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FACULDADE DE LETRAS
GOIÂNIA
2021
DINETE ANDRADE SOARES BITENCOURT
GOIÂNIA
2021
RESUMO
A Deus, por conceder-me a vida, com saúde e disposição. A Ele que está sempre
comigo, principalmente, nas horas difíceis. À minha mãe, minha protetora “Nossa Senhora”,
pelas inúmeras vezes que sua proteção se estendeu a mim e à minha família.
Aos meus pais, Antônio e Maria (in memoriam), pela dádiva da minha Vida. Pelos
ensinamentos, para que eu me tornasse um ser humano com qualidades necessárias à vida e à
convivência com outras pessoas, ser quem eu sou. À minha mãe e primeira professora, que
não mediu esforços para proporcionar-me uma educação em tempos difíceis.
Ao meu esposo (in memoriam), a minha eterna gratidão por ter sido companheiro, por
dividir os choros comigo e se alegrar com as minhas/nossas conquistas. Pelas inúmeras vezes
que assumia os afazeres domésticos para que eu pudesse cumprir as obrigações estudantis e
profissionais. Estar ao meu lado quando os projetos não davam certos e nunca dizer: eu te
avisei. Por fazer parte da minha vida.
Aos meus filhos queridos Phellipe e Lucas Paullo, por serem meus confidentes,
carinhosos, compreenderem e ajudarem no meu processo de estudante principalmente nas
novas tecnologias, pelas muitas vezes que recorria a eles pedindo auxílio, e prontamente me
ajudavam. Por assumirem muitas vezes os afazeres domésticos para que eu pudesse
concentrar-me na minha pesquisa.
Aos professores, que com dedicação e sábias palavras proporcionaram a desconstrução
do já conhecido e a construção de conhecimentos novos importantes para o meu crescimento
intelectual. Prof. Dr. Agostinho Potenciano, Prof.ª Dr.ª Eliane Marques, entre outros.
Ao meu orientador professor Doutor Sinval Martins de Sousa, pela dedicação,
paciência e carinho. Pelas palavras de apoio, por compreender as minhas limitações, fazendo
sempre questionamentos pertinentes ao processo de escrita, com o objetivo de ampliar meus
conhecimentos. Por ser uma pessoa maravilhosa, com sorriso sempre aberto, sorriso esse que
renovavam minhas esperanças.
Aos professores Prof.ª Dr.ª Débora Magalhães Barros e Prof. Dr. Leosmar Aparecido
da Silva, pelas observações pontuais e relevantes durante o exame de qualificação.
Às minhas amigas Arminda, Elizete, as duas Edinalvas, Ana Brandão, que me
incentivaram com palavras conselhos, dicas para um melhor aprendizado. E, em especial,
minha amiga e irmã de coração, doutoranda em Estudos Linguísticos Livia Aparecida da
Silva, pela paciência em ler alguns escritos, ajudar, na direção das ideias, ser companheira de
conversas acadêmicas.
Enfim, a todos os meus amigos, que direta ou indiretamente colaboraram nessa
jornada.
A todos, minha eterna gratidão e
o meu muito obrigada!
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 11
2 CONCEPÇÃO DE LÍNGUA/LINGUAGEM, LETRAMENTO,
MULTILETRAMENTOS E O ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA ......................... 22
2.1 Concepção de língua/linguagem ...................................................................................... 24
2.2 Concepção de letramento ................................................................................................. 28
2.3 Letramento autônomo e letramento ideológico ............................................................. 30
2.4 Multiletramentos .............................................................................................................. 32
3 O LIVRO DIDÁTICO E A PEDAGOGIA DOS MULTILETRAMENTOS ................ 42
4 A BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR (BNCC) E O COMPONENTE
CURRICULAR DE LÍNGUA PORTUGUESA DO ENSINO FUNDAMENTAL ANOS
FINAIS..................................................................................................................................... 50
4.1 O COMPONENTE CURRICULAR LÍNGUA PORTUGUESA NOS ANOS FINAIS
NA BNCC ................................................................................................................................ 54
5 O LIVRO DIDÁTICO MANUAL DO PROFESSOR TECENDO LINGUAGENS E A
BNCC ....................................................................................................................................... 56
5.1 Competências gerais e específicas de Língua Portuguesa ............................................. 73
5.2 A obra na visão do Guia Digital 2020 ............................................................................. 77
6 CONSIDERAÇÕES TEÓRICO-METODOLÓGICAS CONJUGADAS COM OS
OBJETIVOS DA PESQUISA ............................................................................................... 81
7 O LIVRO DIDÁTICO DO 9º. ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL FRENTE AOS
MULTILETRAMENTOS ..................................................................................................... 87
7.1 Organização da Unidade 4 ............................................................................................... 89
7.2 Unidade 4 – Capítulo 7 – Texto e atividades – Texto 2 – Notícia e guia ...................... 91
7.2.1 Texto Notícia e Guia ...................................................................................................... 91
7.3 Unidade 4 – Capítulo 8 – Texto 2 – Letra de canção ................................................... 102
7.3.1 Atividade da seção “Por dentro do texto” ................................................................. 105
7.3.2 Atividades 2 e 3 da seção “Por dentro do texto” ....................................................... 107
8 APONTAMENTOS PARA O ENSINO APRENDIZAGEM NA PERSPECTIVA DOS
MULTILETRAMENTOS ................................................................................................... 114
9 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................ 119
REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 123
11
1 INTRODUÇÃO
dos objetos de ensino de produção de texto, com o enfoque na produção de texto, entendendo
como tais práticas e objetos de ensino, construídos socio-historicamente e legitimados
culturalmente, estão interligados discursivamente para formar um objeto cultural complexo.
Na minha dissertação, por sua vez, busco compreender o livro didático como gênero
discursivo. Outra dissertação com igual importância é a da autora Iscarlety Matias do
Nascimento (2018), com o título Abordagem da gramática nos livros didáticos de Língua
Portuguesa: os Parâmetros Curriculares Nacionais promoveram mudanças? Tal trabalho
tem como objetivo discutir sobre a abordagem da gramática nos livros didáticos de língua
portuguesa, buscando analisar se os Parâmetros Nacionais Curriculares (1998) são seguidos
na proposta de ensino de português nos livros didáticos. O resultado apresentado é o de que
poucas foram as mudanças ocorridas no ensino de gramática após a implementação dos
PCNS, prevalecendo, ainda, um estudo tradicional em detrimento de uma análise reflexiva da
língua em uso. Levando em conta tal pesquisa, procuro, no meu trabalho, verificar se os
multiletramentos são explorados nos textos e nas atividades do Livro Didático de língua
portuguesa, visto que a teoria dos multiletramentos defende o ensino voltado para a reflexão
da língua no contexto social. Por sua vez, a pesquisa intitulada Livro de Língua Portuguesa:
contribuições práticas de multiletramentos no Ensino Médio, de Neidson Dionísio Freitas de
Santana (2018), teve como objetivo discutir sobre como o/a professor(a) de língua portuguesa
poderá promover os multiletramentos em sala de aula, a partir do trabalho com o livro
didático. A pesquisa conseguiu chegar num resultado que estabeleceu parceria entre Escola
Básica Pública e Universidade para a produção de novos conhecimentos e propostas de
formação, favorecendo-se a ampliação de saberes e a mobilização de habilidades e
competências docentes acerca do ensino e da aprendizagem de língua portuguesa, tomando o
livro didático como recurso pedagógico para a promoção dos multiletramentos. Tendo em
vista os objetivos de cada trabalho, em minha dissertação analiso se os multiletramentos são
levados em consideração nos textos e nas atividades à luz da teoria de Rojo e Bakhtin,
trazendo apontamentos que não foram contemplados pelas autoras do livro manual do
professor, com o objetivo de ampliar as possibilidades de atividades na perspectiva dos
multiletramentos.
A leitura dos três trabalhos citados proporcionou, cada um na sua especificidade, uma
contribuição significativa e relevante para o desenvolvimento da minha pesquisa. Todavia,
ressalto que a minha pesquisa apresenta um viés diferente das três pesquisas citadas, visto que
busco verificar se os multiletramentos são levados em consideração nos textos e nas
atividades analisadas de um livro didático manual do professor que foi escolhido pelo PNLD
14
Assim sendo, antes do primeiro capítulo, procuro problematizar a pesquisa com base
nas teorias mobilizadas para o seu desenvolvimento, averiguando a importância dos gêneros
discursivos no trabalho com a língua portuguesa e a noção de multiletramentos.
Segundo Bakhtin (1992), a linguagem está intrinsecamente ligada às atividades
humanas. Para esse estudioso, todo e qualquer estudo relacionado à natureza do enunciado
dos diversos campos das atividades humanas é de extrema importância, uma vez que todo
trabalho que investiga um material linguístico concreto opera com enunciados concretos. As
manifestações linguísticas são diversificadas por estarem relacionadas a muitas esferas das
atividades humanas. Assim, segundo esse filósofo, “cada esfera de utilização da língua
elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados, sendo isso que denominamos
gêneros do discurso” (BAKHTIN, 1992, p. 280).
Na sociedade atual, as atividades humanas dão origem a variados tipos de gêneros do
discurso, ou seja, textos com padrões textuais constituídos por três elementos: o conteúdo
temático, o estilo e construção composicional. E estes se modificam conforme a necessidade
da sociedade.
Segundo Rojo e Barbosa, as práticas sociais e as atuações humanas não se dão na
sociedade de forma desorganizada e selvagem, mas
Portanto, o ensino de línguas tem como objeto de ensino o trabalho com os gêneros do
discurso. Sendo assim, endosso essa reflexão sobre a importância do trabalho com gêneros,
pois é através dos gêneros que as práticas de linguagem se materializam nas atividades dos
aprendizes. Nessa perspectiva, o que a esfera/campo delimita é um extenso leque de
possibilidades; gêneros variados que se ampliam à medida que a esfera/campo se expande.
16
O livro didático é um gênero, por exemplo, que passou por uma série de
transformações ao longo do tempo histórico. Para além da Carta do ABC e da
Tabuada, nas décadas de 1950 e 1960, estudávamos em compêndios de gramática e
em antologias, e os professores davam aula. A maior parte desses gêneros (com
exceção talvez do compêndio de gramática) desapareceu das escolas porque a
esfera/campo escolar mudou. Foi justamente a junção desses três gêneros (manual
de gramática, antologia e aula) que deu origem ao que hoje chamamos por livro
didático (ROJO; BARBOSA, 2015, p. 69).
Nessa linha de pensamento, Rojo e Barbosa (2015) dizem que Bakhtin chama a
atenção para o fato de que os gêneros são apenas relativamente estáveis: mudam de acordo
com diferenças culturais, transformam-se historicamente no tempo e são flexíveis. São tipos
17
Dessa forma, o aluno interage com diferentes gêneros discursivos e se envolve nas
inúmeras e variadas práticas sociais de leitura e escrita em seu contexto social. Pois, segundo
Rojo e Barbosa, os gêneros, enquanto formas historicamente cristalizadas nas práticas sociais,
fazem a mediação entre a prática social ela própria e as atividades de linguagem dos
indivíduos (2015, p. 107). Os gêneros, portanto, intermedeiam e integram as práticas às
atividades de linguagem. São referências fundamentais para a construção das práticas de
linguagem. Como tal, segundo a autora, do ponto de vista da aprendizagem escolar, são
megainstrumentos que fornecem suporte para as atividades de linguagem nas situações de
comunicação e que funcionam como referências para os aprendizes.
Levando em consideração as mudanças das últimas décadas, é necessário pensar que
sempre surgem novas formas de ser, de se comportar, de discutir, de relacionar, de se
informar e de aprender. E, diante dos novos tempos, das novas tecnologias, dos novos textos e
das novas linguagens é preciso pensar e levar em conta os multi e novos letramentos, as
práticas, procedimentos e gêneros em circulação, nos ambientes escolares na sociedade e no
mundo.
Tendo em vista essas considerações, e diante do exposto, penso na importância de
analisar se os multiletramentos são explorados no livro didático a partir dos gêneros
discursivos e das atividades relacionadas a ele. Posto isso, passo a apresentar o conceito de
multiletramentos.
Segundo Rojo (2012), o conceito de multiletramentos foi criado pelo Grupo de Nova
Londres em 1996, associando-o à multimodalidade e à multiculturalidade para criar um novo
conceito: multiletramentos – o qual une o letramento de caráter multimodal e multicultural.
Portanto,
importantes: eles são interativos; mais que isso, eles são colaborativos; eles fraturam
e transgridem as relações de poder estabelecidas, em especial as relações de
propriedade (das máquinas, das ferramentas, das ideias, dos textos (verbais ou não);
eles são híbridos, fronteiriços, mestiços (de linguagens, modos, mídias e culturas).
