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PUC/SP
A escrita argumentativa:
Diálogos com um livro didático de português
SÃO PAULO
2010
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC/SP
A escrita argumentativa:
Diálogos com um livro didático de português
SÃO PAULO
2010
BANCA EXAMINADORA
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Para Ricardo, o grande amor da minha vida.
Para meus pais, Cícera e Eroaldo, por me ensinarem o valor do conhecimento.
AGRADECIMENTOS
This work discusses the teaching of the production of argumentative texts in a didactic
collection of Portuguese intended for high school and demonstrates how the teaching of
linguistic and discursive resources is essential for the appropriation of social practices in
which writing is inherently argumentative. For this, we chose as the object of study the
collection Português: Linguagens, of which three didactic activities of argumentative text
production were selected to constitute the corpus of research. Our purpose is to show how
the book teaches to produce argumentative texts written in this didactic collection and
propose a possibility of theoretical and methodological proposal for teaching argumentative
writing, in a perspective enunciative and discursive, adopting as a starting point the analysis.
We asked what is the purpose linguistic and discursive offered by the authors to teach the
student to produce argumentative texts written and how the proposed written production is
organized in the collection, in order to show the contents of the language taken as teaching
objects, comparing the proposed prescribed the teacher's manual and the proposal
implemented in didactic activities. In this condition, this study reconstructs the tradition of
the written production, pointing to the historical trajectory of learning paradigms and the
use de didactic books, since the nineteenth century until the rise of the concept of genrer
from the 1990s. Interlink this historical overview with the complexity in which the high
school was established in Brazilian education, to discuss the specifics of this segment with
regard to the teaching of argumentative writing. From the description of the teaching
proposal for the production of argumentative texts of Português: Linguagens, indicate which
theoretical meanings are called, articulating with the description and analysis of didactic
activities, refers to graphic design and organization of the chapter. For this, the theoretical
foundations of our research are the concepts of interaction, utterance and speech genres, as
the bakhtinian conceptions. The analysis clarifies that the collection uses the concept of
speech genres as a synonym of textual typology and textual genre. The treatment given to
the texts echoes the tradition of producing the composition, established in the nineteenth
century, bringing the voices of Aristotelian rhetoric and the New Rhetoric. The following
questions does not allow the student to experience the social practices of the argumentative
writing. From the analysis, we suggest another possibility of didactic proposal for the texts
taken as teaching units in each didactic activity, reconstructing the discursive chain in which
they are immersed, as utterances which are materialized in accordance with constraints of
the speech genres. This view has recovered initiated dialogues, as well as linguistic and
discursive resources used. This didactic suggestion shows that the didactic study of texts,
considering their materiality verbal, visual or verbal visual, linking procedures of reading and
interpretation with the knowledge necessary for the production of argumentative texts,
enabling the study of language in a utterance´s totality, could be taken by the student for
the construction of meaning, marking its point of view.
INTRODUÇÃO 14
CAPÍTULO 1
Panorama brasileiro do ensino de produção de textos no ensino médio: os
paradigmas de ensino e o livro didático de português 21
1.1 De 1850 a 1950: os gêneros poéticos e retóricos 22
1.2 De 1960 a 1980: as tipologias textuais 26
1.3 A década de 1990 e início do século XXI: gênero do discurso ou gênero textual 31
1.4 2010: Programa Ensino Médio Inovador e o conceito de gênero do discurso 43
CAPÍTULO 2
Ensino de produção escrita de textos argumentativos 46
2.1 As vozes da retórica no ensino da argumentação 47
2.1.1 A retórica aristotélica 47
2.1.2 A Nova Retórica 52
2.2 O conceito de gênero do discurso na apropriação das práticas de escrita 55
2.2.1 Interação: o conceito constitutivo da teoria dialógica da linguagem 55
2.2.2 Enunciado concreto: o olhar bakhtiniano para o texto 58
2.2.3 Gêneros do discurso: totalidade e acabamento do enunciado concreto 62
2.3 A escrita de textos argumentativos 68
2.3.1 As vozes discursivas na construção da atividade didática 68
2.3.2 Os recursos linguístico-discursivos 71
CAPÍTULO 3
A escrita argumentativa em Português: Linguagens 76
3.1 Pesquisas realizadas 77
3.2 As últimas edições da coleção selecionada 80
3.2.1 Descrição das coleções 82
3.2.2 Comparando e estabelecendo relações dialógicas 85
3.3 O manual do professor 91
3.4 A produção escrita de textos argumentativos 96
3.4.1 O artigo de opinião (capítulo 5, volume 1) 97
(A) Projeto gráfico da atividade 97
(B) Questões propostas 100
(C) Dialogando com as outras atividades 108
3.4.2 O editorial (capítulo 9, volume 2) 109
(A) Projeto gráfico da atividade 109
(B) Questões propostas 113
(C) Dialogando com as outras atividades 119
3.4.3 A carta de leitor (capítulo 2, volume 3) 121
(A) Projeto gráfico da atividade 121
(B) Questões propostas 123
(C) Dialogando com as outras atividades 129
CAPÍTULO 4
Um olhar dialógico para o ensino da escrita argumentativa 134
4.1 O artigo de opinião 135
4.1.1 Ler e pesquisar em sala de aula: confrontando pontos de vista 135
4.1.2 A língua portuguesa na prática social: marcadores de avaliação 147
4.1.3 Você é o articulista! 153
4.2 O editorial 154
4.2.1 Ler e dialogar em sala de aula: formando opinião 154
4.2.2 A língua portuguesa na prática social: progressão temática 164
4.2.3 Você é membro de um conselho editorial! 169
4.3 A carta de leitor 170
4.3.1 Ler, pesquisar e dialogar em sala de aula: argumentando como cidadão 170
4.3.2 A língua portuguesa na prática social: coesão referencial 176
4.3.3 Você é um leitor atuante! 179
ANEXOS 192
ANEXO – CD-ROM
Lista de quadros
EM – Ensino médio
ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio
LD – Livro didático
LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
LDP – Livro didático de português
MEC – Ministério da educação
OCEM – Orientações Curriculares para o Ensino Médio
PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais
PCNEM – Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio
PCN+EM – PCN+Ensino Médio: Orientações Curriculares Educacionais Complementares aos PCN
PL – Português: Linguagens
PEMI – Programa Ensino Médio Inovador
PNLD – Plano Nacional do Livro Didático
PNLEM – Plano Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio
SAEB – Sistema de Avaliação da Educação Básica
INTRODUÇÃO
1
Cf. PCNEM, BRASIL, 1999; PCN+EM, BRASIL, 2002; OCEM, BRASIL, 2006; PNLEM, BRASIL, 2008.
15
Os resultados de Rojo (2003), por exemplo, ao traçar o perfil dos livros didáticos de
português de 5ª a 8ª séries3 do ensino fundamental, considerando a proposta dos PCN e as
normatizações do Plano Nacional do Livro Didático (PNLD), demonstram que, de um modo
geral, autores e editores passaram a selecionar textos mais diversificados, representativos e
adequados para compor os livros didáticos. A autora afirmou, contudo, que, embora exista
uma boa avaliação em relação à seleção do material textual, os manuais didáticos ainda são
precários em relação aos aspectos discursivos e às diversificadas linguagens sociais.
2
Cf. ROJO, 2003; ROJO e BATISTA, 2003; BATISTA, 2003; JURADO e ROJO, 2006; MENDONÇA e BUNZEN JR., 2006; BUNZEN
JR., 2005, 2007, 2009.
3
Atualmente, de acordo com o ensino fundamental de nove anos, leia-se de 6º ao 9º ano.
4
Cf. JURADO, 2003.
16
Para responder a essas questões, selecionamos uma das coleções didáticas mais
utilizadas nas escolas brasileiras, com o objetivo de enxergar o ensino de língua portuguesa
na atualidade. Para a seleção da coleção, consideramos a utilização de um autor que ao
mesmo tempo é referência em pesquisa e objeto de análise, ou seja, pesquisador e autor de
livro didático. Selecionar uma coleção produzida por um pesquisador pode esclarecer como
as teorias linguísticas utilizadas na proposta didática estão chegando às escolas brasileiras, o
que nos permite entender se o que se propõe teoricamente equivale ao que é proposto na
prática.
5
De acordo com o catálogo do PNLEM 2009 (BRASIL, 2008), disponível no site <www.fnde.gov.br>, notamos a utilização de
duas edições da coleção selecionada: a 5ª edição, que está sendo utilizada pela escola pública até 2011, e a 6ª edição, que
estava disponível na rede particular a partir de 2009. Tal constatação possibilitou uma reflexão no capítulo de análise sobre
algumas diferenças entre as edições da coleção, optando-se pela edição mais atualizada, já que não analisaremos a coleção
segundo os critérios do PNLEM.
17
(meados dos anos 80) que convidou alguns professores, que trabalhavam com
revisão/leitura crítica de exemplares de outros autores, para desenvolverem propostas
didáticas para o EM, em uma espécie de “concurso”. Nesse contexto, Cereja e Magalhães
foram apresentados e formaram essa parceria que já dura mais de dez anos no mercado
editorial. Com a crescente utilização dos materiais desenvolvidos pela dupla de autores,
ambos deixaram de lecionar para dedicarem-se somente à produção de seus livros didáticos.
6
Cf. <http://pl.atualeditora.com.br>.
18
Esta pesquisa se justifica, portanto, por mostrar como, hoje em dia, essa coletânea,
utilizada por duas décadas, ensina a produzir textos argumentativos escritos no EM e, pelo
fato de, no diálogo travado com nosso objeto, sugerirmos um encaminhamento didático
para o ensino da escrita, em uma perspectiva dialógica.
Para atingir os objetivos propostos, nossa pesquisa está pautada nos conceitos de
interação, de enunciado concreto e de gênero do discurso, conforme as concepções teórico-
metodológicas de Bakhtin e o Círculo. Esse enfoque exige que seja esmiuçada a
7
As pesquisas de Reinaldo (2001), Neto (2001) e Bunzen Jr. (2009) focaram a coleção Português: Linguagens do ensino
fundamental; já as pesquisas de Pinheiro (2006) e Cunha (2006) analisaram o ensino de literatura na coleção do ensino
médio; somente Bunzen Jr. (2005) centralizou sua investigação na análise da produção de textos na coletânea do ensino
médio.
19
CAPÍTULO 1
Panorama brasileiro do ensino de produção de textos no ensino
médio: os paradigmas de ensino e o livro didático de português
8
Cf. BUNZEN JR., 2005; BEZERRA, 2005; CEREJA, 2005; JURADO, 2003; RAZZINI, 1992, 2000; ROJO, 2006, 2008.
22
No final do século XIX e início do século XX, o ensino de língua portuguesa era
baseado no modelo clássico que propunha ao indivíduo práticas de leitura e produção de
textos pelo exercício da tradução, da imitação e da composição, por meio das antologias de
textos literários. Essa tradição foi instaurada desde 1830 e, segundo Razzini (2000), a fusão
entre as disciplinas retórica, poética e gramática em único componente curricular ocorreu
paulatinamente, dialogando com a ordem de estudos herdada da formação clássica, na qual
o estudo da gramática nacional era ligado ao estudo da gramática latina e o ensino de
literatura nacional (portuguesa e brasileira) unia-se ao estudo da retórica e da poética
clássicas “dividida por gêneros” (RAZZINI, 2000, p. 238, negrito nosso).
Razzini (2000) aponta que a ascensão da disciplina português, no Colégio Pedro II,
ocorreu somente quando o exame de língua portuguesa foi incluído nos Exames
Preparatórios, ou seja, nas provas realizadas para a seleção de alunos para os cursos
superiores (faculdades de direito, faculdades de medicina, escola politécnica, escola de
minas, etc.). A autora esclarece que os Exames Preparatórios vigoraram de 1808, a partir do
surgimento dos primeiros cursos superiores no Brasil, até 1911, quando se instituiu o Exame
Vestibular, oficializado pelo decreto 11.530 de 18 de março de 1915. Cada curso superior era
responsável pela elaboração dos conteúdos de suas avaliações até a criação das Bancas de
Exames Preparatórios, em 1854, tomando por base o currículo do Colégio Pedro II,
considerado oficial. Somente os egressos do Colégio Pedro II não precisavam prestar esses
exames, pois seu diploma de Bacharel em Letras dava direito ao ingresso em qualquer
faculdade do Império. A conclusão do ensino secundário não era obrigatória até 1931, com
isso as escolas secundárias cumpriam a função de treinar os candidatos para os exames.
Jurado (2003) aponta que, nesse período, houve uma tentativa de buscar a
especificidade dos anos finais do ensino secundário, centrando as reformas desse momento
em dois aspectos: as finalidades do ensino secundário e o currículo a ser desenvolvido.
Desde o final do século XIX, segundo a autora, o caráter dualista adquirido historicamente
pelo governo brasileiro propunha a extensão do ensino a toda sociedade: alfabetizando as
massas e oferecendo uma extensão da escola elementar para aqueles que ingressariam nas
universidades. Na primeira metade do século XX, Jurado (2003) lista diferentes reformas,
entre as quais citamos a Reforma Epitácio Pessoa de 1911, cujo objetivo foi simplificar o
currículo e uniformizar o ensino secundário em todo o país, por meio da imposição do
currículo, de acordo com o Colégio Pedro II.
