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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS

FACULDADE DE LETRAS

DINETE ANDRADE SOARES BITENCOURT

MULTILETRAMENTOS E ENSINO-APRENDIZAGEM DE LÍNGUA


PORTUGUESA: O LIVRO DIDÁTICO DE PORTUGUÊS DO ENSINO
FUNDAMENTAL

GOIÂNIA
2021
DINETE ANDRADE SOARES BITENCOURT

MULTILETRAMENTOS E ENSINO-APRENDIZAGEM DE LÍNGUA


PORTUGUESA: O LIVRO DIDÁTICO DE PORTUGUÊS DO ENSINO
FUNDAMENTAL

Dissertação de Mestrado apresentada ao


Programa de Pós-Graduação em Letras e
Linguística, da Faculdade de Letras, da
Universidade Federal de Goiás, como requisito
parcial para a obtenção do Título de Mestre em
Estudos Linguísticos. Linha de Pesquisa: L. P.
7 – Ensino e aprendizagem de línguas naturais
com ênfase em língua portuguesa, línguas
indígenas e língua de sinais

Orientador: Professor Doutor Sinval Martins


de Sousa Filho

GOIÂNIA
2021
RESUMO

Com o tema “Multiletrametos e Ensino-Aprendizagem de Língua Portuguesa: o Livro


Didático de Português do Ensino Fundamental”, esse trabalho objetiva verificar se os
multiletramentos são explorados a partir dos textos/gêneros discursivos do livro didático
Manual do Professor da coleção Tecendo Linguagens de Língua Portuguesa do 9º ano,
escolhido pelo PLND para o triênio 2018 /2019/2020, de Oliveira et al. (2018). Tem como
objetivos específicos: verificar se as competências gerais e específicas apresentadas pelas
autoras do LD para os textos levam em consideração os multiletramentos e observar se os
multiletramentos multimodais são explorados nos textos e nas atividades do LD manual do
professor. Para realizar os objetivos geral e específico, foi escolhida uma unidade do livro
didático. O suporte teórico para as descrições e análises parte das contribuições de Bakhtin
(1992), Geraldi (2015), Rojo (2012, 2013, 2016), Valentin Volóchinov (2017) Círculo de
Bakhtin, Tfouni, (2010), Bevilaqua (2013), Brasil – MEC – (2017-2018), PNLD 2018/2020,
Lüdke, André (2018), Marconi e Lakatos (2017), entre outros. A metodologia adotada centra-
se na pesquisa bibliográfica documental de caráter qualitativo. Os resultados indicam que: os
textos do LD alcançam materialidade pelas temáticas, os multiletramentos estão presentes nos
textos e nas competências elencadas pelas autoras para os textos analisados, porém, os
multiletramentos multimodais não são levados em consideração na exploração das atividades.

Palavras-chave: Multiletramentos. Multimodalidade. Ensino-aprendizagem. Livro didático.


ABSTRACT

With the theme Multiletrametos and Teaching-Learning of Portuguese Language: the


Portuguese Didactic Book of Elementary Education, this work aims to verify if the multi-tools
are explored from the texts / discursive genres of the didactic book Teacher Manual of the
Tecendo Linguagens de Língua Portuguesa collection of the 9th year chosen by PLND for the
three-year period 2018/2019/2020, de Oliveira et al. (2018). Its specific objectives are: to
verify if the general and specific competences presented by the authors of the LD for the texts
take into account the multi-tools and observe if the multimodal multi-tools are explored in the
texts and activities of the teacher's manual LD. To achieve the general and specific objectives,
a textbook unit was chosen. Theoretical support for descriptions and analyzes comes from the
contributions of Bakhtin (1992), Geraldi (2015), Rojo (2012, 2013, 2016), Valentin
Volóchinov (2017) Bakhtin's Circle, Tfouni, (2010), Bevilaqua (2013), Brazil - MEC - (2017
- 2018), PNLD 2018/2020, Lüdke, André (2018), Marconi & Lakatos (2017) among others.
The methodology adopted focuses on qualitative bibliographic documentary research. The
results indicate that the LD texts reach materiality by the themes, the multi-elements are
present in the texts and in the skills listed by the authors for the analyzed texts, however the
multimodal multi-elements are not taken into account in the exploration of activities.

Keywords: Multi-tools. Multimodality. Teaching-learning. Textbook.


AGRADECIMENTOS

Sou feita de retalhos. Pedacinhos coloridos de cada vida que


passa pela minha e que vou costurando na alma [...]. Em cada
encontro, em cada contato, vou ficando maior… em cada
retalho, uma vida, uma lição, um carinho, uma saudade… Que
me tornam mais pessoa, mais humana, mais completa. [...].
Portanto, obrigada a cada um de vocês, que fazem parte da
minha vida e que me permitem engrandecer minha história
com os retalhos deixados em mim. Que eu também possa
deixar pedacinhos de mim pelos caminhos e que eles possam
ser parte das suas histórias.
Cris Pizziment

A Deus, por conceder-me a vida, com saúde e disposição. A Ele que está sempre
comigo, principalmente, nas horas difíceis. À minha mãe, minha protetora “Nossa Senhora”,
pelas inúmeras vezes que sua proteção se estendeu a mim e à minha família.
Aos meus pais, Antônio e Maria (in memoriam), pela dádiva da minha Vida. Pelos
ensinamentos, para que eu me tornasse um ser humano com qualidades necessárias à vida e à
convivência com outras pessoas, ser quem eu sou. À minha mãe e primeira professora, que
não mediu esforços para proporcionar-me uma educação em tempos difíceis.
Ao meu esposo (in memoriam), a minha eterna gratidão por ter sido companheiro, por
dividir os choros comigo e se alegrar com as minhas/nossas conquistas. Pelas inúmeras vezes
que assumia os afazeres domésticos para que eu pudesse cumprir as obrigações estudantis e
profissionais. Estar ao meu lado quando os projetos não davam certos e nunca dizer: eu te
avisei. Por fazer parte da minha vida.
Aos meus filhos queridos Phellipe e Lucas Paullo, por serem meus confidentes,
carinhosos, compreenderem e ajudarem no meu processo de estudante principalmente nas
novas tecnologias, pelas muitas vezes que recorria a eles pedindo auxílio, e prontamente me
ajudavam. Por assumirem muitas vezes os afazeres domésticos para que eu pudesse
concentrar-me na minha pesquisa.
Aos professores, que com dedicação e sábias palavras proporcionaram a desconstrução
do já conhecido e a construção de conhecimentos novos importantes para o meu crescimento
intelectual. Prof. Dr. Agostinho Potenciano, Prof.ª Dr.ª Eliane Marques, entre outros.
Ao meu orientador professor Doutor Sinval Martins de Sousa, pela dedicação,
paciência e carinho. Pelas palavras de apoio, por compreender as minhas limitações, fazendo
sempre questionamentos pertinentes ao processo de escrita, com o objetivo de ampliar meus
conhecimentos. Por ser uma pessoa maravilhosa, com sorriso sempre aberto, sorriso esse que
renovavam minhas esperanças.
Aos professores Prof.ª Dr.ª Débora Magalhães Barros e Prof. Dr. Leosmar Aparecido
da Silva, pelas observações pontuais e relevantes durante o exame de qualificação.
Às minhas amigas Arminda, Elizete, as duas Edinalvas, Ana Brandão, que me
incentivaram com palavras conselhos, dicas para um melhor aprendizado. E, em especial,
minha amiga e irmã de coração, doutoranda em Estudos Linguísticos Livia Aparecida da
Silva, pela paciência em ler alguns escritos, ajudar, na direção das ideias, ser companheira de
conversas acadêmicas.
Enfim, a todos os meus amigos, que direta ou indiretamente colaboraram nessa
jornada.
A todos, minha eterna gratidão e
o meu muito obrigada!
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

BNCC Base Nacional Comum Curricular


ECA Estatuto da Criança e do Adolescente
EF Ensino Fundamental
GNL Grupo de Nova Londres
LDB Lei de Diretrizes e Bases
LD Livro Didático
LDP Livro Didático de Língua Portuguesa
LP Língua Portuguesa
MEC Ministério da Educação
MPB Música Popular Brasileira
NLS Novos Estudos do Letramento
PCNS Parâmetros Nacionais Curriculares
PNE Plano Nacional de Educação
PNLD Plano Nacional do Livro Didático
TICS Tecnologia da Informação e Comunicação
USP Universidade de São Paulo
PUC Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Competências gerais da educação básica ................................................................ 52


Figura 2 – Capa do livro manual do professor Tecendo Linguagens, 2018 ............................. 57
Figura 3 – Livro Manual do Professor Tecendo Linguagens (2018, p. VI a VII) .................... 59
Figura 4 – Livro Manual do Professor Tecendo Linguagens (2018, p. 8)................................ 60
Figura 5 – Livro didático Manual do Professor Tecendo Linguagens (2018, p. 4, 5, 6, 7) ...... 61
Figura 6 – Livro manual do professor Tecendo Linguagens (2018, p. 184-185) ..................... 62
Figura 7 – Livro didático Manual do Professor Tecendo Linguagens (2018, p. X) ................. 63
Figura 8 – Livro didático Manual do Professor Tecendo Linguagens (2018, p. LXV)............ 65
Figura 9 – Livro manual do professor Tecendo Linguagem (2018, p. LXV-LXVI) ................ 69
Figura 10 – Livro didático Manual do professor Tecendo Linguagens (2018, p. 189-190) ..... 70
Figura 11 – Texto 2 – Notícia e guia com as atividades – Livro didático Manual do
professorTecendo Linguagens (2018, p. 189-190)................................................... 71
Figura 12 – Livro didático Manual do professor Tecendo Linguagens Língua Portuguesa
(2018, p. 189-191)...............................................................................................90-91
Figura 13 – Livro didático Manual do professor Tecendo Linguagens Língua Portuguesa
(2018, p. 2020-2021)................................................................................................ 93
Figura 14 – Manual do professor Tecendo Linguagens Língua Portuguesa (2018, p. 221) .... 94
Figura 15 – Manual do professor Tecendo Linguagens língua portuguesa 9º ano (2018, p.
222) ........................................................................................................................ 102
Figura 16 – Livro didático Manual do professor Tecendo Linguagens Língua Portuguesa
(2018, p. 2020-2021).............................................................................................. 103
Figura 17– Manual do professor Tecendo Linguagens língua portuguesa 9º ano (2018, p.222)
................................................................................................................................104
Figura 18 – Livro didático Manual do professor Tecendo Linguagens Língua Portuguesa
(2018, p. 2020 2021) .............................................................................................106
Figura 19 – Livro didático Manual do professor Tecendo Linguagens Língua Portuguesa,
(2018, p.20202021) ...............................................................................................108
LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Representação dos campos de atuação na BNCC............................... 69


Quadro 2 – Organização da Unidade 4 .................................................................. 89
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 11
2 CONCEPÇÃO DE LÍNGUA/LINGUAGEM, LETRAMENTO,
MULTILETRAMENTOS E O ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA ......................... 22
2.1 Concepção de língua/linguagem ...................................................................................... 24
2.2 Concepção de letramento ................................................................................................. 28
2.3 Letramento autônomo e letramento ideológico ............................................................. 30
2.4 Multiletramentos .............................................................................................................. 32
3 O LIVRO DIDÁTICO E A PEDAGOGIA DOS MULTILETRAMENTOS ................ 42
4 A BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR (BNCC) E O COMPONENTE
CURRICULAR DE LÍNGUA PORTUGUESA DO ENSINO FUNDAMENTAL ANOS
FINAIS..................................................................................................................................... 50
4.1 O COMPONENTE CURRICULAR LÍNGUA PORTUGUESA NOS ANOS FINAIS
NA BNCC ................................................................................................................................ 54
5 O LIVRO DIDÁTICO MANUAL DO PROFESSOR TECENDO LINGUAGENS E A
BNCC ....................................................................................................................................... 56
5.1 Competências gerais e específicas de Língua Portuguesa ............................................. 73
5.2 A obra na visão do Guia Digital 2020 ............................................................................. 77
6 CONSIDERAÇÕES TEÓRICO-METODOLÓGICAS CONJUGADAS COM OS
OBJETIVOS DA PESQUISA ............................................................................................... 81
7 O LIVRO DIDÁTICO DO 9º. ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL FRENTE AOS
MULTILETRAMENTOS ..................................................................................................... 87
7.1 Organização da Unidade 4 ............................................................................................... 89
7.2 Unidade 4 – Capítulo 7 – Texto e atividades – Texto 2 – Notícia e guia ...................... 91
7.2.1 Texto Notícia e Guia ...................................................................................................... 91
7.3 Unidade 4 – Capítulo 8 – Texto 2 – Letra de canção ................................................... 102
7.3.1 Atividade da seção “Por dentro do texto” ................................................................. 105
7.3.2 Atividades 2 e 3 da seção “Por dentro do texto” ....................................................... 107
8 APONTAMENTOS PARA O ENSINO APRENDIZAGEM NA PERSPECTIVA DOS
MULTILETRAMENTOS ................................................................................................... 114
9 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................ 119
REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 123
11

1 INTRODUÇÃO

No processo de aprendizagem, só aprende verdadeiramente


aquele que se apropria do aprendido, transformando-o em
apreendido, com o que pode, por isso mesmo, re-inventá-lo;
aquele, que é capaz de aplicar o aprendido apreendido a
situações existenciais concretas.
Paulo Freire.

Na minha posição, ocupada enquanto professora, faz-se necessário pensar no fazer


pedagógico, principalmente no trabalho em sala de aula em torno do ensino-aprendizagem de
língua portuguesa por meio de gêneros. Embora não seja segredo para ninguém que o ensino
de língua portuguesa sempre apresentou desafios aos professores, no que diz respeito ao
ensino e aprendizagem dos estudantes, também é sabido que as buscas por melhorias é uma
constante e faz parte do fazer docente, especialmente do meu fazer.
Diante da exigência de um mundo globalizado, tecnológico e multicultural, mas no
qual tradicionalmente o livro didático assume grande importância no contexto escolar, quase
que de modo exclusivo, apresentando-se como a principal fonte de material didático utilizado
por muitos professores, considero extremamente relevante analisar se ele acompanhou esses
processos evolutivos. Assim, observo se os multiletramentos são explorados em dois textos e
nas suas respectivas atividades de uma unidade do manual do professor, da coleção Tecendo
Linguagens do 9º ano do Ensino Fundamental, selecionado pelo programa Nacional do Livro
Didático (PNLD), para o triênio 2018 / 2020 (OLIVEIRA; ARAÚJO, 2018).
Por buscar observar se os multiletramentos são explorados nos textos e nas atividades
de uma unidade, devo levar em consideração as temáticas dos textos/gêneros discursivos
apresentados no referido manual, além de observar representações a respeito de diferenças
variadas, tais como: sexuais, raciais de gênero e ou indagações sobre quem perde ou ganha em
determinadas relações sociais. Souza nos diz que é importante preparar os aprendizes para os
diversos tipos de confronto:

O mundo globalizado contemporâneo traz consigo a aproximação e justaposição de


culturas e povos diferentes - muitas vezes em situações de conflito. Se todas as
partes envolvidas no conflito tentassem ler criticamente suas posturas, procurando
compreender suas próprias posições e as de seus adversários, há a esperança de
transformar confrontos violentos e sangrentos. Por isso, preparar aprendizes para
confrontos com diferenças de toda espécie se torna um objetivo pedagógico atual e
premente, que pode ser alcançado através do letramento crítico (2011, p. 20).
12

Sendo assim, é necessário que as leituras dos textos veiculados na sociedade e,


principalmente, nas escolas sejam feitas de forma mais crítica e não de maneiras ingênuas de
ler o mundo. Segundo Souza (2011), essa percepção da criticidade, ou seja, a escuta
cuidadosa e crítica, leva-nos a perceber que nada disso elimina as diferenças, mas nos conduz
a procurar outras formas de interação que não sejam nem o confronto direto e nem a busca da
eliminação harmoniosa das diferenças.
Nesse sentido, a escola necessita tomar a seu cargo os novos letramentos emergentes
na sociedade contemporânea. A multiculturalidade origina-se dessa necessidade de se
compreender a sociedade contemporânea como constituída de identidades múltiplas com base
na diversidade de raças, gêneros, classes sociais, padrões culturais e linguísticos. Acredito que
uma educação multicultural, inclusiva, crítica e criativa demanda mudanças radicais e de
paradigmas. A pluralidade de recursos semióticos presentes nos textos retrata a necessidade
de que a escola promova um ensino-aprendizagem que englobe e discuta os modos de
representação para o desenvolvimento crítico e estético dos estudantes.
Assim, antes de abordar os pressupostos sobre multiletramentos que serão
considerados no desenvolvimento da pesquisa, apresento uma abordagem sobre gêneros do
discurso, pois é a partir destes e das atividades relacionadas a eles que observo se os
multiletramentos são explorados no Livro didático LD manual do professor, de Língua
portuguesa do 9º ano do Ensino Fundamental.
Procuro investigar o LD como instrumento importante na construção heterogênea dos
saberes, nas práticas de letramento dos professores e estudantes. Estou mais interessada em
compreender o livro didático manual do professor como fonte real e interessante para a
prática docente do que em vê-lo como um objeto de estudo utilizado apenas com o objetivo de
criticá-lo.
Falar sobre o LD parece muito comum e corriqueiro no mundo da pesquisa acadêmica.
No entanto, ao proceder uma investigação de trabalhos já realizados em relação ao livro
didático, vejo uma diferenciação no que é proposto no presente trabalho e vejo também outras
possibilidades de desenvolvimento de temas futuros e necessários voltados para o estudo do
livro didático. Dos trabalhos observados, aponto três que tiveram contribuições significativas
para esta escrita. A dissertação de Clécio dos Santos Bunzen Júnior (2005), com o título Livro
didático de Língua Portuguesa: um gênero do discurso, com o objetivo de verificar a
possibilidade de estudar, no campo da Linguística Aplicada, o livro didático de língua
portuguesa (LDP) como um gênero do discurso. Nessa perspectiva, o autor passa a
compreender o processo de produção do gênero LDP e o processo de escolha e negociação
13

dos objetos de ensino de produção de texto, com o enfoque na produção de texto, entendendo
como tais práticas e objetos de ensino, construídos socio-historicamente e legitimados
culturalmente, estão interligados discursivamente para formar um objeto cultural complexo.
Na minha dissertação, por sua vez, busco compreender o livro didático como gênero
discursivo. Outra dissertação com igual importância é a da autora Iscarlety Matias do
Nascimento (2018), com o título Abordagem da gramática nos livros didáticos de Língua
Portuguesa: os Parâmetros Curriculares Nacionais promoveram mudanças? Tal trabalho
tem como objetivo discutir sobre a abordagem da gramática nos livros didáticos de língua
portuguesa, buscando analisar se os Parâmetros Nacionais Curriculares (1998) são seguidos
na proposta de ensino de português nos livros didáticos. O resultado apresentado é o de que
poucas foram as mudanças ocorridas no ensino de gramática após a implementação dos
PCNS, prevalecendo, ainda, um estudo tradicional em detrimento de uma análise reflexiva da
língua em uso. Levando em conta tal pesquisa, procuro, no meu trabalho, verificar se os
multiletramentos são explorados nos textos e nas atividades do Livro Didático de língua
portuguesa, visto que a teoria dos multiletramentos defende o ensino voltado para a reflexão
da língua no contexto social. Por sua vez, a pesquisa intitulada Livro de Língua Portuguesa:
contribuições práticas de multiletramentos no Ensino Médio, de Neidson Dionísio Freitas de
Santana (2018), teve como objetivo discutir sobre como o/a professor(a) de língua portuguesa
poderá promover os multiletramentos em sala de aula, a partir do trabalho com o livro
didático. A pesquisa conseguiu chegar num resultado que estabeleceu parceria entre Escola
Básica Pública e Universidade para a produção de novos conhecimentos e propostas de
formação, favorecendo-se a ampliação de saberes e a mobilização de habilidades e
competências docentes acerca do ensino e da aprendizagem de língua portuguesa, tomando o
livro didático como recurso pedagógico para a promoção dos multiletramentos. Tendo em
vista os objetivos de cada trabalho, em minha dissertação analiso se os multiletramentos são
levados em consideração nos textos e nas atividades à luz da teoria de Rojo e Bakhtin,
trazendo apontamentos que não foram contemplados pelas autoras do livro manual do
professor, com o objetivo de ampliar as possibilidades de atividades na perspectiva dos
multiletramentos.
A leitura dos três trabalhos citados proporcionou, cada um na sua especificidade, uma
contribuição significativa e relevante para o desenvolvimento da minha pesquisa. Todavia,
ressalto que a minha pesquisa apresenta um viés diferente das três pesquisas citadas, visto que
busco verificar se os multiletramentos são levados em consideração nos textos e nas
atividades analisadas de um livro didático manual do professor que foi escolhido pelo PNLD
14

2020, além de contemplar as orientações veiculadas na BNCC (2018), do Ensino


Fundamental anos finais.
Acredito na relevância da pesquisa aqui desenvolvida, pois permite a reflexão do
processo de ensino- aprendizagem na perspectiva dos multiletramentos.
Dessa maneira, para o percurso da escrita, a discussão foi assim organizada: na
introdução e problematização da pesquisa discuto um pouco das teorias mobilizadas para o
desenvolvimento do estudo e a importância dos gêneros discursivos no trabalho com a língua
portuguesa. No segundo capítulo, proponho a reflexão sobre as concepções de
Língua/linguagem, letramentos e multiletramentos, destacando a concepção que coaduna com
a teoria bakhtiniana, bem como considero de que forma a BNCC percebe a teoria dos
multiletramentos. Em seguida, no terceiro capítulo procuro compreender a relação entre o
livro didático e a pedagogia dos multiletramentos, e as questões ideológicas que perpassam a
elaboração de um livro didático. Na sequência, no quarto capítulo, trago uma breve
apresentação da estrutura da BNCC e o componente curricular de língua portuguesa do
Ensino Fundamental anos finais. E, para compreender as habilidades, competências e o campo
de atuação propostos na BNCC, no quinto capítulo faço a explanação do livro didático da
coleção Tecendo Linguagens, material de minha análise. Mostro também como são
trabalhadas essas orientações no manual avaliado e como os pressupostos metodológicos são
veiculados no livro. Complementando o percurso, as considerações teórico-metodológicas são
apresentadas no sexto capítulo conjugadas com os objetivos, esclarecendo a metodologia
utilizada para a escrita desta dissertação, relacionando a abordagem qualitativa com a
perspectiva discursiva de Bakhtin, e, ao mesmo tempo, ressaltando os objetivos geral e
específico da pesquisa documental. No sétimo capítulo, que considero o mais extenso,
levando em consideração a teoria bakhtiniana de linguagem e de gênero e a da pedagogia dos
multiletramentos mobilizadas ao longo da dissertação, analiso dois textos de uma unidade do
livro, observando se os multiletramentos são levados em conta, tanto nos textos como nas
atividades referentes a eles. E, ainda, no capítulo nono, como sugestão para o
desenvolvimento de atividades que eventualmente o livro deixou de contemplar, faço
apontamentos em relação aos textos analisados para o ensino-aprendizagem na perspectiva
dos multiletramentos, os quais vão servir como complemento na prática pedagógica para o
professor que utilizar esse livro didático manual do professor da coleção Tecendo Linguagens,
tanto quanto para os professores que defendem o ensino-aprendizagem na perspectiva dos
multiletramentos. E, por fim, no décimo capítulo apresento as considerações finais.
15

Assim sendo, antes do primeiro capítulo, procuro problematizar a pesquisa com base
nas teorias mobilizadas para o seu desenvolvimento, averiguando a importância dos gêneros
discursivos no trabalho com a língua portuguesa e a noção de multiletramentos.
Segundo Bakhtin (1992), a linguagem está intrinsecamente ligada às atividades
humanas. Para esse estudioso, todo e qualquer estudo relacionado à natureza do enunciado
dos diversos campos das atividades humanas é de extrema importância, uma vez que todo
trabalho que investiga um material linguístico concreto opera com enunciados concretos. As
manifestações linguísticas são diversificadas por estarem relacionadas a muitas esferas das
atividades humanas. Assim, segundo esse filósofo, “cada esfera de utilização da língua
elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados, sendo isso que denominamos
gêneros do discurso” (BAKHTIN, 1992, p. 280).
Na sociedade atual, as atividades humanas dão origem a variados tipos de gêneros do
discurso, ou seja, textos com padrões textuais constituídos por três elementos: o conteúdo
temático, o estilo e construção composicional. E estes se modificam conforme a necessidade
da sociedade.
Segundo Rojo e Barbosa, as práticas sociais e as atuações humanas não se dão na
sociedade de forma desorganizada e selvagem, mas

[...] se organizam de maneira diversificada em esferas distintas de atuação ou


atividades que seguem regimes de funcionamentos diferenciados, inclusive no que
diz respeito aos princípios éticos e aos valores, isto é, as práticas sociais são
“situadas” em esferas de atuação específicas.[...] Assim, a sociedade se organiza e
funciona em campos ou esferas de atividade que se regem por leis próprias, as quais
determinam a posição, os poderes, os deveres,, os valores e o habitus dos indivíduo
as quais atuam nesses campos ou esferas. Entre essas maneiras de agir em uma
esfera ou campo, que Bourdieu denominou “habitus”, estão as maneiras de falar, de
escrever e de se comunicar interagindo, ou seja, os gêneros discursivos. As
esferas/campos de atividade humana não são entendidas por Bakhtin de maneira
estanque. Não são estáticas porque se transformam com as mudanças históricas,
sociais e culturais. E não são estanques, pois estão estreitamente relacionadas,
interinfluenciam-se e muitas vezes funcionam de maneira imbricada ou híbrida.
(2015, p. 56, 59 e 67, grifos da autora).