(ROJO, 2012, p. 13).
[e]mbora letramento seja o objeto de estudos dos NLS e dos Multiletramentos, este
apresenta um enquadramento teórico que o distingue daquele. Seu foco de atenção
está centrado primordialmente no ensino do letramento, ou melhor dizendo, dos
multiletramentos. Para esse fim, os teóricos formulam conceitos-chave à luz das
profundas mudanças instauradas pelo ‘novo capitalismo’ e a ampla tecnologização
que o acompanha. O conceito de Design de sentidos é o eixo estruturador de toda a
teoria dos Multiletramentos, pois é por meio desse conceito que a teoria instanciará
concepções de construção de sentido, interesse, agenciamento e multimodalidade,
primordiais para o ensino requerido na contemporaneidade e explicitadas no
decorrer do texto (2013, p. 105-106).
Nesse sentido, a autora afirma que “Design” é o entendimento, ou seja, a ideia de uma
linguagem de aprendizagem de mundo, e está claro que se constitui um ato de construção do
sentido. Assim o agente passa a ser “design” de sentidos e não um simples reprodutor de
habilidades e competências. Nessa perspectiva, a autora coaduna com Bakhtin dizendo que os
sentidos são constituídos por dimensões socioculturais e ideológicas, dependentes de
contextos diferenciados. Portanto, um conceito ideal e atual para as demandas educacionais
sociais, pois o sujeito de que fala a teoria dos multiletramentos é um sujeito que ressignifica a
sua realidade. O design representa o sentido de movimento, onde os agentes sociais
estabelecem diferentes tipos de interação e de interlocução comunicativa, e a partir de
diversificados enunciados. Assim sendo, o sujeito não fica estático, contra as noções inertes
da aquisição das competências. Com isso, supõe-se aqui um sujeito dinâmico, criativo, que
inova com interesse e motivação na produção de sentido.
Dessa forma, fica claro que a teoria dos multiletramentos comunga com a teoria de
Bakhtin, concernente à aprendizagem, pois esta leva em consideração o contexto social,
histórico e cultural do sujeito. Os autores até aqui citados enfatizam a necessidade de levar em
20
consideração a cultura do meio social que os sujeitos atuam. Ao abordar sobre esse assunto,
Canclini (1997) fala da importância da miscigenação das culturas, pois estas proporcionam
um ganho potencial na comunicação e no conhecimento. Assim, ao concluir seu livro
Culturas híbridas poderes oblíquos ele nos diz que
[...] as hibridações descritas nos levam a concluir que hoje todas as culturas são de
fronteira. Todas as artes se desenvolvem em relação com outras artes: o artesanato
migra do campo para a cidade; os filmes, os vídeos e canções que narram
acontecimentos de um povo são intercambiados com outros. Assim as culturas
perdem a relação exclusiva com seu território, mas ganham em comunicação e
conhecimento (1997, p. 29).
Lemke, quando esta afirma que “não são os novos textos multissemióticos, multimodais ou
hipermidiáticos que colocam desafios aos leitores, mas, as práticas escolares de leitura e
escrita que já eram insuficientes mesmo na era do impresso” (LEMKE apud ROJO, 2012, p.
22).
Portanto, diante da importância de explorar os multiletramentos no processo de ensino
e aprendizagem de Língua Portuguesa, desenvolvo esta pesquisa para verificar se os
multiletramentos são trabalhados a partir dos gêneros discursivos e das atividades
relacionadas a eles no livro didático (LD) - manual do professor - Língua Portuguesa, do 9º
ano do ensino fundamental, escolhido pelo Programa Nacional do Livro Didático PNLD
2020.
Segundo Rojo e Barbosa (2015), o Grupo de Nova Londres defende a ideia de que as
diferenças de gênero, de cultura e de língua não devem ser uma barreira para uma educação
adequada. Diante de uma realidade em que se observam mudanças nas mais diferentes esferas
da vida, o Grupo de Nova Londres tem a oportunidade de ampliar seus conhecimentos
rompendo as barreiras impostas pelas diferenças e pela rapidez com que as mudanças se
processam. Nessa direção, para aprofundar e falar das teorias que embasam a minha análise,
busco compreender, no capítulo seguinte, as concepções de língua/linguagem, letramento e
multiletramentos.
22
Percebe-se que essa concepção é pautada na escrita da norma culta, e tem o texto
como ferramenta para ensinar o que está certo ou errado nessas regras, deixando de lado a
oralidade, um eixo importante para o desenvolvimento de habilidades cognitivas. Soares
(1998) mostra que essa concepção caracterizou o ensino de língua em nossas escolas durante
um longo período como um sistema fechado, deixando transparecer que a linguagem escrita
deveria ser encarada como algo intocável ou até mesmo imutável, daí essa primeira
concepção da linguagem ter tanta aceitabilidade nas escolas durante um longo período.
Entende-se com isso que o conhecimento e o esclarecimento sobre uma concepção de
linguagem e língua podem transformar a prática do trabalho pedagógico em sala de aula
quando falamos em ensino da língua. Por isso, é de extrema importância o conhecimento e o
domínio das teorias sobre a linguagem.
Na segunda concepção, a linguagem como instrumento de comunicação e o ensino
descritivo da língua, a linguagem é vista como um código pronto (ARAÚJO; SOUSA FILHO;
LIMA, 2018) à disposição dos usuários, que a utilizarão como mero instrumento de
comunicação. Por meio desta compreensão de linguagem, de acordo com Travaglia, a língua é
25
vista como um código, isto é, um conjunto de signos que se combinam segundo regras (2002,
p. 22). Dessa maneira, para a comunicação ser efetiva, é necessário que o emissor e o receptor
dominem os códigos. Assim, outros teóricos como Marcuschi veem que
construção interativa. Estes estudos estão no esteio da concepção que vê a linguagem como
processo de interação. A esse respeito, Araújo, Sousa Filho e Lima afirmam:
[...] assim, a linguagem é vista como processo de interação, a língua é usada não
apenas para a comunicação, mas, também, para estabelecer a interação social (agir
sobre agir entre). O indivíduo realiza ações, atua sobre o interlocutor. Considera-se
os contextos social, histórico e ideológico. A linguagem é, pois, um lugar de
interação humana, de interação comunicativa pela produção de efeitos de sentidos
entre interlocutores, em uma dada situação de comunicação e em um contexto socio-
histórico e ideológico (2011, p. 92).
Logo, é preciso ter a compreensão das duas dimensões de aprendizagem e fazer uso
consciente tanto da alfabetização quanto do letramento para o processo de ensino e
aprendizagem da língua. Saber diferenciar as especificidades de cada uma das duas dimensões
promove uma ação pedagógica mais eficiente. Segundo Rojo (2012), uma parcela
significativa da população brasileira com acesso à escolaridade não é de leitores. Além disso,
a população letrada pertence às elites intelectuais. Para reflexão sobre essas ideias, Rojo
afirma:
Para Rojo (2004), a escola é repetidora dessa desigualdade entre letrados e não
letrados através das práticas de valoração dos textos/gêneros escolares. E, para que haja
mudança dessa prática, é importante que a escola leve em consideração a gama diversificada
de textos/gêneros discursivos que circulam na sociedade, além de avaliar as posições
ideológicas diante do contexto em que o indivíduo está inserido. O ato de ler não pode ser
desassociado das práticas sociais diante das novas exigências da sociedade, é preciso repensar
o ensino da leitura e da escrita, fazendo do cidadão protagonista da sua própria história,
30
inserindo-o no contexto social em que vive. Comungando das ideias de Rojo (2004), o
Ministério da Educação Secretaria de Educação Básica entende a alfabetização
2.4 Multiletramentos
introduzir gêneros do discurso de novas tecnologias, novas mídias, variadas linguagens, pois
entende-se que os textos produzidos a partir de muitas linguagens que exigem capacidades,
práticas de compreensão e produção delas para determinar uma definição são descritos como
multimodais ou multissemióticos.
Rojo (2012) ressalva que são fundamentais novas ferramentas de vídeo e áudio,
tratamento da imagem, edição e diagramação, já que as escritas manuais e impressas por si só
não são suficientes para o estabelecimento dos multiletramentos. E completa dizendo que a
transgressão estabelecida pelas relações de poder são características dos multiletramentos: A
estudiosa afirma ainda que
[...] então, se refere ao modo como as pessoas fazem uso de recursos de significação
disponíveis em um dado momento em um ambiente específico de comunicação para
realizar seus interesses. Da mesma forma como são teorizados pelos NLS, os
sentidos são constituídos por dimensões socioculturais e ideológicas, que variam
enormemente de um contexto a outro. Por isso, o conceito de Design é, segundo essa
teoria, central para a constituição de um currículo escolar atualizado com as novas
tendências sociais. (2013, p. 106).
De acordo com o que foi exposto, a teoria dos multiletramentos vem ao encontro da
teoria de Bakhtin, que nos remete à compreensão de que o que importa na comunicação é a
interação dos significados das palavras e seu conteúdo ideológico, bem como as condições de
produção e da interação locutor/interlocutor. Logo, não existe discurso sem sujeito, nem
sujeito sem ideologia. Há uma relação entre a linguagem e o mundo, e essa relação somente é
possível porque existe a intervenção da ideologia (modo de funcionamento imaginário) e o
indivíduo, que, norteado pela ideologia, torna-se sujeito de seu próprio discurso. Com isso, a
linguagem, inserida em um contexto social, histórico e cultural, realiza-se e faz sentido.
Bakhtin (1992) afirma que a alteridade se constitui no ser humano, e nessa constituição o
“outro” é primordial, visto que esse sujeito se constitui na e através da interação,
reproduzindo na prática e na fala o contexto social e imediato. Nessa perspectiva, Bevilaqua
faz uma contribuição dizendo que
Portanto, o sujeito de que fala a teoria dos multiletramentos é um sujeito que não vive
um processo de construção e reprodução, mas de ressignificação da sua realidade. O design
representa o sentido de movimento, que não fica estático, contra as noções inertes da
aquisição das competências. Com isso, supõe-se aqui um sujeito dinâmico, criativo, que inova
com interesse e motivação na produção de sentido. Dessa forma, fica claro que a teoria dos
multiletramentos comunga com a teoria de Bakhtin, no que diz respeito à aprendizagem, que
leva em consideração o contexto social, histórico e cultural do sujeito.
É pertinente salientar as contribuições das teorias abordadas neste capítulo para o
ensino da língua portuguesa. Penso ser necessário para os profissionais da educação a
compreensão dessas concepções para a ampliação do conhecimento no processo da prática
pedagógica e no desenvolvimento da aprendizagem dos estudantes. Ter o conhecimento das
três concepções – a linguagem como expressão do pensamento, e o ensino
prescritivo/normativo; a linguagem como instrumento de comunicação (ferramenta de
comunicação) e a linguagem como meio de interação – é um conhecimento que ajuda diante
dos desafios propostos pela ação de ensinar a língua portuguesa, desenvolver a concepção que
significativamente proporciona um melhor desenvolvimento do processo ensino
aprendizagem dos estudantes. Somente assim é possível compreender que os atos de leitura e
escrita não são realizados mecanicamente, mas são associados às práticas sociais, e que os
estudantes são sujeitos que vivem num contexto, carregam suas histórias e convivem em uma
sociedade que tem sua própria cultura.
Tendo em vista essas considerações, creio que na sociedade contemporânea, diante de
uma gama de informações disponíveis, o conhecimento da concepção de linguagem como
meio de interação e da teoria do letramento e dos multiletramentos contribui de forma global e
integral para o desenvolvimento de sujeitos criativos e com habilidades para se
desenvolverem cognitiva e socialmente perante as exigências sociais. Nesse sentido, as teorias
aqui citadas contribuem efetivamente para o ensino da língua portuguesa, já que se
contrapõem às concepções tradicionais de ensino.
Entender que a linguagem faz parte da interação social é um ponto positivo da Base
Nacional Curricular Comum (BNCC) (BRASIL, 2017). Esse importante documento norteia
os currículos escolares e, consequentemente, as propostas pedagógicas na prática escolar.
Como aborda Bakhtin, a língua faz parte da realidade viva e jamais pode ser desassociada do
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contexto ideológico, visto que esse contexto é o principal orientador dos livros didáticos, dos
documentos oficiais e do ensino da língua materna, principalmente no Brasil. Bakhtin (1997)
diz que a língua é viva, produzida na história e produtora de história, revelando-se nas
diversas práticas sociais por meio do gênero do discurso. Geraldi (2015), no artigo “O Ensino
da Língua Portuguesa e a Base Nacional Comum Curricular”, comenta que na área da
linguagem assumimos oficialmente uma concepção de linguagem como forma de ação e
interação no mundo. Nessa direção, Rojo (2012) afirma que os letramentos têm foco nas
práticas de linguagem. Nesse sentido, para Bakhtin (2017), o sujeito é aquele que estabelece
relação com o outro e expõe marcas do social do ideológico e do histórico nas atividades
existenciais.