Ensinar português nesse período era transmitir para a classe mais abastada as regras
gramaticais de uma variante linguística de prestígio. Isso se deve, segundo Razzini (2000),
porque, após a Independência do Brasil, a estrutura econômica, social e política do Antigo
Regime foi mantida, sendo dissimulada pela adoção dos modelos culturais europeus,
sobretudo, franceses e ingleses, o que dava distinção à elite emergente. A manutenção de
uma sociedade escravista e agrária ratificou o desenvolvimento de uma elite autoritária,
cujo acesso à cultura europeia legitimava o poder da classe dominante e excluía a maior
parte da população, segregada na pobreza e no analfabetismo (RAZZINI, 2000).
didáticas prontas para ministrar suas aulas, pois ele mesmo as preparava, utilizando as
antologias de textos literários.
Essa tradição permaneceu no ensino de língua portuguesa até meados dos anos 50
do século XX, reforçando a longevidade do modelo clássico e beletrista no ensino de língua
materna, a partir dos modelos literários. Razzini (2000) expõe que a Antologia Nacional,
além de instruir o “bem falar” e “bem escrever”, foi propagadora dos conhecimentos da
literatura brasileira. A crença no modelo beletrista impediu a entrada de autores
modernistas nas antologias até meados da década de 1960.
A Reforma de 1961 deliberou a Lei nº. 4.024, pela qual a denominação ensino médio
passou a designar o ensino secundário e o ensino técnico-profissional, instituindo-se a
equivalência entre os dois tipos para fins de ingresso no ensino superior (JURADO, 2003).
Somente em 1971, contudo, a promulgação de uma nova Lei de Diretrizes e Bases do Ensino
de 1º e 2º graus, de 1971, a Lei nº. 5.692 (BRASIL, 1971), instituíram-se importantes
modificações na estrutura educacional. As disciplinas Comunicação e Expressão, no primeiro
grau, e Língua Portuguesa e Literatura Brasileira, no segundo grau, são fundadas para o
ensino de português.
Nesse contexto, Bunzen Jr. (2009) ressalta que, no final da década de 1980, emerge
no meio acadêmico o discurso contra a utilização dos livros didáticos, considerando-os com
os verdadeiros representantes do chamado ensino tradicional de língua materna. O autor
ressalta que há, automaticamente, a criação de uma representação de que o bom professor
é aquele que não utilizava o livro didático em suas aulas.
Considerando que o final dos anos 1980 encontrava-se marcado pela crítica
acadêmica às propostas dos livros didáticos de língua materna, em São Paulo, as diretrizes
oficiais para o ensino de português recuperaram a denominação Português para a disciplina
e a Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas de São Paulo (CENP), em 1986,
estabeleceu apenas os objetivos da área, conferindo ao professor a responsabilidade pela
elaboração da sequência e pelo detalhamento dos conteúdos por série. Se considerarmos,
entretanto, a formação dos professores no período de democratização de ensino, tal
procedimento abriu espaço para que os autores e editores de livros didáticos ocupassem o
papel principal na seleção desses conteúdos, passando a definir o currículo, cristalizar
abordagens metodológicas e quadros conceituais, organizando, assim, o cotidiano da sala de
aula (BUNZEN Jr., 2009).
tipologias de texto como objetos de ensino nas propostas curriculares. Segundo a autora, já
havia uma tentativa de tomar os textos produzidos na sociedade como objetos de reflexão,
partindo da análise de diferentes códigos e das suas funções comunicativas, todavia, a
didática de leitura e escrita foi instaurada a partir do tipo de texto: narrativo, descritivo e
dissertativo. Rojo (2006) convalida que essa postura inseriu uma renovação na perspectiva
dada à leitura e à produção de textos, pois se propunha, em um primeiro momento, ensinar
diferentes textos não somente pela decodificação ou pela memorização de modelos a serem
seguidos. Após um período, esse tratamento apresentou problemas para o ensino.
9
A instituição do exame vestibular, pelo decreto 11.530 de 1915, revogou os exames preparatórios, entretanto, sua função
continuou sendo selecionar candidatos para o ingresso nos cursos superiores. Até a década de 1960, as provas eram
dissertativas e orais e após esse período surgiram as questões de múltipla escolha.
30
vestibular, os chamados “cursinhos”10. Por isso, ensinar a escrever uma boa redação,
significava, nesse momento, oferecer mais chances ao aluno de vencer a concorrência do
vestibular.
Rojo (2006) aponta que o tratamento dado aos textos pelo viés das tipologias
textuais, intensificado pela exigência do vestibular, acabou por focalizar a forma do texto,
em fragmentos, em modelos, conferindo um estudo da gramática somente por uma
vertente normativa e prescritiva, seja na frase, seja no texto. Os textos não eram estudados,
mas sim “seus avatares: ilustrações mais aproximadas daquilo que o tipo prevê ou prediz”
(ROJO, 2006, p.55).
Para explicitar uma breve definição de tipo textual, Marcuschi (2005) aponta que a
expressão tipologia textual é utilizada para designar as sequências teoricamente definidas
pela natureza linguística de sua composição (aspectos lexicais, sintáticos, tempos verbais,
relações lógicas), subdividindo-se em algumas categorias conhecidas como: narração,
argumentação, exposição, descrição, injunção. A tipologia textual, portanto, confere ao
texto um tratamento dedicado apenas a análise de sua forma e estrutura, considerando as
funções de narrar, descrever, argumentar, expor.
Essa nova demanda (re)convoca o conceito de gênero para a escola. Segundo Rojo
(2008), os PCN (BRASIL, 1998) são introduzidos com o objetivo de favorecer um tratamento
diferenciado para o ensino de língua materna, considerando os textos como enunciação
produzida pela interação entre os sujeitos, para possibilitar aos alunos oportunidades de
10
Os cursinhos surgiram com a função de revisar todos os conteúdos do ensino médio para melhor preparar o candidato
para o vestibular. Geralmente, os cursos oferecidos têm duração de nove meses (extensivo), sete meses (turmas de maio)
ou cinco meses (semi-extensivo).
31
1.3 A década de 1990 e início do século XXI: gênero do discurso ou gênero textual
A LDB 9.394/96 inclui o ensino médio na categoria de ensino obrigatório, o que não
garantiu o seu financiamento prioritário. Jurado (2003) assinala que essa reforma foi fruto,
não apenas das discussões travadas por educadores e estudiosos em torno do sistema
educacional, mas dos objetivos das agências internacionais financiadoras, como o Banco
Mundial. Para essas agências, a educação é definida como um dos principais determinantes
da competitividade entre os países, entendendo o processo da educação escolar como um
investimento na melhoria da qualidade de vida da população em geral, desenvolvido pela
escola, por meio da organização de um currículo definido por competências e habilidades.
Surgiu também, nesse momento, uma preocupação com a formação dos professores.
Para especificar a reforma educacional e orientar o professor quanto aos aspectos
específicos de sua disciplina, em 1998, o Governo Federal divulgou os Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCN) do ensino fundamental e, em 1999, o documento do ensino
médio (PCNEM).
No ensino médio, os PCNEM (BRASIL, 1999), ancorados pelas bases legais da LDB
9.394/96, trouxeram um novo perfil para o currículo, apoiados no desenvolvimento de
competências básicas tanto para o exercício da cidadania quanto para o desempenho de
atividades profissionais. Para isso, o documento propôs, no ensino médio,
desenvolver/aprimorar as capacidades de pesquisar e criar, em oposição ao exercício de
simples memorização.
A língua situada no emaranhado das relações humanas, nas quais o aluno está
presente e mergulhado. Não a língua divorciada do contexto social vivido. Sendo
ela dialógica por princípio, não há como separá-la de sua própria natureza, mesmo
em situação escolar. (PCNEM, BRASIL, 1999, p.138)
O texto só existe na sociedade e é produto de uma história social e cultural, único
em cada contexto, porque marca o diálogo entre os interlocutores que o produzem
e entre os outros textos que o compõem. (PCNEM, BRASIL, 1999, p.139)
O texto é único como enunciado, mas múltiplo enquanto possibilidade aberta de
atribuição de significados, devendo, portanto, ser também objeto único de análise.
(PCNEM, BRASIL, 1999, p.140)
Os gêneros discursivos cada vez mais flexíveis no mundo moderno nos dizem sobre
a natureza social da língua. [...]
Toda e qualquer análise gramatical, estilística, textual deve considerar a dimensão
dialógica da linguagem como ponto de partida. O contexto, os interlocutores,
gêneros discursivos, recursos utilizados pelos interlocutores para afirmar o
dito/escrito, os significados sociais, a função social, os valores e o ponto de vista
determinam formas de dizer/escrever. (PCNEM, BRASIL, 1999, p.143)
O texto deixa de ser visto apenas como modelo para o bem falar e o bem escrever,
considerando a sua função social. O ensino de língua portuguesa, assim, deveria passar a
articular estratégias textualizadoras, mecanismos enunciativo-dicursivos e outros elementos
que constituem diferentes textos produzidos social e historicamente. Acreditamos, porém,
que esse encaminhamento não fica claro para o professor.
11
Nesse caso, referimo-nos especificamente aos professores.
34
(BRASIL, 2002, p.60); “os textos ganham materialidade por meio de gêneros” (BRASIL, 2002,
p. 78); “[...] a diversidade de gêneros permite que se estabeleçam diferentes relações entre
textos” (BRASIL, 2002, p. 79).
Em 2006, o MEC lançou as Orientações curriculares para o ensino médio (OCEM), com
o objetivo de aprofundar e/ou compreender algumas questões, relacionadas aos PCNEM,
ainda sem esclarecimentos, oferecendo alternativas para o currículo proposto no EM.
36
As OCEM (BRASIL, 2006) propõem que o trabalho com as múltiplas linguagens e com
os gêneros discursivos possibilitem a promoção de letramentos múltiplos, ressaltando o
objetivo de buscar práticas que proporcionem uma formação humanista e crítica do aluno,
estimulando a sua reflexão sobre o mundo, sobre os indivíduos e suas histórias, para
entender a sua singularidade e identidade.
O ensino norteado por essa concepção de gênero textual enfoca um trabalho com a
materialidade textual. Segundo Dolz e Schneuwly (2004), o trabalho com gêneros requer a
elaboração de seu modelo didático, construído a partir da análise das características
comuns, das similaridades, de um grupo de textos. A proposta de agrupamento de gêneros
textuais tem por objetivo desenvolver nos alunos, ao longo de sua escolaridade, as
capacidades de linguagem globais: narrar, relatar, argumentar, expor e descrever ações.
Para cada agrupamento, os pesquisadores genebrinos propõem três níveis fundamentais de
operações de linguagem em funcionamento: representação do contexto social (capacidades
de ação), estruturação discursiva do texto (capacidades discursivas) e escolha das unidades
linguísticas ou textualização (capacidades linguístico-discursivas).
A concepção bakhtiniana12, por sua vez, considera que todo enunciado se materializa
em um gênero discursivo, não se restringindo à forma de composição e aos usos da língua, já
que está intrinsecamente vinculado a diferentes esferas da atividade humana. Cada texto
será único e irrepetível, tendo seus sentidos compreendidos somente no contexto dialógico
em que se insere, de acordo com as interações estabelecidas em sua época social e histórica,
respondendo ao que já foi enunciado e suscitando novas respostas. Para o conceito de
gêneros do discurso, portanto, não cabe a ideia de modelo, mas sim uma proposta que
considere a singularidade de cada enunciado.
12
No próximo capítulo, ampliaremos o conceito de gênero do discurso, segundo Bakhtin e o Círculo.
38
No que se refere aos PCN do ensino fundamental, Rojo (2008) aponta que a
apropriação do conceito de gênero do discurso de Bakhtin e o Círculo, para efeitos de
didatização, realiza um duplo movimento: desarticulação do conceito de seu espaço de
sentido original e uma rearticulação do conceito com outros já presentes na esfera escolar.
Concordamos com Rojo (2008) e acrescentamos, no caso dos documentos oficiais do ensino
39
A implantação do PNLD coincidiu com a publicação dos PCN (BRASIL, 1998). Segundo
Batista (2003), esse programa foi criado pelo MEC com a finalidade de avaliar e comprar os
LD que serão utilizados pela escola pública no ensino fundamental. O pesquisador Cereja
(2005) aponta que isso instigou uma discussão sobre a qualidade do ensino, induzindo a
maioria dos profissionais envolvidos com educação (coordenadores, professores, diretores,
autores de obras didáticas) a seguir as recomendações dos PCN (BRASIL, 1998), pois tal
procedimento passou a ser equivalente a promover um ensino moderno e qualificado,
ampliando, portanto, o destaque conferido à concepção dialógica de linguagem e, logo, ao
conceito de gênero.