Portanto, o ensino de línguas tem como objeto de ensino o trabalho com os gêneros do
discurso. Sendo assim, endosso essa reflexão sobre a importância do trabalho com gêneros,
pois é através dos gêneros que as práticas de linguagem se materializam nas atividades dos
aprendizes. Nessa perspectiva, o que a esfera/campo delimita é um extenso leque de
possibilidades; gêneros variados que se ampliam à medida que a esfera/campo se expande.
16

Segundo Rojo e Barbosa, quando uma esfera/campo se transforma, muitos gêneros


desaparecem ou morrem. As autoras completam o raciocínio dizendo que:

O livro didático é um gênero, por exemplo, que passou por uma série de
transformações ao longo do tempo histórico. Para além da Carta do ABC e da
Tabuada, nas décadas de 1950 e 1960, estudávamos em compêndios de gramática e
em antologias, e os professores davam aula. A maior parte desses gêneros (com
exceção talvez do compêndio de gramática) desapareceu das escolas porque a
esfera/campo escolar mudou. Foi justamente a junção desses três gêneros (manual
de gramática, antologia e aula) que deu origem ao que hoje chamamos por livro
didático (ROJO; BARBOSA, 2015, p. 69).

Portanto, o que determina as características do gênero discursivo é o funcionamento, a


especificidade da esfera/campo em seu determinado tempo e lugar. Pelo que comenta Rojo
(2015), como o funcionamento, os instrumentos e as relações sociais nas esferas mudam, os
gêneros também se modificam de acordo com essas alterações. A autora discute que há uma
visível ligação entre as práticas sociais, os tipos de interação verbal, os gêneros e as esferas de
atividade. Cada uma dessas esferas/campos de atividade está ao mesmo tempo interligada por
certos tipos de interação verbal praticados e admitidos nas práticas sociais, o que permitiria
falar em “esfera/campos de comunicação”. Nestas, circulam vários gêneros que refratam e
refletem as restrições impostas pela correlação de posições sociais, pelo jogo de interesses e
pelas finalidades próprias dessas esferas, e que, simultaneamente, estagnam as formas de
discurso – os gêneros. Segundo Rojo e Barbosa (2015), as esferas estão relacionadas aos tipos
de atividade humana nelas desempenhados, e estas, por sua vez, aos gêneros discursivos que
nelas circulam em forma de textos/enunciados concretos. A partir de tal perspectiva é que
Bakhtin se refere a esferas/campos de atividade humana da comunicação verbal, afirmando
que

Em cada campo existem e são empregados gêneros que correspondem às condições


específicas do dado campo; é a esses gêneros que correspondem determinados
estilos. Uma função (científica, técnica, publicística, oficial, cotidiana) e certas
condições de comunicação discursiva, especificas de cada campo, geram
determinados gêneros, isto é, determinados tipos de enunciados estilísticos,
temáticos e composicionais relativamente estáveis (BAKHTIN, 2017, p. 18).

Nessa linha de pensamento, Rojo e Barbosa (2015) dizem que Bakhtin chama a
atenção para o fato de que os gêneros são apenas relativamente estáveis: mudam de acordo
com diferenças culturais, transformam-se historicamente no tempo e são flexíveis. São tipos
17

históricos de enunciados e, portanto, de natureza social, discursiva, histórica, cultural e


dialógica.
Dessa maneira, nesta pesquisa, considero a perspectiva teórica de Bakhtin relacionada
aos gêneros do discurso. Assim, a língua não se restringe apenas às estruturas linguísticas, ela
é dialógica: ela se manifesta nos enunciados que formam textos, os gêneros do discurso.
Portanto, um ensino de Língua Portuguesa visto sob essa ótica considera a língua como sendo
viva e em constante relação com a história e a sociedade.
Segundo Silva (2009), por serem construídos socialmente, os gêneros propiciam sinais
aos sujeitos para que estes interpretem a maneira com que as pessoas estão agindo no mundo
e compreendam o poder que a linguagem tem na construção de significados. Portanto, o
letramento que se fundamenta na perspectiva de gêneros discursivos ajuda na formação
cidadã, no que diz respeito ao papel da linguagem em todas as esferas e instâncias sociais que
entendem a relação língua-discurso-ideologia. Consoante a isso, retomo Bakhtin (1992),
quando diz que “a língua passa a integrar a vida por meio de enunciados concretos, mas é
igualmente por meio de enunciados concretos que a vida entra na língua”. Assim sendo, tanto
os gêneros como o letramento tomam a linguagem como produtora de sentidos para e por
sujeitos discursivos. Em consonância com Silva (2009), Tardelli e Komesu (2018), numa
entrevista a Joaquim Dolz, em relação a letramento e gêneros textuais discursivos ele afirma
que:

Sendo assim, o letramento tem que abordar a problemática da diversidade. Eu acho


muito importante que o letramento considere a diversidade de usos segundo
diferenças regionais e, sobretudo, segundo situações de comunicação. [...] para
construir o sentido, precisamos considerar os contextos. No fundo, o
desenvolvimento do letramento tem muito a ver com a adaptação e o tratamento das
situações diversas de comunicação. Nesse marco, a reflexão sobre os gêneros
textuais ou discursivos é fundamental para o estudo do letramento. Desenvolver o
letramento na/da sociedade brasileira exige considerar essa diversidade.
(TARDELLI, 2018, p. 130-131).

Nessa perspectiva, faz-se necessário levar em consideração o estudo dos gêneros


discursivos para o desenvolvimento do letramento. Logo, novos tipos de letramentos surgiram
e têm surgido na nossa sociedade e não há como desconsiderá-los no processo de ensino
aprendizagem. Segundo Rojo (2012), novas práticas requerem novos letramentos, e, nesse
sentido, o trabalho com vários e diversificados gêneros permite que o ensino se abra às
possibilidades de abordar mais esferas, propiciando uma formação do indivíduo crítico e
participativo na sociedade. A referida autora afirma:
18

É hora de passar a levar em consideração o conceito de letramentos. Compete à


escola, pela ampliação de produção e circulação de variados textos/gêneros, a
responsabilidade de criar condições para que o aluno se envolva em múltiplas
práticas de letramentos que possibilitem sua inserção e participação em inúmeras
esferas da atividade humana presentes na sociedade. (ROJO, 2012, p. 2014.)

Dessa forma, o aluno interage com diferentes gêneros discursivos e se envolve nas
inúmeras e variadas práticas sociais de leitura e escrita em seu contexto social. Pois, segundo
Rojo e Barbosa, os gêneros, enquanto formas historicamente cristalizadas nas práticas sociais,
fazem a mediação entre a prática social ela própria e as atividades de linguagem dos
indivíduos (2015, p. 107). Os gêneros, portanto, intermedeiam e integram as práticas às
atividades de linguagem. São referências fundamentais para a construção das práticas de
linguagem. Como tal, segundo a autora, do ponto de vista da aprendizagem escolar, são
megainstrumentos que fornecem suporte para as atividades de linguagem nas situações de
comunicação e que funcionam como referências para os aprendizes.
Levando em consideração as mudanças das últimas décadas, é necessário pensar que
sempre surgem novas formas de ser, de se comportar, de discutir, de relacionar, de se
informar e de aprender. E, diante dos novos tempos, das novas tecnologias, dos novos textos e
das novas linguagens é preciso pensar e levar em conta os multi e novos letramentos, as
práticas, procedimentos e gêneros em circulação, nos ambientes escolares na sociedade e no
mundo.
Tendo em vista essas considerações, e diante do exposto, penso na importância de
analisar se os multiletramentos são explorados no livro didático a partir dos gêneros
discursivos e das atividades relacionadas a ele. Posto isso, passo a apresentar o conceito de
multiletramentos.
Segundo Rojo (2012), o conceito de multiletramentos foi criado pelo Grupo de Nova
Londres em 1996, associando-o à multimodalidade e à multiculturalidade para criar um novo
conceito: multiletramentos – o qual une o letramento de caráter multimodal e multicultural.
Portanto,

[...] diferentemente do conceito de letramentos (múltiplos), que não faz senão


apontar para a multiplicidade e variedade das práticas letradas, valorizadas ou não,
nas sociedades em geral, o conceito de multiletramentos – é bom enfatizar – aponta
para dois tipos específicos e importantes de multiplicidade presentes em nossas
sociedades, principalmente urbanas, na contemporaneidade: a multiplicidade
cultural das populações e a multiplicidade semiótica de constituição dos textos por
meio dos quais ela se informa e se comunica.” “Em qualquer dos sentidos da palavra
“multiletramentos” – no sentido da diversidade cultural de produção e circulação
dos textos ou no sentido da diversidade de linguagens que os constituem –, os
estudos são recorrentes em apontar para eles algumas características consideradas
19

importantes: eles são interativos; mais que isso, eles são colaborativos; eles fraturam
e transgridem as relações de poder estabelecidas, em especial as relações de
propriedade (das máquinas, das ferramentas, das ideias, dos textos (verbais ou não);
eles são híbridos, fronteiriços, mestiços (de linguagens, modos, mídias e culturas).
(ROJO, 2012, p. 13).

Segundo Rojo, na perspectiva dos multiletramentos, a leitura se torna dinâmica, pois


articula modalidades de linguagem além da escrita, reflete as mudanças tecnológicas e sociais
atuais, ampliando e diversificando as várias maneiras disponíveis de compartilhar
informações e conhecimentos. Dessa maneira, o desenvolvimento de linguagens híbridas
torna-se um desafio para professores, para a escola e para agentes que trabalham com a língua
escrita.
Ao se referir ao conceito de multiletramentos, Bevilaqua afirma que:

[e]mbora letramento seja o objeto de estudos dos NLS e dos Multiletramentos, este
apresenta um enquadramento teórico que o distingue daquele. Seu foco de atenção
está centrado primordialmente no ensino do letramento, ou melhor dizendo, dos
multiletramentos. Para esse fim, os teóricos formulam conceitos-chave à luz das
profundas mudanças instauradas pelo ‘novo capitalismo’ e a ampla tecnologização
que o acompanha. O conceito de Design de sentidos é o eixo estruturador de toda a
teoria dos Multiletramentos, pois é por meio desse conceito que a teoria instanciará
concepções de construção de sentido, interesse, agenciamento e multimodalidade,
primordiais para o ensino requerido na contemporaneidade e explicitadas no
decorrer do texto (2013, p. 105-106).

Nesse sentido, a autora afirma que “Design” é o entendimento, ou seja, a ideia de uma
linguagem de aprendizagem de mundo, e está claro que se constitui um ato de construção do
sentido. Assim o agente passa a ser “design” de sentidos e não um simples reprodutor de
habilidades e competências. Nessa perspectiva, a autora coaduna com Bakhtin dizendo que os
sentidos são constituídos por dimensões socioculturais e ideológicas, dependentes de
contextos diferenciados. Portanto, um conceito ideal e atual para as demandas educacionais
sociais, pois o sujeito de que fala a teoria dos multiletramentos é um sujeito que ressignifica a
sua realidade. O design representa o sentido de movimento, onde os agentes sociais
estabelecem diferentes tipos de interação e de interlocução comunicativa, e a partir de
diversificados enunciados. Assim sendo, o sujeito não fica estático, contra as noções inertes
da aquisição das competências. Com isso, supõe-se aqui um sujeito dinâmico, criativo, que
inova com interesse e motivação na produção de sentido.
Dessa forma, fica claro que a teoria dos multiletramentos comunga com a teoria de
Bakhtin, concernente à aprendizagem, pois esta leva em consideração o contexto social,
histórico e cultural do sujeito. Os autores até aqui citados enfatizam a necessidade de levar em
20

consideração a cultura do meio social que os sujeitos atuam. Ao abordar sobre esse assunto,
Canclini (1997) fala da importância da miscigenação das culturas, pois estas proporcionam
um ganho potencial na comunicação e no conhecimento. Assim, ao concluir seu livro
Culturas híbridas poderes oblíquos ele nos diz que

[...] as hibridações descritas nos levam a concluir que hoje todas as culturas são de
fronteira. Todas as artes se desenvolvem em relação com outras artes: o artesanato
migra do campo para a cidade; os filmes, os vídeos e canções que narram
acontecimentos de um povo são intercambiados com outros. Assim as culturas
perdem a relação exclusiva com seu território, mas ganham em comunicação e
conhecimento (1997, p. 29).

Portanto, a teoria dos multiletramentos considera a multiplicidade de textos semióticos


ou hipermidiáticos e a multiplicidade cultural. A Base Nacional Curricular Comum (BNCC)
do ensino fundamental de Língua Portuguesa reforça a importância do trabalho com os
multiletramentos hipermidiáticos, conforme pode ser observado na citação seguinte:

[...] as práticas de linguagem contemporâneas não só envolvem novos gêneros e


textos cada vez mais multissemióticos e multimidiáticos, como também novas
formas de produzir, de configurar, de disponibilizar, de replicar e de interagir. As
novas ferramentas de edição de textos, áudios, fotos, vídeos tornam acessíveis a
qualquer uma produção e disponibilização de textos multissemióticos nas redes
sociais e outros ambientes da Web. Não só é possível acessar conteúdos variados em
diferentes mídias, como também produzir e publicar fotos, vídeos diversos,
podcasts, infográficos, enciclopédias colaborativas, revistas e livros digitais etc.
Depois de ler um livro de literatura ou assistir a um filme, pode-se postar
comentários em redes sociais específicas, seguir diretores, autores, escritores,
acompanhar de perto seu trabalho; podemos produzir playlists, vlogs, vídeos-
minuto, escrever fanfics, produzir e-zines, nos tornar um booktuber, dentre outras
muitas possibilidades. (BRASIL, 2017, p. 66).

A BNCC propõe também o trabalho com a multiculturalidade, esta que, da mesma


maneira, imbricada à questão dos multiletramentos, considera, como uma de suas premissas,
a diversidade cultural. Sem aderir a um raciocínio classificatório reducionista, o qual
desconsidera as hibridizações, apropriações e mesclas, é importante contemplar o cânone, o
marginal, o culto, o popular, a cultura de massa, a cultura das mídias, a cultura digital, as
culturas infantis e juvenis, de forma a garantir uma ampliação de repertório e uma interação e
trato com o diferente (BRASIL, 2017, p. 68)
Nesse sentido, mesmo que a coleção de livro didático selecionada seja do mesmo ano
em que a BNCC do ensino fundamental foi efetivada, a teoria dos multiletramentos é de 1996,
e Rojo a discutiu em 2012. Com isso, ao considerarmos a evolução da sociedade, é
imprescindível trabalhar com esses novos tipos de letramentos. Rojo (2012) concorda com
21

Lemke, quando esta afirma que “não são os novos textos multissemióticos, multimodais ou
hipermidiáticos que colocam desafios aos leitores, mas, as práticas escolares de leitura e
escrita que já eram insuficientes mesmo na era do impresso” (LEMKE apud ROJO, 2012, p.
22).
Portanto, diante da importância de explorar os multiletramentos no processo de ensino
e aprendizagem de Língua Portuguesa, desenvolvo esta pesquisa para verificar se os
multiletramentos são trabalhados a partir dos gêneros discursivos e das atividades
relacionadas a eles no livro didático (LD) - manual do professor - Língua Portuguesa, do 9º
ano do ensino fundamental, escolhido pelo Programa Nacional do Livro Didático PNLD
2020.
Segundo Rojo e Barbosa (2015), o Grupo de Nova Londres defende a ideia de que as
diferenças de gênero, de cultura e de língua não devem ser uma barreira para uma educação
adequada. Diante de uma realidade em que se observam mudanças nas mais diferentes esferas
da vida, o Grupo de Nova Londres tem a oportunidade de ampliar seus conhecimentos
rompendo as barreiras impostas pelas diferenças e pela rapidez com que as mudanças se
processam. Nessa direção, para aprofundar e falar das teorias que embasam a minha análise,
busco compreender, no capítulo seguinte, as concepções de língua/linguagem, letramento e
multiletramentos.
22

2 CONCEPÇÃO DE LÍNGUA/LINGUAGEM, LETRAMENTO,


MULTILETRAMENTOS E O ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA

Nesse capítulo, apresento as bases teóricas sobre as concepções de linguagem,


letramento e multiletramentos, assim como suas contribuições para o ensino da língua
portuguesa. Como ponto de partida, analiso três concepções de linguagem: a linguagem como
expressão do pensamento, e o ensino prescritivo/normativo; a linguagem como instrumento
de comunicação (ferramenta de comunicação); e a linguagem como meio de interação.
Posteriormente, abordo os conceitos de “letramento autônomo” e “letramento ideológico” e o
ponto de junção entre estes e os multiletramentos no ensino da língua portuguesa.
O sistema educacional vivencia dificuldades em promover o desenvolvimento das
habilidades necessárias para uma aprendizagem significativa. Nos Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCNs -1998) encontram-se diversas reflexões sobre a formulação do ensino da
língua portuguesa (LP). De um lado, as pesquisas revelam os registros do fracasso escolar e
indicam a impossibilidade de um ensino tradicional frente à situação atual, já que muitas
práticas pedagógicas estão distantes de situações reais de uso da língua. De outro, a realidade
vivenciada na educação brasileira, apesar do trabalho que vem sendo realizado, atesta que os
avanços só são alcançados a longo prazo, e existe uma constante busca de respostas para esse
fracasso escolar.
Conforme constam nos PCNs, no que se refere às discussões a respeito desse
problema, a questão da leitura e da escrita foi apontada como a principal causa desse fracasso.
Diante disso, faz-se necessária a reestruturação do ensino da língua portuguesa, com o
objetivo de garantir, de fato, a aprendizagem de estudantes e o direito ao ensino. Os
Parâmetros Curriculares Nacionais apresentam uma síntese do que foi possível aprender e
avançar através das discussões promovidas sob a forma de reorientação curricular ou de
projetos de formação de professores em serviço, com o intuito de revisar as práticas
tradicionais de alfabetização e de ensino da língua portuguesa, bem como das produções
científicas mais recentes nas áreas da linguística aplicada, da análise do discurso e da
gramática textual, principalmente.
Por um lado, os Parâmetros Curriculares Nacionais apresentam as diretrizes que
apontam os currículos e seus conteúdos mínimos, de modo que seja assegurada uma
informação básica comum, apesar das grandes diferenças regionais, culturais e políticas
encontradas no nosso país. Por outro, averígua-se que, entre os professores e o sistema de
23

ensino, há um impedimento e/ou embaraço em ultrapassar o ensino transmissivo em prol de


um ensino pautado na investigação de fenômenos linguísticos, como vem sendo indicado por
vários campos da linguística.
O ensino da LP sempre foi pauta de discussão entre os que trabalham na prática e os
que são pesquisadores, haja vista que há uma diferença entre professores e professores
pesquisadores, assunto que não abordo neste capítulo e que pode ser tema de um outro
trabalho a ser desenvolvido. Atenho-me às concepções de linguagem que dão direcionamento
à prática pedagógica de professores de língua portuguesa.
Durante décadas houve mudanças na educação brasileira, entretanto, a forma de
hierarquizar e elitizar ainda perduram através do predomínio da norma culta da língua, reflexo
de concepções de língua/linguagem que se estabeleceram ao longo do tempo no processo de
ensino e aprendizagem brasileiro. Ao refletir sobre linguagem, letramento, multiletramentos e
ensino de português, busco por estudos anteriores voltados para os referidos temas e vários
trabalhos foram encontrados com vieses diferentes do proposto aqui.
No artigo “Concepções de linguagem e conceitos correlatos: a influência no trato da
língua e da linguagem”, Doretto e Beloti (2011) têm por objetivo discutir as concepções de
linguagem e os conceitos subjacentes a cada uma delas e, ainda, apresentar um quadro-síntese
de conceitos relacionados a essas concepções, a fim de ilustrar as discussões. Já em “As
concepções de linguagem e o ensino de língua materna: um percurso”, Gomes (2010)
apresenta um percurso sucinto sobre a origem do conceito dessas concepções e suas
consequências no ensino de língua portuguesa. Em “Novos estudos do letramento e
multiletramentos: divergências e confluências”, Bevilaqua (2013) tem por objetivo realizar
um estudo comparativo entre esses dois campos teóricos, que sugerem perspectivas diferentes
para lidar com o letramento. Este último estudo foi-me muito útil, pois nas reflexões a autora
traz novos conceitos em relação ao letramento e aos multiletramentos, os quais me dão apoio
para sustentar alguns pontos de vista relativos a essas temáticas.
Para o estudo aqui proposto, analiso três concepções de linguagem: a linguagem como
expressão do pensamento, e o ensino prescritivo/normativo; a linguagem como instrumento de
comunicação (ferramenta de comunicação); e a linguagem como meio de interação. E, para
finalizar, abordo os conceitos de “letramento autônomo” e “letramento ideológico” e o ponto
de junção entre estes e os multiletramentos no ensino da língua portuguesa, fazendo uma
síntese das contribuições das teorias/aplicações na escola, no ensino de LP.
24

2.1 Concepção de língua/linguagem

Entende-se que as concepções da língua/linguagem foram e ainda são utilizadas como


suporte para o trabalho com a língua materna na escola. Geraldi (2004) indica três concepções
de linguagem que orientam e direcionam a prática pedagógica de professores de língua
portuguesa: a linguagem como expressão do pensamento, como instrumento de comunicação
e forma de interação. Muitos autores já discutiram a ligação entre as concepções e o
encadeamento para o ensino de língua, mas é a forma como se vê a linguagem que estabelece
o caminho e delineia os passos a serem percorridos por professores.
De acordo com Araújo, Sousa Filho e Lima (2018), a primeira concepção, a da
linguagem como expressão do pensamento, considera a expressão construída na mente dos
indivíduos, por isso, o que as pessoas dizem é reflexo do que está em suas mentes. Logo, a
enunciação é vista como um ato individual e monológico. Conforme afirmam os autores,

[n]essa perspectiva, o ensino de língua prioriza os aspectos normativos e a aula de


língua é confundida com aula de gramática, havendo, portanto, a ênfase do trabalho
sob a forma em detrimento do uso. Assim, o profissional que se pauta nessa
concepção focará, em sua prática, a gramática normativa/prescritiva como ponto
principal do processo ensino e aprendizagem (2018, p. 274).

Percebe-se que essa concepção é pautada na escrita da norma culta, e tem o texto
como ferramenta para ensinar o que está certo ou errado nessas regras, deixando de lado a
oralidade, um eixo importante para o desenvolvimento de habilidades cognitivas. Soares
(1998) mostra que essa concepção caracterizou o ensino de língua em nossas escolas durante
um longo período como um sistema fechado, deixando transparecer que a linguagem escrita
deveria ser encarada como algo intocável ou até mesmo imutável, daí essa primeira
concepção da linguagem ter tanta aceitabilidade nas escolas durante um longo período.
Entende-se com isso que o conhecimento e o esclarecimento sobre uma concepção de
linguagem e língua podem transformar a prática do trabalho pedagógico em sala de aula
quando falamos em ensino da língua. Por isso, é de extrema importância o conhecimento e o
domínio das teorias sobre a linguagem.
Na segunda concepção, a linguagem como instrumento de comunicação e o ensino
descritivo da língua, a linguagem é vista como um código pronto (ARAÚJO; SOUSA FILHO;
LIMA, 2018) à disposição dos usuários, que a utilizarão como mero instrumento de
comunicação. Por meio desta compreensão de linguagem, de acordo com Travaglia, a língua é
25

vista como um código, isto é, um conjunto de signos que se combinam segundo regras (2002,
p. 22). Dessa maneira, para a comunicação ser efetiva, é necessário que o emissor e o receptor
dominem os códigos. Assim, outros teóricos como Marcuschi veem que

essa noção de linguagem desvincula a língua de suas características mais


importantes: ‘de seu aspecto cognitivo e social’, ou seja, para essa concepção o
falante tem em sua mente uma mensagem a transmitir a um ouvinte, isto é,
informações que quer repassar a outro. Para isso, ele transporta essa mensagem para
um código (codificação) e a remete para o outro através de um canal. Essa visão
levou ao estudo da língua enquanto código virtual, isolado de sua utilização (2008,
p. 60).