Conforme Bakhtin (2017), a linguagem é considerada produção da humanidade e
constituída, portanto, como prática social. Através dela, o homem tem a possibilidade de
fazer-se sujeito, capaz de construir sua trajetória, tornando-se, assim, um ser histórico e social.
Desse modo, a linguagem vai além de sua dimensão comunicativa, pois os sujeitos se
constituem por meio das interações sociais. A BNCC nos proporciona refletir sobre os
gêneros do discurso teorizados por Bakhtin. Em suas teorias, observa que a linguagem se
materializa por meio de enunciados concretos, numa articulação do interior e do exterior na
objetivação da expressão, levando em consideração o sujeito, a história, as situações de
produção, circulação e recepção. Nessa perspectiva, Rojo (2016), considerando a linguagem
como dinâmica, afirma que os novos letramentos modificam os valores. Portanto, visando à
autonomia dos sujeitos envolvidos no processo de ensino aprendizagem, a escola pode ter
mais êxito se adotar a perspectiva dos novos letramentos, especialmente dos que dizem
respeito aos multiletramentos. A BNCC (BRASIL, 2017) trata dos multiletramentos, das
diversidades de mídias, e sugere que eles podem servir como meio para a articulação das
linguagens e culturas locais, conforme disposto a seguir:
linguagens (ou modos ou semioses exigem práticas de compreensão e produção de cada uma
delas (multiletramentos) para ter significado.
O GNL, segundo Rojo (2012), considera a proposta da pedagogia dos
multiletramentos de grande interesse imediato e condiz com os princípios de pluralidade
cultural e de diversidade de linguagens. A referida pedagogia apresenta alguns movimentos
“pedagógicos para que o ensino aprendizagem seja levado a efeito: prática situada, instrução
aberta, enquadramento crítico e a prática transformada” (2012, p. 30). Nessa perspectiva, Rojo
especifica cada um dos movimentos pedagógicos. A prática situada tem um significado
particular bem específico, que remete a um projeto didático de imersão em práticas que fazem
parte das culturas dos estudantes e nos gêneros e designs disponíveis para essas práticas,
relacionando-as com outras, de outros espaços culturais (públicos, de trabalho, de outras
esferas e contextos). Sobre essas se exerceria então uma instrução aberta, ou seja, uma análise
sistemática e consciente dessas práticas vivenciadas e desses gêneros e designs familiares ao
alunado, bem como de seus processos de produção e de recepção. Nesse momento é que se dá
a introdução do que chamamos critérios de análise crítica, a de uma metalinguagem e dos
conceitos requeridos pela tarefa analítica e crítica dos diferentes modos de significação e das
diferentes “coleções culturais” e seus valores. Tudo isso se dá a partir de um enquadramento
dos letramentos críticos que buscam interpretar os contextos sociais e culturais de circulação e
produção desses designs e enunciados. Visa-se, como instância última, à produção de uma
prática transformada, seja de recepção ou de produção/ distribuição (design) (ROJO, 2012, p.
30, grifos da autora).
Tendo em vista essas considerações, é possível pensar que os multiletramentos com
base nos gêneros do discurso auxiliam a promoção de uma educação com qualidade na
construção de uma escola democrática. Assim sendo, é relevante pensar que os materiais
didáticos centram-se principalmente no livro Didático de Língua Portuguesa (LDP), de tal
modo que este sempre foi e continua sendo, para muitos professores, os único material
pedagógico acessível de ser trabalhado com os estudantes. Qualifiquem a educação brasileira,
proporcionando a materialização desses conceitos nas atividades, pois, os multiletramentos
possibilitam a inserção dos estudantes em outras esferas sociais no desenvolvimento da
cidadania plena. Partindo da ideia de Dudeney, Hockly e Pegrum (2016), o apelo à promoção
de habilidades próprias do século XXI, tais como: criatividade, inovação, pensamento crítico,
capacidade de resolução de problemas, colaboração, trabalho em equipe, autonomia,
flexibilidade e aprendizes permanentes, exige um domínio dos letramentos, principalmente
dos digitais.
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Assim, as estudiosas deixam claro que há uma certa ligação entre as concepções da
Pedagogia dos multiletramentos e a concepção dialógica do Círculo de Bakhtin. Entendo que
as duas concepções ajudam multissemioticamente na compreensão e transformação dos
significados, pois estão voltadas para a comunicação e para a relação do eu com o outro, tanto
quanto nas mudanças de direção das práticas de letramento da contemporaneidade. No
enunciado seguinte, as autoras reforçam a importância de uma educação voltada para os
multiletramentos:
Dessa forma, ao propor uma prática pedagógica voltada para a pedagogia dos
multiletramentos, fazemos um (re)desenho do que já existe, daquilo que faz parte do
cotidiano, transformando-o quando os significados são construídos para uma possível
transformação da realidade que também valoriza a diversidade cultural. Para Volóchinov
(2017), do Círculo de Bakhtin, a língua no processo de sua realização prática não pode ser
separada do seu conteúdo ideológico ou cotidiano, e a língua é real apenas no diálogo. Para o
teórico, o
Nessa perspectiva, pode-se afirmar que o discurso é dialógico e que o livro didático,
através dos gêneros discursivos das diversas esferas sociais, dialoga com o estudante. E, nessa
41
relação concreta com a situação, a comunicação discursiva é sempre acompanhada por atos
sociais. De acordo com Bakhtin (2018), a língua vive e se forma historicamente justamente
aqui, na comunicação discursiva concreta. Bevilaqua, em “Novos estudos do letramento e
multiletramentos: divergências e confluências”, complementa a ideia até aqui discutida,
afirmando que o conceito de design apresenta, como já dissemos, uma dupla e feliz
coincidência de sentidos: estrutura (sistemas, formas e convenções de sentido) e ato de
construção de sentido (processo criativo pelo qual o sujeito, definido como meaning-maker,
ou produtor de sentido, constrói e representa sentidos, passando a agente, designer de sentidos
e não simples receptor de habilidades e competências) (BEVILAQUA, 2013, p. 106).
Assim, é pertinente pensar que a prática pedagógica voltada para a pedagogia dos
multiletramentos tanto é possível e viável como também necessária, pois proporciona o
desenvolvimento dos estudantes, tornando-os sujeitos pensantes, produtores de sentido
transformadores da realidade, bem como propicia a compreensão dos processos para a
construção de textos, imagens, pinturas, músicas, entre outros. Nessa perspectiva, o sujeito é
capaz de identificar, compreender os diferentes e múltiplos letramentos, fazendo uso dos
recursos de significação na sala de aula através dos gêneros discursivos e da multimodalidade,
dos múltiplos e diversificados modos semióticos que já fazem parte da sociedade tecnológica.
Segundo Beviláqua (2013), na perspectiva dos multiletramentos, a cada novo processo de
Design, o sujeito produtor de sentido mobiliza recursos de sentidos disponíveis, os quais
acrescentam suas especificidades e peculiaridades construídas na interação social, o que
configura sua identidade, motivação e interesse, resultando sempre em um novo recurso
recriado, transformado, nunca meramente reproduzido. Conforme Rojo (2013), a prática
pedagógica apoiada pelas novas tecnologias favorece o ensino aprendizagem sob a
perspectiva dos multiletramentos, porque facilita a construção multimodal e a diversificação
de diferentes situações de interação socioculturais.
Diante do exposto, penso que o LD tem um papel importante na viabilização das
leituras, principalmente de textos escolares, visto que tem o papel organizacional de
atividades que se apresentam em unidades, capítulos, seções, subseções – um seguimento
progressivo dos conteúdos. Além disso, influencia a prática didática do professor através das
concepções metodológicas de ensino.
Tendo em vista essas considerações, faço a seguir um breve olhar para o livro didático
e para a Pedagogia dos multiletramentos.
42
Diante do exposto, quanto à posição de Oliveira Rangel sobre o LD ser, ainda hoje,
peça importante na realidade brasileira, visto que em muitas escolas ainda predomina o uso do
LD para nortear a prática pedagógica de vários professores, cabe ressaltar que, para o LD ser
um instrumento legítimo, o professor é a peça fundamental para um trabalho significativo na
prática de sala de aula, já que é ele quem vai contextualizar e estabelecer as propostas
pedagógicas do livro didático.
Como já dizia Brito (1997), os livros didáticos funcionam como “antenas da
sociedade”, incorporando para si a tarefa de estabelecer uma ponte entre as instâncias
produtoras do conhecimento e o processo pedagógico, sistematizando e didatizando os
saberes que a cada momento histórico se definem como necessários. Segundo esse mesmo
autor, embora o livro didático esteja alinhado às diretrizes curriculares e aos documentos
43
oficiais, perde muito quando fica na superficialidade. De acordo com Brito (1997), a questão
central, entretanto, está mais no tratamento ideológico dos temas selecionados, na relação que
se estabeleceu entre o livro didático e a prática pedagógica, relação esta que interfere
intensamente no estabelecimento dos conteúdos e programas, nas práticas de ensino e na
própria dinâmica do cotidiano escolar. [...] Numa perspectiva ingênua, seus conteúdos
manifestam uma espécie de consenso social daquilo que todo cidadão deve saber. No entanto,
como o programa e a organização escolar são objetivamente fruto das disputas e
compromissos sociais, os livros didáticos tendem a trazer apenas a versão autorizada, que
corresponde à visão de mundo das forças políticas-sociais dominantes (BRITO, 1997, p. 252-
253).
Reiterando a afirmação do autor, sobre a relação estabelecida entre o livro didático e a
prática pedagógica, na manifestação de seus conteúdos, os estudos ao longo do tempo têm
mostrado que as mudanças são vagarosas, e que a produção de um livro didático não se
resume à uma transposição de conceitos teóricos, mas envolve um enredado processo de
negociação; outras forças além das dos autores. Consoante a isso, Faria (1989) diz que as
consequências da perspectiva ideológica, no campo educacional, são a chave para uma
regressão ou para um progresso humano, na medida em que se encontram ou não os caminhos
que possibilitem a plena liberdade. A autora ressalta que, nas sociedades modernas, a
estrutura do poder pode desencadear toda uma série de medidas que atingem, direta ou
indiretamente, o sistema educacional de um país, orientando, em função de interesses de
grupos ou de classes, o trabalho educacional, este que, por sua vez, não deveria estar
vinculado ideologicamente. Dessa forma, o livro didático, ao longo dos anos, tem se prestado
à manutenção dos conceitos idealizados por aqueles que detêm o poder e não querem dele se
afastar, procurando, através do processo educacional, manter e, se possível, ampliar sua
atuação como detentor hegemônico desse poder. A função da ideologia é a de apagar as
diferenças, como as de classe, e de fornecer aos membros da sociedade o sentimento de
identidade social, encontrando certos referenciais identificadores de todos e para todos. A
autora ressalta ainda que o livro didático desconhece o processo histórico, desconhece
também a ação recíproca entre a infra e superestruturas, a determinação da infraestrutura e a
autonomia relativa da superestrutura (FARIA, 1989, p. 56).
Portanto, ideias, valores, regras de conduta são representações designadas às pessoas
da sociedade, a respeito de como pensar, valorizar, sentir e fazer. Segundo Faria (1989), a
função da ideologia é justamente apagar as diferenças como classe, e prover aos membros da
sociedade o sentimento de identidade social, ou seja, encontram-se certos referenciais
44
identificadores de todos e para todos como a noção de nação, liberdade, humanidade. Para
Faria (1989), a ideologia implícita aos textos didáticos tem o objetivo real produzir um mundo
parcialmente coerente, justo e belo, no nível da aparência, e assim mascarar um mundo real,
que, contraditório e injusto, é necessário para os interesses das classes soberanas.
A ideologia veiculada nos livros didáticos, através de determinadas práticas, pode
transmitir ideias, conhecimentos, transformando ou conservando a realidade, na mediação
entre teoria e prática. O livro didático assim elaborado desconsidera o indivíduo, o sujeito de
fato. É construído a partir de uma imagem que se cria de quem são os alunos que estão
naquele ciclo. Não consegue trabalhar com o sujeito real. Portanto, pressupõe-se que o livro
didático é supressivo, excludente, pois desconsidera as especificidades, a historicidade, as
condições de vivência que esse sujeito vive. Não permite a construção da autonomia.
