetivismo da estilística de seu tempo e a abstração do
estruturalismo e do formalismo russo, no que se refere ao estudo da língua. Transpor esses
conceitos para a esfera escolar “implica repensá-lo por inteiro” (ROJO, 2008, p. 95). A
dificuldade para validar essa transposição pode ter aproximado os conceitos de gênero de
discurso e gênero textual, já que para o gênero textual há um grupo de estudiosos dedicados
ao ensino de língua materna.

Considerando esse movimento de rearticulação conceitual instaurado a partir da


inserção dos documentos oficiais mencionados, houve também outras medidas oficiais
instituídas, como a implantação de sistemas de avaliação sistemática como o SAEB, em 1995,
o ENEM, em 1997, e a ampliação do PNLD13 para o ensino médio, com a criação do PNLEM,
em 2003.

A implantação do PNLD coincidiu com a publicação dos PCN (BRASIL, 1998). Segundo
Batista (2003), esse programa foi criado pelo MEC com a finalidade de avaliar e comprar os
LD que serão utilizados pela escola pública no ensino fundamental. O pesquisador Cereja
(2005) aponta que isso instigou uma discussão sobre a qualidade do ensino, induzindo a
maioria dos profissionais envolvidos com educação (coordenadores, professores, diretores,
autores de obras didáticas) a seguir as recomendações dos PCN (BRASIL, 1998), pois tal
procedimento passou a ser equivalente a promover um ensino moderno e qualificado,
ampliando, portanto, o destaque conferido à concepção dialógica de linguagem e, logo, ao
conceito de gênero.

13
Segundo Batista (2003), o PNLD não foi o primeiro órgão a ser criado pelo Governo Federal para legislar políticas públicas
destinadas às questões dos livros didáticos. Entre os órgãos criados, o autor citou que em 1938, criou-se CNLD (Comissão
Nacional do Livro Didático); em 1966, fundou-se o COLTED (Comissão do Livro Técnico e Livro Didático) e, em 1971, o INL
(Instituto Nacional do Livro) estabeleceu o PLIDEF (Programa do Livro Didático para o Ensino Fundamental); em 1976, o INL
foi extinto e em seu lugar foi fundado o FENAME (Fundação Nacional do Material Escolar); em 1993, o FNDE (Fundo
Nacional para o Desenvolvimento da Educação) passou a destinar recursos financeiros para a aquisição de materiais
didáticos; e, em 1996, o PNLD substituiu o PLIDEF, assumindo a responsabilidade de avaliar os materiais didáticos
produzidos a partir de então.
40

Segundo Mendonça e Bunzen (2006), o programa de avaliação de LD foi estendido ao


Ensino Médio, em 2003, adotando basicamente o mesmo objetivo. Desse modo, qual é a
relação entre a avaliação oficial de livros didáticos e as concepções propostas pelos
documentos oficiais, sobretudo pelas OCEM (BRASIL, 2006), no Ensino Médio?

O PNLEM (BRASIL, 2008), de acordo com o catálogo nacional, estabeleceu dois tipos
de critérios para a avaliação dos livros didáticos: os eliminatórios e os classificatórios. Os
eliminatórios dizem respeito aos preceitos legais e jurídicos, considerando a “correção e
adequação conceituais e correção de informações básicas”; “coerência e pertinência
metodológicas” e “preceitos éticos” (BRASIL, 2008, p.13). Os classificatórios, denominados
também de critérios de qualificação, são os relacionados à construção de uma sociedade
cidadã, que denuncie todo tipo de violência e promova de maneira positiva as minorias
sociais, abordando criticamente questões de sexo e gênero, de relações étnico-raciais e de
classes sociais.

Os critérios de qualificação explicitam diversas exigências: a descrição da estrutura da


obra, a orientação clara destinada aos professores, o fornecimento de subsídios para a
correção de atividades, a discussão e sugestão de processos avaliativos. Quanto ao projeto
gráfico, o documento ainda indica a necessidade de uma boa hierarquização dos conteúdos,
de bons critérios de legibilidade (tamanho de letras e cores), de uma boa disposição entre
textos e ilustrações, da utilização de diferentes linguagens visuais, entre outros aspectos.

Em nenhum momento são citadas as sugestões das OCEM (BRASIL, 2006), ou de


documento anterior, para a constituição do currículo do ensino médio pelos LDP.
Acreditamos que tal tarefa cabe ao professor, conforme o documento descreve nas
orientações para escolha. Nessa parte, é exposto no catálogo que o livro didático do ensino
médio tem múltiplos papéis, entre eles, deve favorecer o aprimoramento dos
conhecimentos do aluno, oferecer contribuições para a formação profissional e “oferecer
informações atualizadas de forma a apoiar a formação continuada dos professores, na
maioria das vezes, impossibilitados, pela demanda de trabalho, de atualizarem-se em sua
área específica” (BRASIL, 2008, p.19).

Tais afirmações nos conduzem para algumas questões: como o professor que,
segundo o documento, não possui tempo para atualização, deve considerar a proposta do
material didático como um meio de atualizar-se, se ele desconhece as teorias linguísticas
41

desenvolvidas mais recentemente, por não ter se atualizado? A organização curricular


proposta pelas OCEM (BRASIL, 2006) é considerada na proposta da obra didática? O
professor recebe alguma orientação para considerar a proposta oficial?

Por meio da ficha de avaliação, colocada como anexo no catálogo, os agentes


envolvidos na elaboração e produção dos livros didáticos (autores, editores, etc.) devem
considerar a construção de sentidos nos textos, fatores de textualidade, o diálogo entre
diferentes linguagens, etc. Vejamos algumas questões constantes na ficha de avaliação:

As atividades de produção textual:


[...]
g) exploram a estrutura dos tipos básicos de texto (descrição, narração, dissertação
expositiva/argumentativa)?
h) propiciam o desempenho do aluno em relação a diversos gêneros textuais da
modalidade oral?
i) propiciam o desempenho do aluno em relação a diversos gêneros textuais da
modalidade escrita? (PNLEM, BRASIL, 2008, p.130)

Na busca pela rearticulação conceitual de gênero do discurso para a esfera escolar, as


OCEM (BRASIL, 2006) enfocam sinonimicamente os conceitos de gênero do discurso e
gênero textual, o PNLEM (BRASIL, 2008), por sua vez, considera para a avaliação dos livros
didáticos, ao mesmo tempo, as acepções de tipologia textual e gênero textual, para a
construção adequada da proposta de uma obra didática. Como o professor pode organizar o
currículo? Qual é a concepção de linguagem adotada? Tais perguntas marcam para a
distinção entre os objetivos dos documentos oficiais que regem o currículo e os objetivos de
avaliação do PNLEM.

Comparando com a imposição do currículo do Colégio Pedro II no final do século XIX,


entendemos que o objetivo do PNLEM é controlar um currículo prescrito, no qual esses
conceitos aparecem como geradores de uma possível nova prática teórico-metodológica que
deve ser instaurada nas aulas de língua portuguesa. Tomando como exemplo a resenha da
obra Português: Linguagens, notamos que o professor não é o interlocutor do documento:
“[...] o Livro do Professor funciona como apoio efetivo ao docente (BRASIL, 2008, p.31);
“Com a obra, o professor terá em mãos um bom instrumento para abordar, de modo
produtivo e inovador, a leitura e a produção de textos” (BRASIL, 2008, p.32); “O professor
pode utilizar sem restrições as diversas propostas [...]” (BRASIL, 2008, p.32). O objetivo é
traçar e legitimar caminhos teóricos e metodológicos, integrando um campo de atuação
política em relação ao currículo prescrito para o ensino de língua materna:
42

Outro ponto positivo da obra é a boa articulação entre as atividades de leitura,


produção textual e literatura, privilegiando-se a teoria dos gêneros textuais e sua
função comunicativa como princípio organizador do trabalho de leitura e produção.
(PNLEM, BRASIL, 2008, p.23).
Em função da proposta teórico-metodológica assumida para o tratamento os
conhecimentos linguísticos, causa estranhamento o uso do texto como pretexto
para a abordagem predominantemente prescritiva e classificatória de questões
fonológicas, morfológicas e sintáticas [...] (PNLEM, BRASIL, 2008, p.24).

Diferentemente do PNLEM, as OCEM (BRASIL, 2006, p.7) “consideram a “participação


dos docentes na elaboração da proposta pedagógica do estabelecimento de ensino”:

As orientações não devem ser tomadas como “receitas” ou “soluções” para os


problemas e os dilemas do ensino de Língua Portuguesa, e sim como referenciais
que, uma vez discutidas, compreendidas e (re)significadas no contexto da ação
docente, possam efetivamente orientar as abordagens a serem utilizadas nas
práticas de ensino e de aprendizagem. (OCEM, BRASIL, 2006, p.17)

Para Bunzen Jr. (2009), é notória, a partir da introdução dos PCN/PCNEM e da


(re)formulação do PNLD/PNLEM, a inserção de uma normatização/legitimação do ensino por
meio das propostas curriculares oficiais. O Estado e os especialistas são os elaboradores do
currículo oficial, restando aos professores a participação na escolha do livro didático. Aos
livros didáticos cabe responder aos discursos instaurados nos documentos oficiais e,
sobretudo, no processo avaliativo oficial.

As propostas oficiais e a avaliação de livros didáticos surgem como uma reposta


contra as chamadas práticas tradicionais em detrimento da busca de um trabalho com as
práticas sociais da linguagem, fortalecendo o conceito de gênero e a emergência de sua
didatização, ocasionando a integração de conceitos nem sempre convergentes, como os de
tipos textuais, gêneros textuais e gêneros do discurso.

Na trajetória histórica do ensino de língua portuguesa e na breve síntese analítica dos


documentos oficiais, destacamos as mudanças ocorridas desde o século XIX, evidenciando a
tradição clássica e a mudança de paradigma para ensino de língua materna iniciada no fim
do século XX e início do século corrente. As concepções de língua para o ensino da produção
de textos, advindas da tradição clássica, começam a ser questionadas com mais vigor, o
ensino gramatical volta a ser fortemente combatido e começam a emergir outros aspectos
da linguagem essenciais para se refletir sobre o ensino de língua materna, como os conceitos
de “enunciado”, “discurso”, “gênero” etc. Considerando o uso do livro didático e a
especificidade do ensino médio, contudo, ao final da primeira década do século XXI, ainda
43

perguntamos: como o professor pode ensinar língua portuguesa? Quais conteúdos podem
ser ensinados e por meio de quais gêneros? Quais objetivos podem ser alcançados? Tais
questões necessitam de uma reflexão que considere as novas demandas sociais, no que se
refere à nova configuração, social, cultural, política e econômica, instituída pelo mundo
globalizado.

1.4 2010: Programa Ensino Médio Inovador e o conceito de gênero do discurso

O que esperar do futuro para o ensino de língua portuguesa no EM? E o que fazer no
presente? O ensino médio perpassou desde a sua origem, por inúmeras políticas
educacionais, muitas vezes emergenciais, que resultaram em uma trajetória um tanto
complexa (JURADO, 2003), na qual as políticas públicas adotadas durante o período militar
foram responsáveis pela configuração do quadro educacional brasileiro.

Considerando esse histórico, segundo Jurado (2003), a integração do aluno ao mundo


globalizado justificou as finalidades propostas pela atual LDB 9394/96 para o EM, que visam
uma formação básica geral, integrando a consolidação dos conhecimentos adquiridos no
ensino fundamental e o desenvolvimento de uma formação ética e intelectual para o mundo
do trabalho e para o exercício da cidadania.

Para discutirmos as novas necessidades engendradas na sociedade, além do percurso


histórico construído por Jurado (2003), acrescentamos o lançamento do Programa Ensino
Médio Inovador (PEMI), em julho de 2009, como tentativa oficial de conferir a unicidade
desejada a esse segmento da educação básica. Partindo das premissas da LDB 9.394/96 e
fazendo uma alusão ao contexto histórico da educação brasileira e a recente preocupação
com o Ensino Médio como etapa da educação básica, o PEMI (BRASIL, 2009) expressa:

A identidade do Ensino Médio define-se na superação do dualismo entre o


propedêutico e profissionalizante. Importa, ainda, que se configure um modelo que
ganhe identidade unitária para esta etapa da educação básica e que assuma formas
diversas e contextualizadas, tendo em vista a realidade brasileira. (PEMI, BRASIL,
2009, p.4)

Para construir a identidade almejada, o programa estabeleceu como objetivo


diversificar o currículo com atividades integradoras, a partir dos denominados eixos
constituintes do ensino médio: o trabalho, a ciência, a tecnologia e a cultura. Para o
documento, o trabalho é entendido como prática social, na concepção de produção,
44

manutenção e transformação de bens e serviços necessários à existência humana, que,


associado à concepção de ciência e tecnologia, permite compreender e sistematizar os
conhecimentos produzidos e legitimados ao longo da história pela humanidade, na
transformação dos fenômenos naturais e sociais. A cultura contempla as diferentes formas
de criação cultural da sociedade, seus valores, suas obras, suas normas de conduta: “[...] a
cultura é tanto a produção ética quanto estética de uma sociedade; é expressão de valores e
hábitos; é comunicação e arte” (BRASIL, 2009, p. 8).

Considerando os eixos propostos, o PEMI (BRASIL, 2009) traz as dimensões para um


currículo denominado de inovador, entre as quais destacamos a inserção de projetos
pedagógicos que promovam a educação científica e humanística, a valorização da leitura e
da cultura, o aprimoramento da relação entre a teoria e a prática, o uso de novas
tecnologias e o desenvolvimento de metodologias criativas e emancipadoras.

Entre as proposições curriculares, ressaltamos o “foco na leitura como elemento de


interpretação e de ampliação da visão de mundo, basilar para todas as disciplinas” (BRASIL,
2009, p. 11), deixando evidente que a leitura de textos, materializados de diferentes formas,
é essencial para a construção do currículo do novo ensino médio, independente da
disciplina.

Além de outras proposições, o documento insere um plano de ação pedagógica que


deve ser adotado pelas escolas públicas federais e estaduais, para a implantação de um novo
currículo baseado nessas premissas, considerando a ampliação da carga horária para três mil
horas (200 horas a mais por ano), tornando 20% do currículo optativo. Para isso, além do
foco na leitura, é importante que o currículo considere: a associação entre teoria e prática,
dando ênfase a atividades práticas e experimentais, como aulas práticas, em laboratórios e
oficinas; a garantia da formação cultural do aluno; o estímulo à atividade docente e
dedicação integral à escola; a participação da comunidade escolar e, por fim, a organização
curricular considerando os exames do SAEB e as matrizes de referência do ENEM.

Não queremos sobrepor nenhuma teoria, mas vemos uma possibilidade de interligar
os objetivos expostos no programa ao conceito de gênero do discurso de Bakhtin e o Círculo,
pois ambos apontam para um ensino que parta da vida, ou seja, das práticas reais de
linguagem, na qual os sujeitos estão imersos. Entendemos que os eixos propostos pelo PEMI
(BRASIL, 2009), o trabalho, a ciência, a tecnologia e a cultura, são as esferas de atividade
45

humana privilegiadas na organização do currículo. O ensino de língua portuguesa, por meio


de gêneros discursivos, poderá envolver, portanto, a análise das diferentes coerções
impostas por essas esferas de produção, recepção e circulação de textos diversos,
materializados verbal, visual ou verbo-visualmente. Não cabe, assim, a reprodução de
modelos, mas sim a autoria de textos, que possam de fato responder aos discursos
globalizantes e às diferentes demandas sociais.

No horizonte que passamos a vislumbrar no início da segunda década do século XXI,


pretendemos, pela análise do corpus construído, mostrar como a produção de livros
didáticos de português está ligada a tradição aqui relatada, dialogando com diferentes
possibilidades didáticas norteadas pelo conceito bakhtiniano de gênero do discurso.

Para isso, procuraremos a rearticulação do conceito de gênero do discurso, conforme


aponta Rojo (2008), evidenciando como esse conceito pode ser inserido nas práticas
escolares, não enfocando especificamente modelos a serem seguidos, mas um currículo que
promova a inserção do aluno em diferentes práticas sociais, permeadas por diferentes
gêneros. A língua portuguesa e suas especificidades são estudadas como formas de
materializar essas práticas, por meio de enunciados concretos.

Tomando como foco o ensino de textos argumentativos escritos em uma coleção


didática de português, no capítulo seguinte, construiremos a nossa fundamentação teórica,
dialogando com o nosso objeto de análise, para destacar por que, do nosso ponto de vista, o
conceito de gênero do discurso de Bakhtin e o Círculo pode trazer importantes contribuições
para o ensino de língua portuguesa, sendo tratado em sua concepção própria e não como
sinônimo de outros conceitos.
46

CAPÍTULO 2:
Ensino de produção escrita de textos argumentativos

Ele [Bakhtin] examina muito de perto a materialidade da linguagem, suas


sutilezas e a forma como a relação eu/outro, a condição de alteridade da
linguagem adere ao homem, à sua situação existencial, histórica, social. E
esse cuidado metodológico pode servir tanto aos estudiosos do discurso
artístico como aos que se dedicam a outros tipos de linguagem.
Brait, B.

No Brasil, desde o século XIX, o ensino de produção escrita está enraizado no


domínio das regras normativas por meio de modelos que regiam o bem falar e o bem
escrever. Essa tradição e a utilização de livros didáticos de português passaram por
mudanças de paradigmas até a ascensão do conceito de gênero como objeto de ensino
organizador das atividades de leitura e produção de textos.

Esse novo olhar para o ensino de língua portuguesa deveria possibilitar que os
alunos, por meio dos gêneros, passassem a conhecer diferentes práticas sociais de leitura e
escrita. A pergunta que recai, ao analisarmos livros didáticos, é exatamente como essas
práticas estão sendo levadas para a sala de aula, ou seja, como a proposta teórica,
rearticulada didaticamente, é concretizada na prática.

Para fundamentarmos a nossa análise e concebermos uma proposta de produção


escrita de textos argumentativos, baseada na concepção de linguagem bakhtiniana,
trazemos os conceitos teóricos de interação, enunciado concreto/texto14 e gênero
discursivo15, entendendo o texto como uma unidade real da comunicação discursiva,
constituída de vários enunciados concretos com os quais o texto estabelece relações
significativas, exigindo uma resposta do seu interlocutor. Quanto à noção de gênero
discursivo, serão tomadas as três dimensões, isto é, forma composicional, tema e estilo, pois
essa noção possibilita a compreensão de diferentes textos nas diferentes esferas de
circulação e a construção linguístico-discursiva do texto argumentativo.

14
Cf. BAKHTIN/VOLOCHINOV, 2004; BAKHTIN, 2003a, 2003c.
15
Cf. VOLOSHINOV/BAJTIN, 1997; BAJTIN/MEDVEDEV, 1994; BAKHTIN/VOLOCHINOV, 2004; BAKHTIN, 2003a, 2003b, 2008)
47

Para isso, o capítulo está dividido em três partes. Primeiramente, recuperamos, em


uma perspectiva histórica, os estudos da argumentação, perpassando pela retórica clássica,
pela retórica aristotélica e pela Nova Retórica16, com o objetivo de compreender como a
argumentação é concebida por essas perspectivas, vislumbrando um possível resgate desses
conceitos como vozes que compõem as atividades didáticas de produção escrita de textos
argumentativos de PL.

Na segunda parte, discutimos os conceitos de interação, enunciado concreto e


gênero do discurso de acordo com a acepção de Bakhtin e o Círculo, e, por fim, na terceira,
articulamos uma proposta para o ensino de textos argumentativos, considerando os
17
processos de transmissão e assimilação da palavra de outrem , para compor, a partir da
noção de gêneros, uma série de conteúdos linguístico-discursivos que podem ser ensinados
para a apropriação das práticas sociais de escrita argumentativa.

2.1 As vozes da retórica no ensino da argumentação

2.1.1 A retórica aristotélica

Aristóteles não foi o precursor dos estudos retóricos, pois a Retórica, segundo
Fonseca (1997), teve sua origem na Grécia Antiga, como um movimento reivindicatório de
defesa das terras da Sicília que haviam sido distribuídas a mercenários. Na Sicília, por volta
de 465 a.C., devido a esse momento histórico que representou a passagem da tirania para a
democracia, surgiu um tratado sobre a arte da palavra. Esse documento consiste na Teoria
Retórica de Córax e Tísias, produzido com o objetivo de fornecer às pessoas os meios de
defesa de seus direitos, devido ao surgimento de numerosos processos nos tribunais, nesse
momento.

Em Atenas, por volta de 427 a.C, com a concretização da primeira experiência


democrática consolidada pelo legislador Sólon, a arte de bem falar e argumentar com as
pessoas torna-se imprescindível para os cidadãos que participavam das assembleias
populares e dos tribunais. Surgem, nesse momento, mestres itinerantes que ensinavam essa
arte e se autodenominavam sofistas, sábios, aqueles que professam a sabedoria. Como

16
Cf. PERELMAN e OLBRECHTS-TYTECA, 1996.
17
Cf. BAKHTIN, 2002.
48

mestres itinerantes, os sofistas levaram para Atenas a Teoria Retórica de Córax e Tísias. A
Retórica para os sofistas é vista como a arte de bem falar e argumentar com pessoas, para
persuadi-las, mesmo utilizando de argumentos ilusórios e enganosos ou ostentando uma
concepção sem fundamentos adequados (FONSECA, 1997).

A Retórica Clássica se baseava na diversidade de pontos de vista, no verossímil, e não


em verdades absolutas. Tais preceitos fizeram com que a dialética e a filosofia da época se
aliassem contra a retórica sofística. Platão, por exemplo, demonstrou em sua obra Górgias,
que a retórica visava apenas aos resultados, enquanto a filosofia sempre visava ao
verdadeiro. Segundo Abreu (2005), isso fez com que o prestígio da Retórica decaísse perante
a opinião pública, sendo que o temor sofista passou a denominar uma pessoa de má-fé,
aquela que utiliza argumentos falsos.

Contrariando os sofistas, que desejaram entender a Retórica com o estatuto de


ciência, e aqueles que a viam como mera coletânea de argumentos utilizados para persuadir,
Aristóteles propõe a sua teoria, embasando-se na ideia de que a Retórica não é ciência, mas
sim uma arte que formula regras de persuasão, por meio da produção de diferentes
argumentos. Para Aristóteles, a Retórica é a arte que persuade, raciocina sobre
verossimilhanças e opiniões, cabendo à Ciência a demonstração.

Ao contrário de Platão que, em Górgias, condenava a retórica em nome da moral,


Aristóteles repensa a retórica como um sistema filosófico diferente dos sofistas, no qual, a
retórica não se reduz ao poder de persuadir, ela é a arte de encontrar os meios de persuasão
que cada caso admite. Aristóteles (2005, p.33) define que “Retórica é a faculdade de ver
teoricamente o que, em cada caso, pode ser capaz de gerar a persuasão”.

A Arte Retórica de Aristóteles é composta de três livros. O Livro I contém quinze


capítulos. Nos três primeiros, o autor estabelece as relações entre a Retórica e a Dialética,
definindo o que é Retórica e os seus três gêneros; os capítulos IV ao XV são dedicados ao
estudo das chamadas provas. Aristóteles preocupou-se com a seleção dos argumentos, à
medida que ela depende da escolha do orador, da sua adaptação ao auditório; o autor ainda
apontou as argumentações demonstrativas – as provas – como elementos essenciais para a
compreensão daquele que fala. O Livro I é destinado a analisar a argumentação utilizada
pelo orador de acordo com a receptividade do ouvinte.
49

O Livro II organiza-se em duas partes: nos capítulos I ao XVII, Aristóteles estuda as


provas morais e subjetivas; e, dos capítulos XVIII ao XXVI, apresenta a análise das provas
lógicas, demonstrando como se dá a arte de persuadir pelo discurso. Nesse livro, os
argumentos são considerados a partir do receptor, sendo analisadas as emoções e as
paixões. Assim, o objetivo é compreender a argumentação sob a ótica do ouvinte.

Contendo dezenove capítulos, o Livro III expõe uma teorização sobre o vocabulário
oratório, estudando, também, a frase e as suas diferentes formas, relacionando com o estilo
peculiar dos diferentes gêneros. A preocupação de Aristóteles, neste livro, é a compreensão
da mensagem e a sua organização no discurso retórico.

Para Aristóteles, o objetivo da Retórica é descobrir meios que possam levar à


persuasão de um determinado auditório, pelo verossímil ou provável, apresentando,
portanto, uma natureza dialética, que se distingue da demonstração, que, por sua vez, trata
do necessário e do verdadeiro.

O emprego da Retórica estava ligado às formas do discurso público, ou seja, à


oratória. Aristóteles define os três gêneros da Retórica, a partir da constatação de que há
três tipos de auditórios: o gênero deliberativo que, voltado para o futuro, procura persuadir
ou dissuadir em relação a algo a fazer, por meio de exemplos indutivos; o gênero judiciário
que, voltado ao passado, procura acusar ou defender ações, que são mostradas como justas
ou injustas, utilizando um raciocínio dedutivo; e o gênero demonstrativo (ou epidíctico) que,
voltado para o presente, procura elogiar ou censurar o que é belo ou feio, através do
raciocínio comparativo. Desse modo, o auditório é um elemento fundamental de cada
gênero, pois dependendo dele, outros elementos são tomados para a formação do gênero
retórico.

O filósofo elabora, para tratar desses três gêneros, um sistema retórico, composto de
quatro operações principais, associadas como parte de uma estruturação progressiva dos
argumentos: invenção (inventio), disposição (dispositio), elocução (elocutio) e ação (actio). A
invenção consiste na busca de argumentos e meios para persuadir. A disposição, por sua vez,
configura-se como o plano do texto para a construção do discurso, sendo organizada em
exórdio (parte que inicia o discurso, indicando a tese a ser postulada), narração (exposição
clara dos fatos referentes), confirmação (conjunto de provas, seguido de refutação,
objetivando a destruição dos argumentos adversários e a adesão do auditório), digressão
50

(tem a função de distrair o auditório) e peroração (recapitulação das ideias e objetivos mais
importantes). Para a estruturação do sistema retórico, a elocução tem a função de
ornamentar o discurso, sendo que, pela utilização de figuras, a persuasão é mais eficaz. A
última operação é a ação, que trata o discurso como um ator, sendo, por isso, muito
importantes os gestos e a dicção na proferição do discurso.

Nesse sistema, o orador, a fim de persuadir o auditório, organiza os argumentos,


utilizando dois processos de raciocínio: um psicológico (o comover) e outro lógico (o
convencer). Comover é um apelo moral para atingir o destinatário, por meio de provas
subjetivas. O convencer, ao contrário, faz uso das chamadas provas lógicas, sendo elementos
do real ordenados e valorizados na disposição, muitas vezes transformados pelo raciocínio
do orador, por meio de uma operação lógica.

As provas subjetivas estão ligadas ao ethos e ao pathos. O ethos é o caráter moral


que o orador deve assumir para causar boa impressão e confiança no auditório. O pathos,
por sua vez, é o conjunto de emoções, sentimentos e paixões que o orador deve suscitar no
auditório com seu discurso. As provas lógicas relacionam-se ao logos. De ordem racional, o
logos é um aspecto dialético da retórica, pois vencer passa a ser sinônimo de convencer,
pelo que se demonstra ou se parece demonstrar, pela linguagem (REBOUL, 2004).

As provas são raciocínios que dependem do poder do orador de transformar e


manipular o material de que dispõe para persuadir os ouvintes. Aristóteles propõe dois tipos
de raciocínios retóricos: o exemplo, que ocorre através da indução e tem como efeito uma
persuasão mais leve; e o entimema, que utiliza a estrutura do silogismo, no qual proposições
são encadeadas, inserindo deduções e delas se chega a uma conclusão, tendo como efeito,
uma persuasão mais poderosa.

Segundo Aristóteles, o entimema é um silogismo que se fundamenta na


verossimilhança e não no verdadeiro, partindo do que é provável, para produzir a persuasão
e não a demonstração, já que pode elaborar um raciocínio cuja validade é apenas aparente.
Na elaboração de um entimema, contudo, as premissas são extraídas de determinados
lugares (topos), ou seja, de elementos de associação de ideias em que coincidem raciocínios
oratórios. Para Aristóteles, temos o lugar do preferível, da quantidade, da proporção, da
causa e efeito, etc. E, ainda, para o autor, há lugares especiais, nos quais as verdades são
próprias de determinados temas e aceitas por todos.
51

O auditório, para Aristóteles, assume uma característica que o orador não pode
esquecer, já que os gêneros retóricos são concebidos e diferenciados pelo papel exercido
pelo auditório a que se dirige o discurso. O orador deve pensar naqueles que procura
persuadir e que constituem o auditório ao qual se dirige seu discurso. O ethos deixa de ser
somente o caráter moral que o orador deve assumir, mas também o caráter psicológico dos
diferentes públicos, aos quais o orador deverá adaptar-se.

Do ponto de vista do ensino da argumentação, parece-nos fundamental considerar


que Aristóteles desenvolve o sistema retórico, focando a relação entre os interlocutores e a
situação em que ocorrerá a produção do discurso, isto é, alguns aspectos enunciativos.
Notamos uma maior ênfase na sequência estrutural, dispensando maior atenção aos
mecanismos de significar (metáforas, analogias, imagens, etc.) do que especificamente às
formas da língua, responsáveis pela construção da argumentação. O conceito aristotélico,
portanto, vai além da tradição instaurada pelos estudos da Retórica e da Poética na escola
brasileira, durante o século XIX e início do século XX, na qual os textos eram modelos para o
bem falar e bem escrever, aproximando-se, de certa forma, das características da retórica
clássica. Como aponta Rojo (2008), toda transposição didática encontra diferentes filtros. No
caso da didatização dos estudos de Aristóteles no Brasil, a autora aponta a inserção do filtro
gramatical, tomando as regras normativas para a construção dos modelos almejados,
retóricos e literários.

Para fins didáticos, a perspectiva aristotélica pode ser retomada por diferentes
etapas que reconstruam o percurso da argumentação: a etapa de procura de argumentos,
considerando o auditório e a situação em que se processará a argumentação; a etapa textual
em que se organizam os argumentos; a etapa linguística, na qual a argumentação é
estruturada. A análise da função persuasiva considera a estrutura final do discurso, baseado
no sistema retórico aristotélico. Pode ainda ser considerada uma etapa de memorização do
discurso, como prática da oratória.

Apontamos, no capítulo anterior, a necessidade de inserir, na atualidade, diferentes


práticas de linguagem, que denotem diferentes possibilidades de uso da língua como recurso
para a construção de sentidos. Embora seja muito importante e coerente, entendemos que,
para o nosso objetivo, a perspectiva Aristotélica não é suficiente. Entretanto, é importante
verificar se há vozes que resgatam esses conceitos nas atividades didáticas de produção
52

escrita de textos argumentativos que constituem nosso corpus de análise.

2.1.2 A Nova Retórica

Os estudos em torno da retórica não se limitaram ao período de Aristóteles. No


século XX, Chaïm Perelman e sua colaboradora Lucie Olbrechts-Tyteca retomaram a Dialética
e a Retórica de Aristóteles, propondo uma nova discussão e a recuperação dos estudos
retóricos, dos quais, durante vinte e três séculos, foram prestigiados apenas o modo
analítico de raciocinar. Em 1958, os estudos de Perelman e Olbrechts-Tyteca em torno da
retórica resultam na publicação do Tratado da Argumentação. A Nova Retórica amplia as
reflexões sobre o discurso argumentativo, buscando compreender o mecanismo de
pensamento e os procedimentos necessários para a produção da argumentação, de modo
que, a teoria da argumentação passou a ser definida como o estudo das técnicas discursivas
e da estrutura da argumentação, que possibilitam suscitar ou aumentar a adesão dos
espíritos às teses que lhe são apresentadas.

Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996) conservam a concepção de auditório da retórica


clássica, definida como um grupo de pessoas que queremos convencer ou persuadir. Os
autores consideram três tipos de auditórios: auditório universal, constituído de toda a
humanidade; auditório particular, formado por um conjunto de pessoas ou por um único
interlocutor; e auditório constituído pelo próprio sujeito (deliberação consigo mesmo),
quando ele delibera as razões de seus atos, empenhando em consolidá-las perante si
mesmo.

Cabe ao auditório o papel principal na determinação da qualidade da argumentação,


de acordo com o comportamento dos oradores. O ponto de partida para desenvolver a
argumentação pressupõe um acordo prévio com o auditório. Esse acordo estabelece e
formula os conteúdos das premissas, que organizarão o raciocínio persuasivo, servindo de
fundamento para construção da argumentação.

O acordo prévio, segundo Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996), baseia-se em fatos,


sendo que fatos já são argumentos que todos podem verificar. Os fatos são suportes
possíveis ou prováveis e a adesão, diante deles, será, para o orador, uma reação subjetiva a
algo que se impõe como verdade para aquele grupo, num mesmo contexto discursivo.
53

A argumentação necessita, portanto, de uma adesão, uma ação de um orador sobre


um indivíduo, ou melhor, sobre um auditório. Para que essa adesão aconteça, o orador deve
conhecer as teses e valores do auditório, pois eles constituem o ponto de partida do
discurso. Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996), no entanto, ressaltam que o auditório não se
caracteriza com os valores em si, mas com a sua hierarquia, de acordo com fatores culturais,
históricos e ideológicos. As hierarquias de valores são mais importantes que os valores em si
para a estrutura da argumentação, uma vez que a maior parte dos valores é comum a um
grande número de auditórios.

Nessa linha de reflexão, Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996) apresentam os


esquemas argumentativos que também podem ser considerados lugares da argumentação,
devido processos de ligação e dissociação, as chamadas técnicas argumentativas. O
processo de ligação consiste em argumentos que aproximam elementos distintos, entre os
quais se estabelece uma solidariedade que, além de estruturá-los, valoriza-os positiva ou
negativamente um pelo outro. Os procedimentos de dissociação, por sua vez, são técnicas
de ruptura que visam separar elementos considerados como fornecedores de uma
totalidade. As duas técnicas são complementares e sempre operam em conjunto.

Fazem parte do processo de ligação os esquemas argumentativos baseados em


argumentos quase lógicos, argumentos baseados na estrutura do real e ligações que
fundamentam a estrutura do real.

Os argumentos quase-lógicos são comparáveis a raciocínios formais, lógicos ou


matemáticos. Estão ligados ao domínio do pensável, do que pode ser pensado e do que deve
ser pensado. O orador procura demonstrar que a tese de adesão inicial, com a qual o
auditório concordou previamente, é compatível ou incompatível com a tese principal. A
expressão “quase-lógico” ressalta que as compatibilidades e incompatibilidades não
dependem somente da lógica e dos aspectos puramente formais, mas também da natureza
das coisas e das interpretações humanas.

Os argumentos baseados na estrutura do real tendem a estabelecer uma


solidariedade entre os juízos admitidos e outros que se quer defender, não se apoiando na
lógica, mas na experiência. Os argumentos desse tipo estão ligados a pontos de vista e não a
descrições objetivas da realidade, ou seja, referem-se ao existente, ao que é real e àquilo
que não é admissível como fazendo parte da realidade. O real é algo que o auditório admite
54

como existente, já que há auditórios que consideram reais entidades que são irreais para
outros auditórios.

Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996) denominam de ligações que fundamentam a


estrutura do real o terceiro grupo de técnicas argumentativas. Essas ligações utilizam o
exemplo, o modelo/antimodelo, a analogia e a metáfora para chegar a uma determinada
conclusão. Tais argumentos fazem a ligação com as associações anteriormente
estabelecidas, trazendo uma visão coerente da realidade, de acordo com a tese defendida
pelo orador. Eles permitem, entre outras coisas, a adesão a uma regra conhecida por meio
do exemplo, ou ainda, encontrar e provar uma verdade graças a uma semelhança de
relações.

Os procedimentos de dissociação consistem em dissociar noções em pares


hierarquizados como aparência/realidade, meio/fim, individual/universal, etc. O par por
excelência, como denomina Reboul (2004), é a dissociação por aparência e realidade. A
aparência tem um caráter equívoco e corresponde ao imediato, ao que se apresenta em
primeiro lugar. É possível que ela seja conforme o objeto ou se confunda com ele, mas é
possível também que ela nos induza ao erro a seu respeito. A aparência é uma manifestação
do real. Contudo, onde se vê a realidade, surgem duas situações, a aparente e a verdadeira.
A realidade só é entendida em relação à aparência. Além disso, ela fornece um critério, uma
norma que permite distinguir o que é válido do que não é, entre os aspectos da aparência.
Essa regra possibilita hierarquizar os múltiplos aspectos e qualificar de ilusórios, de errôneos,
de aparentes aqueles que não se apresentam conforme a regra fornecida pelo real. Assim,
em tudo que aparentemente era uno, o argumento de dissociação insere uma dualidade,
criando um par hierarquizado.

Na conclusão do Tratado da Argumentação, Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996)


expressam a sua tentativa de combater o menosprezo à retórica, depois dos estudos de
Descartes, dos lógicos e teóricos do conhecimento. A Nova Retórica teve o objetivo de
fornecer uma comunicação humana no campo da ação, concebendo a argumentação como
um ato que tende sempre a modificar um estado preexistente de coisas.

Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996) objetivavam a manutenção das condições de


eficácia do fazer argumentativo, que dependem da competência do orador, da recepção dos
diferentes auditórios e de uma interação entre ambos e, entre o orador e seu próprio
55

discurso. Ao aproximarmos a concepção de tipos de argumentos do âmbito escolar, é


possível inserir o estudo dos recursos argumentativos que consistem na inserção de
exemplos, analogias, explicações, ironias, com o objetivo de comprovar a veracidade ou
contrapô-la, sendo responsáveis pela orientação argumentativa do texto.

Nas aulas de produção escrita, acrescentaríamos que esses recursos podem ser
estudados a partir dos articuladores linguístico-discursivos que são utilizados para construir
os argumentos, de modo que o aluno possa refletir sobre como os sentidos são instaurados.
Os processos de ligação e dissociação podem ser resgatados como vozes que integram a
atividade didática de produção escrita de textos argumentativos da coleção didática,
sobretudo, não como organizador da proposta, mas como pressuposto teórico que participa
da análise do texto.