Nessa perspectiva, o professor que utiliza tal concepção de linguagem no ensino e


aprendizagem da língua portuguesa garante ao aluno o acesso ao sistema alfabético e à
gramática para recorrer a esse código, às vezes, como emissor, ou seja, codificador, outras
vezes como recebedor, decodificador, e é essa concepção de linguagem que determina o
ensino da língua como sendo descritivo. Segundo Soares (1998), é a partir da década de 1970
que se passa a tratar, no Brasil, a língua nacional nas escolas como “instrumento de
comunicação”. A partir dessa concepção, que tem vínculo com a teoria da comunicação, o
ensino de língua portuguesa respaldou-se convenientemente desse código. Dessa forma,
prevaleceu a tendência gramatical positivista, a gramática descritiva, predominando as
descrições sintáticas e morfológicas e as atividades voltadas para a produção textual baseadas
em três tipologias: narração, dissertação e descrição.
Com o desenvolvimento de novos conhecimentos na chamada tendência linguística,
como a sociolinguística, a análise do discurso, a semântica e a linguística textual, intituladas
como linguística discursiva, o ensino de LP passa por mudanças de perspectivas de
metodologias. No entanto, as mudanças não perpassam o tradicional e, tampouco, dão conta
do método interacionista.
Diante dessa perspectiva, as correntes existentes a partir dos anos 1980 contribuíram
para uma mudança significativa na concepção de linguagem, dando, assim, nova direção para
a prática no ensino da língua portuguesa. A linguagem, com as contribuições de Mikhail
Bakhtin, passa a ser vista como social e de caráter dialógico. De forma interacional, a língua
não é mais usada apenas para a comunicação, mas também para estabelecer os processos
educacionais. Com os estudos existentes a partir da linguística textual, da análise do discurso,
da sociolinguística e, principalmente, da linguística aplicada, é que se passa a considerar, de
fato, que as manifestações de uma língua, escrita ou oral, estão inseridas em um processo de
26

construção interativa. Estes estudos estão no esteio da concepção que vê a linguagem como
processo de interação. A esse respeito, Araújo, Sousa Filho e Lima afirmam:

Na concepção defendida por Bakhtin (2012), tem-se uma visão enunciativa e


discursiva da linguagem, visto que ela é entendida não como uma categoria
gramatical abstrata, mas sim como um fato social, fundamentalmente saturada por
posicionamentos axiológicos. Sob essa perspectiva, o autor opõe-se à noção de
língua tal como era concebida no objetivismo abstrato, na qual havia dissociação
entre o social e o individual, e no subjetivismo idealista, ao passo que desenvolve
uma filosofia de linguagem pautada no aspecto comunicativo e dialógico, abordando
a língua em sua prática viva na comunicação social, considerando sua realização
mediante a interação verbal e social dos locutores (2018, p. 275).

Compreende-se que, nessa concepção, a linguagem não é formulada no


individualismo, mas incorporada ao mundo social e histórico dos sujeitos, isto é, do sujeito e
dos outros e para os outros e com os outros é que ela se constitui, assim, não há um sujeito
pronto, acabado, na interação, mas um sujeito que se completa e se constrói nas suas falas
(BAKHTIN, 2017, p. 113). A enunciação, em si, não pode ser encarada como individual,
unicamente, deve ser considerada de natureza social. Assim, sobre a linguagem as ideias de
Doretto e Beloti se comunicam com as ideias de Bakhtin quando afirmam que

[...] assim, a linguagem é vista como processo de interação, a língua é usada não
apenas para a comunicação, mas, também, para estabelecer a interação social (agir
sobre agir entre). O indivíduo realiza ações, atua sobre o interlocutor. Considera-se
os contextos social, histórico e ideológico. A linguagem é, pois, um lugar de
interação humana, de interação comunicativa pela produção de efeitos de sentidos
entre interlocutores, em uma dada situação de comunicação e em um contexto socio-
histórico e ideológico (2011, p. 92).

Ainda segundo as autoras, a gramática, nessa concepção de linguagem, torna-se


internalizada, ou seja, para um falante, é primordial o domínio das regras nessa interação com
seus interlocutores, nas situações reais de comunicação. Para essa perspectiva, o ensino não é
baseado na gramática normativa e nem na descritiva, mas em uma gramática contextualizada,
que tem o texto como objeto de estudo. E, como o predomínio está nas interações verbais
sociais, o estudo é considerado a partir dos gêneros discursivos.
Franchi, em a Linguagem – atividade constitutiva, procura compreender as várias
concepções de linguagem, apesar de negar algumas, fazendo uma seleção destas e indicando
seu ponto de vista particular, afirmando que a linguagem deve ser reconhecida como atividade
constitutiva. Nesse contexto, o teórico afirma que
27

[...] certamente a linguagem se utiliza como instrumento de comunicação,


certamente comunicamos por ela, aos outros, nossas experiências, estabelecemos por
ela, com os outros, laços 'contratuais' por que interagimos e nos compreendemos,
influenciamos os outros com nossas opções relativas ao modo peculiar de ver e
sentir o mundo, com decisões consequentes sobre o modo de atuar nele. Mas, se
queremos imaginar esse comportamento como uma ‘ação’ livre e ativa e criadora,
suscetível de pelo menos renovar-se ultrapassando as convenções e as heranças,
processo em crise de quem é agente e não mero receptáculo da cultura, temos então
que apreendê-la nessa relação instável de interioridade e exterioridade, de diálogo e
solilóquio: antes de ser para a comunicação, a linguagem é para a elaboração; e antes
de ser mensagem, a linguagem é construção do pensamento; e antes de ser veículo
de sentimentos, ideias, emoções, aspirações, a linguagem é um processo criador em
que organizamos e informamos as nossas experiências. (FRANCHI, 1992, p. 57).

Para o autor, a linguagem é utilizada como instrumento de comunicação, pois


comunicamos por ela nossas experiências e estabelecemos laços porque interagimos e
influenciamos os outros com nossas opções, nosso modo de ver e sentir o mundo e de atuar
nele. Franchi (1992) vê a linguagem como um processo criador no qual organizamos e
informamos nossas experiências. Conforme explica, se queremos esse comportamento como
ação livre, ativa e criadora, ultrapassando as convenções, há que se ter a apreensão da
linguagem numa relação instável de interioridade e exterioridade, de diálogo e solilóquio.
Afirma, ainda, que a linguagem não é apenas instrumento de interação entre os homens, é
instrumento de intervenção e da dialética entre cada um de nós e o(s) outro(s). É na interação
de um “eu” com o “tu” que nos organizamos e nos mantemos como seres que significam. A
escolha das palavras dos enunciados, o ritmo, o tom, a intensidade da voz são aspectos que
interferem, positiva ou negativamente, na interlocução.
Dessa forma, entende-se que, por uma concepção de linguagem como processo de
interação, é necessário, de uma maneira ou outra, circular por todas as concepções e utilizar
aquilo que é importante e diz respeito ao objetivo de ensino. Deste modo, defendo, aqui, em
consonância com os autores citados, um trabalho com a língua portuguesa que estabeleça
relações com o linguístico e o discursivo e que conceba a linguagem como processo de
interação, tendo em vista o sujeito social, histórico e ideologicamente constituídos na e pela
linguagem. Rios afirma que a linguagem se constitui no eixo de tudo porque

[...] é pela linguagem que nos expressamos em nossas interações sociais,


construímos nossas significações, nossos discursos – nossas representações, ou seja,
a linguagem é condição essencial de constituição do sujeito. O sujeito se dá na e pela
linguagem. De acordo com Bakhtin (1990), o sujeito se constitui como tal à medida
que interage com os outros, suas produções discursivas resultam deste mesmo
processo no qual o sujeito internaliza a linguagem e constitui-se como ser social.
Isto implica que não há um sujeito pronto, que entra em interação, mas um sujeito se
completando e se construindo nas suas falas e nas falas dos outros (2005, p. 203).
28

As ideias de Rios (2005) me permitem pensar que a linguagem é a condição social do


sujeito. Um sujeito que vai se construindo ao adotar determinados valores através do
dialogismo entre o eu e os outros, um sujeito que vai sendo interpelado pelas ideologias, não
na sua individualidade, mas socialmente. Nessa perspectiva, a autora diz que a complexidade
do pensamento Bakhtiniano concebe o eu e o outro como inseparáveis porque tem como
elemento articulador a linguagem. Isto posto, fica claro meu posicionamento no que se refere
ao trabalho com a língua portuguesa e à clareza de que há uma grande necessidade de se ter
conhecimento desse elemento articulador que é a linguagem, de compreender que o diálogo
revela uma forma de ligação entre a linguagem e a vida. Ainda segundo Rios (2005), a língua
não é um sistema fechado, e a forma como se fala e se apropria das palavras dos outros coloca
também os interlocutores como participantes do processo de constituição do sujeito. Dessa
maneira, para prosseguir com a compreensão das concepções citadas anteriormente, vejamos
a seguir a concepção de Letramento.

2.2 Concepção de letramento

Ao abordar a palavra letramento, é necessário pensar na aceitação desta nos meios


acadêmicos, apesar de que o lugar onde ela deveria ser conhecida e debatida é na escola. No
entanto, essa movimentação devida sobre a concepção de letramento ainda perpassa o
significado de alfabetização, haja vista que a compreensão do primeiro termo está
intrinsecamente em junção com o segundo, pelo próprio nome (letramento) remeter ao
processo de leitura e de escrita e porque quem é alfabetizado recebe a condição de ser leitor.
Compreende-se que a pessoa alfabetizada é aquela capaz de ler e escrever corretamente.
Nesse sentido, na maioria das vezes, as pessoas tomam como sinônimos as palavras
alfabetismo e letramento. A alfabetização tem um sentido mais restrito, no qual o indivíduo
alfabetizado se apropria do sistema da escrita, do alfabeto e da ortografia. Letramento, por sua
vez, tem uma acepção bem mais ampla, difícil de definir com precisão, uma vez que se trata
de um fenômeno que envolve uma gama de conhecimentos, habilidades, capacidades, valores,
usos e funções sociais da leitura e da escrita (SOARES, 1998). Segundo a autora, a
alfabetização é a ação de alfabetizar, codificar em língua escrita e decodificar a língua escrita,
enquanto o letramento é o processo de inserção do usuário da língua em prática sociais de
leitura e escrita que o capacite a fazer uso competente da leitura e da escrita. Por isso, Soares
afirma:
29

Por outro lado, o que não é contraditório, é preciso reconhecer a possibilidade e


necessidade de promover a conciliação entre essas duas dimensões da aprendizagem
da língua escrita, integrando alfabetização e letramento, sem perder, porém, a
especificidade de cada um desses processos, o que implica reconhecer as muitas
facetas de um e outro e, consequentemente, a diversidade de métodos e
procedimentos para ensino de um e de outro, uma vez que, no quadro desta
concepção, não há um método para a aprendizagem inicial da língua escrita, há
múltiplos métodos, pois a natureza de cada faceta determina certos procedimentos
de ensino, além de as características de cada grupo de crianças, e até de cada
criança, exigir formas diferenciadas de ação pedagógica (1998, p. 19).

Logo, é preciso ter a compreensão das duas dimensões de aprendizagem e fazer uso
consciente tanto da alfabetização quanto do letramento para o processo de ensino e
aprendizagem da língua. Saber diferenciar as especificidades de cada uma das duas dimensões
promove uma ação pedagógica mais eficiente. Segundo Rojo (2012), uma parcela
significativa da população brasileira com acesso à escolaridade não é de leitores. Além disso,
a população letrada pertence às elites intelectuais. Para reflexão sobre essas ideias, Rojo
afirma:

A escolarização, no caso da sociedade brasileira, não leva à formação de leitores e


produtores de textos proficientes e eficazes e, às vezes, chega mesmo a impedi-la.
Ler continua sendo coisa das elites, no início de um novo milênio. Isso se dá em boa
parte, porque as práticas didáticas de leitura no letramento escolar não desenvolvem
senão uma pequena parcela das capacidades envolvidas nas práticas letradas
exigidas pela sociedade abrangente: aquelas que interessam à leitura para o estudo
na escola, entendido como um processo de repetir, de revozear falas e textos de
autoridade – escolar, científica – que devem ser entendidos e memorizados para que
o currículo se cumpra. Isto é feito, em geral, em todas as disciplinas, por meio de
práticas de leitura lineares e literais, principalmente de localização de informação
em textos e de sua repetição ou cópia em respostas de questionários, orais ou
escritos. Mas ser letrado e ler na vida e na cidadania é muito mais que isso: é escapar
da literalidade dos textos e interpretá-los, colocando-os em relação com outros
textos e discursos, de maneira situada na realidade social; é discutir com os textos,
replicando e avaliando posições e ideologias que constituem seus sentidos; é, enfim,
trazer o texto para a vida e colocá-lo em relação com ela. Mais que isso, as práticas
de leitura na vida são muito variadas e dependentes de contexto, cada um deles
exigindo certas capacidades leitoras e não outras (2004, p. 1).

Para Rojo (2004), a escola é repetidora dessa desigualdade entre letrados e não
letrados através das práticas de valoração dos textos/gêneros escolares. E, para que haja
mudança dessa prática, é importante que a escola leve em consideração a gama diversificada
de textos/gêneros discursivos que circulam na sociedade, além de avaliar as posições
ideológicas diante do contexto em que o indivíduo está inserido. O ato de ler não pode ser
desassociado das práticas sociais diante das novas exigências da sociedade, é preciso repensar
o ensino da leitura e da escrita, fazendo do cidadão protagonista da sua própria história,
30

inserindo-o no contexto social em que vive. Comungando das ideias de Rojo (2004), o
Ministério da Educação Secretaria de Educação Básica entende a alfabetização

[...] como o processo específico e indispensável de apropriação do sistema de


escrita, a conquista dos princípios alfabético e ortográfico que possibilita ao aluno
ler e escrever com autonomia. Entende-se letramento como o processo de inserção e
participação na cultura escrita. Trata-se de um processo que tem início quando a
criança começa a conviver com as diferentes manifestações da escrita na sociedade
(placas, rótulos, embalagens comerciais, revistas, etc.) e se prolonga por toda a vida,
com a crescente possibilidade de participação nas práticas sociais que envolvem a
língua escrita (leitura e redação de contratos, de livros científicos, de obras literárias,
por exemplo). Esta proposta considera que alfabetização e letramento são processos
diferentes, cada um com suas especificidades, mas complementares e inseparáveis,
ambos indispensáveis. (BRASIL, 2008, p. 13).

Pode-se perceber que o que defende o Ministério da educação é o mesmo defendido


pelos teóricos em relação à alfabetização e letramento. Na diferença entre alfabetização e
letramento, a primeira se confirma quando o indivíduo se apropria do sistema de escrita, seja
na escola, seja por outros meios, além de codificar e decodificar o código da língua escrita e a
forma como ela é estruturada. Já o letramento é um processo que mostra como a língua é
usada no dia a dia e se refere aos usos e sentidos que os textos adquirem na vida social dos
usuários da língua. Sendo assim, letramento e alfabetização são indispensáveis. É importante
alfabetizar letrando, pois o ato da leitura e da escrita não são realizados mecanicamente, são
associados às práticas sociais. Magda Soares diz que o conceito de letramento considera que
um indivíduo pode ser analfabeto, isto é, não saber ler e nem escrever, mas ser de algum
modo letrado (SOARES, 2004, p. 24). As crianças, segundo a autora, chegam à escola
analfabetas porque não aprenderam a ler e nem escrever, mas já estão fazendo parte do mundo
do letramento.

2.3 Letramento autônomo e letramento ideológico

Para Rojo (2009), a clareza sobre a diferenciação entre letramento e alfabetização


estabelecida com os novos estudos de letramento está no fato de o letramento poder ser
dividido em dois sentidos: o sentido autônomo, que olha o letramento independente do
contexto social, e o sentido ideológico, que vê as práticas de letramento como indissociáveis,
ligadas às estruturas culturais e de poder. Soares (2004) chama essa divisão do letramento de
“dimensões”: a dimensão individual e a dimensão social. Segundo a autora,
31

[...] quando o foco é posto na dimensão individual, o letramento é visto como um


atributo pessoal, parecendo referir-se à ‘simples posse individual das tecnologias
mentais complementares de ler e escrever’. Quando o foco se desloca para a
dimensão social, o letramento é visto como fenômeno cultural, um conjunto de
atividades sociais que envolvem a língua escrita. Na maioria das definições atuais de
letramento, uma ou outra dessas duas dimensões é priorizada: põe-se ênfase ou nas
habilidades individuais de ler e escrever, ou nos usos, funções e propósitos da língua
escrita no contexto social (SOARES, 2004, p. 66-67).

A definição das duas dimensões, a individual e a social, é complexa, de acordo com a


autora. Identificar as que estão atrás de diferentes definições é apenas o início para enfrentar
um problema maior, que é o da definição adequada de letramento. Isto porque é necessário
levar em consideração a complexidade e a heterogeneidade das dimensões individual e social.
Na dimensão social, letramento é o que as pessoas produzem, fazem com as habilidades de
leitura e escrita em um contexto específico e como essas habilidades se relacionam com os
valores e práticas sociais (SOARES, 2004). Assim, nega-se a afirmativa de que o letramento é
o conjunto de habilidades individuais, afirmando que o letramento é o conjunto de práticas
sociais que tem uma certa ligação com a leitura e a escrita.
Dessa forma, os indivíduos se envolvem em seu contexto social. Entretanto, há
também declarações desarmônicas em relação à dimensão social do letramento: uma
interpretação progressista “liberal”. De acordo com essa perspectiva das relações entre
letramento e sociedade, as habilidades de leitura e escrita não podem ser dissociadas de seus
usos. E assim surge o termo “letramento funcional”, definido como conhecimentos e
habilidades de leitura e escrita que tornam uma pessoa capaz de “[...] engajar-se em todas
aquelas atividades em que o letramento é exigido em sua cultura” (SOARES, 2004).
Bevilaqua (2013) faz uma reflexão em relação ao letramento e aos multiletramentos.
Segundo a autora, em 1994 alguns teóricos de três países reuniram-se em Nova Londres para
discutir os problemas pelos quais o sistema de ensino anglo-saxão estava passando. Desse
encontro, surgiu o “manifesto programático”, construído em conjunto, cujas temáticas eram a
crescente diversidade linguística e cultural e a multiplicidade de canais e meios (modos
semióticos) de comunicação (resultados das novas tecnologias). Esses dois temas foram
responsáveis pelo prefixo “multi” da denominação multiletramentos. A autora afirma que

Foi por meio de estudos fundamentados, metodologicamente, na etnografia (em


diferentes níveis) que os NLS elaboraram concepções de letramento autônomo e
letramento ideológico [...] também termos-chave para esse campo teórico. O
letramento autônomo corresponde a um modelo de letramento que desconsidera o
contexto social, pois está centrado no ensino de aquisição de habilidades e
fundamentado em noções de neutralidade e universalidade do conhecimento a ser
transmitido. Segundo esse modelo, baseado em uma visão de padrão (padronização),
32

o letramento, por si mesmo, ou seja, autonomamente, é capaz de produzir efeitos


sobre práticas cognitivas e sociais, sendo desnecessário considerar as condições
sociais, culturais e econômicas inerentes à vida social. Para desafiar o modelo de
letramento autônomo, os NLS propõem o modelo de letramento ideológico,
segundo o qual, na prática, o letramento varia de um contexto a outro. Esse modelo
compreende letramento como uma prática social e não simplesmente uma habilidade
técnica e neutra. (BEVILAQUA, 2013, p. 104, grifo da autora).

Portanto, a definição de letramento para o termo no plural – letramentos – foi


reafirmada pelo fato de serem múltiplos, determinados pelo poder e por variarem no tempo,
no espaço e de acordo com o contexto. Diante dessa perspectiva, surgiram, com o
desdobramento dos Novos Estudos do Letramento (NLS), as categorias analíticas dos
letramentos autônomos e dos ideológicos. O letramento autônomo concentra uma noção
técnica e não leva em consideração o contexto social, tendo como alicerce a intelectualidade.
Além disso, as habilidades de leitura e escrita são isentas de valores e baseadas em uma
ideologia que tem a sociedade centrada na escrita e relacionada com o progresso e com a
mobilidade social.
Segundo Street, há problemas no termo “letramento ideológico”, visto que ele está
imbuído de pressuposições ideológicas e políticas (2003 apud BEVILAQUA, 2013, p. 104).
Nesse sentido, o grupo dos Novos Estudos do Letramento definiram os termos “prática de
letramento” e “evento de letramento”. A prática de letramento foi definida como um modo de
ver a cultura mais ampla da forma de pensar a prática da leitura e da escrita em contextos
culturais. Já o evento de letramento tem sido definido como qualquer ocasião em que o papel
da escrita é fundamental (HEATH, 1982; BARTON; HAMILTON, 1998; STREET, 2003, p.
78 apud BEVILAQUA, 2013, p. 104). Diante disso, passo à verificação dos conceitos dos
multiletramentos que abarcam os letramentos em geral.

2.4 Multiletramentos

O Grupo de Nova Londres foi o primeiro a criar o conceito de multiletramentos,


debatido em 1996. Eles associaram a multimodalidade e a multiculturalidade para criar esse
termo/conceito novo que caracteriza o letramento de caráter multimodal e multicultural.
Assim sendo, Rojo (2012), em relação aos multiletramentos, considera importantes dois tipos
de multiplicidade: cultural das populações e semiótica de constituição de textos. Essa
multiplicidade indica, para a mistura de culturas, segundo Canclini (2008), que as produções
culturais letradas circulam em nossa sociedade e são constituídas a partir de um conjunto de
textos heterogêneos de diferentes letramentos. Nessa perspectiva, o autor diz que é necessário
33

introduzir gêneros do discurso de novas tecnologias, novas mídias, variadas linguagens, pois
entende-se que os textos produzidos a partir de muitas linguagens que exigem capacidades,
práticas de compreensão e produção delas para determinar uma definição são descritos como
multimodais ou multissemióticos.
Rojo (2012) ressalva que são fundamentais novas ferramentas de vídeo e áudio,
tratamento da imagem, edição e diagramação, já que as escritas manuais e impressas por si só
não são suficientes para o estabelecimento dos multiletramentos. E completa dizendo que a
transgressão estabelecida pelas relações de poder são características dos multiletramentos: A
estudiosa afirma ainda que

A lógica interativo-colaborativa das novas ferramentas dos (multi) letramentos, no


mínimo dilui e no máximo permite fraturar ou subverter/transgredir as relações de
poder preestabelecidas, em especial as relações de controle unidirecional da
comunicação e da informação (da produção cultura, portanto) e da propriedade dos
‘bens culturais imateriais’ (ideias, textos, discursos, imagens, sonoridades). Não é
preciso me alongar sobre a intensa luta que tem sido travada a respeito do (não)
controle da internet e de seus textos. (ROJO, 2012, p. 24-25).

De acordo com Rojo, a alteração das relações que direcionam a comunicação e a


informação é diluída à medida que as mídias digitais, como ferramenta dos multiletramentos,
permitem uma interação e a colaboração produtiva. Nessa linha de pensamento, Bevilaqua
(2013) compreende que o letramento é objeto de estudo dos NLS e dos multiletramentos,
sendo que este último apresenta um ajustamento teórico que se diferencia do letramento. Os
estudos estão centrados no ensino do letramento, ou seja, dos multiletramentos. Assim, os
teóricos elaboraram conceitos-chave diante das novas e profundas mudanças estabelecidas
pelo “novo capitalismo” e pela ampla tecnologização que o acompanha. Assim, Bevilaqua nos
mostra que

O conceito de Design de sentidos é o eixo estruturador de toda a teoria dos


Multiletramentos, pois é por meio desse conceito que a teoria instanciará concepções
de construção de sentido, interesse, agenciamento e multimodalidade, primordiais
para o ensino requerido na contemporaneidade e explicitadas no decorrer do texto.
Segundo Cope e Kalantzis (2009, p. 1756), o conceito de Design fora instituído com
o propósito de contrapor-se a concepções tradicionais de ensino pautadas em uma
visão estática e monomodal da linguagem (foco na escrita). Design institui uma
concepção dinâmica de representação (de linguagem, de aprendizagem, de mundo),
sendo definido como ato de construção de sentido. (BEVILAQUA, 2013, p. 106).

Portanto, tendo em vista essas ponderações de Bevilaqua sobre os multiletramentos,


tem-se informações para a compreensão de que, na sociedade atual, a teoria dos
34

multiletramentos contribui efetivamente para o ensino da língua portuguesa, já que contrapõe


as concepções tradicionais de ensino. Assim sendo, para os teóricos citados, é excelente o
conceito de “design”, por apresentar uma dupla e feliz coincidência de sentidos: estrutura
(sistemas, formas e convenções de sentido) e ato de construção de sentido (processo criativo
pelo qual o sujeito, definido como meaning-maker, ou produtor de sentido, constrói e
representa sentidos, passando a agente, designer de sentido e não simples receptor de
habilidades e competências). Bevilaqua afirma que Design

[...] então, se refere ao modo como as pessoas fazem uso de recursos de significação
disponíveis em um dado momento em um ambiente específico de comunicação para
realizar seus interesses. Da mesma forma como são teorizados pelos NLS, os
sentidos são constituídos por dimensões socioculturais e ideológicas, que variam
enormemente de um contexto a outro. Por isso, o conceito de Design é, segundo essa
teoria, central para a constituição de um currículo escolar atualizado com as novas
tendências sociais. (2013, p. 106).