Nesse contexto, é fundamental que o professor conheça o conteúdo do livro didático,
para poder utilizá-lo de outras formas no dia a dia da sala de aula, no desenvolvimento e
mudanças dessa concepção.
Faria ressalta que, enquanto não se tem um novo livro didático, de qualidade, que
reflita a realidade da vida cotidiana, deve-se fazer bom uso do livro que aí está (1989, p. 80).
Segundo a autora, ele é um mal necessário, já que de alguma forma facilita o trabalho do
professor. Concordo com a referida autora, pois, o livro didático é, em determinadas
situações, o único livro que circula dentro das casas de algumas famílias brasileiras, portanto
um objeto de leitura necessário.
Diante do exposto, penso se seria possível um livro didático, com demanda nacional,
oferecer uma proposta que atenda aos interesses dos estudantes na perspectiva de que o
conhecimento seja significativo, para suas vidas, dentro e fora da escola, que leve em
consideração os aspectos sociais e culturais e, ao mesmo tempo, que contemple além das
orientações dos documentos oficiais as perspectivas à luz das novas teorias?
Trazendo esta inquietação ao nosso foco de interesse, isto é, o livro didático e a
pedagogia dos multiletramentos, faço um parêntese no sentido de pensar se as concepções de
língua/linguagem, letramento e de multiletramentos, vistas no primeiro capítulo, são
veiculadas ou não nos livros didáticos, e especialmente no livro em análise da coleção
Tecendo Linguagem. Porém, antes, busco outra reflexão relevante, discutida pela autora
Chinaglia (2016), sobre outras três abordagens que têm orientado as práticas educacionais e
que possivelmente estão, também, enraizadas nos livros didáticos, são: a mimesis, a synthesis
e a reflexibilidade; que, ao meu entendimento, estão interligadas com as concepções de
língua/linguagem citadas anteriormente nessa dissertação, e que julgo pertinentes para a
45
Chináglia (2016), este processo do ensino aprendizagem dos Designs pode ocorrer em quatro
etapas. A Situated Practice (Prática Situada) é a imersão dos alunos no contexto de
significação, considerando suas identidades, necessidades socioculturais, experiências e
conhecimentos prévios. A Overt Instruction (Instrução Explícita) é a intervenção do professor
e outros especialistas para explicitar e sistematizar informações conceito e termos importantes
dos Designs Disponíveis. Nesta etapa, há o uso da metalinguagem, reflexão e análise da
linguagem e sua forma, bem como de seus conteúdos, significação e função social. Já a
Critical Framing (Enquadramento Crítico) é a etapa de interpretar, entender e tomar
consciência das relações históricas, sociais, culturais, políticas e ideológicas envolvidas nos
Designs. Por fim, a Transformed Practice (Prática Transformada) é quando a teoria vira
prática, não apenas replicando-a, mas sim transformando-a, ou seja, é a recriação do que foi
aprendido para propósitos reais e situados (CHINÁGLIA, 2016, p. 51-52).
Nessa perspectiva, concordo com Rojo (2013) quando diz que fazer uma pedagogia
dos multiletramentos englobaria letramentos críticos, e isso vai além de formar conhecedores
ou usuários funcionais, competência técnica, mas está em questão apresentar-lhes a
possibilidade de se transformarem em criadores de sentidos – prática transformada. A referida
autora afirma que os avanços tecnológicos desafiam os professores a redimensionarem, em
suas práticas pedagógicas, as concepções de leitura e de escrita, bem como a pensarem as
práticas de letramento não apenas no impresso (mas também a partir dele). Para a autora,
devido a essa multiplicidade presente, é relevante possibilitar que os alunos possam participar
de várias práticas sociais de maneira ética, crítica e democrática, levando em consideração a
hibridação, que ampliou a forma de compreender identidade, cultura, diferença, desigualdade
e multiculturalismo. Dessa forma, a Pedagogia dos Multiletramentos precisa ser vista como
uma significativa mudança de paradigma, na qual entra em cena uma aprendizagem
colaborativa. Portanto, há uma grande necessidade de uma pedagogia dos multiletramentos,
que preconize a diversidade cultural, e que considere as especificidades sociais e o contexto
de diversidade linguísticas dos estudantes ajustados às suas necessidades diferenciadas.
Diante do exposto, tendo em conta todas as teorias até aqui elencadas, e diante das
questões atuais: como o livro didático do Ensino Fundamental, de Língua Portuguesa
possibilita o trabalho em sala de aula de modo a contribuir com a teoria dos Multiletramentos?
Segundo comenta Santana, em relação ao trabalho com o livro didático na sociedade
atual,
48
Anos Finais. Assim, a seguir, apresento um quadro com as Competências gerais da educação
básica, determinadas pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC).
52
Dentre as páginas aqui apresentadas foram escolhidas as páginas VI e VII que têm
como título “Conheça o Manual do Professor”, para uma melhor compreensão de como o
58
livro é apresentado ao professor. Veja essas páginas com as orientações para o(a) professor(a)
sobre as seções e subseções trabalhadas no livro.
59
especificações de cada seção e subseção. Veja a seguir a páginas que apresentam o livro para
o estudante, com os tópicos: Abertura, Para começo de conversa, Prática de leitura, Glossário,
Conheça o autor. Na sequência, respectivamente, as páginas 4,5,6 e 7 do título “Conheça o
seu livro”.
Figura 7 continua
64
O direcionamento para o estudante sobre a utilização do livro tem como foco dar
orientações das atividades ao longo do livro. Inicia-se com a abertura apresentando a lista dos
conteúdos trabalhados em cada capítulo, e as seções e subseções específicas dos eixos
trabalhados, finalizando com o título “Preparando-se para o próximo capítulo”, com textos,
nomes de filmes e livros, questionamentos que abordam a temática a ser trabalhada no
próximo capítulo.
Notei que o manual como um todo é bastante chamativo, com cores e formas visuais e
isso reforça a multimodalidade nas novas práticas discursivas. Como define Rojo (2012), a
multimodalidade pode dizer a mesma coisa de formas diferentes, desempenhar papéis
complementares que se reforçam mutuamente e que são também hierarquicamente ordenados,
no caso das páginas apresentadas, tanto para os professores quanto para os estudantes, as
cores e as formas se fundem dando sentidos na compreensão e interpretação daquilo que é
proposto. Dessa forma, a relação entre o contexto verbal e as imagens pode ser considerada
intrínseca. A imagem pode complementar um texto através da ilustração e, por sua vez, um
texto pode complementar uma imagem se unindo a ela numa relação de complementaridade.
65
A interação entre o verbal e o não verbal apresenta um papel de grande relevância, pois
suscita ideias e emoções para a obtenção da significação.
Dessa forma, para uma melhor visão do livro didático manual do professor, apresento
a figura das páginas 184 e 185, do capítulo 7 do livro, no formato em U, livro didático que
contém as respostas das perguntas, e no qual as autoras dialogam com o professor sobre as
respectivas respostas.
66
As orientações são direcionadas aos professores a respeito das discussões que podem
ser feitas em relação ao tema do capítulo 7. As orientações para o desenvolvimento das
atividades vêm logo abaixo e são relacionadas à charge apresentada na página. Vejamos a
seguir.
Percebo que as orientações são pistas dadas pelas autoras conforme as respostas
esperadas no processo de desenvolvimento das atividades e do tema em geral do capítulo 7. A
seguir, apresento um trecho do diálogo das autoras com o(a) professor(a) na seção prática de
leitura no final da página, do manual em U apresentado anteriormente.
Assim, as orientações dadas pelas autoras são específicas para o processo de como
desenvolver as atividades. No entanto, penso que essas orientações poderiam ir além do que o
professor já faz, sobre o processo de desenvolvimento da aula.
Tendo feito essas considerações, apresento as autoras do livro manual do professor
Tecendo Linguagem, bem como trago uma breve explanação de como esse manual, no qual as
atividades apresentam as respostas esperadas, aborda as competências e habilidades, assim
como os campos de atuação propostos na BNCC e conceituados anteriormente.
A autora Tania Amaral Oliveira é formada em Letras, Pedagogia e Psicologia pela
Universidade de São Paulo (USP). É mestra em Ciências da Comunicação pela Universidade
de São Paulo (USP). Trabalha como formadora de educadores nas áreas de Língua Portuguesa
e de Comunicação. É professora do Ensino Fundamental das redes pública e privada de ensino
de São Paulo. A outra autora é Lucy Aparecida Melo Araújo, bacharel e licenciada em Língua
Portuguesa e Linguística pela Universidade de São Paulo (USP). É especialista em Língua
Portuguesa pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e mestranda em
Língua Portuguesa pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e, também,
professora do Ensino Fundamental da rede particular de ensino de São Paulo.
Segundo as autoras, o objetivo da coleção é colaborar com a educação integral dos
alunos, que permitirá a mobilização das competências para a participação plena na sociedade.
Desse modo, os saberes escolares articulam-se à vida, permitindo ao aluno estabelecer
relações entre teoria e prática. O Manual do professor do 9º ano está dividido em duas partes.
A primeira discorre sobre as orientações metodológicas que fundamentam a coleção e oferece
subsídios para o trabalho do(a) professor(a) em sala de aula, e, por sua vez, a segunda traz
orientações para a prática e desenvolvimento dos textos e das atividades voltadas ao
estudante. A parte destinada às orientações metodológicas apresenta um agrupamento
preliminar com orientações estabelecidas pela BNCC, da página oito (VIII) à página 66
(LXVI). Todas as orientações são pertinentes ao processo de ensino, principalmente para os
professores, porém priorizo as competências e habilidades e os campos de atuação. No
manual, primeiro vêm especificados os campos de atuação no ensino de Língua Portuguesa do
Ensino Fundamental – Anos finais, e apresentados, no geral, com a descrição dos quatro
campos de atuação. Após dezoito páginas de orientações diversas, é apresentada a listagem
das competências gerais, específicas de linguagem e específicas de língua portuguesa. Em
seguida, a das habilidades de Língua Portuguesa em cada campo de atuação no geral, e
específico para cada ano, e, por fim, as autoras apresentam o quadro de conteúdos de Língua
Portuguesa do 9º ano, de cada unidade do livro, especificando as práticas de linguagem, os
69
Para uma melhor compreensão desses códigos alfanuméricos, mostro o quadro com
todos os elementos citados anteriormente, específico da unidade 4, que contém as habilidades
trabalhadas nos capítulos analisados nesse trabalho. Nessa direção, vou observar as
habilidades, conteúdos e os campos de atuação, as competências gerais e específicas,
indicados pelas autoras, especificamente em relação aos textos que serão o foco da minha
análise. A seguir apresento as figuras 8 e 9 que mostram o quadro de conteúdos da unidade 4
com o título “Tempo de pensar: Informações e Escolhas.”
71
a BNCC o quadro proposto é formado por: gêneros (que se encontram dentro de campos de
atuação: campo jornalístico ou midiático, campo artístico-literário, campo das práticas de
estudo e pesquisa, campo da vida pública; objetos de conhecimento/objeto; habilidades. Isto
é, os conteúdos da análise linguística/semiótica a serem ensinados encontram-se dentro de
cada gênero proposto pelo campo de atuação. Por exemplo: no campo de atuação jornalístico
midiático o professor pode trabalhar com uma notícia, uma charge, um artigo de opinião.
Assim, esse gênero será o suporte para desenvolver todas as práticas da língua (leitura,
oralidade, análise linguística/semiótica e produção de texto).
O quadro traz uma divisão que, na prática, não é o que a BNCC propõe, mas as
atividades trazem a análise linguística dentro do gênero. A análise linguística proposta no
livro focaliza procedimentos de análise e reflexão sobre os usos que fazemos dos recursos que
a língua nos oferece para produzirmos enunciados em situações de comunicação diversas. O
quadro apenas traz uma divisão errônea.
Na BNCC, “competência” é definida como a mobilização de conhecimentos
(conceitos e procedimentos), habilidades (práticas, cognitivas e socioemocionais), atitudes e
valores para resolver demandas complexas da vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania
e do mundo do trabalho (BRASIL, 2017, p.8). Segundo as autoras, o objetivo da coleção é
colaborar com a educação integral dos estudantes, o que permitirá a mobilização das
competências para a participação plena na sociedade. Elas afirmam que a relação entre o
conhecimento e a ação diante das situações inéditas está no centro das competências, vez que
a habilidade de buscar conhecimentos de forma rápida é uma demanda no trabalho com as
competências.