2.2 O conceito de gênero do discurso na apropriação das práticas de escrita

2.2.1 Interação: o conceito constitutivo da teoria dialógica da linguagem

Para Bakhtin e o Círculo, o estudo da língua é inseparável da vida, das interações


discursivas, pelas quais o homem se relaciona e se posiciona, marcando sua voz com relação
a diferentes questionamentos e situações que se interpõem ao longo de suas experiências.
Compreender essa relação é fundamental para a construção de uma proposta didática que
tenha como objetivo estudar a língua e sua utilização nas diversas práticas sociais inerentes
a diferentes esferas da atividade humana.

O conceito de interação, constitutivo da teoria dialógica da linguagem, permite que


seja analisada a materialidade da linguagem enquanto fenômeno social, constituído por
signos ideológicos que refletem e refratam as especificidades das esferas que integram.
Bakhtin/Volochinov (2004) afirmam que todo produto ideológico tem um significado e se
refere a algo que lhe é exterior, por isso “tudo que é ideológico é um signo” (p.31), ou seja, a
criação ideológica é essencialmente semiótica: “o domínio do ideológico coincide com o
domínio dos signos: são mutuamente correspondentes. Ali onde o signo se encontra,
encontra-se também o ideológico. Tudo o que é ideológico possui um valor semiótico”
(p.32).
56

Bakhtin/Volochinov (2004) afirmam que todo produto ideológico integra uma


realidade natural ou social, sendo que essa realidade é transmitida por meio de signos
ideológicos. Todo signo obedece às coerções da avaliação ideológica, que são orientadas de
acordo com cada esfera da criação ideológica:

Cada campo de criatividade ideológica tem seu próprio modo de orientação para a
realidade e refrata a realidade à sua própria maneira. Cada campo dispõe de sua
própria função no conjunto da vida social. É seu caráter semiótico que coloca todos
os fenômenos ideológicos sob a mesma definição geral. (BAKHTIN/VOLOCHINOV,
2004, p.33)

A concepção de linguagem bakhtiniana, além de considerar as coerções das esferas


ideológicas, também considera o signo como um fenômeno ideológico onipresente,
materialmente constituído, refletindo e refratando a realidade. Sendo que, ao refletir e
refratar, o signo aponta para o externo, mas refrata a diversidade axiológica dos sujeitos.
Isso ocorre, porque as significações não estão garantidas no sistema abstrato da língua, mas
são constituídas na interação dos sujeitos, na dinâmica de suas experiências.

Em uma perspectiva dialógica, a análise de um texto oferecida em uma atividade de


produção escrita pode apontar quais marcas apreciativas são instauradas e quais valores são
enunciados por elas, ou seja, mostrar que essas axiologias participam da constituição dos
enunciados concretos, permeados por múltiplas vozes sociais. A criação ideológica (ato
material e social), segundo Bakhtin/Volochinov (2004), penetra a consciência individual,
revestindo-a de signos ideológicos. Todo signo quando compreendido e dotado de sentido
passa a integrar a consciência verbalmente construída.

A enunciação será, segundo Bakhtin/Volochinov (2004), produto da interação de no


mínimo dois sujeitos socialmente e historicamente situados. A materialidade da enunciação
será determinada por suas condições reais: pela situação social e histórica mais imediata e
pelo horizonte social definido, que determina a criação ideológica.

A consciência individual de cada sujeito concebe um auditório social próprio


estabelecido, pois o contexto social mais imediato determina quais serão os possíveis
interlocutores da enunciação. A materialização da palavra como signo, constitui a
materialização da interação entre o eu e o outro, pois toda palavra procede de alguém e se
dirige a alguém e ela varia dependendo do grupo social, da hierarquia estabelecida, dos
laços sociais, etc. É, por meio dela, que o sujeito enunciador se define em relação ao outro, à
57

coletividade.

Se “a situação e o auditório obrigam o discurso interior a realizar-se em uma expressão


exterior definida” (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 2004, p.125) a enunciação/o enunciado concreto
assume um caráter único e irrepetível, concretizado em um material significante,
constituindo sua forma e tema. Os autores conceituam tema como o sentido da enunciação
completa, ou seja, o tema é tratado como o sentido assumido pelo discurso em uma
situação concreta e única de interação verbal. A significação, por sua vez, é o potencial de
significar no interior de um tema concreto.

O redimensionamento da significação ocorre a partir de um valor apreciativo atribuído


por um sujeito a cada novo enunciado, por meio da interação com um interlocutor
específico em uma situação histórica e social concreta. Bakhtin/Volochinov (2004)
consideram que toda palavra possui, além do tema e significação, um valor apreciativo,
sendo que, a apreciação social é transmitida por uma entoação expressiva, determinada pela
situação mais imediata.

A apreciação é responsável pelo papel criativo a cada nova enunciação e o tema


realiza-se por meio da entoação apreciativa. Os acentos apreciativos são auxiliares marginais
na instauração das significações. A entoação não traduz o valor apreciativo como um todo,
mas serve para “orientar a escolha e a distribuição dos elementos mais carregados de
sentido” (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 2004, p.135) na constituição do enunciado concreto. Para
os autores, portanto, é impossível uma enunciação sem orientação apreciativa, pois cada
elemento dessa materialidade contém ao mesmo tempo um sentido e uma apreciação.

Dentro da acepção bakhtiniana, a atividade didática de produção de textos


argumentativos integra diferentes propostas sobre o mundo, capazes de suscitar um
questionamento, colocando o aluno no papel de enunciador e autor, isto é, aquele que se
engaja responsivamente em relação a um questionamento, e outro sujeito que seja o alvo
da argumentação, considerando que o alvo da argumentação não precisa necessariamente
ser um humano, mas esse sujeito, esse outro, pode estar na multiplicidade de textos que
circulam nas diferentes esferas de atividade humana. De acordo com o exposto, propomos
que a rearticulação do conceito de gênero do discurso para as práticas escolares considere o
próprio percurso estabelecido por Bakhtin/Volochinov (2004) para o estudo da língua e de
suas formas de discurso.
58

[...] a ordem metodológica para o estudo da língua deve ser o seguinte:


1. As formas e os tipos de interação verbal em ligação com as condições concretas
em que se realiza.
2. As formas das distintas enunciações, dos atos de fala isolados, em ligação
estreita com a interação de que constituem os elementos, isto é, as categorias de
atos de fala na vida e na criação ideológica que se prestam a uma determinação
pela interação verbal.
3. A partir daí, exame das formas da língua na sua interpretação linguística
habitual. (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 2004, p.124)

Em uma perspectiva enunciativo-discursiva, a atividade didática de produção escrita


de textos argumentativos de um LD considera, portanto, que a língua vive e evolui
historicamente, conforme apontam Bakhtin/Volochinov (2004). Isso implica estudar o
contexto (mais imediato e mais amplo) de produção, circulação e recepção do texto, o
sujeito-enunciador e seu(s) interlocutor(es) e a materialidade que compõem os
procedimentos verbais, visuais e verbo-visuais utilizados para produzir sentido. Essa
rearticulação permite conferir vida às diferentes práticas de linguagem levadas para a sala
de aula, por meio da leitura e da produção de textos.

Desse modo, assumimos um olhar bakhtiniano para o texto. Brait (2002) expõe que há,
no pensamento bakhtiniano, o conceito de texto em um sentido mais amplo, ou seja, não
somente o texto verbal, oral e/ou escrito, tal como conhecemos, mas sim um conjunto
coerente de signos que se revela “como condição de definição e acesso ao homem enquanto
sujeito” (BRAIT, 2002, p.34). Tal visão, segundo a autora, interliga a questão da atividade
humana com o texto.

2.2.2 Enunciado concreto: o olhar bakhtiniano para o texto

As necessidades de comunicação do homem fundam diferentes manifestações


materiais da linguagem (verbais, visuais, verbo-visuais). A linguagem é entendida como uma
atividade cognitiva e social e, por isso, podemos dizer que ela varia, estando sempre situada
em contextos de uso, sendo que: “A atitude humana é um texto em potencial e pode ser
compreendida (como atitude humana e não ação física) unicamente no contexto dialógico
da própria época (como réplica, como posição semântica, como sistema de motivos)”
(BAKHTIN, 2003c, p.312).
59

A linguagem é um fenômeno social disposto numa cadeia comunicativa contínua18.


Isso quer dizer que em qualquer situação de uso linguístico há uma série de manifestações
discursivas que estabelecem diálogo entre si. Nesse sentido, o enunciado é composto de
posicionamentos que respondem a enunciados anteriores, permitindo que sejam elaboradas
novas respostas àquilo que foi enunciado.

Esse diálogo ininterrupto, que define a linguagem, se dá por meio de enunciados


concretos. De acordo com o autor, o enunciado é a “real unidade da comunicação discursiva
(...) o discurso só pode existir de fato na forma de enunciações concretas de determinados
falantes, sujeitos do discurso” (BAKHTIN, 2003a, p. 274). O autor ainda expõe que “(...) cada
texto (como enunciado) é algo individual, único e singular, e nisso reside todo o seu sentido
(sua intenção em prol da qual ele foi criado)” (BAKHTIN, 2003c, p. 310).

Em todo enunciado, segundo Voloshinov/Bajtin (1997), há uma ligação entre a parte


verbal (a palavra) e a extraverbal (a dimensão social) estabelecida a partir de três fatores: o
horizonte espacial e temporal comum aos interlocutores (quando e onde ocorre a
enunciação); o horizonte temático (do que se fala) e o horizonte axiológico (entonação
valorativa).

Para compreendermos o sentido do enunciado, o seu contexto social deve ser


estudado articulando esses três fatores, considerando que a situação extraverbal é parte
constitutiva da estrutura da significação. O enunciador, em um espaço e tempo específicos,
seleciona os recursos da língua necessários para compor verbalmente o seu texto, avaliando
a situação, ou seja, sua expressão verbal além de refletir o respectivo contexto, integra uma
valoração. De modo que a cada novo enunciado, surge outra significação, determinada pela
interação entre o enunciador (autor), o seu interlocutor (o leitor) e o tópico do discurso (o
que ou quem). Segundo Voloshinov/Bajtin (1997), a entonação é social por excelência, pois é
pela entonação que o discurso se insere na vida e nela o enunciador entra em contato com o
interlocutor.

Ao conceber o enunciado como unidade real da comunicação discursiva, Bakhtin


(2003a), concretiza a parceria entre enunciador e seu interlocutor, instaurando um ativo
processo de produção, recepção e circulação. Nessa parceria, os limites de cada enunciado

18
Cf. BAKHTIN, 2003a; BAKHTIN/VOLOCHINOV, 2004; BRAIT e MELO, 2005.
60

são definidos pela sua primeira peculiaridade: a alternância dos sujeitos do discurso. Todo
enunciado é a transmissão da palavra ao outro (parceiros do diálogo), o que permite a
alternância de enunciações (réplicas/repostas) entre os interlocutores, sendo uma reposta
imediata ou não. Bakhtin (2003a) expressa que “cada enunciado é um elo na corrente
complexamente organizada de outros enunciados” (p.272), porque “o discurso só pode
existir de fato na forma de enunciações concretas de determinados falantes, sujeitos do
discurso” (p.274).

A segunda peculiaridade do enunciado proposta por Bakhtin (2003a) é a


conclusibilidade, que será determinada pela exauribilidade semântico-objetal do tema, pelo
projeto de discurso ou vontade de discurso do falante e pelas formas típicas composicionais.
A exauribilidade semântico-objetal refere-se ao esgotamento de sentido de um objeto. Em
algumas esferas o esgotamento é pleno, como no campo das ordens militares, por exemplo.
No campo da criação, as possibilidades de sentido são inesgotáveis, porém, ao se tornar
tema de um enunciado, assume-se uma posição responsiva, ganhando relativa
conclusibilidade. O que vai determinar a totalidade do enunciado é o projeto discursivo do
falante. A escolha do gênero pelo falante é determinada por sua vontade discursiva, de
acordo com a esfera de atividade em que o enunciado será produzido. O gênero escolhido,
por sua vez, determina a exauribilidade semântico-objetal (conteúdo temático). A partir
dessas coerções o falante determina a composição e o estilo ao produzir uma forma
composicional relativamente estável.

Segundo Bakhtin (2003a), a vontade discursiva do falante é um elemento estitístico-


composicional, pois consiste em sua relação valorativa com o objeto do seu discurso, sendo
que o projeto de discurso do falante também é influenciado por outro traço constitutivo do
enunciado: o endereçamento. Todo enunciado tem autor e destinatário. A concepção de
destinatário é determinada pela esfera da atividade humana em que o enunciado é
produzido, refletindo-se na construção composicional e no estilo.

Diferentemente do enunciado, as unidades da língua (palavras e orações) são


cerceadas por leis combinatórias inerentes ao seu sistema. A conclusibilidade da oração é
apenas gramatical, pois há um encadeamento lógico entre as orações de um enunciado,
contudo, ela é desprovida de autoria e endereçamento, não possibilitando a réplica, a
atitude responsiva dos falantes. Para Bakhtin, a oração:
61

É um pensamento relativamente acabado, imediatamente correlacionado com


outros pensamentos do mesmo falante no conjunto do enunciado; (...)a oração não
se correlaciona de imediato nem pessoalmente, com o contexto extraverbal da
realidade (a situação, o ambiente, a pré-história) nem com as enunciações de
outros falantes, mas tão-somente através de todo o contexto que a rodeia, isto é,
através do enunciado em seu conjunto (BAKHTIN, 2003a, p. 277).

Além disso, Brait (2009) postula que a linguagem verbo-visual articula um projeto
discursivo, em que o verbal e o visual ganham força idêntica, no qual a unidade de sentido
desse enunciado concreto será constituída a partir de uma esfera ideológica, que determina
suas condições de produção, recepção e circulação. Podemos dizer que enunciado concreto
ou texto passa a designar um produto cultural híbrido, ou seja, que apresenta diferentes
formas de materialização: verbal, visual ou verbo-visual.

Nas atividades de leitura e escrita em LDPs, é importante que o aluno vivencie a


prática social, sendo inserido na cadeia ininterrupta de enunciados proferidos nas diferentes
esferas de atividade humana. Concordamos com Brait (2009) e convalidamos a necessidade
da composição verbo-visual dos textos ser mantida, pois, desse modo, a atividade didática,
embora transfira o texto para a esfera escolar, pode resgatar as especificidades do
enunciado concreto: primeiramente o aluno poderá estudar a língua como um organismo
vivo que se constrói dia a dia e não como uma mera organização de orações e, em segundo
lugar, o visual e o verbo-visual permitem inserir a atividade na vida do texto, trazendo o
contexto original de recepção, produção e circulação.

Para isso, é preciso compreender que todas as esferas da atividade humana, segundo
Bakhtin (2003a), estão vinculadas à produção de formas da língua, sendo que o enunciado se
referirá à esfera pela qual foi produzido, desde a seleção dos recursos da língua (lexicais,
fraseológicos e gramaticais), como também na composição estética e nos temas abordados.
Cada campo de atividade social elabora tipos relativamente estáveis de enunciados,
denominados gêneros do discurso.

Desse modo, o conteúdo e o sentido do enunciado se materializam pela mobilização


das valorações dos sujeitos discursivos, em uma determinada situação comunicativa, sendo
que cada enunciado cria um elo na cadeia comunicativa, organizado pelas coerções de um
gênero do discurso. Brait (2002) expõe que todo enunciado fará parte de um gênero do
discurso, não de uma forma determinista, mas sim, considerando que ao enunciarmos nos
expressamos num determinado gênero. O enunciado será inevitavelmente uma resposta a
62

outros enunciados, suscitando respostas futuras. Somente considerando tais aspectos,


segundo a autora, podemos compreender o conceito de gênero do discurso e sua relação
com as atividades humanas.

2.2.3 Gêneros do discurso: totalidade e acabamento do enunciado concreto

Para evidenciar como o conceito de gênero discursivo, constitutivo do acabamento


do enunciado, foi fecundado no pensamento bakhtiniano, rastreamos o caminho construído
por três intelectuais do Círculo, Pavel N. Medvedev (1891-1938), Valentin N. Voloshinov
(1895-1936) e Mikhail Bakhtin (1895-1975). Compreendemos que Bakhtin e o Círculo
enfocam a análise do discurso literário, todavia, Brait (2003) aponta que, já em 1926, com a
publicação de A palavra na vida e a palavra na poesia (VOLOSHINOV/BAJTIN, 1997), é
inserida uma característica que acompanhará toda a obra de Bakhtin e o Círculo, que é partir
do cotidiano, do não artístico, para depois retornar às especificidades do discurso literário,
objetivo inicial de análise, ou seja, para discutir a arte, os autores partem da vida. Segundo
Brait (2003), esse procedimento peculiar, que enfoca a linguagem como um todo, possibilita
olhar para diferentes formas de discurso que compõem a diversidade de esferas de
atividades humanas, não somente a literária.

No conjunto dos trabalhos dos intelectuais apontados, enxergamos um


deslocamento sucessivo dos gêneros literários19, para gêneros linguísticos20 até a
conceituação dos gêneros do discurso21 convalidando a extensão da concepção de
linguagem, já apontada no texto de 1926, para diferentes esferas ideológicas. Desse modo,
pretendemos evidenciar como a produção escrita de textos argumentativos pode ser
ensinada tomando o conceito de gênero do discurso e as múltiplas vozes que se instauram
na organização do discurso argumentativo.

Embora busquem as especificidades do enunciado literário, Bajtin/Medvedev (1994)


concebem que o gênero é a totalidade do enunciado e todos os seus elementos estruturais
só podem ser compreendidos nessa totalidade substancialmente concluída. A totalidade
artística de um enunciado, segundo os autores, é duplamente orientada: primeiramente
pelas condições de execução e recepção, em um determinado espaço e tempo, de acordo

19
Cf. VOLOSHINOV/BAJTIN, 1997; BAJTIN/MEDVEDEV, 1994.
20
Cf. BAKHTIN/VOLOCHINOV, 2004.
21
Cf. BAKHTIN, 2003a, 2008.
63

com o seu lugar na vida cotidiana, em uma esfera ideológica específica; em segundo lugar,
pelas coerções do próprio gênero, isto é, pelos princípios de seleção de determinadas
formas de ver e conceber a realidade. Isso significa que cada consciência humana comporta
um repertório de gêneros, dentro de uma relativa estrutura, e que a cada enunciado um
gênero é tomado de acordo com o contexto (espacial e temporal) em que são produzidos,
recebidos e em que circularão.

Considerando a dupla orientação da totalidade da obra, o seu tema não se refere a


uma combinação de significados isolados de palavras ou orações. Para Bajtin/Medvedev
(1994), a unidade temática da obra artística está em um enunciado concluso, no qual a
semântica do material verbal (significado de palavras e orações) participa da construção do
tema, mas não é o próprio tema. O enunciado concluso é um ato social e histórico, do qual
os elementos linguísticos participam, fundindo-se na totalidade do gênero, a sua unidade
temática e seu lugar real na vida.

A dupla orientação do gênero torna-o vinculado diretamente à realidade e ao


processo de geração. É pelas formas do enunciado, e não pelas formas abstratas da língua,
que concebemos a realidade, pois a consciência da realidade não ocorre por meio de frases
e palavras isoladas e sim por uma corrente discursiva que nos atravessa. Desse modo, uma
consciência pode ser mais abastada em gêneros do que outra, de acordo com o ambiente
ideológico em que cada consciência se desenvolve (BAJTIN/MEDVEDEV, 1994).

Bajtin/Medvedev (1994) concebem o gênero como modos de percepção da realidade


inseridos na consciência humana, de acordo com as esferas ideológicas por ela vivenciadas.
A partir desses modos de enxergar a realidade, produzimos enunciados, conforme
determinados contextos de produção, recepção e circulação, em um espaço e tempo
específicos.

Dialogando com essa concepção e ainda germinando a concepção de gênero,


Bakhtin/Volochinov (2004) concebem o método sociológico na ciência da linguagem. Os
autores refletem sobre as relações entre língua, fala e enunciação, ratificando como a
palavra está inscrita em uma ordem histórica e social, significando de acordo com o espaço
social e com o momento de produção, para refletir e refratar uma determinada realidade.
Cada enunciação não é restrita a uma escolha individual, pois é pela interação que ocorre a
produção de sentidos como respostas às necessidades sociais de um grupo.
64

Cada signo, como manifestação verbal concreta, possui seu tema, um índice de valor
social, que tomados pela consciência individual transformam-se em índices individuais de
valor. Entendemos, portanto, que Bakhtin/Volochinov (2004), ao conceber a interação entre
os sujeitos, de acordo com a situação histórica e social e as várias ideologias circundantes,
propõem um ponto de intersecção entre o individual e o social, refletindo sobre como as
formas de ação/atos e a interação social humana são capazes de multiplicar e reproduzir
temas e formas discursivas que refratam e refletem diferentes realidades em situações
sócio-históricas dadas, em momentos sócio-político-ideológicos determinados. Ao
refletirmos, de modo refratado, uma realidade externa, produzimos diferentes
interpretações do mundo, de acordo com as experiências vivenciadas.

Assim como Bajtin/Medvedev (1994) concebem a bivocalidade do gênero, que o


coloca duplamente orientado pelas condições de execução e recepção, em um determinado
espaço e tempo, e pela seleção de determinadas formas de ver e conceber a realidade,
Bakhtin/Volochinov (2004) também demonstram que o gênero é orientado pela vida, pois os
gêneros são as possíveis formas de comunicação, materializadas por meio de signos
ideológicos no contexto da vida.

Considerando as coerções estabelecidas entre as diferentes atividades humanas e os


usos da língua, concretizados pela interação dos sujeitos nessas atividades, Bakhtin (2003a)
amplia as discussões anteriormente travadas e define os gêneros como tipos relativamente
estáveis de enunciados, estabelecendo uma relação entre as esferas da atividade humana e
os usos da linguagem. O autor evidencia que o emprego da língua concretiza-se em
enunciados concretos e únicos, relacionados a um campo da atividade humana que, por sua
vez, reflete condições e finalidades específicas, de acordo com três características do
gênero: o tema (fator de acabamento específico), o estilo (seleção dos recursos lexicais,
fraseológicos e gramaticais da língua) e a forma composicional (plano de expressão, da
estrutura, da sequência organizacional). Ignorar essa correlação de conceitos é aceitar
apenas a relativa estabilidade dos enunciados, minimizando o conceito de gênero a uma
unidade de classificação textual.

Bakhtin/Volochinov (2004) denominam tema o sentido construído na totalidade do


enunciado, de acordo com uma situação concreta e única de interação verbal. Já as
significações são as possibilidades estabilizadas de significar no interior de um tema
65

concreto. Podemos dizer que o tema é o resultante de um enunciado concreto,


estabelecendo uma relação entre os elementos estáveis da significação com a sua
capacidade de renovar-se, modificar-se, exatamente por integrar, a cada novo enunciado,
diferentes situações de produção e recepção. “Uma nova significação se descobre na antiga
e através da antiga, mas a fim de entrar em contradição com ela e de reconstruí-la”
(BAKHTIN/VOLOCHINOV, 2004, p. 136).

Os gêneros têm propósitos discursivos definidos, que consideram as características de


sua esfera, materializando-se a partir de um conteúdo temático determinado, que
contempla o seu objeto discursivo e sua orientação valorativa específica para com ele.
Assim, o conceito de conteúdo temático, diferentemente de tema, está mais relacionado
com as formas de produção, ou melhor, com as possibilidades viáveis de significar dentro de
um gênero específico, que possibilitam a materialização do enunciado concreto.

A segunda característica do gênero é o estilo. Brait (2005) expressa que parece ser
um contrassenso, num primeiro momento, falar de estilo na teoria bakhtiniana, já que a
linguagem é fundada exatamente na relação de alteridade, nas inúmeras vozes que
constituem a singularidade dos enunciados. A autora explicita, no entanto, que para
compreender estilo, algo particular e individual, é necessário entendê-lo como resultante de
pelo menos duas pessoas, ou melhor, da relação do indivíduo com seu grupo social.

Segundo Voloshinov/Bajtin (1997), as valorações sociais existentes determinam a


escolha da palavra e a totalidade do enunciado pelo autor, portanto, o seu estilo. A entoação
estabelece um vínculo entre a palavra e o contexto extraverbal, pois é a entoação que
confere à palavra a unicidade e a relativa estabilidade linguística e discursiva, em um
determinado momento histórico.

Bakhtin (2003b, p.186) expõe: “chamamos estilo à unidade de procedimentos de


enformação e acabamento da personagem e do seu mundo e dos procedimentos por estes
determinados, de elaboração e adaptação [...] do material.” O estilo é a seleção individual,
de natureza sociológica, de “procedimentos de acabamento”, sendo que as escolhas são
resultantes da relação estabelecida entre os sujeitos da comunicação discursiva, ou seja, da
relação do eu com o outro de acordo com a esfera de atividade.
66

Brait (2003) esclarece que o estilo também é genérico, pois está vinculado a
determinadas esferas da atividade humana. O estilo de um enunciado é o gênero no qual ele
foi materializado. A autora afirma que o entrelace entre gênero e estilo não está separado
de questões gramaticais, pois as mudanças históricas do estilo da língua são indissociáveis
das mudanças ocorridas nos gêneros discursivos.

A história dos gêneros reflete de modo mais imediato as mudanças que transcorrem
na vida social e os enunciados transmitem a história da sociedade e a história da linguagem,
de modo que “Nenhum fenômeno novo (fonético, léxico, gramatical) pode integrar o
sistema da língua sem ter percorrido um complexo e longo caminho de experimentação e
elaboração de gêneros e estilos [...]. Onde há estilo há gênero” (BAKHTIN, 2003a, p.268-
269).

Considerando o entrelace entre interação, gênero e estilo, a forma composicional,


terceira característica do gênero, é a realização material de um enunciado concreto, isto é, a
sua organização verbal, visual, ou verbo-visual, definida pelo seu contexto de produção, de
recepção e de circulação. Assim, a forma de composição define a textualização de um
enunciado em um gênero específico.

Bakhtin (2008) comprova essas postulações, quando descreve e analisa o romance


polifônico de Dostoiévski. O autor ressalta que, embora inovador, o romance polifônico está
ligado a outras tradições do gênero na evolução da prosa literária europeia. Servindo como
encaminhamento teórico-metodológico para a análise de outras formas de discurso, Bakhtin
(2009) traz uma importante definição:

O gênero sempre conserva os elementos imorredouros da archaica. É verdade que


nele essa archaica só se conserva graças à sua permanente renovação, vale dizer,
graças à atualização. O gênero sempre é e não é o mesmo, sempre é novo e velho
ao mesmo tempo. O gênero renasce e se renova em cada nova etapa do
desenvolvimento da literatura e em cada obra individual de um dado gênero. Nisto
consiste a vida do gênero. Por isso, não é morta nem a archaica que conserva no
gênero; ela é eternamente viva, ou seja, é uma archaica com capacidade de
renovar-se. O gênero vive do presente mas sempre recorda o seu passado, o seu
começo. É o representante da memória criativa no processo de desenvolvimento
literário. É precisamente por isto que tem a capacidade de assegurar a unidade e a
continuidade desse desenvolvimento. (BAKHTIN, 2008, p. 121)

Na busca da tradição do gênero polifônico, notamos o entrelace entre gênero e vida.


Bakhtin (2008), na concretude de sua análise, dialoga com os outros textos discutidos, pois,
ao constituir a archaica do romance polifônico, considera os gêneros como modos de
67

percepção da realidade inseridos na consciência humana (BAJTIN/MEDVEDEV, 1994), pelos


quais os sujeitos concretizam os atos social e historicamente situados, para responder a
alguém ou algo e suscitar novas respostas, refletindo e refratando as ideologias dessa
realidade, em determinado contexto sócio-histórico (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 2004).
Desconsiderar a essência desses “modos de percepção” é ignorar a memória criativa dos
sujeitos, marcada em particularidades nas diferentes formas de discurso.

Os gêneros discursivos vão sofrendo modificações em consequência do momento


histórico em que se inserem, conservando elementos de sua archaica (BAKHTIN, 2008). Cada
situação social origina um enunciado concreto, que foi determinado por um gênero e suas
coerções peculiares. Bakhtin (2003a), ao expor a infinidade de situações comunicativas,
articula a estabilidade relativa e a constante modificação do gênero, já que eles estão
intimamente relacionados às condições concretas de uso. O que nos mostra a dinamicidade
do conceito de gênero, não se tratando de modelos preestabelecidos, mas sim de um
tratamento dialógico dado aos textos e a sua historicidade.

O conhecimento dos gêneros do discurso, e das práticas sociais de leitura e de escrita


que lhes são inerentes, pode proporcionar ao aluno do ensino médio o conhecimento das
diferentes linguagens, tornando-o livre para o exercício da cidadania e para construir sua
identidade. Essa concepção amplia as possibilidades de interação do aluno com diferentes
discursos proferidos, proporcionando acesso aos sentidos construídos nas inúmeras práticas
sociais.

Considerando que os recursos da língua constroem sentidos em discursos específicos,


sendo mobilizados para produzir significados em determinados contextos, a concepção de
gênero permite que o aluno articule os recursos da linguagem em sua produção textual,
capacitando-o como autor, como sujeito atuante, que possui meios para expressar sua
própria voz. Assim, tomar os estudos de uma gramática de texto pode contribuir para a
análise da materialidade linguístico-discursiva dos textos, de modo que se contribua para o
ensino da produção escrita.

Tanto os estudos de Aristóteles e Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996) parecem


evidenciar que o raciocínio argumentativo considera a existência de um ponto de vista a ser
defendido, evidenciando estratégias textuais para a construção da argumentação, de acordo
com o auditório. Para Bakhtin e o Círculo, a natureza dialógica da linguagem salvaguarda o
68

lugar de alteridade, ou seja, do outro e das múltiplas vozes que se defrontam para construir
a singularidade do enunciado.

Em uma proposta didática que considere as dimensões teóricas apontadas, a língua é


reflexo do dinamismo da vida, no qual os gêneros do discurso absorvem suas mudanças. A
língua, materializada em um enunciado, não só reflete a realidade imediata, mas resgata a
memória discursiva dos sujeitos e a atualiza no momento de sua produção. Desse modo,
partimos do princípio de que o argumentar participa de diferentes práticas de linguagem,
pois pelo diálogo travado entre um sujeito e as vozes instauradas nas diferentes formas de
discurso, uma atitude responsiva pode ser instituída, marcando apreciativamente as
posições assumidas por um enunciador.

Defendemos, portanto, que não basta os alunos serem expostos a um gama


considerável de gêneros discursivos, pois é fundamental levá-los a refletir sobre as coerções
das esferas sociais em que os diversos textos circulam. Assumimos que o ensino da língua
portuguesa na escola pode inserir as práticas sociais de leitura e escrita, em que a situação
de produção, recepção, circulação dos textos ganham foco na construção dos sentidos.
Entendemos que a concepção de enunciado concreto, enquanto texto único e irrepetível,
desencadeia um trabalho em que o verbo-visual, em sua materialidade original, na acepção
de Brait (2009), deve ser enfatizado, pois, além dos recursos linguístico-discursivos, dos
mecanismos enunciativos, a composição verbo-visual constitutiva dos textos também é
responsável pela construção de sentidos.

2.3 A escrita de textos argumentativos

2.3.1 As vozes discursivas na construção da atividade didática

No ensino, a argumentação assume papel de destaque devido, sobretudo, às


exigências do vestibular, conforme analisamos na tradição histórica do ensino de produção
escrita no Brasil. Os livros didáticos de português, principalmente os destinados ao ensino
médio, dedicam inúmeras atividades ao ensino da escrita argumentativa. Desse modo, é
importante compreendermos como a língua portuguesa é ensinada, refletindo sobre quais
são as estratégias argumentativas desenvolvidas na atividade didática para a condução do
ensino da produção escrita. Para isso, Bakhtin (2002) postula que no ensino de disciplinas
69

verbais há duas possibilidades para a transmissão que assimila a palavra de outrem: de cor e
com suas próprias palavras. A segunda modalidade, para o autor, engloba uma série de
variantes, em relação ao caráter do texto assimilado e à compreensão e apreciação que os
objetivos pedagógicos se propõem.

O contexto que envolve a palavra de outrem é constituído por um fundo dialógico,


pois no uso ideológico de nossa consciência, a palavra de outrem passa a se relacionar com
outro mundo ideológico, já que “A evolução ideológica do homem [...] é um processo de
escolha e de assimilação das palavras de outrem” (BAKHTIN, 2002, p. 142). A assimilação da
palavra de outrem se torna imprescindível no processo de formação ideológica do homem. A
constituição dessa formação depende de como a palavra de outrem surge em nossa
consciência ideológica: como palavra autoritária ou como palavra interiormente persuasiva.

Em todos os domínios da criação ideológica, a “nossa fala” é permeada das palavras


de outrem, sendo que quanto mais dinâmica for a vida social de um sujeito, mais a palavra
do outro, o enunciado do outro, fará parte da constituição de seus enunciados. No cotidiano,
ouvimos o falar de um sujeito e daquilo que ele fala, pois os sujeitos falam a respeito do que
os outros dizem, evidenciando as declarações, informações, julgamentos, etc., para se
referir, concordar, discordar delas, entre outras coisas. O autor observa que, mesmo que
haja precisão no que é transmitido, o discurso de outrem, sempre que incluído em outro
contexto, submete-se a transformações de significado (BAKHTIN, 2002).

Segundo Bakhtin (2002), há o cruzamento de diversas vozes na enunciação que


“lutam” entre si. Essa luta é marcada pela palavra autoritária e pela palavra internamente
persuasiva. A palavra autoritária se impõe e exige “nosso reconhecimento incondicional”
(BAKHTIN, 2002, p.144), pois é apenas transmitida. O autor expõe que a palavra de
autoridade “entra em nossa consciência verbal como uma massa compacta e indivisível, é
preciso confirmá-la por inteiro ou recusá-la na íntegra” (BAKHTIN, 2002, p.144). A palavra
interiormente persuasiva, por sua vez, revela possibilidades que mobilizam transformações
na consciência individual, à medida que, permeada por inúmeras vozes, podemos tomar a
palavra do outro em diferentes contextos dialógicos, mostrando novas e diferentes
possibilidades semânticas.

Em nossa consciência ideológica há o “inacabamento de sentido” (BAKHTIN, 2002,


p.146) e somente nas relações dialógicas, ou seja, na interação das várias vozes, esse
70

inacabamento pode ser relativamente superado. Isso significa que fazemos um constante
movimento de “atualização” da palavra do outro em diferentes contextos, para que
possamos obter novas possibilidades semânticas, porém esse inacabamento permanecerá,
conforme nos ratifica a palavra do autor:

Nós a [a palavra] introduzimos em novos contextos, a aplicamos a um novo


material, nós a colocamos numa nova posição, a fim de obter dela novas respostas,
novos esclarecimentos sobre o seu sentido e novas palavras “para nós” (uma vez
que a palavra produtiva do outro engendra dialogicamente em resposta uma nova
palavra nossa). (BAKHTIN, 2002, p.146)

Compreendemos que a concepção dialógica da linguagem implica uma constante


relação do individual com o coletivo, visto que o ser humano não existe isoladamente e, ao
compor seu enunciado, a sua experiência de vida e seus valores sociais e históricos
entrecruzam-se com o discurso do outro. O homem social ao compor seu enunciado, “desde
a curta réplica do diálogo familiar até as grandes obras verbal-ideológicas (literárias,
científicas e outras)” (BAKHTIN, 2002, p. 153), toma uma parte significativa de palavras de
outrem, transmitidas por um ou outro processo (palavra autoritária ou palavra
interiormente persuasiva). Desse modo, o teórico expressa:

No campo de quase todo enunciado ocorre uma interação tensa e um conflito


entre sua palavra e a de outrem, um processo de delimitação ou de esclarecimento
dialógico mútuo. Desta forma o enunciado é um organismo muito mais complexo e
dinâmico do que parece, se não se considerar apenas sua orientação objetal e sua
expressividade unívoca direta. (BAKHTIN, 2002, p. 153)

Para Bakhtin (2002), os gêneros retóricos constituem um material muito importante


para o estudo das inúmeras formas de transmitir, deformar e enquadrar o discurso de
outrem. Entendemos que a bivocalidade retórica está na instauração de um conflito
discursivo pela palavra interiormente persuasiva, pois ela possibilita a produção de sentidos
(e não a simples reprodução) a partir das várias vozes em conflito.

Os processos argumentativos podem ser vistos, também, como maneiras de


assimilação do discurso do outro. Nesse âmbito, para promover o ensino de textos
argumentativos em atividades de produção escrita, precisamos verificar como a atividade
organiza a proposta de produção, ou seja, como os sentidos são negociados (palavra de
autoridade ou palavra interiormente persuasiva) para promover autonomia na assimilação
do discurso do outro. Questionamos ainda se a atividade didática resgata as vozes que
instauram a produção do texto argumentativo tomado como objeto de leitura e análise.
71

Nas atividades didáticas de produção escrita de textos argumentativos, acreditamos


que não se deva considerar a palavra de autoridade, pois ela impõe, muitas vezes,
significados historicamente cristalizados, sem vínculo com a prática social dos sujeitos,
formando um aluno-reprodutor. Considerando que a evolução ideológica do homem se dá
de acordo com um processo de escolha e de assimilação das palavras de outrem, a palavra
interiormente persuasiva possibilita o posicionamento crítico diante de um conflito
discursivo instaurado, permitindo a formação de um aluno-autor.

Nesse caso, a atividade didática de produção escrita de textos argumentativos pode


ser organizada de modo que se resgate as inúmeras vozes que compõem as formas de
discursos analisadas, colaborando para que professor e alunos se posicionem pelo diálogo
instaurado. Para isso, a ordem metodológica proposta por Bakhtin/Volochinov (2004), que
tomamos como orientação didática para a análise dos textos, deve contemplar a análise do
contexto mais imediato e do contexto mais amplo, e, a partir da materialidade verbal, visual
ou verbo-visual dos enunciados, resgatar a vozes e os sentidos construídos.