De acordo com o que foi exposto, a teoria dos multiletramentos vem ao encontro da
teoria de Bakhtin, que nos remete à compreensão de que o que importa na comunicação é a
interação dos significados das palavras e seu conteúdo ideológico, bem como as condições de
produção e da interação locutor/interlocutor. Logo, não existe discurso sem sujeito, nem
sujeito sem ideologia. Há uma relação entre a linguagem e o mundo, e essa relação somente é
possível porque existe a intervenção da ideologia (modo de funcionamento imaginário) e o
indivíduo, que, norteado pela ideologia, torna-se sujeito de seu próprio discurso. Com isso, a
linguagem, inserida em um contexto social, histórico e cultural, realiza-se e faz sentido.
Bakhtin (1992) afirma que a alteridade se constitui no ser humano, e nessa constituição o
“outro” é primordial, visto que esse sujeito se constitui na e através da interação,
reproduzindo na prática e na fala o contexto social e imediato. Nessa perspectiva, Bevilaqua
faz uma contribuição dizendo que

o Design é constituído por três aspectos: Available Designs (recursos culturais e


contextuais para a construção do sentido, incluindo modo, gênero e discurso);
Designing (processo de construção e recontextualização da representação do mundo
por meio dos Available Designs) e Redesigned (o mundo transformado em novos
Available Designs, que instanciam novos sentidos). Os autores esclarecem que esses
elementos não constituem um arcabouço teórico estático para a prática de ensino;
pelo contrário, o Design representa o sentido como sempre movente, contra as
noções inertes de aquisição e competência. [...]. No processo de Design acima,
figuram como pano de fundo a criatividade, o dinamismo, a inovação, o interesse e a
motivação do produtor de sentido. Essas categorias são eminentemente culturais e
ideológicas, pois estão relacionadas com diferentes visões de mundo de diferentes
sujeitos em diferentes contextos. Essa visão do processo semiótico, definida como
35

prospectiva, coloca a reapropriação criativa do mundo no centro da representação e,


portanto, do processo de aprendizagem. (BEVILAQUA, 2013, p. 107.)

Portanto, o sujeito de que fala a teoria dos multiletramentos é um sujeito que não vive
um processo de construção e reprodução, mas de ressignificação da sua realidade. O design
representa o sentido de movimento, que não fica estático, contra as noções inertes da
aquisição das competências. Com isso, supõe-se aqui um sujeito dinâmico, criativo, que inova
com interesse e motivação na produção de sentido. Dessa forma, fica claro que a teoria dos
multiletramentos comunga com a teoria de Bakhtin, no que diz respeito à aprendizagem, que
leva em consideração o contexto social, histórico e cultural do sujeito.
É pertinente salientar as contribuições das teorias abordadas neste capítulo para o
ensino da língua portuguesa. Penso ser necessário para os profissionais da educação a
compreensão dessas concepções para a ampliação do conhecimento no processo da prática
pedagógica e no desenvolvimento da aprendizagem dos estudantes. Ter o conhecimento das
três concepções – a linguagem como expressão do pensamento, e o ensino
prescritivo/normativo; a linguagem como instrumento de comunicação (ferramenta de
comunicação) e a linguagem como meio de interação – é um conhecimento que ajuda diante
dos desafios propostos pela ação de ensinar a língua portuguesa, desenvolver a concepção que
significativamente proporciona um melhor desenvolvimento do processo ensino
aprendizagem dos estudantes. Somente assim é possível compreender que os atos de leitura e
escrita não são realizados mecanicamente, mas são associados às práticas sociais, e que os
estudantes são sujeitos que vivem num contexto, carregam suas histórias e convivem em uma
sociedade que tem sua própria cultura.
Tendo em vista essas considerações, creio que na sociedade contemporânea, diante de
uma gama de informações disponíveis, o conhecimento da concepção de linguagem como
meio de interação e da teoria do letramento e dos multiletramentos contribui de forma global e
integral para o desenvolvimento de sujeitos criativos e com habilidades para se
desenvolverem cognitiva e socialmente perante as exigências sociais. Nesse sentido, as teorias
aqui citadas contribuem efetivamente para o ensino da língua portuguesa, já que se
contrapõem às concepções tradicionais de ensino.
Entender que a linguagem faz parte da interação social é um ponto positivo da Base
Nacional Curricular Comum (BNCC) (BRASIL, 2017). Esse importante documento norteia
os currículos escolares e, consequentemente, as propostas pedagógicas na prática escolar.
Como aborda Bakhtin, a língua faz parte da realidade viva e jamais pode ser desassociada do
36

contexto ideológico, visto que esse contexto é o principal orientador dos livros didáticos, dos
documentos oficiais e do ensino da língua materna, principalmente no Brasil. Bakhtin (1997)
diz que a língua é viva, produzida na história e produtora de história, revelando-se nas
diversas práticas sociais por meio do gênero do discurso. Geraldi (2015), no artigo “O Ensino
da Língua Portuguesa e a Base Nacional Comum Curricular”, comenta que na área da
linguagem assumimos oficialmente uma concepção de linguagem como forma de ação e
interação no mundo. Nessa direção, Rojo (2012) afirma que os letramentos têm foco nas
práticas de linguagem. Nesse sentido, para Bakhtin (2017), o sujeito é aquele que estabelece
relação com o outro e expõe marcas do social do ideológico e do histórico nas atividades
existenciais.
Conforme Bakhtin (2017), a linguagem é considerada produção da humanidade e
constituída, portanto, como prática social. Através dela, o homem tem a possibilidade de
fazer-se sujeito, capaz de construir sua trajetória, tornando-se, assim, um ser histórico e social.
Desse modo, a linguagem vai além de sua dimensão comunicativa, pois os sujeitos se
constituem por meio das interações sociais. A BNCC nos proporciona refletir sobre os
gêneros do discurso teorizados por Bakhtin. Em suas teorias, observa que a linguagem se
materializa por meio de enunciados concretos, numa articulação do interior e do exterior na
objetivação da expressão, levando em consideração o sujeito, a história, as situações de
produção, circulação e recepção. Nessa perspectiva, Rojo (2016), considerando a linguagem
como dinâmica, afirma que os novos letramentos modificam os valores. Portanto, visando à
autonomia dos sujeitos envolvidos no processo de ensino aprendizagem, a escola pode ter
mais êxito se adotar a perspectiva dos novos letramentos, especialmente dos que dizem
respeito aos multiletramentos. A BNCC (BRASIL, 2017) trata dos multiletramentos, das
diversidades de mídias, e sugere que eles podem servir como meio para a articulação das
linguagens e culturas locais, conforme disposto a seguir:

Essa consideração dos novos e multiletramentos; e das práticas da cultura digital no


currículo não contribui somente para que uma participação mais efetiva e crítica nas
práticas contemporâneas de linguagem por parte dos estudantes possa ter lugar, mas
permite também que se possa ter em mente mais do que um “usuário da língua/das
linguagens”, na direção do que alguns autores vão denominar de designer: alguém
que toma algo que já existe (inclusive textos escritos), mescla, remixa, transforma,
redistribui, produzindo novos sentidos, processo que alguns autores associam à
criatividade. Parte do sentido de criatividade em circulação nos dias atuais
(“economias criativas”, “cidades criativas” etc.) tem algum tipo de relação com
esses fenômenos de reciclagem, mistura, apropriação e redistribuição (BRASIL,
2017, p. 70).
37

Dessa forma, a consideração dos novos e multiletramentos pelos materiais didáticos e,


consequentemente, pela escola pode proporcionar ao estudante a produção de novos sentidos,
apropriando-se da sua trajetória como sujeito crítico e transformador da sua realidade social
histórica.
Sendo assim, é possível dizer que a pesquisa em livros didáticos é relevante para a
área de ensino de língua portuguesa, pois esse é um recurso reconhecido pelas instituições
escolares brasileiras; isso se comprova pela existência do Programa Nacional do Livro
Didático (PNLD). Desse modo, o presente trabalho investiga se os multiletramentos são
explorados nos textos e nas atividades analisadas, especificamente em dois textos e em suas
respectivas atividades de uma unidade do livro didático de língua portuguesa, do 9º ano do
Ensino Fundamental da Educação básica. Livro indicado para a escolha das escolas, pelo
Ministério da Educação (MEC), através do PNLD do triênio 2018 / 2020 da coleção Tecendo
Linguagens de Oliveira e Araújo (2018).
De acordo com Tfouni (2010), o termo Letramento é utilizado para representar as
práticas sociais e as concepções de leitura e escrita. Os significados daquilo que é lido são
atribuídos de acordo com a visão de mundo de um determinado grupo social, e isso implica
formas de ler e escrever diferenciadas, e também de acordo com o espaço e o tempo em que
ocorrem. Segundo Tfouni (2010), letramento é um neologismo que foi apenas recentemente
dicionarizado. A sua introdução se deu no Brasil a partir das publicações sobre “Literacy”. E
ressalta que o que importa de valor nas pesquisas sobre o letramento é a investigação dos
alfabetizados e não-alfabetizados, escolarizados e não escolarizados através de uma visão que
não leva mais em conta o ponto de vista individual ou socioeconômico. O foco passou a ser as
práticas de linguagem que circulam na sociedade, seja dentro da escola ou fora dela.
De acordo com Rojo (2012), os apontamentos do grupo de Nova Londres (GNL)
afirmam que os alunos já contavam e contam com novas ferramentas de acesso à
comunicação e à informação e de agência social, que acarretam novos Letramentos de caráter
multimodal ou multissemióticos, ou seja, chamados de hipermidiáticos. Ainda segundo essa
estudiosa, para abarcar esses dois “multi” – a multiculturalidade característica das sociedades
globalizadas e a multimodalidade dos textos por meio dos quais a multiculturalidade se
comunica e informa – o grupo cunhou um termo ou conceito novo: multiletramentos. Rojo
(2012) afirma que multiletramentos apontam para dois tipos específicos e importantes de
multiplicidade presentes em nossas sociedades contemporâneas, principalmente as urbanas: a
multiplicidade cultural das populações e a multiplicidade semiótica de constituição dos textos
por meio dos quais ela se informa e comunica. Assim, os textos compostos de muitas
38

linguagens (ou modos ou semioses exigem práticas de compreensão e produção de cada uma
delas (multiletramentos) para ter significado.
O GNL, segundo Rojo (2012), considera a proposta da pedagogia dos
multiletramentos de grande interesse imediato e condiz com os princípios de pluralidade
cultural e de diversidade de linguagens. A referida pedagogia apresenta alguns movimentos
“pedagógicos para que o ensino aprendizagem seja levado a efeito: prática situada, instrução
aberta, enquadramento crítico e a prática transformada” (2012, p. 30). Nessa perspectiva, Rojo
especifica cada um dos movimentos pedagógicos. A prática situada tem um significado
particular bem específico, que remete a um projeto didático de imersão em práticas que fazem
parte das culturas dos estudantes e nos gêneros e designs disponíveis para essas práticas,
relacionando-as com outras, de outros espaços culturais (públicos, de trabalho, de outras
esferas e contextos). Sobre essas se exerceria então uma instrução aberta, ou seja, uma análise
sistemática e consciente dessas práticas vivenciadas e desses gêneros e designs familiares ao
alunado, bem como de seus processos de produção e de recepção. Nesse momento é que se dá
a introdução do que chamamos critérios de análise crítica, a de uma metalinguagem e dos
conceitos requeridos pela tarefa analítica e crítica dos diferentes modos de significação e das
diferentes “coleções culturais” e seus valores. Tudo isso se dá a partir de um enquadramento
dos letramentos críticos que buscam interpretar os contextos sociais e culturais de circulação e
produção desses designs e enunciados. Visa-se, como instância última, à produção de uma
prática transformada, seja de recepção ou de produção/ distribuição (design) (ROJO, 2012, p.
30, grifos da autora).
Tendo em vista essas considerações, é possível pensar que os multiletramentos com
base nos gêneros do discurso auxiliam a promoção de uma educação com qualidade na
construção de uma escola democrática. Assim sendo, é relevante pensar que os materiais
didáticos centram-se principalmente no livro Didático de Língua Portuguesa (LDP), de tal
modo que este sempre foi e continua sendo, para muitos professores, os único material
pedagógico acessível de ser trabalhado com os estudantes. Qualifiquem a educação brasileira,
proporcionando a materialização desses conceitos nas atividades, pois, os multiletramentos
possibilitam a inserção dos estudantes em outras esferas sociais no desenvolvimento da
cidadania plena. Partindo da ideia de Dudeney, Hockly e Pegrum (2016), o apelo à promoção
de habilidades próprias do século XXI, tais como: criatividade, inovação, pensamento crítico,
capacidade de resolução de problemas, colaboração, trabalho em equipe, autonomia,
flexibilidade e aprendizes permanentes, exige um domínio dos letramentos, principalmente
dos digitais.
39

Portanto, os estudantes, para assumirem papéis como cidadãos globais confortáveis,


carecem do desenvolvimento de um conjunto completo de letramentos digitais à disposição,
ou seja, habilidades individuais e sociais necessárias para interpretar, administrar,
compartilhar e criar sentido eficazmente no âmbito dos canais de comunicação digital. Nessa
mesma direção, para Rojo (2013), a escola, apoiada às novas tecnologias, favorece o ensino-
aprendizagem sob uma perspectiva dos multiletramentos, facilitando a construção multimodal
e a diversificação de diferentes situações de interação socioculturais. A referida autora afirma
que, ao desempenhar o seu papel, a escola pode utilizar as práticas didáticas que contemplem
o ser multiletrado e multimodal que é o jovem aluno de hoje. Assim, quando ela nos apresenta
a concepção de multiletramentos, pode-se pensar que é primordial que o livro manual do
professor em sala de aula possua um direcionamento para a aplicação das Tecnologias da
Informação e Comunicação (TICs), sob as perspectivas dos multiletramentos, já que o livro
didático, principalmente o de LP, é o principal recurso pedagógico nas escolas públicas do
Brasil. Assim sendo, é necessário um novo modelo de ensino aprendizagem que desenvolva
um sujeito multiletrado crítico reflexivo, capaz de compreender o mundo e as diversas
culturas existentes. Para Rojo, a escola pode trabalhar com a pedagogia dos multiletramentos,
pois

em qualquer dos sentidos da palavra “multiletramentos” – no sentido da diversidade


cultural de produção e circulação dos textos ou no sentido da diversidade de
linguagem que os constituem –, os estudos são unânimes em apontar algumas
características importantes: a) eles são interativos, colaborativos; b)eles fraturam e
transgridem as relações de poder estabelecidas, em especial as relações de
propriedade (das máquinas, das ferramentas, das ideias, dos textos [verbais ou não]),
c) eles são híbridos , fronteiriços, mestiços (de linguagens, modos, mídias e culturas)
(2012, p. 22).

As características dos multiletramentos apresentadas por Rojo (2012) levam-me a


entender que, atualmente, no cotidiano das crianças, bem antes de chegarem à escola, elas já
começam a ter domínio das novas tecnologias, fazendo-se necessário inserir na sala de aula
propostas metodológicas que contemplem os multiletramentos. A pedagogia dos
multiletramentos permite pensar na multiplicidade de canais de comunicação como a
importância crescente da diversidade linguística e cultural. As autoras Oliveira e Szundy
(2014) compartilham da ideia do Grupo de Nova Londres e de Rojo (2013), afirmando que a
Filosofia da Linguagem do Círculo de Bakhtin é essencial para a compreensão e análise das
práticas de multiletramentos. Elas propõem uma reflexão sobre a prática pedagógica, como
ato responsável conforme enunciado a seguir:
40

[...] a pedagogia dos multiletramentos parece conversar com a concepção dialógica e


plurilíngue da linguagem do Círculo de Bakhtin para a compreensão e
transformação dos significados multissemioticamente refratados nas práticas de
letramento da contemporaneidade. Representa, portanto, uma possibilidade, para a
busca de respostas educacionais eticamente responsáveis e responsivas à
contemporaneidade (OLIVEIRA; SZUNDY, 2014, p. 2002).

Assim, as estudiosas deixam claro que há uma certa ligação entre as concepções da
Pedagogia dos multiletramentos e a concepção dialógica do Círculo de Bakhtin. Entendo que
as duas concepções ajudam multissemioticamente na compreensão e transformação dos
significados, pois estão voltadas para a comunicação e para a relação do eu com o outro, tanto
quanto nas mudanças de direção das práticas de letramento da contemporaneidade. No
enunciado seguinte, as autoras reforçam a importância de uma educação voltada para os
multiletramentos:

A partir da premissa de que um novo letramento multimodal é fundamental para a


nossa inserção em um mundo onde significados emergem de forma cada vez mais
translocal, multicultural e híbrida [...] o Grupo de Nova Londres defende que a
educação se volte para formação de designers de significados capazes de
compreender, produzir e transformar significados linguísticos, visuais, de áudio,
gestuais e espaciais no processo de desenhar novos futuros sociais no trabalho, na
esfera pública e na comunidade (OLIVEIRA; SZUNDY, 2014, p. 194).

Dessa forma, ao propor uma prática pedagógica voltada para a pedagogia dos
multiletramentos, fazemos um (re)desenho do que já existe, daquilo que faz parte do
cotidiano, transformando-o quando os significados são construídos para uma possível
transformação da realidade que também valoriza a diversidade cultural. Para Volóchinov
(2017), do Círculo de Bakhtin, a língua no processo de sua realização prática não pode ser
separada do seu conteúdo ideológico ou cotidiano, e a língua é real apenas no diálogo. Para o
teórico, o

diálogo, no sentido estrito da palavra, é somente uma das formas de interação


discursiva, apesar de ser a mais importante. No entanto, o diálogo pode ser
compreendido de modo mais amplo não apenas como comunicação direta em voz
alta entre as pessoas face a face, mas como qualquer comunicação discursiva,
independentemente do tipo. Um livro, ou seja, um discurso verbal impresso, também
é um elemento da comunicação discursiva [...]. A comunicação discursiva nunca
poderá ser compreendida nem explicada fora dessa relação com a situação
concreta (VOLÓCHINOV, 2017, p. 348-349, grifo do autor).

Nessa perspectiva, pode-se afirmar que o discurso é dialógico e que o livro didático,
através dos gêneros discursivos das diversas esferas sociais, dialoga com o estudante. E, nessa
41

relação concreta com a situação, a comunicação discursiva é sempre acompanhada por atos
sociais. De acordo com Bakhtin (2018), a língua vive e se forma historicamente justamente
aqui, na comunicação discursiva concreta. Bevilaqua, em “Novos estudos do letramento e
multiletramentos: divergências e confluências”, complementa a ideia até aqui discutida,
afirmando que o conceito de design apresenta, como já dissemos, uma dupla e feliz
coincidência de sentidos: estrutura (sistemas, formas e convenções de sentido) e ato de
construção de sentido (processo criativo pelo qual o sujeito, definido como meaning-maker,
ou produtor de sentido, constrói e representa sentidos, passando a agente, designer de sentidos
e não simples receptor de habilidades e competências) (BEVILAQUA, 2013, p. 106).
Assim, é pertinente pensar que a prática pedagógica voltada para a pedagogia dos
multiletramentos tanto é possível e viável como também necessária, pois proporciona o
desenvolvimento dos estudantes, tornando-os sujeitos pensantes, produtores de sentido
transformadores da realidade, bem como propicia a compreensão dos processos para a
construção de textos, imagens, pinturas, músicas, entre outros. Nessa perspectiva, o sujeito é
capaz de identificar, compreender os diferentes e múltiplos letramentos, fazendo uso dos
recursos de significação na sala de aula através dos gêneros discursivos e da multimodalidade,
dos múltiplos e diversificados modos semióticos que já fazem parte da sociedade tecnológica.
Segundo Beviláqua (2013), na perspectiva dos multiletramentos, a cada novo processo de
Design, o sujeito produtor de sentido mobiliza recursos de sentidos disponíveis, os quais
acrescentam suas especificidades e peculiaridades construídas na interação social, o que
configura sua identidade, motivação e interesse, resultando sempre em um novo recurso
recriado, transformado, nunca meramente reproduzido. Conforme Rojo (2013), a prática
pedagógica apoiada pelas novas tecnologias favorece o ensino aprendizagem sob a
perspectiva dos multiletramentos, porque facilita a construção multimodal e a diversificação
de diferentes situações de interação socioculturais.
Diante do exposto, penso que o LD tem um papel importante na viabilização das
leituras, principalmente de textos escolares, visto que tem o papel organizacional de
atividades que se apresentam em unidades, capítulos, seções, subseções – um seguimento
progressivo dos conteúdos. Além disso, influencia a prática didática do professor através das
concepções metodológicas de ensino.
Tendo em vista essas considerações, faço a seguir um breve olhar para o livro didático
e para a Pedagogia dos multiletramentos.
42

3 O LIVRO DIDÁTICO E A PEDAGOGIA DOS MULTILETRAMENTOS

Sendo um dos principais materiais didáticos utilizados nas salas de aula,


principalmente no Brasil, o livro didático, como objeto de pesquisa, é relevante, pois é um
instrumento pedagógico que estabelece uma relação entre sujeitos. Observa-se que o LD é um
produto socio-histórico e cultural, no qual direta ou indiretamente são envolvidos sujeitos
(autores, editores, revisores, leitores críticos, professores, alunos); estes de certa forma se
relacionam na seleção de textos/gêneros discursivos com deliberadas finalidades. Em
consonância a isso, sabe-se que no livro didático perpassam questões de ordem econômicas,
políticas, técnicas e culturais, as quais, por sua vez, perpassam, queira ou não, a sua
elaboração. Não é meu objetivo nessa dissertação fazer um flashback do percurso do livro
didático ao longo da História, mas, compreender e refletir sobre sua composição à luz das
teorias dos multiletramentos, compreendendo a proposta pedagógica intrínseca, em especial
no manual do professor Tecendo Linguagem. Posto isso, Oliveira já nos dizia em 2006 que

por uma série de motivos relacionados tanto a determinadas características do LD


quanto ao lugar que veio ocupando nas políticas públicas de educação no Brasil, o
LD é, hoje, uma peça chave para o entendimento e a transformação de nossa
realidade educacional. De maneira geral, podemos dizer que, ao menos aqueles que
constam dos Guias do MEC, são, em sua maioria, manuais que tanto podem prestar
excelentes serviços à escola, quanto podem prejudicar. [...], entretanto, num
contexto como o do atual Programa Nacional do Livro Didático – PNLD, em que a
qualidade do livro disponível se encontra num outro patamar, em virtude de
sucessivas avaliações, a recusa em utilizá-lo como instrumento legítimo pode ser
revista (OLIVEIRA, 2006, p. 15).