Apresento a seguir as competências gerais e específicas de língua portuguesa dos dois
textos que serão analisados nessa escrita. Para a seção Prática de leitura do texto Notícia e
Guia do capítulo 7, que é o primeiro texto a ser analisado, as autoras afirmam que são
contempladas as competências gerais 4 e 7, como também as competências, 3, 6 e 10,
específicas de Língua Portuguesa e a habilidade (EF69LP21).
Conforme pode ser visto, as autoras elencaram duas competências gerais e três
competências específicas, e uma habilidade para o texto Notícia e Guia. E, para o texto Letra
de Canção, Supertrabalhador, elencaram uma competência geral e três competências
específicas e nenhuma habilidade. É perceptível que há um número elevado de competências
a serem contempladas em apenas um texto. Entretanto, questiona-se: essas competências são
efetivamente contempladas nos textos e nas atividades? Tais competências e habilidades
levam em consideração os multiletramentos multimodais? Respondo esses questionamentos
no processo de análise dessa pesquisa.
Segundo as autoras, a metodologia desenvolvida nessa coleção está assentada em
quatro bases: pensar, sentir, trocar e fazer de modo crítico, criativo, significativo, solidário e
prazeroso. São apresentados sete tópicos com os pressupostos teórico-metodológicos da
coleção do 9º ano. Dos sete tópicos, destaco apenas dois: o primeiro e o terceiro – que
chamaram minha atenção porque vão ao encontro do que é proposto nesse trabalho, além de
citarem como referencial teórico Mikhail Bakhtin (1895-1975). Nessa perspectiva, as autoras,
ainda nos pressupostos metodológicos, afirmam que esse pensador russo considera que o
sujeito apreende e constrói a realidade, que dá sentido ao seu viver por meio de sua relação
social com o outro, e que isso vem permeado pela linguagem, portanto, o social é responsável
pela construção da linguagem – elemento essencial na construção do conhecimento. Ele
afirma que a produção das ideias, do pensamento, dos enunciados tem sempre um caráter
76
coletivo, social. Portanto, é com as palavras e com as ideias do outro que são tecidos nossos
pensamentos.
O primeiro tópico dos pressupostos teórico-metodológicos que chamou minha atenção
foi o tópico “Ações pedagógicas, pautadas na construção do conhecimento, de forma crítica,
engajada na realidade, de modo a privilegiar a relação teoria-prática na busca da apreensão
das diferentes nuanças do saber”.
E o terceiro também chamou minha atenção: “Estabelecimento de uma relação
dialógica em que o aluno, em conjunto com o professor e seus colegas, exerça a prática de
refletir (sobre seu modo de pensar, reconhecer, situar, problematizar, verificar, refutar,
especular, relacionar, relativizar, atribuir historicidade etc.), com o objetivo de construir
coletivamente o conhecimento”.
Assim, ao observar os tópicos citados, presume-se que, teoricamente, os pressupostos
metodológicos apresentados pelas autoras vão ao encontro da pedagogia dos
multiletramentos, já que ressaltam uma relação dialógica entre professores e alunos, como
também ações pedagógicas, pautadas na construção do conhecimento de forma crítica,
engajada na realidade. As autoras ressaltam que a coleção tem o privilégio de contemplar a
relação teoria-prática, pois é necessário atribuir historicidade na construção do conhecimento.
Será que essa coleção contempla a teoria enunciativa discursiva defendida por Bakhtin, que
vê a linguagem como produto de interação e, portanto, retrata as diferentes formas de
significar a realidade? Contempla a relação dialógica por meio de interações construídas
através das ideologias?
Como as próprias autoras do manual em questão deixam claro na apresentação da
obra, o manual tem a finalidade de oferecer subsídios para o trabalho em sala de aula.
Esclarecem também que é uma obra aberta e flexível, em contínua construção; um convite à
reflexão e a recriação; ponto de partida para estabelecimento de um rico diálogo entre autores,
professores e alunos. Dentre os conceitos importantes trazidos pelas autoras no manual estão:
conceito de língua e de linguagem, conceito de letramento, conceito de texto e de gêneros e
uma proposta de progressão dos gêneros ao longo dos anos. Vejo as teorias que embasam essa
pesquisa ressaltadas nos conceitos e nas orientações das autoras do livro manual do professor
da Coleção Tecendo Linguagens. Questiono se estão presentes também nas atividades que
serão analisadas na presente pesquisa. É compreensível e importante as orientações veiculadas
para o professor no livro. No entanto, é necessário pensar na responsabilidade do livro
didático para além dessas orientações. Pensar em propostas pedagógicas que propiciem o
77
O Guia Digital 2020 é o documento oficial disponibilizado pelo Governo Federal para
orientar a escolha dos livros didáticos pelas escolas brasileiras. Ele contém as resenhas das
obras aprovadas, os princípios e critérios, o modelo das fichas avaliativas e a equipe
responsável pela avaliação pedagógica. O Programa Nacional do Livro e do Material Didático
– PNLD é uma política pública executada pelo FNDE e pelo Ministério da Educação,
destinado a avaliar e disponibilizar obras didáticas, pedagógicas e literárias de forma
sistemática, regular e gratuita. O PNLD é um dos maiores programas de distribuição de livros
do mundo. Os materiais adquiridos vão diretamente para as mãos dos alunos e professores das
escolas públicas participantes do Programa. No PNLD 2020, serão atendidas, com
distribuição integral, as escolas das redes de ensino participantes do Programa com alunado
nos anos finais do ensino fundamental (6º ao 9º ano) registradas no censo escolar de 2018. O
“Guia do PNLD 2020 língua portuguesa para o ensino fundamental anos finais” contém as
resenhas dos livros didáticos aprovados para o triênio 2018/2019/2020. É um instrumento de
apoio ao trabalho pedagógico. Para ampliar a compreensão sobre a proposta pedagógica do
manual do professor Tecendo Linguagem, que contém as respostas das perguntas e, no qual as
autoras dialogam com o professor, faço uma pequena explanação da análise da obra na visão
do Guia Digital de Língua Portuguesa (PNLD 2020).
Segundo o Guia Digital de Língua Portuguesa, a análise da obra aponta as qualidades,
ressalvas, o arranjo das competências e as habilidades da Base Nacional Comum Curricular
(BNCC), a formação cidadã, o respeito à legislação, às diretrizes educacionais, a qualidade do
projeto gráfico, além disso, delineia a proposta pedagógica da obra em sua totalidade: Livro
do estudante, Manual do Professor, impresso e digital.
Na análise sobre essa coleção, o Guia mostra que o referencial teórico utilizado
contempla basicamente a corrente teórica que entende a língua como movimento,
representação situada em um contexto geográfico e que traz referências muito mais do que da
gramática e da academia, mas também da cultura, leitura de mundo, tempo, espaço, texto e
contexto. Dessa maneira, ao apresentar essa proposta, penso que o objetivo das autoras é
78
desenvolver a competência discursiva do estudante para que ele possa exercer seu papel de
cidadão dentro do contexto de vida.
No entanto, será que essa coleção traz para a sala de aula as habilidades e
competências de maneira contextualizada? Será que considera as práticas de linguagem a
partir dos gêneros diversos no sentido de ressignificar a aprendizagem dos estudantes? E, ao
desenvolver os quatro eixos, leitura, produção de textos, oralidade e análise
linguística/semiótica, essa coleção, que, segundo o guia, é alinhada à BNCC, defende a
reflexão da língua em uso? Após a análise dos textos e das atividades, procuro compreender
esses questionamentos observando até que ponto a coleção defende a reflexão da língua em
uso. Vejamos a seguir o que o Guia fala sobre a prática de leitura do livro didático do 9º ano
dessa coleção Tecendo Linguagens.
Segundo o Guia, no eixo Leitura são propostos vários textos de diversos gêneros que
evidenciam a temática do capítulo e da unidade. Apresenta-se variedade de atividades de
leitura antecipatória, além de trazer estratégias de leitura diferenciadas conforme o gênero
trabalhado, o que facilita o desenvolvimento da competência leitora, uma vez que realiza um
trabalho específico com as habilidades da BNCC.
A seguir, apresento a posição das autoras em relação à prática de leitura. Muito me
interessa nesse trabalho a posição das autoras do manual da coleção Tecendo Linguagens e o
conceito sobre a prática de leitura. Nas considerações sobre o trabalho com a prática de
leitura, elas afirmam que deve se observar, em relação à compreensão/interpretação e à
extrapolação: o avanço do aluno no seu contato espontâneo com a leitura de texto, ou seja, o
interesse pelo contato; com textos variados dentro e fora da sala de aula; a capacidade de
reconhecer, à primeira vista, um conjunto de palavras-chave dentro do texto; a capacidade de
predizer o conteúdo das leituras, baseando-se nos próprios conhecimentos ou em esquemas
cognitivos, isto é, a capacidade de formular, confirmar ou rejeitar hipóteses referentes às
leituras; a consciência que o aluno tem dos fins de sua leitura: informar, divertir, convencer,
emocionar etc.; a capacidade de perceber as ideias mais importantes de um texto;
a capacidade de sintetizar, parafrasear, pôr os fatos ou eventos em sequência, observar as
relações entre eles.
Nesse sentido, será que as autoras entendem a compreensão e a interpretação como
sinônimas?
Segundo Marcuschi, compreender bem um texto exige habilidades (1988, p. 89). Esta
compreensão não é uma ação apenas linguística ou cognitiva, vai muito além, é inserir-se no
mundo e também é um modo de agir sobre o mundo. E isso inclui a relação com o outro
79
dentro de uma cultura e de uma sociedade. Ainda, Marcuschi considera que a interpretação
constitui fruto do trabalho e não uma simples extração de informações objetivas. Nesse
sentido, é importante a maneira como os estudantes fazem a leitura ou interpretam um texto.
Diante do exposto, busco a diferença entre compreensão e interpretação, na medida em
que tal reflexão é importante para a análise das atividades do livro didático manual do
professor. Segundo Leffa (2012), muitas vezes há uma confusão entre os conceitos, tomando-
se a interpretação e a compreensão como sinônimas. E que a base conceitual da interpretação
de texto é a compreensão. Compreender e interpretar são dois conceitos que se aproximam em
alguns aspectos e se distanciam em outros. Para esse estudioso, compreender é relacionar.
Tais relações precisam ser estabelecidas em várias direções, locais e globais, dentro do objeto
de leitura e fora dele, dentro do leitor e fora dele. Vê-se um texto, uma imagem, uma música,
um vídeo e qualquer outro objeto de leitura, como um quebra-cabeça que precisa ser montado
em suas partes para se chegar à compreensão em sua totalidade.
Interpretar, por outro lado, é explicar para o leitor de que modo cada quebra-cabeça
pode ser montado. Ainda, a interpretação é uma atividade consciente que alimenta a
compreensão. Dos procedimentos destacados pelo autor para a interpretação, temos: a
paráfrase (direto e objetivo), a réplica (interlocução entre autores e leitores por meio de
comunidades de interesse) e o dialético – a interpretação como procedimento dialético é a que
parece oferecer maior possibilidade de retorno no desenvolvimento da compreensão do objeto
de leitura pelo aluno, na medida em que permite uma penetração nesse objeto, que é
desmontado e recomposto em cada um de seus elementos, mostrando de que modo ele se
constrói. Nesse sentido, na interpretação como procedimento dialético tem-se a afirmação de
que é um procedimento que possui como base a capacidade de dialogar, ou seja, o caminho
entre as ideias, e, assim, esse procedimento harmoniza com a teoria de Bakhtin e da
pedagogia dos multiletramentos, teorias estas que embasam a minha pesquisa.
Somando-se a isso, não há um consenso sobre os níveis de leitura. Alguns estudiosos
defendem que a leitura pode ser classificada em categorias ou níveis. Platão e Fiorin
estabelecem três níveis de leitura, pois afirmam que no texto existem três planos distintos
(2007, p. 35). A primeira é a estrutura superficial, onde se encontram os significados mais
concretos e diversificados; nesse nível é que se instalam, por exemplo, os personagens, os
narradores, o tempo e as ações concretas. A segunda estrutura é a intermediária, mais
profunda que a anterior, em que se definem basicamente os valores onde os sujeitos entram
em acordo ou desacordo. Na terceira estrutura, a mais profunda, os significados mais abstratos
80
e mais simples acontecem e se opõem entre si, garantindo a unidade do texto inteiro. Leffa
(2012) afirma que os níveis de leitura dependem do nível cognitivo de cada leitor.