2.3.2 Os recursos linguístico-discursivos

No resgate da materialidade verbal, o aluno pode analisar os recursos linguístico-


discursivos de modo que o texto escrito argumentativo não seja visto apenas como uma
sequência de orações ligadas por conectores lógicos. Para isso, o aluno de EM pode ser
levado a apreender aspectos relativos ao funcionamento da língua, como a construção da
coesão sequencial e referencial, monitoramento da clareza, consistência e coerência
informacional do texto, utilização de articuladores textuais argumentativos, a utilização
adequada dos tempos verbais e das pessoas gramaticais, enfim, os procedimentos
necessários que permitem que o sujeito tome a língua como um recurso capaz de produzir
sentidos, por meio da reflexão sobre fenômenos do mundo real, já que:

Nós assimilamos as formas da língua somente nas formas de enunciações e


justamente com essas formas. As formas da língua e as formas típicas dos
enunciados, isto é, os gêneros do discurso, chegam à nossa experiência e à nossa
consciência em conjunto e estreitamente vinculadas. Aprender a falar significa
aprender a construir enunciados (porque falamos por enunciados e não por
orações isoladas e, evidentemente, não por palavras isoladas). Os gêneros do
discurso organizam o nosso discurso quase da mesma forma que o organizam as
formas gramaticais (sintáticas). [...] Se os gêneros do discurso não existissem e nós
não os dominássemos, se tivéssemos de criá-los pela primeira vez no processo do
discurso, de construir livremente e pela primeira vez cada enunciado, a
comunicação discursiva seria quase impossível. (BAKHTIN, 2003a, p.283).
72

Na análise de PL, ao levantarmos os principais recursos linguístico-discursivos, que


podem ser utilizados na escrita argumentativa, poderemos verificar quais conceitos da
língua são tomados como conteúdos nas atividades de produção de textos argumentativos e
quais poderiam ser acrescentados à proposta didática. Para isso, as postulações de Koch
(2009) e Guimarães (2001), em torno da argumentação e linguagem, fornecem importantes
indicadores: coesão referencial, coesão sequencial e progressão temática.

a) coesão referencial

Os elementos linguísticos que podem exercer função coesiva referencial são os


pronomes pessoais (retos e oblíquos), os demais pronomes (possessivos, demonstrativos,
indefinidos, interrogativos, relativos), os numerais, os artigos e alguns advérbios. A coesão
referencial também traz elementos de ordem lexical, como a repetição do mesmo item
lexical (com ou sem mudança de determinante), sinônimos, hiperônimos, nomes genéricos e
formas nominais, inclusive nominalizações.

Koch (2009) enfatiza que a referência ocorre quando usamos um termo ou criamos
uma situação discursiva referencial que estabelece uma relação com algum tipo de
informação presente na memória discursiva, não sendo apenas um segmento linguístico
expresso por uma anáfora nominal ou pronominal. Para a autora, “os processos de
referenciação são escolhas do sujeito em função de um querer-dizer” (KOCH, 2009, p.61), ou
seja, a realidade é construída, conservada e/ou modificada pela forma como interagimos
com o mundo para nomeá-lo.

A escolha de uma descrição específica pode revelar, segundo Koch (2009),


informações importantes na construção do sentido, como as opiniões, crenças e atitudes do
enunciador. Como manobra muito comum em textos argumentativos, a autora destaca o
uso de termos ou expressões metafóricas para a orientação da argumentação. A coesão
referencial assume extrema importância, pois, por meio dela, há explicitação e
fundamentação da posição do autor, contribuindo para a sequencialidade informacional do
texto. Para se posicionar frente a um tema, contudo, o aluno pode ser mobilizado a “querer
dizer”, o que nos remonta para uma intensa atividade de leitura e análise de textos que
possibilitem o engajamento do estudante para a produção de textos, na instauração de um
conflito discursivo, no contexto dialógico das formas discursivas.
73

b) coesão sequencial

Os procedimentos linguístico-discursivos por meio dos quais se estabelecem as


relações lógico-semânticas e discursivo-argumentativas, que fazem o texto progredir, são
denominados de mecanismos de sequenciação ou coesão sequencial. A coesão sequencial se
dá pelo uso de termos do mesmo campo lexical (responsável pela manutenção do tópico
discursivo) e pelo encadeamento dos enunciados.

O encadeamento dos enunciados pode ocorrer por justaposição ou por conexão. A


justaposição é articulada pela textualidade (com ou sem articuladores explícitos) e especifica
as relações: causal, conexão de motivos, interpretação diagnóstica, especificação, conexão
temporal, conexão de pressupostos, contraste adversativo, comentário,
confronto/comparação. A conexão, por sua vez, ocorre pelo uso de diferentes conectores,
que expressam: causalidade, condicionalidade, temporalidade, conformidade, disjunção,
conjunção, justificação ou explicação, comparação, conclusão, comprovação, generalização,
correção, reparação, especificação ou exemplificação, contrajunção (contraste de
argumentos).

Segundo Guimarães (2001), a orientação argumentativa de um enunciado ocorre


pelo uso de estratégias textual-discursivas para a construção dos argumentos, por meio de
conectores, ou seja, pelo o que as gramáticas denominam de conjunções coordenativas e
subordinativas. Ao denominar as conjunções de operadores de argumentação, Guimarães
(2001) se aproxima da postulação de Koch (2009), pois, para o autor, as conjunções
permitem, não somente ligar orações como definem as gramáticas tradicionais, mas
possibilitam situar os estados das coisas de que o enunciado trata no espaço e no tempo,
estabelecer relações lógico-semânticas, construir relações discursivo-argumentativas,
funcionando como organizadores textuais e discursivos.

Os modalizadores, segundo Koch (2009), também são de suma importância para a


progressão sequencial do texto. As modalizações são marcadores linguístico-discursivos
diretamente ligados à produção do enunciado e que indicam posicionamentos do
enunciador em relação ao que enuncia. A autora os classifica em aléticos (indicam
necessidade ou possibilidade de existência dos estados das coisas no mundo), epistêmicos
(ligados ao conhecimento do enunciador e ao seu grau de certeza em relação ao enunciado),
deônticos (ligados à imperatividade atribuída ao conteúdo proposicional), axiológicos
74

(avaliação de eventos, situações e ações que o enunciado faz menção)


atitudinais/atenuadores (forma como o enunciador se representa diante do que expressa no
enunciado).

c) progressão temática

A progressão temática refere-se à continuidade de um texto de acordo com a


coerência (sentido construído pela interpretação) e coesão (marcas linguísticas que
orientam a interpretação do texto). Koch (2009) expõe dois procedimentos que garantem a
progressão temática de um texto: o tema (as informações dadas no texto) e o rema (a
introdução de informações novas).

Entre os tipos de progressão temática, destacamos a progressão linear (equilíbrio


entre tema e rema), progressão com tema constante (acréscimo de informações novas a um
mesmo tópico), progressão com salto temático (omissão de elementos facilmente
identificados), progressão por subdivisão (a informação nova é subdividida em diferentes
segmentos textuais). A progressão temática é mantida pelo emprego dos articuladores
textuais, responsáveis pelo encadeamento dos enunciados.

Para articular as formas da língua de modo que o texto argumentativo esteja


adequado, podemos considerar, portanto, o ensino dos três aspectos linguístico-discursivos
apontados: coesão referencial, coesão sequencial e progressão temática. Entendemos que a
proposta de produção de textos argumentativos pode articular o ensino das diferentes
estratégias para o encadeamento textual, mostrando como o aluno pode sustentar e refutar
um posicionamento, ou seja, como se posicionar criticamente, argumentar e contra-
argumentar.

Os operadores de argumentação são fundamentais para a construção da coerência e


coesão do texto, podendo ser ensinados na articulação discursivo-argumentativa e não
somente como mecanismos de ligação entre orações. A progressão temática liga-se ainda ao
uso dos tempos verbais e à indeterminação e passividade do sujeito, aspectos tratados de
maneira descontextualizada pelas gramáticas tradicionais.

O aluno do EM pode realizar diferentes atividades que contemplem leitura e análise


de textos argumentativos em variados gêneros discursivos. Nessas atividades, com relação
aos aspectos linguístico-discursivos, podem ser propostos exercícios que discutam a seleção
75

da pessoa gramatical, os tempos verbais utilizados, os operadores de argumentação, as


modalizações, relacionando o posicionamento e o ponto de vista assumido pelo sujeito
enunciador com os tipos de argumentos utilizados.

Dentro das concepções bakhtinianas, cabe ressaltar, que o ensino dos aspectos
linguístico-discursivos será significativo apenas se for articulado ao conceito de gênero
enquanto prática discursiva que organiza e define o texto, de acordo com a interação entre
os sujeitos da comunicação discursiva e as respectivas esferas da atividade humana.

No capítulo seguinte, articularemos os pressupostos teóricos discutidos com a análise


das atividades didáticas de produção escrita que compõem o corpus, tendo como objetivo
verificar qual é a proposta de produção de textos argumentativos adotada pelos autores de
PL, verificando se as formas da língua são levadas em consideração para o ensino da escrita
argumentativa.
76

CAPÍTULO 3
A escrita argumentativa em Português: Linguagens

“Trabalhando o gênero”
“Produzindo o gênero em estudo”
“Escrevendo com coesão e coerência”
Seções das atividades de produção escrita
Português: Linguagens

Este capítulo tem por objetivo analisar as três atividades de produção escrita de
textos argumentativos que compõem o corpus da pesquisa: O artigo de opinião (capítulo 5,
volume 1), O editorial (capítulo 9, volume 2) e A carta de leitor (capítulo 2, volume 3). Na
análise, recuperamos as diferentes vozes que fundamentam o ensino da argumentação e
que conduzem o encaminhamento linguístico-discursivo tomado para ensinar a produzir
textos argumentativos.

O capítulo foi organizado em quatro seções: Pesquisas realizadas, no qual


estabelecemos um diálogo com outras pesquisas que analisaram a coleção Português:
Linguagens, para reconstruir a tradição instaurada por essa obra didática; As últimas edições
da coleção selecionada, em que apresentamos uma apreciação comparativa das duas
últimas edições de PL, comparando a composição verbo-visual das capas e quantificando as
atividades de cada volume, para verificar quais objetos de ensino são enfocados; Manual do
professor, onde apresentamos a proposta teórica que embasa o ensino de produção de
textos argumentativos e, por fim, A produção escrita de textos argumentativos, no qual
analisamos o corpus, constituído das três atividades selecionadas.

A análise de cada atividade foi organizada em três eixos. No primeiro, Projeto gráfico
da atividade, descrevemos a atividade didática e apontamos os sentidos construídos pela
composição verbo-visual constitutiva desse enunciado. No segundo, Questões propostas,
avaliamos as questões destinadas para análise e produção de texto, evidenciando marcas na
materialidade verbal que apontam quais aspectos são explorados em cada gênero de foco,
respondendo quem trabalha o gênero e de que forma é encaminhada a produção escrita, ou
seja, quem escreve e como deve fazê-lo. Por fim, no último, Dialogando com as outras
77

atividades, comparamos a análise detalhada com as outras atividades que compõem o seu
respectivo volume.

3.1 Pesquisas realizadas

Durante o levantamento bibliográfico de nossa investigação em torno de PL (2008),


pesquisamos diferentes análises da coleção didática selecionada, com o objetivo de
vislumbrarmos o que tem se privilegiado nessas pesquisas, bem como os resultados dessas
investigações. Durante esse processo, percebemos que o foco da maioria das pesquisas está
na análise da coleção do ensino fundamental e quando se volta para o ensino médio, o foco
está no ensino da literatura.

Para ilustrar a pesquisa levantada22, no âmbito do ensino fundamental, citamos a


proposta de Reinaldo (2001), que analisou a produção de textos e a utilização dos recursos
coesivos; a pesquisa de Neto (2007) em torno da produção de textos narrativos ficcionais e a
pesquisa de Bunzen Jr. (2009) que analisou os usos do livro didático na dinâmica discursiva
das aulas de português. Com relação ao ensino médio, Pinheiro (2006) discutiu a seleção de
textos para o ensino de literatura e Cunha (2006) analisou o ensino da prosa literária.

Há, contudo, um olhar que dialoga com a nossa proposta e que permitiu
observarmos algumas das coerções impostas na produção de PL. Bunzen Jr. (2005), em sua
dissertação de mestrado, centrou a investigação também em livros didáticos de ensino
médio, com o objetivo de evidenciar a concepção do livro didático de português como um
gênero do discurso, analisando-o a partir das concepções do círculo bakhtiniano.

Bunzen Jr. (2005) destaca que as investigações focadas na análise de livros didáticos
priorizaram, na maioria das vezes, a verificação e a adequação da transposição didática de
alguns conceitos, segundo as propostas curriculares. Para evidenciar que não se trata apenas
de mera transposição, o autor discute inicialmente a classificação do LDP como apenas um
suporte de textos ou como um gênero do discurso. Entre as questões levantadas para
configurar o LDP como suporte de textos, são destacadas algumas concepções que
consideram ser impossível a identificação do início e do final desse texto (LDP) enquanto
entidade empírica e outras observações que colocam a falta de totalidade na junção de

22
Citamos apenas as pesquisas que analisam a coleção Português: Linguagens do ensino fundamental ou médio.
78

textos no livro didático. Por meio das postulações bakhtinianas, o autor contrapôs essa
concepção de LDP como suporte, afirmando que esse objeto é um gênero do discurso,
constituído por diferentes textos intercalados, que se relaciona a uma esfera de produção e
circulação específica e que, desta situação histórica, retira temas, formas de composição e
estilo.

A estrutura composicional desse gênero do discurso, portanto, é múltipla, já que ela


é composta por uma rede de textos/enunciados que dialogam com outros textos verbais e
visuais (imagens, ilustrações, etc.), com o objetivo de ensinar objetos específicos. É
justamente na intercalação de textos e imagens, que o texto didático adquire uma unidade
enunciativo-discursiva, que nos permite concebê-lo como um gênero do discurso. Para o
autor, no entanto, não se pode desconsiderar que os textos inseridos no LDP não são
escolhidos aleatoriamente, mas são intencionalmente selecionados para compor as
unidades didáticas elaboradas para ensinar um determinado objeto.

O direcionamento proposto por esse olhar mostra que, no LDP, ocorre a


sistematização e a organização dos conhecimentos escolares, tomando modelos didáticos
que refletem diferentes tradições e/ou inovações ligadas às questões pedagógicas de uma
determinada época. Na composição desse objeto cultural, vários agentes estão envolvidos
em busca de um alinhamento de interesses, entre eles: os autores, editores, avaliadores,
revisores, professores, etc.

Bunzen Jr. (2005) centrou sua investigação no processo de escolha e negociação dos
objetos de ensino de produção de texto, por meio da análise de três coleções didáticas de
ensino médio, publicadas entre 1999 e 2001. Considerando as mudanças sociais e históricas
em relação ao ensino de produção de texto, o LDP não foi analisado como mero fruto da
transposição de teorias acadêmicas, mas o autor buscou investigar a apropriação desses
conceitos por parte dos autores e outros agentes envolvidos nesse processo, realizando
entrevistas com os autores das obras didáticas, que, por sua vez, revelaram alguns aspectos:
suas experiências profissionais e a própria negociação dentro das editoras.

Entre as coleções analisadas por Bunzen Jr. (2005), há a terceira edição de Português:
Linguagens, publicada em 1999. O pesquisador demonstrou que Cereja e Magalhães, desde
a produção da primeira edição, foram influenciados pelas ideias do grupo genebrino (DOLZ;
SCHNEUWLY, 2004), o que interferiu na seleção dos textos, na maneira como as atividades
79

de produção escrita são organizadas no LD, na transposição didática dada ao gênero, entre
outros aspectos.

A noção de gênero foi fundamental para a (re)formulação das unidades didáticas de


produção de texto, pois o número de atividades destinadas a esse eixo cresceu
substancialmente nessa edição. O autor evidenciou, pela entrevista com os coautores, que
ambos consideram que a coleção anteriormente já estava voltada para um trabalho com a
diversidade textual, sendo que o conceito de gênero permitiu uma organização desse
material textual de forma mais sistemática, enriquecendo as práticas de leitura e de
produção de texto para proporcionar ao aluno um ponto de vista linguístico e discursivo.

Para Bunzen Jr. (2005), a coleção, na realidade, mescla os objetos de ensino que
apontam para o ensino de gêneros específicos, produzidos em diferentes esferas da
atividade humana, com o ensino da tipologia clássica da redação que remonta ao ensino da
Retórica e da Poética, principalmente, a narração e a argumentação. O autor exemplificou
que a coleção dedica bastante “espaço” para o estudo dos elementos da narrativa (quatro
unidades) e para o ensino da argumentação (seis unidades), demonstrando a retomada da
tipologia clássica do ensino da redação que objetiva preparar o aluno para a produção de
redações nos concursos vestibulares, especialmente a dissertação escolar. De forma geral,
essas unidades didáticas consideram na explicitação dos conceitos apenas as características
tipológicas gerais, desprovidas de uma relação com uma situação autêntica.

Essa pesquisa evidenciou que o ensino de produção de texto está interligado às


propostas da Retórica e da Poética clássicas, instaurando um conflito na concepção de
ensino de produção escrita, pois há “uma roupagem inovadora que convoca ‘novos’
conceitos para desestabilizar práticas cristalizadas, como o de gênero, mas que aposta em
uma concepção de língua(gem) ainda convencional e utilitária” (BUNZEN JR., 2005, p.132).

A proposta de Bunzen Jr. (2005) mostra a estreita relação entre a constituição de


uma disciplina escolar estudada a partir de diferentes denominações históricas (Gramática,
Retórica e Poética, Comunicação e expressão, ou simplesmente Português) com os
diferentes interlocutores (autor de livro didático, comissão responsável pela elaboração de
documento oficial ou pela análise de material didático). A interação presente nessa
articulação atribui, na elaboração dos LDs, uma entonação apreciativa que, por meio de
diferentes formas, constitui, ideologicamente, a proposta para o ensino de língua materna.
80

Considerando que os discursos proferidos estão em uma cadeia ininterrupta de


interação verbal, conforme o pensamento bakhtiniano, a seleção dos objetos de ensino em
um livro didático evidencia um funcionamento discursivo atrelado à proposta de ensino de
língua instaurado historicamente, não cabendo generalização das práticas como tradicionais,
modernas, inovadoras, mas sim como práticas que assumem um posicionamento ideológico
de acordo com a situação mais imediata e com o contexto mais amplo que integram.

As vozes sociais que compõe historicamente o ensino de produção de textos e o


ensino de língua portuguesa não podem, contudo, ser compreendidas de forma
determinista, pois a constituição do livro didático, enquanto gênero do discurso, implica
compreender as coerções instituídas pelos textos oficiais e suas políticas normativas e,
também, o processo de produção, seleção e apropriação dos objetos de ensino (de forma
autoritária ou internamente persuasiva), apontando a persistência de determinadas práticas
em detrimento de outras.

A nossa proposta, portanto, pretende evidenciar as relações coercitivas impostas


pelo gênero LDP, demonstrando que a seleção dos objetos de produção de textos
argumentativos, bem como do ensino dos aspectos linguístico-discursivos, respondem a uma
tradição ligada ao ensino de língua portuguesa e sua constituição enquanto disciplina
escolar.

3.2 As últimas edições da coleção selecionada

Para o desenvolvimento de nossa pesquisa, foi necessário investigarmos o contexto


extraverbal e a constituição da tradição de nosso objeto de análise, conforme explicamos no
primeiro capítulo. Procedemos, assim, com a leitura e análise dos documentos oficiais que
normatizam a produção de livros didáticos no Brasil, no caso, a apreciação do catálogo do
último PNLEM (BRASIL, 2008), já que o programa tem como objetivo avaliar os livros
didáticos que serão distribuídos aos estudantes do ensino médio de escolas públicas
brasileiras.

Durante a leitura do catálogo, constatamos que, atualmente, a coleção adotada nos


colégios particulares difere da coleção aprovada no PNLEM (BRASIL, 2008), pois há a quinta
edição (2005), sendo utilizada pela escola pública de 2009 até 2011, e a sexta edição que já
estava disponível para a rede particular a partir de 2009. Devido à essa utilização
81

concomitante de duas edições diferentes, questionamos, por que, exatamente em 2008,


houve uma nova edição da coleção, já que esta só seria novamente analisada em 2011, por
um novo processo avaliativo do PNLEM.

Considerando o uso de duas coletâneas, embora haja uma totalidade de seis


diferentes edições da coleção, faremos uma breve descrição e análise das duas últimas (5ª e
6ª edições). Para isso, organizamos essa apreciação comparativa em duas partes: a primeira
tem por objetivo analisar a composição verbo-visual das capas das duas edições, para
compreender o porquê das mudanças materializadas verbo-visualmente em diferentes
edições que circulam atualmente nas escolas brasileiras. Na segunda parte, ressaltamos
alguns aspectos quantitativos relacionados ao número de atividades inseridas em cada
edição, evidenciando, dessa forma, se haveria algum prejuízo, do ponto de vista didático-
pedagógico, em se utilizar uma ou outra.

Considerando PL como referência entre as coleções didáticas utilizadas nas escolas


brasileiras, a nossa proposta pode evidenciar, a partir da materialidade das capas, como se
dá a interação entre a coleção e os seus distintos públicos: a escola pública e a escola
privada.

Nesse âmbito, recuperamos, conforme a fundamentação teórica construída, os


conceitos de signo ideológico, entoação apreciativa e auditório social. O nosso objetivo é
reconhecer na constituição verbo-visual das capas os acentos apreciativos que são
instaurados por meio da seleção de determinadas imagens, signos ideológicos, que
constroem a totalidade desses enunciados concretos, direcionados a um auditório social
específico. De acordo com a concepção bakhtiniana “a situação e o auditório obrigam o
discurso interior a realizar-se em uma expressão exterior definida” (BAKHTIN/VOLOCHINOV,
2004, p.125).

Reconhecemos que a quinta e a sexta edições, focos de nossa análise, participam de


diferentes esferas. Para a quinta edição, a produção editorial deve considerar os desígnios
do edital do PNLEM, enfocando o julgamento dos seus avaliadores, bem como dos
professores da rede pública, que por ventura escolherão a obra, e, ainda, levar em conta a
circulação da coleção nas escolas públicas e a sua utilização por alunos do ensino médio. Já a
sexta edição foi elaborada para circular, em um primeiro momento, na rede particular de
ensino, de acordo com a adoção de cada escola privada, sendo que, o livro do aluno está à
82

venda nas diversas livrarias do Brasil.

Essas diferentes coerções podem acarretar modificações na construção desses


enunciados. A confecção de cada edição sofre alterações, já que a quinta edição é uma
coleção que foi adquirida pelo poder público e distribuída gratuitamente para as escolas
públicas, ao contrário da edição mais atualizada. Cabe entendermos, porém, qual auditório
social que cada edição pressupõe e quais as implicações resultantes dessa pressuposição na
constituição dessas materialidades.

3.2.2 Descrição das coleções

A designer Gislaine Ribeiro é responsável pela produção das capas da 5ª edição.

FIGURA 2: Capas da 5ª edição de Português: Linguagens.

Na capa do primeiro volume, há um fundo verde na parte superior, no qual se


sobrepõem, primeiramente, o nome dos autores, seguido do título do livro (Português:
Linguagens), logo após uma espécie de subtítulo com o realce em vermelho contornando as
letras (“literatura – produção de texto – gramática”). Na parte inferior, temos a inserção de
três imagens. Do lado esquerdo, há uma foto da banda Skank e logo abaixo um poema
disposto sobre uma espécie de tabuleiro de xadrez; do lado direito, insere-se a tela O Casal
Arnolfini, de Jan Van Eyck (1434). Não há referência de fontes na capa, nem na folha de
rosto. Há, ainda, sobrepondo as imagens, os ícones informativos da série e do material de
divulgação para o PNLEM 2009.

Os padrões da capa anterior são mantidos no volume dois, apresentando os nomes


dos autores, título e subtítulo, sobrepondo um fundo vermelho, na parte superior. Abaixo,
há a inserção de três obras artísticas, sendo que do lado esquerdo abaixo, é incluída a
83

escultura, de Antônio Canova, Eros e Psiquê (1796).

Seguindo o modelo anterior, na capa do volume três, é modificada a cor de fundo


para o roxo. Na parte inferior, há, do lado esquerdo, a caricatura do artista Costa Pinheiro,
em torno da heteronímia de Fernando Pessoa; logo abaixo temos a imagem de uma cena do
filme Tempos Modernos (1936) de Charles Chaplin. E, por fim, do lado direito temos a tela,
de Salvador Dalí, A Madona de Port Lligat (1949). Sem a indicação da fonte.

O primeiro volume da quinta edição é composto por 320 páginas, o volume dois, 400
páginas e o terceiro volume, 368 páginas, todos acompanhados de mais 32 do mesmo
manual do professor. Cada livro da coleção está dividido em quatro unidades, subdivididas
em três tipos de capítulos: Literatura, Produção de texto e Língua: uso e reflexão. Nomeamos
as subdivisões dos capítulos de eixos didáticos. No quadro abaixo, temos a quantidade de
atividades destinadas para cada eixo nos três volumes da coleção:

QUADRO 1: Levantamento quantitativo de atividades por eixo didático – 5ª edição

Eixos didáticos Volume 1 Volume 2 Volume 3 Total


Literatura 15 23 22 60
Produção de textos 12 10 7 29
Língua: uso e reflexão 9 14 9 32
Total de seções na coleção: 121

Cada volume da coleção ainda comporta mais quatro capítulos, denominados


Intervalo, no final de cada unidade, com sugestões de projetos e/ou atividades extras de
ampliação e aprimoramento de conceitos.

FIGURA 3: Capas da 6ª edição de Português: Linguagens.


84

Na sexta edição, a produção das capas é creditada à designer Teresa Yamashita,


apresentando uma estruturação parecida com a anterior. No primeiro volume, temos um
fundo laranja, no qual são sobrepostos, na parte superior, um quadro verde, com o nome
dos autores, título do livro e o mesmo subtítulo da coleção anterior (“literatura – produção
de texto – gramática”). Na parte inferior, há três ilustrações (da esquerda para direita, a
personagem Gata de Laerte, um iphone da Apple e uma mulher com roupas antigas), cujos
créditos são descritos na folha de rosto (Keystone; Robert Huberman/SuperStock; Apple
Handout/epa/Corbis/LatinStock; Musee Toulouse-Lautrec, Albi, France/Keystone; Laerte).

No volume dois, há o fundo o azul, no qual se sobrepõem, na parte superior, um


quadro lilás com a identificação da obra (autores, título e subtítulo) e, embaixo, três
ilustrações (da esquerda para a direita: uma garotinha tentando dar uma chinelada na
personagem Barata Fliti, de Fernando Gonsales, uma caricatura de Carlos Drummond de
Andrade e um rolo para projeção de filmes), tendo como referência, na folha de rosto, o
seguinte: Arena Estúdio/FernandoGonsales/Roy McMahon/Corbis/Latin Stock/Jupiter
Unlimited/Other Images.

Por fim, na capa do terceiro livro, temos o verde como cor de fundo, sobreposto, na
parte superior, por um quadro laranja com a identificação da obra e, na parte inferior, por
quatro imagens (as personagens de Fernando Gonsales e a imagem da personagem Carlitos,
de Charles Chaplin, sobre um notebook, no qual se insere um pendrive, e, atrás dessa
composição, a imagem de um garoto, fazendo um movimento acrobático que lembra passos
da dança de rua), creditadas a: Rodin/ SuperStock/ Keystone; CinemaPhoto/ Corbis/
LatinStock; Alamy/ Other Images; Keystone; Fernando Gonsales.

No primeiro volume, temos 400 páginas (80 a mais que o volume 1 da edição
anterior); no segundo volume há 464 páginas (64 a mais que a edição passada) e, por fim, o
terceiro livro é composto por 464 páginas (96 a mais que o livro da quinta edição),
acrescidos de mais 32 do manual do professor. Cada livro da coleção continua sendo dividido
em quatro unidades, porém, nessa edição, há quatro eixos didáticos as subdividindo:
Literatura, Produção de texto, Língua: uso e reflexão e Interpretação de textos. No novo eixo
dedicado à interpretação, os autores trazem atividades relacionadas às competências e
habilidades do ENEM e às especificidades do vestibular. Esse eixo está inserido quatro vezes
em cada volume da coleção, no final de cada unidade, precedendo apenas os capítulos
85

denominados de Intervalo, que, por sua vez, permanecem com a mesma função da edição
anterior. Vejamos a distribuição de atividades por eixo didático, no quadro abaixo:

QUADRO 2: Levantamento quantitativo de atividades por eixo didático – 6ª edição

Eixos didáticos Volume 1 Volume 2 Volume 3 Total


Literatura 15 21 21 57
Produção de textos 13 12 11 36
Língua: uso e reflexão 8 14 9 31
Interpretação de textos 4 4 4 12
Total de seções na coleção: 136

3.2.2 Comparando e estabelecendo relações dialógicas

A partir da descrição das capas, notamos que a sexta edição passou a utilizar como
fonte diferentes bancos de imagens, o que é comum no mercado editorial atual. Esse tipo de
banco consiste em um conjunto de imagens comercializado para fins publicitários e
editoriais, por exemplo. Há uma empresa que administra esse estoque, captando,
catalogando e distribuindo imagens nacionais e internacionais. Pela internet, o cliente
adquire a imagem que necessita digitalizada e adequada aos seus objetivos. Geralmente, os
portais oferecem mais de dois milhões de imagens, atendendo, muitas vezes, segmentos
específicos do mercado, como esporte, beleza, educação, etc. (BORGES e BOTELHO, 2008).

O mercado editorial, sobretudo de livros didáticos, opta geralmente por um modelo


de comercialização denominado imagens por assinatura. As empresas disponibilizam até dez
tipos diferentes de assinaturas, permitindo que o cliente baixe qualquer imagem durante um
determinado período oficializado em contrato. Esse procedimento, normalmente,
proporciona um custo mais baixo para os clientes que necessitam de um grande volume de
imagens, mas que possuem orçamento controlado para adquiri-las. É comum, entretanto,
essas assinaturas oferecerem um acervo limitado e ausência de exclusividade (BORGES e
BOTELHO, 2008).

A utilização de um banco de imagens faz parte da nova demanda do mercado


editorial, contudo essa inserção traz implicações. Relembramos Brait (2009) que concebe a
linguagem verbo-visual como um todo de sentido, materializado em um enunciado concreto,
articulado por um projeto discursivo que atribui força idêntica ao verbal e ao visual.
86

Considerando essa postulação, a capa de cada volume das coleções analisadas foi tomada
como enunciado concreto proferido em uma determinada situação social e histórica,
implicando um auditório social. Nesse enunciado, as imagens que compõem a totalidade
verbo-visual da capa são signos ideológicos constituídos de sentido e de acento apreciativo.
Assim, ao estabelecermos relações dialógicas entre as capas da coleção, pudemos vislumbrar
os sentidos construídos em cada enunciado.

Em todas as capas, é visível a cuidadosa organização verbo-visual, sendo possível


observarmos a manutenção da estrutura organizacional do enunciado em relação aos
elementos verbais. Observemos o primeiro volume das duas edições:

FIGURA 4: Capas do primeiro volume das 5ª e 6ª edições de Português: Linguagens.

A organização dos elementos da capa nos revela um estreito diálogo entre as


edições, sobretudo pela organização dos elementos verbais que apresentam a coleção ao
seu interlocutor (nome dos autores, título e subtítulo). Há uma alteração na cor, no tipo de
letra, mas a sequência de informações permanece basicamente a mesma.

Com relação aos elementos visuais, entretanto, há um nítido direcionamento


ideológico. Se a capa da quinta edição recupera diferentes linguagens como a música, por
meio da banda Skank, da linguagem poética, por meio do tabuleiro de xadrez, e das artes
87

plásticas, por meio da pintura, a sexta edição apresenta, em primeiro lugar, um acento
apreciativo ligado ao humor, por meio da personagem Gata, de Laerte e por meio de uma
imagem caricata do passado ilustrada na mulher. Já o signo ideológico representado pela
imagem do iphone nos remete para o uso da tecnologia.

A capa da sexta edição insere diferentes linguagens, investindo na aproximação com


o humor, o que não acontece na quinta edição. Ao utilizar a personagem do cartunista
Laerte e a imagem ilustrativa da mulher, o enunciador busca unir o estudo da língua com o
aspecto cômico dessas linguagens, já que o foco é o olhar do aluno consumidor desse
material. O signo ideológico marcado pelo iphone pressupõe que o aluno da escola privada
conheça essa tecnologia e que a use no seu dia a dia, já o aluno da escola pública não a
utiliza.

FIGURA 5: Capas do segundo volume das 5ª e 6ª edições de Português: Linguagens.

No segundo volume, a sexta edição continua privilegiando o humor por meio de


signos ideológicos que acentuam apreciativamente uma relação com os gêneros tirinha e
caricatura. Enquanto a capa da quinta edição utiliza signos ideológicos que remetem à
produção estética das artes plásticas.
88

FIGURA 6: Capas do terceiro volume das 5ª e 6ª edições de Português: Linguagens.

O terceiro volume da sexta edição retoma o acento apreciativo do volume 1,


relacionado à tecnologia, pois insere um notebook, acompanhado de um pendrive, pelos
quais diferentes signos ideológicos ligados ao humor se manifestam, como as personagens
da tirinha de Fernando Gonsales e a personagem cômica do cinema Carlitos. A quinta edição
dialoga diretamente com a sexta, pois também traz Carlitos em cena, no filme Tempos
Modernos, todavia, ele não está sobre um elemento visual que marca o uso tecnológico,
demonstrando que o acesso tecnológico está na escola privada e não na escola pública.

Considerando as diferentes esferas de circulação, na quinta edição, há como


primeiros interlocutores os avaliadores do PNLEM e os professores da rede pública, com os
quais dialoga mais precisamente do que com o aluno, aquele que realmente estuda com o
material. Na sexta edição, existe uma relação com elementos mais ligados à vida do jovem,
sobretudo pelo uso do humor, aproximando-se, portanto, mais desse interlocutor.

A dimensão verbo-visual das capas analisadas instaura uma tensão entre o que é
proposto para escola pública e para a escola privada. A quinta edição enfoca a literatura, a
música, o cinema e as artes plásticas, o que pressupõe um trabalho com diferentes
linguagens. A sexta edição, por sua vez, também enfoca diferentes linguagens como a
89

literatura, o cinema e os gêneros de humor, sendo que esse enfoque é mediado pela
tecnologia.

Pressupor que a tecnologia ou que o ensino mediado por ela está somente na escola
privada, dialoga ideologicamente com a precariedade dos recursos destinados à escola
pública brasileira, ficando subentendido que nela não há possibilidade de acesso aos
recursos tecnológicos. A atualização da materialidade verbo-visual constitutiva das capas das
edições insere um posicionamento ideológico que advém de um projeto discursivo,
determinado por sua esfera de produção, recepção e circulação, acentuando
apreciativamente que há uma diferença na qualidade da escola pública e da escola privada.

Com relação à quantidade de atividades em cada coleção, notamos que a sexta


edição traz 15 atividades a mais que a anterior, sendo 12 destinadas a um novo eixo de
trabalho (Interpretação de textos), com foco em atividades do ENEM. Há, também, uma
preferência, nas duas coletâneas, por atividades destinadas ao ensino de literatura, contudo,
na sexta edição, há uma reformulação quanto ao número de atividades para cada eixo,
aumentando o número de atividades de Produção de textos e diminuindo de Língua: uso e
reflexão e, principalmente, de Literatura. Tal procedimento pode revelar um interesse maior
para a questão da produção escrita a partir dessa edição. Como o foco dessa pesquisa está
na produção escrita, elaboramos um quadro comparativo entre os gêneros trabalhados, nas
atividades de Produção textual, em cada edição. Vejamos, primeiramente, o volume 1:

QUADRO 3: Objetos de ensino do eixo didático produção de textos no volume 1


Unidades 5ª edição 6ª edição
Introdução aos gêneros do discurso Introdução aos gêneros do discurso
A fábula O poema
1
O poema O texto teatral escrito
----- A fábula e o apólogo
O texto teatral escrito O relato pessoal
2 A carta pessoal A biografia
O relato pessoal Hipertexto e gêneros digitais: o e-mail e o blog

O texto de campanha comunitária Os gêneros instrucionais


3 O relatório de experiência científica Resumo
O seminário O seminário

O debate regrado público O debate regrado público


4 O artigo de opinião O artigo de opinião
O debate e o artigo de opinião O debate e o artigo de opinião
90

Notamos, no volume 1, que a sexta edição traz a inserção do gênero apólogo no


mesmo capítulo destinado à fábula. Os gêneros carta pessoal e relatório de experiência
científica são excluídos, sendo incluídas atividades de produção para gêneros digitais,
gêneros instrucionais e resumo.

Observemos agora a comparação entre o volume 2 de ambas as edições:

QUADRO 4: Objetos de ensino do eixo didático produção de textos no volume 2


Unidades 5ª edição 6ª edição
O cartaz O cartaz
1 A mesa-redonda O texto de campanha comunitária
----- A mesa-redonda
O conto I O conto I
2 O conto II O conto II
----- O conto de mistério
A notícia A notícia
3 A entrevista A entrevista
A reportagem A reportagem
O anúncio publicitário O anúncio publicitário
4 A crítica A crítica
O editorial O editorial

Na sexta edição, há a inclusão do capítulo O texto de campanha comunitária,


excluído do volume 1, e do capítulo destinado ao ensino do gênero conto de mistério. Para
finalizar, observemos a comparação entre o terceiro volume das edições:

QUADRO 5: Objetos de ensino do eixo didático produção de textos no volume 3

Unidades 5ª edição 6ª edição


A crônica O roteiro de cinema
1 ----- A crônica
----- A crônica argumentativa
A carta de leitor A carta de leitor
As cartas argumentativas de reclamação e As cartas argumentativas de reclamação e
2
de solicitação de solicitação
----- O texto de divulgação científica
O debate regrado público: estratégias de O debate regrado público: estratégias de
contra-argumentação (p.221-224) contra-argumentação
O texto argumentativo: a seleção de O texto argumentativo: a seleção de
3
argumentos argumentos
----- O texto argumentativo: a informatividade e
senso comum
O texto dissertativo-argumentativo O texto dissertativo-argumentativo
4 O texto dissertativo-argumentativo: o O texto dissertativo-argumentativo: o
parágrafo parágrafo
91

Esse volume é o que sofre maiores inserções, pois passa de sete atividades para onze.
Nessas quatro atividades a mais, são inseridos o roteiro de cinema, a crônica argumentativa
e o texto de divulgação científica (com relação ao último, pode ser uma alternativa
encontrada pelo autor para trabalhar o texto científico, já que excluiu a produção de
relatório científico do volume 1). Além disso, há uma atividade a mais para o trabalho com o
texto argumentativo.