Diante do exposto, quanto à posição de Oliveira Rangel sobre o LD ser, ainda hoje,
peça importante na realidade brasileira, visto que em muitas escolas ainda predomina o uso do
LD para nortear a prática pedagógica de vários professores, cabe ressaltar que, para o LD ser
um instrumento legítimo, o professor é a peça fundamental para um trabalho significativo na
prática de sala de aula, já que é ele quem vai contextualizar e estabelecer as propostas
pedagógicas do livro didático.
Como já dizia Brito (1997), os livros didáticos funcionam como “antenas da
sociedade”, incorporando para si a tarefa de estabelecer uma ponte entre as instâncias
produtoras do conhecimento e o processo pedagógico, sistematizando e didatizando os
saberes que a cada momento histórico se definem como necessários. Segundo esse mesmo
autor, embora o livro didático esteja alinhado às diretrizes curriculares e aos documentos
43

oficiais, perde muito quando fica na superficialidade. De acordo com Brito (1997), a questão
central, entretanto, está mais no tratamento ideológico dos temas selecionados, na relação que
se estabeleceu entre o livro didático e a prática pedagógica, relação esta que interfere
intensamente no estabelecimento dos conteúdos e programas, nas práticas de ensino e na
própria dinâmica do cotidiano escolar. [...] Numa perspectiva ingênua, seus conteúdos
manifestam uma espécie de consenso social daquilo que todo cidadão deve saber. No entanto,
como o programa e a organização escolar são objetivamente fruto das disputas e
compromissos sociais, os livros didáticos tendem a trazer apenas a versão autorizada, que
corresponde à visão de mundo das forças políticas-sociais dominantes (BRITO, 1997, p. 252-
253).
Reiterando a afirmação do autor, sobre a relação estabelecida entre o livro didático e a
prática pedagógica, na manifestação de seus conteúdos, os estudos ao longo do tempo têm
mostrado que as mudanças são vagarosas, e que a produção de um livro didático não se
resume à uma transposição de conceitos teóricos, mas envolve um enredado processo de
negociação; outras forças além das dos autores. Consoante a isso, Faria (1989) diz que as
consequências da perspectiva ideológica, no campo educacional, são a chave para uma
regressão ou para um progresso humano, na medida em que se encontram ou não os caminhos
que possibilitem a plena liberdade. A autora ressalta que, nas sociedades modernas, a
estrutura do poder pode desencadear toda uma série de medidas que atingem, direta ou
indiretamente, o sistema educacional de um país, orientando, em função de interesses de
grupos ou de classes, o trabalho educacional, este que, por sua vez, não deveria estar
vinculado ideologicamente. Dessa forma, o livro didático, ao longo dos anos, tem se prestado
à manutenção dos conceitos idealizados por aqueles que detêm o poder e não querem dele se
afastar, procurando, através do processo educacional, manter e, se possível, ampliar sua
atuação como detentor hegemônico desse poder. A função da ideologia é a de apagar as
diferenças, como as de classe, e de fornecer aos membros da sociedade o sentimento de
identidade social, encontrando certos referenciais identificadores de todos e para todos. A
autora ressalta ainda que o livro didático desconhece o processo histórico, desconhece
também a ação recíproca entre a infra e superestruturas, a determinação da infraestrutura e a
autonomia relativa da superestrutura (FARIA, 1989, p. 56).
Portanto, ideias, valores, regras de conduta são representações designadas às pessoas
da sociedade, a respeito de como pensar, valorizar, sentir e fazer. Segundo Faria (1989), a
função da ideologia é justamente apagar as diferenças como classe, e prover aos membros da
sociedade o sentimento de identidade social, ou seja, encontram-se certos referenciais
44

identificadores de todos e para todos como a noção de nação, liberdade, humanidade. Para
Faria (1989), a ideologia implícita aos textos didáticos tem o objetivo real produzir um mundo
parcialmente coerente, justo e belo, no nível da aparência, e assim mascarar um mundo real,
que, contraditório e injusto, é necessário para os interesses das classes soberanas.
A ideologia veiculada nos livros didáticos, através de determinadas práticas, pode
transmitir ideias, conhecimentos, transformando ou conservando a realidade, na mediação
entre teoria e prática. O livro didático assim elaborado desconsidera o indivíduo, o sujeito de
fato. É construído a partir de uma imagem que se cria de quem são os alunos que estão
naquele ciclo. Não consegue trabalhar com o sujeito real. Portanto, pressupõe-se que o livro
didático é supressivo, excludente, pois desconsidera as especificidades, a historicidade, as
condições de vivência que esse sujeito vive. Não permite a construção da autonomia.
Nesse contexto, é fundamental que o professor conheça o conteúdo do livro didático,
para poder utilizá-lo de outras formas no dia a dia da sala de aula, no desenvolvimento e
mudanças dessa concepção.
Faria ressalta que, enquanto não se tem um novo livro didático, de qualidade, que
reflita a realidade da vida cotidiana, deve-se fazer bom uso do livro que aí está (1989, p. 80).
Segundo a autora, ele é um mal necessário, já que de alguma forma facilita o trabalho do
professor. Concordo com a referida autora, pois, o livro didático é, em determinadas
situações, o único livro que circula dentro das casas de algumas famílias brasileiras, portanto
um objeto de leitura necessário.
Diante do exposto, penso se seria possível um livro didático, com demanda nacional,
oferecer uma proposta que atenda aos interesses dos estudantes na perspectiva de que o
conhecimento seja significativo, para suas vidas, dentro e fora da escola, que leve em
consideração os aspectos sociais e culturais e, ao mesmo tempo, que contemple além das
orientações dos documentos oficiais as perspectivas à luz das novas teorias?
Trazendo esta inquietação ao nosso foco de interesse, isto é, o livro didático e a
pedagogia dos multiletramentos, faço um parêntese no sentido de pensar se as concepções de
língua/linguagem, letramento e de multiletramentos, vistas no primeiro capítulo, são
veiculadas ou não nos livros didáticos, e especialmente no livro em análise da coleção
Tecendo Linguagem. Porém, antes, busco outra reflexão relevante, discutida pela autora
Chinaglia (2016), sobre outras três abordagens que têm orientado as práticas educacionais e
que possivelmente estão, também, enraizadas nos livros didáticos, são: a mimesis, a synthesis
e a reflexibilidade; que, ao meu entendimento, estão interligadas com as concepções de
língua/linguagem citadas anteriormente nessa dissertação, e que julgo pertinentes para a
45

simplificação da análise das atividades do livro da coleção Tecendo Linguagem. Segundo


Cope e Kalantzis,

a mimesis se trata da simples cópia e da aprendizagem pela absorção de fatos e


informações. Já a synthesis propõe um pouco mais que isso, pois os estudantes
podem descobrir fatos através da observação e da experiência, mas o que não
significa que isto esteja relacionado a seus interesses e motivações. Nesta
abordagem, também ainda é valorizada a resposta certa como única possível. Por
fim, em uma abordagem reflexiva, a educação é abordada através das diversas
formas do conhecimento, relacionando a com as experiências dos estudantes e suas
próprias identidades (2012, p. 261 apud CHINAGLIA, 2016, p. 78-79).

Para compreendermos melhor essas noções em uma abordagem pedagógica de


mimesis, a repetição é valorizada, pois o sistema é baseado na transmissão e na reprodução de
saberes. E, automaticamente, há uma relação autoritária entre professor e aluno, já que o
primeiro é o detentor de toda sabedoria e conhecimento. Segundo o autor, as práticas como
recitação, pergunta-resposta e questões de múltipla escolha estão orientadas por esta
abordagem pedagógica, a mimesis. Esta abordagem se relaciona com o mesmo paradigma da
produção em massa, do homogêneo e da uniformização, valorizadas pelo Estado-Nação. E
isso reflete no currículo, segundo Cope e Kalantzis (2012 apud CHINAGLIA, 2016),
principalmente na forma de livros didáticos expositivos e fechados em si mesmos, que pouco
ou nada relacionam o conhecimento científico com a vida do aluno.
Já quanto à abordagem de synthesis, mais valorizada nos tempos atuais, conforme
afirmam os autores, o aluno desconstrói e reconstrói o conhecimento, pois em sua dimensão
pedagógica estão presentes práticas como o trabalho empírico e o experimento científico.
Portanto, nessa abordagem fórmulas e informações simplesmente dadas não são valorizadas e,
assim, os estudantes são incentivados a demonstrar o processo que os levam a uma resposta
correta. Ou seja, é preciso chegar a uma resposta única, mas é preciso que se mostre como.
Segundo os autores, o construtivismo, baseado nos estudos e pesquisas de Jean Piaget, é um
exemplo desta pedagogia. Sob esta perspectiva, o estudante não absorve conhecimento, mas o
constrói, internalizando-o. Portanto, fica claro que o indivíduo e o conhecimento são centrais
nesta abordagem, faltando pensar no aspecto social e identitário da educação. Dessa forma,
alinhado ao pensamento dos autores, seria sensato questionar se os livros didáticos em geral e
os que circulam nas salas de aula brasileiras reproduzem exemplos de atividades de mimesis,
ou constroem atividades de synthesis?
Em oposição a estas duas possibilidades citadas, a abordagem reflexiva, segundo Cope
e Kalantzis, valoriza e sua identidade fazendo uma
46

[...] conexão entre o conhecimento e sua realidade, conhecimentos prévios e


experiências. Isto se traduz em práticas pedagógicas de construir hipóteses como
cientistas, analisar para tirar suas próprias conclusões, fazer teorias e coconstruir
conceitos e termos, trazendo uma importante dimensão para este processo: o da
análise e do pensamento crítico acerca do que se aprende. Nesta abordagem, o aluno
é construtor e, sobretudo, questionador do conhecimento. [...] Também, na
abordagem reflexiva, a metacognição é valorizada e o aprendiz deve “aprender a
aprender”, para se tornar mais autônomo em seu processo de aprendizagem. Por fim,
também são considerados os diversos modos de significação (2012 apud
CHINÁGLIA, 2016, p. 80).

Diante do exposto, é propício pensar que a abordagem reflexiva, que valoriza o


conhecimento prévio, a análise crítica, o conhecimento, a aprendizagem, as habilidades já
adquiridas dos estudantes e os diversos modos de significação (multimodalidade), é a
abordagem que estabelece relação com a teoria dos Multiletramentos, ou seja, diretamente
coerente com a Pedagogia dos Multiletramentos, já que valoriza o sujeito no seu contexto
real, tornando-o mais autônomo no seu processo de aprendizagem.
Portanto, é preciso pensar como o livro didático pode, de fato, contribuir para as
práticas atuais de sala de aula à luz da teoria da Pedagogia dos Multiletramentos. Rojo (2013)
considera que podemos mobilizar o conceito de gêneros de discurso de Bakhtin, por se tratar
de formas de significar e formas de produzir significação como a base do trabalho com os
multiletramentos, que são os Designs, ou seja, não se considera apenas a forma dos textos,
mas como os significados são socialmente construídos.
Segundo a autora, as práticas de linguagem ou enunciações se dão sempre de maneira
situada, isto é, em determinadas situações de enunciação ou de comunicação que se definem
pelo funcionamento de suas esferas ou campos de circulação dos discursos. Essas esferas ou
campos e seu funcionamento estão elas mesmas situadas historicamente, variando de acordo
com o tempo histórico e as culturas locais: os gêneros de discurso (para o Grupo de Nova
Londres, Available Designs).
Consoante a isso, Chináglia nos mostra que o ensino-aprendizagem dos designs se dá
de três formas (2016, p. 51-52). A primeira é o reconhecimento dos Desings disponíveis, e
que os Designs não são somente linguísticos, mas compostos também de outros modos de
significação, ou seja, de multimodalidade. A segunda forma é o Designing, que é o momento
de representar e recontextualizar os Designs disponíveis sem ser por mera repetição, mas sim
por transformação. A última e terceira forma é o The Redesigned, que consiste em partir das
práticas anteriores, criar um novo significado ou até mesmo um novo Design disponível, este
é o momento de fazer a prática situada, capaz de transformar e intervir no mundo. Segundo
47

Chináglia (2016), este processo do ensino aprendizagem dos Designs pode ocorrer em quatro
etapas. A Situated Practice (Prática Situada) é a imersão dos alunos no contexto de
significação, considerando suas identidades, necessidades socioculturais, experiências e
conhecimentos prévios. A Overt Instruction (Instrução Explícita) é a intervenção do professor
e outros especialistas para explicitar e sistematizar informações conceito e termos importantes
dos Designs Disponíveis. Nesta etapa, há o uso da metalinguagem, reflexão e análise da
linguagem e sua forma, bem como de seus conteúdos, significação e função social. Já a
Critical Framing (Enquadramento Crítico) é a etapa de interpretar, entender e tomar
consciência das relações históricas, sociais, culturais, políticas e ideológicas envolvidas nos
Designs. Por fim, a Transformed Practice (Prática Transformada) é quando a teoria vira
prática, não apenas replicando-a, mas sim transformando-a, ou seja, é a recriação do que foi
aprendido para propósitos reais e situados (CHINÁGLIA, 2016, p. 51-52).
Nessa perspectiva, concordo com Rojo (2013) quando diz que fazer uma pedagogia
dos multiletramentos englobaria letramentos críticos, e isso vai além de formar conhecedores
ou usuários funcionais, competência técnica, mas está em questão apresentar-lhes a
possibilidade de se transformarem em criadores de sentidos – prática transformada. A referida
autora afirma que os avanços tecnológicos desafiam os professores a redimensionarem, em
suas práticas pedagógicas, as concepções de leitura e de escrita, bem como a pensarem as
práticas de letramento não apenas no impresso (mas também a partir dele). Para a autora,
devido a essa multiplicidade presente, é relevante possibilitar que os alunos possam participar
de várias práticas sociais de maneira ética, crítica e democrática, levando em consideração a
hibridação, que ampliou a forma de compreender identidade, cultura, diferença, desigualdade
e multiculturalismo. Dessa forma, a Pedagogia dos Multiletramentos precisa ser vista como
uma significativa mudança de paradigma, na qual entra em cena uma aprendizagem
colaborativa. Portanto, há uma grande necessidade de uma pedagogia dos multiletramentos,
que preconize a diversidade cultural, e que considere as especificidades sociais e o contexto
de diversidade linguísticas dos estudantes ajustados às suas necessidades diferenciadas.
Diante do exposto, tendo em conta todas as teorias até aqui elencadas, e diante das
questões atuais: como o livro didático do Ensino Fundamental, de Língua Portuguesa
possibilita o trabalho em sala de aula de modo a contribuir com a teoria dos Multiletramentos?
Segundo comenta Santana, em relação ao trabalho com o livro didático na sociedade
atual,
48

entendemos que o livro didático de Língua Portuguesa apresenta um conjunto de


textos e propostas de atividades não acabadas, finalizadas e confinadas às páginas do
livro. É relevante que o professor o compreenda como objeto de ensino passível de
ser ampliado, ressignificado, redimensionado para responder aos desafios colocados
pela sociedade do conhecimento em rede. Cabe ao professor pensando, nos alunos
reais, nas necessidades e possibilidades que lhe são características, no contexto em
que vivem estes alunos, de práticas de leitura e de escrita multiletradas, utilizar-se de
metodologias que visem a criar, recriar e ampliar as atividades sugeridas pelo livro
didático. Essas questões, obviamente, perpassam pelo contexto e condições reais de
trabalho destes profissionais de sua formação como docentes (2018, p. 87).

O referido autor continua afirmando que o livro didático, mesmo em tempos de


tecnologias digitais, precisa ser tomado como possibilidade de transgressão do ato de ler e de
escrever, como recurso para o trabalho que envolva a diversidade de linguagens, mídias,
semioses, culturas, isto é, para a promoção de uma pedagogia dos multiletramentos. Além
disso, o livro didático de Língua Portuguesa deve possibilitar que o professor, a partir do livro
e para além do livro, desenvolva uma prática que estimule o envolvimento dos alunos em
práticas de letramentos contemporâneos, ao mesmo tempo, contemplando multimodalidades,
multissemioses e multiculturalidades, ampliadas pelas tecnologias digitais.
Com esses questionamentos não quero direcionar toda a responsabilidade para o
professor no que tange ao trabalho com o livro didático em sala de aula, nem tampouco retirar
a responsabilidade dos autores e editoras de fazer com que o livro didático, diante do contexto
atual, cumpra o papel de objeto que proporcione os multiletramentos. Mas, retomando Faria,
precisamos de professores que possam dar um novo uso ao livro didático, que percebam o
contraste entre o conteúdo do livro e a vivência dos estudantes (1989, p. 82). Que pensem
juntamente com os estudantes suas vivências, suas experiências, suas condições de vida e
permitiam que reelaborem as novas informações em relação ao contexto sócio-histórico da
comunidade em que vivem. Um professor que não espera a mudança do modo de produção,
nem joga fora o livro didático, nem continua transmitindo para os estudantes só a ideologia
dominante. Existem algumas alternativas para o professor e ele deve refletir sobre elas e
propor outras, observando a realidade local dos estudantes. E isto é assegurado pelo próprio
documento norteador do ensino, a BNCC, que estabelece o conjunto de aprendizagens
essenciais e indispensáveis a que todo estudante (jovens, crianças e adultos) tem direito.
Portanto, é na reelaboração do professor que está o espaço para a sua autoria e autonomia,
uma vez que, a ele, foi negada a sua participação na construção da BNCC. Com esse
documento, redes de ensino e instituições escolares públicas e privadas passam a ter uma
referência obrigatória para a elaboração ou adequação dos seus currículos. Além disso, como
o documento diz, a Base influenciará a formação inicial e continuada dos educadores, a
49

produção de materiais didáticos, as matrizes de avaliações e os exames nacionais que serão


revistos à luz do texto homologado (BRASIL, 2017, p. 5).
Diante do que foi discutido até aqui, e para complementar essa reflexão, faço a seguir
um recorte do que é a BNCC, sua estrutura, especificamente sobre o componente de Língua
Portuguesa do Ensino Fundamental Anos Finais.
50

4 A BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR (BNCC) E O COMPONENTE


CURRICULAR DE LÍNGUA PORTUGUESA DO ENSINO FUNDAMENTAL ANOS
FINAIS

A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) é um documento de caráter normativo


cuja função é definir o conjunto orgânico e progressivo de aprendizagens essenciais que todos
os alunos devem desenvolver ao longo das etapas e modalidades da Educação Básica, de
modo a que tenham assegurados seus direitos de aprendizagem e desenvolvimento, em
conformidade com o que preceitua o Plano Nacional de Educação (PNE). Este documento
normativo aplica-se exclusivamente à educação escolar, tal como a define o § 1º do Artigo 1º
da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB, Lei nº 9.394/1996), e está orientado
pelos princípios éticos, políticos e estéticos que visam à formação humana integral e à
construção de uma sociedade justa, democrática e inclusiva, como fundamentado nas
Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica. Os fundamentos pedagógicos da
BNCC têm como foco o desenvolvimento de competências pedagógicas, da seguinte maneira:
as aprendizagens essenciais definidas na BNCC devem concorrer para assegurar aos
estudantes o desenvolvimento de dez competências gerais, que consubstanciam, no âmbito
pedagógico, os direitos de aprendizagem e desenvolvimento, e uma formação humana integral
que vise à construção de uma sociedade justa, democrática e inclusiva. Na BNCC,
competência é definida como a mobilização de conhecimentos (conceitos e procedimentos),
habilidades (práticas, cognitivas e socioemocionais), atitudes e valores para resolver
demandas complexas da vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do mundo do
trabalho. Consoante a isso, o foco no desenvolvimento de competências tem orientado a
maioria dos Estados e Municípios brasileiros e diferentes países na construção dos seus
currículos (BRASIL, 2017, p. 13). É importante salientar que BNCC e currículo têm papéis
complementares, para, assim, assegurar as aprendizagens essenciais definidas para cada etapa
da Educação Básica. São as decisões que caracterizam o currículo em ação que vão adequar
as proposições da BNCC à realidade local, considerando a autonomia dos sistemas e das redes
de ensino e das instituições escolares, como também o contexto e as características dos
estudantes.
Para uma melhor compreensão do documento, procurei mostrar a estrutura geral da
BNCC para as três etapas da Educação Básica (Educação Infantil, Ensino Fundamental e
Ensino Médio), e, mais adiante, atenho-me apenas às especificações do Ensino Fundamental
51

Anos Finais. Assim, a seguir, apresento um quadro com as Competências gerais da educação
básica, determinadas pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC).
52

Figura 1 – Competências gerais da educação básica

Fonte: Brasil (2017, p. 24).

Na BNCC, o Ensino Fundamental está organizado em cinco áreas do conhecimento, a


saber: Linguagens (Língua Portuguesa, Arte, Educação Física, Língua Inglesa), Matemática,
Ciências da Natureza, Ciências Humanas (Geografia, História) e Ensino Religioso. “Essas
áreas favorecem a comunicação entre os conhecimentos e saberes dos diferentes componentes
curriculares”. Elas se intersectam na formação dos alunos, embora se preservem as
especificidades e os saberes próprios construídos e sistematizados nos diversos componentes.
Nos textos de apresentação, cada área do conhecimento explicita seu papel na formação
integral dos alunos do Ensino Fundamental e destaca particularidades para o Ensino
Fundamental (Anos Iniciais) e para o Ensino Fundamental (Anos Finais), considerando tanto
as características do alunado quanto as especificidades e demandas pedagógicas dessas fases
da escolarização (BRASIL, 2017, p. 27).
53

Cada área do conhecimento estabelece competências específicas, cujo


desenvolvimento deve ser promovido ao longo dos nove anos. Essas competências específicas
explicitam como as dez competências gerais se expressam nessas áreas. Nas áreas que
abrigam mais de um componente curricular (Linguagens e Ciências Humanas) também são
definidas competências específicas do componente (Língua Portuguesa, Arte, Educação
Física, Língua Inglesa, Geografia e História) a serem desenvolvidas pelos alunos ao longo
dessa etapa de escolarização (BRASIL, 2017, p. 28).
As competências específicas possibilitam a articulação horizontal entre as áreas,
perpassando todos os componentes curriculares, e também a articulação vertical, ou seja, a
progressão entre o Ensino Fundamental (Anos Iniciais), o Ensino Fundamental (Anos Finais)
e a continuidade das experiências dos alunos, considerando suas especificidades.
Para garantir o desenvolvimento das competências específicas, cada componente
curricular apresenta um conjunto de habilidades. Essas habilidades estão relacionadas a
diferentes objetos de conhecimento – entendidos como conteúdos, conceitos e processos –,
que, por sua vez, são organizados em unidades temáticas.
Segundo a BNCC, para respeitar as possibilidades de organização do conhecimento
escolar, as unidades temáticas definem um arranjo dos objetos de conhecimento ao longo do
Ensino Fundamental adequado às especificidades dos diferentes componentes curriculares.
Cada unidade temática contempla uma gama maior ou menor de objetos de conhecimento,
assim como cada objeto de conhecimento se relaciona a um número variável de habilidades.
(BRASIL, 2017)
Na BNCC, a área de linguagens é constituída pelos componentes curriculares de
Língua Portuguesa, Arte, Educação Física e no Ensino Fundamental – anos finais, Língua
Inglesa. O objetivo principal é fazer com que os estudantes participem de práticas de
linguagem diversificadas, ampliando suas capacidades expressivas em manifestações
artísticas, corporais e linguísticas. Assim, interessa-nos nesse trabalho o componente de
Língua Portuguesa, que segundo a própria BNCC assume a perspectiva enunciativa-discursiva
de linguagem, já assumida em outros documentos, como os Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCN). Nesse sentido, o que foi proposto nos PCN é que o texto ganha centralidade
da definição dos conteúdos, habilidade e objetivos, a partir de seu pertencimento a um gênero
discursivo que circula em diferentes esferas/campos sociais de atividade/comunicação/uso da
linguagem.
54

4.1 O componente curricular Língua Portuguesa nos anos finais na BNCC

Considerando esse conjunto de fundamentos e propósitos, quando a BNCC fala do


componente curricular “Língua Portuguesa”, ela apresenta quatro grandes eixos. Esses eixos
de integração considerados na BNCC de Língua Portuguesa são aqueles já conceituados nos
documentos curriculares da área, correspondentes às práticas de linguagem: oralidade,
leitura/escuta, produção (escrita e multissemiótica) e análise linguística/semiótica. O eixo
“leitura” compreende às práticas de linguagem que decorrem da interação ativa do
leitor/ouvinte/espectador com os textos escritos, orais e multissemióticos e de sua
interpretação. O eixo da produção de textos envolve as práticas de linguagem relacionadas à
interação e à autoria, seja produção individual ou coletiva, do texto escrito, oral e
multissemiótico com diferentes finalidades. Já o eixo oralidade compreende as práticas de
linguagem que decorrem de situações orais, com ou sem contato face a face.
Cabe a ressalva de que a maioria das habilidades descritas nos eixos leitura e produção
de texto também se relacionam com o eixo oralidade. O eixo da análise linguística/semiótica
envolve os procedimentos e estratégias (meta)cognitivas de análise e avaliação consciente
durante o processo de leitura e de produção de textos (orais, escritos e multissemióticos) das
materialidades, formas de composição, situação de produção do gênero em questão.
Os eixos apresentados relacionam-se com práticas de linguagem situadas. Em função
disso, outra categoria organizadora do currículo que se articula com as práticas são os campos
de atuação em que essas práticas se realizam. Assim, na BNCC, a organização das práticas de
linguagem (leitura de texto/produção de textos, oralidade e análise linguística semiótica) se dá
por campos de atuação. São cinco os campos de atuação considerados: Campo da vida
cotidiana (somente anos iniciais), Campo artístico-literário, Campo das práticas de estudo e
pesquisa, Campo jornalístico-midiático e Campo de atuação na vida pública, sendo que esses
dois últimos aparecem fundidos nos anos iniciais do Ensino Fundamental, com a
denominação Campo da vida pública (BRASIL, 2017, p. 84). Entendo que os campos de
atuação têm o papel de orientar a seleção dos gêneros a serem trabalhados, práticas, atividades
e procedimentos em cada um deles.
A BNCC explica que a divisão por campos de atuação tem, também no componente
curricular Língua Portuguesa, uma função didática de possibilitar a compreensão de que os
textos circulam dinamicamente na prática escolar e na vida social, contribuindo para a
necessária organização dos saberes sobre a língua e as outras linguagens, nos tempos e
55

espaços escolares de diferentes campos de atividades humanas e de pleno exercício da


cidadania. A BNCC afirma que, em articulação, as competências gerais da Educação Básica,
as específicas da área de linguagem e o componente curricular de Língua Portuguesa
garantem aos estudantes o desenvolvimento de competências específicas.
Na BNCC são especificados no componente curricular Língua portuguesa do ensino
fundamental – anos finais – os campos de atuação, as competências e as habilidades. No
entanto, não explanarei como estão no documento por ser algo muito extenso, e, de qualquer
modo, acredito não ser necessário, visto que no próximo capítulo, momento no qual discuto o
manual em questão, apresento as páginas que contemplam esses elementos especificamente
do 9º Ano, para uma visão mais ampla no contexto do LD analisado. Nessa perspectiva, faço
a seguir a apresentação parcial do Livro didático Manual do professor da coleção Tecendo
Linguagens do 9º ano do Ensino Fundamental Anos Finais. Manual que contém as respostas
das perguntas e no qual as autoras dialogam com o(a) professor(a).
56

5 O LIVRO DIDÁTICO MANUAL DO PROFESSOR TECENDO LINGUAGENS E A


BNCC

Conforme as autoras do LD manual da coleção Tecendo Linguagens, material de


análise dessa dissertação, a BNCC é referência para a organização da proposta didática e
pedagógica do livro do aluno e das orientações para o professor no manual geral. Segundo
Oliveira e Araújo (2018), a coleção organiza os saberes escolares articulados à vida,
permitindo aos estudantes estabelecer relações entre teoria e a prática. Assim, as autoras do
LD afirmam que o desenvolvimento de competências é importante para os alunos, pois elas
podem responder a uma demanda social, podem fornecer os meios para apreender e
transformar a realidade. Por isso, na coleção, as temáticas escolhidas para as unidades se
relacionam ao desenvolvimento das competências que, por sua vez, estão ligadas a uma
prática social.
Não tenho a pretensão de mostrar todo o livro, mas algumas partes do todo com o
objetivo de ter uma visão ampla e contextualizada antes da análise dos textos e das atividades
escolhidas. Apresento a capa, as páginas que têm como títulos “Conheça o manual do
professor”, e “Conheça seu livro”; esta última destinada ao estudante. Além de apresentar as
autoras, alguns conceitos da parte pedagógica, apresento a contextualização sobre o PNLD e
uma breve explanação de como o livro aborda as competências, as habilidades e os campos de
atuação propostos na BNCC.
Optei por começar com a capa do livro, que é bastante colorida trazendo as cores:
verde, roxo, azul e preta, além de formas geométricas, possibilitando uma leitura mais
aprofundada se assim o professor desejar explorar todos os elementos em parceria com os
componentes curriculares, arte e matemática, entre outros. Acredito que aprendizagem em
sala de aula pode e deve aproveitar todo e qualquer material disponível para uma reflexão em
diversos temas.
Ao fazer a curadoria do livro, constato que ele apresenta variadas formas de
linguagens com múltiplas possibilidades de trabalho em sala de aula. São textos que
oportunizam reflexões que ultrapassam o ensino formal da língua. Ou seja, um material que
apresenta textos multimodais que permitem diferentes discussões, ampliando as
possibilidades de novas metodologias, visto que na atual realidade somos rodeados de textos
multissemióticos e atraídos visualmente por cores e harmonia, em síntese, estamos envoltos
na estética. Além disso, a multimodalidade permite também o desenvolvimento da leitura e
57

análise crítica. Percebi que as páginas destinadas à apresentação da coleção ao professor e ao


estudante são textos multimodais, como pode ser verificado a seguir. Na sequência, apresento
a capa do livro do manual do professor, que contém as respostas das perguntas e no qual as
autoras dialogam com o(a) professor(a).