Compreendo que a prática de leitura é muito mais complexa do que a simples
interpretação e compreensão dos códigos e outros recursos visuais. E, diante da realidade
atual em que os gêneros discursivos estão em constantes mudanças, apresentando linguagens
multimodais que são facilitadoras do processo de ensino e aprendizagem de língua
portuguesa, concordo que as práticas de leitura e de produção de sentidos dos textos devem
considerar as múltiplas semioses, como os gráficos, imagens, tabelas, entre outros, para
complementar a formação dos estudantes, envolvendo os multiletramentos que potencializam
os recursos visuais, pois a escrita por si só não é suficiente diante dos textos multimodais.
Nessa perspectiva, e segundo Kress e Van Leewen, em linhas gerais a
multimodalidade é a combinação de múltiplos códigos semióticos que configuram a
constituição estrutural de textos (1996 apud GOMES; LIMA; SOUZA, 2019, p. 218). Os
autores chamam os textos de multimodais pelo fato de se integrarem, pelo menos, por signos
verbais e visuais. Assim, a charge, o anúncio publicitário, o infográfico, gestos, sons e outras
semioses são exemplos de textos multimodais bastante presentes no dia a dia moderno. Para
os autores citados, os estudos sobre a multimodalidade na linguística estão arraigados na
semiótica Social, que trata de estudar os signos e seus sentidos na sociedade e tem como base
os estudos dos letramentos.
Cabe a ressalva de que essa reflexão sobre interpretação/compreensão fez-se
necessária devido à análise dos textos e das atividades aqui desenvolvida, ao observar como
se dá essa compreensão/interpretação nos textos, principalmente os multimodais, os quais
segundo as autoras do manual estão presentes em toda a coleção.
Após essas considerações sobre o livro didático da coleção Tecendo Linguagens,
apresento o aporte metodológico escolhido e o conjugo com os objetivos da pesquisa
81
Utilizo para este trabalho a pesquisa bibliográfica com abordagem qualitativa. Esse
tipo de trabalho descreve alguns passos a serem dados para a realização de uma pesquisa,
dentre eles, o primeiro é apresentar os objetivos da pesquisa. Junto aos objetivos situa-se o
levantamento de hipóteses. Sendo assim, apresento a questão que norteia essa pesquisa: os
multiletramentos são levados em consideração nos textos e nas atividades do livro didático?
Ao longo do trabalho, procuro observar essa questão para responder aos objetivos geral e
específicos.
O objetivo geral é verificar se os multiletramentos são explorados a partir dos
textos/gêneros discursivos no Manual do Professor de Língua Portuguesa do 9º ano, escolhido
pelo PLND para o triênio 2018 /2020.
Os objetivos específicos são:
Nesse sentido, para alicerçar a proposta de pesquisa, tem-se como base a perspectiva
dialógica da língua, proposta por Bakhtin (1992). Perspectiva essa que vislumbra o texto
constituído por enunciados, os gêneros do discurso. Assim, compactuo com a ideia de que os
elementos estruturantes da língua precisam ser abordados com o intuito de contribuir com a
construção do texto em si. Além disso, o processo de ensino de um texto não se restringe à
compreensão restrita dos elementos linguísticos materializados no texto, pois os fatos
históricos e sociais também fazem parte desse processo. Somando-se a essa perspectiva,
mobilizo a teoria dos multiletramentos discutida por Rojo (2012), pois tal vertente permite
verificar se os multiletramentos são explorados a partir dos gêneros do discurso propostos no
Manual do Professor da coleção Tecendo Linguagens, de Língua Portuguesa, do 9º ano do
Ensino Fundamental, aprovado pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) para o
triênio 2018/2019/2020, de autoria de Oliveira e Araújo (2018). Assim, o material analisado
nesse trabalho é o livro didático Manual do professor, e o objeto são os multiletramentos.
82
[...] escolhas que sejam feitas em função do assunto proposto e da questão enfocada,
na perspectiva de que nenhum método pode ser eleito como ‘o melhor’, permitindo-
se apenas aproximações heurísticas. Cada método tem seus pontos fortes e suas
limitações, conjugá-los é, por vezes a escolha mais apropriada. A adoção de
múltiplos paradigmas e metodologias, é ao mesmo tempo fundamento para uma
postura crítica e plural do pesquisador. E uma lente a partir da qual ele poderá
ascender para visões diferenciadas do mundo, crescendo como profissional e como
ser humano (MOREIRA; CALEFFE, 2011, p. 256).
triênio 2018/2020. Desse livro, escolhi uma unidade, dessa unidade priorizei dois textos e
suas respectivas atividades, por compreender que um trabalho satisfatório de uma pesquisa
qualitativa leva em consideração a qualidade e não a quantidade. E, também por entender que
o estudante do 9º ano do Ensino Fundamental, além de dispor de experiência suficiente no
que concerne à leitura e no que diz respeito à formação de um leitor crítico e competente, está
numa importante e crucial passagem para uma nova etapa do processo estudantil, que é o seu
futuro ingresso no ensino médio.
Em uma pesquisa com foco na abordagem qualitativa, o objetivo principal é a
interpretação do fenômeno observado. Sendo assim, objetiva-se observar, descrever e
compreender o seu significado. As hipóteses, nesse tipo de pesquisa, não são pré-concebidas,
mas confirmadas após a observação. De acordo com Minayo e Sanches (1993), é no campo da
subjetividade e do simbolismo que se afirma a abordagem qualitativa. Da mesma forma, uma
abordagem qualitativa em si não garante a compreensão em profundidade, conforme dizem
Minayo e Sanches (1993). Segundo as autoras, a abordagem qualitativa realiza uma
aproximação fundamental e de intimidade entre sujeito e objeto, uma vez que
[...] ambos são da mesma natureza: ela se volve com empatia aos motivos, às
intenções, aos projetos dos atores, a partir dos quais as ações, as estruturas e as
relações tornam-se significativas. [...] Em outras palavras, do ponto de vista
qualitativo, a abordagem dialética atua em nível dos significados e das estruturas,
entendendo estas últimas como ações humanas objetivadas e, logo, portadoras de
significado. Ao mesmo tempo, tenta conceber todas as etapas da investigação e da
análise como partes do processo social analisado e como sua consciência crítica
possível. Assim, considera os instrumentos, os dados e a análise numa relação
interior com o pesquisador, e as contradições como a própria essência dos problemas
reais (1983, p. 244-245).
textos/gêneros discursivos usados para a leitura são: charge, notícias, guia, artigo de opinião,
tirinha. Sendo que o primeiro texto a ser explorado no capítulo é uma charge.
O capítulo 8, com o título “Que profissão seguir? promove, segundo as autoras, uma
reflexão sobre a escolha da profissão com o objetivo de possibilitar que o estudante entenda as
relações próprias do mundo do trabalho e que faça escolhas do mundo do trabalho alinhadas
ao exercício da cidadania e ao seu próprio jeito de vida, com liberdade, autonomia,
consciência crítica e responsabilidade. Os textos/gêneros discursivos para essa reflexão são:
tira, charge, entrevista, letra de canção, reportagem, texto informativo. O primeiro texto a ser
explorado no capítulo 8 é uma tira.
A seguir, apresento a organização da unidade 4 em um quadro. Essa unidade é
dividida em seções e subseções, como também os textos/ gêneros discursivos que são
apresentados em cada capítulo.
Para a observação dos textos e das atividades do livro didático manual do professor,
seleciono a unidade 4 e os capítulos 7 e 8. E, ainda, para uma melhor compreensão, opto por
analisar apenas um texto de cada capítulo e as atividades referentes a cada um. Em síntese,
analiso o texto 2 “Notícia e guia”, do capítulo 7, e o texto 2, “Letra de canção”, do capítulo 8.
A opção por esses dois textos e suas atividades do manual do professor, levou-me no
momento da escolha a um interrogatório no que diz respeito à multimodalidade. Os dois
textos/ gêneros discursivos Notícia e Guia e Letra de Canção são ou não suficientes para o
objetivo proposto, por eles apresentarem as linguagens verbal e não verbal, ou seja, por serem
multissemióticos?
Nesse contexto, podemos afirmar que os textos multimodais facilitam o aprendizado
do estudante, contribuindo para o desenvolvimento das competências e capacidades
necessárias no processo ensino e aprendizagem, bem como a pedagogia dos multiletramentos,
por sua vez, propicia a leitura e a escrita de textos multimodais que integram outros modos de
linguagens. Nesse sentido, retomo Rojo (2013). A autora diz que, para uma mudança
significativa, a proposta pedagógica deve considerar a aprendizagem de leitura e de escrita de
textos multimodais que incorporem outras linguagens, sendo que novas práticas de
comunicação/interação em diferentes linguagens convocam os multiletramentos.
Portanto, levo em consideração a teorização de Rojo (2012, 2016) mobilizada no
capítulo teórico. Além de os textos multissemióticos estarem presentes nos ambientes digitais,
estão também nos impressos, e, por isso, é necessário que no processo de ensino e
aprendizagem outros modos de representações sejam levados em consideração. Pode-se, nesse
sentido, verificar que o livro didático manual do professor contempla os textos
multissemióticos. Entretanto, será que os referidos textos contemplam os multiletramentos?
Assim, nessa perspectiva, faço uma reflexão acerca das competências e habilidades
direcionadas pelas autoras para o texto Notícia e Guia como também acerca dos
multiletramentos.
Faço a comparação das competências gerais e específicas da língua portuguesa,
direcionadas pelas autoras para o estudo do texto Notícia e Guia, verificando se os
multiletramentos são explorados e/ou estão presentes nessas competências.
O texto “Notícia e Guia” foi dividido pelas autoras em três partes: a que apresenta o
rosto, a partir do qual pode ser trabalhado o campo de atuação artístico literário. Ao meu ver,
pode ser feito uma referência ao clássico da literatura infantil, o Pinóquio. A outra parte, a
escrita, o texto verbal; e a terceira parte, o quadro com as cores para representar a modalidade
de cada texto. Na parte rosa são apresentadas as orientações a respeito do texto, na parte verde
as orientações sobre imagens, por fim, a parte azul trata das notícias em áudio.
93
O texto é precedido por perguntas com a intenção de verificar o que os alunos sabem
sobre o tema notícias falsas. As autoras trazem para as atividades de 1 a 3 a habilidade
EF69LP21 – posicionar-se em relação a conteúdos veiculados de práticas não
institucionalizadas de participação social, que pretendem denunciar, expor uma problemática
ou convocar para uma reflexão/ação. Relacionando, com isso, esse texto/produção com seu
contexto de produção e relacionando as partes e semioses presentes para a construção dos
sentidos. No texto é exposta uma problemática e, ao mesmo tempo, require-se do estudante
uma reflexão. Para a teoria dos multiletramentos é importante que haja a prática situada, a que
consiste nos envolvimentos dos estudantes em contextos de significação, considerando a sua
realidade, suas experiências e os conhecimentos prévios.
Figura 13 – Texto 2 – Notícia e guia com as atividades – Livro didático Manual do professor
Tecendo Linguagens (2018, p. 189-190)
Os itens 1(A), 1(B), 1(C) são perguntas relativas ao título, ou seja, um mapeamento
das ideias que objetivam relacionar a contextualização da notícia com os aplicativos de
mensagens instantâneas, levando o estudante à ação de pensar a construção dos sentidos dos
textos que encontramos no dia a dia.
Seguindo com a atividade de número 1, temos os seguintes itens:
D). Você costuma receber notícias em mensagens instantâneas nos grupos da família
ou de amigos? Comente.
E). Você considera as informações do guia e da notícia importantes para sua vida?
97
Os itens das letras 1(D) e 1(E) são questionamentos de caráter mais subjetivo e, talvez,
por ficarem por último, podem encerrar as possibilidades de aprofundamento sobre o tema. As
autoras criam uma situação que permite aos estudantes relacionarem os vários sentidos com o
contexto socio-histórico em que vivem. Dessa maneira, essas duas atividades visam à ação de
refletir sobre a língua em uso. Suponho que a intenção foi provocar uma discussão
valorizando as opiniões dos estudantes sobre suas experiências em relação ao recebimento de
notícias falsas. Seria a etapa de imersão dos alunos no contexto de significação, considerando
suas identidades, necessidades socioculturais, experiências e conhecimentos prévios, levando-
os a informações extratextuais.
Na atividade 2, temos as letras seguintes:
A). Que contextualização o texto apresenta para realizar as reflexões e dicas sobre o
fato abordado?
B). Por que o autor do texto afirma que as notícias falsas preocupam mais em período
anterior às eleições? Que consequências poderiam causar? Explique.
Os itens 2 (A) e 2 (B) são perguntas que podem levar o estudante a fazer inferências,
são mais complexas e permitem considerar os elementos extratextuais. Trazendo a teoria do
dialogismo e dos multiletramentos, essas atividades podem ajudar o estudante a construir
hipóteses como cientistas, analisar a fim de tirar suas próprias conclusões, fazer teorias e
coconstruir conceitos e termos, em um processo de análise do pensamento crítico. Essas
atividades permitem promover uma discussão mais sistematizada e crítica sobre os motivos
aparentes das notícias falsas.