As mudanças propostas na reformulação acrescentam mais atividades de produção


textual, mesmo assim, as alterações não acarretam grandes mudanças na proposta didática
da obra como um todo. O que, de fato, é positivo, visto que, muitos adolescentes utilizarão a
quinta edição até 2011.

Além do novo eixo de trabalho destinado à leitura e interpretação de atividades do


ENEM, há uma centralização de atividades de produção de textos argumentativos no volume
destinado ao terceiro ano, aproximando os objetos de ensino dos objetivos dos vestibulares
e do ENEM. Tal evidência nos conduziu para a investigação da proposta de produção escrita
de textos argumentativos da coleção, procurando responder como os autores a organizam.
Para isso, aprofundaremos a análise da sexta edição, apontando o que traz o manual do
professor, a quantidade de atividades destinadas à produção escrita argumentativa e quais
objetos de ensino compõem essas atividades.

3.3 O manual do professor

O manual do professor é composto por 32 páginas, organizado pelas seções


Introdução, Metodologia, A estrutura da obra, Sugestão de estratégias e Bibliografia. O foco
na produção de texto está entre as páginas 8 e 15, inserindo os seguintes tópicos: Produção
de texto, Outros procedimentos didáticos, O jornal em sala de aula, Uma experiência com
jornal e Avaliação da produção de textos. Observemos o sumário reproduzido abaixo:
92

FIGURA 7: Sumário do manual do professor de Português: Linguagens

Os autores da coleção não apresentam no manual uma proposta específica para o


ensino da produção escrita de textos argumentativos, mas são discutidas, em oito páginas,
algumas concepções que embasam a proposta de produção de textos.
93

FIGURA 8: Proposta de produção de textos de Português: Linguagens.

Destacamos, portanto, algumas acepções teóricas consideradas pelos autores da


obra didática:

[...] esta edição adota a perspectiva de trabalho centrada nos gêneros textuais ou
discursivos, sem deixar de lado alguns aspectos relacionados com a tipologia
textual [...] (CEREJA; MAGALHÃES: Manual do professor, 2008, p. 8, negrito
nosso)
[...]
Segundo Bakhtin, todos os textos que produzimos, orais ou escritos, apresentam um
conjunto de características relativamente estáveis, tenhamos ou não consciência
delas. Essas características configuram diferentes textos ou gêneros textuais ou
discursivos, que podem ser caracterizados por três aspectos básicos coexistentes:
o tema, o modo composicional (a estrutura) e o estilo (usos específicos da língua).
(CEREJA; MAGALHÃES: Manual do professor, 2008, p. 8, negrito nosso)

[...] em produção de texto o trabalho é iniciado pela leitura de um texto


representativo do gênero a ser enfocado. Observando aspectos da estrutura
(modo composicional), do tema (conteúdo), do estilo (linguagem), do suporte e da
situação de interlocução, o aluno é levado a construir indutivamente um modelo
teórico do gênero. Por fim, em interação com os colegas, é levado a construir um
quadro-síntese com as principais características do gênero em estudo. (CEREJA;
MAGALHÃES: Manual do professor, 2008, p. 26, negrito nosso)

A proposta didática parte da concepção bakhtiniana de gêneros do discurso e suas


três características: tema, forma composicional e estilo. Respondendo aos documentos
oficiais, sobretudo, ao programa de avaliação dos livros didáticos, os autores tomam como
94

sinônimos conceitos diferentes: texto, gênero do discurso, gênero textual e tipologia textual.

Brait e Rojo (2001) expõem que as tipologias textuais se classificam de acordo com
sua forma, estrutura ou função. O ensino das tipologias tradicionalmente conhecido nas
escolas é o tripé narração, descrição, dissertação. Essa classificação enfoca, sobretudo, as
características formais de produção, desconsiderando as situações de produção, circulação e
recepção dos textos. Para as autoras, as tipologias textuais são generalizadas e não dão
conta do funcionamento dos gêneros do discurso e de sua intrínseca ligação com as
especificidades das inúmeras atividades humanas.

Além de indicar um trabalho com a tipologia textual, os autores da coleção didática


tomam como eixo de sua proposta a organização por gênero de foco, ou seja, cada atividade
de produção escrita está organizada a partir de um gênero. Para isso, a coleção adota a
perspectiva do gênero textual, proposta pelos pesquisadores do grupo genebrino, Joaquim
Dolz, Bernard Schneuwly e outros, conforme a reprodução do quadro de agrupamento dos
gêneros:

FIGURA 9: Reprodução do agrupamento de gêneros em PL.


95

Retomando a concepção de Dolz e Schneuwly (2004), exposta no capítulo 1, trabalhar


com gêneros requer a elaboração de um modelo didático do gênero textual a ser ensinado,
construído a partir da análise das características comuns de um grupo de textos. A proposta
de agrupamento de gêneros textuais tem por objetivo desenvolver nos alunos, ao longo de
sua escolaridade, as capacidades de linguagem globais (narrar, relatar, argumentar, expor e
descrever ações). Para cada um desses agrupamentos, os pesquisadores genebrinos
propõem três níveis fundamentais de operações de linguagem em funcionamento:
representação do contexto social (capacidades de ação), estruturação discursiva do texto
(capacidades discursivas) e escolha das unidades linguísticas ou textualização (capacidades
linguístico-discursivas).

Considerando que o eixo adotado por PL é o agrupamento de gêneros, das 36


atividades que compõem a coleção, catorze enfocam a capacidade de linguagem
argumentar, sendo três no volume 1 (O debate regrado público, O artigo de opinião, O
debate e o artigo de opinião), três no volume 2 (O anúncio publicitário, A crítica, O editorial)
e oito no volume 3 (A crônica argumentativa, A carta de leitor, As cartas argumentativas de
reclamação e de solicitação, O debate regrado público: estratégias de contra-argumentação,
O texto argumentativo: a seleção de argumentos, O texto argumentativo: a informatividade
e senso comum, O texto dissertativo-argumentativo, O texto dissertativo-argumentativo: o
parágrafo).

Nessa seleção de objetos de ensino, há uma ênfase nos textos jornalísticos. Entre as
catorze atividades de produção escrita de textos argumentativos, sete enfocam gêneros que
pertencem à esfera jornalística, corroborando o destaque dado, no manual do professor, ao
uso do jornal na sala de aula:

O jornal pode fornecer inúmeras possibilidades de trabalho: debate de assuntos


que estabelecem relações entre o indivíduo e o mundo que o cerca; diferentes
interpretações de um mesmo assunto; estudo das especificidades de cada gênero
jornalístico; estudo da primeira página, das relações entre texto verbal e
fotografias, entre foto e legenda, título e matéria jornalística; análise de jornais
voltados a leitores com diferentes interesses; e, enfim, a produção de gêneros
jornalísticos. (CEREJA; MAGALHÃES: Manual do professor, 2008, p. 14, negrito
nosso)

Considerando a importância dada à argumentação e a ênfase dedicada aos textos


argumentativos da esfera jornalística, para compreender como a proposta prescrita no
manual se concretiza, selecionamos como corpus de análise três atividades distribuídas
96

entre os três volumes da coleção: O artigo de opinião (volume 1), O Editorial (volume 2) e A
carta de leitor (volume 3).

Escolhemos tais atividades, porque pretendemos esclarecer como os aspectos


coercitivos de uma esfera específica, no caso a jornalística, são tratados em PL, evidenciando
se há o estudo da primeira página, das relações entre o verbal e o visual, do perfil do jornal
ou revista e de seus leitores, assim como o manual do professor prescreve.

3.4 A produção escrita de textos argumentativos

As atividades que compõem o corpus de análise (O artigo de opinião, O Editorial e A


carta de leitor) são organizadas em duas seções: Trabalhando o gênero e Produzindo (o
gênero). No segundo subtítulo, no lugar da expressão o gênero, é inserido o gênero de foco
de cada atividade: Produzindo o artigo de opinião, Produzindo o editorial, Produzindo a carta
de leitor. Além dessas seções, a atividade A carta de leitor insere uma terceira parte
denominada Escrevendo com coerência e coesão dedicada ao estudo dos recursos
linguístico-discursivos.23

Todos os subtítulos são construídos verbo-visualmente, antecedidos pelo mesmo


ícone. Nesse ícone, há a representação do globo terrestre sendo sobreposto por uma
espécie de monitor, do qual saem folhas com pequenos traços, simbolizando vários textos, o
que marca verbo-visualmente o momento destinado à leitura, à análise e à escrita em um
gênero específico.

FIGURA 10: Seções organizadoras das atividades de produção escrita

23
Em PL, essa organização se repete nas catorze atividades didáticas de produção escrita de textos argumentativos, sendo
que cinco atividades trazem a seção dedicada ao estudo dos recursos linguístico-discursivos, apresentando algumas
variações no título: Escrevendo com expressividade (O debate e o artigo de opinião, volume 1), Escrevendo com adequação
(A crítica, volume 2; A crônica argumentativa, volume 3), Escrevendo com coerência e coesão (A carta de leitor, volume 3; O
texto argumentativo: a informatividade e o senso comum, volume 3).
97

Para compreendermos como essas seções se articulam no ensino da escrita


argumentativa, organizamos a análise em três partes: (A) Projeto gráfico da atividade, na
qual descrevemos a atividade didática e apontamos os sentidos construídos pela
composição verbo-visual do projeto gráfico; (B) Questões propostas, onde trazemos as
questões destinadas à análise e produção do gênero, para evidenciar marcas na
materialidade verbal que apontam quais aspectos são explorados em cada gênero de foco,
respondendo quem trabalha o gênero e de que forma é encaminhada a produção escrita, ou
seja, quem escreve e como deve fazê-lo; e, por fim, (C) Dialogando com as outras atividades,
na qual comparamos a análise detalhada com as outras atividades que compõem cada
volume.

3.4.1 O artigo de opinião (capítulo 5, volume 1)

(A) Projeto gráfico da atividade

A atividade com foco na produção do artigo de opinião insere-se no volume 1,


destinado aos alunos do primeiro ano do ensino médio. Este capítulo, de número 5, faz parte
da unidade 4, cujo título é História social do Arcadismo. Antecedendo o capítulo 5, temos as
atividades A linguagem do Arcadismo (capítulo 1, literatura); O debate regrado público
(capítulo 2, produção de textos); Estrutura das palavras (capítulo 3, língua: uso e reflexão) e
O Arcadismo em Portugal (capítulo 4, literatura). Os capítulos posteriores, por sua vez, são:
Formação de palavras (capítulo 6, língua: uso e reflexão); O Arcadismo no Brasil (capítulo 7,
literatura); O debate e o artigo de opinião (capítulo 8, produção de textos); Diálogos
(capítulo 9, literatura) e Habilidades de leitura e suas operações: observação, análise e
interpretação (capítulo 10, interpretação de textos).
98

FIGURA 11: Atividade O artigo de opinião

A atividade é composta por cinco páginas. Na primeira 24, é apresentado o cabeçalho


padrão: capítulo (capítulo 5), eixo didático (Produção de textos) e título do capítulo (O artigo
de opinião). Abaixo da identificação inicial, há uma foto de três jovens, de etnias diferentes,
utilizando um computador (creditada a José Luís Pelaez). Abaixo dessa foto, temos o
subtítulo composto verbo-visualmente “Trabalhando o gênero”. Após esse subtítulo, há um
texto didático introduzindo alguns aspectos do gênero que será estudado e, também, do
assunto que será discutido no artigo.

Na segunda página da atividade25, insere-se a transcrição de um artigo de opinião


(Cotas: o justo e o injusto, de Lya Luft, Veja, n.º 2046, s/d), em um caixa de texto esverdeada
que está sobrepondo o fundo branco da página, tendo o formato de uma espécie de folha.
Esse texto discute a implantação do sistema de cotas para estudantes negros e/ou oriundos
de escola pública nas universidades públicas brasileiras. Inserida na caixa de texto, na parte
inferior direita da transcrição do artigo, há uma foto de cinco jovens de etnias diferentes

24
Cf. CEREJA; MAGALHÃES, 2008a, p.336.
25
Ibid., p.337.
99

(fonte DigitalVision/Keystone). No final da segunda página, é introduzida a primeira questão


de nove perguntas que são propostas para estudo do artigo transcrito.

A terceira página26 é composta de mais sete questões. A questão três vem


acompanhada de um boxe (Verdade X Opinião), no qual se insere uma foto do que parece
ser uma reunião, apresentando também pessoas de diferentes etnias (fonte Photodisc/Getty
Images).

Na quarta página27, há a inserção da última questão e abaixo temos outro subtítulo


(Produzindo o artigo de opinião). Nessa parte, é introduzido um painel de textos composto
pela transcrição de cinco cartas de leitores, publicadas no n.º 2047 de Veja, com
comentários em torno do artigo de opinião de Lya Luft.

Na última página da atividade28, insere-se um último texto (Duas derrotas para as


cotas, de Thiago Cid, Época, nº506, s/d), informando alguns fatos relacionados à política de
cotas. Abaixo desse texto, temos oito instruções para a produção do artigo de opinião,
numeradas da letra “a” até “h” e, ao seu lado direito, há uma caixa de texto lilás, intitulada
Avalie seu artigo de opinião, com alguns parâmetros para que o aluno avalie a sua produção
de texto.

O projeto gráfico da atividade didática, portanto, contempla textos verbais,


acompanhados de textos visuais. As fotos inseridas ao longo da atividade, embora
ilustrativas, estabelecem uma referência ao assunto discutido como proposta de produção
de texto: a implantação do sistema de cotas para alunos negros e/ou oriundos de escola
pública em universidades públicas brasileiras.

FIGURA 12: Imagens ilustrativas da atividade O artigo de opinião

26
Ibid., p.338.
27
Ibid., p.339.
28
Ibid., p.440.
100

Embora a atividade não conduza para uma leitura dos textos visuais, a questão das
cotas é comentada verbalmente:

A adoção desse sistema é apresentada como forma de reduzir as desigualdades,


promover a diversidade racial e combater a exclusão, e seus adeptos se apoiam em
dados que mostram que uma grande parte da comunidade negra do Brasil é
excluída de oportunidades sociais. (CEREJA; MAGALHÃES, 2008a, p.336)

As fotos e esse fragmento sugerem uma concordância, não com o sistema de cotas
em si, mas com a integração entre distintas etnias em diferentes atividades humanas,
apontando para o contexto extraverbal de produção do LDP, que considera os critérios do
PNLEM, entre os quais é verificado se “A obra veicula preconceitos e discriminações (de
origem, cor, condição sócio-econômico-cultural, etnia, gênero, linguagem) privilegiando
grupo, camada social ou região do país?“ (PNLEM, BRASIL, 2008, p.128). As fotos e o texto
didático que introduzem a atividade consistem em formas de respaldar a postura
“politicamente correta” e ideologicamente construída pela seleção do material textual.

(B) Questões propostas

A descrição mostra que a atividade didática é organizada a partir de um texto


transcrito e sem referência de data de publicação. As nove questões elaboradas para o
estudo do texto exploram a estrutura textual, nas quais observamos a presença das
concepções retóricas aristotélicas e dos tipos de argumentos de Perelman e Olbrechts-
Tyteca (1996).

Cada questão resgata um dos elementos da disposição, operação proposta no


sistema retórico aristotélico como o plano do texto, para a construção do discurso retórico.
Nas questões 1 e 2, os alunos devem localizar a tese discutida e os fatos que justificam essa
tomada de posição pela articulista (“introduz”, “tema”, “ponto de vista”), sendo o exórdio e
a narração. Observemos as questões e as respectivas respostas sugeridas ao professor,
referentes ao texto Cotas: o justo e o injusto, de Lya Luft.
101

FIGURA 13: Questões 1 e 2 – O artigo de opinião, volume 1, p.337-338.

Considerando que a seção tem por título Trabalhando o gênero, para


compreendermos quem trabalha de fato o gênero, observamos os verbos utilizados na
elaboração das questões. Há o verbo ser, um verbo não-dinâmico, que serve para
caracterizar, qualificar, já que a questão é uma interrogativa geral, com pedido de
informação: a atribuição de um predicado a um sujeito (“Qual é o tema do artigo de opinião
lido?”; “Qual é esse princípio?”; “Qual é a posição da articulista em relação ao sistema de
cotas?”). O objetivo é destacar atributos ou identificadores do gênero em estudo, no caso
qualificar uma parte do plano textual aristotélico, sendo marcadores do eixo da verdade.

Notamos a utilização de verbos dinâmicos no imperativo e no presente do indicativo


(“A autora introduz o tema [...]”; “Identifique [...], o ponto de vista da autora”; “A articulista
[...] mostra que a implementação do sistema de cotas fere um princípio fundamental [...]”).
Ao ser utilizado no imperativo, esse tipo de verbo indica, na atividade analisada, as tarefas
que os alunos devem executar para localizar os conceitos previamente descritos na
pergunta, ou seja, o aluno localiza algo que já está classificado como verdade na questão. Já,
no presente do indicativo, esses verbos têm a função de qualificar o que é dito, para
caracterizar o gênero de que se fala.

As respostas sugeridas ao professor confirmam a localização de informações. O tema


é tratado como assunto e não no sentido bakhtiniano, pois o aluno é encaminhado a
localizar o ponto de vista defendido pela autora no 2° parágrafo, sugerindo que a totalidade
do texto não expressa o tema construído pela autora (no sentido bakhtiniano), portanto, o
seu ponto de vista.
102

Nas questões 3, 4 e 5, o enunciador inicia a identificação de tipos de argumentos,


constituindo, assim, a confirmação (“fundamenta”, “verdades”, “opiniões”, “para compará-
la”, “tipos de argumentos”, “ideia principal defendida”, “bons argumentos”, “razões ou
explicações”, “a autora faz referência”). Além do que, essas questões trazem concepções da
Nova Retórica, pois ao confrontar verdade ou opinião, a atividade sugere a diferenciação
entre argumento um baseado na estrutura do real, referindo-se ao existente, e um
argumento quase-lógico, relacionado à interpretação humana. Já, ao mencionar razões e
explicações, na realidade, por meio de um exemplo, o argumento utilizado estabelece uma
ligação que fundamenta a estrutura do real, para provar a tese defendida pelo autor.
Observemos:

FIGURA 14: Questões 3, 4,e 5 – O artigo de opinião, volume 1, p. 338.


103

Nas cinco questões, o uso dos verbos aponta para a construção de um processo
classificatório, procurando caracterizar um atributo do gênero enfocado (“Num texto de
opinião, o autor normalmente fundamenta seu ponto de vista em verdades e opiniões.”). A
utilização de verbos dinâmicos para qualificar o que é dito, tenta caracterizar o gênero
(“fundamenta”, “exime”, “expressa). Os verbos modalizadores indicam uma necessidade
epistêmica e são usados para indicar atributos “obrigatórios” do gênero estudado (“Para isso
precisa apresentar bons argumentos, que consistem em verdades e opiniões”; “[...] a ideia
principal defendida pelo autor precisa ser fundamentada com bons argumentos”).

A utilização do presente, ora do modo indicativo e ora do imperativo, insere-se no


eixo da verdade, apresentando as informações transmitidas em cada questão como
verdades, convalidando o uso de advérbios modalizadores epistêmicos ou asseverativos, o
que indica uma crença, uma expectativa sobre a asserção, algo que legitima o saber, porém,
eles abrem espaço para que haja exceções à exposição do sujeito enunciador (“[...] o autor
normalmente fundamenta seu ponto de vista [...]”; “Os bons textos argumentativos
geralmente fazem uso equilibrado dos dois tipos de argumento”; “Nos gêneros
argumentativos em geral, o autor sempre tem a intenção de convencer seus
interlocutores”).

Pelas marcas levantadas, identificamos uma demonstração de conceitos, por parte


do enunciador, que descreve os aspectos gerais do gênero. Nessa demonstração, há marcas
apreciativas que valorizam a descrição dos tipos de argumentos, já que “bons textos
argumentativos” utilizam “bons argumentos”, o que ele nominaliza como verdades,
opiniões, razões, explicações (“uso equilibrado”; “argumentos básicos”). O sujeito
enunciador, contudo, não explicita qual é a marca linguístico-discursiva que insere esses
tipos de argumentos: como é possível para o aluno localizá-los? Como construí-los? Qual é a
diferença entre os argumentos utilizados? Quais são os sentidos construídos por eles?
104

FIGURA 15: Questões 6, 7, 8 e 9 – O artigo de opinião, volume 1, p. 338-339.

As questões finais referem-se à peroração, ou melhor, à identificação da conclusão


(“conclui seu ponto de vista”, “conclusão”, “conclua”) e à utilização dos recursos linguístico-
discursivos. Na questão 7, observamos a utilização de termos como “organização do texto”,
“estrutura” e “exposição de ideias”, ratificando uma sequência de exercícios que sugerem a
estruturação do texto e sua relação com as ideias expostas.

A questão 8 está relacionada aos aspectos linguístico-discursivos, contemplando a


análise da variedade linguística utilizada (“variedade linguística”, “a formal ou a informal”),
sendo sugerida como resposta a “variedade padrão formal”, adequada ao “tema”, ao
“veículo” e ao “perfil do leitor”.

Na última questão, solicita-se ao aluno que conclua quais são as características do


artigo de opinião, considerando: “finalidade do gênero”, “perfil dos interlocutores”, “suporte
ou veículo”, “tema”, “estrutura”, “linguagem”. Todos esses conceitos foram realmente
desenvolvidos de modo que o aluno pudesse se apropriar dessas caracterizações?

O eixo adotado pelo enunciador está no estudo da estrutura do texto, analisada do


ponto de vista do plano de texto aristotélico. Os verbos utilizados na formulação das
questões mostram que quem trabalha o gênero é o enunciador, pois há uma demonstração
de conceitos que devem ser validados pelo aluno, já que a atividade didática foi organizada
descritivamente.
105

Essas questões partem do pressuposto de que o aluno conheça a revista e o perfil do


leitor. Se o aluno não conhecer o veículo, como saberá qual variedade linguística está
adequada? A variedade formal é a padrão e, de acordo com a resposta sugerida, a variedade
informal, nessa atividade, enquadra todas as outras variantes da língua, pouco colaborando
com a produção escrita do aluno, já que não sugere alguns aspectos inerentes à variedade
padrão.

Após as questões, o enunciador oferece um painel de textos para que o aluno


embase a produção escrita de seu artigo.

FIGURA 16: Painel de textos – O artigo de opinião, volume 1, p. 339.


106

Seria interessante se a atividade explicitasse que os textos que compõem o painel são
cartas de leitores enviadas à Revista Veja, em reposta ao artigo em referência, e publicadas
em seu número seguinte. Assim, o artigo analisado poderia ser discutido como resposta a
outros textos diante de um acontecimento polêmico, que também suscitou a participação
responsiva dos leitores da revista. A discussão proposta poderia contemplar o levantamento
dos diferentes posicionamentos: quais concordam ou discordam do texto de Lya Luft.

FIGURA 17: Proposta de produção de artigo de opinião, volume 1, p.400.

Considerando a leitura do painel de textos, na última página da atividade, as


instruções indicadas ao aluno solicitam a anotação dos argumentos considerados melhores
para fundamentar seu ponto de vista. A tomada de posição do aluno leva em conta a
posição de outro, não como resposta a outros sujeitos, mas considerando o que parece ser
mais adequado (“anote num papel os argumentos que achou melhores, [...] e que podem ser
úteis para fundamentar o ponto de vista que você pretende desenvolver”). O aluno é
solicitado a elaborar novos argumentos se achar necessário (“se achar conveniente,
107

acrescente novos argumentos”). Para concluir o seu texto, ele deve retomar seu
posicionamento inicial ou citar um escritor ou alguém importante para o tema debatido.

Na proposta de produção, o público leitor, indicado para a produção do aluno,


consiste em outros jovens. O texto produzido será publicado em mural ou blog coletivo (“O
texto deve ser guardado para ser exposto num mural de debates ou publicado num blog
coletivo da classe”). Ao escrever o texto, o aluno recebe a instrução de adequar a linguagem
ao gênero e ao perfil do público leitor. Essa indicação gera uma dúvida sobre qual variedade
o aluno pode utilizar. A resposta da questão 8 indica que a variedade padrão é utilizada no
artigo analisado, pois o texto foi publicado em uma “revista de circulação nacional cujo
público leitor são jovens e adultos escolarizados”, enfatizando-se que “esse tipo de gênero
geralmente emprega a variedade padrão formal”. Os jovens utilizam, no entanto, expressões
típicas de seus grupos, de sua idade, de sua época. Essas expressões podem ou não ser
utilizadas, já que o público leitor da proposta foi especificado como outros jovens.

No final da proposta, o aluno é instruído a criar “um título que desperte a curiosidade
do leitor” e deve realizar uma “revisão cuidadosa” de acordo com o boxe “Avalie seu artigo
de opinião”. Nesse boxe, o enunciador propõe uma autoavaliação para o aluno. O tom
apreciativo utilizado aponta para uma caracterização generalizada da “boa” produção de
texto, pois o aluno deve se expressar “claramente”, contemplando uma “ideia principal”,
fundamentada com argumentos “claros”, “fortes” e “bem desenvolvidos”, verificando “se a
linguagem está adequada ao gênero e ao perfil do público leitor” e se o título “é
convidativo”, tornando, portanto, o texto “persuasivo”.

A organização da atividade pressupõe que alunos e professores conheçam as


especificidades do gênero, inserindo conceitos em cada questão, cabendo ao aluno a
reprodução de respostas já introduzidas pelas próprias perguntas, produzindo um texto
baseado no argumento dos outros, como repetição, não como diálogo.

Todo texto é um produto da vida real, na qual um enunciador responde a outros


interlocutores. Considerando essa concepção, a atividade poderia acrescentar alguns
aspectos para o trabalho com o artigo selecionado, destacando o contexto extraverbal que
permeou a produção do artigo, com o objetivo de dialogar com os diferentes pontos de vista
que foram suscitados no momento de sua produção e que contribuíram para sua publicação.
108

(C) Dialogando com as outras atividades

No volume 1, além do capítulo O artigo de opinião, há mais duas atividades em torno


da produção escrita argumentativa: O debate regrado público e O debate e o artigo de
opinião.

Na atividade cujo foco é o gênero debate regrado público, o autor insere “a


transcrição de alguns trechos do debate”29. O gênero oral foi tratado como gênero escrito,
pois não considera a transcrição das especificidades da oralidade, formatando um texto
adaptado. O mesmo ocorre com a atividade para o ensino do artigo de opinião, pois assim
como o texto escrito da esfera jornalística tem sua materialidade verbo-visual original
afetada, o gênero oral também possui características distintas da escrita.

O enunciador propõe dez questões para a análise do debate, sendo que há seis
questões que enfocam os tipos de argumentos e uma relacionada à variedade padrão da
língua, concordando com a mesma sequência proposta na atividade analisada
anteriormente. A questão nove pergunta: “Qual é o suporte desse gênero textual, isto é,
como ele é veiculado para atingir o público a que se destina?” A resposta sugerida explica
que “O debate é um gênero textual oral e, portanto, seu suporte é a fala. Eventualmente
pode ser transcrito e, nesse caso, publicado em livros, jornais, revistas e em sites da
internet” (CEREJA; MAGALHÂES, 2008a, p. 321).

Questionamos o conceito de fala como suporte, pois a língua, falada ou escrita, é o


meio pelo qual materializamos um enunciado concreto em um gênero do discurso
específico, de acordo com a situação e com a esfera e suas respectivas coerções. No caso do
gênero debate, em qual mídia ele foi veiculado originalmente? No caso da transcrição do
texto oral, como manter as especificidades da oralidade, de acordo com a esfera de
circulação? Essa postura diante dos textos demonstra que não é o gênero discursivo, nem o
textual, que organiza o eixo da proposta, mas elementos isolados da textualidade, no caso
do debate, os tipos de argumentos, no caso do artigo de opinião, o plano de texto
aristotélico.

29
Ibid., p.318.
109

Na última atividade do volume 130, é proposta uma junção entre os gêneros debate e
artigo de opinião. Partindo da produção de um debate oral, os alunos devem produzir um
artigo de opinião. As esferas de produção, de recepção e de circulação são alteradas para
fins didáticos, ou seja, a didatização, da forma como é proposta, modifica a finalidade dos
gêneros e, desse modo, não acreditamos que o gênero seja o mesmo.

Nessa atividade, há a inserção da seção Escrevendo com expressividade. Os autores


propõem o estudo dos estrangeirismos por meio da análise de uma letra de música. Do
ponto de vista do ensino da escrita argumentativa, o estudo dos estrangeirismos contribui
em que aspecto? A atividade é muito relevante, mas poderia inserir artigos de opinião ou
debates, nos quais o uso de palavras estrangeiras ocorre como estratégia argumentativa ou
poderia relacionar as questões aos gêneros ligados à informática, por exemplo, que constitui
uma esfera em que os empréstimos estrangeiros são partes integrantes do vocabulário.

Para estabelecer um elo com a proposta de produção escrita, a atividade propõe


mais um debate em torno do projeto de lei do deputado Aldo Rebelo, o qual não permitiria
o uso de termos estrangeiros no país. O ensino dos estrangeirismos vem como o assunto a
ser debatido e não como recurso linguístico-discursivo a ser utilizado pelos alunos em sua
produção escrita.

A seguir, analisamos o capítulo O editorial, presente no volume 2 de PL, direcionado a


alunos do segundo ano do EM.

3.4.2 O editorial (capítulo 9, volume 2)

(A) Projeto gráfico da atividade

O capítulo O editorial, de número 9, está entre os 12 capítulos da quarta unidade do


volume 2, cujo título é História social do Simbolismo. Na sequência da unidade, as atividades
que antecedem o referido capítulo são: A linguagem do Simbolismo (capítulo 1, literatura); O
Simbolismo em Portugal (capítulo 2, literatura); O anúncio publicitário (capítulo 3, produção
de textos); Tipos de sujeito (capítulo 4, língua: uso e reflexão); O Simbolismo no Brasil
(capítulo 5, literatura); A crítica (capítulo 6, produção de textos); Termos ligados ao nome:
adjunto adnominal e complemento nominal (capítulo 7, língua: uso e reflexão) e O teatro

30
Ibid., p.370.
110

brasileiro no século XIX (capítulo 8, literatura). Após a atividade O editorial, insere-se os


capítulos: Termos ligados ao nome: aposto e vocativo (capítulo 10, língua: uso e reflexão);
Diálogos (capítulo 11, literatura) e Habilidades de leitura e suas operações: a inferência e a
interpretação (capítulo 12, interpretação de texto).

FIGURA 18: Atividade O editorial

A atividade é composta por quatro páginas, sendo que, na primeira31, há a mesma


identificação inicial das atividades do volume 1: capítulo (Capítulo 9), eixo didático (produção
de textos) e título do capítulo (O editorial), fixados em uma moldura de tom amarelado.

Na sequência, insere-se o subtítulo Trabalhando o gênero. Do seu lado direito, temos


uma ilustração (fonte indicada: Images.com/Corbis/Latin Stock) que traz um homem,
sentado em um sofá, assistindo a várias televisões diferentes, que, por sua vez, são ligadas
por tubos coloridos a uma espécie de cano inserido a força na parede de uma sala, como se
fosse uma raiz que abala a estrutura da parede.

Seguindo o subtítulo e essa primeira imagem, há a transcrição de um editorial


(Propaganda a ser limitada, Folha de S. Paulo, 11/5/2008), em um caixa de texto esverdeada
que está sobre o fundo branco da página, tendo o formato de uma espécie de folha. Esse
editorial discute o lobby das cervejarias quanto à publicidade, sugerindo a equiparação das
propagandas de cervejas às demais bebidas alcoólicas.

31
Cf. CEREJA; MAGALHÃES, 2008b, p.437.
111

Na parte inferior direita da transcrição do editorial, sobrepondo a caixa de texto, há a


imagem de uma casinha (fonte indicada: Images.com/Corbis/Latin Stock), dividida em quatro
partes, simbolizando os seus cômodos. No andar superior, no cômodo da esquerda, temos a
imagem de uma mulher utilizando um computador, já no cômodo da direita, há uma
adolescente que pretende assistir a uma espécie de DVD que está inserindo no
equipamento. No andar inferior, há, do lado esquerdo, um garoto jogando vídeo-game, e,
por fim, do lado direito há um homem, deitado no sofá, assistindo a uma televisão colocada
sobre sua barriga. No telhado da casinha, temos um gatinho ao lado de uma antena
parabólica.

Depois, são inseridas nove questões. A pergunta número 1 se encontra no fim da


primeira página e as demais estão localizadas na segunda página da atividade32.

Na terceira página da atividade33, a seção Produzindo o editorial é inserida. Abaixo,


há um texto didático de três linhas que indica a tarefa a ser feita e depois dessa instrução
temos a transcrição de uma reportagem (Distrações digitais emburrecem a juventude, afirma
especialista, O Estado de S. Paulo, 2/6/2008), em uma caixa de texto esverdeada, em
formato de folha de papel, sobrepondo o fundo branco da página. Essa reportagem discute o
abandono dos hábitos intelectuais pelos jovens, na atualidade, devido à utilização de
distrações digitais, como, por exemplo, os sites de relacionamento. Na parte inferior da
transcrição da reportagem, do lado direito, temos a sobreposição de uma foto que traz uma
garota acessando um site de relacionamento ao utilizar um notebook (fonte indicada: David
J. Green/Alamy/Other Images).

Na última página da atividade34, há a inserção de uma subseção, Debatendo o tema,


escrita em letras brancas com o realce em azul. Abaixo, introduz-se um texto didático que
direciona a execução da tarefa. Depois, temos um segundo item, cujo título é Planejando e
produzindo o editorial, também em branco com o realce em azul.

Na sequência, expõem-se cinco temas, organizados por marcadores, para que o


aluno produza o editorial. Na caixa de texto de tom alaranjado, cujo título é PROJETO: Os
focas (II), são inseridas informações sobre um projeto para elaboração de um jornal

32
Ibid., p.438.
33
Ibid., p.439.
34
Ibid., p.440.
112

impresso. Por fim, após a caixa de texto, há cinco instruções numeradas da letra “a” até a
letra “e” e, ao seu lado direito, temos uma caixa de texto lilás, intitulada de Avalie seu
editorial, com alguns parâmetros para que o aluno avalie a sua produção de texto.

A atividade didática compõe-se de textos verbais, acompanhados de imagens que


não se referem ao editorial transcrito que elas sobrepõem, mas sim, estabelecem uma
referência à atividade de produção escrita que inicia na terceira página, fazendo uma alusão
ao uso da tecnologia por jovens e suas famílias.

FIGURA 19: Imagens ilustrativas da atividade O editorial

Na primeira imagem, o homem que assiste a diferentes canais ao mesmo tempo,


pode sugerir as inúmeras informações que a tecnologia pode oferecer para o ser humano.
Os canos, porém, surgem como raízes, abalando a estrutura da parede, sugerindo a
influência da TV e da mídia na estrutura social. A segunda imagem pode simbolizar que a
família, inclusive o gatinho, foi “separada” pela tecnologia, visto que, cada membro está
sozinho em um dos cômodos da casa, ou seja, a imagem indica o isolamento físico das
pessoas ocasionado pela tecnologia.

A reportagem inserida na etapa de produção dialoga com a foto da jovem acessando


um site de relacionamento. Ao discutir o uso desse tipo de site e de outras tecnologias
digitais, que, segundo o texto, substituem os hábitos intelectuais dos jovens na atualidade,
estabelece-se uma conexão de sentido entre as imagens e a produção, contudo, não há o
encaminhamento para a leitura das imagens. A própria localização das ilustrações gera um
problema no projeto gráfico, já que elas acompanham um texto com o qual não dialogam.
113

(B) Questões propostas

A atividade didática está organizada a partir da análise de um editorial transcrito. Há


nove questões para o estudo do texto Propaganda a ser limitada, nas quais observamos
novamente a voz da retórica aristotélica e dos tipos de argumentos de Perelman e
Olbrechts-Tyteca (1996). Conforme a análise da atividade anterior, a estrutura do texto é
trabalhada em cada questão como um dos elementos da disposição.

FIGURA 20: Questões 1, 2 e 3 – O editorial, volume 2, p.437-438.

Nas primeiras questões, os alunos devem localizar o assunto discutido (que os


autores tratam como tema), os motivos e os fatos que justificam a tomada de posição no
editorial (“tema”, “discussão”, “motivo”, “ponto de vista”, “posicionamento”), constituindo
o exórdio e a narração.

Nas questões seguintes, há a identificação de tipos de argumentos nas questões 4 e


6, (“argumentos contrários”, “argumentos”, “argumentos consistentes”, “comparações”,
“depoimentos de autoridades”, “dados estatísticos de pesquisa”), constituindo, assim, a
confirmação do plano de texto aristotélico. Do ponto de vista da Nova Retórica, as
comparações e os exemplos são ligações que fundamentam a estrutura do real, ou seja, são
técnicas argumentativas que pela analogia ou pelo exemplo pretendem chegar a uma
conclusão. A localização desses argumentos não conduz para a interpretação da técnica
argumentativa que se apresenta no texto.
114

FIGURA 21: Questões 4, 5, 6, e 7 – O editorial, volume 2, p. 438.

As questões propostas definem editorial como um texto que aborda “um tema do
momento” [...] “em discussão na sociedade” (questão 1), afirmando que esse texto pertence
“ao grupo de textos argumentativos, ou seja, aqueles que têm a finalidade de persuadir o
leitor e, portanto, precisam apresentar argumentos consistentes” (questão 6). Essas
afirmações ressoam a voz da retórica clássica, colocando o gênero com uma função
meramente persuasiva. Na visão aristotélica, cada caso pode ser capaz de gerar persuasão,
isto é, cada situação e seu respectivo auditório devem ser levados em conta para a produção
da argumentação.