13
Segundo Batista (2003), o PNLD não foi o primeiro órgão a ser criado pelo Governo Federal para legislar políticas públicas
destinadas às questões dos livros didáticos. Entre os órgãos criados, o autor citou que em 1938, criou-se CNLD (Comissão
Nacional do Livro Didático); em 1966, fundou-se o COLTED (Comissão do Livro Técnico e Livro Didático) e, em 1971, o INL
(Instituto Nacional do Livro) estabeleceu o PLIDEF (Programa do Livro Didático para o Ensino Fundamental); em 1976, o INL
foi extinto e em seu lugar foi fundado o FENAME (Fundação Nacional do Material Escolar); em 1993, o FNDE (Fundo
Nacional para o Desenvolvimento da Educação) passou a destinar recursos financeiros para a aquisição de materiais
didáticos; e, em 1996, o PNLD substituiu o PLIDEF, assumindo a responsabilidade de avaliar os materiais didáticos
produzidos a partir de então.
40
O PNLEM (BRASIL, 2008), de acordo com o catálogo nacional, estabeleceu dois tipos
de critérios para a avaliação dos livros didáticos: os eliminatórios e os classificatórios. Os
eliminatórios dizem respeito aos preceitos legais e jurídicos, considerando a “correção e
adequação conceituais e correção de informações básicas”; “coerência e pertinência
metodológicas” e “preceitos éticos” (BRASIL, 2008, p.13). Os classificatórios, denominados
também de critérios de qualificação, são os relacionados à construção de uma sociedade
cidadã, que denuncie todo tipo de violência e promova de maneira positiva as minorias
sociais, abordando criticamente questões de sexo e gênero, de relações étnico-raciais e de
classes sociais.
Tais afirmações nos conduzem para algumas questões: como o professor que,
segundo o documento, não possui tempo para atualização, deve considerar a proposta do
material didático como um meio de atualizar-se, se ele desconhece as teorias linguísticas
41
perguntamos: como o professor pode ensinar língua portuguesa? Quais conteúdos podem
ser ensinados e por meio de quais gêneros? Quais objetivos podem ser alcançados? Tais
questões necessitam de uma reflexão que considere as novas demandas sociais, no que se
refere à nova configuração, social, cultural, política e econômica, instituída pelo mundo
globalizado.
O que esperar do futuro para o ensino de língua portuguesa no EM? E o que fazer no
presente? O ensino médio perpassou desde a sua origem, por inúmeras políticas
educacionais, muitas vezes emergenciais, que resultaram em uma trajetória um tanto
complexa (JURADO, 2003), na qual as políticas públicas adotadas durante o período militar
foram responsáveis pela configuração do quadro educacional brasileiro.
Não queremos sobrepor nenhuma teoria, mas vemos uma possibilidade de interligar
os objetivos expostos no programa ao conceito de gênero do discurso de Bakhtin e o Círculo,
pois ambos apontam para um ensino que parta da vida, ou seja, das práticas reais de
linguagem, na qual os sujeitos estão imersos. Entendemos que os eixos propostos pelo PEMI
(BRASIL, 2009), o trabalho, a ciência, a tecnologia e a cultura, são as esferas de atividade
45
CAPÍTULO 2:
Ensino de produção escrita de textos argumentativos
Esse novo olhar para o ensino de língua portuguesa deveria possibilitar que os
alunos, por meio dos gêneros, passassem a conhecer diferentes práticas sociais de leitura e
escrita. A pergunta que recai, ao analisarmos livros didáticos, é exatamente como essas
práticas estão sendo levadas para a sala de aula, ou seja, como a proposta teórica,
rearticulada didaticamente, é concretizada na prática.
14
Cf. BAKHTIN/VOLOCHINOV, 2004; BAKHTIN, 2003a, 2003c.
15
Cf. VOLOSHINOV/BAJTIN, 1997; BAJTIN/MEDVEDEV, 1994; BAKHTIN/VOLOCHINOV, 2004; BAKHTIN, 2003a, 2003b, 2008)
47
Aristóteles não foi o precursor dos estudos retóricos, pois a Retórica, segundo
Fonseca (1997), teve sua origem na Grécia Antiga, como um movimento reivindicatório de
defesa das terras da Sicília que haviam sido distribuídas a mercenários. Na Sicília, por volta
de 465 a.C., devido a esse momento histórico que representou a passagem da tirania para a
democracia, surgiu um tratado sobre a arte da palavra. Esse documento consiste na Teoria
Retórica de Córax e Tísias, produzido com o objetivo de fornecer às pessoas os meios de
defesa de seus direitos, devido ao surgimento de numerosos processos nos tribunais, nesse
momento.
16
Cf. PERELMAN e OLBRECHTS-TYTECA, 1996.
17
Cf. BAKHTIN, 2002.
48
mestres itinerantes, os sofistas levaram para Atenas a Teoria Retórica de Córax e Tísias. A
Retórica para os sofistas é vista como a arte de bem falar e argumentar com pessoas, para
persuadi-las, mesmo utilizando de argumentos ilusórios e enganosos ou ostentando uma
concepção sem fundamentos adequados (FONSECA, 1997).
Contendo dezenove capítulos, o Livro III expõe uma teorização sobre o vocabulário
oratório, estudando, também, a frase e as suas diferentes formas, relacionando com o estilo
peculiar dos diferentes gêneros. A preocupação de Aristóteles, neste livro, é a compreensão
da mensagem e a sua organização no discurso retórico.
O filósofo elabora, para tratar desses três gêneros, um sistema retórico, composto de
quatro operações principais, associadas como parte de uma estruturação progressiva dos
argumentos: invenção (inventio), disposição (dispositio), elocução (elocutio) e ação (actio). A
invenção consiste na busca de argumentos e meios para persuadir. A disposição, por sua vez,
configura-se como o plano do texto para a construção do discurso, sendo organizada em
exórdio (parte que inicia o discurso, indicando a tese a ser postulada), narração (exposição
clara dos fatos referentes), confirmação (conjunto de provas, seguido de refutação,
objetivando a destruição dos argumentos adversários e a adesão do auditório), digressão
50
(tem a função de distrair o auditório) e peroração (recapitulação das ideias e objetivos mais
importantes). Para a estruturação do sistema retórico, a elocução tem a função de
ornamentar o discurso, sendo que, pela utilização de figuras, a persuasão é mais eficaz. A
última operação é a ação, que trata o discurso como um ator, sendo, por isso, muito
importantes os gestos e a dicção na proferição do discurso.
O auditório, para Aristóteles, assume uma característica que o orador não pode
esquecer, já que os gêneros retóricos são concebidos e diferenciados pelo papel exercido
pelo auditório a que se dirige o discurso. O orador deve pensar naqueles que procura
persuadir e que constituem o auditório ao qual se dirige seu discurso. O ethos deixa de ser
somente o caráter moral que o orador deve assumir, mas também o caráter psicológico dos
diferentes públicos, aos quais o orador deverá adaptar-se.
Para fins didáticos, a perspectiva aristotélica pode ser retomada por diferentes
etapas que reconstruam o percurso da argumentação: a etapa de procura de argumentos,
considerando o auditório e a situação em que se processará a argumentação; a etapa textual
em que se organizam os argumentos; a etapa linguística, na qual a argumentação é
estruturada. A análise da função persuasiva considera a estrutura final do discurso, baseado
no sistema retórico aristotélico. Pode ainda ser considerada uma etapa de memorização do
discurso, como prática da oratória.
como existente, já que há auditórios que consideram reais entidades que são irreais para
outros auditórios.
Nas aulas de produção escrita, acrescentaríamos que esses recursos podem ser
estudados a partir dos articuladores linguístico-discursivos que são utilizados para construir
os argumentos, de modo que o aluno possa refletir sobre como os sentidos são instaurados.
Os processos de ligação e dissociação podem ser resgatados como vozes que integram a
atividade didática de produção escrita de textos argumentativos da coleção didática,
sobretudo, não como organizador da proposta, mas como pressuposto teórico que participa
da análise do texto.
Cada campo de criatividade ideológica tem seu próprio modo de orientação para a
realidade e refrata a realidade à sua própria maneira. Cada campo dispõe de sua
própria função no conjunto da vida social. É seu caráter semiótico que coloca todos
os fenômenos ideológicos sob a mesma definição geral. (BAKHTIN/VOLOCHINOV,
2004, p.33)
coletividade.
Desse modo, assumimos um olhar bakhtiniano para o texto. Brait (2002) expõe que há,
no pensamento bakhtiniano, o conceito de texto em um sentido mais amplo, ou seja, não
somente o texto verbal, oral e/ou escrito, tal como conhecemos, mas sim um conjunto
coerente de signos que se revela “como condição de definição e acesso ao homem enquanto
sujeito” (BRAIT, 2002, p.34). Tal visão, segundo a autora, interliga a questão da atividade
humana com o texto.
18
Cf. BAKHTIN, 2003a; BAKHTIN/VOLOCHINOV, 2004; BRAIT e MELO, 2005.
60
são definidos pela sua primeira peculiaridade: a alternância dos sujeitos do discurso. Todo
enunciado é a transmissão da palavra ao outro (parceiros do diálogo), o que permite a
alternância de enunciações (réplicas/repostas) entre os interlocutores, sendo uma reposta
imediata ou não. Bakhtin (2003a) expressa que “cada enunciado é um elo na corrente
complexamente organizada de outros enunciados” (p.272), porque “o discurso só pode
existir de fato na forma de enunciações concretas de determinados falantes, sujeitos do
discurso” (p.274).
Além disso, Brait (2009) postula que a linguagem verbo-visual articula um projeto
discursivo, em que o verbal e o visual ganham força idêntica, no qual a unidade de sentido
desse enunciado concreto será constituída a partir de uma esfera ideológica, que determina
suas condições de produção, recepção e circulação. Podemos dizer que enunciado concreto
ou texto passa a designar um produto cultural híbrido, ou seja, que apresenta diferentes
formas de materialização: verbal, visual ou verbo-visual.
Para isso, é preciso compreender que todas as esferas da atividade humana, segundo
Bakhtin (2003a), estão vinculadas à produção de formas da língua, sendo que o enunciado se
referirá à esfera pela qual foi produzido, desde a seleção dos recursos da língua (lexicais,
fraseológicos e gramaticais), como também na composição estética e nos temas abordados.
Cada campo de atividade social elabora tipos relativamente estáveis de enunciados,
denominados gêneros do discurso.
19
Cf. VOLOSHINOV/BAJTIN, 1997; BAJTIN/MEDVEDEV, 1994.
20
Cf. BAKHTIN/VOLOCHINOV, 2004.
21
Cf. BAKHTIN, 2003a, 2008.
63
com o seu lugar na vida cotidiana, em uma esfera ideológica específica; em segundo lugar,
pelas coerções do próprio gênero, isto é, pelos princípios de seleção de determinadas
formas de ver e conceber a realidade. Isso significa que cada consciência humana comporta
um repertório de gêneros, dentro de uma relativa estrutura, e que a cada enunciado um
gênero é tomado de acordo com o contexto (espacial e temporal) em que são produzidos,
recebidos e em que circularão.
Cada signo, como manifestação verbal concreta, possui seu tema, um índice de valor
social, que tomados pela consciência individual transformam-se em índices individuais de
valor. Entendemos, portanto, que Bakhtin/Volochinov (2004), ao conceber a interação entre
os sujeitos, de acordo com a situação histórica e social e as várias ideologias circundantes,
propõem um ponto de intersecção entre o individual e o social, refletindo sobre como as
formas de ação/atos e a interação social humana são capazes de multiplicar e reproduzir
temas e formas discursivas que refratam e refletem diferentes realidades em situações
sócio-históricas dadas, em momentos sócio-político-ideológicos determinados. Ao
refletirmos, de modo refratado, uma realidade externa, produzimos diferentes
interpretações do mundo, de acordo com as experiências vivenciadas.
A segunda característica do gênero é o estilo. Brait (2005) expressa que parece ser
um contrassenso, num primeiro momento, falar de estilo na teoria bakhtiniana, já que a
linguagem é fundada exatamente na relação de alteridade, nas inúmeras vozes que
constituem a singularidade dos enunciados. A autora explicita, no entanto, que para
compreender estilo, algo particular e individual, é necessário entendê-lo como resultante de
pelo menos duas pessoas, ou melhor, da relação do indivíduo com seu grupo social.
Brait (2003) esclarece que o estilo também é genérico, pois está vinculado a
determinadas esferas da atividade humana. O estilo de um enunciado é o gênero no qual ele
foi materializado. A autora afirma que o entrelace entre gênero e estilo não está separado
de questões gramaticais, pois as mudanças históricas do estilo da língua são indissociáveis
das mudanças ocorridas nos gêneros discursivos.