Desse modo, o assunto permite uma reflexão com os estudantes a respeito da base e da
superestrutura na concepção de linguagem bakhtiniana, pois, para Bakhtin (2017), é
importante distinguir entre o texto, a materialidade dos discursos e o gênero. Ainda segundo
esse autor, o texto traz em si as marcas linguísticas, tanto as marcas discursivas, a relação
dialógica imbricada de compreensão e constitutiva de sentidos entre os falantes, quanto a luta
das vozes materializada por meio do discurso.
Ainda considerando as possiblidades de promoção da interação do pensamento crítico,
temos o item 2.
98
B). “Por que o autor do texto afirma que as notícias falsas preocupam mais em
período anterior às eleições? Que consequências poderiam causar? Explique.
de grupos em particular como também a cultura em geral. As fake news podem desestabilizar
a democracia, levando a sociedade a extremas posições.
Se a linguagem não é morta e sim viva, como Bakhtin (1992) afirma, não podemos
nos esquecer de que ela se refere ao mundo, que é por ela que se pode revelar a existência do
que está oculto na construção histórica da cultura e dos sistemas os quais temos como
referências. Salientamos que o livro didático manual do professor da coleção Tecendo
Linguagens, do 9º do Ensino fundamental, na unidade 4, capítulo 7, trabalha com textos
multimodais atuais. No entanto, as atividades voltadas para o estudante ainda não apresentam
satisfatoriamente atividades que contemplam os multiletramentos multimodais. Observei que
os multiletramentos estão presentes no texto, mas não são explorados em todas as atividades.
Pelo fato de falar em ideologia, valores, movimentos de conservação e também de ruptura,
podemos dizer que apresentam duas forças, a centrípetas (a manutenção do ensino que
mantém a reprodução, simplificando o conhecimento, escamoteando as disputas e conflitos
sociais) e as forças centrífugas (representadas pelas novas teorias que buscam um ensino com
base no dialogismo reflexivo, o qual leva em consideração o contexto sócio histórico dos
sujeitos). Nessa direção, Holanda afirma que “diante desse confronto, identificamos as duas
forças agindo: a centrípeta, a qual impele para a unificação que ajuda a manter uma defesa de
um estudo da língua de forma prescritiva, de outro lado, a força centrífuga, que aponta para a
dispersão dos discursos hegemônicos” (2016, p. 60).
As autoras do material mostraram uma preocupação em incorporar novas linguagens e
um perfil mais moderno, fazendo uso dos textos multimodais na unidade. A multiplicidade de
linguagens é a mesma coisa de multimodalidade, e os textos multimodais contribuem para
uma discussão diferenciada. Além disso, a multimodalidade e os novos letramentos
apresentam condições de ampliação das práticas sociais dos estudantes. Notei, portanto, a
necessidade de as atividades proporcionarem um olhar mais crítico, para que os estudantes
consigam perceber os valores, ideologias, que estão enredados nos textos. As atividades com
textos multimodais ajudam o estudante a ser capaz de não somente atribuir sentido, mas de
perceber a organização, as contexturas dos textos utilizando vários aspectos da
multimodalidade. Em síntese, o texto observado é um texto multimodal, mas essa
multimodalidade não é trabalhada nem mesmo na complementação de sentido do texto verbal.
Acredito que os textos multimodais permitem uma abordagem sociointerativa. Nesse
sentido, Geraldi (2015) afirma que os documentos oficiais assumem uma concepção de
linguagem como forma de ação e interação no mundo, portanto, coaduna com a perspectiva
dialógica bakhtiniana para o ensino da língua portuguesa. Assim, ao observar o texto “Notícia
101
e guia” verifiquei que no início são apresentadas questões cujo entendimento e resposta não se
encontram apenas no texto, mas que requerem do estudante inferências a partir de seus
conhecimentos prévios. Notei que as autoras não deram nenhum exemplo de notícia falsa, que
ao meu ver seria primordial para o entendimento da temática pelos estudantes. Contudo, é
compreensível esse fato, pois suponho que tiveram razões suficientes para não apresentar, já
que no início do capítulo elas utilizam um texto do gênero notícia com o título “Professor usa
fake News para ensinar ciências na escola”, e que apresenta esporadicamente os resultados da
ação dos estudantes. No entanto, seria melhor um exemplo de uma notícia falsa real veiculada
nas mídias digitais e de preferência que fizesse parte da realidade local dos estudantes.
Observei que a temática do texto proporciona uma discussão mais aprofundada das
questões para além do cientificismo da linguagem, além de discussões sociais relevantes para
os estudantes, no sentido de promover a criticidade e ampliar os horizontes, na perspectiva
dos multiletramentos, já que o texto apresenta condições para diversas reflexões, tais como: a
cultura digital; se o acesso à internet é ilimitado à sociedade em geral ou não; o porquê de as
pessoas repassarem notícias falsas; as questões familiares; seus relacionamentos; as questões
do poder aquisitivo das famílias; os bastidores do processo eleitoral no Brasil e a manipulação
da opinião pública por essa política; como são veiculadas nos meios de comunicação tanto
virtual como impresso, pois, as propagandas poluídas e confusas se assemelham a sites de
notícias, o que lhes conferem credibilidade; pessoas que, isoladamente, criam diversas contas
nas redes sociais, implementam ligações com terceiros e passam a disseminar opiniões sobre
diversos temas com enfoque de ideias políticos e eleitorais. Com isso, seria possível discutir
como notícias falsas e artigos promovem a desinformação, o que dificulta a identificação de
seus responsáveis com a mesma transparência, possibilitando influência indevida na escolha
dos políticos pela população em geral, comprometendo a democracia em sua essência. Para a
complementação, poder-se-ia ainda propor um diálogo sobre as diferenças sociais e suas
consequências.
Compreendo que essa unidade contempla a multiplicidade de textos multimodais,
tomando como base as práticas de uso e de reflexão sobre a linguagem. No entanto, apesar de
as atividades serem baseadas nos gêneros discursivos “notícia” e “guia”, elas contemplam
parcialmente as concepções de Bakhtin, pois a interpretação do texto em si sobressai em
relação às atividades que levam em consideração a língua em uso. As referidas atividades não
contemplam satisfatoriamente os elementos da pedagogia dos multiletramentos, vez que são
apresentadas poucas atividades que levam em consideração o dialogismo ou a realidade socio-
102
histórica dos estudantes. Além de, ainda, nas atividades não ser levada em consideração a
multimodalidade.
Nessa mesma direção, observo que os textos abordam mudanças tecnológicas e
sociais, estes atuais aspectos que coadunam com a teoria de Rojo (2012).
De acordo com Bevilaqua (2013), é necessário o desenvolvimento de sujeitos que
construam sentidos a partir da compreensão das relações sociais e do contexto cultural em que
estão inseridos, para então se tornarem sujeitos transformadores da sua realidade. O sujeito de
que fala na teoria dos multiletramentos é um sujeito que atribui um novo significado à sua
realidade, como abordado no capítulo teórico. É necessário enfatizar que é um sujeito que não
fica estático, contra as noções inertes da aquisição das competências, mas é um sujeito
dinâmico, criativo, que inova, com interesse e motivação na produção de sentidos.
Confrontando as afirmações de Bevilaqua (2013) com as atividades desse capítulo,
compreendo que há uma simplificação e reprodução do conhecimento. Segundo essa
estudiosa, o design representa o sentido de movimento em que os agentes sociais estabelecem
diferentes tipos de interação de interlocução comunicativa a partir de diversificados
enunciativos.
A seguir, descrevo e analiso ainda da unidade 4, o capítulo 8, com o título Que
profissão seguir? e Texto 2 – Letra de Canção.
O capítulo 8 tem como título “Que Profissão seguir?”. E a seção inicial, “Para Começo
de Conversa”, apresenta atividades de conhecimentos prévios utilizando uma tirinha e uma
charge. A seção “Prática de Leitura” dispõe dos seguintes textos/gêneros discursivos:
entrevista, letra de canção e reportagem. A seção “Reflexão sobre a Língua” apresenta uma
tirinha, e a seção “Conversa entre Textos” um trecho da declaração dos Direitos Humanos e
outro do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Observo apenas um texto do capítulo 8
e as atividades referentes a esse texto. Assim sendo, escolhi o texto 2 – letra de canção rap –
para observar se os multiletramentos são explorados nesse texto/gênero discursivo.
Acredito que é relevante o trabalho com o rap na sala de aula, pois oportuniza aos
estudantes a reflexão de temas do cotidiano, de assuntos que fazem parte de uma determinada
sociedade, muitas vezes desconhecidos pela maioria, oportuniza também o embate das ideias
que se fazem necessárias para o desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem
significativo. Ao trabalhar com canções, o professor pode discutir com os estudantes os
103
padrões de conduta diferentes das diversas comunidades e organizações sociais, pois, para
Rojo (2012), é necessário um novo modelo de ensino e aprendizagem que tenha um sujeito
multiletrado crítico e reflexivo, capaz de compreender o mundo e as diversas culturas
existentes. Para tanto, a escola necessita trabalhar com a pedagogia dos multiletramentos.
Segundo Bakhtin (2017), ao trabalhar a língua a partir dos usos reais dela, pode-se ir
além da própria materialidade, e valorizar as esferas discursivas das quais se originam os
enunciados em estudo. Assim, o texto do capítulo 8 que escolhi para observação proporciona
interpretar os contextos sociais e culturais, propícios a uma reflexão crítica. Além disso, por
ser um texto multimodal, que apresenta a linguagem verbal, a canção em si, a letra e a não
verbal, o instrumental, traz outros modos representacionais que são as imagens.
A escolha desse texto se deu porque compreendo ser ele um texto importante para uma
discussão sobre a sociedade real, pois permite aos estudantes discutirem sobre a importância
do trabalho e também das profissões da sociedade brasileira.
Segue o texto Letra de Canção – “Supertrabalhador” e as atividades sobre
conhecimentos prévios.
Antes de partir para atividades voltadas ao texto em si, as autoras trazem quatro
perguntas que proporcionam um levantamento de conhecimentos prévios dos estudantes em
relação ao rap e às canções. Isso é um ponto extremamente positivo, visto que são importantes
para conectar a atividade com as experiências pessoais do aluno e com o tema do texto.
Entretanto, essas perguntas ficam restritas ao rap em si e às canções de forma geral. Foi bem
colocada a questão 3, que leva o aluno a perceber que as canções não se restringem ao
105
romantismo. Essa questão leva o estudante a perceber que as canções apresentam críticas
sobre a nossa realidade. E tal questionamento pode auxiliá-lo a desenvolver o pensamento
crítico sobre a realidade em que ele está inserido. É possível perceber que essas atividades de
levantamento prévio contemplam a teoria dos multiletramentos por proporcionarem ao
estudante pensar no contexto social. Contudo, outras questões poderiam ter sido
acrescentadas, aproveitando a temática: canções e estilos musicais.
As perguntas de conhecimentos prévios são perguntas que buscam analisar o grau de
envolvimento/conhecimento do estudante com o tema proposto, porém as respostas ficam por
conta do estudante. Essas respostas podem ficar sem qualquer validade e justificativa. Com
isso, podem passar a ter apenas um caráter externo, conforme afirma Marcuschi (1998).
Entretanto, se o professor dedicar uma aula ou mais trabalhando os conhecimentos prévios e
outros questionamentos que levam à criticidade dos estudantes vai conseguir escapar dessa
crítica de Marcuschi.
Após apresentar as quatro atividades de conhecimentos prévios, as autoras trazem
cinco atividades voltadas para a compreensão e interpretação do gênero e sua temática.
A seguir, trato da verificação das atividades propostas pelas autoras relacionadas ao
trecho do texto Canção “Supertrabalhador” do livro manual do professor da coleção Tecendo
Linguagens. Dividi a seção “Por dentro do texto” para uma melhor observação das atividades.
Primeiro apresento a atividade 1; em seguida as atividades 2 e 3.
Figura 17– Manual do professor Tecendo Linguagens língua portuguesa 9º ano (2018,
p. 222)
Na atividade 1, os itens
A). A quem se dirige o rap “supertrabalhador”? Que versos podem justificar sua
resposta?
B). De que tema trata esse rap?
C). A maior parte da letra apresenta uma palavra e uma lista de palavras. Que
palavras são essas? Por que o compositor faz usos de todas essas palavras?
D). Como essa lista pode ser percebida pelo ouvinte/ leitor?