Na questão 5, o enunciador expõe o plano do texto em sua totalidade e como os


argumentos compõem essa estrutura (“estrutura relativamente simples”, “ideia principal
(tese)”, “ponto de vista do jornal”, “desenvolvimento”, “fundamentam”, “conclusão”). A
questão 7 refere-se à peroração, ou melhor, a identificação da conclusão e sua relação com
a organização do texto (“conclusão”, “síntese das ideias”, “sugestão ou proposta”).
115

Do ponto de vista discursivo, essas questões não evidenciaram os sentidos


construídos, por meio dos recursos linguístico-discursivos utilizados na formulação dos
argumentos. A construção dos argumentos não integra o uso da língua, o que cabe à
questão oito. Observemos:

FIGURA 22: Questões 8 e 9 – O editorial, volume 2, p. 438.

A resposta sugerida pelo enunciador, na questão 8, amplia a definição de editorial,


pois ele passa a expressar a opinião de um jornal ou revista. Tal informação não modifica a
voz da retórica clássica já assumida nas outras questões, pois trata opinião de modo
generalizado. A atividade não considera que cada jornal ou revista adota uma política
editorial, que pressupõe um perfil de leitor, nem que a opinião expressa por meio desse
gênero consiste na interpretação dada por determinado veículo a diferentes acontecimentos
nacionais e internacionais.

O foco da questão 8 está no uso da linguagem em um texto que representa a opinião


de uma instituição, enfocando a “impessoalidade” no uso de “verbos e pronomes”. A
pergunta antecipa todas as respostas esperadas, colocando que a 3ª pessoa “contribui para
impessoalizar o texto”. Seria interessante que o aluno pudesse entender o que é tornar um
texto impessoal e qual a função discursiva desse recurso para o texto.

Se o aluno não conhece a esfera de produção, de circulação e de recepção do texto,


não reflete sobre o uso das formas verbais e dos pronomes e de outros mecanismos
argumentativos, será possível a produção de texto dentro das coerções do gênero? Na
questão 9, propõe-se que o aluno faça um resumo das características do gênero, mas não
mostra o conteúdo da língua portuguesa que pode ser tomado para construção de sentidos,
116

aproximando a composição do texto à produção de uma dissertação, com número específico


de parágrafos, com uma organização textual que nos remete à produção de parágrafos por
tópicos frasais.

A composição linguístico-discursiva dessa atividade corrobora a mesma organização


da atividade em torno do gênero artigo de opinião, do volume 1. A maioria das questões
utiliza marcadores do eixo da verdade, como o emprego de ser e estar, utilizados para
destacar atributos ou identificadores do gênero em estudo, algumas vezes por meio de
interrogativas gerais que pedem uma informação sobre a verdade (“que está em discussão
na sociedade”; “Qual é o tema abordado pelo editorial em estudo?”; “qual é o motivo de
esse projeto não ter sido votado e entrado em acordo?”; “Esse posicionamento é contra ou
a favor de se evitar que a publicidade da cerveja seja liberada?”; “Em que parágrafo do texto
esse posicionamento é mostrado pela primeira vez?”; “Quais são as principais características
do editorial?”).

As orações adjetivas explicativas e os advérbios modalizadores epistêmicos também


marcam o eixo da verdade, pois legitimam a informação transmitida, de maneira
generalizada (“Os editoriais geralmente abordam um tema do momento, que está em
discussão na sociedade”; “O editorial [...] apresenta uma ideia principal (tese), que expressa
o ponto de vista do jornal sobre o tema; um desenvolvimento, [...] que fundamenta a ideia
principal, e uma conclusão, geralmente formulada no último parágrafo”; “Nos editoriais, a
conclusão geralmente ocorre no último parágrafo”).

A presença desses verbos, orações e advérbios nos remete a um processo


classificatório já apontado na análise anterior, ou seja, em cada questão, caracteriza-se um
atributo do gênero enfocado no capítulo, ressaltando o desenvolvimento de uma
demonstração de conceitos por parte do enunciador. Desse modo, o aluno não trabalha o
gênero, ele reproduz os conceitos apresentados.

A utilização de outros verbos no imperativo indica as tarefas que os alunos devem


executar para localizar os conceitos previamente descritos na pergunta (“cite”, “complete”,
“identifique”, “observe”, etc.). Nessa sequência de ações, o aluno deve localizar o que se
pede, observar o que é demonstrado na questão, sendo conduzido para uma reprodução
dos conceitos previamente dados. O aluno não trabalhou o gênero, pois não vivenciou a
prática de linguagem inerente à produção de um editorial.
117

Na última página da atividade, a partir da leitura da reportagem, os alunos são


conduzidos a debater a substituição dos hábitos de leitura pelo uso da tecnologia,
produzindo um editorial. Para isso, o enunciador apresenta cinco afirmações, entre as quais
o aluno deve escolher uma para se posicionar:

FIGURA 23: Planejando e produzindo o editorial – volume 2, p. 440.

O enunciador afirma que os jovens deixam de lado hábitos intelectuais para se


dedicarem à comunicação online, mas será que a comunicação online também não faz parte
da esfera acadêmica, por meio de fóruns e chats de discussão, cursos online, revistas
científicas eletrônicas? Ao colocar que a leitura, para o jovem de hoje, não é prioridade,
questionamos o fato de crianças e jovens lerem o tempo todo no computador, pois a
tecnologia inseriu novos hábitos de leitura em diferentes esferas de atividade humana.

Tais encaminhamentos apresentam informações que podem ser tomadas pelos


alunos como verdades absolutas. Seria interessante, o enunciador colocá-las como questões,
pelas quais cada aluno fosse engajado em uma resposta, por meio da pesquisa de outros
textos para enriquecer o seu conhecimento sobre o assunto e, assim, posicionar-se a
respeito.
118

FIGURA 24: Proposta de produção do editorial, volume 2, p. 440.

As instruções dadas aos alunos, para a produção de texto, confirmam o plano do


texto aristotélico, mas também ressoam a produção de uma dissertação, pela estrutura
composicional sugerida: “embasar suas opiniões em argumentos”; “ideia principal no
primeiro parágrafo”; “deixando claro o ponto de vista”, “argumentos que ampliarão a ideia
principal”; “o número de argumentos corresponda ao número de parágrafos do
desenvolvimento”; “reservem o último parágrafo para a conclusão”. Nessa proposta, o aluno
deve anotar “os argumentos que julgar mais interessantes”, ou seja, o posicionamento do
aluno deve considerar a posição de outro, não como resposta proferida.

Na proposta de produção, não há indicação do público leitor, havendo menção da


linguagem apenas no boxe Avalie seu editorial (“linguagem adequada ao perfil do jornal e
dos leitores e ao gênero”). No final da proposta, o aluno é instruído a realizar uma “revisão
cuidadosa” de acordo com esse boxe. A caixa de texto, por sua vez, apresenta expressões
que remetem ao plano do texto, evidenciando apreciações em torno do que seria uma
produção adequada: “expressa com clareza uma opinião”, “bons argumentos”, “argumentos
consistentes”, “conclusão coerente”, “linguagem adequada”.

Ao analisar um texto da mídia impressa, a atividade não evidenciou o perfil do jornal


ou revista, seu projeto editorial e sua ideologia, assim como é sugerido pelo manual do
professor. Esses aspectos podem auxiliar a formação do aluno enquanto leitor atuante,
contribuindo para que compreenda o jornal, além de sua função de informar, mas como um
veículo responsável pela formação de opinião dos leitores, cabendo a cada leitor escolher o
jornal que melhor combina com seus interesses.
119

(C) Dialogando com as outras atividades

Assim como o volume 1, o segundo traz três atividades ligadas à argumentação, O


Editorial, já analisada, O anúncio publicitário e A crítica.

O anúncio publicitário é ensinado por meio de uma sequência de questões


semelhante às outras analisadas, propondo uma demonstração prévia de conceitos: “O
anúncio publicitário é um gênero textual que tem a finalidade de promover um ideia ou
marca de um produto ou de uma empresa” (questão 1); “O anúncio publicitário geralmente
é constituído de linguagem verbal e de linguagem não-verbal” (questão 2); “O anúncio
publicitário é um gênero textual do grupo dos argumentativos, pois tem a finalidade de
convencer o leitor a consumir determinado produto ou aderir a certa ideia” (questão 3);
“[...] ele geralmente apresenta um título, [...] subtítulo, o corpo do texto, que amplia o
argumento do título, e a assinatura, logotipo ou marca do anunciante” (questão 4) (CEREJA;
MAGALHÃES, 2008b, p. 400).

A composição verbo-visual inerente a esse gênero é tratada como uso da linguagem


verbal e não-verbal, desconsiderando que a totalidade verbo-visual forma um todo de
sentido. A forma composicional proposta nos remete à mesma definição de editorial, ou
seja, para ser um texto argumentativo é necessário ter a finalidade de convencer e utilizar
argumentos, portanto, o visual não é visto como parte integrante da composição do gênero,
com igual força argumentativa.

A linguagem é estudada a partir do verbal, considerando que o anúncio publicitário


“frequentemente apresenta verbos no imperativo e no presente do indicativo”,
perguntando para o aluno “que variedade linguística foi empregada?”. Tal encaminhamento
de trabalho com o gênero revela uma concordância com a atividade analisada, mostrando
uma preocupação com os aspectos globais da produção escrita, sem adentrar nas
especificidades dos recursos linguístico-discursivos.

A atividade A crítica aponta para a mesma direção, utilizando questões


demonstrativas e validação de conceitos. Além da questão referente à variedade linguística
utilizada, os autores, pela análise de algumas expressões que marcam apreciativamente a
opinião do crítico, perguntam se a crítica “[...] pode estar numa linguagem mais pessoal ou
120

numa linguagem objetiva e direta, tendendo à impessoalidade”35. Essa questão poderia ser
ampliada para que o aluno percebesse como o crítico constrói seu ponto de vista a partir
dessas marcas.

Nessa atividade, é inserida a seção Escrevendo com adequação, na qual o objetivo é


tratar do discurso citado em textos jornalísticos. São propostas questões para analisar duas
reportagens. Com relação ao primeiro texto, o enunciador pergunta sobre o uso de aspas
para marcar discurso direto e sobre a sua identificação, por meio das formas linguísticas que
o introduz: “verbo dicendi + conjunção que” (CEREJA; MAGALHÃES, 2008b, p. 423).

Para a análise da segunda reportagem, os autores inserem um boxe intitulado A


“neutralidade” da impressa, no qual afirmam que:

[...] pode haver uma opinião implícita na escolha de uma ou outra palavra; nas
vozes que o autor inclui em seu discurso, dando maior ou menor espaço a esta ou
aquela pessoa; no emprego do discurso direto, que destaca mais a pessoa citada,
ou do indireto, que subtrai a sua vez. (CEREJA; MAGALHÃES, 2008b, p. 424).

O enunciador aponta para os sentidos construídos por meio do uso de determinadas


palavras e pelo uso que se dá ao discurso citado. O emprego das vozes do outro consiste em
um recurso argumentativo importante a ser analisado. As questões mostram, no entanto, a
função gramatical do discurso citado. Ao perguntar “Que vantagem esse tipo de discurso
[direto] traz para o desenvolvimento do texto?”, a resposta sugerida coloca que “Ele torna o
texto mais vivo, mais dinâmico e mais rico”; outra questão indaga: “Há marcas, no texto, da
opinião do jornalista ou jornal em que o texto foi publicado?”, trazendo como resposta
“Explicitamente não; contudo a seleção dos fatos e a forma de organizá-los e descrevê-los
marca uma visão pessoal do jornalista e/ou do jornal” (CEREJA; MAGALHÃES, 2008b, p. 424).

O discurso citado é um recurso argumentativo a ser ensinado, tornando a proposta


importante no conjunto das atividades. Poderia ser contemplada, entretanto, a ideia de que
há um enunciador que se apropria do discurso do outro para construir o sentido pretendido.
Assim como o manual do professor sugere um trabalho com o jornal, analisando os sentidos
construídos verbo-visualmente, a atividade didática poderia resgatar os textos jornalísticos
originais, mostrando como a utilização de diferentes vozes, na constituição da composição
verbo-visual da página, contribui para que o jornal defina seu posicionamento. Isso pode

35
Ibid., p.421.
121

auxiliar o aluno a compreender como as diferentes práticas de linguagem geram opiniões,


orientando o leitor a certas conclusões.

Em seguida, analisamos a última atividade que compõe o corpus, A carta de leitor,


inserida no volume 3, dirigido aos alunos do terceiro ano do EM.

3.4.3 A carta de leitor (capítulo 2, volume 3)

(A) Projeto gráfico da atividade

A atividade com foco no gênero carta de leitor é o segundo capítulo da unidade 2, do


terceiro volume da coletânea PL. Essa unidade, cujo título é A segunda fase do Modernismo.
O romance de 30, é composta por 11 capítulos. O primeiro antecede à atividade focalizada:
O romance de 30. Rachel de Queiroz (capítulo 1, literatura). Após o capítulo 2, temos:
Período composto por subordinação: as orações subordinadas adverbiais (capítulo 3, língua:
uso e reflexão); O Nordeste no romance de 30. Graciliano Ramos, José Lins do Rego e Jorge
Amado (capítulo 4, literatura); As cartas argumentativas de reclamação e de solicitação
(capítulo 5, produção de textos); Período composto por coordenação e orações coordenadas
(capítulo 6, língua: uso e reflexão); O Sul no romance de 30. Érico Veríssimo e Dionélio
Machado (capítulo 7, literatura); O texto de divulgação científica (capítulo 8, produção de
textos); A pontuação (capítulo 9, língua: uso e reflexão); Diálogos (capítulo 10, literatura) e
As situações-problema nas provas do Enem (capítulo 11, interpretação de texto).
122

FIGURA 25: Atividade A carta de leitor

A atividade é constituída por oito páginas e, assim como as outras atividades


analisadas, na primeira página36, há a identificação do capítulo (Capítulo 2), do eixo didático
(Produção de textos) e do título da atividade (A carta de leitor). Depois da identificação, há
uma imagem em que aparecem, em primeiro plano, envelopes com asas, voando por um
céu azul (fonte indicada: John Shaw/Getty Images). Abaixo da imagem temos o subtítulo
Trabalhando o gênero e depois é inserida a transcrição de uma carta de leitor (Álcool zero, O
Estado de São Paulo, 25/6/2008), de seis que devem ser lidas pelo aluno.

Na segunda página37, encontramos a transcrição de quatro cartas de leitor (sem


título, O Estado de S. Paulo, 25/6/2008; Amazônia, Folha de S. Paulo, 7/6/2008; Células-
tronco, Folha de S. Paulo, 31/5/2008; Aquecimento Global, Veja, 14/5/2008). Na terceira
página, há a última carta de leitor transcrita (Insegurança nas escolas, Veja, 16/4/2008) e, na
sequência, são inseridas seis questões para análise dos textos, sendo que ao lado da questão
dois há uma caixa de texto lilás, intitulada E-mail do leitor38.

36
Cf. CEREJA; MAGALHÃES, 2008c, p.172.
37
Ibid., p.173.
38
Ibid., p.174.
123

A seção Produzindo a carta de leitor é o início da quarta página39. Abaixo do subtítulo,


há a transcrição de uma reportagem (Por que as células-tronco são o caminho? Revista da
Semana, 2/6/2008). A transcrição da reportagem termina na quinta página40 e, na
sequência, temos a inserção de dois textos didáticos solicitando duas produções de cartas de
leitor; ao lado desses textos, há o boxe Avalie sua carta de leitor.

Ao final da quinta página, inicia-se a seção Escrevendo com coerência e coesão, cujo
subtítulo é A articulação de palavras e ideias. Após essa identificação há um pequeno texto
didático explicitando alguns conceitos.

Na sexta e sétima páginas41, há a transcrição de uma fábula (O renascer dos belos


horizontes uma vez satisfeitas as necessidades básicas, Millôr Fernandes, Fabulas Fabulosas,
1991) e a proposta de sete questões sobre o texto, sendo que cinco encontram-se na sexta
página e duas na sétima. Após as duas questões inseridas na sétima página, há um texto
didático explicitando alguns conceitos.

A sétima página é finalizada com Exercícios. Nessa parte há a transcrição de uma


anedota (Piadas para você morrer de rir, 2001) e, na oitava página42, são inseridas cinco
questões, as três primeiras referentes à anedota.

(B) Questões propostas

O capítulo está organizado pelo estudo do gênero de foco: a carta de leitor. As cinco
cartas de leitores utilizadas na atividade são transcritas e todos os textos visuais da atividade
são ilustrativos, servindo de ornamento aos textos verbais que acompanham. Na questão 1,
é exposta a definição de carta de leitor como “gênero textual que permite o diálogo dos
leitores com o editor de jornais e revistas ou entre leitores”. Essa afirmação conduz algumas
indagações: como esse diálogo é estabelecido? Qual(is) texto(s) suscitou(aram) essas
respostas? A partir dessas cartas, houve a constituição de outros diálogos?

39
Ibid., p.175.
40
Ibid., p.176.
41
Ibid., p.177-178.
42
Ibid., p.179.
124

FIGURA 26: Questões 1, 2 e 3 – A carta de leitor, volume 3, p.174.

O objetivo da questão 1 é analisar as características do gênero, partindo do conceito


de carta de leitor. Para isso, há perguntas um pouco diferentes das outras atividades
analisadas. Observamos que no estudo do artigo de opinião (volume 1) e do editorial
(volume 2), quem trabalha o gênero é o enunciador, cabendo ao aluno a validação dos
conceitos antecipados nas questões. Pela primeira questão, o aluno deve refletir qual é a
finalidade do gênero, sendo convidado a se posicionar e justificar a sua opinião (“na sua
opinião”, “por quê”). Esse tipo de questão insere um posicionamento diferente por parte do
enunciador, permitindo que o aluno trabalhe o gênero, argumentando a respeito dele.

De modo mais resumido que as atividades anteriores, é enfocado, também, o plano


do texto aristotélico nas questões 2 e 3: exórdio/narração (“comentam matérias
publicadas”) e confirmação (“argumenta”, “manifestam-se contra ou a favor”, “sustentar sua
opinião”). Nessas questões, o enunciador retoma o trabalho com o gênero, solicitando a
localização de informações, conforme o pronome interrogativo “qual” sugere. Os verbos de
dizer utilizados nas questões marcam características e atributos do gênero e, portanto, dos
aspectos que devem ser localizados (“Observando”; “responda”; “faz”; “comentam”;
“argumenta”; “manifestam”).
125

Na questão 4, temos a análise da variedade linguística utilizada (“variedade


linguística”, “variedade”), sendo sugerida como resposta a “variedade padrão”.

FIGURA 27: Questões 4, 5, e 6 – A carta de leitor, volume 3, p.174.

Ao perguntar por que essa “variedade” é utilizada, a resposta sugerida explicita que o
seu uso ocorre porque os leitores de revistas ou jornais de grande circulação dominam essa
variedade. Essa informação desconsidera que as cartas ou e-mails de leitores são avaliados
pelo corpo editorial, sendo revisados e editorados. O aluno precisa refletir quais elementos
da língua, em sua variedade padrão, podem ser utilizados na escrita de uma carta de leitor.

Na questão 5, é estabelecida uma comparação estrutural com a carta pessoal,


evidenciando que a carta do leitor apresenta vários elementos em comum: “local e data”,
“vocativo”, “assunto”, “expressão cordial de despedida”, “assinatura” “não apresenta
título”. O enunciador pergunta por que alguns desses elementos são suprimidos na
publicação da carta de leitor, sendo respondido que “não há espaço” e, por isso, “publica-se
somente o essencial”. Essa resposta acaba contrapondo a questão quatro, pois a linguagem
utilizada não se refere apenas ao domínio da variedade padrão pelo leitor, mas fica evidente
que existe uma edição efetuada pelo jornal ou revista.

Sem observar dialogicamente os dois tipos de cartas, o aluno pode não compreender
o que de fato são esses elementos, já que, na atualidade, a comunicação eletrônica integra a
126

vida do jovem, mais do que a correspondência tradicional. A atividade poderia trazer a


materialidade de uma carta pessoal e um e-mail, analisando como esses elementos foram
mantidos na correspondência eletrônica, para evidenciar que o gênero se renova, mas
mantém características de sua composição, estilo e finalidade, ou seja, de sua tradição. O
aluno poderia ser perguntado se uma correspondência pessoal e uma carta de leitor de
revistas/jornais têm a mesma finalidade, se estão na mesma esfera de produção, recepção e
circulação. Nesse contexto, a reflexão sobre a variedade linguística utilizada seria
apropriada.

Na primeira proposta de produção, o enunciador sugere que o aluno manifeste sua


opinião, por meio da produção de uma carta de leitor, a partir da leitura de uma reportagem
sobre a legalização do uso de células-tronco: “Imagine que você tenha lido essa reportagem
na revista e queira se manifestar [...]”. Para isso, o enunciador indica que o leitor será “um
adulto, profissional da área de jornalismo”. A proposta encaminha uma produção que não
faz parte da prática social que institui o gênero, pois o aluno deve imaginar a situação e
escrever a sua carta para um leitor generalizado, como se todas as revistas e jornais
abordassem os assuntos da mesma maneira43.

Há uma participação um pouco mais efetiva do aluno como um leitor atuante, na


segunda proposta, pois o enunciador solicita aos alunos: “escolherem uma revista ou jornal”
e que “selecionem nesse veículo [...] uma matéria que seja interessante e que, segundo o
ponto de vista de vocês, mereça comentários”. O enunciador espera que os alunos tenham
em mente o leitor de sua carta (“o jornalista ou o editor”, “o leitor do jornal ou revista”),
para “adequar a linguagem ao perfil desses leitores”, esperando que os alunos “opinem de
forma firme, mas bem-educada”. O aluno pode indagar o que é opinar de forma firme e
bem-educada, por isso seria interessante a inserção de alguns recursos que tornam a
linguagem mais polida e equilibrada. A atividade não sugere o envio da carta, mas seria
interessante, que o aluno de fato a enviasse para o veículo escolhido e acompanhasse a sua
possível publicação44.

Diferentemente das atividades analisadas que compõem os outros volumes, essa


atividade didática insere o item Escrevendo com coerência e coesão. Os autores propõem um

43
Ibid., p.176.
44
Ibid., p.176.
127

estudo de algumas maneiras de articular as palavras e ideias:

Para produzir um bom texto, não basta ter boas ideias ou bom vocabulário. Para
isso, boas ideias e bom vocabulário precisam tomar a forma de enunciados que,
unidos uns aos outros, construam, passo a passo, uma tessitura de conexões
lógicas e semânticas. Quando isso ocorre, dizemos que o texto possui textualidade,
isto é, apresenta articulação de palavras (coesão) e articulação de ideias
(coerência). (CEREJA; MAGALHÃES, 2008c, p.176, negrito nosso)

Ao mencionar que boas ideias e bom vocabulário tomam forma de enunciados, que
se unem a outros, o enunciador explica o conceito de enunciado como sinônimo de oração,
diferindo da visão bakhtiniana, na qual enunciado corresponde à totalidade do texto, em seu
contexto real de circulação.

Após a definição anterior, são propostas sete questões para análise dos mecanismos
de coesão e coerência em uma fábula. Transcrevemos as questões, e suas respectivas
respostas, e apontamos os conteúdos desenvolvidos em cada uma.

Quadro 6: Transcrição das questões da atividade A carta de leitor


Transcrição das questões Conteúdos
1) Observe o 1º parágrafo do texto. Referenciação
(uso de
a) No início do parágrafo, há uma palavra que remete à história que vai ser contada.
pronomes e
Qual é esta palavra?
expressões
O demonstrativo esta. nominais)
b) Há, nesse parágrafo, uma expressão que resume os lugares citados pelo narrador.
Que expressão é essa?
“qualquer lugar em que há dificuldades de alimentação”
2) No final do 1º parágrafo e no início do 2º, o narrador chama sua personagem de o Referenciação
homem. Considerando o contexto, o artigo definido o confere a esse substantivo, nas
duas situações, o mesmo sentido? Justifique sua resposta.
Não. No 1º parágrafo, o homem é tomado como espécie, com o significado de todos os
homens; no 2º, como um ser humano determinado, alguém que está sozinho, tem
fome, tem um cão, etc.
3) Observe o 2º parágrafo da fábula: Articuladores
textuais
a) Esse parágrafo é introduzido pela conjunção coordenativa explicativa pois. Qual é o
sentido de pois no contexto? Referenciação
(uso de
diante disso, então, pois então, ora
pronomes)
b) No final da 1ª frase desse parágrafo, há uma palavra que indica que o cachorro
pertence ao homem. Que palavra é essa?
Seu
4) O pronome lhe foi empregado três vezes no texto. Veja em que situações: Referenciação
(uso de
“começa a sentir a antropo ou qualquer outra fagia a lhe espicaçar o estômago”
pronomes)
128

“Lá para as tantas lhe deu, porém, o espicaçar acima enunciado”


“a fome bateu-lhe às portas da barriga”
Observe que o pronome lhe não apresenta o mesmo valor nas três situações. Em quais
delas esse pronome pessoal tem valor de possessivo? Re-escreva as frases de forma a
explicitar esse valor.
Na 1ª em 3ª situações. A espicaçar o seu estômago / a fome bateu às portas de sua
barriga.
5) Observe as formas verbais presentes nestas frases do texto: Referenciação
(uso de
“a fome bateu-lhe às portas da barriga”
pronomes)
“Já batera antes”
Correlação
a) O que a diferença de tempo verbal indica para o leitor? entre tempos
verbais
Que são duas ações no passado, a segunda delas situada em um passado anterior ao
passado da primeira. Articuladores
textuais
b) Na frase “Já batera antes, mas o homem tinha fingido que não ouvia”, que palavra
estabelece uma relação de oposição entre as duas ações?
A conjunção mas.
6) O texto apresenta os fatos em sequência e de acordo com uma relação de causa e Encadeamento
efeito. Além disso, situa-se em relação ao tempo e ao espaço. textual
(relações
a) Por que o homem matou o cachorro?
lógico-
Porque ele estava com fome. semânticas)
b) A expressão fome canina apresenta uma ambigüidade proposital. Qual é ela? Referenciação
(expressões
De acordo com o contexto, pode-se entendê-la como fome que o cachorro tem, ou
nominais)
como fome de comer até cachorro.
Marcadores
c) Identifique no texto alguns indicadores temporais, isto é, palavras e expressões que
temporais
marcam a passagem do tempo.
lá para as tantas, antes, naquele momento, quando tinha acabado, e foi então que
7) Há no texto palavras que retornam outras, expressas anteriormente. Esse Referenciação
procedimento de retomada tem o objetivo de tornar o texto mais dinâmico, evitando (expressões
repetições. nominais)
a) Identifique no 2º parágrafo as palavras que são empregadas para retomar a palavra
homem e a palavra cachorro.
homem: lhe; cachorro: cachorrinho, coisa, o, animal, Luluzinho, ele
b) Que expressão foi usada para retomar a ideia de fome sugerida no 1º parágrafo por
meio de expressão “espicaçar o estômago”?
“o espicaçar acima enunciado”

Na atividade, o aluno deve analisar, a partir de uma fábula, quais são os elementos
responsáveis pela coerência e coesão do texto: processos de referenciação pela função
coesiva dos pronomes, encadeamento textual pelas relações de causalidade, oposição e
conclusão. Ao final das questões, o enunciador expõe: “você deve ter observado que a
conexão entre palavras e ideias no interior das frases, no interior dos parágrafos e de um
129

parágrafo para outro é feita por palavras e expressões.” (CEREJA; MAGALHÃES, 2008c,
p.178). Após esta atividade, são inseridas mais cinco questões que analisam os conceitos
desenvolvidos em trechos de textos.

A relevância dada ao estudo da coesão referencial está relacionada ao gênero carta


do leitor. Consideramos, portanto, a atividade significativa para a reflexão sobre o uso da
língua, contudo, quais desses elementos aparecem na carta de leitor, foco para a prática de
texto do aluno? A proposta poderia ser inserida em um capítulo destinado ao estudo da
língua e não em uma atividade didática de produção escrita, já que para isso os exercícios
poderiam dialogar com o gênero estudado, para, de fato, contribuir para a produção do
aluno. A diversidade dos conceitos poderia ser distribuída em mais de um capítulo, de modo
que o aluno refletisse sobre o uso dos processos de referenciação, coesão sequencial,
progressão temática, em capítulos distintos, por meio de textos diversificados.

Nos exercícios finais, propõe-se a reescrita de dois excertos, completando com


“algumas palavras responsáveis pela articulação” ou corrigindo “falhas de articulação”45,
porém não é solicitado que o aluno produza outro texto ou corrija o que já produziu, não
havendo nenhuma reflexão sobre os mecanismos linguístico-discursivos nas cartas de
leitores analisadas.

Ao trazer o gênero carta de leitor, a coleção explora a atuação dos leitores enquanto
cidadãos que querem fazer valer sua voz, colocando o seu ponto de vista em debate. Para
que o aluno perceba essa relevância e se torne um leitor atuante, ele precisa vivenciar a
prática social intrínseca a esse gênero.

(C) Dialogando com as outras atividades

O volume 3 é o livro que centraliza o maior número de atividades de produção escrita


de textos argumentativos, oito no total. Além da atividade A carta de leitor, há: A crônica
argumentativa; As cartas argumentativas de reclamação e de solicitação; O debate regrado
público: estratégias de contra-argumentação; O texto argumentativo: a seleção de
argumentos; O texto argumentativo: a informatividade e o senso comum; O texto
dissertativo-argumentativo; O texto dissertativo-argumentativo: o parágrafo.

45
Ibid., p.179.
130

Observamos, nesse volume, uma divisão: quatro atividades enfocam gêneros e


quatro atividades abordam tipos de texto. Tal postura está relacionada às coerções dos
exames vestibulares, já que na maioria das provas de redação para ingresso nas
universidades são solicitadas produções de textos dissertativo-argumentativos. A coleção,
portanto, responde à essa necessidade.

Na atividade A crônica argumentativa, os autores utilizam o mesmo roteiro de


questões já analisado nas outras atividades, ou seja, questionam sobre o ponto de vista
defendido, os argumentos utilizados e a estrutura da crônica. Para a estruturação da crônica,
entretanto, os autores expõem “Essa crônica apresenta ideia principal, desenvolvimento e
conclusão”46. Isso nos remete à mesma estrutura dada ao editorial, podendo levar o aluno a
se perguntar qual é a diferença entre os dois. Outra afirmação dos autores traz: “[...] a
crônica é um texto geralmente curto que apresenta a visão pessoal do cronista sobre um
fato colhido no noticiário de jornais ou revistas ou no cotidiano”47. Essa definição
previamente fornecida ao aluno combina com a definição dada para o artigo de opinião. O
que difere uma crônica argumentativa de um artigo de opinião? Qual é a diferença entre ser
cronista e articulista?

Essas questões podem ser suscitadas pelos alunos. Nesse caso, a página, a seção, o
caderno em que os textos são publicados, isto é, a análise da materialidade verbo-visual de
suas publicações originais poderia esclarecer algumas dessas perguntas. A leitura de
diferentes crônicas (narrativas, esportivas, argumentativas) pode evidenciar a
heterogeneidade de sua forma composicional, marcada pelo diálogo, relato, confissão,
argumentação, etc.

Há, na sequência da atividade, a seção Escrevendo com adequação, na qual o foco é


ensinar “a técnica da impessoalização da linguagem” (CEREJA; MAGALHÃES, 2008c, p. 112).
Nessa parte, os autores discutem o uso da primeira e terceira pessoas para tornar o texto
mais subjetivo e pessoal ou objetivo e impessoal, respectivamente.

Há a análise de trechos de textos, por meio de questões que visam à utilização de


sujeito indeterminado ou de voz passiva, como formas de impessoalizar a linguagem. Tal
estratégia é muito relevante para que o aluno perceba que o uso de determinada pessoa

46
Ibid., p.109.
47
Ibid., p.109.
131

gramatical acrescenta ao texto diferentes sentidos, pois marcam papéis sociais distintos. O
mesmo ocorre com o uso de sujeito indeterminado ou da voz passiva, como estratégia
argumentativa.

A coleção, porém, traz frases para que o aluno reescreva adotando a indeterminação
do sujeito ou a passividade. Há uma proposta para análise de um texto, no qual os autores
solicitam a retirada das marcas de pessoalidade para serem reescritas “empregando a
técnica de impessoalização da linguagem” (CEREJA; MAGALHÃES, 2008c, p. 114). Nesses
casos, o foco está na estrutura frasal. Os sentidos construídos podem ser recuperados na
totalidade do enunciado, na qual o uso desses recursos adquire função persuasiva.

Os autores, na atividade As cartas argumentativas de reclamação e de solicitação,


abordam o texto por meio de questões demonstrativas, comparando a carta de reclamação
à carta pessoal, restringindo o uso da linguagem à variedade linguística padrão. Sugerimos
que a atividade acrescente uma reflexão sobre o que mobiliza um leitor a publicar uma carta
de reclamação. Poderiam ser discutidos alguns aspectos do Código do Consumidor, sua
função enquanto lei que rege os direitos e deveres dos consumidores brasileiros, para
mostrar como o cidadão pode proceder, caso seja desrespeitado. Além do que, é importante
destacar as orientações dos jornais para publicar esse tipo de carta, sua função no jornal, em
qual caderno, seção, página é publicada, etc.

Ao retomar o gênero debate regrado público, já estudado no volume 1, o enunciador


toma como foco as estratégias de contra-argumentação. Para isso, há a inserção de um texto
jornalístico, publicado na Folha de S. Paulo, no caderno Sinapse, que comenta um debate
realizado entre os colunistas do jornal Gilson Schwartz, Rubem Alves e Gilberto Dimenstein,
discutindo a questão “Por que a escola é chata”. O aluno não analisa a transcrição do debate
oral, mas analisa a reescrita dos argumentos utilizados por cada debatedor, por meio de
uma publicação jornalística impressa.

O enunciador marca que contra-argumentar é “esvaziar ou fragilizar o argumento de


nosso interlocutor, evidenciando os pontos fracos de sua argumentação” (CEREJA;
MAGALHÃES, 2008c, p. 277). Para ensinar o aluno, o enunciador expõe que é necessário
mostrar dados e informações (estatísticas, pesquisas, exemplos, etc. ) que anulem o
argumento do outro; estabelecer uma comparação entre os argumentos do interlocutor e os
próprios argumentos, destacando a sua consistência; fazer concessões, concordando com
132

partes da argumentação do adversário, etc. A dúvida reside em como o aluno pode fazer
tudo isso, usando a língua. Quais articuladores textuais introduzem comparações,
concessões, contraposições, sobretudo, na oralidade? O foco está no escrito, mas o aluno é
convidado a produzir um texto oral.

Nesse caso, acreditamos que o aluno deva ter contato com um texto oral transcrito
de acordo com a análise da conversação, no qual possa marcar a diferença entre língua
falada e língua escrita, analisando a interação conversacional, estudando os procedimentos
de formulação e reformulação (correções, repetições, paráfrases, acréscimos) e analisando
os marcadores conversacionais, ou seja, a sinalização dos turnos, os sinais de
posicionamento do interlocutor (de hesitação, de concordância, de discordância, de dúvida),
os sinais de sequenciação (digressões, sequência narrativa, etc.).

Nas atividades seguintes, os autores analisam pontos específicos dos tipos textuais.
Na atividade O texto argumentativo: a informatividade e o senso comum, há uma seção
denominada Escrevendo com coerência e coesão, cujo foco é analisar a continuidade e
progressão textual. Nessa parte, o aluno deve analisar textos e os respectivos problemas de
coesão apresentados, não discutindo a progressão em diferentes gêneros e as possíveis
omissões e os seus sentidos construídos. O aluno poderia ser levado a corrigir seu texto,
considerando os aspectos da progressão temática que são apontados.

Em O texto argumentativo: a seleção de argumentos, os tipos de argumentos são


exemplificados a partir de excertos, ocorrendo o mesmo nas atividades O texto dissertativo-
argumentativo e O texto dissertativo-argumento: o parágrafo, nas quais cada parágrafo
deve ser utilizado como um argumento. Há a apresentação da estrutura da dissertação:
“tese”, “desenvolvimento”, “conclusão”, encaminhando a ordem dos parágrafos da seguinte
forma: “Organize o texto em parágrafos. Você pode apresentar a ideia principal (a tese) no
1º ou 2º parágrafos e, nos parágrafos seguintes, os argumentos que a fundamentam. No
último parágrafo deve constar a conclusão”48. Os autores, por exemplo, esperam que os
alunos produzam parágrafos, dando continuidade aos tópicos apresentados.

Nessas atividades, os autores respondem à demanda do vestibular, contudo, poderia


discutir o vestibular enquanto esfera de circulação constituída por coerções próprias, entre

48
Ibid., p. 367-370.
133

elas, a produção de um texto dissertativo-argumentativo, considerando, também, que


algumas provas solicitam narrativas ou cartas argumentativas. Para isso, a atividade poderia
apresentar propostas de diferentes vestibulares, analisar a coletânea de textos, o que se
espera dessa compilação para, partindo do questionamento proposto, marcar as orientações
dadas para a produção do texto, etc. Tais estratégias destacam a leitura e a informatividade
como fatores essenciais para o candidato.

Outro fator a ser considerado é a retomada dos recursos linguístico-discursivos


estudados ao longo do EM, como estratégias para construir uma boa argumentação: tipos
de progressão temática, tipos de argumentos, marcadores de coesão sequencial,
organizadores textuais, marcadores de posição de autor, uso dos tempos verbais, emprego
dos pronomes, etc. Além disso, podem ser inseridos aspectos normativos importantes para a
avaliação no vestibular como acentuação, ortografia, concordância, regência, colocação
pronominal.