A história dos gêneros reflete de modo mais imediato as mudanças que transcorrem
na vida social e os enunciados transmitem a história da sociedade e a história da linguagem,
de modo que “Nenhum fenômeno novo (fonético, léxico, gramatical) pode integrar o
sistema da língua sem ter percorrido um complexo e longo caminho de experimentação e
elaboração de gêneros e estilos [...]. Onde há estilo há gênero” (BAKHTIN, 2003a, p.268-
269).
lugar de alteridade, ou seja, do outro e das múltiplas vozes que se defrontam para construir
a singularidade do enunciado.
verbais há duas possibilidades para a transmissão que assimila a palavra de outrem: de cor e
com suas próprias palavras. A segunda modalidade, para o autor, engloba uma série de
variantes, em relação ao caráter do texto assimilado e à compreensão e apreciação que os
objetivos pedagógicos se propõem.
inacabamento pode ser relativamente superado. Isso significa que fazemos um constante
movimento de “atualização” da palavra do outro em diferentes contextos, para que
possamos obter novas possibilidades semânticas, porém esse inacabamento permanecerá,
conforme nos ratifica a palavra do autor:
a) coesão referencial
Koch (2009) enfatiza que a referência ocorre quando usamos um termo ou criamos
uma situação discursiva referencial que estabelece uma relação com algum tipo de
informação presente na memória discursiva, não sendo apenas um segmento linguístico
expresso por uma anáfora nominal ou pronominal. Para a autora, “os processos de
referenciação são escolhas do sujeito em função de um querer-dizer” (KOCH, 2009, p.61), ou
seja, a realidade é construída, conservada e/ou modificada pela forma como interagimos
com o mundo para nomeá-lo.
b) coesão sequencial
c) progressão temática
Dentro das concepções bakhtinianas, cabe ressaltar, que o ensino dos aspectos
linguístico-discursivos será significativo apenas se for articulado ao conceito de gênero
enquanto prática discursiva que organiza e define o texto, de acordo com a interação entre
os sujeitos da comunicação discursiva e as respectivas esferas da atividade humana.
CAPÍTULO 3
A escrita argumentativa em Português: Linguagens
“Trabalhando o gênero”
“Produzindo o gênero em estudo”
“Escrevendo com coesão e coerência”
Seções das atividades de produção escrita
Português: Linguagens
Este capítulo tem por objetivo analisar as três atividades de produção escrita de
textos argumentativos que compõem o corpus da pesquisa: O artigo de opinião (capítulo 5,
volume 1), O editorial (capítulo 9, volume 2) e A carta de leitor (capítulo 2, volume 3). Na
análise, recuperamos as diferentes vozes que fundamentam o ensino da argumentação e
que conduzem o encaminhamento linguístico-discursivo tomado para ensinar a produzir
textos argumentativos.
A análise de cada atividade foi organizada em três eixos. No primeiro, Projeto gráfico
da atividade, descrevemos a atividade didática e apontamos os sentidos construídos pela
composição verbo-visual constitutiva desse enunciado. No segundo, Questões propostas,
avaliamos as questões destinadas para análise e produção de texto, evidenciando marcas na
materialidade verbal que apontam quais aspectos são explorados em cada gênero de foco,
respondendo quem trabalha o gênero e de que forma é encaminhada a produção escrita, ou
seja, quem escreve e como deve fazê-lo. Por fim, no último, Dialogando com as outras
77
atividades, comparamos a análise detalhada com as outras atividades que compõem o seu
respectivo volume.
Há, contudo, um olhar que dialoga com a nossa proposta e que permitiu
observarmos algumas das coerções impostas na produção de PL. Bunzen Jr. (2005), em sua
dissertação de mestrado, centrou a investigação também em livros didáticos de ensino
médio, com o objetivo de evidenciar a concepção do livro didático de português como um
gênero do discurso, analisando-o a partir das concepções do círculo bakhtiniano.
Bunzen Jr. (2005) destaca que as investigações focadas na análise de livros didáticos
priorizaram, na maioria das vezes, a verificação e a adequação da transposição didática de
alguns conceitos, segundo as propostas curriculares. Para evidenciar que não se trata apenas
de mera transposição, o autor discute inicialmente a classificação do LDP como apenas um
suporte de textos ou como um gênero do discurso. Entre as questões levantadas para
configurar o LDP como suporte de textos, são destacadas algumas concepções que
consideram ser impossível a identificação do início e do final desse texto (LDP) enquanto
entidade empírica e outras observações que colocam a falta de totalidade na junção de
22
Citamos apenas as pesquisas que analisam a coleção Português: Linguagens do ensino fundamental ou médio.
78
textos no livro didático. Por meio das postulações bakhtinianas, o autor contrapôs essa
concepção de LDP como suporte, afirmando que esse objeto é um gênero do discurso,
constituído por diferentes textos intercalados, que se relaciona a uma esfera de produção e
circulação específica e que, desta situação histórica, retira temas, formas de composição e
estilo.
Bunzen Jr. (2005) centrou sua investigação no processo de escolha e negociação dos
objetos de ensino de produção de texto, por meio da análise de três coleções didáticas de
ensino médio, publicadas entre 1999 e 2001. Considerando as mudanças sociais e históricas
em relação ao ensino de produção de texto, o LDP não foi analisado como mero fruto da
transposição de teorias acadêmicas, mas o autor buscou investigar a apropriação desses
conceitos por parte dos autores e outros agentes envolvidos nesse processo, realizando
entrevistas com os autores das obras didáticas, que, por sua vez, revelaram alguns aspectos:
suas experiências profissionais e a própria negociação dentro das editoras.
Entre as coleções analisadas por Bunzen Jr. (2005), há a terceira edição de Português:
Linguagens, publicada em 1999. O pesquisador demonstrou que Cereja e Magalhães, desde
a produção da primeira edição, foram influenciados pelas ideias do grupo genebrino (DOLZ;
SCHNEUWLY, 2004), o que interferiu na seleção dos textos, na maneira como as atividades
79
de produção escrita são organizadas no LD, na transposição didática dada ao gênero, entre
outros aspectos.
Para Bunzen Jr. (2005), a coleção, na realidade, mescla os objetos de ensino que
apontam para o ensino de gêneros específicos, produzidos em diferentes esferas da
atividade humana, com o ensino da tipologia clássica da redação que remonta ao ensino da
Retórica e da Poética, principalmente, a narração e a argumentação. O autor exemplificou
que a coleção dedica bastante “espaço” para o estudo dos elementos da narrativa (quatro
unidades) e para o ensino da argumentação (seis unidades), demonstrando a retomada da
tipologia clássica do ensino da redação que objetiva preparar o aluno para a produção de
redações nos concursos vestibulares, especialmente a dissertação escolar. De forma geral,
essas unidades didáticas consideram na explicitação dos conceitos apenas as características
tipológicas gerais, desprovidas de uma relação com uma situação autêntica.
O primeiro volume da quinta edição é composto por 320 páginas, o volume dois, 400
páginas e o terceiro volume, 368 páginas, todos acompanhados de mais 32 do mesmo
manual do professor. Cada livro da coleção está dividido em quatro unidades, subdivididas
em três tipos de capítulos: Literatura, Produção de texto e Língua: uso e reflexão. Nomeamos
as subdivisões dos capítulos de eixos didáticos. No quadro abaixo, temos a quantidade de
atividades destinadas para cada eixo nos três volumes da coleção:
Por fim, na capa do terceiro livro, temos o verde como cor de fundo, sobreposto, na
parte superior, por um quadro laranja com a identificação da obra e, na parte inferior, por
quatro imagens (as personagens de Fernando Gonsales e a imagem da personagem Carlitos,
de Charles Chaplin, sobre um notebook, no qual se insere um pendrive, e, atrás dessa
composição, a imagem de um garoto, fazendo um movimento acrobático que lembra passos
da dança de rua), creditadas a: Rodin/ SuperStock/ Keystone; CinemaPhoto/ Corbis/
LatinStock; Alamy/ Other Images; Keystone; Fernando Gonsales.
No primeiro volume, temos 400 páginas (80 a mais que o volume 1 da edição
anterior); no segundo volume há 464 páginas (64 a mais que a edição passada) e, por fim, o
terceiro livro é composto por 464 páginas (96 a mais que o livro da quinta edição),
acrescidos de mais 32 do manual do professor. Cada livro da coleção continua sendo dividido
em quatro unidades, porém, nessa edição, há quatro eixos didáticos as subdividindo:
Literatura, Produção de texto, Língua: uso e reflexão e Interpretação de textos. No novo eixo
dedicado à interpretação, os autores trazem atividades relacionadas às competências e
habilidades do ENEM e às especificidades do vestibular. Esse eixo está inserido quatro vezes
em cada volume da coleção, no final de cada unidade, precedendo apenas os capítulos
85
denominados de Intervalo, que, por sua vez, permanecem com a mesma função da edição
anterior. Vejamos a distribuição de atividades por eixo didático, no quadro abaixo:
A partir da descrição das capas, notamos que a sexta edição passou a utilizar como
fonte diferentes bancos de imagens, o que é comum no mercado editorial atual. Esse tipo de
banco consiste em um conjunto de imagens comercializado para fins publicitários e
editoriais, por exemplo. Há uma empresa que administra esse estoque, captando,
catalogando e distribuindo imagens nacionais e internacionais. Pela internet, o cliente
adquire a imagem que necessita digitalizada e adequada aos seus objetivos. Geralmente, os
portais oferecem mais de dois milhões de imagens, atendendo, muitas vezes, segmentos
específicos do mercado, como esporte, beleza, educação, etc. (BORGES e BOTELHO, 2008).
Considerando essa postulação, a capa de cada volume das coleções analisadas foi tomada
como enunciado concreto proferido em uma determinada situação social e histórica,
implicando um auditório social. Nesse enunciado, as imagens que compõem a totalidade
verbo-visual da capa são signos ideológicos constituídos de sentido e de acento apreciativo.
Assim, ao estabelecermos relações dialógicas entre as capas da coleção, pudemos vislumbrar
os sentidos construídos em cada enunciado.
plásticas, por meio da pintura, a sexta edição apresenta, em primeiro lugar, um acento
apreciativo ligado ao humor, por meio da personagem Gata, de Laerte e por meio de uma
imagem caricata do passado ilustrada na mulher. Já o signo ideológico representado pela
imagem do iphone nos remete para o uso da tecnologia.
A dimensão verbo-visual das capas analisadas instaura uma tensão entre o que é
proposto para escola pública e para a escola privada. A quinta edição enfoca a literatura, a
música, o cinema e as artes plásticas, o que pressupõe um trabalho com diferentes
linguagens. A sexta edição, por sua vez, também enfoca diferentes linguagens como a
89
literatura, o cinema e os gêneros de humor, sendo que esse enfoque é mediado pela
tecnologia.
Pressupor que a tecnologia ou que o ensino mediado por ela está somente na escola
privada, dialoga ideologicamente com a precariedade dos recursos destinados à escola
pública brasileira, ficando subentendido que nela não há possibilidade de acesso aos
recursos tecnológicos. A atualização da materialidade verbo-visual constitutiva das capas das
edições insere um posicionamento ideológico que advém de um projeto discursivo,
determinado por sua esfera de produção, recepção e circulação, acentuando
apreciativamente que há uma diferença na qualidade da escola pública e da escola privada.
Esse volume é o que sofre maiores inserções, pois passa de sete atividades para onze.
Nessas quatro atividades a mais, são inseridos o roteiro de cinema, a crônica argumentativa
e o texto de divulgação científica (com relação ao último, pode ser uma alternativa
encontrada pelo autor para trabalhar o texto científico, já que excluiu a produção de
relatório científico do volume 1). Além disso, há uma atividade a mais para o trabalho com o
texto argumentativo.
[...] esta edição adota a perspectiva de trabalho centrada nos gêneros textuais ou
discursivos, sem deixar de lado alguns aspectos relacionados com a tipologia
textual [...] (CEREJA; MAGALHÃES: Manual do professor, 2008, p. 8, negrito
nosso)
[...]
Segundo Bakhtin, todos os textos que produzimos, orais ou escritos, apresentam um
conjunto de características relativamente estáveis, tenhamos ou não consciência
delas. Essas características configuram diferentes textos ou gêneros textuais ou
discursivos, que podem ser caracterizados por três aspectos básicos coexistentes:
o tema, o modo composicional (a estrutura) e o estilo (usos específicos da língua).
(CEREJA; MAGALHÃES: Manual do professor, 2008, p. 8, negrito nosso)
sinônimos conceitos diferentes: texto, gênero do discurso, gênero textual e tipologia textual.
Brait e Rojo (2001) expõem que as tipologias textuais se classificam de acordo com
sua forma, estrutura ou função. O ensino das tipologias tradicionalmente conhecido nas
escolas é o tripé narração, descrição, dissertação. Essa classificação enfoca, sobretudo, as
características formais de produção, desconsiderando as situações de produção, circulação e
recepção dos textos. Para as autoras, as tipologias textuais são generalizadas e não dão
conta do funcionamento dos gêneros do discurso e de sua intrínseca ligação com as
especificidades das inúmeras atividades humanas.
Nessa seleção de objetos de ensino, há uma ênfase nos textos jornalísticos. Entre as
catorze atividades de produção escrita de textos argumentativos, sete enfocam gêneros que
pertencem à esfera jornalística, corroborando o destaque dado, no manual do professor, ao
uso do jornal na sala de aula:
entre os três volumes da coleção: O artigo de opinião (volume 1), O Editorial (volume 2) e A
carta de leitor (volume 3).
23
Em PL, essa organização se repete nas catorze atividades didáticas de produção escrita de textos argumentativos, sendo
que cinco atividades trazem a seção dedicada ao estudo dos recursos linguístico-discursivos, apresentando algumas
variações no título: Escrevendo com expressividade (O debate e o artigo de opinião, volume 1), Escrevendo com adequação
(A crítica, volume 2; A crônica argumentativa, volume 3), Escrevendo com coerência e coesão (A carta de leitor, volume 3; O
texto argumentativo: a informatividade e o senso comum, volume 3).