A atividade 2 pede aos estudantes a releitura do trecho do rap “Quem trabalha e mata
a fome não come o pão de ninguém/ mas quem come e não trabalha tá comendo o pão de
alguém/ É pra ganhar o pão tem que trabalhar/ Missão para os heróis que estão dentro do
seu lar.”. Seguem as questões:
C). A quem é dirigida a crítica, “Mas quem come e não trabalha tá comendo o pão de
alguém? Explique.
D). Quem são os heróis a quem se refere o eu lírico? Você concorda com essa ideia?
Por quê?
E). Quais são as profissões dos heróis da sua casa?
O rap é um gênero musical que tem na palavra cantada sua força, para transmitir
uma mensagem ao seu público. Releia a letra da canção, observando os recursos sonoros
utilizados, e responda: os itens
A). Na primeira parte da letra da canção, como são formados os pares de rima?
B). Como as rimas se organizam ao longo desse trecho?
C). Como o rapper organiza o verso, na parte da lista de profissões, para formar a
rima com a palavra Supertrabalhador”?
D). Que efeitos sonoros o recurso da rima produz no verso?
109
E). Além da rima, que outro recurso sonoro pode ser percebido nesse rap?
Ao ler essa primeira frase do comando da atividade 3, “O rap é um gênero musical que
tem na palavra cantada sua força, para transmitir uma mensagem ao seu público”, vislumbra-
se num primeiro momento que será feita uma discussão crítica sobre as mensagens que o rap
pode trazer ao público, contudo isso não é feito, visto que prevalece a segunda frase desse
mesmo comando, direcionando para questões que ajudam no estudo sobre o gênero canção,
em sua estrutura composicional, especialmente, os recursos sonoros. As atividades 3(A), 3(B)
3(C), 3(D) e 3(E) confirmam a dedicação aos recursos sonoros da canção. Claro que é
importante estudar a estrutura composicional do texto no que se refere à sonoridade,
principalmente pelo fato de se tratar de uma canção. No entanto, pode-se propor, como
atividades extras, uma reflexão que leve o estudante a perceber que música pode representar
uma determinada classe social, a cultura de uma determinada cidade, estado ou região do país.
Por exemplo, o repente é um estilo musical que representa a região nordeste. Goiânia é
conhecida como a capital do sertanejo. Por sua vez, o funk representa qual grupo social? A
música popular brasileira (MPB) representa qual parte da sociedade? O rap é estilo de qual
público? Vejamos as atividades 4 e 5.
Quero ser trabalhador, quem não é um dia quis Minha mãe sempre falou: "Quem
trabalha é mais feliz”, mas tem que suar pra ganhar o pão E ainda tem que enfrentar
o leão O leão quer morder nosso pão Cuidado com o leão, que ele come o nosso pão
O leão quer morder nosso pão Cuidado com o leão, não dá mole não. (Gabriel, o
Pensador).
Considero esse trecho importante, uma vez que permite uma discussão sobre questões
políticas em relação à receita federal, os impostos altos para a população, as questões da falta
de segurança pública. Compreendo também que a canção propicia a reflexão sobre as
profissões, não como preenchidas por um indivíduo responsável pelas escolhas da profissão,
mas a partir das razões e condições que induzem essa decisão. Assim, ajudaria aos estudantes
entender e analisar quais são as intervenções que interferem na escolha de uma profissão.
Segundo Rojo (2012), o fato de os estudantes transitarem por esferas sociais distintas,
possuindo diferentes histórias, contextos de vida, círculos familiares, crenças e hábitos, nem
sempre é conseguido trabalhar a diversidade e a multiculturalidade em sala de aula, nem
mesmo almejado, mas se faz necessário.
Na observação das atividades, percebe-se que, embora comungado com as diretrizes
curriculares apresentadas na parte destinada às orientações aos professores, o manual do
professor em relação às atividades não contempla satisfatoriamente a criticidade que a
pedagogia dos multiletramentos exige. Acredito que desenvolver a criticidade do estudante é
fazê-lo compreender que a ideologia e as relações de poder estão presentes no texto. Nessa
linha de pensamento, Rojo (2004) afirma que é necessário buscar compreender o texto e seus
contextos na pessoa do autor, questionando a sua posição ideológica, como é colocada essa
ideologia na construção do texto.
Em consonância com a afirmação de Rojo, a proposta da pedagogia dos
multiletramentos auxilia na formação de sujeitos que possam ser protagonistas sociais,
possibilitando aos estudantes se transformarem em criadores de sentido. Para que isso seja
possível, é necessário proporcionar atividade que propiciem ao estudante ser analista crítico,
capaz de transformar os discursos e significações, seja na recepção ou na
produção/distribuição (redesign). Segundo Rojo (2012), a prática de uma pedagogia dos
112
diversos temas com enfoque de ideias políticos e eleitorais. Levar o estudante a pensar que,
com isso, notícias falsas e artigos promovem a desinformação, possibilitando a influência
indevida na escolha dos políticos pela população em geral, comprometendo a democracia em
sua essência. E, ainda, propor um diálogo sobre as diferenças sociais e suas consequências.
Além de todas as indicações anteriores, agir com a linguagem é também uma boa
forma de ampliar o domínio do texto estudado. Para isso, pode-se solicitar a reescrita do texto,
o enfoque em algumas formas linguísticas usadas para conferir veracidade ao que se afirma
no texto, o estilo que foi usado, etc.
O texto “Notícia e Guia” permite o desenvolvimento de reflexões que promovem a
criticidade dos estudantes sobre os motivos aparentes das notícias falsas, de suas divulgações.
É importante buscar relações da vida concreta cotidiana dos estudantes em relação ao tema.
Penso que, para essa relação com o cotidiano no aprofundamento do assunto, pode-se
proporcionar aos estudantes uma notícia falsa em que na análise prática e em conjunto com os
colegas, ou mesmo individualmente, eles possam ir descobrindo as razões de ela ser
considerada falsa, isto é, ao explorar as múltiplas formas de significação, eles podem testar os
efeitos de sentidos dos enunciados e, com isso, reconstruir percursos argumentativos e
localizar nesses percursos as multimodalidades.
Pode-se, também, trabalhar uma notícia verdadeira cujos fatos podem ser
comprovados. E, assim, refletir sobre o tema a partir da comparação das duas notícias. É
primordial que essas notícias façam parte do cotidiano dos próprios estudantes. Segundo Cope
e Kalanzis, aprendizados cotidianos são diferentes de aprendizados escolares (2008 apud
ROJO, 2013, p. 137). Rojo afirma que o primeiro está em toda parte e o último é embasado
em um design previamente constituído (currículo e/ou pedagógico). Desse modo, os fatores
voltados para a constituição das identidades tornam-se prioridades.
Para os teóricos, uma pedagogia para os multiletramentos leva em consideração ações
pedagógicas específicas, que valorizam todas as formas de linguagem verbal não verbal, cujo
foco deve ser o aprendiz, este que passa a ser protagonista no processo dinâmico de
transformação e de produção de conhecimento e não mais um simples reprodutor de saberes.
Em relação à multimodalidade presente no texto, a figura do rosto representando um
nariz comprido sendo recortado por uma tesoura pode ser explorada em aspectos de
significação sobre as questões populares a que remete a figura. Propicia uma discussão
importante sobre manipulação e a confirmação ou não das convicções das pessoas, do caráter.
Nessa possível exploração, pode-se levantar questões do senso comum de cunho
ideológico e multicultural para instigar a criticidade dos estudantes em relação à cultura
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seu autor? Que posição ideológica ele ocupa? Que ideologias assume e coloca em circulação.
Em que situação escreve? Em que veículo ou instituição? Com que finalidade? Quem ele
julga que o lerá? Que lugar social e que ideologias ele supõe que este leitor intentado ocupa e
assume? Como ele valora seus temas? Positivamente? Negativamente? Que grau de adesão
ele intenta? Sem isso, a compreensão de um texto fica num nível de adesão ao conteúdo
literal, pouco desejável a uma leitura crítica e cidadã. Sem isso, o leitor não dialoga com o
texto, mas fica subordinado a ele (Rojo, 2004, p. 6).
Diante do exposto, é propício pensar que a abordagem reflexiva, que valoriza o
conhecimento prévio, a análise crítica, o conhecimento, a aprendizagem, as habilidades já
adquiridas dos estudantes e os diversos modos de significação (multimodalidade), é a
abordagem que estabelece relação com a teoria dos Multiletramentos,
Desse modo, os assuntos apontados permitem uma reflexão com os estudantes a
respeito da base e da superestrutura na concepção de linguagem bakhtiniana que os leve a
entender e tomar consciência das relações históricas, sociais, culturais, políticas e ideológicas
envolvidas nos textos/gêneros discursivos Notícia e Guia e a letra de canção
Supertrabalhador.
9 CONSIDERAÇÕES FINAIS
do que foi aprendido se transforma em propósitos reais e situados. As três formas constituem
os elementos da pedagogia dos multiletramentos (CHINÁGLIA, 2016, p. 51-52).
Essas considerações constituem fator importante, pois os elementos da pedagogia dos
multiletramentos foram o objeto dessa pesquisa. Assim, no desenvolvimento dessa escrita,
notei que os textos e as atividades analisadas são significativos, oportunos, positivos e alguns
colaboram para que o estudante seja crítico. Além disso, é um material que contempla as
orientações da BNCC, alinhado às diretrizes curriculares, que veicula textos multimodais ao
longo de todos os capítulos. Um ponto positivo na análise é o de que as competências gerais e
específicas de língua portuguesa são contempladas nos textos.
Mesmo que não seja o foco dessa escrita, não pude deixar de observar sobre os quatro
grandes eixos relacionados às práticas de linguagens, oralidade, leitura, produção de texto e
análise linguística/ semiótica trabalhadas no livro analisado. Dessas práticas de linguagens, as
três primeiras vão ao encontro das orientações da BNCC. No entanto, o eixo Análise
Linguística/Semiótica é voltado para a ênfase na análise gramatical. As atividades não são
desenvolvidas a partir dos textos explorados nos capítulos de forma contextualizada. Percebi
que essa abordagem contraria as orientações da BNCC que indicam que sejam propostas
reflexões sobre a língua em uso. Essa observação foi feita com o objetivo de verificar se os
textos multimodais apresentados ao longo da coleção utilizavam atividades voltadas para a
reflexão da língua em uso, pois, considerei o livro como um todo.
Porém, nota-se que esses elementos que fazem parte dos pressupostos metodológicos
da pedagogia dos multiletramentos multimodais não possuem lugar de destaque nos
questionamentos das atividades analisadas dos dois textos, nem em suas respectivas
atividades da unidade 4 do livro didático manual do professor do 9º ano Ensino Fundamental
anos finais analisados nesse trabalho
Assim, ao elencar os apontamentos para uma reflexão dos textos analisados à luz da
teoria dos multiletramentos, fiz com o objetivo de clarear as minhas próprias ideias em
relação aos elementos da pedagogia dos multiletramentos, sendo que, na verdade, o meu
desejo diante das evidências observadas era elaborar atividades que contemplassem os
multiletramentos, utilizando objetos digitais de aprendizagens que propiciem o
desenvolvimento dos pressupostos metodológicos da pedagogia dos multiletramentos. No
entanto, seria inviável desenvolver tal propositura nessa dissertação. Cabe a ressalva de que
não se esgotam aqui as possibilidades de desenvolver uma pesquisa voltada para essa
vertente. Um projeto para ser desenvolvido em sala de aula real, com sujeitos reais utilizando
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objetos digitais de aprendizagens à luz da pedagogia dos multiletramentos, pode ser uma boa
direção.
O presente trabalho apresenta uma grande relevância para o processo educativo, pois
permite refletir sobre um livro didático escolhido pelo PNLD e utilizado por algumas escolas
brasileiras. O livro didático é um material necessário e de apoio aos professores na prática
pedagógica, portanto, um material de uso contínuo pelas escolas. Os profissionais da
educação estão sempre procurando respostas para questões ou problemas reais, com sujeitos
reais. Nesse sentido, essa escrita proporciona aos profissionais da educação uma reflexão
acerca da teoria e prática no ensino aprendizagem de língua portuguesa, além de contribuir
nesse processo natural e necessariamente contínuo, colabora para que o(a) professor(a)
possa, na utilização do livro didático, extrapolar, ou seja, ajuda na compreensão de que o
professor em sala de aula deve ir para além do livro didático, elaborando sua própria aula,
valorizando a realidade socio-histórica dos estudantes.
123
REFERÊNCIAS
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concepções de linguagem e ensino de gramática/análise linguística no ensino médio.
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BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC, 2018.
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Brasília, DF: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2019.
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