No próximo capítulo, estabelecemos um diálogo com a proposta de produção de


textos argumentativos de PL, a partir da análise do corpus, para propor uma possibilidade de
encaminhamento teórico-metodológico para o ensino da escrita argumentativa, em uma
perspectiva enunciativo-discursiva.
134

CAPÍTULO 4:
Um olhar dialógico para o ensino da escrita argumentativa

“Quando eu uso uma palavra”, Humpty Dumpty disse em um tom um


tanto formal, “isto significa que eu escolho o que ela significa.”
Lewis Carroll (Alice através do espelho)

Neste capítulo, nosso objetivo é propor uma possibilidade de encaminhamento


teórico-metodológico para o ensino da escrita argumentativa, em uma perspectiva
enunciativo-discursiva, adotando como ponto de partida a análise do corpus. Para isso,
buscamos tratar a linguagem em sua realidade concreta, ou seja, como prática social, cuja
materialização pode ser verbal, visual ou verbo-visual, desenvolvida por sujeitos
historicamente situados.

No EM, consideramos importante oferecer aos alunos a oportunidade de amadurecer


e ampliar o domínio que eles já têm das práticas de linguagem, proporcionando momentos
para o aprimoramento da leitura e da escrita, em diferentes situações de interação. Desse
modo, nas atividades didáticas sugeridas, procuramos evidenciar a presença do outro: do
que convida a interlocução, mobilizando nossa atitude responsiva e, também, daquele a
quem convidamos, direcionando nossos textos.

Não temos a pretensão de esgotar as possibilidades de encaminhamento para o


ensino da leitura e da escrita, oferecendo o modelo ideal e perfeito de trabalho, o que
propomos é apenas uma maneira de conduzir a leitura de textos em diferentes
materialidades, buscando desenvolver uma compreensão responsiva, o que implica uma
reação ao texto, uma resposta. Ler, portanto, integra-se a atividade de escrita, pois a
produção de um texto parte do diálogo travado com outros textos.

Não pretendemos desenvolver o ensino da argumentação somente enquanto técnica


textual, mas procuramos evidenciar o ato de argumentar enquanto embate de ideias
inerentes a uma cadeia discursiva, na qual os recursos linguísticos discursivos são utilizados
para a construção de sentidos, na formulação de um posicionamento diante dos discursos
135

proferidos na sociedade. Nossa sugestão é que a língua portuguesa, no caso os recursos


linguístico-discursivos responsáveis para a escrita argumentativa, seja estudada na prática
social, partindo da leitura e análise de textos.

Para explicitar a proposta, organizamos o encaminhamento teórico-metodológico


mantendo o mesmo gênero de foco adotado em PL: o artigo de opinião, o editorial e a carta
de leitor. Cada gênero foi trabalhado por meio de três seções: a primeira apresenta a
materialidade original do texto e resgata o contexto extraverbal que o constituiu; a segunda
propõe uma sequência de questões e respostas para analisar os recursos linguístico-
discursivos utilizados nas práticas sociais de escrita argumentativa; e, por fim, a terceira
sugere um roteiro para produção escrita do aluno.

Esse encaminhamento, sobretudo, as questões e as resposta sugeridas, são inseridas


não como simples jogo pergunta-resposta que deve ser seguido por professores e alunos,
mas como uma das leituras possíveis a partir da análise dos textos. Considerando, que cada
enunciado surge da interação entre o enunciador e seu interlocutor, nós, como
enunciadores dessa proposta, travamos um diálogo com PL, para construirmos, de acordo
com a situação extraverbal constitutiva da significação, uma resposta, enunciada como
possibilidade de atividade para o ensino da escrita argumentativa.

4.1 O artigo de opinião

4.1.1 Ler e pesquisar em sala de aula: confrontando pontos de vista

Com o objetivo de mostrar para o aluno do EM que uma opinião não se esgota em
uma asseveração, mas que ela é sustentada por argumentos construídos em uma teia
discursiva, constituída por inúmeras vozes que contrapõem pontos de vista, sugerimos outro
encaminhamento para a análise do artigo Cotas: o justo e o injusto, de Lya Luft. Para isso,
consideramos o resgate do contexto extraverbal inerente à produção desse texto, a sua
composição verbo-visual como fator para construção dos sentidos, procurando resgatar a
prática social que permeia a produção de um artigo de opinião. Para isso, observemos as
diferenças entre a forma composicional do artigo transcrito em PL e o artigo original.
136

FIGURA 28: O artigo de opinião em PL.

No capítulo de PL, o artigo de opinião é editado. A materialidade autêntica do texto


pode ser visualizada pelo aluno. Ao resgatarmos o texto original e compará-lo, notamos
algumas diferenças em sua composição verbo-visual, no que se refere ao espaço de
circulação: a seção e a página da revista em que o artigo circulou.
137

FOTO DA AUTORA

SEÇÃO

AUTORA

TÍTULO

OLHO

ILUSTRAÇÃO

CRÉDITO

FIGURA 29: Artigo original – Cotas: o justo e o injusto


Revista Veja, São Paulo, nº 2046, 06 fev. 2008.
Disponível em: <http://veja.abril.com.br/acervodigital/home.aspx>. Acesso em: 21 maio 2010.

Em uma publicação didática, a transcrição é importante para facilitar a leitura, mas


essa editoração pode vir acompanhada da materialidade original, porque a exploração da
organização verbo-visual do artigo é uma possibilidade de abordagem. A atividade pode
analisar: o título da seção, que anuncia a exposição de uma opinião particular (“ponto de
138

vista”); a disposição dos elementos verbais e visuais, explorando o sentido da ilustração na


totalidade da página, já que traz a representação de um afro-brasileiro e a repartição
proposta por um gráfico, retomando visualmente o que o título sugere com a palavra
“cotas”; a composição do título do artigo, sugerindo uma divisão entre os aspectos que
serão discutidos, pressupondo pelo título que a autora discutirá o que é justo e o que é
injusto na política de cotas; o crédito final apontando que a articulista é uma escritora, com
o objetivo de dar maior confiabilidade e credibilidade ao texto.

A atividade de leitura pode ser encaminhada de modo que o aluno seja familiarizado
com a prática social, permitindo a compreensão de que a produção de um artigo se insere
na vida real, ou seja, que atrás de todo texto há um sujeito, constituído de valores. Esse
percurso de contato com o texto pode contemplar questões que promovam a pesquisa, a
reflexão e a descoberta sobre o gênero de foco no que se refere ao estudo dos aspectos
enunciativos: o que o título da seção sugere? Qual é o objetivo da revista em colocar o
crédito da articulista? Pelo título do artigo e com base nessas informações o que o leitor
espera encontrar no artigo?

Para aprofundar a compreensão do espaço de circulação do texto e de outros


aspectos enunciativos, a proposta de análise do artigo pode sugerir uma pesquisa sobre o
perfil da revista ou trazer informações para que o aluno perceba que tipo de leitor está
pressuposto. Para isso, seria interessante a inserção da “missão” proposta pela própria
revista, na voz do fundador da Editora Abril:

FIGURA 30: Missão da Revista Veja


Disponível em: <http://veja.abril.com.br/idade/publiabril/midiakit/veja_editorial_missao.shtml>. Acesso em: 23 maio 2010.
139

É possível discutir com os alunos, as informações fornecidas pela própria revista,


folheando e verificando se a missão é contemplada nas diferentes seções que a compõem.
Além de sua missão institucional, a revista expõe o perfil de seus leitores:

FIGURA 31: Perfil do leitor da Revista Veja


Disponível em: <http://veja.abril.com.br/idade/publiabril/midiakit/veja_perfil_perfildoleitor.shtml>. Acesso em: 23 maio 2010.

Para a construção do perfil do leitor, seria interessante fazer a leitura dos gráficos,
mostrando que a classe social predominante é a B, mas há uma parcela significativa das
classes A e C. Essas definições podem significar pouco para o aluno, por isso pode ser
importante ressaltar o Critério Brasil49, baseado em termos de renda mensal, como principal
parâmetro que define as classes sociais em nosso país:

• Classe A: acima de 30 salários mínimos.


• Classe B: de 15 a 30 salários mínimos.
• Classe C: de 6 a 15 salários mínimos.
• Classe D: de 2 a 6 salários mínimos.
• Classe E: até 2 salários mínimos.

49
Cf. <www.ibope.com.br>.
140

Os outros gráficos mostram certo equilíbrio entre faixa etária, sexo e estado civil, e
podem ser discutidos na proposta de produção escrita, sendo interessante retomar as
adjetivações destinadas ao leitor, considerando o que é ser atuante, ser bem posicionado no
mercado de trabalho, ser o principal grupo de consumidores de um país, nas classes
mencionadas. Questões como “esses valores apreciativos são significativos para a missão da
revista” ou “se esses leitores são realmente atuantes”, podem contribuir para uma análise
mais aprofundada da revista.

Com relação à organização do texto argumentativo, pode ser destacado que o artigo
de opinião sempre se refere a outro texto ou a um acontecimento geralmente recente, a fim
de despertar interesse nos leitores. Essa consideração sobre o gênero permite que seja
resgatado, na atividade de leitura, o contexto de produção mais imediato. Duas semanas
antes da publicação do artigo de Lya Luft, mais precisamente em 18 de janeiro de 2008, o
Tribunal Regional Federal da 4ª região, determinou a suspensão da política de cotas da
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), reacendendo a discussão em torno da
legalidade da reserva de vagas para estudantes negros e/ou oriundos de escolas públicas.
Em dezembro de 2007, um estudante branco conseguiu na justiça catarinense o direito de
concorrer a todas as vagas do vestibular da UFSC, inclusive as reservadas para cotistas
negros. Nesse mesmo mês, as escolas particulares de SC entraram na Justiça contra as cotas
na UFSC, alegando que o sistema de cotas fere o princípio de igualdade prevista pela
Constituição Brasileira.

Para enriquecer a atividade, o aluno pode pesquisar para levantar o contexto de


produção do artigo. A atividade proposta pode apontar o acontecimento e dar como
sugestão a pesquisa de notícias sobre o assunto ou trazer alguma notícia para ser lida em
diálogo com o artigo. Em 22 de janeiro de 2008, o jornal O Estado de S. Paulo dedicou página
inteira, na seção Nacional, para relatar o fato e relacioná-lo com acontecimentos
semelhantes em outras universidades.
141

Marca
apreciativa

Quadrante
superior: opinião
contrária à política
de cotas.

Quadrante
inferior: opinião
favorável à política
de cotas.

Infográfico Entrevista

FIGURA 32: Página A4 do jornal O Estado de S. Paulo, de 22 jan. 2008


Digitalização adquirida no arquivo do jornal O Estado de S. Paulo
142

Justiça suspende sistema de cotas da Universidade Federal de SC


Para juiz, instituição não tem autonomia para definir critérios étnicos ou econômicos de preenchimento de
vagas

Rafael Carvalho
Especial para o Estado
Florianópolis

Atendendo a um pedido do Ministério Público, a Justiça Federal de Santa Catarina suspendeu o sistema
de cotas raciais e sociais da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Na medida cautelar, expedida
sexta-feira, o juiz federal substituto Gustavo Dias de Barcellos argumentou que qualquer medida que
estabeleça critérios étnicos ou socioeconômicos para ingresso no ensino público superior deve depender de
uma lei específica. Na sua interpretação, a direção da universidade não tem autonomia para decidir de quem
serão as vagas.
Na mesma sentença, o juiz determinou que as vagas sejam ocupadas pelos estudantes que foram
aprovados, por ordem de classificação. Com isso, Barcelos suspendeu o Programa de Ações Afirmativas
adotado pela universidade, que prevê a concessão de 20% das vagas para alunos egressos das escolas públicas
e 10% para negros.
Há poucos dias, a estudante Elis Wendpap ganhou uma ação semelhante contra o sistema de cotas da
Universidade Federal do Paraná (UFPR). A diferença entre os dois casos é que no Paraná foi uma decisão da
Justiça de primeira instância, num processo movido pela própria estudante. Em Santa Catarina, o Ministério
Público Federal é autor da ação.
A liminar contra a UFSC e a ação no Paraná são mais dois elementos na polêmica sobre as cotas. Hoje há
uma Lei de Cotas em tramitação no Congresso, mas várias instituições de ensino preferiram não esperar e
adotaram esquemas próprios em seus vestibulares, para favorecer o acesso de estudantes negros e
provenientes de escolas públicas. Até o fim do ano passado, 17 universidades federais e 17 estaduais já usavam
sistemas de cotas raciais, de acordo com levantamento da Secretaria de Ensino Superior, do Ministério da
Educação.
O reitor da UFSC, Lúcio Botelho, informou que deve recorrer à Justiça contra a liminar do juiz substituto.
Na Secretaria de Educação Superior do Ministério da Educação, o secretário Ronaldo Moto comentou que as
decisões judiciais devem ser sempre acatadas, mas logo em seguida ressalvou: "As universidades públicas,
especialmente as federais, têm obtido bons retornos acadêmicos com a adoção de diversas formas de políticas
afirmativas."
Para o juiz que concedeu a liminar, o sistema adotado pela universidade de Santa Catarina contraria a
Constituição. "A autonomia administrativa da universidade está restrita ao seu próprio funcionamento, não
podendo estabelecer direitos ou impor vedações de forma discricionária", escreveu na sentença. "A
discriminação imposta pelo sistema de cotas para o ingresso em universidade, chamada 'positiva' sob o aspecto
dos candidatos beneficiados, se manifesta restritiva ou 'negativa' para os demais, diante da consequente
diminuição da disponibilidade de vagas a esses, assim afrontando diretamente o princípio da igualdade
assegurado no art. 5º da Constituição Federal de 1988."
QUEIXA
O reitor criticou o Ministério Público. "A reitoria abomina o fato de termos ficado sabendo da decisão
da Justiça através da imprensa", disse. "Essa liminar não é em nada diferente de outras que já ocorreram nesse
sentido e estamos certos de que isso será revisto em instância superior." Botelho também defendeu a ideia de
que a universidade tem autonomia para decidir sobre a questão. "O sistema de cotas já é vigente no Brasil há
cerca de seis anos e é esse direito que nós pretendemos dar a nossos futuros alunos."
Agora o Ministério Público tem pouco tempo para resolver a questão, já que as matrículas dos calouros
de 2008 ocorrerão nos dias 14 e 15 de fevereiro.
143

Constituição enfatiza a igualdade de direitos


O artigo 5.º da Constituição, que serviu de base para a decisão do juiz de Santa Catarina, tem 77
parágrafos e começa assim: "Todos são iguais perante a lei, sem distinções de qualquer natureza." Mais
adiante, no capítulo sobre educação, o texto constitucional também insiste na igualdade de direitos. Na opinião
do geógrafo Demétrio Magnolli, da USP, esses e outros tópicos da Constituição não deixam dúvidas e vão
orientar sempre as decisões judiciais: "Eles impedem qualquer tipo de discriminação no acesso ao ensino
superior por razões de raça. É tudo muito claro e direto".
Para Magnolli, que faz parte de um movimento nacional de intelectuais contrários à instituição de cotas
raciais, o juiz catarinense foi corajoso, porque sua decisão se opõe à posição oficial do governo e de muitas
escolas. "Foi uma decisão de largo alcance, por ter atendido a solicitação do Ministério Público, e que mostra
que ainda há juízes no Brasil."
O estudioso lembrou que os defensores das cotas procuram estabelecer paralelos com as pessoas com
incapacidade física, que contam com a chamada 'discriminação positiva': "A comparação não cabe, porque
pessoas com incapacidade física constituem um grupo objetivamente definível, enquanto raça é produto do
racismo. Só pode ser definida com base no racismo".
Magnolli também critica os paralelos com a questão americana: "O Brasil nunca teve, desde a Abolição,
leis de discriminação racial. E, pelo fato de nunca ter tido essas leis, não há uma forma socialmente aceita para
se definir raças. O que fazem nas universidades, com fotografias e coisas assim, são tentativas de criar o que
nunca existiu: a definição consensual de raça".

Para Secretaria da Igualdade Racial, decisão é 'lamentável'


Liminar é 'retrocesso' e desconsidera debate feito em escolas públicas, diz subsecretário
Roldão Arruda

O subsecretário de Políticas de Ações Afirmativas, da Secretaria da Igualdade Racial, Alexandro Reis,


considerou "lamentável" a decisão da Justiça Federal de Santa Catarina. "A liminar desconsidera o debate
realizado em mais de 50 escolas públicas, que já adotaram algum tipo de sistema de cotas", disse.
Reis afirmou que se trata de um retrocesso, considerando o esforço que tem sido feito "no sentido de
incluir segmentos historicamente discriminados e que estão fora da universidade".
Para o subsecretário, a decisão contraria iniciativas no governo federal, preocupado com a afirmação
dos negros não só nas escolas, mas também no mercado de trabalho. "Desde 1999 tramita no Congresso um
projeto que trata de cotas que tem grande probabilidade de ser aprovado", acrescentou.
O geógrafo e antropólogo Alex Ratts, da Associação Brasileira de Pesquisadores Negros, também criticou
a decisão judicial. "As cotas são legais porque se destinam à superação de um racismo à brasileira. Não existe
racismo no País, mas negros não entram nos cursos de medicina e de odontologia das universidades públicas
federais", acusou.
Ratts, que é professor de geografia cultural na Universidade Federal de Goiás, onde não existem cotas,
lembrou que as escolas estão adotando seus próprios sistemas por ausência de uma lei nacional sobre o tema.
O professor também defendeu a comparação com as pessoas que enfrentam deficiências físicas: "No
Brasil temos cotas para deficientes físicos, para mulheres nos partidos políticos e assim por diante. É um
esforço para a correção das desigualdades. Os franceses chamam de 'discriminação positiva', que nunca é
adotada de forma eterna, mas temporariamente. Se daqui a dez anos não tivermos conseguido aumentar o
número de negros nos cursos de medicina, talvez tenhamos de rever todo o processo."
Ratts defendeu ainda os sistemas de seleção para a definição de quem é negro ou não: "É uma
identificação a partir das marcas de cor da pele, cabelo, descendência. Não é biológica, mas social. As pessoas
no Brasil sabem quem são os negros, onde eles se concentram. Não é por acaso que se diz 'ali é lugar de negro'
ou 'é coisa de preto'. Isso é objetivo. Quem nega é mau antropólogo, mau geógrafo, mau cientista."
144

DIFICULDADE – Apesar da confiança de lideranças negras no projeto de lei sobre cotas que tramita no
Congresso, até agora não existe uma data definida para o debate que levará à sua aprovação ou rejeição. A
votação depende de acordos entre os líderes partidários. No ano passado, representantes do movimento negro
chegaram a se reunir com os presidentes da Câmara e do Senado, pedindo mais atenção para o projeto de lei.
Também está em discussão no Congresso o projeto de lei de reforma da educação superior, que prevê
medidas de democratização no acesso à escola. Segundo o projeto, devem ser consideradas as condições
históricas, culturais e educacionais dos diversos segmentos sociais, além da importância da diversidade cultural
e social no ambiente acadêmico.
No momento, não só negros e egressos de escolas públicas estão sendo beneficiados pelas cotas. Em
diversas escolas já foram criadas condições especiais também para estudantes indígenas.

'Não questiono a inclusão, mas como o método foi implantado'


Julio Cesar Lima

A estudante curitibana Elis Wendpap, 20 anos, acredita que a repercussão alcançada com a ação que move
desde 2005 contra a Universidade Federal do Paraná, quando não conseguiu entrar para o curso de Direito por
causa do sistema de cotas, apesar de ter alcançado a média necessária, pode levar a sociedade a refletir sobre
o assunto. Elis cursa o 3.º ano de Direito no Centro Universitário Curitiba e ganhou a ação em primeira
instância.
O que a motivou a entrar com a ação?
Ter feito tanto esforço para estudar em uma universidade federal, ter conquistado esse direito e no momento
que poderia entrar não pude, por causa de uma determinação. Penso que ao discordarmos de alguma coisa
temos de agir e, nesse caso, a melhor forma de fazermos a Constituição ser cumprida é através de uma ação
jurídica.
Imaginava que o caso pudesse ter grande repercussão?
Não. Imaginei que ficasse entre eu e a universidade, mas está sendo boa a repercussão para colocar à
sociedade essa discussão.
Acredita que a vaga possa ser sua?
A decisão final deve levar mais dois anos e já estarei formada, mas não desistirei da ação, pois quero levar essa
discussão adiante, mesmo que a decisão demore.
Você conhece o sistema de cotas?
Conheço bem.
Tem medo de ser chamada de racista?
Nunca fui, mas tenho receio de que aconteça, pois muitas pessoas podem não entender meu questionamento.
Não questiono a inclusão ou a questão social, mas a forma como o sistema de cotas foi colocado, sem
discussão com a sociedade.
Transcrição da página A4 do Jornal O Estado de S. Paulo de 22 jan. 2008.

Optamos por analisar a composição verbo-visual da página, porém, em uma


publicação didática, podem ser selecionadas algumas partes. Em vermelho, antes da
reportagem, é inserida na página do jornal uma marca apreciativa em torno da questão que
será tratada, já que a expressão “questão racial” instaura uma posição institucional ao
considerar que a inserção de cotas nas universidades é uma questão de raças, logo, marcada
pela diferença.
145

Além dessa marca inicial, a organização gráfica da página parece contrapor


visualmente dois posicionamentos, pois no quadrante superior há o relato da notícia e no
quadrante inferior temos um ponto de vista associado à Secretaria da Igualdade Racial. A
página parece convidar o leitor a posicionar-se também.

A leitura do infográfico, localizado no quadrante inferior, seria um importante


recurso para compreender resumidamente as informações discutidas e analisar o fato,
relacionando com o país inteiro, já que o mapa mostra todas as universidades brasileiras que
adotam a política de cotas e evidencia os casos judiciais de Santa Catarina e do Paraná.
Havendo restrição de espaço na publicação didática, a leitura da composição verbo-visual da
página e do infográfico já seriam recursos muito pertinentes para que o aluno reconstruísse
em que contexto da vida foi publicado o artigo de Lya Luft.

A atividade pode solicitar que o aluno levante no infográfico os diferentes


posicionamentos já antecipados. Depois seria primordial resgatar as vozes trazidas ao
conjunto da página: o juiz que determinou a sentença, o professor de direito da USP, o reitor
da UFSC, o representante da Secretaria de Igualdade Racial, o professor de Geografia da
UFG. Outras questões poderiam solicitar ao aluno a identificação dos papéis sociais dos
sujeitos e o ponto de vista de cada um, para, a partir da constatação de que todos exercem
papéis de autoridade, compreender a polêmica estabelecida.

No quadrante superior, no centro, destacamos a inserção de um texto intercalado


que constrói verbo-visualmente o principal argumento para defender a suspensão do
sistema de cotas: a voz da Constituição Federal Brasileira. O aluno pode ser questionado por
que esse texto está no centro do quadrante e por que a Constituição se torna um argumento
de autoridade preciso e difícil de contrapor.

Ao analisar o quadrante inferior, seria importante discutir com o aluno: como o


infográfico apresenta tanto posicionamentos favoráveis quanto contrários; o porquê da
inserção, ao lado da reportagem, de uma entrevista com uma aluna que processou uma
universidade federal por ter perdido sua vaga para um beneficiado do sistema de cotas. O
aluno pode ser questionado qual quadrante apresenta verbo-visualmente argumentos mais
consistentes; a construção do quadrante inferior realmente valoriza uma opinião favorável à
política de reserva de vagas? Retornando à marca apreciativa inicial, o jornal se posiciona,
afinal, de que forma? Tais questionamentos oferecem uma reflexão sobre os discursos
146

citados na construção da totalidade da página, ou seja, entender o que cada voz citada traz
ao texto, relacionando-as à voz de quem as cita, compreendendo, desse modo, a estratégia
argumentativa utilizada pelo jornal.

Depois das leituras e das discussões, pode ser sugerida a realização de uma
entrevista com um aluno beneficiado pela política de cotas para contrapor com o
posicionamento da aluna contrária à reserva de vagas. Seria importante explorar com o
aluno por que o jornal não traz o ponto de vista de um negro, indígena ou aluno de escola
pública.

A revista Veja, por sua vez, em sua versão impressa, não divulgou o fato. Na versão
online, entretanto, publicou notícia relacionada ao acontecimento, também em 22 de
janeiro de 2008.

FIGURA 33: Página da internet, Sistema de cotas raciais na UFSC é suspenso

Sistema de cotas raciais na UFSC é suspenso


Guilherme Amorozo
A Justiça Federal suspendeu o sistema de cotas raciais e sociais da Universidade Federal de Santa
Catarina (UFSC). A medida, expedida na sexta-feira, foi pedida pelo Ministério Público. O juiz que assina a
decisão, Gustavo Dias de Barcellos, diz que a adoção do sistema depende da aprovação de uma lei específica
sobre o tema. A direção da UFSC discorda -- acredita ter autonomia para usar as cotas na distribuição das
vagas. A sentença determina que os lugares disponíveis na universidade sejam ocupados pelos alunos com
melhor classificação no vestibular -- o que interrompe o programa de concessão de 20% das vagas para alunos
de escolas públicas e 10% para negros.
147

O reitor da UFSC, Lúcio Botelho, afirma que recorrerá à Justiça contra a liminar e acredita que ganhará a
causa. "O sistema de cotas já é vigente no Brasil há cerca de seis anos e é esse direito que nós pretendemos dar
a nossos futuros alunos", disse ele em entrevista publicada nesta sexta-feira pelo jornal O Estado de S. Paulo.
Notícia transcrita de Veja online. Publicação original 22 jan. 2008. Disponível em:
<http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/sistema-cotas-raciais-ufsc-suspenso>. Acesso em: 30 jun. 2006.

A revista publica uma pequena notícia e para promover um debate em torno de um


tema que gerou tanta polêmica, traz a voz de uma escritora, Lya Luft, que, por sua vez,
constrói a sua reposta, publicada para circulação nacional. Para compreendermos como a
autora se posiciona, cabe à atividade didática proporcionar a análise da materialidade verbal
do artigo, corroborando os sentidos construídos pelos recursos linguístico-discursivos
utilizados.

4.1.2 A língua portuguesa na prática social: marcadores de avaliação

Após analisar a organização verbo-visual original do artigo e reconstruir o contexto


extraverbal que mobilizou a sua publicação, o aluno pode realizar a leitura da transcrição do
texto para analisar os recursos linguístico-discursivos utilizados na construção de sentidos.
Enfatizamos o uso dos marcadores de avaliação como principal fator para construção do
ponto de vista neste artigo, contudo, também apontamos outros recursos da língua
responsáveis pela construção argumentativa.

Para isso, a seguir, propomos algumas questões, e suas respectivas respostas, que
poderiam aprimorar a análise das estratégias argumentativas utilizadas. Marcamos as
respostas com letra times para diferenciá-las das questões, representando a editoração de
uma sequência de perguntas que poderia pertencer a uma unidade didática de LD.
Consideramos que os sentidos construídos emergem da interação entre o eu e outro, ou
seja, cada leitor é único e suas axiologias entrecruzam-se com as experiências do seu
interlocutor, portanto, as respostas foram elaboradas como possibilidades de leitura, sendo
que um LD poderia apresentar outras sugestões.

Junte-se a um colega e, em parceria, leia o artigo e responda às questões abaixo.


148

Cotas: o justo e o injusto

O medo do diferente causa conflitos por toda parte, em circunstâncias as mais variadas. Alguns são
embates espantosos, outros são mal-entendidos sutis, mas em tudo existe sofrimento, maldade explícita ou
silenciosa perfídia, mágoa, frustração e injustiça.
Cresci numa cidadezinha onde as pessoas (as famílias, sobretudo) se dividiam entre católicos e
protestantes. Muita dor nasceu disso. Casamentos foram proibidos, convívios prejudicados, vidas podadas.
Hoje, essa diferença nem entra em cogitação quando se formam pares amorosos ou círculos de amigos. Mas,
como o mundo anda em círculos ou elipses, neste momento, neste nosso país, muito se fala em uma questão
que estimula tristemente a diferença racial e social: as cotas de ingresso em universidades para estudantes
negros e/ou saídos de escolas públicas. O tema libera muita verborragia populista e burra, produz frustração e
hostilidade. Instiga o preconceito racial e social. Todas as "bondades" dirigidas aos integrantes de alguma
minoria, seja de gênero, raça ou condição social, realçam o fato de que eles estão em desvantagem, precisam
desse destaque especial porque, devido a algum fator que pode ser de raça, gênero, escolaridade ou outros,
não estão no desejado patamar de autonomia e valorização. Que pena.
Nas universidades inicia-se a batalha pelas cotas. Alunos que se saíram bem no vestibular – só quem já
teve filhos e netos nessa situação conhece o sacrifício, a disciplina, o estudo e os gastos implicados nisso – são
rejeitados em troca de quem se saiu menos bem mas é de origem africana ou vem de escola pública. E os
outros? Os pobres brancos, os remediados de origem portuguesa, italiana, polonesa, alemã, ou o que for, cujos
pais lutaram duramente para lhes dar casa, saúde, educação?
A ideia das cotas reforça dois conceitos nefastos: o de que negros são menos capazes, e por isso
precisam desse empurrão, e o de que a escola pública é péssima e não tem salvação. É uma ideia esquisita, mal
pensada e mal executada. Teremos agora famílias brancas e pobres para as quais perderá o sentido lutar para
que seus filhos tenham boa escolaridade e consigam entrar numa universidade, porque o lugar deles será
concedido a outro. Mais uma vez, relega-se o estudo a qualquer coisa de menor importância.
Lembro-me da fase, há talvez vinte anos ou mais, em que filhos de agricultores que quisessem entrar
nas faculdades de agronomia (e veterinária?) ali chegavam através de cotas, pela chamada "lei do boi".
Constatou-se, porém, que verdadeiros filhos de agricultores eram em número reduzido. Os beneficiados eram
em geral filhos de pais ricos, donos de algum sítio próximo, que com esse recurso acabaram ocupando o lugar
de alunos que mereciam, pelo esforço, aplicação, estudo e nota, aquela oportunidade. Muita injustiça assim se
cometeu, até que os pais, entrando na Justiça, conseguiram por liminares que seus filhos recebessem o lugar
que lhes era devido por direito. Finalmente a lei do boi foi para o brejo.
Nem todos os envolvidos nessa nova lei discriminatória e injusta são responsáveis por esse desmando.
Os alunos beneficiados têm todo o direito de reivindicar uma possibilidade que se lhes oferece. Mas o triste é
serem massa de manobra para um populismo interesseiro, vítimas de desinformação e de uma visão estreita,
que os deixa em má posição. Não entram na universidade por mérito pessoal e pelo apoio da família, mas pelo
que o governo, melancolicamente, considera deficiência: a raça ou a escola de onde vieram – esta, aliás,
oferecida pelo próprio governo.
Lamento essa trapalhada que prejudica a todos: os que são oficialmente considerados menos
capacitados, e por isso recebem o pirulito do favorecimento, e os que ficam chupando o dedo da frustração,
não importando os anos de estudo, a batalha dos pais e seu mérito pessoal. Meus pêsames, mais uma vez, à
educação brasileira.
Transcrição do artigo Cotas: o justo e o injusto. Veja. nº 2046, 06 fev. 2008. p.16.

1. A autora faz uma alusão história no segundo parágrafo do texto.

a) Explique-a resumidamente.
A autora retorna a cidadezinha onde cresceu para explicitar que, devido à divisão entre
católicos e protestantes, muitas pessoas foram prejudicadas.
149

b) Após essa recuperação histórica, a autora insere o assunto a ser discutido se posicionando
em relação a ele. Qual é o ponto de vista anunciado pela articulista?
A articulista expressa que, hoje, a diferença religiosa em nosso país nem entra em cogitação,
mas se insere a diferença racial e social, explicada pela inserção das cotas para estudantes negros e/ou
saídos de escolas públicas.
c) Entre essa alusão histórica e o posicionamento da autora, há uma relação comparativa. O
que são comparados? Por que, do ponto de vista argumentativo, isso é relevante para o
texto?
A comparação consiste na ideia da diferença e do sofrimento causado por ela. A diferença
religiosa produziu casamentos proibidos, convívios prejudicados, vidas podadas. As cotas, por sua
vez, evidenciam de que existe uma parcela social em desvantagem e instigam o preconceito racial e
social. Do ponto de vista argumentativo, a autora se vale de uma situação histórica em que a diferença
só trouxe malefícios, para pressupor que a diferença racial que se insere na atualidade, pela política de
cotas, trará também aspectos negativos.

Marcadores de tempo

2. No texto, há o uso de verbos no presente e no pretérito perfeito e imperfeito. Complete,


de acordo com sua observação.

a) Para inserir uma sequência temporal é usado tempo verbal: pretérito perfeito e imperfeito.
Exemplos: “cresci”, “dividiam”, “nasceu”, “foram”, “chegavam”, “eram”, “acabaram”, “mereciam”,
“cometeu”, “conseguiram”, “era”, “foi”.
b) Para marcar a posição do autor é usado o tempo verbal: presente.
Exemplos: “causa”, “são”, “formam”, “estimula”, “libera”, “instiga”, “realçam”, “precisam”, “tem”,
“oferece”, “deixa”, “considera”, “prejudica”, “recebem”, “ficam”.

Marcadores de avaliação

3. No seguinte trecho do artigo, destacamos, em azul, as nominalizações utilizadas


(substantivos) e, em roxo, as marcas apreciativas inseridas pela autora (adjetivos, locuções
adjetivas, advérbios e locuções adverbiais).

O tema libera muita verborragia populista e burra, produz frustração e hostilidade. Instiga o preconceito
racial e social. Todas as "bondades" dirigidas aos integrantes de alguma minoria, seja de gênero, raça ou
condição social, realçam o fato de que eles estão em desvantagem, precisam desse destaque especial porque,
devido a algum fator que pode ser de raça, gênero, escolaridade ou outros, não estão no desejado patamar de
autonomia e valorização. Que pena.
Nas universidades inicia-se a batalha pelas cotas. Alunos que se saíram bem no vestibular – só quem já
teve filhos e netos nessa situação conhece o sacrifício, a disciplina, o estudo e os gastos implicados nisso – são
rejeitados em troca de quem se saiu menos bem mas é de origem africana ou vem de escola pública. E os
outros? Os pobres brancos, os remediados de origem portuguesa, italiana, polonesa, alemã, ou o que for, cujos
pais lutaram duramente para lhes dar casa, saúde, educação?
150

A idéia das cotas reforça dois conceitos nefastos: o de que negros são menos capazes, e por isso
precisam desse empurrão, e o de que a escola pública é péssima e não tem salvação. É uma ideia esquisita, mal
pensada e mal executada. Teremos agora famílias brancas e pobres para as quais perderá o sentido de lutar
para que seus filhos tenham boa escolaridade e consigam entrar numa universidade, porque o lugar deles será
concedido a outro. Mais uma vez, relega-se o estudo a qualquer coisa de menor importância.

Essas marcas facilitam compreender o posicionamento defendido pela autora.


Observando-as, retire trechos que servem para referenciar e caracterizar o vestibular, as
cotas, a escola pública, os estudantes brancos, os estudantes negros e/ou oriundos de escola
pública, completando os espaços das frases abaixo.

a) O vestibular é: “sacrifício”, “disciplina”, “estudo”, “gastos”.

b) As cotas liberam “verborragia populista e burra”; produzem “frustração” e “hostilidade”;


instigam “preconceito racial e social”; são um “destaque especial” e um “empurrão” para os de
origem africana e alunos de escola pública; reforçam “conceitos nefastos”; constituem uma
ideia “esquisita, mal pensada e mal executada”.

c) Os brancos são alunos que se saíram “bem no vestibular”; “rejeitados” em troca de quem “se
saiu menos bem”; “os remediados”; os que estão “no desejado patamar de autonomia e
valorização”; aqueles que possuem “famílias brancas e pobres” que lutam pela “boa
escolaridade”; aqueles cujo lugar será “concedido a outro”.

d) Os negros e alunos de escola pública são “minoria” de “gênero”, “raça” ou “condição social”;
aqueles que estão em “desvantagem”; aqueles que precisam desse “destaque especial”; aqueles
que se saem “menos bem” no vestibular e são de “origem africana”; menos “capazes”; aqueles
que precisam desse “empurrão”.

4. Pela análise das nominalizações e apreciações da articulista, reflita:

a) Se o vestibular é “sacrifício”, “disciplina”, “estudo”, “gastos”, quem se sai bem é porque se


sacrificou, teve disciplina, estudou, gastou. Quem se sai bem no vestibular, segundo a
autora? O que fica subentendido com relação a quem não se sai bem?
Os brancos se saem bem no vestibular, subentendendo-se que negros e alunos de escola
pública não se sacrificaram, não estudaram, não gastaram, nem foram disciplinados.
b) A família dos brancos luta pela “boa escolaridade”. Não há menção da família dos negros
ou alunos de escola pública, deixando o que subentendido?
O texto deixa subentendido que as famílias dos negros e de alunos de escolas públicas não
151

lutam pela boa escolaridade.


c) Os negros e alunos de escola pública realmente são minoria em nosso país?
É importante ressaltar com os alunos o número da população, retomando o Critério Brasil,
para destacar quais classes sociais agregam a maior porcentagem da população.
d) O termo verborragia significa grande abundância de palavras, mas com poucas ideias. O
que seria uma verborragia populista? Podemos dizer que esse termo liga-se à expressão de
que as cotas constituem uma ideia “esquisita, mal pensada e mal executada”?
Verborragia populista seria uma argumentação vazia ligada aos interesses populares, contudo,
popular no sentido de se aproximar das classes de menor poder aquisitivo. Colocar as cotas como ideia
mal formulada e executada, portanto, reforça a expressão, deixando subentendido que a elaboração
dessas ideias parte das classes desfavorecidas e, por isso, não são bem formuladas.
5. Para que servem as nominalizações e as marcas avaliativas no artigo estudado.
As marcas enfatizam o posicionamento crítico da autora, atribuindo valor negativo à política
de cotas e seus beneficiados.

Pessoas gramaticais e papéis sociais

6. A articulista utiliza primeira pessoa do singular e do plural e terceira pessoa do singular.


Com qual objetivo é introduzida cada pessoa gramatical? Explique o sentido criado por seu
emprego e anote marcadores (pronomes, desinências verbais) que comprovem sua
resposta.
A primeira pessoa do singular é utilizada para introduzir a memória histórica particular da
autora, que serve de analogia para a argumentação que será construída. Nesse caso, a autora assume
seu papel singular de autoridade para discutir o assunto. (“cresci”, “lembro-me”, “lamento”, “meus
pêsames”). Quando ela utiliza a primeira pessoa do plural, o seu papel social passa a ser de defensora
de um ponto de vista coletivo, ou seja, ela passa a falar pela sociedade (“Teremos agora famílias
brancas e pobres”). O uso da terceira pessoa é inserido para discutir a questão como um problema
social generalizado em que entram papéis sociais, e não pessoas em particular. (“Alunos que se
saíram”, “a questão estimula”, “o tema libera”, “os alunos beneficiados têm”, “lhes oferece”, “que os
deixa”, “eles estão”).