97
24
Cf. CEREJA; MAGALHÃES, 2008a, p.336.
25
Ibid., p.337.
99
26
Ibid., p.338.
27
Ibid., p.339.
28
Ibid., p.440.
100
Embora a atividade não conduza para uma leitura dos textos visuais, a questão das
cotas é comentada verbalmente:
As fotos e esse fragmento sugerem uma concordância, não com o sistema de cotas
em si, mas com a integração entre distintas etnias em diferentes atividades humanas,
apontando para o contexto extraverbal de produção do LDP, que considera os critérios do
PNLEM, entre os quais é verificado se “A obra veicula preconceitos e discriminações (de
origem, cor, condição sócio-econômico-cultural, etnia, gênero, linguagem) privilegiando
grupo, camada social ou região do país?“ (PNLEM, BRASIL, 2008, p.128). As fotos e o texto
didático que introduzem a atividade consistem em formas de respaldar a postura
“politicamente correta” e ideologicamente construída pela seleção do material textual.
Nas cinco questões, o uso dos verbos aponta para a construção de um processo
classificatório, procurando caracterizar um atributo do gênero enfocado (“Num texto de
opinião, o autor normalmente fundamenta seu ponto de vista em verdades e opiniões.”). A
utilização de verbos dinâmicos para qualificar o que é dito, tenta caracterizar o gênero
(“fundamenta”, “exime”, “expressa). Os verbos modalizadores indicam uma necessidade
epistêmica e são usados para indicar atributos “obrigatórios” do gênero estudado (“Para isso
precisa apresentar bons argumentos, que consistem em verdades e opiniões”; “[...] a ideia
principal defendida pelo autor precisa ser fundamentada com bons argumentos”).
Seria interessante se a atividade explicitasse que os textos que compõem o painel são
cartas de leitores enviadas à Revista Veja, em reposta ao artigo em referência, e publicadas
em seu número seguinte. Assim, o artigo analisado poderia ser discutido como resposta a
outros textos diante de um acontecimento polêmico, que também suscitou a participação
responsiva dos leitores da revista. A discussão proposta poderia contemplar o levantamento
dos diferentes posicionamentos: quais concordam ou discordam do texto de Lya Luft.
acrescente novos argumentos”). Para concluir o seu texto, ele deve retomar seu
posicionamento inicial ou citar um escritor ou alguém importante para o tema debatido.
No final da proposta, o aluno é instruído a criar “um título que desperte a curiosidade
do leitor” e deve realizar uma “revisão cuidadosa” de acordo com o boxe “Avalie seu artigo
de opinião”. Nesse boxe, o enunciador propõe uma autoavaliação para o aluno. O tom
apreciativo utilizado aponta para uma caracterização generalizada da “boa” produção de
texto, pois o aluno deve se expressar “claramente”, contemplando uma “ideia principal”,
fundamentada com argumentos “claros”, “fortes” e “bem desenvolvidos”, verificando “se a
linguagem está adequada ao gênero e ao perfil do público leitor” e se o título “é
convidativo”, tornando, portanto, o texto “persuasivo”.
O enunciador propõe dez questões para a análise do debate, sendo que há seis
questões que enfocam os tipos de argumentos e uma relacionada à variedade padrão da
língua, concordando com a mesma sequência proposta na atividade analisada
anteriormente. A questão nove pergunta: “Qual é o suporte desse gênero textual, isto é,
como ele é veiculado para atingir o público a que se destina?” A resposta sugerida explica
que “O debate é um gênero textual oral e, portanto, seu suporte é a fala. Eventualmente
pode ser transcrito e, nesse caso, publicado em livros, jornais, revistas e em sites da
internet” (CEREJA; MAGALHÂES, 2008a, p. 321).
29
Ibid., p.318.
109
Na última atividade do volume 130, é proposta uma junção entre os gêneros debate e
artigo de opinião. Partindo da produção de um debate oral, os alunos devem produzir um
artigo de opinião. As esferas de produção, de recepção e de circulação são alteradas para
fins didáticos, ou seja, a didatização, da forma como é proposta, modifica a finalidade dos
gêneros e, desse modo, não acreditamos que o gênero seja o mesmo.
30
Ibid., p.370.
110
31
Cf. CEREJA; MAGALHÃES, 2008b, p.437.
111
32
Ibid., p.438.
33
Ibid., p.439.
34
Ibid., p.440.
112
impresso. Por fim, após a caixa de texto, há cinco instruções numeradas da letra “a” até a
letra “e” e, ao seu lado direito, temos uma caixa de texto lilás, intitulada de Avalie seu
editorial, com alguns parâmetros para que o aluno avalie a sua produção de texto.
As questões propostas definem editorial como um texto que aborda “um tema do
momento” [...] “em discussão na sociedade” (questão 1), afirmando que esse texto pertence
“ao grupo de textos argumentativos, ou seja, aqueles que têm a finalidade de persuadir o
leitor e, portanto, precisam apresentar argumentos consistentes” (questão 6). Essas
afirmações ressoam a voz da retórica clássica, colocando o gênero com uma função
meramente persuasiva. Na visão aristotélica, cada caso pode ser capaz de gerar persuasão,
isto é, cada situação e seu respectivo auditório devem ser levados em conta para a produção
da argumentação.
numa linguagem objetiva e direta, tendendo à impessoalidade”35. Essa questão poderia ser
ampliada para que o aluno percebesse como o crítico constrói seu ponto de vista a partir
dessas marcas.
[...] pode haver uma opinião implícita na escolha de uma ou outra palavra; nas
vozes que o autor inclui em seu discurso, dando maior ou menor espaço a esta ou
aquela pessoa; no emprego do discurso direto, que destaca mais a pessoa citada,
ou do indireto, que subtrai a sua vez. (CEREJA; MAGALHÃES, 2008b, p. 424).
35
Ibid., p.421.
121
36
Cf. CEREJA; MAGALHÃES, 2008c, p.172.
37
Ibid., p.173.
38
Ibid., p.174.
123
Ao final da quinta página, inicia-se a seção Escrevendo com coerência e coesão, cujo
subtítulo é A articulação de palavras e ideias. Após essa identificação há um pequeno texto
didático explicitando alguns conceitos.
O capítulo está organizado pelo estudo do gênero de foco: a carta de leitor. As cinco
cartas de leitores utilizadas na atividade são transcritas e todos os textos visuais da atividade
são ilustrativos, servindo de ornamento aos textos verbais que acompanham. Na questão 1,
é exposta a definição de carta de leitor como “gênero textual que permite o diálogo dos
leitores com o editor de jornais e revistas ou entre leitores”. Essa afirmação conduz algumas
indagações: como esse diálogo é estabelecido? Qual(is) texto(s) suscitou(aram) essas
respostas? A partir dessas cartas, houve a constituição de outros diálogos?
39
Ibid., p.175.
40
Ibid., p.176.
41
Ibid., p.177-178.
42
Ibid., p.179.
124
Ao perguntar por que essa “variedade” é utilizada, a resposta sugerida explicita que o
seu uso ocorre porque os leitores de revistas ou jornais de grande circulação dominam essa
variedade. Essa informação desconsidera que as cartas ou e-mails de leitores são avaliados
pelo corpo editorial, sendo revisados e editorados. O aluno precisa refletir quais elementos
da língua, em sua variedade padrão, podem ser utilizados na escrita de uma carta de leitor.
Sem observar dialogicamente os dois tipos de cartas, o aluno pode não compreender
o que de fato são esses elementos, já que, na atualidade, a comunicação eletrônica integra a
126
43
Ibid., p.176.
44
Ibid., p.176.
127
Para produzir um bom texto, não basta ter boas ideias ou bom vocabulário. Para
isso, boas ideias e bom vocabulário precisam tomar a forma de enunciados que,
unidos uns aos outros, construam, passo a passo, uma tessitura de conexões
lógicas e semânticas. Quando isso ocorre, dizemos que o texto possui textualidade,
isto é, apresenta articulação de palavras (coesão) e articulação de ideias
(coerência). (CEREJA; MAGALHÃES, 2008c, p.176, negrito nosso)
Ao mencionar que boas ideias e bom vocabulário tomam forma de enunciados, que
se unem a outros, o enunciador explica o conceito de enunciado como sinônimo de oração,
diferindo da visão bakhtiniana, na qual enunciado corresponde à totalidade do texto, em seu
contexto real de circulação.
Após a definição anterior, são propostas sete questões para análise dos mecanismos
de coesão e coerência em uma fábula. Transcrevemos as questões, e suas respectivas
respostas, e apontamos os conteúdos desenvolvidos em cada uma.
Na atividade, o aluno deve analisar, a partir de uma fábula, quais são os elementos
responsáveis pela coerência e coesão do texto: processos de referenciação pela função
coesiva dos pronomes, encadeamento textual pelas relações de causalidade, oposição e
conclusão. Ao final das questões, o enunciador expõe: “você deve ter observado que a
conexão entre palavras e ideias no interior das frases, no interior dos parágrafos e de um
129
parágrafo para outro é feita por palavras e expressões.” (CEREJA; MAGALHÃES, 2008c,
p.178). Após esta atividade, são inseridas mais cinco questões que analisam os conceitos
desenvolvidos em trechos de textos.
Ao trazer o gênero carta de leitor, a coleção explora a atuação dos leitores enquanto
cidadãos que querem fazer valer sua voz, colocando o seu ponto de vista em debate. Para
que o aluno perceba essa relevância e se torne um leitor atuante, ele precisa vivenciar a
prática social intrínseca a esse gênero.
45
Ibid., p.179.
130
Essas questões podem ser suscitadas pelos alunos. Nesse caso, a página, a seção, o
caderno em que os textos são publicados, isto é, a análise da materialidade verbo-visual de
suas publicações originais poderia esclarecer algumas dessas perguntas. A leitura de
diferentes crônicas (narrativas, esportivas, argumentativas) pode evidenciar a
heterogeneidade de sua forma composicional, marcada pelo diálogo, relato, confissão,
argumentação, etc.
46
Ibid., p.109.
47
Ibid., p.109.
131
gramatical acrescenta ao texto diferentes sentidos, pois marcam papéis sociais distintos. O
mesmo ocorre com o uso de sujeito indeterminado ou da voz passiva, como estratégia
argumentativa.
A coleção, porém, traz frases para que o aluno reescreva adotando a indeterminação
do sujeito ou a passividade. Há uma proposta para análise de um texto, no qual os autores
solicitam a retirada das marcas de pessoalidade para serem reescritas “empregando a
técnica de impessoalização da linguagem” (CEREJA; MAGALHÃES, 2008c, p. 114). Nesses
casos, o foco está na estrutura frasal. Os sentidos construídos podem ser recuperados na
totalidade do enunciado, na qual o uso desses recursos adquire função persuasiva.
partes da argumentação do adversário, etc. A dúvida reside em como o aluno pode fazer
tudo isso, usando a língua. Quais articuladores textuais introduzem comparações,
concessões, contraposições, sobretudo, na oralidade? O foco está no escrito, mas o aluno é
convidado a produzir um texto oral.
Nesse caso, acreditamos que o aluno deva ter contato com um texto oral transcrito
de acordo com a análise da conversação, no qual possa marcar a diferença entre língua
falada e língua escrita, analisando a interação conversacional, estudando os procedimentos
de formulação e reformulação (correções, repetições, paráfrases, acréscimos) e analisando
os marcadores conversacionais, ou seja, a sinalização dos turnos, os sinais de
posicionamento do interlocutor (de hesitação, de concordância, de discordância, de dúvida),
os sinais de sequenciação (digressões, sequência narrativa, etc.).
Nas atividades seguintes, os autores analisam pontos específicos dos tipos textuais.
Na atividade O texto argumentativo: a informatividade e o senso comum, há uma seção
denominada Escrevendo com coerência e coesão, cujo foco é analisar a continuidade e
progressão textual. Nessa parte, o aluno deve analisar textos e os respectivos problemas de
coesão apresentados, não discutindo a progressão em diferentes gêneros e as possíveis
omissões e os seus sentidos construídos. O aluno poderia ser levado a corrigir seu texto,
considerando os aspectos da progressão temática que são apontados.
48
Ibid., p. 367-370.
133
CAPÍTULO 4:
Um olhar dialógico para o ensino da escrita argumentativa
Com o objetivo de mostrar para o aluno do EM que uma opinião não se esgota em
uma asseveração, mas que ela é sustentada por argumentos construídos em uma teia
discursiva, constituída por inúmeras vozes que contrapõem pontos de vista, sugerimos outro
encaminhamento para a análise do artigo Cotas: o justo e o injusto, de Lya Luft. Para isso,
consideramos o resgate do contexto extraverbal inerente à produção desse texto, a sua
composição verbo-visual como fator para construção dos sentidos, procurando resgatar a
prática social que permeia a produção de um artigo de opinião. Para isso, observemos as
diferenças entre a forma composicional do artigo transcrito em PL e o artigo original.