Figura 2 – Capa do livro manual do professor Tecendo Linguagens, 2018

Fonte: Oliveira e Araújo (2018).

Dentre as páginas aqui apresentadas foram escolhidas as páginas VI e VII que têm
como título “Conheça o Manual do Professor”, para uma melhor compreensão de como o
58

livro é apresentado ao professor. Veja essas páginas com as orientações para o(a) professor(a)
sobre as seções e subseções trabalhadas no livro.
59

Figura 3 – Livro Manual do Professor Tecendo Linguagens (2018, p. VI a VII)

Fonte: Oliveira e Araújo (2018, p. VI-VII).


60

Figura 4 – Livro Manual do Professor Tecendo Linguagens (2018, p. 8)

Fonte: Oliveira e Araújo (2018, p. 8).

A seção “Leia antes”, na parte esquerda do livro, mostra ao professor orientações e


informações sobre a temática de cada capítulo ou unidade. Na parte superior, à direita do
livro, há informações sobre as competências gerais e específicas (de Língua Portuguesa) e das
habilidades trabalhadas de cada capítulo. Em seguida, comentários sobre as atividades, espaço
para o professor fazer os apontamentos. Na parte inferior de alguns capítulos, orientações e
dicas para o trabalho interdisciplinar. Na seção “Para saber mais” constam dicas e sugestões
de textos, livros, filmes, entre outros, relacionados à temática estudada no capítulo. E, além de
sugestões de livros, filmes e sites que podem ampliar as referências do professor acerca da
temática e conceitos trabalhados no livro, também há dicas sobre o uso do material digital
para a complementação das atividades, que são disponibilizadas para aqueles que adquirirem
o material impresso.
Nesse contexto, apresento a seguir as páginas 4, 5, 6 e 7, que se destinam ao
conhecimento específico do livro para o estudante, seção denominada de “Conheça seu livro”.
No entanto, atenho-me apenas ao comentário geral e não ao específico, por serem extensas as
61

especificações de cada seção e subseção. Veja a seguir a páginas que apresentam o livro para
o estudante, com os tópicos: Abertura, Para começo de conversa, Prática de leitura, Glossário,
Conheça o autor. Na sequência, respectivamente, as páginas 4,5,6 e 7 do título “Conheça o
seu livro”.

Figura 5 – Livro didático Manual do Professor Tecendo Linguagens (2018, p. 4, 5, 6, 7)

Fonte: Oliveira e Araújo (2018, p. 4-7).

O livro didático voltado para as atividades com o estudante apresenta os tópicos:


Por dentro do texto, Linguagem do texto, Trocando ideias, Conversa entre textos,
Momentos de ouvir. Veja a seguir essa apresentação.
62

Figura 6 – Livro didático Manual do Professor Tecendo Linguagens (2018, p. 4, 5, 6, 7)

Fonte: Oliveira e Araújo (2018, p. 4-7).

Continuando a apresentação do livro do estudante, veja a seguir os tópicos:


Reflexão sobre o uso da língua, Aplicando conhecimentos, De olho na escrita, Hora da
pesquisa, Na trilha da oralidade, Produção de texto, Para você que é curioso, Ampliando
horizontes, Preparando-se para o próximo capítulo. Veja esses tópicos na figura a
seguir.
63

Figura 7 – Livro didático Manual do Professor Tecendo Linguagens (2018, p. 4, 5, 6, 7)

Figura 7 continua
64

Fonte: Oliveira e Araújo (2018, p. 4-7).

O direcionamento para o estudante sobre a utilização do livro tem como foco dar
orientações das atividades ao longo do livro. Inicia-se com a abertura apresentando a lista dos
conteúdos trabalhados em cada capítulo, e as seções e subseções específicas dos eixos
trabalhados, finalizando com o título “Preparando-se para o próximo capítulo”, com textos,
nomes de filmes e livros, questionamentos que abordam a temática a ser trabalhada no
próximo capítulo.
Notei que o manual como um todo é bastante chamativo, com cores e formas visuais e
isso reforça a multimodalidade nas novas práticas discursivas. Como define Rojo (2012), a
multimodalidade pode dizer a mesma coisa de formas diferentes, desempenhar papéis
complementares que se reforçam mutuamente e que são também hierarquicamente ordenados,
no caso das páginas apresentadas, tanto para os professores quanto para os estudantes, as
cores e as formas se fundem dando sentidos na compreensão e interpretação daquilo que é
proposto. Dessa forma, a relação entre o contexto verbal e as imagens pode ser considerada
intrínseca. A imagem pode complementar um texto através da ilustração e, por sua vez, um
texto pode complementar uma imagem se unindo a ela numa relação de complementaridade.
65

A interação entre o verbal e o não verbal apresenta um papel de grande relevância, pois
suscita ideias e emoções para a obtenção da significação.
Dessa forma, para uma melhor visão do livro didático manual do professor, apresento
a figura das páginas 184 e 185, do capítulo 7 do livro, no formato em U, livro didático que
contém as respostas das perguntas, e no qual as autoras dialogam com o professor sobre as
respectivas respostas.
66

Figura 8 – Livro manual do professor Tecendo Linguagens (2018, p. 184-185)

Fonte: Oliveira e Araújo (2018, p. 184-185).

O manual do professor da coleção Tecendo Linguagens tem o formato em U, isso


significa que ao meio encontra-se o livro do aluno com os textos, atividades e ao seu redor as
orientações para o professor em relação às competências gerais, específicas e às habilidades
trabalhadas no capítulo. É possível afirmar que os textos apresentados nessas duas páginas são
textos multimodais, pois apresentam as linguagens verbal e não verbal, possibilitando o
trabalho em sala de aula na perspectiva da pedagogia dos multiletramentos.
Como pode ser visto, na parte azul, encontram-se as indicações das competências e
habilidades a serem trabalhadas no capítulo, e abaixo a seção “Para começo de conversa” e do
lado direito a seção “Prática de leitura”, com as específicas orientações de cada texto e de
cada atividade referente aos textos e outras orientações para o material digital, além das
respostas para o professor no livro do estudante.
Dessa forma, apresento a seguir um trecho do diálogo das autoras com o professor da
página apresentada anteriormente ao capítulo 7 “Informar-se para Conhecer”. São orientações
para o professor do livro manual do professor em formato de U na seção “Para começo de
conversa).
67

Nesse capítulo, os alunos são convidados a refletir sobre os temas “ciência e


tecnologia” e “educação em direitos humanos”. O tema “ciência e tecnologia”
relaciona-se ao uso das tecnologias de comunicação e informação para a
aprendizagem e o de “educação em direitos humanos” à garantia do direito da
criança e do adolescente em ter acesso às mídias e à participação no debate público
pela Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, aprovada pela
Assembleia Geral da ONU em 1989, da qual o Brasil é signatário (OLIVEIRA,
ARAUJO 2018, p. 184).

As orientações são direcionadas aos professores a respeito das discussões que podem
ser feitas em relação ao tema do capítulo 7. As orientações para o desenvolvimento das
atividades vêm logo abaixo e são relacionadas à charge apresentada na página. Vejamos a
seguir.

1. Deixe os alunos se expressarem livremente, mas interfira caso a conversa enverede


para o discurso de ódio.
2. Espera-se que os alunos possam se expressar com sinceridade sobre os fatos
em que acreditam ou acreditaram. Procure não fazer julgamento, tendo em vista que algumas
notícias são difíceis de desconfiar ou de saber se são verdadeiras ou não.
3. Espera-se que os alunos respondam que consultam portais confiáveis, por exemplo.
Caso eles respondam que não costumam checar a veracidade das informações, comente que
nesse capítulo encontrarão informações sobre como fazer isso.
4. Espera-se que os alunos possam falar, com sinceridade, sobre os conteúdos que
leem na internet. Para isso, crie um contexto de confiança e acolhimento.

Percebo que as orientações são pistas dadas pelas autoras conforme as respostas
esperadas no processo de desenvolvimento das atividades e do tema em geral do capítulo 7. A
seguir, apresento um trecho do diálogo das autoras com o(a) professor(a) na seção prática de
leitura no final da página, do manual em U apresentado anteriormente.

Nessa seção, as atividades de leitura, interpretação e compreensão de texto tratam da


relação entre tecnologia e educação. Promova uma discussão oral sobre as fake news
e os riscos de manipulação pelo uso inadequado das tecnologias de comunicação e
de informação. Em seguida, leia a introdução e as perguntas apresentadas antes do
texto para que os alunos produzam antecipações, inferências e hipóteses sobre a
notícia. Oriente-os a respeitar os turnos de fala dos colegas e do professor, as
opiniões divergentes e a diversidade sociocultural. Escolha um aluno para ser o
relator da discussão, a fim de anotar as opiniões divergentes e as hipóteses
produzidas, para cotejá-las durante e após a leitura (OLIVEIRA, ARAUJO 2018, p.
185).
68

Assim, as orientações dadas pelas autoras são específicas para o processo de como
desenvolver as atividades. No entanto, penso que essas orientações poderiam ir além do que o
professor já faz, sobre o processo de desenvolvimento da aula.
Tendo feito essas considerações, apresento as autoras do livro manual do professor
Tecendo Linguagem, bem como trago uma breve explanação de como esse manual, no qual as
atividades apresentam as respostas esperadas, aborda as competências e habilidades, assim
como os campos de atuação propostos na BNCC e conceituados anteriormente.
A autora Tania Amaral Oliveira é formada em Letras, Pedagogia e Psicologia pela
Universidade de São Paulo (USP). É mestra em Ciências da Comunicação pela Universidade
de São Paulo (USP). Trabalha como formadora de educadores nas áreas de Língua Portuguesa
e de Comunicação. É professora do Ensino Fundamental das redes pública e privada de ensino
de São Paulo. A outra autora é Lucy Aparecida Melo Araújo, bacharel e licenciada em Língua
Portuguesa e Linguística pela Universidade de São Paulo (USP). É especialista em Língua
Portuguesa pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e mestranda em
Língua Portuguesa pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e, também,
professora do Ensino Fundamental da rede particular de ensino de São Paulo.
Segundo as autoras, o objetivo da coleção é colaborar com a educação integral dos
alunos, que permitirá a mobilização das competências para a participação plena na sociedade.
Desse modo, os saberes escolares articulam-se à vida, permitindo ao aluno estabelecer
relações entre teoria e prática. O Manual do professor do 9º ano está dividido em duas partes.
A primeira discorre sobre as orientações metodológicas que fundamentam a coleção e oferece
subsídios para o trabalho do(a) professor(a) em sala de aula, e, por sua vez, a segunda traz
orientações para a prática e desenvolvimento dos textos e das atividades voltadas ao
estudante. A parte destinada às orientações metodológicas apresenta um agrupamento
preliminar com orientações estabelecidas pela BNCC, da página oito (VIII) à página 66
(LXVI). Todas as orientações são pertinentes ao processo de ensino, principalmente para os
professores, porém priorizo as competências e habilidades e os campos de atuação. No
manual, primeiro vêm especificados os campos de atuação no ensino de Língua Portuguesa do
Ensino Fundamental – Anos finais, e apresentados, no geral, com a descrição dos quatro
campos de atuação. Após dezoito páginas de orientações diversas, é apresentada a listagem
das competências gerais, específicas de linguagem e específicas de língua portuguesa. Em
seguida, a das habilidades de Língua Portuguesa em cada campo de atuação no geral, e
específico para cada ano, e, por fim, as autoras apresentam o quadro de conteúdos de Língua
Portuguesa do 9º ano, de cada unidade do livro, especificando as práticas de linguagem, os
69

objetos listagem de conhecimento, as habilidades, os conteúdos e os campos de atuação. Estes


vêm representados através de cores junto com as habilidades, sendo:

Quadro 1 – Representação dos campos de atuação na BNCC

Verde campo jornalístico/ midiático;


Azul campo de atuação na vida pública;
Rosa campo das práticas de estudo e pesquisa;

Amarelo campo artístico literário;

Laranja Todos os campos de atuação.

Fonte: Quadro elaborado pela autora

Representado pela cor verde, o “campo jornalístico/midiático” objetiva ampliar e


qualificar a participação dos estudantes nas práticas relativas ao trato com a informação e
opinião, as quais estão no centro da esfera jornalística/midiática. O “campo de atuação na vida
pública” tem como objetivo ampliar a participação dos jovens nas práticas relativas ao debate
de ideias e à atuação política e social. Já no “campo das práticas de estudo e pesquisa”, o
objetivo é ampliar e qualificar a participação dos estudantes nas práticas relativas ao estudo e
à pesquisa. O que possibilita aos estudantes dos anos finais do ensino fundamental o contato
com as manifestações artísticas e produções culturais em geral e com a arte literária em
especial. Segundo a BNCC, é o “campo artístico literário” que tem o objetivo de ampliar e
diversificar as práticas relativas à leitura, à compreensão, à fruição e ao compartilhamento das
manifestações artístico-literárias, representativas da diversidade cultural, linguística e
semiótica.
Na seção “habilidades e o plano da obra”, as autoras argumentam que as habilidades
estão relacionadas a diferentes objetos de conhecimento, entendidos na obra como conteúdos,
conceitos e processos que, por sua vez, são organizados em unidades temáticas. Dessa forma,
essas habilidades são enunciadas e identificadas por um código alfanumérico cuja composição
vem a seguir.
70

Figura 9 – Livro didático Manual do Professor Tecendo Linguagens (2018, p. X)

Fonte: Oliveira e Araújo (2018, p. X).

Para uma melhor compreensão desses códigos alfanuméricos, mostro o quadro com
todos os elementos citados anteriormente, específico da unidade 4, que contém as habilidades
trabalhadas nos capítulos analisados nesse trabalho. Nessa direção, vou observar as
habilidades, conteúdos e os campos de atuação, as competências gerais e específicas,
indicados pelas autoras, especificamente em relação aos textos que serão o foco da minha
análise. A seguir apresento as figuras 8 e 9 que mostram o quadro de conteúdos da unidade 4
com o título “Tempo de pensar: Informações e Escolhas.”
71

Figura 10 – Livro didático Manual do Professor Tecendo Linguagens (2018, p. LXV)

Fonte: Oliveira e Araújo (2018, p. LXV).


72

Figura 11 – Livro manual do professor Tecendo Linguagem (2018, p. LXV-LXVI)

Fonte: Oliveira e Araújo (2018, p. LXV).

Os quadros propostos das figuras 8 e 9 do livro manual do professor da coleção


Tecendo Linguagens, apesar de trazerem os quatro eixos do componente curricular Língua
Portuguesa, apresentam uma incoerência, no que se refere ao tópico “conteúdo”, ou seja, para
73

a BNCC o quadro proposto é formado por: gêneros (que se encontram dentro de campos de
atuação: campo jornalístico ou midiático, campo artístico-literário, campo das práticas de
estudo e pesquisa, campo da vida pública; objetos de conhecimento/objeto; habilidades. Isto
é, os conteúdos da análise linguística/semiótica a serem ensinados encontram-se dentro de
cada gênero proposto pelo campo de atuação. Por exemplo: no campo de atuação jornalístico
midiático o professor pode trabalhar com uma notícia, uma charge, um artigo de opinião.
Assim, esse gênero será o suporte para desenvolver todas as práticas da língua (leitura,
oralidade, análise linguística/semiótica e produção de texto).
O quadro traz uma divisão que, na prática, não é o que a BNCC propõe, mas as
atividades trazem a análise linguística dentro do gênero. A análise linguística proposta no
livro focaliza procedimentos de análise e reflexão sobre os usos que fazemos dos recursos que
a língua nos oferece para produzirmos enunciados em situações de comunicação diversas. O
quadro apenas traz uma divisão errônea.
Na BNCC, “competência” é definida como a mobilização de conhecimentos
(conceitos e procedimentos), habilidades (práticas, cognitivas e socioemocionais), atitudes e
valores para resolver demandas complexas da vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania
e do mundo do trabalho (BRASIL, 2017, p.8). Segundo as autoras, o objetivo da coleção é
colaborar com a educação integral dos estudantes, o que permitirá a mobilização das
competências para a participação plena na sociedade. Elas afirmam que a relação entre o
conhecimento e a ação diante das situações inéditas está no centro das competências, vez que
a habilidade de buscar conhecimentos de forma rápida é uma demanda no trabalho com as
competências.
Apresento a seguir as competências gerais e específicas de língua portuguesa dos dois
textos que serão analisados nessa escrita. Para a seção Prática de leitura do texto Notícia e
Guia do capítulo 7, que é o primeiro texto a ser analisado, as autoras afirmam que são
contempladas as competências gerais 4 e 7, como também as competências, 3, 6 e 10,
específicas de Língua Portuguesa e a habilidade (EF69LP21).

5.1 Competências gerais e específicas de Língua Portuguesa

Competência geral 4 – Utilizar diferentes linguagens – verbal (oral ou visual-motora,


como Libras, e escrita), corporal, visual, sonora e digital –, bem como conhecimentos das
linguagens artística, matemática e científica, para se expressar e partilhar informações,
74

experiências, ideias e sentimentos em diferentes contextos e produzir sentidos que levem ao


entendimento mútuo.
Competência geral 7 – Argumentar com base em fatos, dados e informações
confiáveis, para formular, negociar e defender ideias, pontos de vista e decisões comuns que
respeitem e promovam os direitos humanos, a consciência socioambiental e o consumo
responsável em âmbito local, regional e global, com posicionamento ético em relação ao
cuidado de si mesmo, dos outros e do planeta.
Competência específica de LP 3 – Ler, escutar e produzir textos orais, escritos e
multissemióticos que circulam em diferentes campos de atuação e mídias, com compreensão,
autonomia, fluência e criticidade, de modo a se expressar e partilhar informações,
experiências, ideias e sentimentos, e continuar aprendendo.
Competência específica de LP 6 – Analisar informações, argumentos e opiniões
manifestados em interações sociais e nos meios de comunicação, posicionando-se ética e
criticamente em relação a conteúdos discriminatórios que ferem direitos humanos e
ambientais.
Competência específica de LP 10 – Mobilizar práticas da cultura digital, diferentes
linguagens, mídias e ferramentas digitais para expandir as formas de produzir sentidos (nos
processos de compreensão e produção), aprender e refletir sobre o mundo e realizar diferentes
projetos autorais.
Habilidade (EF69LP21) – Posicionar-se em relação a conteúdos veiculados em
práticas não institucionalizadas de participação social, sobretudo àquelas vinculadas a
manifestações artísticas, produções culturais, intervenções urbanas e práticas próprias das
culturas juvenis que pretendam denúncias, expor uma problemática ou “convocar” para uma
reflexão/ação, relacionando esse texto/produção com seu contexto de produção e relacionando
as partes e semioses presentes para a construção de sentidos.

Na seção Prática de leitura do texto 2, Letra de Canção, Supertrabalhador capítulo 8,


as autoras apresentam a competência geral 6, e as competências específicas de LP 3, 6 e 9.

Competência geral 6 – Valorizar a diversidade de saberes e vivências culturais e


apropriar-se de conhecimentos e experiências que lhe possibilitem entender as relações
próprias do mundo do trabalho e fazer escolhas alinhadas ao exercício da cidadania e ao seu
projeto de vida, com liberdade, autonomia, consciência crítica e responsabilidade.
75

Competências específicas de LP 3 – Ler, escutar e produzir textos orais, escritos e


multissemióticos que circulam em diferentes campos de atuação e mídias, com compreensão,
autonomia, fluência e criticidade, de modo a se expressar e partilhar informações,
experiências, ideias e sentimentos, e continuar aprendendo.
Competências específicas de LP 6 – Analisar informações, argumentos e opiniões
manifestados em interações sociais e nos meios de comunicação, posicionando-se ética e
criticamente em relação a conteúdos discriminatórios que ferem direitos humanos e
ambientais.
Competências específicas de LP 9 – Envolver-se em práticas de leitura literária que
possibilitem o desenvolvimento do senso estético para fruição, valorizando a literatura e
outras manifestações artístico-culturais como formas de acesso às dimensões lúdicas, de
imaginário e encantamento, reconhecendo o potencial transformador e humanizador da
experiência com a literatura.

Conforme pode ser visto, as autoras elencaram duas competências gerais e três
competências específicas, e uma habilidade para o texto Notícia e Guia. E, para o texto Letra
de Canção, Supertrabalhador, elencaram uma competência geral e três competências
específicas e nenhuma habilidade. É perceptível que há um número elevado de competências
a serem contempladas em apenas um texto. Entretanto, questiona-se: essas competências são
efetivamente contempladas nos textos e nas atividades? Tais competências e habilidades
levam em consideração os multiletramentos multimodais? Respondo esses questionamentos
no processo de análise dessa pesquisa.
Segundo as autoras, a metodologia desenvolvida nessa coleção está assentada em
quatro bases: pensar, sentir, trocar e fazer de modo crítico, criativo, significativo, solidário e
prazeroso. São apresentados sete tópicos com os pressupostos teórico-metodológicos da
coleção do 9º ano. Dos sete tópicos, destaco apenas dois: o primeiro e o terceiro – que
chamaram minha atenção porque vão ao encontro do que é proposto nesse trabalho, além de
citarem como referencial teórico Mikhail Bakhtin (1895-1975). Nessa perspectiva, as autoras,
ainda nos pressupostos metodológicos, afirmam que esse pensador russo considera que o
sujeito apreende e constrói a realidade, que dá sentido ao seu viver por meio de sua relação
social com o outro, e que isso vem permeado pela linguagem, portanto, o social é responsável
pela construção da linguagem – elemento essencial na construção do conhecimento. Ele
afirma que a produção das ideias, do pensamento, dos enunciados tem sempre um caráter
76

coletivo, social. Portanto, é com as palavras e com as ideias do outro que são tecidos nossos
pensamentos.
O primeiro tópico dos pressupostos teórico-metodológicos que chamou minha atenção
foi o tópico “Ações pedagógicas, pautadas na construção do conhecimento, de forma crítica,
engajada na realidade, de modo a privilegiar a relação teoria-prática na busca da apreensão
das diferentes nuanças do saber”.
E o terceiro também chamou minha atenção: “Estabelecimento de uma relação
dialógica em que o aluno, em conjunto com o professor e seus colegas, exerça a prática de
refletir (sobre seu modo de pensar, reconhecer, situar, problematizar, verificar, refutar,
especular, relacionar, relativizar, atribuir historicidade etc.), com o objetivo de construir
coletivamente o conhecimento”.
Assim, ao observar os tópicos citados, presume-se que, teoricamente, os pressupostos
metodológicos apresentados pelas autoras vão ao encontro da pedagogia dos
multiletramentos, já que ressaltam uma relação dialógica entre professores e alunos, como
também ações pedagógicas, pautadas na construção do conhecimento de forma crítica,
engajada na realidade. As autoras ressaltam que a coleção tem o privilégio de contemplar a
relação teoria-prática, pois é necessário atribuir historicidade na construção do conhecimento.
Será que essa coleção contempla a teoria enunciativa discursiva defendida por Bakhtin, que
vê a linguagem como produto de interação e, portanto, retrata as diferentes formas de
significar a realidade? Contempla a relação dialógica por meio de interações construídas
através das ideologias?
Como as próprias autoras do manual em questão deixam claro na apresentação da
obra, o manual tem a finalidade de oferecer subsídios para o trabalho em sala de aula.
Esclarecem também que é uma obra aberta e flexível, em contínua construção; um convite à
reflexão e a recriação; ponto de partida para estabelecimento de um rico diálogo entre autores,
professores e alunos. Dentre os conceitos importantes trazidos pelas autoras no manual estão:
conceito de língua e de linguagem, conceito de letramento, conceito de texto e de gêneros e
uma proposta de progressão dos gêneros ao longo dos anos. Vejo as teorias que embasam essa
pesquisa ressaltadas nos conceitos e nas orientações das autoras do livro manual do professor
da Coleção Tecendo Linguagens. Questiono se estão presentes também nas atividades que
serão analisadas na presente pesquisa. É compreensível e importante as orientações veiculadas
para o professor no livro. No entanto, é necessário pensar na responsabilidade do livro
didático para além dessas orientações. Pensar em propostas pedagógicas que propiciem o
77

sujeito a atuar, no mundo e sobre o mundo, e isso é indispensável no pleno exercício da


cidadania.