Passividade do sujeito

7. Observe os trechos retirados do texto:

“Casamentos foram proibidos [...]” – Quem proibiu casamentos?


“Muita injustiça assim se cometeu [...]” – Quem cometeu injustiça?
“Alunos que se saíram bem no vestibular são rejeitados [...]” – Quem rejeita os alunos?
“[...] o lugar deles será concedido a outro.” – Quem concederá o lugar?

a) Não é possível identificar o agente das ações, no entanto, podemos pressupor qual papel
social ele exerce. Pelo conjunto do texto, quem são os agentes?
152

Os agentes são instituições sociais, que não aparecem na frase. Na primeira frase, as religiões,
representadas pela igreja católica e protestante; a segunda frase se refere à lei do boi, logo a uma
determinação da legislação, assim como a terceira e quarta frase que também tem como agente a
legislação, só que agora ligada à política de cotas.
b) Temos nesses trechos o uso da voz passiva como estratégia argumentativa. Qual etapa do
processo argumentativo ela compõe?
O autor define seu ponto de vista com essas marcas da passividade, enfatizando os sujeitos
pacientes que sofrem as consequências da ação da sociedade em geral, ou seja, eles são colocados
como vítimas sociais e os responsáveis ficam implícitos.

Recursos gráficos: os dois pontos como recurso de explicação

8. A autora utiliza várias vezes no texto, desde o título, o sinal de dois pontos. Uma de suas
funções discursivas é marcar uma explicação. Observe:

“[...] o governo, melancolicamente, considera deficiência: a raça ou a escola de onde vieram [...]”

a) Nesse trecho, a autora introduz uma explicação para o termo deficiência, para isso ela
insere os dois-pontos. Considerando essa informação, no trecho abaixo, como a diferença
racial e social é explicada?

“[...] muito se fala em uma questão que estimula tristemente a diferença racial e social: as cotas de
ingresso em universidades para estudantes negros e/ou saídos de escolas públicas.”
As cotas explicam a existência de diferença racial e social.
b) No título, a autora utiliza dois pontos, sugerindo que ela pretende explicar o problema das
cotas sob duas óticas. Quais?
Aquilo que é justo e aquilo que é injusto na reserva de vagas.
c) Após a análise que fizemos do artigo, é possível dizer que a autora cumpre o que anuncia
no título? Por quê?
A autora não cumpre o anunciado no título, pois seu posicionamento é contra a política de
cotas e para defendê-lo a retoma apenas pela ótica do que parece ser injustiça.

Antes da proposta de produção, podem ser inseridos outros artigos, nos quais o uso
de marcadores avaliativos é diferente, de modo que o aluno possa comparar diferentes
veículos jornalísticos, seus respectivos perfis editoriais e possam ser analisados outros
recursos linguístico-discursivos, como os organizadores textuais, por exemplo.

Após ter analisado, conforme a ordem metodológica exposta por Bakhtin/Volochinov


(2004), o contexto extraverbal mais imediato (data de publicação, seção, autora), o contexto
153

mais amplo (a revista e seu perfil editorial e de seus leitores, o diálogo entre os textos que
circularam no período), o aluno foi inserido na prática social que perpassa a produção de um
artigo e pode ser convidado a exercer essa prática, elaborando uma reposta, tomando o
gênero artigo de opinião como meio de expressar seu posicionamento diante de um fato
relevante para a sociedade.

4.1.3 Você é o articulista!

A proposta de produção pode sugerir o mesmo caminho percorrido na análise,


pedindo que o estudante pesquise os fatos mais recentes em jornais e revistas para
mobilizar a sua produção. O aluno passa a ser a autoridade competente que discutirá um
assunto. Organizando um roteiro que poderia ser inserido em um LD, sugerimos uma
sequência para a produção do aluno.

Você é o articulista! Leia o roteiro para produzir o seu artigo de opinião, pois você é a
autoridade competente a discutir um assunto.

1. Escolha um assunto em evidência e de sua preferência.

2. Em conjunto com o professor e com os colegas, defina o espaço de circulação do


artigo (veículo, seção, página), o perfil de leitor e a forma de publicação possível
(mural, blog jornalístico, jornal ou revista da sala, etc.).

3. Marque o papel social assumido por você para discutir o assunto e explicite a
finalidade do artigo.

4. Faça uma pesquisa de diferentes textos em torno do assunto que escolheu.

5. Revise as características do artigo e escreva uma primeira versão do texto.

6. Você é um aluno-autor e pode realizar uma autoavaliação, a partir deste roteiro e dos
recursos linguístico-discursivos estudados (alusão histórica, 3ª pessoa gramatical
para os fatos referidos e primeira para a posição do autor; verbos no pretérito
perfeito e imperfeito para fatos referidos e o presente para o posicionamento;
expressões avaliativas; marcadores temporais; indeterminação do sujeito e voz
passiva).
154

7. Troque o seu texto com um colega para que ele comente o que pode ser melhorado.
Faça o mesmo com o texto de seu parceiro.

8. Editore o texto para publicá-lo, considerando a sua autoavaliação e a apreciação dos


colegas.

9. Em conjunto com o professor, você e seus colegas podem reservar um momento


para colher comentários sobre os textos produzidos.

Na totalidade de uma coleção didática, considerando que há várias atividades de


produção de textos argumentativos, após cada uma, poderia ser inserida uma atividade de
reflexão sobre a língua, aprofundando um dos aspectos linguístico-discursivos estudados, de
modo que, ao final do ensino médio, todos esses recursos fossem trabalhados em diferentes
textos. Sugerimos que, por tratar-se do livro do primeiro ano, poderia haver um capítulo
sequencial que aprimorasse o estudo das pessoas gramaticais e seus papéis sociais.

Na seção seguinte, sugerimos outro percurso didático em torno do editorial. Para


isso, retomamos o texto Propaganda a ser limitada, utilizado em PL, com o objetivo de
percorrer a construção discursiva inerente à produção desse gênero.

4.2 O editorial

4.2.1 Ler e dialogar em sala de aula: formando opinião

O nosso objetivo, nesta etapa, é esclarecer para o aluno que todo texto produzido,
além de imerso em um encadeamento discursivo, é enunciado a partir de uma compreensão
responsiva dos discursos proferidos socialmente. Para isso, resgatamos algumas
especificidades da esfera jornalística, desde a coerção do manual de redação do jornal, até a
sequência dos fatos utilizada pelo veículo jornalístico.

Partindo da proposta de PL, a seguir, destacamos o editorial transcrito na atividade


didática analisada.
155

FIGURA 34: O artigo de opinião em PL

O texto, em PL, está editado e dificilmente os alunos encontrarão outros editoriais


acompanhados de ilustrações. Assim como o artigo de opinião, seria interessante que a
materialidade original do texto fosse visualizada pelo aluno. Ao resgatarmos o editorial e sua
composição verbo-visual na totalidade da página do jornal, para compará-lo com a edição da
obra didática analisada, observamos que o espaço em que o texto circulou pode contribuir
para a construção de sentidos.
156

FIGURA 35: Página A2 do jornal Folha de S. Paulo, 11 maio 2008


Digitalização da página do jornal adquirida no arquivo da Folha de S. Paulo
157

Poderiam ser ressaltados para o aluno, os objetivos de um editorial e a sua posição


fixa na página do jornal, esclarecendo que, na mídia impressa, cada veículo costuma reservar
um espaço para expressar seu ponto de vista e sua interpretação em torno de fatos
nacionais e internacionais, que sejam relevantes para a sociedade. Para isso, eles publicam
os editoriais. O texto selecionado pela coleção didática foi publicado pelo jornal Folha de S.
Paulo. Para que o aluno entenda o que esse veículo espera da publicação de um editorial,
poderíamos inserir o verbete “editorial” do “Manual de redação da Folha de S. Paulo”:

Texto que expressa a opinião de um jornal. Na Folha, seu estilo deve ser ao
mesmo tempo enfático e equilibrado. Deve evitar o sarcasmo, a interrogação
e a exclamação. Deve apresentar com concisão a questão de que vai tratar,
desenvolver os argumentos que o jornal defende, refutar as opiniões opostas
e concluir condensando a posição adotada pela Folha. (MANUAL de redação:
Folha de S. Paulo. São Paulo: Publifolha, 2001, p. 64).

Do mesmo modo, também, seria relevante mostrar a seção e a página em que o


editorial é publicado.

FIGURA 36: Cabeçalho dos editoriais, jornal Folha de S. Paulo, 11 maio 2008, p. A2.
158

Na Folha de S. Paulo, o editorial é publicado na segunda página do jornal, na seção


Opinião, acompanhado, portanto, de outros textos opinativos, como artigos assinados e a
charge. Pode ser inserida, na atividade didática, alguma questão que discuta a publicação
dos nomes dos membros do conselho editorial, antes dos editoriais: comparando com a
definição de editorial do Manual de redação da Folha de S. Paulo, por que há a apresentação
de um conselho editorial, se o editorial não é assinado? O objetivo é que o aluno produza a
informação de que o editorial não é assinado, pois representa uma opinião institucional e,
por isso, balizada pelos membros de um conselho.

Seria interessante, assim, apresentar para o aluno o que mobilizou o jornal a


posicionar-se. O próprio editorial convoca os antecedentes para explicitar a sua opinião, pois
retoma o resultado de uma votação em torno de um projeto de lei que regulamenta a
veiculação das propagandas de cervejas. Além de explicitar resumidamente os
acontecimentos, o texto faz a seguinte alusão: “A julgar pelos precedentes isso [a votação]
dificilmente ocorrerá antes dos Jogos Olímpicos de Pequim, em agosto, ou quem sabe da
Copa de 2014” (Folha de S. Paulo, 11 maio 2008, p.A2). Para compreendermos tais
precedentes, pode ser resgatado o que a Folha noticiou anteriormente sobre o assunto.

Em 10 de maio de 2008, um dia antes da publicação do editorial, a Folha publicou


notícia de primeira página relacionada ao lobby das cervejarias, dedicando também página
inteira no caderno Cotidiano, para detalhar as informações. A notícia não constitui a
manchete principal do dia, mas a composição verbo-visual da página antecipa o
posicionamento da instituição.

FIGURA 37: Trecho da primeira página, jornal Folha de S. Paulo, 10 maio 2008.
159

Primeiramente, o texto vem logo abaixo do cabeçalho do jornal, ganhando destaque


na página. Em segundo lugar, a notícia de primeira página, insere-se apenas à esquerda,
sendo acompanhada de outra chamada que remete à divulgação de uma pesquisa referente
às mulheres que deixam de fumar e a consequente diminuição do risco de desenvolver
câncer.

A aproximação dessas notícias dialoga com um argumento utilizado no editorial: “Em


termos de saúde pública e ciência, não há justificativa para tratar a publicidade de bebidas
alcoólicas de qualquer gradação de forma diversa da do tabaco, que é vedada quase
totalmente” (Folha de S. Paulo, 11 maio 2008, p. A2). A publicação do dia anterior valida
esse argumento, pois mostra que a ciência foi capaz de comprovar benefícios em torno do
desuso do tabaco, deixando subentendido que isso ocorreu pelo fato de a propaganda
também ter restrições. A imagem da atriz Rita Hayworth, interpretando Gilda (1946), além
de aproximar o fato de a pesquisa ter sido realizada com mulheres, traz visualmente uma
alusão histórica a um período em que o tabagismo era sinônimo de sensualidade e
popularidade, e sua propaganda era totalmente veiculada pela mídia.

Tal análise evidencia que o posicionamento do jornal é construído ao longo de suas


publicações e o editorial é escrito para explicitá-la. Algumas questões podem contribuir para
que o aluno construa esses sentidos: qual é a ênfase dada visualmente à notícia na primeira
página? Descreva resumidamente a notícia que vem ao lado da chamada 17% dos deputados
estão ligados a ‘lobby da cerveja’? Há alguma referência ao tabagismo no editorial? De que
modo essa referência se relaciona com a notícia anterior? Por que podemos dizer que o
jornal já antecipa seu posicionamento, antes da publicação do editorial?

A partir da leitura das notícias, também é importante que os alunos compreendam o


que é lobby. A atividade poderia antecipar a informação, comentando que esse conceito se
refere a um grupo de pessoas ou a uma organização que busca influenciar, aberta ou
secretamente, decisões do poder público, especialmente do poder legislativo, em favor de
determinados interesses privados. Os alunos podem ser questionados, por meio da leitura
da página seguinte, sobre qual é a influência exercida pelas cervejarias e qual decisão do
poder público favoreceu, depois dessa “influência”, algum interesse privado.
160

Encadeamento
textual não
explícito: conexão
causal (título e
lide da
reportagem).

Encadeamento
textual não
explícito:
contraste
adversativo.

Deputados que receberam doação


de cervejarias ou de Rádio e TV na
FIGURA 38: Quadrante superior, Folha de S. Paulo, 10 maio 2008, p. C2. campanha de 2006.
Digitalização adquirida no arquivo do jornal Folha de S. Paulo.
161

Pela leitura da página, a manchete principal destaca que o lobby das cervejarias está
relacionado a doações feitas a deputados. Pode ser questionado ao aluno qual é a relação de
causa e consequência estabelecida entre o título e o lide da notícia, esclarecendo que o
encadeamento textual não está explícito, mas há uma conexão causal compreendida pelo
elo criado no texto (“Nesta semana, projeto que restringe a propaganda de bebidas com
baixo teor alcoólico foi retirado da pauta de votações da Câmara”, porque “cervejarias
doaram R$ 2 mi a deputados”).

A construção da página privilegia a causa, destacando-a no título, para explicitar a


ligação dos deputados ao lobby das cervejarias e dialogar com a chamada da primeira página
(17% dos deputados estão ligados a ‘lobby da cerveja’). A consequência é a retirada do
projeto, que restringe a propaganda de bebida alcoólica, da pauta de votações.

Outro encadeamento textual não explícito ocorre na inserção do posicionamento do


outro lado, ou seja, buscando a objetividade, o jornal traz a voz dos deputados para que
possam se defender das acusações. Contudo, essa posição já é contestada pelo título, por
meio de um contraste adversativo compreendido pela sequência textual, a negação posta
pelos deputados (“Representantes de TVs admitem lobby”, mas “deputados negam
influência do setor”). Ao lado, o jornal insere fotos e uma lista de todos os deputados que
receberam doações de cervejarias ou de empresas de Rádio e TV, contrapondo verbo-
visualmente o argumento do “outro lado”.

Essa análise pode esclarecer para o aluno, por que a propaganda é importante, nesse
caso, destacando a sua ligação com a lucratividade das cervejarias, já que, por meio dela, o
consumo é incentivado. A leitura da reportagem do segundo quadrante pode contribuir para
essa reflexão.
162

FIGURA 39: Quadrante inferior, Folha de S. Paulo, 10 maio 2008, p.C2.

Regras do Conar são desrespeitadas, diz estudo


Ricardo Westin
Da reportagem local

Um estudo realizado pela Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) mostra que as propagandas de
cerveja veiculadas na TV não respeitam várias determinações do código de auto-regulamentação da
publicidade do Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária).

As propagandas, de acordo com o estudo, têm apelo imperativo ao consumo, despertam a atenção de
crianças e adolescentes, mostram pessoas que aparentam ter menos de 25 anos, exploram o erotismo, não são
veiculadas apenas em programas de TV destinados ao público adulto e mostram a cerveja relacionada ao
sucesso profissional, social ou sexual.

Das 16 regras do Conar avaliadas na pesquisa, 12 foram desrespeitadas.


163

“A auto-regulamentação não serve para absolutamente nada”, diz a psicóloga Ilana Pinsky. Ela foi a
orientadora do advogado Alan Vendrame em seu trabalho de mestrado no Departamento de Psiquiatria da
Unifesp. A pesquisa foi financiada pela Fapesp (entidade do governo paulista que fomenta pesquisas
científicas).

O estudo contou com a participação de 282 estudantes do ensino médio de escolas públicas de São
Bernardo do Campo, no Grande ABC. Suas idades variavam de 14 a 17 anos — portanto, não podiam consumir
bebida alcoólica.

Esses adolescentes assistiram a 33 propagandas de cerveja veiculadas na televisão durante a Copa do


Mundo de 2006. Eles escolheram as cinco que, na opinião deles, foram as melhores.

Em seguida, os pesquisadores entregaram um questionário aos estudantes, com perguntas relacionando


as propagandas às normas do Conar. Os adolescentes não sabiam qual era o propósito do estudo.

Os pesquisadores usaram as impressões dos jovens para concluir que as cervejarias não respeitam as
normas de autorregulamentação.

“Os jovens são maciçamente bombardeados por uma série de propagandas de cerveja na televisão, de
manhã, à tarde e à noite. Diversos estudos mostram que a propaganda tem efeito na tomada da decisão do
consumo”, afirma Ilana Pinsky.

Na quarta-feira passada, o governo retirou a urgência de um projeto de lei em análise pela Câmara dos
Deputados que proíbe a veiculação de anúncios de bebidas alcoólicas no rádio e na televisão das 6h às 21h.

O projeto perdeu a prioridade, segundo deputados, por causa da pressão dos fabricantes de cerveja, das
agências de publicidade e das emissoras de rádio e televisão. Agora, sem o status de urgência, o texto pode
levar anos para ser votado.

Dentro do governo federal, a aprovação era aguardada com ansiedade principalmente pelo Ministério
da Saúde e pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).

A decisão foi criticada por diversas entidades, como o Cremesp (Conselho Regional de Medicina de São
Paulo) e o Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor). Um abaixo assinado com cerca de 600 mil
nomes foi levado ao Congresso pedindo que o projeto de lei fosse aprovado.

O Cremesp afirmou que, por causa do álcool, “famílias continuarão sendo dizimadas, a violência
doméstica continuará sendo frequente e o Brasil seguirá como o campeão em acidentes automobilísticos”.

Outra preocupação é o fato de as pessoas começarem a beber cada vez mais jovens. A pesquisa da
Unifesp apresentou outro questionário aos adolescentes. A idade média do primeiro consumo de bebida
alcoólica, no caso dos 67%que já haviam bebido, foi de apenas 13,8 anos. No Brasil, a venda de álcool a
menores de 18 anos é expressamente proibida.

Enquanto em diversos países do mundo a propaganda de bebidas alcoólicas é limitada por lei, em
outros, como o Brasil, o mercado de publicidade é autorregulado.
164

O Conar é uma ONG (organização não-governamental) formada por 180 conselheiros, entre
profissionais de publicidade e representantes da sociedade civil, que tem por objetivo fazer valer o código de
autorregulamentação publicitária.

A pesquisa mostrou, no entanto, que regras como a que proíbe relacionar o álcool à direção foram
respeitadas.

Folha de S. Paulo, 10 maio 2008, p.C2

Questões como: segundo a pesquisa, a propaganda de bebida alcoólica vem


associada a quê? Quais são as principais preocupações relacionadas ao consumo de álcool?
Qual parágrafo marca textualmente a pressão (lobby) das cervejarias, das agências de
publicidade e das emissoras de TV contra a restrição da propaganda de bebida alcoólica e
qual é a voz social que traz essa informação como causa da não votação? Você concorda que
o poder público deva ser influenciado pelo lobby das cervejarias? Por quê? Em sua opinião, a
propaganda aumenta a lucratividade para quem?

Tais perguntas são importantes para enfatizar que há uma discussão política. A
relevância do editorial escrito no dia seguinte está exatamente em posicionar-se contra a
postura dos deputados que se deixaram influenciar pela pressão de instituições particulares,
para o favorecimento de seus interesses e não em prol da sociedade. Nesse contexto, a
proibição da propaganda de cervejas ganha um cunho político e social que visa o bem
comum, e a instituição jornalística se posiciona a favor dessa restrição. Sem retomar esse
contexto, o editorial perde de fato a sua relevância.

4.2.2 A língua portuguesa na prática social: progressão temática

Para entender como a instituição constrói o seu posicionamento, é importante a


análise dos recursos linguístico-discursivos utilizados. Focamos, nessa atividade, a
progressão temática do texto e sua relação com a concisão do editorial e o posicionamento
construído pelo jornal. Para isso, elaboramos questões e possibilidades de respostas que
poderiam participar de uma atividade didática em um LD.

Junte-se a um parceiro e analise como a instituição jornalística marcou o seu ponto


de vista, utilizando a língua portuguesa.
165

FIGURA 40: Editorial Propaganda a ser limitada, Folha de S. Paulo, 11 maio 2008, p.A2.

Progressão temática e articuladores textuais

1. A continuidade de um texto depende de como ele progride. Além dos articuladores entre
segmentos do texto, precisamos compreender como ocorre a progressão temática, ou seja,
como se dá a repetição/retomada de informações e a introdução de informações novas. A
informação dada é denominada de tema e a informação nova é o rema. A progressão está
no equilíbrio entre tema e rema. Para entendermos melhor, há quatro tipos de progressão
temática:

(a) Progressão com tema constante – informações novas são acrescentadas a um mesmo tópico.

(b) Progressão linear – o rema de um segmento passa a ser tema do outro, assim por diante.

(c) Progressão com salto temático – há a omissão de alguma informação, facilmente compreendida
pela relação estabelecida entre os outros segmentos.

(d) Progressão temática por subdivisão – a informação nova é subdivida em dois ou mais segmentos.

Analise a progressão estabelecida no texto, completando o quadro abaixo:


166

Propaganda a ser limitada


É GRANDE a força do lobby de
cervejarias, TVs e agências de propaganda. (a) Observe a constância do tema: “A força do lobby” “é
Mais uma vez, conseguiu evitar que a grande” e “conseguiu evitar [...]”. Se o tema é o mesmo e
acrescentam-se informações, novas a progressão
publicidade de cervejas fosse equiparada à das
temática é: por tema constante
demais bebidas alcoólicas e proibida das 6h às
21h.
O projeto de lei do Executivo restituindo
um pouco de lógica à legislação que regula a (b) A informação nova no primeiro parágrafo não é
mantida como tema no segundo, deixando omitida a
propaganda de álcool estava pronto para ser
possível expressão no final do primeiro: “pelo projeto de
votado. Mas um acordo entre parlamentares e lei do executivo”. Temos, portanto, progressão temática:
governo conseguiu retirar a urgência da com salto temático
proposta, que agora fica sem prazo para ir a
plenário. A julgar pelos precedentes, isso (c) Analise os outros temas marcados no segundo
dificilmente ocorrerá antes dos Jogos Olímpicos parágrafo e classifique as respectivas progressões
de Pequim, em agosto, ou quem sabe da Copa estabelecidas: progressão temática por salto temático
de 2014. (em vermelho); progressão temática linear (em verde).

Em termos de saúde pública e ciência,


não há justificativa para tratar a publicidade de
bebidas alcoólicas de qualquer gradação de
(d) No terceiro e quarto parágrafos há progressão
forma diversa da do tabaco, que é vedada
temática por salto temático. Explique as omissões
quase totalmente.
estabelecidas:
O álcool é uma droga psicoativa com Entre o segundo e terceiro parágrafo, fica omitido que os
elevado potencial para provocar dependência. jogos olímpicos e a copa podem justificar o adiamento da
Estudo da Organização Mundial da Saúde votação.
atribui ao abuso etílico 3,2% das mortes
Entre o terceiro e o quarto fica omitido que, assim como
ocorridas no planeta (cerca de 1,8 milhão de
o tabaco, que possui propaganda restrita, o álcool é uma
óbitos anuais). Metade delas tem como causa droga.
doenças, e a outra metade, ferimentos. No
Brasil, dados da Secretaria Nacional Antidrogas
(2005) apontam que 12,3% da população entre
(e) No quarto parágrafo, há a inserção de uma
12 e 65 anos pode ser considerada dependente.
informação nova: dados estatísticos, retomados como
Não se trata de proibir o consumo de tema no início do quinto parágrafo (realce em amarelo).
álcool, mas esses números deixam claro, por Nesse trecho, há uma progressão temática: linear
outro lado, que ninguém deveria ser (f) Em vermelho, no 5º parágrafo, há a inserção de
estimulado a beber. A propaganda é uma diferentes temas que inserem informações deixando
atividade legítima para a esmagadora maioria subentendidos vários segmentos: a propaganda é uma
dos produtos e serviços existentes. O caso das atividade que auxilia a maioria dos produtos e serviços
drogas lícitas é uma exceção. A Constituição existentes, mas pode estimular o consumo de bebida
Federal, em seu artigo 220, prevê restrições a alcoólica e, por isso a propaganda deve ser restrita, assim
como a Constituição Federal prevê. Há uma sequência
esse tipo de publicidade.
de: saltos temáticos
Não faz, portanto, sentido a campanha (g) O penúltimo parágrafo estabelece uma relação de
que a Associação Brasileira de Agências de conclusão a partir do parágrafo anterior, deixando
Publicidade mantém desde o final de abril omitido que a campanha das agências de publicidade
afirmando que a restrição à publicidade de não faz sentido se contradiz a própria Constituição
cervejas teria o mesmo efeito que proibir “a federal. Há também um: salto temático
fabricação de abridores de garrafa”.
Louvar as virtudes reais ou imaginadas
de abridores de garrafa não costuma levar (h) Agora, você pode chegar a uma conclusão: em verde,
jovens a consumir quantidades crescentes de com realce em amarelo, há uma progressão temática por
drogas psicotrópicas. Já a propaganda de salto temático? O que fica omitido? Fica omitido que a
propaganda de cerveja leva os jovens a consumir drogas
cerveja o faz.
psicotrópicas.
167

2. Retome a definição dada pelo Manual de Redação da Folha. O texto apresenta “com
concisão a questão de que vai tratar”? Por quê?
O texto é conciso e, por meio de saltos temáticos introduzidos na progressão textual, marca o
posicionamento do jornal.
3. Além da progressão temática, a coesão sequencial também está relacionada ao uso dos
articuladores textuais.

a) Qual articulador textual é utilizado no trecho abaixo como marca de contraposição?

“O projeto de lei do Executivo restituindo um pouco de lógica à legislação que regula a


propaganda de álcool estava pronto para ser votado. Mas um acordo entre parlamentares e
governo conseguiu retirar a urgência da proposta, que agora fica sem prazo para ir a
plenário.”

A conjunção mas.

b) Observe nesse outro trecho o uso do advérbio já.

“Louvar as virtudes reais ou imaginadas de abridores de garrafa não costuma levar jovens a
consumir quantidades crescentes de drogas psicotrópicas. Já a propaganda de cerveja o faz.”

Embora não seja uma conjunção, esse advérbio poderia ser substituído pela conjunção mas
sem alterar o sentido construído? Por quê?

O advérbio já poderia ser substituído por mas, pois também insere uma contraposição.

Estratégias de refutação e de concordância

4. Na apresentação, o enunciador inicia o texto fazendo referência a que fatos? Essas


informações eram, no momento da publicação do editorial, de conhecimento dos leitores?
O enunciador retoma o acordo parlamentar, resultado do lobby das cervejarias, TVs e agências
de publicidade, que retirou o caráter de urgência na votação de um projeto de lei que regulamenta a
propaganda de bebida alcoólica. O jornal deu destaque a essas notícias no dia anterior à publicação do
editorial.
5. O jornal é favorável ou contrário à decisão dos parlamentares? Como o jornal se
posiciona?

O jornal é contrário à decisão dos parlamentares, pois concorda com a regulamentação da


propaganda de cerveja, já que antecipa pelo título que há propagandas a serem limitadas e se
posiciona, defendendo que, por uma questão de saúde e ciência, a propaganda de bebida alcoólica não
difere da publicidade em torno do tabaco.
6. Na ampliação da argumentação, o editorial deve “desenvolver os argumentos que o jornal
defende” e “refutar as opiniões opostas” (Manual de Redação da Folha, 2001, p. 64). Quais
168

argumentos o jornal apresenta para validar seu ponto de vista e, assim, refutar a posição dos
parlamentares? As vozes presentes nesses argumentos contribuem para o efeito de
objetividade no texto?
Para validar que a proibição da propaganda de cervejas deve ser concretizada, o jornal
apresenta a definição do álcool como droga; expõe os resultados da pesquisa da OMS, que constatou o
número excessivo de mortes por conta do abuso etílico; insere a voz institucional da Secretaria
Nacional Antidrogas, apontando o número de dependentes e apresenta o artigo da Constituição Federal
que impõe restrições a esse tipo de propaganda.
A exemplificação da pesquisa e a citações das vozes da Secretaria Nacional Antidrogas e da
Constituição Federal contribuem para a objetividade do texto, pois insere posições institucionais,
portanto, coletivas e não individuais.
7. A conclusão condensa a posição adotada pelo jornal, conforme recomenda o Manual de
Redação da Folha (2001, p. 64)? Explique:
A conclusão condensa e marca a posição do jornal, deixando subentendido que a propaganda
influencia no consumo de drogas, validando, portanto, o posicionamento favorável à restrição de
propagandas de bebidas alcoólicas.
8. Não encontramos marcas linguísticas de primeira pessoa no editorial. Explique o sentido
criado pelo emprego da terceira pessoa. Exemplifique com marcas (pronomes, desinências
verbais) que comprovem sua resposta
O uso da terceira pessoa enfatiza o caráter de objetividade do texto, que, no editorial, funciona
como recurso de persuasão, pois mostra o posicionamento da instituição, que discute uma questão de
relevância social, e não um olhar particular. Exemplos: “É grande”; “isso [...] ocorrerá”; “O álcool é”;
“esses números deixam”; “prevê restrições”; “a propaganda de cerveja o faz”.
Recurso gráfico como marcador avaliativo

9. No texto, há o uso comedido de marcadores apreciativos como adjetivos e advérbios.


Considerando que o estilo de um editorial da Folha deva “ao mesmo tempo” ser “enfático e
equilibrado” (Manual de Redação da Folha, 2001, p. 64), a que se deve o uso de um adjetivo
em letras maiúsculas no início do texto? Explique.

A marca avaliativa verbo-visual é uma forma de dar ênfase ao adjetivo e manter o texto
equilibrado ao mesmo tempo, pois evita marcas apreciativas como advérbios de intensidade (muito,
imensamente, etc.). O recurso visual dá a ideia de que o lobby das cervejarias tem muita influência nas
decisões parlamentares, ou seja, é realmente muito grande.
10. Você concorda ou discorda da argumentação construída no editorial? Justifique sua
resposta (Esperamos, nessa questão, que o aluno seja capaz de elaborar seu posicionamento).
169

Durante a atividade pode ser sugerida uma pesquisa de outros editoriais em jornais
diferentes, para comparar a posição fixa do jornal (seção e página) e a linguagem utilizada
em cada veículo. Pode ser solicitado que o aluno traga as páginas para sala de aula e, em
duplas ou trios, discutam os aspectos já estudados.

Depois de analisar o contexto extraverbal do editorial, o aluno conheceu a prática


social inerente à produção desse gênero e pode, juntamente com outros colegas, elaborar o
seu texto, considerando o percurso apontado.

4.1.3 Você é membro de um conselho editorial!

A proposta de produção pode sugerir o mesmo caminho percorrido na análise,


pedindo que o estudante pesquise os fatos mais recentes em jornais e revistas para
mobilizar a sua produção. Pode ser sugerido que os alunos formem trios para compor um
conselho editorial. Para isso, a atividade didática poderia considerar o roteiro sugerido.

Você é membro de um conselho editorial! Em trios, criem uma revista ou jornal


destinado ao público do colégio, considerando, portanto, como leitores: professores,
funcionários, alunos, etc. Conselho editorial formado: é hora de produzir o texto.

1. Pesquisem em jornais e revistas assuntos de cunho político e/ou social que sejam
relevantes para essa comunidade escolar.

2. Considerem na produção do editorial a pesquisa de textos realizada, posicionando-se


enquanto instituição jornalística.

3. Vocês são alunos-autores, por isso, façam a revisão das características do editorial e
escrevam uma primeira versão do texto.

4. Como membros do conselho editorial, submetam o texto a uma autoavaliação,


considerando este roteiro e os recursos linguístico-discursivos estudados (as partes
do editorial – apresentação dos acontecimentos, desenvolvimento da argumentação,
conclusão; uso da terceira pessoa gramatical; supressão das marcas apreciativas;
emprego de recursos como citações, exemplificações, comparações, etc.; a
progressão temática do texto e os articuladores textuais).
170

5. Editorem o texto para publicá-lo. Combinem com a classe e com o professor como
será a divulgação dos textos. Sugerimos a elaboração de um mural com as notícias e
reportagens que mobilizaram a produção do editorial, acompanhado da revista
criada (o título da revista e até uma possível capa), do perfil editorial criado pelo
grupo e, com destaque, a produção do editorial.

6. Reservem, com o professor, um momento para que vocês leiam os editoriais


produzidos e enviem comentários pelo e-mail do grupo ou deixe anotados em um
mural de recados.

Após essa atividade, pode ser inserido um aprofundamento quanto aos tipos de
progressão temática em diferentes gêneros, de modo que as atividades de produção escrita
sejam seguidas por atividades de reflexão sobre os usos da língua, ligadas a algum dos
aspectos estudados no gênero de foco. O objetivo é permitir que o aluno perceba que um
sujeito se apropria do mesmo recurso da língua em diferentes textos para produzir
diferentes sentidos.

No encaminhamento didático sugerido a seguir, apresentamos para o aluno uma


possibilidade de compreender a prática social que subjaz a produção de uma carta de leitor.
Para isso, os alunos podem analisar em qual seção do jornal se publicam essas cartas, para
que servem, como se faz para ter uma carta publicada, etc. Para reconstruir esse contexto
de produção e circulação da carta de leitor, selecionamos da atividade didática de PL o texto
que faz referência à utilização de células-tronco embrionárias em pesquisa.

4.3 A carta de leitor

4.3.1 Ler, pesquisar e dialogar em sala de aula: argumentando como cidadão

Diante de um fato ou assunto polêmico, no jornal, os leitores podem participar do


debate, expondo seu ponto de vista. Para isso, mandam cartas (ou e-mails) para o jornal,
marcando a sua voz, e, por meio delas, os leitores têm a possibilidade de travar um diálogo
público com autores de textos que circulam no jornal, sendo intermediados pelo editor. As
cartas são assinadas e, por isso, o leitor é responsável pelas afirmações feitas, sendo muitas
vezes uma réplica a um texto recentemente publicado, acarretando, também tréplicas de
171

outros leitores. Esses textos acabam por revelar o pensamento da sociedade sobre
determinados assuntos e, para a instituição jornalística, servem como avaliadores do
encaminhamento dado aos fatos e discussões.

A carta publicada em PL, além de diferenças de edição, apresenta alterações quanto


ao texto.

FIGURA 41: A carta de leitor em PL.

FIGURA 42: Página A3 do jornal Folha de S. Paulo, 31 maio 2008.


Digitalização adquirida no arquivo do jornal Folha de S. Paulo
172

Possivelmente, o jornal forneceu à editora o texto integral para ser disponibilizado


pela coleção didática, o que não confere com a real publicação, pois notamos a supressão de
alguns trechos, já que a seleção de trechos pelo editor do jornal é uma coerção do gênero
carta de leitor.

Além da carta transcrita na coleção didática, destacamos que outra também faz
referência à notícia sobre a liberação do uso de células-tronco em pesquisa. O aluno pode
perceber diferentes pontos de vista diante dos fatos. Podemos considerar que o título
Células-tronco não é dado a uma carta, mas é uma organização gráfica que divide as cartas
publicadas pelos assuntos em referência, na qual a estrela marca o início de outra carta.
Seria importante perguntar para os alunos em que caderno, seção, página são publicadas as
cartas de leitores, quais outras seções aparecem na página, o que os títulos e subtítulos
sugerem e qual é a função dessas seções. Desse modo, é possível destacar que a página é
destinada à divulgação de opiniões, por meio do diálogo, do debate. O painel dos leitores é
referência explícita da participação ativa dos leitores no estabelecimento desse diálogo.

As cartas selecionadas foram publicadas em 31 de maio de 2008, pelo jornal Folha de


S. Paulo, e ambas fazem referência à uma publicação anterior do anterior. A Folha deu
destaque, em notícia de primeira página, ao fato do Supremo Tribunal Federal (STF) aprovar
o uso de células-tronco em pesquisa.

FIGURA 43: Notícia de primeira página, Folha de S. Paulo, 30 maio 2008.


Digitalização adquirida no arquivo do jornal Folha de S. Paulo
173

A partir da composição verbo-visual da capa, é importante evidenciar que o jornal


traz como manchete um fato relacionado à política e à ciência, em torno, contudo, de um
assunto polêmico. A Manchete e o gráfico pressupõem que o leitor saiba inúmeros conceitos
como óvulo, célula e embrião. Que tipo de leitor está pressuposto? Qual parcela da
população se interessa mais por esses assuntos? Os alunos podem evidenciar que o leitor é
alguém com boa formação acadêmica. Para definir melhor esse perfil, o próprio jornal
investigou o tipo de leitor mais frequente.

Fonte: Pesquisa “Perfil do Leitor 2000”, realizada pelo Datafolha, de 10/11 a 22/12/2000

FIGURA 44: Perfil do leitor do jornal Folha de S. Paulo


Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/80anos/quem_e_o_leitor.shtm.l>. Acesso em: 12 jul. 2010.

É possível resgatar o leitor desse veículo de comunicação impressa, perguntando qual


é a sua idade média, qual é o seu padrão de renda e de escolaridade, se há algum sexo
predominante, se possui acesso a diferentes fontes de informação, se, com relação a temas
polêmicos, são mais conservadores ou não, quais são os seus interesses, etc.

A primeira página anuncia o que será detalhado no interior do jornal, em algum


caderno específico. No caso da notícia referida, o jornal dedicou página inteira na divulgação
do fato, no caderno Ciência.
174

Placar sugere uma


competição entre os
parlamentares.
A FAVOR
X
PARCIALMENTE A
FAVOR

A disputa é recuperada
verbo-visualmente pelo
confronto das fotos e
dos argumentos
utilizados.