136
FOTO DA AUTORA
SEÇÃO
AUTORA
TÍTULO
OLHO
ILUSTRAÇÃO
CRÉDITO
A atividade de leitura pode ser encaminhada de modo que o aluno seja familiarizado
com a prática social, permitindo a compreensão de que a produção de um artigo se insere
na vida real, ou seja, que atrás de todo texto há um sujeito, constituído de valores. Esse
percurso de contato com o texto pode contemplar questões que promovam a pesquisa, a
reflexão e a descoberta sobre o gênero de foco no que se refere ao estudo dos aspectos
enunciativos: o que o título da seção sugere? Qual é o objetivo da revista em colocar o
crédito da articulista? Pelo título do artigo e com base nessas informações o que o leitor
espera encontrar no artigo?
Para a construção do perfil do leitor, seria interessante fazer a leitura dos gráficos,
mostrando que a classe social predominante é a B, mas há uma parcela significativa das
classes A e C. Essas definições podem significar pouco para o aluno, por isso pode ser
importante ressaltar o Critério Brasil49, baseado em termos de renda mensal, como principal
parâmetro que define as classes sociais em nosso país:
49
Cf. <www.ibope.com.br>.
140
Os outros gráficos mostram certo equilíbrio entre faixa etária, sexo e estado civil, e
podem ser discutidos na proposta de produção escrita, sendo interessante retomar as
adjetivações destinadas ao leitor, considerando o que é ser atuante, ser bem posicionado no
mercado de trabalho, ser o principal grupo de consumidores de um país, nas classes
mencionadas. Questões como “esses valores apreciativos são significativos para a missão da
revista” ou “se esses leitores são realmente atuantes”, podem contribuir para uma análise
mais aprofundada da revista.
Com relação à organização do texto argumentativo, pode ser destacado que o artigo
de opinião sempre se refere a outro texto ou a um acontecimento geralmente recente, a fim
de despertar interesse nos leitores. Essa consideração sobre o gênero permite que seja
resgatado, na atividade de leitura, o contexto de produção mais imediato. Duas semanas
antes da publicação do artigo de Lya Luft, mais precisamente em 18 de janeiro de 2008, o
Tribunal Regional Federal da 4ª região, determinou a suspensão da política de cotas da
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), reacendendo a discussão em torno da
legalidade da reserva de vagas para estudantes negros e/ou oriundos de escolas públicas.
Em dezembro de 2007, um estudante branco conseguiu na justiça catarinense o direito de
concorrer a todas as vagas do vestibular da UFSC, inclusive as reservadas para cotistas
negros. Nesse mesmo mês, as escolas particulares de SC entraram na Justiça contra as cotas
na UFSC, alegando que o sistema de cotas fere o princípio de igualdade prevista pela
Constituição Brasileira.
Marca
apreciativa
Quadrante
superior: opinião
contrária à política
de cotas.
Quadrante
inferior: opinião
favorável à política
de cotas.
Infográfico Entrevista
Rafael Carvalho
Especial para o Estado
Florianópolis
Atendendo a um pedido do Ministério Público, a Justiça Federal de Santa Catarina suspendeu o sistema
de cotas raciais e sociais da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Na medida cautelar, expedida
sexta-feira, o juiz federal substituto Gustavo Dias de Barcellos argumentou que qualquer medida que
estabeleça critérios étnicos ou socioeconômicos para ingresso no ensino público superior deve depender de
uma lei específica. Na sua interpretação, a direção da universidade não tem autonomia para decidir de quem
serão as vagas.
Na mesma sentença, o juiz determinou que as vagas sejam ocupadas pelos estudantes que foram
aprovados, por ordem de classificação. Com isso, Barcelos suspendeu o Programa de Ações Afirmativas
adotado pela universidade, que prevê a concessão de 20% das vagas para alunos egressos das escolas públicas
e 10% para negros.
Há poucos dias, a estudante Elis Wendpap ganhou uma ação semelhante contra o sistema de cotas da
Universidade Federal do Paraná (UFPR). A diferença entre os dois casos é que no Paraná foi uma decisão da
Justiça de primeira instância, num processo movido pela própria estudante. Em Santa Catarina, o Ministério
Público Federal é autor da ação.
A liminar contra a UFSC e a ação no Paraná são mais dois elementos na polêmica sobre as cotas. Hoje há
uma Lei de Cotas em tramitação no Congresso, mas várias instituições de ensino preferiram não esperar e
adotaram esquemas próprios em seus vestibulares, para favorecer o acesso de estudantes negros e
provenientes de escolas públicas. Até o fim do ano passado, 17 universidades federais e 17 estaduais já usavam
sistemas de cotas raciais, de acordo com levantamento da Secretaria de Ensino Superior, do Ministério da
Educação.
O reitor da UFSC, Lúcio Botelho, informou que deve recorrer à Justiça contra a liminar do juiz substituto.
Na Secretaria de Educação Superior do Ministério da Educação, o secretário Ronaldo Moto comentou que as
decisões judiciais devem ser sempre acatadas, mas logo em seguida ressalvou: "As universidades públicas,
especialmente as federais, têm obtido bons retornos acadêmicos com a adoção de diversas formas de políticas
afirmativas."
Para o juiz que concedeu a liminar, o sistema adotado pela universidade de Santa Catarina contraria a
Constituição. "A autonomia administrativa da universidade está restrita ao seu próprio funcionamento, não
podendo estabelecer direitos ou impor vedações de forma discricionária", escreveu na sentença. "A
discriminação imposta pelo sistema de cotas para o ingresso em universidade, chamada 'positiva' sob o aspecto
dos candidatos beneficiados, se manifesta restritiva ou 'negativa' para os demais, diante da consequente
diminuição da disponibilidade de vagas a esses, assim afrontando diretamente o princípio da igualdade
assegurado no art. 5º da Constituição Federal de 1988."
QUEIXA
O reitor criticou o Ministério Público. "A reitoria abomina o fato de termos ficado sabendo da decisão
da Justiça através da imprensa", disse. "Essa liminar não é em nada diferente de outras que já ocorreram nesse
sentido e estamos certos de que isso será revisto em instância superior." Botelho também defendeu a ideia de
que a universidade tem autonomia para decidir sobre a questão. "O sistema de cotas já é vigente no Brasil há
cerca de seis anos e é esse direito que nós pretendemos dar a nossos futuros alunos."
Agora o Ministério Público tem pouco tempo para resolver a questão, já que as matrículas dos calouros
de 2008 ocorrerão nos dias 14 e 15 de fevereiro.
143
DIFICULDADE – Apesar da confiança de lideranças negras no projeto de lei sobre cotas que tramita no
Congresso, até agora não existe uma data definida para o debate que levará à sua aprovação ou rejeição. A
votação depende de acordos entre os líderes partidários. No ano passado, representantes do movimento negro
chegaram a se reunir com os presidentes da Câmara e do Senado, pedindo mais atenção para o projeto de lei.
Também está em discussão no Congresso o projeto de lei de reforma da educação superior, que prevê
medidas de democratização no acesso à escola. Segundo o projeto, devem ser consideradas as condições
históricas, culturais e educacionais dos diversos segmentos sociais, além da importância da diversidade cultural
e social no ambiente acadêmico.
No momento, não só negros e egressos de escolas públicas estão sendo beneficiados pelas cotas. Em
diversas escolas já foram criadas condições especiais também para estudantes indígenas.
A estudante curitibana Elis Wendpap, 20 anos, acredita que a repercussão alcançada com a ação que move
desde 2005 contra a Universidade Federal do Paraná, quando não conseguiu entrar para o curso de Direito por
causa do sistema de cotas, apesar de ter alcançado a média necessária, pode levar a sociedade a refletir sobre
o assunto. Elis cursa o 3.º ano de Direito no Centro Universitário Curitiba e ganhou a ação em primeira
instância.
O que a motivou a entrar com a ação?
Ter feito tanto esforço para estudar em uma universidade federal, ter conquistado esse direito e no momento
que poderia entrar não pude, por causa de uma determinação. Penso que ao discordarmos de alguma coisa
temos de agir e, nesse caso, a melhor forma de fazermos a Constituição ser cumprida é através de uma ação
jurídica.
Imaginava que o caso pudesse ter grande repercussão?
Não. Imaginei que ficasse entre eu e a universidade, mas está sendo boa a repercussão para colocar à
sociedade essa discussão.
Acredita que a vaga possa ser sua?
A decisão final deve levar mais dois anos e já estarei formada, mas não desistirei da ação, pois quero levar essa
discussão adiante, mesmo que a decisão demore.
Você conhece o sistema de cotas?
Conheço bem.
Tem medo de ser chamada de racista?
Nunca fui, mas tenho receio de que aconteça, pois muitas pessoas podem não entender meu questionamento.
Não questiono a inclusão ou a questão social, mas a forma como o sistema de cotas foi colocado, sem
discussão com a sociedade.
Transcrição da página A4 do Jornal O Estado de S. Paulo de 22 jan. 2008.
citados na construção da totalidade da página, ou seja, entender o que cada voz citada traz
ao texto, relacionando-as à voz de quem as cita, compreendendo, desse modo, a estratégia
argumentativa utilizada pelo jornal.
Depois das leituras e das discussões, pode ser sugerida a realização de uma
entrevista com um aluno beneficiado pela política de cotas para contrapor com o
posicionamento da aluna contrária à reserva de vagas. Seria importante explorar com o
aluno por que o jornal não traz o ponto de vista de um negro, indígena ou aluno de escola
pública.
A revista Veja, por sua vez, em sua versão impressa, não divulgou o fato. Na versão
online, entretanto, publicou notícia relacionada ao acontecimento, também em 22 de
janeiro de 2008.
O reitor da UFSC, Lúcio Botelho, afirma que recorrerá à Justiça contra a liminar e acredita que ganhará a
causa. "O sistema de cotas já é vigente no Brasil há cerca de seis anos e é esse direito que nós pretendemos dar
a nossos futuros alunos", disse ele em entrevista publicada nesta sexta-feira pelo jornal O Estado de S. Paulo.
Notícia transcrita de Veja online. Publicação original 22 jan. 2008. Disponível em:
<http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/sistema-cotas-raciais-ufsc-suspenso>. Acesso em: 30 jun. 2006.
Para isso, a seguir, propomos algumas questões, e suas respectivas respostas, que
poderiam aprimorar a análise das estratégias argumentativas utilizadas. Marcamos as
respostas com letra times para diferenciá-las das questões, representando a editoração de
uma sequência de perguntas que poderia pertencer a uma unidade didática de LD.
Consideramos que os sentidos construídos emergem da interação entre o eu e outro, ou
seja, cada leitor é único e suas axiologias entrecruzam-se com as experiências do seu
interlocutor, portanto, as respostas foram elaboradas como possibilidades de leitura, sendo
que um LD poderia apresentar outras sugestões.
O medo do diferente causa conflitos por toda parte, em circunstâncias as mais variadas. Alguns são
embates espantosos, outros são mal-entendidos sutis, mas em tudo existe sofrimento, maldade explícita ou
silenciosa perfídia, mágoa, frustração e injustiça.
Cresci numa cidadezinha onde as pessoas (as famílias, sobretudo) se dividiam entre católicos e
protestantes. Muita dor nasceu disso. Casamentos foram proibidos, convívios prejudicados, vidas podadas.
Hoje, essa diferença nem entra em cogitação quando se formam pares amorosos ou círculos de amigos. Mas,
como o mundo anda em círculos ou elipses, neste momento, neste nosso país, muito se fala em uma questão
que estimula tristemente a diferença racial e social: as cotas de ingresso em universidades para estudantes
negros e/ou saídos de escolas públicas. O tema libera muita verborragia populista e burra, produz frustração e
hostilidade. Instiga o preconceito racial e social. Todas as "bondades" dirigidas aos integrantes de alguma
minoria, seja de gênero, raça ou condição social, realçam o fato de que eles estão em desvantagem, precisam
desse destaque especial porque, devido a algum fator que pode ser de raça, gênero, escolaridade ou outros,
não estão no desejado patamar de autonomia e valorização. Que pena.
Nas universidades inicia-se a batalha pelas cotas. Alunos que se saíram bem no vestibular – só quem já
teve filhos e netos nessa situação conhece o sacrifício, a disciplina, o estudo e os gastos implicados nisso – são
rejeitados em troca de quem se saiu menos bem mas é de origem africana ou vem de escola pública. E os
outros? Os pobres brancos, os remediados de origem portuguesa, italiana, polonesa, alemã, ou o que for, cujos
pais lutaram duramente para lhes dar casa, saúde, educação?
A ideia das cotas reforça dois conceitos nefastos: o de que negros são menos capazes, e por isso
precisam desse empurrão, e o de que a escola pública é péssima e não tem salvação. É uma ideia esquisita, mal
pensada e mal executada. Teremos agora famílias brancas e pobres para as quais perderá o sentido lutar para
que seus filhos tenham boa escolaridade e consigam entrar numa universidade, porque o lugar deles será
concedido a outro. Mais uma vez, relega-se o estudo a qualquer coisa de menor importância.
Lembro-me da fase, há talvez vinte anos ou mais, em que filhos de agricultores que quisessem entrar
nas faculdades de agronomia (e veterinária?) ali chegavam através de cotas, pela chamada "lei do boi".