5.2 A obra na visão do Guia Digital 2020

O Guia Digital 2020 é o documento oficial disponibilizado pelo Governo Federal para
orientar a escolha dos livros didáticos pelas escolas brasileiras. Ele contém as resenhas das
obras aprovadas, os princípios e critérios, o modelo das fichas avaliativas e a equipe
responsável pela avaliação pedagógica. O Programa Nacional do Livro e do Material Didático
– PNLD é uma política pública executada pelo FNDE e pelo Ministério da Educação,
destinado a avaliar e disponibilizar obras didáticas, pedagógicas e literárias de forma
sistemática, regular e gratuita. O PNLD é um dos maiores programas de distribuição de livros
do mundo. Os materiais adquiridos vão diretamente para as mãos dos alunos e professores das
escolas públicas participantes do Programa. No PNLD 2020, serão atendidas, com
distribuição integral, as escolas das redes de ensino participantes do Programa com alunado
nos anos finais do ensino fundamental (6º ao 9º ano) registradas no censo escolar de 2018. O
“Guia do PNLD 2020 língua portuguesa para o ensino fundamental anos finais” contém as
resenhas dos livros didáticos aprovados para o triênio 2018/2019/2020. É um instrumento de
apoio ao trabalho pedagógico. Para ampliar a compreensão sobre a proposta pedagógica do
manual do professor Tecendo Linguagem, que contém as respostas das perguntas e, no qual as
autoras dialogam com o professor, faço uma pequena explanação da análise da obra na visão
do Guia Digital de Língua Portuguesa (PNLD 2020).
Segundo o Guia Digital de Língua Portuguesa, a análise da obra aponta as qualidades,
ressalvas, o arranjo das competências e as habilidades da Base Nacional Comum Curricular
(BNCC), a formação cidadã, o respeito à legislação, às diretrizes educacionais, a qualidade do
projeto gráfico, além disso, delineia a proposta pedagógica da obra em sua totalidade: Livro
do estudante, Manual do Professor, impresso e digital.
Na análise sobre essa coleção, o Guia mostra que o referencial teórico utilizado
contempla basicamente a corrente teórica que entende a língua como movimento,
representação situada em um contexto geográfico e que traz referências muito mais do que da
gramática e da academia, mas também da cultura, leitura de mundo, tempo, espaço, texto e
contexto. Dessa maneira, ao apresentar essa proposta, penso que o objetivo das autoras é
78

desenvolver a competência discursiva do estudante para que ele possa exercer seu papel de
cidadão dentro do contexto de vida.
No entanto, será que essa coleção traz para a sala de aula as habilidades e
competências de maneira contextualizada? Será que considera as práticas de linguagem a
partir dos gêneros diversos no sentido de ressignificar a aprendizagem dos estudantes? E, ao
desenvolver os quatro eixos, leitura, produção de textos, oralidade e análise
linguística/semiótica, essa coleção, que, segundo o guia, é alinhada à BNCC, defende a
reflexão da língua em uso? Após a análise dos textos e das atividades, procuro compreender
esses questionamentos observando até que ponto a coleção defende a reflexão da língua em
uso. Vejamos a seguir o que o Guia fala sobre a prática de leitura do livro didático do 9º ano
dessa coleção Tecendo Linguagens.
Segundo o Guia, no eixo Leitura são propostos vários textos de diversos gêneros que
evidenciam a temática do capítulo e da unidade. Apresenta-se variedade de atividades de
leitura antecipatória, além de trazer estratégias de leitura diferenciadas conforme o gênero
trabalhado, o que facilita o desenvolvimento da competência leitora, uma vez que realiza um
trabalho específico com as habilidades da BNCC.
A seguir, apresento a posição das autoras em relação à prática de leitura. Muito me
interessa nesse trabalho a posição das autoras do manual da coleção Tecendo Linguagens e o
conceito sobre a prática de leitura. Nas considerações sobre o trabalho com a prática de
leitura, elas afirmam que deve se observar, em relação à compreensão/interpretação e à
extrapolação: o avanço do aluno no seu contato espontâneo com a leitura de texto, ou seja, o
interesse pelo contato; com textos variados dentro e fora da sala de aula; a capacidade de
reconhecer, à primeira vista, um conjunto de palavras-chave dentro do texto; a capacidade de
predizer o conteúdo das leituras, baseando-se nos próprios conhecimentos ou em esquemas
cognitivos, isto é, a capacidade de formular, confirmar ou rejeitar hipóteses referentes às
leituras; a consciência que o aluno tem dos fins de sua leitura: informar, divertir, convencer,
emocionar etc.; a capacidade de perceber as ideias mais importantes de um texto;
a capacidade de sintetizar, parafrasear, pôr os fatos ou eventos em sequência, observar as
relações entre eles.
Nesse sentido, será que as autoras entendem a compreensão e a interpretação como
sinônimas?
Segundo Marcuschi, compreender bem um texto exige habilidades (1988, p. 89). Esta
compreensão não é uma ação apenas linguística ou cognitiva, vai muito além, é inserir-se no
mundo e também é um modo de agir sobre o mundo. E isso inclui a relação com o outro
79

dentro de uma cultura e de uma sociedade. Ainda, Marcuschi considera que a interpretação
constitui fruto do trabalho e não uma simples extração de informações objetivas. Nesse
sentido, é importante a maneira como os estudantes fazem a leitura ou interpretam um texto.
Diante do exposto, busco a diferença entre compreensão e interpretação, na medida em
que tal reflexão é importante para a análise das atividades do livro didático manual do
professor. Segundo Leffa (2012), muitas vezes há uma confusão entre os conceitos, tomando-
se a interpretação e a compreensão como sinônimas. E que a base conceitual da interpretação
de texto é a compreensão. Compreender e interpretar são dois conceitos que se aproximam em
alguns aspectos e se distanciam em outros. Para esse estudioso, compreender é relacionar.
Tais relações precisam ser estabelecidas em várias direções, locais e globais, dentro do objeto
de leitura e fora dele, dentro do leitor e fora dele. Vê-se um texto, uma imagem, uma música,
um vídeo e qualquer outro objeto de leitura, como um quebra-cabeça que precisa ser montado
em suas partes para se chegar à compreensão em sua totalidade.
Interpretar, por outro lado, é explicar para o leitor de que modo cada quebra-cabeça
pode ser montado. Ainda, a interpretação é uma atividade consciente que alimenta a
compreensão. Dos procedimentos destacados pelo autor para a interpretação, temos: a
paráfrase (direto e objetivo), a réplica (interlocução entre autores e leitores por meio de
comunidades de interesse) e o dialético – a interpretação como procedimento dialético é a que
parece oferecer maior possibilidade de retorno no desenvolvimento da compreensão do objeto
de leitura pelo aluno, na medida em que permite uma penetração nesse objeto, que é
desmontado e recomposto em cada um de seus elementos, mostrando de que modo ele se
constrói. Nesse sentido, na interpretação como procedimento dialético tem-se a afirmação de
que é um procedimento que possui como base a capacidade de dialogar, ou seja, o caminho
entre as ideias, e, assim, esse procedimento harmoniza com a teoria de Bakhtin e da
pedagogia dos multiletramentos, teorias estas que embasam a minha pesquisa.
Somando-se a isso, não há um consenso sobre os níveis de leitura. Alguns estudiosos
defendem que a leitura pode ser classificada em categorias ou níveis. Platão e Fiorin
estabelecem três níveis de leitura, pois afirmam que no texto existem três planos distintos
(2007, p. 35). A primeira é a estrutura superficial, onde se encontram os significados mais
concretos e diversificados; nesse nível é que se instalam, por exemplo, os personagens, os
narradores, o tempo e as ações concretas. A segunda estrutura é a intermediária, mais
profunda que a anterior, em que se definem basicamente os valores onde os sujeitos entram
em acordo ou desacordo. Na terceira estrutura, a mais profunda, os significados mais abstratos
80

e mais simples acontecem e se opõem entre si, garantindo a unidade do texto inteiro. Leffa
(2012) afirma que os níveis de leitura dependem do nível cognitivo de cada leitor.
Compreendo que a prática de leitura é muito mais complexa do que a simples
interpretação e compreensão dos códigos e outros recursos visuais. E, diante da realidade
atual em que os gêneros discursivos estão em constantes mudanças, apresentando linguagens
multimodais que são facilitadoras do processo de ensino e aprendizagem de língua
portuguesa, concordo que as práticas de leitura e de produção de sentidos dos textos devem
considerar as múltiplas semioses, como os gráficos, imagens, tabelas, entre outros, para
complementar a formação dos estudantes, envolvendo os multiletramentos que potencializam
os recursos visuais, pois a escrita por si só não é suficiente diante dos textos multimodais.
Nessa perspectiva, e segundo Kress e Van Leewen, em linhas gerais a
multimodalidade é a combinação de múltiplos códigos semióticos que configuram a
constituição estrutural de textos (1996 apud GOMES; LIMA; SOUZA, 2019, p. 218). Os
autores chamam os textos de multimodais pelo fato de se integrarem, pelo menos, por signos
verbais e visuais. Assim, a charge, o anúncio publicitário, o infográfico, gestos, sons e outras
semioses são exemplos de textos multimodais bastante presentes no dia a dia moderno. Para
os autores citados, os estudos sobre a multimodalidade na linguística estão arraigados na
semiótica Social, que trata de estudar os signos e seus sentidos na sociedade e tem como base
os estudos dos letramentos.
Cabe a ressalva de que essa reflexão sobre interpretação/compreensão fez-se
necessária devido à análise dos textos e das atividades aqui desenvolvida, ao observar como
se dá essa compreensão/interpretação nos textos, principalmente os multimodais, os quais
segundo as autoras do manual estão presentes em toda a coleção.
Após essas considerações sobre o livro didático da coleção Tecendo Linguagens,
apresento o aporte metodológico escolhido e o conjugo com os objetivos da pesquisa
81

6 CONSIDERAÇÕES TEÓRICO-METODOLÓGICAS CONJUGADAS COM OS


OBJETIVOS DA PESQUISA

Utilizo para este trabalho a pesquisa bibliográfica com abordagem qualitativa. Esse
tipo de trabalho descreve alguns passos a serem dados para a realização de uma pesquisa,
dentre eles, o primeiro é apresentar os objetivos da pesquisa. Junto aos objetivos situa-se o
levantamento de hipóteses. Sendo assim, apresento a questão que norteia essa pesquisa: os
multiletramentos são levados em consideração nos textos e nas atividades do livro didático?
Ao longo do trabalho, procuro observar essa questão para responder aos objetivos geral e
específicos.
O objetivo geral é verificar se os multiletramentos são explorados a partir dos
textos/gêneros discursivos no Manual do Professor de Língua Portuguesa do 9º ano, escolhido
pelo PLND para o triênio 2018 /2020.
Os objetivos específicos são:

I- Verificar se as competências, habilidades e campos de atuação apresentados pelas autoras


do LD levam em consideração os multiletramentos multimodais;
II- Observar se os multiletramentos multimodais são explorados nos textos e nas atividades
do LD manual do professor do 9º ano do Ensino Fundamental.

Nesse sentido, para alicerçar a proposta de pesquisa, tem-se como base a perspectiva
dialógica da língua, proposta por Bakhtin (1992). Perspectiva essa que vislumbra o texto
constituído por enunciados, os gêneros do discurso. Assim, compactuo com a ideia de que os
elementos estruturantes da língua precisam ser abordados com o intuito de contribuir com a
construção do texto em si. Além disso, o processo de ensino de um texto não se restringe à
compreensão restrita dos elementos linguísticos materializados no texto, pois os fatos
históricos e sociais também fazem parte desse processo. Somando-se a essa perspectiva,
mobilizo a teoria dos multiletramentos discutida por Rojo (2012), pois tal vertente permite
verificar se os multiletramentos são explorados a partir dos gêneros do discurso propostos no
Manual do Professor da coleção Tecendo Linguagens, de Língua Portuguesa, do 9º ano do
Ensino Fundamental, aprovado pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) para o
triênio 2018/2019/2020, de autoria de Oliveira e Araújo (2018). Assim, o material analisado
nesse trabalho é o livro didático Manual do professor, e o objeto são os multiletramentos.
82

Segundo Moreira e Caleffe (2011), os diversos métodos de pesquisa relacionam-se


com diferentes maneiras de explorar o mundo, exigindo, portanto,

[...] escolhas que sejam feitas em função do assunto proposto e da questão enfocada,
na perspectiva de que nenhum método pode ser eleito como ‘o melhor’, permitindo-
se apenas aproximações heurísticas. Cada método tem seus pontos fortes e suas
limitações, conjugá-los é, por vezes a escolha mais apropriada. A adoção de
múltiplos paradigmas e metodologias, é ao mesmo tempo fundamento para uma
postura crítica e plural do pesquisador. E uma lente a partir da qual ele poderá
ascender para visões diferenciadas do mundo, crescendo como profissional e como
ser humano (MOREIRA; CALEFFE, 2011, p. 256).

Nesse trabalho, utilizo a pesquisa bibliográfica a partir da análise documental com


foco na abordagem qualitativa. A opção por uma abordagem qualitativa, conforme Marconi e
Lakatos (2017), deve ter como principal fundamento a crença de que existe uma relação
dinâmica entre o mundo real, objetivo, concreto e o sujeito. O pesquisador deve ser alguém
que tenta interpretar a realidade dentro de uma visão complexa, entre a objetividade e a
subjetividade, em oposição ao antigo paradigma que preconiza a verdade absoluta das coisas.
A pesquisa bibliográfica, segundo as autoras Marconi e Lakatos (2017), é um processo
que visa reunir dados sobre os principais trabalhos já realizados na área, revestidos de
importância, por serem capazes de fornecer dados atuais e relevantes relacionados ao tema.
Dessa forma, a pesquisa bibliográfica não tem a pretensão de repetir o que está escrito, mas
propiciar a observação de um tema sob um novo olhar ou uma nova abordagem, chegando a
conclusões diferenciadas.
Em relação à análise documental, Lüdke e André afirmam que é uma técnica valiosa
de abordagem de dados qualitativos, seja complementando as informações obtidas por outras
técnicas, seja desvelando aspectos novos de um tema ou problema (2018, p. 45-46). De
acordo com as autoras, os documentos são fontes estáveis e ricas e dão base a diferentes
estudos e, ainda, representam uma fonte natural de informação. Não apenas uma fonte de
informação contextualizada, mas surgem em determinados contextos e fornecem informações
sobre esse mesmo contexto.
Segundo Marconi e Lakatos (2017), o pesquisador deve ter um certo cuidado, pois ele
não exerce controle sobre a criação dos documentos, deve selecionar apenas o que lhe
interessa, como também interpretar e comparar para então utilizá-lo. Lüdke e André afirmam
que ao proceder a escolha e a análise dos dados, o pesquisador deve recorrer à metodologia de
análise de conteúdo (2018, p. 48). Krippendorff define a análise de conteúdo como uma
técnica de pesquisa para fazer inferências válidas e replicáveis dos dados para o seu contexto
83

(1980 apud LÜDKE; ANDRÉ, 2018). E caracteriza-se como um método de investigação do


conteúdo simbólico das mensagens, as quais podem ser abordadas de diferentes formas e sob
inúmeros ângulos. Lüdke e André (2018) dizem que a análise de conteúdo é uma técnica do
método documental que segue três fases:

1- a pré-análise, que é a escolha dos documentos a serem analisados;


2- a seleção de dados, a curadoria do material que diz respeito ao recorte; e
3- as inferências, que dizem respeito à forma de enxergar os dados, ou seja, a forma como
interpreto os dados à luz das teorias de Bakhtin e da pedagogia dos multiletramentos.
Ao realizar a minha pesquisa por uma abordagem documental segui as três fases para a
análise de conteúdo. Na primeira fase fiz a escolha do material didático de ensino de língua
portuguesa: o livro didático manual do professor da coleção Tecendo Linguagens, selecionado
pelo PNLD para o triênio 2018/ 2019/2020. A escolha dessa coleção se deu a partir de uma
observação acerca dos campos de atuação jornalístico/midiático presentes e muito trabalhado
no livro. E a opção pelo 9º ano se deu pelo fato de que é uma etapa escolar importante, pois
constitui a transição para o ensino médio. Nessa etapa, as experiências, interações e novas
ideias são descobertas.
Na segunda fase selecionei uma unidade do livro, dois textos e suas respectivas
atividades. Já na terceira, realizei a interpretação dos dados à luz das teorias mobilizadas ao
longo da pesquisa.
Ao determinar o tema da minha pesquisa, levo em consideração a distinção do sujeito
e do objeto. Marconi e Lakatos (2017) afirmam que o sujeito é a realidade a respeito da qual
deseja-se saber alguma coisa e que o estudo do sujeito tem dois objetivos principais: o de
melhor apreendê-lo ou a intenção de agir sobre eles. Quanto ao objeto, o tema propriamente
dito, “corresponde ao que se deseja saber ou realizar a respeito do sujeito”. O objeto é o
conteúdo que se focaliza, em torno dele gira toda a discussão ou indagação. Nessa pesquisa, o
sujeito é aquele esperado – constituído pelo Livro Didático manual do professor da coleção,
Tecendo Linguagens do 9º ano do ensino fundamental, selecionado pelo PNLD para o triênio
2018/2019/2020, sujeito este visto na escolha dos textos/gêneros discursivos e das atividades
apresentadas no referido livro. E a intenção dessa pesquisa é analisar de forma esse sujeito é
pensado, bem como observar o que contempla os textos e as atividades sobre os
multiletramentos.
O presente trabalho propõe a analisar o livro didático da coleção Tecendo Linguagens
manual do professor do 9º ano do Ensino Fundamental por esse fazer parte do PNLD do
84

triênio 2018/2020. Desse livro, escolhi uma unidade, dessa unidade priorizei dois textos e
suas respectivas atividades, por compreender que um trabalho satisfatório de uma pesquisa
qualitativa leva em consideração a qualidade e não a quantidade. E, também por entender que
o estudante do 9º ano do Ensino Fundamental, além de dispor de experiência suficiente no
que concerne à leitura e no que diz respeito à formação de um leitor crítico e competente, está
numa importante e crucial passagem para uma nova etapa do processo estudantil, que é o seu
futuro ingresso no ensino médio.
Em uma pesquisa com foco na abordagem qualitativa, o objetivo principal é a
interpretação do fenômeno observado. Sendo assim, objetiva-se observar, descrever e
compreender o seu significado. As hipóteses, nesse tipo de pesquisa, não são pré-concebidas,
mas confirmadas após a observação. De acordo com Minayo e Sanches (1993), é no campo da
subjetividade e do simbolismo que se afirma a abordagem qualitativa. Da mesma forma, uma
abordagem qualitativa em si não garante a compreensão em profundidade, conforme dizem
Minayo e Sanches (1993). Segundo as autoras, a abordagem qualitativa realiza uma
aproximação fundamental e de intimidade entre sujeito e objeto, uma vez que

[...] ambos são da mesma natureza: ela se volve com empatia aos motivos, às
intenções, aos projetos dos atores, a partir dos quais as ações, as estruturas e as
relações tornam-se significativas. [...] Em outras palavras, do ponto de vista
qualitativo, a abordagem dialética atua em nível dos significados e das estruturas,
entendendo estas últimas como ações humanas objetivadas e, logo, portadoras de
significado. Ao mesmo tempo, tenta conceber todas as etapas da investigação e da
análise como partes do processo social analisado e como sua consciência crítica
possível. Assim, considera os instrumentos, os dados e a análise numa relação
interior com o pesquisador, e as contradições como a própria essência dos problemas
reais (1983, p. 244-245).

Na linha de pensamento das autoras, em oposição ao pensamento de senso comum,


proponho nesse trabalho compreender a atividade humana do ponto de vista real, haja vista
que um livro didático é produto e fruto de uma realidade que está em constante construção
social.
Posto isso, acredito que essa pesquisa seja de grande importância para a , pois o livro
didático faz parte da realidade educacional, faz parte do cotidiano escolar, portanto, é real, um
instrumento que traz indícios do desenvolvimento social histórico e cultural da sociedade.
Nesse sentido, ao propor a investigação e a análise do livro manual do professor com a
abordagem qualitativa, relaciono-as com a perspectiva discursiva bakhtiniana, destacando os
aspectos ideológicos e interpretativos presentes nos textos e nas atividades do LD.
85

Entendo que a pesquisa qualitativa contribui para o conhecimento e o


desenvolvimento metodológico desta dissertação, pois, como aponta Creswell, a pesquisa
qualitativa é aquela em que o pesquisador sempre faz alegações de conhecimento, com base
principalmente em perspectivas construtivistas (ou seja, significados múltiplos das
experiências individuais, significados social e historicamente construídos) (2007, p. 35).
Assim sendo, as considerações de Creswell (2007) colaboram com a perspectiva bakhtiniana
de discurso, pois são levados em conta os aspectos sociais e históricos. Além do mais,
segundo Creswell, a pesquisa qualitativa é fundamentalmente interpretativa. Significando que
o pesquisador faz uma interpretação dos dados do discurso e, este último, é constituído como
produto da materialidade linguística; um produto da criação ideológica que pressupõe o
contexto histórico social e cultural.
De acordo com Valetin (VOLÓCHINOV, 2017), do círculo de Bakhtin, não se pode
isolar o signo da realidade material do signo, não se pode isolar o signo das formas concretas
da comunicação social, pois o signo, além de ser reflexo, sombra da realidade e um fragmento
dessa realidade, é ideológico. Portanto, tendo em vista a perspectiva bakhtiniana de discurso e
as afirmações da metodologia qualitativa, compreendo que o LD, a partir da sua materialidade
linguística, apresenta uma posição ideológica.
Sendo o LD um signo ideológico e podendo ser interpretado como fragmento da
realidade, tem a possibilidade de ser visto de variados modos. Em consonância com o
exposto, Orlandi afirma que a ideologia não é ocultação, mas função da relação necessária
entre linguagem e mundo (2005, p. 47). Linguagem e mundo se refletem no sentido da
refração, ou seja, quebra-se, desvia-se a direção do efeito imaginário de um sobre o outro.
Assim, pelo fato de todo signo ser ideológico, a ideologia mostra a perspectiva da verdade,
refletindo um modo de ver a realidade.
A preocupação com a atuação prática dos professores de língua portuguesa me leva a
desenvolver uma pesquisa bibliográfica descritiva exploratória, com foco qualitativo, a fim de
proporcionar uma nova visão em relação à realidade já existente, contribuindo, assim, para
uma reflexão do desenvolvimento de práticas que abordam os multiletramentos mediados pelo
livro didático manual do professor da coleção Tecendo Linguagens.
Ressalto a importância do livro didático como ferramenta alternativa para o trabalho
em sala de aula, utilizando textos não como produto, mas como ferramenta motivadora de um
processo que insere as práticas de multiletramentos às depreensões necessárias para
86

estabelecer mudanças de práticas de trabalho com a língua portuguesa, proporcionando ao


sujeito a reflexão da sua realidade socio-histórica e cultural.
Tendo em vista as teorias discutidas, apresento a seguir a análise do livro didático do
9º ano do ensino fundamental frente aos multiletramentos, verificando se o livro didático,
manual do professor, materializa e reflete as diferenças culturais, bem como analisando de
que forma ele contribui para a promoção dos multiletramentos no ensino da língua
portuguesa.
87