Encadeamento textual
verbo-visual:
contraposição entre as
duas colunas.
O voto e o argumento
principal de cada
ministro
X
Comentário avaliativo
de Marcelo Leite
(Decisão do supremo já
chega caduca).

Em toda competição, há vitoriosos e derrotados.

FIGURA 45: Página A15 do jornal Folha de S. Paulo, 30 maio 2008.


Digitalização adquirida no arquivo do jornal Folha de S. Paulo
175

A organização verbo-visual da página recupera a sensação de disputa durante a


votação, aumentando a tensão em torno da polêmica gerada pelo assunto. A palavra placar,
utilizada para definir o resultado da votação, traz a ideia de resultado de uma competição.
Seria relevante ressaltar para o aluno como a disputa é recuperada visualmente pelo
confronto das imagens dos parlamentares, acompanhados de seus respectivos argumentos.
Para o jornal não há posição contrária, há aqueles que são a favor e os que são parcialmente
a favor. Qual é o objetivo de construir essa imagem antecedendo os fatos relatados? Para
compreender a posição do jornal, observemos as vozes que são trazidas à página.

No lado direito da página, há duas colunas, sendo que a primeira traz o voto e o
argumento principal de cada ministro para justificar sua posição, já, na segunda, é inserido o
comentário avaliativo do colunista Marcelo Leite, cujo título é Decisão do supremo já chega
caduca. Marcelo Leite é jornalista, doutor em Ciências Sociais, especializado em jornalismo
científico. O jornal insere uma voz de autoridade para se posicionar diante da polêmica,
contrapondo a decisão, pois evidencia como ela está atrasada em relação a outros países.

É relevante retomar com os alunos por que o colunista chama a lei de caduca, quais
argumentos são utilizados para enfatizar que a lei no Brasil chegou atrasada, quais países
são citados, em que esse posicionamento se relaciona com a posição dos “competidores” da
“disputa” (“a favor” ou “parcialmente a favor”), ou seja, por que não existe posição
contrária. O leitor é encaminhado a perceber que não há, de acordo com as necessidades
mundiais atuais, quem discorde da pesquisa utilizando células-tronco, pois ela já é realidade
nos países mais avançados. Há, contudo, quem acredita ser necessário inserir restrições a
esse tipo de procedimento científico. Segundo Marcelo Leite: “mesmo quem discorda de dar
carta branca aos cientistas pode diagnosticar aí uma incapacidade crônica de decidir o que
fazer em sincronia com a própria época” (Folha de S. Paulo, 30 maio 2008, p. A15, grifo
nosso).

O substantivo vitória, inserido no título do último texto, sugere que em toda


competição há vitoriosos e derrotados. Os vitoriosos são retratados com destaque na foto
dos deficientes que comemoraram a decisão. Os derrotados, por sua vez, são representados
por um comunicado institucional da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil),
evidenciando que a questão religiosa também permeou a discussão.
176

A relação entre o comentário de Marcelo Leite e a marca visual dos vitoriosos deixa
subentendido que muitas pessoas já poderiam ter sido beneficiadas por essas pesquisas,
caso o projeto de lei fosse regulamentado em sincronia com as necessidades da sociedade.

Diante do encaminhamento dado pelo jornal, dois leitores assumem o ato de


escrever como prática social e pela língua manifestam seu ponto de vista. Considerando que
escrevemos para alguém ler, de acordo com as circunstâncias de produção, é importante
que o aluno possa realizar a análise da materialidade verbal das cartas.

4.3.2 A língua portuguesa na prática social: coesão referencial

Como nas outras atividades, sugerimos que, aos poucos, os alunos possam apreender
uma prática significativa para a escrita, envolvendo as ações de adequar-se ao gênero,
planejar o texto, organizar sua sequência, articular suas partes, dialogar com os discursos
que circulam socialmente. Para isso, seria importante que o estudante transitasse pelos
recursos linguístico-discursivos, utilizados em torno de um dizer único e irrepetível, realizado
em contexto histórico específico. Para isso, propomos questões e possibilidades de
respostas que encaminham para a leitura das cartas de leitores selecionadas.

Em dupla, leia as cartas de leitores e responda às questões propostas.

Publicação de uma carta

1) Considerando a leitura da notícia de primeira página e dos textos que mobilizaram a


manifestação dos leitores, caracterize os autores das cartas como leitores do jornal.
Em ambos os textos, os leitores parecem ser assíduos e acompanhar detalhadamente a edição
do jornal. Na primeira carta, o leitor se coloca favorável a decisão do STF, assim como o jornal o faz.
Já na segunda carta, a leitora questiona uma postura tendenciosa do jornalista, mostrando-se indignada
com a formulação da notícia, deixando subentendido que se posiciona contrariamente à decisão.
2) Compare o destaque dado à notícia, no dia anterior, como manchete de primeira página,
com o posicionamento das cartas em referência. Elas também recebem destaque
semelhante? Por quê?
Por se tratar de manchete de primeira página, as cartas foram publicadas em destaque, pois são
as primeiras da seção, mantendo a relevância dada ao assunto pelo jornal.
3) Os leitores na seção de cartas podem tratar de que assuntos?
Os leitores podem explorar assuntos relevantes para a sociedade, já veiculados pela mídia.
Podem também elogiar ou criticar o jornal.
177

4) No jornal, o painel do leitor estabelece um debate aberto para exposição de diferentes


posicionamentos. Para manter a atualidade do debate, o envio das cartas deve ser rápido.
Observe as orientações dadas pelo corpo editorial.

FIGURA 46: Cabeçalho da seção Painel do Leitor, Folha de S. Paulo, 31 maio 2008, p. A3.

a) Quais orientações o jornal dá para o envio de cartas?


Os textos devem ser concisos e conter nome completo, endereço e telefone.
b) O jornal informa que pode publicar trechos. Qual recurso gráfico da língua marca a citação
da voz de outra pessoa? Com relação à edição das cartas, essa seleção de trechos evidencia
o quê?
O uso das aspas marca uma citação, podendo ser um trecho da carta ou a totalidade do texto. A
seleção de trechos sugere que há um grupo editorial responsável pela leitura e seleção das partes mais
relevantes de acordo com a discussão estabelecida, ou seja, as cartas recebem editoração dada pelo
jornal.
Coesão referencial: o recurso da retomada

5) Como as cartas retomam os fatos/textos referidos?


A primeira carta retoma com a expressão “histórica decisão do STF” e a segunda cita
literalmente o título da reportagem “Em julgamento histórico, STF aprova uso de embrião”.
6) Na segunda carta, o leitor utiliza a citação para indicar diretamente a que texto faz
referência, já a primeira utiliza uma expressão classificatória que remete aos fatos relatados
pelo jornal no dia anterior. Releia a primeira carta e indique a que ou a quem os trechos
abaixo fazem referência:

a) “árdua batalha de convencimento”: argumentos utilizados pelos cientistas em apoio à liberação


do uso de células-tronco.
b) “ministros da mais alta corte de Justiça”: STF – Supremo Tribunal Federal.
c) “um atraso que prejudicava muitos brasileiros”: debate religioso-filosófico.
d) “agora”: após a decisão do STF.
7) Retome os trechos da questão anterior e responda:
178

a) Qual trata de expressão classificatória e qual é expressão nominal explicativa.


As letras a, b e d correspondem a expressões classificatórias e a letra c, a expressões nominais
explicativas.
b) Qual retoma elementos internos, do próprio texto, e qual retoma elementos externos, da
situação comunicativa.
As letras a e d retomam elementos externos; a letra b retoma elementos internos; e a letra c
retoma o interno, mas, também marca o externo, definindo o ponto de vista do leitor.
8) A coesão referencial pode ocorrer por anáfora, quando remete a elementos ditos, ou por
catáfora, quando remete a elementos a serem ditos. Observe o artigo destacado no trecho:
“já que fizeram questão de registrar a do ministro Carlos Alberto Direito”. A que expressão o
artigo faz referência.
O artigo faz referência à expressão “orientação religiosa”, portanto, é uma anáfora.
9) As cartas de leitores costumam utilizar primeira pessoa, para marcar um ponto de vista
pessoal, e a terceira pessoa para representar todos que concordam com a posição
apresentada. Nas cartas em referência, contudo, os leitores utilizaram apenas a terceira
pessoa. Relacionando com os processos de retomada, como cada leitor marca seu ponto de
vista particular no texto? Explique.
A retomada dos elementos, além de “costurar” as ideias do texto, insere marcas apreciativas
que evidenciam como os leitores se posicionam diante do assunto. Na primeira carta, o leitor utiliza
adjetivações (“árdua batalha”, “alta corte da justiça”, “debate religioso-filosófico era um atraso”),
marcando sua concordância com a decisão do STF. Na segunda carta, por sua vez, ao mencionar duas
vezes a expressão “orientação religiosa”, uma explicitamente e outra pelo processo de retomada
gramatical, o leitor marca que o viés religioso foi dado apenas a um lado dos “competidores”,
questionando a postura do jornal. Desse modo, a costura das ideias funciona como fator de persuasão.
10) Os dois leitores posicionam-se da mesma maneira? Explique:
Não. Enquanto o leitor da primeira carta refuta o viés religioso-filosófico, chamando-o de
atraso, o leitor da segunda carta questiona o jornal por se aproximar do viés religioso na discussão em
torno do uso de células-tronco, apenas sob a ótica de um parlamentar que votou não para o projeto.
11) Qual é a importância do recurso da retomada na carta do leitor?
Costurar as ideias e marcar o ponto de vista como fator de persuasão.

A produção de uma carta de leitor é muito relevante, pois diferentemente dos


gêneros editorial e artigo de opinião, nos quais o aluno pode se expressar a partir do estudo
da prática social que os envolve, simulando-a em sala de aula, a produção de uma carta de
leitor traz a prática real para o ensino da língua, pois o aluno pode realmente escrever a sua
carta, enviá-la, e se possível, publicá-la.
179

4.3.3 Você é um leitor atuante!

Após as questões, a proposta de produção insere o aluno na prática social como um


leitor atuante, que manifesta seu ponto de vista por meio de uma carta a um jornal ou
revista. Para isso, o aluno pode seguir a sugestão de roteiro que propusemos.

Você é um leitor atuante! Escolha, tomando por base um artigo de jornal ou revista,
o assunto atual e polêmico sobre o qual queira manifestar sua opinião e como autor de uma
carta de leitor, posicione-se como cidadão.

1. Leia outras matérias sobre o assunto, a fim de conhecer os diferentes


posicionamentos em circulação, considerando que a carta deve ser publicada
logo após o texto de referência, para não perder sua atualidade.

2. Retire as instruções do jornal de que o texto foi selecionado, para a elaboração e


o envio da carta.

3. Considere a retomada dos fatos referidos para situar a carta; marcar o ponto de
vista, acrescentando informações novas, por meio de exemplos, comparações,
etc.; utilizar expressões classificatórias, expressões nominais explicativas,
sinônimos.

4. Elabore um rascunho e revise o texto. É possível trocar a produção com um


colega para fornecer e adquirir comentários ou sugestões para a melhoria da
produção.

5. Envie o texto, digitado ou reescrito, pelo correio ou pela internet.

É importante orientar o aluno a acompanhar as edições seguintes do jornal,


verificando se houve a publicação de sua carta, se algum outro leitor escreveu uma réplica
contra-argumentando seu ponto de vista, para que, se esse for o caso, o aluno possa
produzir uma tréplica.

Como segunda sugestão de proposta, os alunos podem ler a seção de cartas de


diferentes jornais e revistas e selecionar uma carta com a qual gostariam de dialogar. Para
isso, é necessário que aluno faça o levantamento do ponto de vista do autor e de seus
180

argumentos, para escrever uma carta se posicionando em relação ao texto escolhido. A nova
produção pode ser enviada ao jornal ou revista para possível publicação.

As três sugestões didáticas oferecidas podem contribuir como uma possibilidade de


ensinar língua portuguesa, por meio da reflexão em torno das práticas de escritas da mídia
impressa, permitindo que o aluno do EM seja inserido no complexo feixe de relações sociais,
para poder atuar como cidadão, sujeito historicamente situado, capaz de compreender a
língua nas suas dimensões sociais, históricas e estruturais.
181

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na realidade, não são palavras o que pronunciamos ou escutamos, mas


verdades ou mentiras, coisas boas ou más, importantes ou triviais,
agradáveis ou desagradáveis etc. A palavra está sempre carregada de um
conteúdo ou de um sentido ideológico ou vivencial. É assim que
compreendemos as palavras e somente reagimos àquelas que despertam
em nós ressonâncias ideológicas ou concernentes à vida.
Bakhtin/Volochinov

No final da primeira década do século XXI, o ensino de língua portuguesa vincula-se


aos documentos que regem a proposta oficial – PCNEM, PCN+EM, OCEM – e a avaliação de
livros didáticos – PNLEM. Em busca de analisar como os livros didáticos concretizam essas
diretrizes oficiais, neste trabalho, tomamos como objeto de análise uma coleção didática
dirigida ao ensino médio, Português: Linguagens, de Cereja e Magalhães (2008), na qual o
corpus construído contemplou três atividades de produção escrita de textos argumentativos.
Nosso objetivo foi analisar o encaminhamento linguístico-discursivo oferecido pelos autores
para levar o aluno à produção de textos argumentativos e verificar a proposta prescrita para
a produção escrita, comparando-a com as atividades didáticas oferecidas. A partir dessas
análises, propusemos alguns encaminhamentos teórico-metodológicos para o ensino da
escrita argumentativa no EM.

A concepção de gênero do discurso de Bakhtin e o Círculo norteou dois momentos


deste percurso. Primeiramente, a organização da pesquisa buscou compreender a tradição
histórica em que a produção escrita no Brasil se desenvolveu, para, dialogando com essa
tradição, discutirmos teoricamente como o conceito de gênero pode, na atualidade, conferir
dinamicidade ao ensino da produção de textos argumentativos. Em segundo lugar, a
concepção bakhtiniana encaminhou a análise da atividade didática enquanto prática
discursiva, permitindo resgatar o gênero e quais recursos linguístico-discursivos são
privilegiados no ensino da escrita argumentativa, recuperando as vozes que embasam os
conceitos em torno da retórica e da argumentação.
182

Ao compararmos a concretização das atividades com a proposta prescrita no manual,


identificamos ecos dos documentos oficiais, que tomam por base distintos construtos
teóricos. Conforme o manual do professor, a coleção parte da concepção bakhtiniana de
gêneros do discurso, mas convoca de maneira sinonímica os conceitos de tipologia textual e
de gênero textual. Esse tratamento sinonímico, quanto aos conceitos, ressoa o que está
presente dentro dos PCNEM (1999).

Duas outras questões também ecoam a tradição construída ao longo da história do


ensino de produção escrita no Brasil. A primeira resgata a produção de composições, a partir
de modelos construídos para o bem falar e bem escrever, e a segunda insere as vozes da
retórica aristotélica, seu plano de texto, e da Nova Retórica, os tipos de argumento, para
ensinar a escrita argumentativa.

As seções organizadoras, Trabalhando o gênero, Produzindo [o gênero], Escrevendo


com coesão e coerência, conferem às atividades uma unicidade de tratamento, todavia, a
sequência de questões não permite ao aluno vivenciar e refletir a prática social inerente ao
gênero, ou seja, o aluno não produz o texto como enunciador, permanecendo uma proposta
de produção que parte de um modelo. Entre os títulos dados às seções e as propostas de
produção, recuperando o conceito de gênero, não ocorre uma articulação dentro da
perspectiva enunciativo-discursiva, defendida pelos autores do ponto de vista teórico. No
momento de inserção de um artigo de opinião, de um editorial e de uma carta de leitor na
esfera escolar, não são consideradas as características coercitivas da esfera jornalística, isto
é, o perfil do jornal ou revista, perfil do leitor, composição verbo-visual da página, estilo,
conteúdo temático. Ao entrar na esfera didática, os autores deixam de considerar os
elementos da esfera original para privilegiar o conteúdo interior do texto.

No que se refere aos recursos da língua, a análise das atividades mostra que os eixos
didáticos da coleção, Produção de texto, Língua: uso e reflexão e Interpretação de textos, são
desenvolvidos separadamente. O eixo Língua: uso e reflexão, embora não esteja focalizado
na análise, sugere uma valorização dos aspectos prescritivos, sem estabelecer uma relação
com as propostas de escrita.

Na produção escrita, foco de nossa investigação, o ensino da língua enquanto norma


é apresentado como regra para a produção dos textos, procedimento desenvolvido de
maneira mecânica e repetitiva. No conjunto da unidade que engloba O artigo de opinião,
183

esse mecanismo se repete, aparecendo o estudo em torno da estrutura e formação de


palavras; o mesmo ocorre na unidade a que pertence O editorial, tendo como conteúdos
gramaticais trabalhados os tipos de sujeito, adjunto adnominal, complemento nominal,
aposto e vocativo; por fim, sucede o mesmo na unidade que traz a atividade A carta de
leitor, cujo foco é o estudo do período composto por subordinação e por coordenação e da
pontuação. Essas atividades poderiam estar relacionadas à produção escrita, de modo que
as especificidades da língua pudessem ser discutidas enquanto recurso linguístico e
discursivo.

Articular as atividades de leitura, produção, análise de textos aos aspectos


gramaticais não significa ignorar os aspectos prescritivos da língua, entretanto, eles devem
vir acompanhados da reflexão em torno de uma prática social, de modo que o aluno possa
tomar esse conhecimento durante a leitura e análise de diferentes textos.

Dialogando com o livro e adotando como norteador o conceito de gênero discursivo


bakhtiniano, reconstruímos o encaminhamento didático, para sugerir como algumas
especificidades da esfera jornalística podem ser estudadas nas práticas escolares de ensino
de produção escrita, marcando uma possibilidade de unir as atividades didáticas de leitura,
interpretação, produção de texto e reflexão sobre a língua.

Como no corpus selecionado há textos da esfera jornalística, buscamos mostrar como


a revista ou o jornal impresso são produzidos, para quem, de que maneira circula, como
cada veículo organiza as informações e por meio de quais gêneros mobiliza a formação de
opinião. Procuramos colocar o aluno no papel de leitor do jornal, oferecendo um
encaminhamento para a leitura da organização verbo-visual das páginas e das possibilidades
de sentido construídas por essa articulação.

Com relação à leitura e à interpretação dos textos, a reconstrução didática destacou


o contexto mais amplo em que os enunciados são produzidos, no caso dos textos tomados
como objetos de ensino, o perfil do jornal ou revista, características do público leitor, o
caderno e/ou seção em que o texto geralmente é editado; e o contexto mais imediato,
resgatando os discursos que mobilizaram a produção de texto, para verificar os
acontecimentos antecedentes e as vozes sociais que se manifestaram, por meio da análise
da organização verbo-visual da página do jornal, como recurso argumentativo.
184

Referente à produção escrita, a análise e a reflexão dos procedimentos linguístico-


discursivos utilizados permitem que o aluno os incorpore a sua produção, uma vez que ele
passa a utilizar as relações lógico-semânticas (causalidade, condicionalidade, temporalidade,
conjunção, etc.), os articuladores e organizadores textuais, os modalizadores, bem como os
processos de referenciação e suas relações com as informações presentes na memória
discursiva, para construir sentidos e marcar sua posição.

A leitura e a interpretação são primordiais para a produção escrita argumentativa,


pois permite analisar e discutir os posicionamentos colocados na teia discursiva instaurada
socialmente, inserindo o aluno na discussão da questão analisada, ou seja, na prática social.
Não há escrita sem leitura, sem reflexão, sem a adoção de um ponto de vista. O aluno
precisa encontrar o seu lugar como leitor e produtor de textos, para mobilizar o desejo de
manifestar sua opinião, estabelecendo o lugar social de onde fala, com quem dialoga e para
quem seu texto se dirige.

Do mesmo modo que não há escrita sem leitura, não há leitura nem escrita sem a
língua, pois ela constitui o aluno como sujeito atuante, autor, que domina recursos que
marcam sua posição e seu papel na sociedade. Pelo texto, no fluxo das interações
discursivas, materializado pela língua portuguesa, o aluno poderá se expressar sobre algo,
em uma dada situação e com objetivo específico. Na concepção bakhtiniana, a prática social
não permite que os indivíduos interajam com a língua apenas como sistema abstrato de
normas, mas como palavra carregada de conteúdo ou de sentido ideológico ou vivencial.

Nosso trabalho como professora foi o princípio da inquietação que motivou o


desenvolvimento desta dissertação. Para o ensino de língua portuguesa, passamos a
enxergar que o domínio de diferentes gêneros discursivos que circulam nas diversas esferas
de atividades pode colaborar para a formação da cidadania e pode dialogar com os eixos
propostos pelo Programa Ensino Médio Inovador (BRASIL, 2009): o trabalho, a tecnologia, a
ciência e a cultura. Respondendo às novas necessidades engendradas pelo uso da tecnologia
e pela diversidade de avanços científicos, o ensino de português pode estar associado às
práticas discursivas, que interligam o aluno a esse contexto multimidiático, que ocasionou
novas possibilidades de interação cultural e diferentes relações de trabalho.

Concluindo esta etapa de formação, acreditamos que o encaminhamento teórico-


metodológico, balizado pelo conceito de gênero do discurso, é uma resposta responsável
185

aos embates travados em nossa profissão, na busca por uma metodologia que contribua
para a escrita argumentativa de alunos do EM. Essa resposta não está acabada, pois aponta
para uma nova possibilidade de ensino de língua portuguesa, em uma perspectiva
enunciativo-discursiva, conforme surgem outras questões: como formar um aluno-autor,
considerando as esferas de atividades humanas e suas respectivas práticas discursivas? Que
práticas de escrita privilegiar? Sendo representantes das concepções de linguagem adotadas
oficialmente, os livros didáticos podem ser reorganizados assumindo de fato uma
perspectiva enunciativo-discursiva?

O nosso encaminhamento teórico-metodológico é marcado pelo seu inacabamento.


Não temos ainda resposta para muitas questões que emergem, mas acreditamos que adotar
a noção bakhtiniana de gêneros do discurso e o conceito de texto como unidade de ensino
possibilita organizar atividades didáticas de produção escrita, refletindo as diferentes formas
de concretização da língua. Dessa maneira, o aluno passa a tomar a palavra do outro na
interlocução, para poder pronunciar a sua própria palavra, em diferentes contextos
dialógicos, e, assim, mostrar novas e diferentes possibilidades semânticas. O aluno, nessa
dinâmica, poderá adquirir autonomia para alçar diferentes voos como autor de seus textos,
inaugurando novos sentidos e tornando-se, no dizer de Manoel de Barros, o menino que
pegou um olhar de pássaro.
186

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABREU, A. S. A arte de argumentar: gerenciando razão e emoção. 8 ed. Cotia/SP: Ateliê


Editorial, 2005.

ARISTÓTELES. Arte Retórica e Arte Poética. Tradução Antônio Pinto de Carvalho. 17 ed. Rio
de Janeiro: Ediouro, 2005.

BAJTIN, M. M./MEDVEDEV, P. N. Los elementos de la construción artística / El problema del


género. In: El método formal en los estudios literarios: introducción crítica a una poética
sociológica. Tradução Tatiana Bubnova. Madrid: Alianza Editorial, 1994 [1928]. p.207-224.

BAKHTIN, M. M. (VOLOCHINOV, V. N.). Marxismo e filosofia da linguagem: problemas


fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução Michel Lahud e Yara
Frateschi Vieira. 11 ed. São Paulo: Hucitec, 2004 [1929].

BAKHTIN, M. M. Problemas da poética de Dostoiévski. Tradução Paulo Bezerra. 4 ed. Rio de


Janeiro: Forense Universitária, 2008 [1963].

______. Os gêneros do discurso. In: Estética da criação verbal. Tradução Paulo Bezerra. 4 ed.
São Paulo: Martins Fontes, 2003a [1951-53] p. 261-306.

______. O autor e a personagem na atividade estética. In: Estética da criação verbal.


Tradução Paulo Bezerra. 4 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003b [1924-1927] p. 3-192.

______. O problema do texto na linguística, na filologia e em outras ciências humanas. In:


Estética da criação verbal. Tradução Paulo Bezerra. 4 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003c
[1959-1961] p. 307-335.

______. O discurso no romance. In: Questões de literatura e estética. A teoria do romance.


Tradução Aurora Fornoni Bernardini et al. 5 ed. São Paulo: Hucitec/Annablume, 2002 [1934-
1935]. p. 71-210.

BATISTA, A. A. G. A avaliação dos livros didáticos: para entender o programa nacional do


livro didático (PNLD). In: ROJO, R.; BATISTA, A. A. G. (Orgs.). Livro didático de língua
portuguesa, letramento e cultura da escrita. Campinas/SP: Mercado de Letras, 2003. p. 25-
67.

BEZERRA, M. A. Ensino de língua portuguesa e contextos teórico-metodológicos. In:


DIONÍSIO, A. P.; MACHADO, A. R.; BEZERRA, M. A. (Orgs.) Gêneros Textuais & Ensino. 4. ed.
Rio de Janeiro: Lucerna, 2005. p. 37-46.
187

BORGES, C. M. B.; BOTELHO, D. Processo de escolha de bancos de imagens: aplicação no


Marketing Business to Business. Pensamento Contemporâneo em Administração. Rio de
Janeiro, n. 3, ano 2008. Disponível em: <http://www.uff.br/rpca>. Acesso em: 16 abr. 2010.

BRAIT, B.; ROJO, R. Gêneros: artimanhas do texto e do discurso. São Paulo: Escolas
Associadas, 2001.

______; MELO, R. Enunciado/ enunciado concreto/ enunciação. In: BRAIT, B. (Org.) Bakhtin:
conceitos-chave. São Paulo: Contexto, 2005, p. 61-78.

______. PCNs, gêneros e ensino de língua: faces discursivas da textualidade. In: ROJO, R.
(org.). A prática de linguagem em sala de aula: praticando os PCNs. São Paulo: EDUC;
Campinas: Mercado de Letras, 2000. p. 15-25.

______. Perspectiva dialógica, atividades discursivas, atividades humanas. In: SOUZA-E-


SILVA, M.C.P.; FAÏTA, D. (orgs.) Linguagem e Trabalho: construção de objetos de análise no
Brasil e na França. São Paulo: Cortez, 2002. p. 31-44.

______. Interação, gênero e estilo. In: PRETI, D. Interação na fala e na escrita. São Paulo:
Humanitas/FFLCH/USP, 2003. p.125-157.

______. Estilo. In: BRAIT, B. Bakhtin: conceitos-chave. São Paulo: Contexto, 2005. p. 79-102.

______. Análise e teoria do discurso. In: BRAIT, B. (Org.) Bakhtin: outros conceitos-chave. São
Paulo: Contexto, 2008. p. 9-31.

______. A Palavra mandioca do verbal ao verbo-visual. Bakhtiniana, São Paulo, v. 1, n. 1,


p.142-160, 1. sem. 2009. Disponível em: <http://www.linguagememoria.com.br>. Acesso
em: 16 abr. 2010.

BRASIL. Lei n.º 5.692, de 11 de agosto de 1971. Fixa diretrizes e bases para o ensino de 1º e
2º graus. Brasília, 1971 Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L5692.htm>. Acesso em 16/07/2009.

______. Lei n.º 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da


educação nacional. Brasília, 1996. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9394.htm>. Acesso: em 16/07/2009.

______. Ministério da Educação (MEC). Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto


ciclos do ensino fundamental. Brasília: MEC/Semtec, 1998.

______. Ministério da Educação (MEC). Parâmetros Curriculares Nacionais – Ensino Médio.


Brasília: MEC/Semtec, 1999.
188

______. Ministério da Educação (MEC). PCN+Ensino Médio: Orientações Educacionais


Complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais. Brasília: MEC/Semtec, 2002.

______. Ministério da Educação (MEC). Orientações Curriculares para o Ensino Médio.


Brasília: MEC/Secretaria de Educação Básica, 2006.

______. Ministério da Educação (MEC). Língua Portuguesa: Catálogo do Programa Nacional


do Livro Didático para o Ensino Médio. Brasília: MEC/FNDE/Secretaria de Educação Básica,
2008.

______. Ministério da Educação (MEC). Programa: Ensino Médio Inovador. Documento


orientador. Brasília, 2009. Disponível em:
<http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/documento_orientador.pdf>. Acesso em:
17/07/2010.

BRONCKART, Jean–Paul. Atividade de linguagem, textos e discursos: por um interacionismo


sócio-discursivo. Tradução Anna Rachel Machado e Péricles Cunha. São Paulo: Educ, 1999.

BUNZEN JR., C. S. Livro didático de Língua Portuguesa: um gênero do discurso. Dissertação


de Mestrado. Campinas/SP, Instituto de Estudos da Linguagem, Universidade Estadual de
Campinas, 2005.

______. Reapresentação de objetos de ensino em livros didáticos de língua portuguesa: um


estudo exploratório. In: SIGNORINI, I. (Org.). Significados da inovação no ensino de língua
portuguesa e na formação de professores. Campinas/SP: Mercado de Letras, 2007. p. 79-108.

______. Dinâmicas discursivas na aula de português: os usos do livro didático e projetos


didáticos autorais. Tese de Doutorado. Campinas/SP, Instituto de Estudos da Linguagem,
Universidade Estadual de Campinas, 2009.

CAMPOS, M. I. B. Questões de literatura e estética: rotas bakhtinianas. In: Bakhtin,


dialogismo e polifonia. São Paulo: Contexto, 2009. p.113-149.

CEREJA, W. R. Uma proposta dialógica de ensino de literatura no ensino médio. Tese de


Doutorado. São Paulo/SP, Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem. Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, 2004.

CEREJA, W. R. Ensino de literatura: uma proposta dialógica para o trabalho com literatura.
São Paulo: Atual, 2005.

CEREJA, W. R.; MAGALHÃES, T. C. Português: Linguagens. 5. ed. Volumes 1, 2, 3. São Paulo:


Atual, 2005.

______; ______. Português: Linguagens. 6. ed. reform. Volumes 1, 2, 3. São Paulo: Atual,
2008.
189

______; ______. Português: Linguagens. 6. ed. reform. Volume 1. São Paulo: Atual, 2008a.

______; ______. Português: Linguagens. 6. ed. reform. Volume 2. São Paulo: Atual, 2008b.

______; ______. Português: Linguagens. 6. ed. reform. Volume 3. São Paulo: Atual, 2008c.

CUNHA, D. A. C. A estilística da enunciação para o estudo da prosa literária no ensino meio.


In: BUNZEN, C.; MENDONÇA, M. (Orgs.). Português no Ensino Médio e Formação do
professor. São Paulo: Parábola editorial, 2006. p.117-138.

DIAS, L. F. O Estudo de Classes de Palavras: Problemas e Alternativas de Abordagem. In:


DIONISIO, A. P.; BEZERRA, M. A. (Orgs.). O livro didático de Português: múltiplos olhares. Rio
de Janeiro: Lucerna, 2001. p.126-138.

DIONISIO, A. P.; BEZERRA, M. A. (Orgs.). O livro didático de Português: múltiplos olhares. Rio
de Janeiro: Lucerna, 2001.

DOLZ, J.; SCHNEUWLY, B. Gêneros e progressão em expressão oral e escrita – elementos


para reflexões sobre uma experiência suíça (francófona). In: SCHNEUWLY, B.; DOLZ, J; et al.
Gêneros orais e escritos na escola. Tradução Roxane Rojo e Glaís S. Cordeiro. Campinas/SP:
Mercado da Letras, 2004. p. 41-70.

FARACO, C. A. Linguagem & diálogo: as ideias linguísticas do círculo de Bakhtin. São Paulo:
Parábola Editorial, 2009.

FONSECA, I. B. B. A Retórica na Grécia: o gênero judiciário. In: MOSCA, L. L. S. (org.) Retórica


de ontem e de hoje. São Paulo: Humanitas, 1997. p. 99-117.

GUIMARÃES, E. Texto e argumentação: um estudo de conjunções do português. 2 ed.


Campinas/SP: Pontes, 2001.

JURADO, S; ROJO, S. A leitura no ensino médio: o que dizem os documentos oficiais e o que
se faz? In: BUNZEN, C.; MENDONÇA, M. (Orgs.) Português no Ensino Médio e Formação do
professor. São Paulo: Parábola Editorial, 2006. p.37-55.

JURADO, S. G. O. G. Leitura e letramento escolar no ensino médio: um estudo exploratório.


Tese de Doutorado. São Paulo/SP, Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem, Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, 2003.

KOCH, I. G. V. Introdução à linguística textual. 2 ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009.

LOUSADA, E. G. Elaboração de material didático para o ensino do francês. In: DIONÍSIO, A. P.;
MACHADO, A. R.; BEZERRA, M. A. Gêneros textuais & ensino. 4 ed. Rio de Janeiro: Lucerna,
2005. p. 73-86
190

MACHADO, I. Gêneros discursivos. In: BRAIT, B. (org.). Bakhtin: conceitos-chave. São Paulo:
Contexto, 2005a. p. 151-166.

______. Texto & gêneros: fronteiras. In: DIETZSCH, M. J. M. (org.). Espaços da linguagem na
educação. 2. ed. São Paulo: Associação editorial humanitas, 2005b. p. 41-62.

MAIOR segmento do mercado editorial é o de livros didáticos. Revista Época. Exclusivo


online. 23 set. 2008. Disponível em: <http://revistaepoca.globo.com>. Acesso em: 05 mai.
2010.

MANUAL de Redação da Folha de S. Paulo. São Paulo: Publifolha, 2001.

MARCUSCHI, L. A. Gêneros textuais: definição e funcionalidade. In: DIONÍSIO, A. P.;


MACHADO, A. R.; BEZERRA, M. A. Gêneros textuais & ensino. 4 ed. Rio de Janeiro: Lucerna,
2005. p. 19-36.

MENDONÇA, M.; BUNZEN, C. Sobre o ensino de língua materna no ensino médio e a


formação de professores: introdução dialogada. In: BUNZEN, C.; MENDONÇA, M. Português
no Ensino Médio e Formação do professor. São Paulo: Parábola editorial, 2006. p. 11-22.

MOSCA, L. L. S. Velhas e Novas Retóricas: convergências e desdobramentos. In: MOSCA, L. L.


S. (org.) Retórica de ontem e de hoje. São Paulo: Humanitas, 1997. p. 17-54.

NETO, J. N. A narrativa na escola: um estudo dos gêneros narrativos em livros didáticos de


português. Dissertação de Mestrado. São Paulo, Faculdade de Educação, Universidade de
São Paulo, 2007.

NEVES, M. H. M. Gramática de usos do português. São Paulo: Editora UNESP, 2000.

PERELMAN, C.; OLBRECHTS-TYTECA, L. Tratado da Argumentação: A Nova Retórica.


Tradução Maria Ermantina de Almeida Prado Galvão. São Paulo: Martins Fontes, 1996.

PINHEIRO, H. Reflexões sobre o livro didático de literatura. In: BUNZEN, C.; MENDONÇA, M.
Português no Ensino Médio e Formação do professor. São Paulo: Parábola Editorial, 2006.
p.101-116.

RAZZINI, M. P. G. Antologia Nacional (1838-1971). Museu literário ou doutrina? Dissertação


de Mestrado. Campinas/SP, Instituto de Estudos da Linguagem, Universidade Estadual de
Campinas, 1992.

RAZZINI, M. P. G. O espelho da nação: a antologia nacional e o ensino de português e


literatura (1838-1971). Tese de Doutorado. Campinas/SP, Instituto de Estudos da Linguagem,
Universidade Estadual de Campinas, 2000.
191

REBOUL, O. Introdução à retórica. Tradução Ivone Castilho Benedetti. São Paulo: Martins
Fontes, 2004.

REINALDO, M. A. G. M. A Orientação para Produção de Texto. In: DIONISIO, A. P.; BEZERRA,


M. A. (Orgs.). O livro didático de Português: múltiplos olhares. Rio de Janeiro: Lucerna, 2001.
p.87-100.

ROJO, R.; BATISTA, A. A. G. Apresentação – Cultura da escrita e livro escolar: proposta para o
letramento das camadas populares no Brasil. In: ROJO, R.; BATISTA, A. A. G. (Orgs.). Livro
didático de língua portuguesa, letramento e cultura da escrita. Campinas/SP: Mercado de
Letras, 2003. p. 7-24.

______; O perfil do livro didático de língua portuguesa para o ensino fundamental (5ª a 8ª
séries). In: ROJO, R.; BATISTA, A. A. G. (Orgs.) Livro didático de língua portuguesa, letramento
e cultura da escrita. Campinas/SP: Mercado de Letras, 2003. p. 69-99.

______. Gêneros do discurso e gêneros textuais: questões teóricas e aplicadas. In: MEURER,
J. L.; BONINI, A.; MOTTA-ROTH, D. (Orgs.) Gêneros: teorias, métodos, debates. São Paulo:
Parábola Editorial, 2005. p. 184-208

______. O texto como unidade e o gênero como objeto de ensino de Língua Portuguesa. In:
TRAVAGLIA, L. C. (Org.). Encontra na linguagem: estudos linguísticos e literários.
Uberlândia/MG: EDUFU, 2006. p. 51-80.

______. Gêneros do discurso/texto como objeto de ensino de língua: um retorno ao trivium?


In: SIGNORINI, I. [Re]discutir texto, gênero e discurso. São Paulo: Parábola Editorial, 2008.
p.73-108.

VOLOSHINOV, V. (BAJTIN, M. M.). La palabra en la vida y palabra en La poesia. Hacia una


poética sociológica. In: BAJTIN, M. M. Hacia una filosofía del acto ético. De los borradores y
otros escritos. Tradução Tatiana Bubnova. Rubí (Barcelona): Antropos; San Juan: Universidad
de Puerto Rico, 1997 [1926]. p.106-137.
192

ANEXOS

Anexo – CD-ROM
1. Proposta de produção de textos (Manual do Professor, Português: Linguagens, 2008)
2. Atividades de produção escrita de textos argumentativos (Português: Linguagens, 2008)

Você também pode gostar