Constatou-se, porém, que verdadeiros filhos de agricultores eram em número reduzido. Os beneficiados eram
em geral filhos de pais ricos, donos de algum sítio próximo, que com esse recurso acabaram ocupando o lugar
de alunos que mereciam, pelo esforço, aplicação, estudo e nota, aquela oportunidade. Muita injustiça assim se
cometeu, até que os pais, entrando na Justiça, conseguiram por liminares que seus filhos recebessem o lugar
que lhes era devido por direito. Finalmente a lei do boi foi para o brejo.
Nem todos os envolvidos nessa nova lei discriminatória e injusta são responsáveis por esse desmando.
Os alunos beneficiados têm todo o direito de reivindicar uma possibilidade que se lhes oferece. Mas o triste é
serem massa de manobra para um populismo interesseiro, vítimas de desinformação e de uma visão estreita,
que os deixa em má posição. Não entram na universidade por mérito pessoal e pelo apoio da família, mas pelo
que o governo, melancolicamente, considera deficiência: a raça ou a escola de onde vieram – esta, aliás,
oferecida pelo próprio governo.
Lamento essa trapalhada que prejudica a todos: os que são oficialmente considerados menos
capacitados, e por isso recebem o pirulito do favorecimento, e os que ficam chupando o dedo da frustração,
não importando os anos de estudo, a batalha dos pais e seu mérito pessoal. Meus pêsames, mais uma vez, à
educação brasileira.
Transcrição do artigo Cotas: o justo e o injusto. Veja. nº 2046, 06 fev. 2008. p.16.
a) Explique-a resumidamente.
A autora retorna a cidadezinha onde cresceu para explicitar que, devido à divisão entre
católicos e protestantes, muitas pessoas foram prejudicadas.
149
b) Após essa recuperação histórica, a autora insere o assunto a ser discutido se posicionando
em relação a ele. Qual é o ponto de vista anunciado pela articulista?
A articulista expressa que, hoje, a diferença religiosa em nosso país nem entra em cogitação,
mas se insere a diferença racial e social, explicada pela inserção das cotas para estudantes negros e/ou
saídos de escolas públicas.
c) Entre essa alusão histórica e o posicionamento da autora, há uma relação comparativa. O
que são comparados? Por que, do ponto de vista argumentativo, isso é relevante para o
texto?
A comparação consiste na ideia da diferença e do sofrimento causado por ela. A diferença
religiosa produziu casamentos proibidos, convívios prejudicados, vidas podadas. As cotas, por sua
vez, evidenciam de que existe uma parcela social em desvantagem e instigam o preconceito racial e
social. Do ponto de vista argumentativo, a autora se vale de uma situação histórica em que a diferença
só trouxe malefícios, para pressupor que a diferença racial que se insere na atualidade, pela política de
cotas, trará também aspectos negativos.
Marcadores de tempo
a) Para inserir uma sequência temporal é usado tempo verbal: pretérito perfeito e imperfeito.
Exemplos: “cresci”, “dividiam”, “nasceu”, “foram”, “chegavam”, “eram”, “acabaram”, “mereciam”,
“cometeu”, “conseguiram”, “era”, “foi”.
b) Para marcar a posição do autor é usado o tempo verbal: presente.
Exemplos: “causa”, “são”, “formam”, “estimula”, “libera”, “instiga”, “realçam”, “precisam”, “tem”,
“oferece”, “deixa”, “considera”, “prejudica”, “recebem”, “ficam”.
Marcadores de avaliação
O tema libera muita verborragia populista e burra, produz frustração e hostilidade. Instiga o preconceito
racial e social. Todas as "bondades" dirigidas aos integrantes de alguma minoria, seja de gênero, raça ou
condição social, realçam o fato de que eles estão em desvantagem, precisam desse destaque especial porque,
devido a algum fator que pode ser de raça, gênero, escolaridade ou outros, não estão no desejado patamar de
autonomia e valorização. Que pena.
Nas universidades inicia-se a batalha pelas cotas. Alunos que se saíram bem no vestibular – só quem já
teve filhos e netos nessa situação conhece o sacrifício, a disciplina, o estudo e os gastos implicados nisso – são
rejeitados em troca de quem se saiu menos bem mas é de origem africana ou vem de escola pública. E os
outros? Os pobres brancos, os remediados de origem portuguesa, italiana, polonesa, alemã, ou o que for, cujos
pais lutaram duramente para lhes dar casa, saúde, educação?
150
A idéia das cotas reforça dois conceitos nefastos: o de que negros são menos capazes, e por isso
precisam desse empurrão, e o de que a escola pública é péssima e não tem salvação. É uma ideia esquisita, mal
pensada e mal executada. Teremos agora famílias brancas e pobres para as quais perderá o sentido de lutar
para que seus filhos tenham boa escolaridade e consigam entrar numa universidade, porque o lugar deles será
concedido a outro. Mais uma vez, relega-se o estudo a qualquer coisa de menor importância.
c) Os brancos são alunos que se saíram “bem no vestibular”; “rejeitados” em troca de quem “se
saiu menos bem”; “os remediados”; os que estão “no desejado patamar de autonomia e
valorização”; aqueles que possuem “famílias brancas e pobres” que lutam pela “boa
escolaridade”; aqueles cujo lugar será “concedido a outro”.
d) Os negros e alunos de escola pública são “minoria” de “gênero”, “raça” ou “condição social”;
aqueles que estão em “desvantagem”; aqueles que precisam desse “destaque especial”; aqueles
que se saem “menos bem” no vestibular e são de “origem africana”; menos “capazes”; aqueles
que precisam desse “empurrão”.
Passividade do sujeito
a) Não é possível identificar o agente das ações, no entanto, podemos pressupor qual papel
social ele exerce. Pelo conjunto do texto, quem são os agentes?
152
Os agentes são instituições sociais, que não aparecem na frase. Na primeira frase, as religiões,
representadas pela igreja católica e protestante; a segunda frase se refere à lei do boi, logo a uma
determinação da legislação, assim como a terceira e quarta frase que também tem como agente a
legislação, só que agora ligada à política de cotas.
b) Temos nesses trechos o uso da voz passiva como estratégia argumentativa. Qual etapa do
processo argumentativo ela compõe?
O autor define seu ponto de vista com essas marcas da passividade, enfatizando os sujeitos
pacientes que sofrem as consequências da ação da sociedade em geral, ou seja, eles são colocados
como vítimas sociais e os responsáveis ficam implícitos.
8. A autora utiliza várias vezes no texto, desde o título, o sinal de dois pontos. Uma de suas
funções discursivas é marcar uma explicação. Observe:
“[...] o governo, melancolicamente, considera deficiência: a raça ou a escola de onde vieram [...]”
a) Nesse trecho, a autora introduz uma explicação para o termo deficiência, para isso ela
insere os dois-pontos. Considerando essa informação, no trecho abaixo, como a diferença
racial e social é explicada?
“[...] muito se fala em uma questão que estimula tristemente a diferença racial e social: as cotas de
ingresso em universidades para estudantes negros e/ou saídos de escolas públicas.”
As cotas explicam a existência de diferença racial e social.
b) No título, a autora utiliza dois pontos, sugerindo que ela pretende explicar o problema das
cotas sob duas óticas. Quais?
Aquilo que é justo e aquilo que é injusto na reserva de vagas.
c) Após a análise que fizemos do artigo, é possível dizer que a autora cumpre o que anuncia
no título? Por quê?
A autora não cumpre o anunciado no título, pois seu posicionamento é contra a política de
cotas e para defendê-lo a retoma apenas pela ótica do que parece ser injustiça.
Antes da proposta de produção, podem ser inseridos outros artigos, nos quais o uso
de marcadores avaliativos é diferente, de modo que o aluno possa comparar diferentes
veículos jornalísticos, seus respectivos perfis editoriais e possam ser analisados outros
recursos linguístico-discursivos, como os organizadores textuais, por exemplo.
mais amplo (a revista e seu perfil editorial e de seus leitores, o diálogo entre os textos que
circularam no período), o aluno foi inserido na prática social que perpassa a produção de um
artigo e pode ser convidado a exercer essa prática, elaborando uma reposta, tomando o
gênero artigo de opinião como meio de expressar seu posicionamento diante de um fato
relevante para a sociedade.
Você é o articulista! Leia o roteiro para produzir o seu artigo de opinião, pois você é a
autoridade competente a discutir um assunto.
3. Marque o papel social assumido por você para discutir o assunto e explicite a
finalidade do artigo.
6. Você é um aluno-autor e pode realizar uma autoavaliação, a partir deste roteiro e dos
recursos linguístico-discursivos estudados (alusão histórica, 3ª pessoa gramatical
para os fatos referidos e primeira para a posição do autor; verbos no pretérito
perfeito e imperfeito para fatos referidos e o presente para o posicionamento;
expressões avaliativas; marcadores temporais; indeterminação do sujeito e voz
passiva).
154
7. Troque o seu texto com um colega para que ele comente o que pode ser melhorado.
Faça o mesmo com o texto de seu parceiro.
4.2 O editorial
O nosso objetivo, nesta etapa, é esclarecer para o aluno que todo texto produzido,
além de imerso em um encadeamento discursivo, é enunciado a partir de uma compreensão
responsiva dos discursos proferidos socialmente. Para isso, resgatamos algumas
especificidades da esfera jornalística, desde a coerção do manual de redação do jornal, até a
sequência dos fatos utilizada pelo veículo jornalístico.
Texto que expressa a opinião de um jornal. Na Folha, seu estilo deve ser ao
mesmo tempo enfático e equilibrado. Deve evitar o sarcasmo, a interrogação
e a exclamação. Deve apresentar com concisão a questão de que vai tratar,
desenvolver os argumentos que o jornal defende, refutar as opiniões opostas
e concluir condensando a posição adotada pela Folha. (MANUAL de redação:
Folha de S. Paulo. São Paulo: Publifolha, 2001, p. 64).
FIGURA 36: Cabeçalho dos editoriais, jornal Folha de S. Paulo, 11 maio 2008, p. A2.
158
FIGURA 37: Trecho da primeira página, jornal Folha de S. Paulo, 10 maio 2008.
159
Encadeamento
textual não
explícito: conexão
causal (título e
lide da
reportagem).
Encadeamento
textual não
explícito:
contraste
adversativo.
Pela leitura da página, a manchete principal destaca que o lobby das cervejarias está
relacionado a doações feitas a deputados. Pode ser questionado ao aluno qual é a relação de
causa e consequência estabelecida entre o título e o lide da notícia, esclarecendo que o
encadeamento textual não está explícito, mas há uma conexão causal compreendida pelo
elo criado no texto (“Nesta semana, projeto que restringe a propaganda de bebidas com
baixo teor alcoólico foi retirado da pauta de votações da Câmara”, porque “cervejarias
doaram R$ 2 mi a deputados”).
Essa análise pode esclarecer para o aluno, por que a propaganda é importante, nesse
caso, destacando a sua ligação com a lucratividade das cervejarias, já que, por meio dela, o
consumo é incentivado. A leitura da reportagem do segundo quadrante pode contribuir para
essa reflexão.
162
Um estudo realizado pela Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) mostra que as propagandas de
cerveja veiculadas na TV não respeitam várias determinações do código de auto-regulamentação da
publicidade do Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária).
As propagandas, de acordo com o estudo, têm apelo imperativo ao consumo, despertam a atenção de
crianças e adolescentes, mostram pessoas que aparentam ter menos de 25 anos, exploram o erotismo, não são
veiculadas apenas em programas de TV destinados ao público adulto e mostram a cerveja relacionada ao
sucesso profissional, social ou sexual.
“A auto-regulamentação não serve para absolutamente nada”, diz a psicóloga Ilana Pinsky. Ela foi a
orientadora do advogado Alan Vendrame em seu trabalho de mestrado no Departamento de Psiquiatria da
Unifesp. A pesquisa foi financiada pela Fapesp (entidade do governo paulista que fomenta pesquisas
científicas).
O estudo contou com a participação de 282 estudantes do ensino médio de escolas públicas de São
Bernardo do Campo, no Grande ABC. Suas idades variavam de 14 a 17 anos — portanto, não podiam consumir
bebida alcoólica.
Os pesquisadores usaram as impressões dos jovens para concluir que as cervejarias não respeitam as
normas de autorregulamentação.
“Os jovens são maciçamente bombardeados por uma série de propagandas de cerveja na televisão, de
manhã, à tarde e à noite. Diversos estudos mostram que a propaganda tem efeito na tomada da decisão do
consumo”, afirma Ilana Pinsky.
Na quarta-feira passada, o governo retirou a urgência de um projeto de lei em análise pela Câmara dos
Deputados que proíbe a veiculação de anúncios de bebidas alcoólicas no rádio e na televisão das 6h às 21h.
O projeto perdeu a prioridade, segundo deputados, por causa da pressão dos fabricantes de cerveja, das
agências de publicidade e das emissoras de rádio e televisão. Agora, sem o status de urgência, o texto pode
levar anos para ser votado.
Dentro do governo federal, a aprovação era aguardada com ansiedade principalmente pelo Ministério
da Saúde e pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).
A decisão foi criticada por diversas entidades, como o Cremesp (Conselho Regional de Medicina de São
Paulo) e o Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor). Um abaixo assinado com cerca de 600 mil
nomes foi levado ao Congresso pedindo que o projeto de lei fosse aprovado.
O Cremesp afirmou que, por causa do álcool, “famílias continuarão sendo dizimadas, a violência
doméstica continuará sendo frequente e o Brasil seguirá como o campeão em acidentes automobilísticos”.
Outra preocupação é o fato de as pessoas começarem a beber cada vez mais jovens. A pesquisa da
Unifesp apresentou outro questionário aos adolescentes. A idade média do primeiro consumo de bebida
alcoólica, no caso dos 67%que já haviam bebido, foi de apenas 13,8 anos. No Brasil, a venda de álcool a
menores de 18 anos é expressamente proibida.
Enquanto em diversos países do mundo a propaganda de bebidas alcoólicas é limitada por lei, em
outros, como o Brasil, o mercado de publicidade é autorregulado.
164
O Conar é uma ONG (organização não-governamental) formada por 180 conselheiros, entre
profissionais de publicidade e representantes da sociedade civil, que tem por objetivo fazer valer o código de
autorregulamentação publicitária.
A pesquisa mostrou, no entanto, que regras como a que proíbe relacionar o álcool à direção foram
respeitadas.
Tais perguntas são importantes para enfatizar que há uma discussão política. A
relevância do editorial escrito no dia seguinte está exatamente em posicionar-se contra a
postura dos deputados que se deixaram influenciar pela pressão de instituições particulares,
para o favorecimento de seus interesses e não em prol da sociedade. Nesse contexto, a
proibição da propaganda de cervejas ganha um cunho político e social que visa o bem
comum, e a instituição jornalística se posiciona a favor dessa restrição. Sem retomar esse
contexto, o editorial perde de fato a sua relevância.
FIGURA 40: Editorial Propaganda a ser limitada, Folha de S. Paulo, 11 maio 2008, p.A2.
1. A continuidade de um texto depende de como ele progride. Além dos articuladores entre
segmentos do texto, precisamos compreender como ocorre a progressão temática, ou seja,
como se dá a repetição/retomada de informações e a introdução de informações novas. A
informação dada é denominada de tema e a informação nova é o rema. A progressão está
no equilíbrio entre tema e rema. Para entendermos melhor, há quatro tipos de progressão
temática:
(a) Progressão com tema constante – informações novas são acrescentadas a um mesmo tópico.
(b) Progressão linear – o rema de um segmento passa a ser tema do outro, assim por diante.
(c) Progressão com salto temático – há a omissão de alguma informação, facilmente compreendida
pela relação estabelecida entre os outros segmentos.
(d) Progressão temática por subdivisão – a informação nova é subdivida em dois ou mais segmentos.
2. Retome a definição dada pelo Manual de Redação da Folha. O texto apresenta “com
concisão a questão de que vai tratar”? Por quê?
O texto é conciso e, por meio de saltos temáticos introduzidos na progressão textual, marca o
posicionamento do jornal.
3. Além da progressão temática, a coesão sequencial também está relacionada ao uso dos
articuladores textuais.
A conjunção mas.
“Louvar as virtudes reais ou imaginadas de abridores de garrafa não costuma levar jovens a
consumir quantidades crescentes de drogas psicotrópicas. Já a propaganda de cerveja o faz.”
Embora não seja uma conjunção, esse advérbio poderia ser substituído pela conjunção mas
sem alterar o sentido construído? Por quê?
O advérbio já poderia ser substituído por mas, pois também insere uma contraposição.
argumentos o jornal apresenta para validar seu ponto de vista e, assim, refutar a posição dos
parlamentares? As vozes presentes nesses argumentos contribuem para o efeito de
objetividade no texto?
Para validar que a proibição da propaganda de cervejas deve ser concretizada, o jornal
apresenta a definição do álcool como droga; expõe os resultados da pesquisa da OMS, que constatou o
número excessivo de mortes por conta do abuso etílico; insere a voz institucional da Secretaria
Nacional Antidrogas, apontando o número de dependentes e apresenta o artigo da Constituição Federal
que impõe restrições a esse tipo de propaganda.
A exemplificação da pesquisa e a citações das vozes da Secretaria Nacional Antidrogas e da
Constituição Federal contribuem para a objetividade do texto, pois insere posições institucionais,
portanto, coletivas e não individuais.
7. A conclusão condensa a posição adotada pelo jornal, conforme recomenda o Manual de
Redação da Folha (2001, p. 64)? Explique:
A conclusão condensa e marca a posição do jornal, deixando subentendido que a propaganda
influencia no consumo de drogas, validando, portanto, o posicionamento favorável à restrição de
propagandas de bebidas alcoólicas.
8. Não encontramos marcas linguísticas de primeira pessoa no editorial. Explique o sentido
criado pelo emprego da terceira pessoa. Exemplifique com marcas (pronomes, desinências
verbais) que comprovem sua resposta
O uso da terceira pessoa enfatiza o caráter de objetividade do texto, que, no editorial, funciona
como recurso de persuasão, pois mostra o posicionamento da instituição, que discute uma questão de
relevância social, e não um olhar particular. Exemplos: “É grande”; “isso [...] ocorrerá”; “O álcool é”;
“esses números deixam”; “prevê restrições”; “a propaganda de cerveja o faz”.
Recurso gráfico como marcador avaliativo
A marca avaliativa verbo-visual é uma forma de dar ênfase ao adjetivo e manter o texto
equilibrado ao mesmo tempo, pois evita marcas apreciativas como advérbios de intensidade (muito,
imensamente, etc.). O recurso visual dá a ideia de que o lobby das cervejarias tem muita influência nas
decisões parlamentares, ou seja, é realmente muito grande.
10. Você concorda ou discorda da argumentação construída no editorial? Justifique sua
resposta (Esperamos, nessa questão, que o aluno seja capaz de elaborar seu posicionamento).
169
Durante a atividade pode ser sugerida uma pesquisa de outros editoriais em jornais
diferentes, para comparar a posição fixa do jornal (seção e página) e a linguagem utilizada
em cada veículo. Pode ser solicitado que o aluno traga as páginas para sala de aula e, em
duplas ou trios, discutam os aspectos já estudados.
1. Pesquisem em jornais e revistas assuntos de cunho político e/ou social que sejam
relevantes para essa comunidade escolar.
3. Vocês são alunos-autores, por isso, façam a revisão das características do editorial e
escrevam uma primeira versão do texto.
5. Editorem o texto para publicá-lo. Combinem com a classe e com o professor como
será a divulgação dos textos. Sugerimos a elaboração de um mural com as notícias e
reportagens que mobilizaram a produção do editorial, acompanhado da revista
criada (o título da revista e até uma possível capa), do perfil editorial criado pelo
grupo e, com destaque, a produção do editorial.
Após essa atividade, pode ser inserido um aprofundamento quanto aos tipos de
progressão temática em diferentes gêneros, de modo que as atividades de produção escrita
sejam seguidas por atividades de reflexão sobre os usos da língua, ligadas a algum dos
aspectos estudados no gênero de foco. O objetivo é permitir que o aluno perceba que um
sujeito se apropria do mesmo recurso da língua em diferentes textos para produzir
diferentes sentidos.
outros leitores. Esses textos acabam por revelar o pensamento da sociedade sobre
determinados assuntos e, para a instituição jornalística, servem como avaliadores do
encaminhamento dado aos fatos e discussões.
Além da carta transcrita na coleção didática, destacamos que outra também faz
referência à notícia sobre a liberação do uso de células-tronco em pesquisa. O aluno pode
perceber diferentes pontos de vista diante dos fatos. Podemos considerar que o título
Células-tronco não é dado a uma carta, mas é uma organização gráfica que divide as cartas
publicadas pelos assuntos em referência, na qual a estrela marca o início de outra carta.
Seria importante perguntar para os alunos em que caderno, seção, página são publicadas as
cartas de leitores, quais outras seções aparecem na página, o que os títulos e subtítulos
sugerem e qual é a função dessas seções. Desse modo, é possível destacar que a página é
destinada à divulgação de opiniões, por meio do diálogo, do debate. O painel dos leitores é
referência explícita da participação ativa dos leitores no estabelecimento desse diálogo.
Fonte: Pesquisa “Perfil do Leitor 2000”, realizada pelo Datafolha, de 10/11 a 22/12/2000
A disputa é recuperada
verbo-visualmente pelo
confronto das fotos e
dos argumentos
utilizados.
Encadeamento textual
verbo-visual:
contraposição entre as
duas colunas.
O voto e o argumento
principal de cada
ministro
X
Comentário avaliativo
de Marcelo Leite
(Decisão do supremo já
chega caduca).
No lado direito da página, há duas colunas, sendo que a primeira traz o voto e o
argumento principal de cada ministro para justificar sua posição, já, na segunda, é inserido o
comentário avaliativo do colunista Marcelo Leite, cujo título é Decisão do supremo já chega
caduca. Marcelo Leite é jornalista, doutor em Ciências Sociais, especializado em jornalismo
científico. O jornal insere uma voz de autoridade para se posicionar diante da polêmica,
contrapondo a decisão, pois evidencia como ela está atrasada em relação a outros países.
É relevante retomar com os alunos por que o colunista chama a lei de caduca, quais
argumentos são utilizados para enfatizar que a lei no Brasil chegou atrasada, quais países
são citados, em que esse posicionamento se relaciona com a posição dos “competidores” da
“disputa” (“a favor” ou “parcialmente a favor”), ou seja, por que não existe posição
contrária. O leitor é encaminhado a perceber que não há, de acordo com as necessidades
mundiais atuais, quem discorde da pesquisa utilizando células-tronco, pois ela já é realidade
nos países mais avançados. Há, contudo, quem acredita ser necessário inserir restrições a
esse tipo de procedimento científico. Segundo Marcelo Leite: “mesmo quem discorda de dar
carta branca aos cientistas pode diagnosticar aí uma incapacidade crônica de decidir o que
fazer em sincronia com a própria época” (Folha de S. Paulo, 30 maio 2008, p. A15, grifo
nosso).
A relação entre o comentário de Marcelo Leite e a marca visual dos vitoriosos deixa
subentendido que muitas pessoas já poderiam ter sido beneficiadas por essas pesquisas,
caso o projeto de lei fosse regulamentado em sincronia com as necessidades da sociedade.
Como nas outras atividades, sugerimos que, aos poucos, os alunos possam apreender
uma prática significativa para a escrita, envolvendo as ações de adequar-se ao gênero,
planejar o texto, organizar sua sequência, articular suas partes, dialogar com os discursos
que circulam socialmente. Para isso, seria importante que o estudante transitasse pelos
recursos linguístico-discursivos, utilizados em torno de um dizer único e irrepetível, realizado
em contexto histórico específico. Para isso, propomos questões e possibilidades de
respostas que encaminham para a leitura das cartas de leitores selecionadas.
FIGURA 46: Cabeçalho da seção Painel do Leitor, Folha de S. Paulo, 31 maio 2008, p. A3.
Você é um leitor atuante! Escolha, tomando por base um artigo de jornal ou revista,
o assunto atual e polêmico sobre o qual queira manifestar sua opinião e como autor de uma
carta de leitor, posicione-se como cidadão.
3. Considere a retomada dos fatos referidos para situar a carta; marcar o ponto de
vista, acrescentando informações novas, por meio de exemplos, comparações,
etc.; utilizar expressões classificatórias, expressões nominais explicativas,
sinônimos.
argumentos, para escrever uma carta se posicionando em relação ao texto escolhido. A nova
produção pode ser enviada ao jornal ou revista para possível publicação.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No que se refere aos recursos da língua, a análise das atividades mostra que os eixos
didáticos da coleção, Produção de texto, Língua: uso e reflexão e Interpretação de textos, são
desenvolvidos separadamente. O eixo Língua: uso e reflexão, embora não esteja focalizado
na análise, sugere uma valorização dos aspectos prescritivos, sem estabelecer uma relação
com as propostas de escrita.
Do mesmo modo que não há escrita sem leitura, não há leitura nem escrita sem a
língua, pois ela constitui o aluno como sujeito atuante, autor, que domina recursos que
marcam sua posição e seu papel na sociedade. Pelo texto, no fluxo das interações
discursivas, materializado pela língua portuguesa, o aluno poderá se expressar sobre algo,
em uma dada situação e com objetivo específico. Na concepção bakhtiniana, a prática social
não permite que os indivíduos interajam com a língua apenas como sistema abstrato de
normas, mas como palavra carregada de conteúdo ou de sentido ideológico ou vivencial.
aos embates travados em nossa profissão, na busca por uma metodologia que contribua
para a escrita argumentativa de alunos do EM. Essa resposta não está acabada, pois aponta
para uma nova possibilidade de ensino de língua portuguesa, em uma perspectiva
enunciativo-discursiva, conforme surgem outras questões: como formar um aluno-autor,
considerando as esferas de atividades humanas e suas respectivas práticas discursivas? Que
práticas de escrita privilegiar? Sendo representantes das concepções de linguagem adotadas
oficialmente, os livros didáticos podem ser reorganizados assumindo de fato uma
perspectiva enunciativo-discursiva?
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ANEXOS
Anexo – CD-ROM
1. Proposta de produção de textos (Manual do Professor, Português: Linguagens, 2008)
2. Atividades de produção escrita de textos argumentativos (Português: Linguagens, 2008)