7 O LIVRO DIDÁTICO DO 9º ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL FRENTE AOS


MULTILETRAMENTOS

O livro didático do 9º ano do Ensino Fundamental frente aos multiletramentos é o


tema desse capítulo. O objetivo geral é verificar se os multiletramentos fazem parte do livro
didático do 9º Ano. Os objetivos específicos são: analisar se os multiletramentos estão
presentes nos textos e observar se os multiletramentos multimodais são explorados nas
atividades do referido livro. O material para a coleta dos dados é o livro didático, manual do
professor da coleção Tecendo Linguagens do 9º Ano do Ensino Fundamental. Nosso objeto
são os multiletramentos. Optamos por observar a unidade 4 do livro didático manual do
professor de Língua Portuguesa do 9º ano do Ensino Fundamental, indicado pelo PNLD do
triênio 2018/2020. Dessa unidade, observamos dois textos dos capítulos 7 e 8 e suas
respectivas atividades.
Tendo em vista as teorias discutidas, apresentamos a seguir nosso estudo, verificando
se o livro didático, manual do professor, materializa e reflete as diferenças culturais, bem
como de que modo ele contribui para a promoção dos multiletramentos no ensino da língua
portuguesa. Ou seja, interessa-nos verificar se esse material didático está adequado aos temas
dos multiletramentos.
A parte do livro didático, manual do professor, com textos e atividades destinadas ao
trabalho com os estudantes, divide-se em quatro unidades, e cada unidade é composta por dois
capítulos. Atento apenas para a unidade 4, capítulos 7 e 8. Essa unidade explora o tema
“Tempo de pensar: Informações e escolhas, através dos capítulos:
“Informar- se para conhecer e Que profissão seguir?” Toda a unidade é organizada em
torno de uma temática central que se interliga entre os capítulos.
Depois de fazer um processo de curadoria no livro em questão, selecionei a unidade 4
por perceber evidências que mostram o campo de atuação jornalística/midiático que
possibilita o trabalho com as habilidades propostas pela BNCC. Outro ponto importante que
ajudou na escolha dessa unidade foi a quantidade de textos multimodais presentes no capítulo
7, “Informar-se para conhecer”, também o fato de observar que na seção “Prática de leitura”
pode ser encontrada uma maior quantidade de textos de caráter multimodal, ou seja, concede-
se que o estudante tenha, além do texto verbal, outros recursos visuais que auxiliam na leitura
e compreensão. São textos que, na perspectiva bakhtiniana, possibilitam o dialogismo, a
reflexão em relação ao sujeito e à realidade em que esse sujeito está inserido.
88

Na escolha dessa unidade, levo em consideração também o que as autoras declaram na


abertura das unidades. Segundo as autoras do manual do professor em questão, a unidade 4
apresenta como tema as informações e as escolhas que os usuários fazem no dia a dia, com o
objetivo de contribuir para que os estudantes desenvolvam, progressivamente, o senso crítico,
para posicionarem-se em relação às informações, ampliando suas possibilidades de atuação na
sociedade.
Diante do exposto, a declaração das autoras permite-me pensar que essa unidade
contempla uma proposta didática na perspectiva da pedagogia dos multiletramentos, pois,
retomando Rojo (2012), uma proposta didática que se dá a partir de um enquadramento dos
letramentos críticos, os quais buscam interpretar os contextos sociais e culturais de produção
desses designs e enunciados como instância última, e também a produção de uma prática
transformada, seja na recepção ou de produção/distribuição (redesign), é uma proposta de
grande interesse e que condiz com os princípios de pluralidade cultural e de diversidade de
linguagens envolvidos no conceito de multiletramentos. Somando-se a isso, para a pedagogia
dos multiletramentos, diferentes linguagens (verbal, visual, sonora, corporal/gestual), em suas
especificidades, garantem a construção de sentidos de circulação social por meio da formação
de leitores/produtores de textos capazes de receber, analisar, entender e criticar esses
diferentes discursos, nas mais diversas áreas.
Cabe a ressalva de que apesar de essa unidade 4 aparecer aqui detalhada, considero o
livro como um todo para alicerçar essa pesquisa. Observo seus entornos, seus contextos, seus
sujeitos, para conciliar com a teoria bakhtiniana, que não vê os enunciados como orações, isto
é, não vê o texto dissociado de seu campo de sua realidade. O livro contempla textos, verbais,
não verbais e mistos, apresentando oportunidades de discussões interessantes acerca da
realidade concreta. Segundo as autoras, como um dos suportes para a prática, o livro apresenta
propostas de trabalho que visam oferecer condições para o estudante compreender a
complexidade da realidade, aprimorar sua capacidade comunicativa e ampliar,
significativamente, sua inserção no espaço em que vive.
Observando essas considerações feita pelas autoras sobre o LD de língua portuguesa
Tecendo Linguagens, retomo o questionamento que norteia essa pesquisa: os multiletramentos
são levados em consideração nos textos e nas atividades do livro didático?
Para refletir sobre o questionamento e analisar o LD em questão passo a observar: os
capítulos 7 e 8 da unidade 4, e suas respectivas atividades.
O capítulo 7 tem como título “Informar-se para conhecer” e aborda o fenômeno de
disseminação de notícias falsas e o uso das tecnologias de comunicação e da informação. Os
89

textos/gêneros discursivos usados para a leitura são: charge, notícias, guia, artigo de opinião,
tirinha. Sendo que o primeiro texto a ser explorado no capítulo é uma charge.
O capítulo 8, com o título “Que profissão seguir? promove, segundo as autoras, uma
reflexão sobre a escolha da profissão com o objetivo de possibilitar que o estudante entenda as
relações próprias do mundo do trabalho e que faça escolhas do mundo do trabalho alinhadas
ao exercício da cidadania e ao seu próprio jeito de vida, com liberdade, autonomia,
consciência crítica e responsabilidade. Os textos/gêneros discursivos para essa reflexão são:
tira, charge, entrevista, letra de canção, reportagem, texto informativo. O primeiro texto a ser
explorado no capítulo 8 é uma tira.
A seguir, apresento a organização da unidade 4 em um quadro. Essa unidade é
dividida em seções e subseções, como também os textos/ gêneros discursivos que são
apresentados em cada capítulo.

7.1 Organização da Unidade 4

Quadro 2 – Organização da Unidade 4


UNIDADE - 4
TEMPO DE PENSAR: INFORMAÇÕES
E ESCOLHAS CAPÍTULO 7 CAPÍTULO 8
INFORMAR-SE QUE PROFISSÃO
SEÇÕES SUBSEÇÕES BOXES PARA CONHECER SEGUIR?
Glossário Charge Tirinha – Charge
Para começo de conversa
Por dentro do Notícia – Guia – artigo de Entrevistas – Letra de
Prática de leitura texto opinião – tirinhas – Canção – Reportagem –
Linguagem charges Comentários Charges
do texto
Trocando ideias Trecho artigo de opinião Entrevista
Trechos da Declaração
Conversa entre os textos Charge dos
Direitos Humanos
Momento de ouvir Roda de conversa Texto
complementar/professor
Reflexão sobre o uso da Aplicando Notícia – charge
língua conhecimentos Tirinha
De olho na escrita Planejamento Checagem de fatos Enquete
Hora da pesquisa Checagem dos fatos Produção de slides
Elaboração de roteiro Edição de uma entrevista
Na trilha da oralidade Produção oral de videocast Apresentação oral
seminário
Preparando
Ampliando horizontes para o Sinopses – livro e filme Sinopse de livro
próximo
capítulo
Fonte: Elaborado pela autora.
90

Para a observação dos textos e das atividades do livro didático manual do professor,
seleciono a unidade 4 e os capítulos 7 e 8. E, ainda, para uma melhor compreensão, opto por
analisar apenas um texto de cada capítulo e as atividades referentes a cada um. Em síntese,
analiso o texto 2 “Notícia e guia”, do capítulo 7, e o texto 2, “Letra de canção”, do capítulo 8.
A opção por esses dois textos e suas atividades do manual do professor, levou-me no
momento da escolha a um interrogatório no que diz respeito à multimodalidade. Os dois
textos/ gêneros discursivos Notícia e Guia e Letra de Canção são ou não suficientes para o
objetivo proposto, por eles apresentarem as linguagens verbal e não verbal, ou seja, por serem
multissemióticos?
Nesse contexto, podemos afirmar que os textos multimodais facilitam o aprendizado
do estudante, contribuindo para o desenvolvimento das competências e capacidades
necessárias no processo ensino e aprendizagem, bem como a pedagogia dos multiletramentos,
por sua vez, propicia a leitura e a escrita de textos multimodais que integram outros modos de
linguagens. Nesse sentido, retomo Rojo (2013). A autora diz que, para uma mudança
significativa, a proposta pedagógica deve considerar a aprendizagem de leitura e de escrita de
textos multimodais que incorporem outras linguagens, sendo que novas práticas de
comunicação/interação em diferentes linguagens convocam os multiletramentos.
Portanto, levo em consideração a teorização de Rojo (2012, 2016) mobilizada no
capítulo teórico. Além de os textos multissemióticos estarem presentes nos ambientes digitais,
estão também nos impressos, e, por isso, é necessário que no processo de ensino e
aprendizagem outros modos de representações sejam levados em consideração. Pode-se, nesse
sentido, verificar que o livro didático manual do professor contempla os textos
multissemióticos. Entretanto, será que os referidos textos contemplam os multiletramentos?
Assim, nessa perspectiva, faço uma reflexão acerca das competências e habilidades
direcionadas pelas autoras para o texto Notícia e Guia como também acerca dos
multiletramentos.
Faço a comparação das competências gerais e específicas da língua portuguesa,
direcionadas pelas autoras para o estudo do texto Notícia e Guia, verificando se os
multiletramentos são explorados e/ou estão presentes nessas competências.

Competência geral 4 – Utilizar diferentes linguagens – verbal (oral ou visual-motora,


como Libras, e escrita), corporal, visual, sonora e digital –, bem como conhecimentos das
linguagens artística, matemática e científica, para se expressar e partilhar informações,
91

experiências, ideias e sentimentos em diferentes contextos e produzir sentidos que levem ao


entendimento mútuo.
Competência geral 7 – Argumentar com base em fatos, dados e informações
confiáveis, para formular, negociar e defender ideias, pontos de vista e decisões comuns que
respeitem e promovam os direitos humanos, a consciência socioambiental e o consumo
responsável em âmbito local, regional e global, com posicionamento ético em relação ao
cuidado de si mesmo, dos outros e do planeta.

As competências gerais 4 e 7 podem ser reconhecidas no texto proposto para estudo


dos estudantes. Nas competências 4 e 7 os multiletramentos se fazem presentes, ao passo que
o texto leva em consideração as práticas situadas.
No que se refere à competência geral 4, o texto utiliza a linguagem verbal e não verbal
para partilhar informações sobre como identificar notícias falsas. O texto Notícia e Guia é um
texto colorido, dinâmico, um infográfico que complementa uma reportagem. Portanto, essa
competência leva em consideração os multiletramentos multimodais. Essa multimodalidade é
apresentada de vários modos: pela escrita, pelo rosto, pela tesoura, pelas cores e pelos ícones,
imagens e letras em caixa alta, como pode ser visto nas figuras seguintes.
A seguir, observo o texto “Notícia e guia”, do capítulo 7 do manual do professor do
livro didático Tecendo Linguagens de Língua Portuguesa do 9º ano do Ensino Fundamental.

7.2 Unidade 4 – Capítulo 7 – Texto e atividades – Texto 2 – Notícia e guia

7.2.1 Texto Notícia e Guia

Figura 12 – Livro didático Manual do professor Tecendo Linguagens (2018, p. 189-190)


92

(Conclusão Figura 10)

Fonte: Oliveira e Araújo (2018, p. 189-190).

O texto “Notícia e Guia” foi dividido pelas autoras em três partes: a que apresenta o
rosto, a partir do qual pode ser trabalhado o campo de atuação artístico literário. Ao meu ver,
pode ser feito uma referência ao clássico da literatura infantil, o Pinóquio. A outra parte, a
escrita, o texto verbal; e a terceira parte, o quadro com as cores para representar a modalidade
de cada texto. Na parte rosa são apresentadas as orientações a respeito do texto, na parte verde
as orientações sobre imagens, por fim, a parte azul trata das notícias em áudio.
93

Além do campo artístico, as autoras indicam que os campos midiáticos e todos os


campos de atuação podem ser também trabalhados nesse texto. Essa indicação aparece em
pequenos quadrinhos coloridos representando as cores dos campos de atuação definidos pelas
autoras, já apresentados anteriormente. Isso significa que fica a cargo do professor trabalhar
ou não esses campos de atuação.
Com relação à competência 7, no texto são apresentados fatos relacionados aos
cuidados que as pessoas precisam ter antes de espalhar uma notícia. Esse aspecto condiz com
o posicionamento ético em relação ao cuidado de si mesmo e dos outros. Entretanto, nessa
competência, os multiletramentos multimodais não são levados em consideração.

Competência específica de LP 3 – Ler, escutar e produzir textos orais, escritos e


multissemióticos que circulam em diferentes campos de atuação e mídias, com compreensão,
autonomia, fluência e criticidade, de modo a se expressar e partilhar informações,
experiências, ideias e sentimentos, e continuar aprendendo.
Competência específica de LP 6 – Analisar informações, argumentos e opiniões
manifestados em interações sociais e nos meios de comunicação, posicionando-se ética e
criticamente em relação a conteúdos discriminatórios que ferem direitos humanos e
ambientais.
Competência específica de LP 10 – Mobilizar práticas da cultura digital, diferentes
linguagens, mídias e ferramentas digitais para expandir as formas de produzir sentidos (nos
processos de compreensão e produção), aprender e refletir sobre o mundo e realizar diferentes
projetos autorais.

Essas competências específicas de língua portuguesa, a exemplo das duas gerais 4 e 7,


também podem ser reconhecidas no texto proposto para estudo do estudante. Esse texto
possibilita o desenvolvimento de habilidades relacionadas aos eixos de oralidade, leitura e
produção escrita. Nas competências específicas 3, 6 e 10 são evidentes os elementos dos
multiletramentos.
A partir da análise, é possível afirmar que as autoras foram coerentes ao elencar as
competências que podem ser exploradas no texto “Notícia e Guia”. Essas mesmas
competências são indicadas nas atividades de exploração do texto, bem como habilidades
relacionadas a elas. Com isso, nesse momento da pesquisa vou verificar se essas competências
e habilidades são efetivamente exploradas nas atividades sobre o texto “Notícia e Guia”.
94

O texto é precedido por perguntas com a intenção de verificar o que os alunos sabem
sobre o tema notícias falsas. As autoras trazem para as atividades de 1 a 3 a habilidade
EF69LP21 – posicionar-se em relação a conteúdos veiculados de práticas não
institucionalizadas de participação social, que pretendem denunciar, expor uma problemática
ou convocar para uma reflexão/ação. Relacionando, com isso, esse texto/produção com seu
contexto de produção e relacionando as partes e semioses presentes para a construção dos
sentidos. No texto é exposta uma problemática e, ao mesmo tempo, require-se do estudante
uma reflexão. Para a teoria dos multiletramentos é importante que haja a prática situada, a que
consiste nos envolvimentos dos estudantes em contextos de significação, considerando a sua
realidade, suas experiências e os conhecimentos prévios.

Figura 13 – Texto 2 – Notícia e guia com as atividades – Livro didático Manual do professor
Tecendo Linguagens (2018, p. 189-190)

Fonte: Oliveira e Araújo (2018, p. 189-190).


95

Figura 14 – Livro didático Manual do professor Tecendo Linguagens Língua Portuguesa


(2018, p. 189-191)
96

Fonte: Oliveira e Araújo (2018, p. 189-191).

Vejamos com mais detalhe as atividades referentes ao texto “Notícia e guia”, do


capítulo 7 da unidade 4 e das atividades pertencentes à subseção “Por Dentro do Texto”, com
o objetivo de verificar se os multiletramentos estão presentes nesses textos e nas atividades
referentes a ele.
Na primeira atividade, a de número 1 – “Releia o título da notícia e do guia”,
A). Que fato originou essa notícia e esse guia?
B). Que situação muito comum a notícia aborda?
C). Quais informações mais se destacam nesses títulos?

Os itens 1(A), 1(B), 1(C) são perguntas relativas ao título, ou seja, um mapeamento
das ideias que objetivam relacionar a contextualização da notícia com os aplicativos de
mensagens instantâneas, levando o estudante à ação de pensar a construção dos sentidos dos
textos que encontramos no dia a dia.
Seguindo com a atividade de número 1, temos os seguintes itens:
D). Você costuma receber notícias em mensagens instantâneas nos grupos da família
ou de amigos? Comente.
E). Você considera as informações do guia e da notícia importantes para sua vida?
97

Os itens das letras 1(D) e 1(E) são questionamentos de caráter mais subjetivo e, talvez,
por ficarem por último, podem encerrar as possibilidades de aprofundamento sobre o tema. As
autoras criam uma situação que permite aos estudantes relacionarem os vários sentidos com o
contexto socio-histórico em que vivem. Dessa maneira, essas duas atividades visam à ação de
refletir sobre a língua em uso. Suponho que a intenção foi provocar uma discussão
valorizando as opiniões dos estudantes sobre suas experiências em relação ao recebimento de
notícias falsas. Seria a etapa de imersão dos alunos no contexto de significação, considerando
suas identidades, necessidades socioculturais, experiências e conhecimentos prévios, levando-
os a informações extratextuais.
Na atividade 2, temos as letras seguintes:

A). Que contextualização o texto apresenta para realizar as reflexões e dicas sobre o
fato abordado?
B). Por que o autor do texto afirma que as notícias falsas preocupam mais em período
anterior às eleições? Que consequências poderiam causar? Explique.

Os itens 2 (A) e 2 (B) são perguntas que podem levar o estudante a fazer inferências,
são mais complexas e permitem considerar os elementos extratextuais. Trazendo a teoria do
dialogismo e dos multiletramentos, essas atividades podem ajudar o estudante a construir
hipóteses como cientistas, analisar a fim de tirar suas próprias conclusões, fazer teorias e
coconstruir conceitos e termos, em um processo de análise do pensamento crítico. Essas
atividades permitem promover uma discussão mais sistematizada e crítica sobre os motivos
aparentes das notícias falsas.
Desse modo, o assunto permite uma reflexão com os estudantes a respeito da base e da
superestrutura na concepção de linguagem bakhtiniana, pois, para Bakhtin (2017), é
importante distinguir entre o texto, a materialidade dos discursos e o gênero. Ainda segundo
esse autor, o texto traz em si as marcas linguísticas, tanto as marcas discursivas, a relação
dialógica imbricada de compreensão e constitutiva de sentidos entre os falantes, quanto a luta
das vozes materializada por meio do discurso.
Ainda considerando as possiblidades de promoção da interação do pensamento crítico,
temos o item 2.
98

B). “Por que o autor do texto afirma que as notícias falsas preocupam mais em
período anterior às eleições? Que consequências poderiam causar? Explique.

Em 2 (B) há três perguntas. A primeira de interpretação, que o estudante pode


encontrar na base do texto. Já a segunda, exige do estudante uma inferência, além de exigir
que se conheça um pouco do assunto para dar conta de responder. A terceira, além da
interpretação, exige outras habilidades. Nessas perguntas, a interferência do professor é
importante. Para a pedagogia dos multiletramentos são perguntas que fazem parte da terceira
etapa, o enquadramento crítico.
Ao observar as atividades, constatamos os itens:

3) no texto o autor afirma que, embora seja trabalhoso, é importante checar a


veracidade das informações antes de compartilhá-las. Responda:
A). Por que vale a pena incorporar essas ações de checagem dos fatos em seu dia a dia?
B). Em sua opinião, o que deve ser feito para conscientizar ou ensinar as pessoas do círculo
familiar a tomar esses cuidados apresentados no texto?
4) O texto apresenta precauções para evitar o compartilhamento de notícias sem a checagem
da sua veracidade. Responda:
A). Quais são as quatro principais ações que devem ser tomadas quando as pessoas recebem
uma notícia?
B). Quais características das mensagens recebidas devem acionar o alerta de desconfiança?

São perguntas que requerem respostas sobre informações objetivamente situadas no


texto, ou seja, informações explícitas que se encontram facilmente na base textual. Por sua
vez, a atividade 3, letra A, e a atividade 4, letra B, demandam respostas que os estudantes
podem copiar do texto, caso não saibam fazer uma síntese. A síntese é uma habilidade
importante, no entanto, se o estudante não desenvolver essa habilidade no ato do
desenvolvimento dessa atividade, pode acontecer a abordagem de mimesis, ou seja, a simples
cópia, que tem a aprendizagem pela absorção de fatos e informações veiculadas no texto.
A letra B da atividade 3 é uma pergunta que pressupõe que a resposta tem a ver com o
texto, mas, no meu ponto de vista, essa pergunta – e sua consequente resposta – pode ser mais
superficial e subjetiva, dependendo da forma com que é conduzida em sala de aula, pois não é
possível testar a sua eficácia, ou seja, vai muito além das informações do próprio texto e,
99

assim, situa-se, segundo Marcuschi, no limite da interpretabilidade. São respostas de caráter


pessoal, o que requer investimento de conhecimentos pessoais muito grande.
No entanto, discordando parcialmente de Marcuschi, vejo que é uma pergunta que
insere o estudante no contexto de significação, ponto em que, na teoria da pedagogia dos
multiletramentos (Enquadramento Crítico), é a etapa na qual o estudante pode interpretar,
entender e tomar consciência das relações históricas, sociais, culturais, políticas e ideológicas
envolvidas nos Designs. É importante também pensar que esse estilo de pergunta faz parte da
abordagem reflexiva que valoriza a análise crítica.
A atividade 5, “reproduza o quadro e preencha-o com o resumo das orientações do
guia”, é uma atividade que requer do estudante a habilidade de resumir um texto. Exige uma
releitura, para parafrasear e não copiar as informações. Nesse caso, o estudante deve saber
anotar as principais ideias de cada orientação, as palavras-chave para contextualizar as
informações, a fim de não tornar essa atividade simplesmente uma cópia. Pelo fato de
apresentar um quadro para que o estudante preencha com os elementos do texto, é uma
atividade que utiliza a multimodalidade. Está em consonância com a habilidade EF69LP34, a
qual, entre outros elementos, aponta para a anotação em outro suporte, esquema, resumo ou
resenha do texto lido.
Nessa perspectiva, faço uma reflexão do todo pensando na concepção dialógica de
Bakhtin (2017). Segundo ele, é preciso que o sujeito atribua sentido ao que lê, sentido dado
por um sujeito socio-historicamente constituído. Rojo afirma que os textos devem ser
interpretados, colocando-os em relação aos outros textos, situando-o na realidade social,
replicando, avaliando posições e ideologias que constituem seus sentidos (2004, p.2). Nesse
sentido, o que o livro didático pode fazer é trazer o texto para a vida e colocá-lo em uma
relação com ela.
As atividades 3 e 4 propiciam uma discussão importante sobre a manipulação e a
confirmação ou não das convicções das pessoas. Nessa possível exploração, pode-se levantar
questões do senso comum de cunho ideológico e multicultural para instigar a criticidade dos
estudantes em relação à cultura popular, sobre verdades e mentiras e a reflexão sobre as forças
político-sociais dominantes.
Dessa forma, é ingênuo pensar que o livro didático abriria espaço para discussões que
proporcionem criticidade para a reflexão sobre a linguagem com carga multicultural. No
entanto, é necessária uma discussão a respeito da valorização dos grupos particulares, das
culturas locais e a compreensão da aproximação das culturas através do avanço tecnológico.
As notícias falsas são um grande desafio para a cultura. Elas podem ressaltar a desvalorização
100

de grupos em particular como também a cultura em geral. As fake news podem desestabilizar
a democracia, levando a sociedade a extremas posições.
Se a linguagem não é morta e sim viva, como Bakhtin (1992) afirma, não podemos
nos esquecer de que ela se refere ao mundo, que é por ela que se pode revelar a existência do
que está oculto na construção histórica da cultura e dos sistemas os quais temos como
referências. Salientamos que o livro didático manual do professor da coleção Tecendo
Linguagens, do 9º do Ensino fundamental, na unidade 4, capítulo 7, trabalha com textos
multimodais atuais. No entanto, as atividades voltadas para o estudante ainda não apresentam
satisfatoriamente atividades que contemplam os multiletramentos multimodais. Observei que
os multiletramentos estão presentes no texto, mas não são explorados em todas as atividades.
Pelo fato de falar em ideologia, valores, movimentos de conservação e também de ruptura,
podemos dizer que apresentam duas forças, a centrípetas (a manutenção do ensino que
mantém a reprodução, simplificando o conhecimento, escamoteando as disputas e conflitos
sociais) e as forças centrífugas (representadas pelas novas teorias que buscam um ensino com
base no dialogismo reflexivo, o qual leva em consideração o contexto sócio histórico dos
sujeitos). Nessa direção, Holanda afirma que “diante desse confronto, identificamos as duas
forças agindo: a centrípeta, a qual impele para a unificação que ajuda a manter uma defesa de
um estudo da língua de forma prescritiva, de outro lado, a força centrífuga, que aponta para a
dispersão dos discursos hegemônicos” (2016, p. 60).
As autoras do material mostraram uma preocupação em incorporar novas linguagens e
um perfil mais moderno, fazendo uso dos textos multimodais na unidade. A multiplicidade de
linguagens é a mesma coisa de multimodalidade, e os textos multimodais contribuem para
uma discussão diferenciada. Além disso, a multimodalidade e os novos letramentos
apresentam condições de ampliação das práticas sociais dos estudantes. Notei, portanto, a
necessidade de as atividades proporcionarem um olhar mais crítico, para que os estudantes
consigam perceber os valores, ideologias, que estão enredados nos textos. As atividades com
textos multimodais ajudam o estudante a ser capaz de não somente atribuir sentido, mas de
perceber a organização, as contexturas dos textos utilizando vários aspectos da
multimodalidade. Em síntese, o texto observado é um texto multimodal, mas essa
multimodalidade não é trabalhada nem mesmo na complementação de sentido do texto verbal.
Acredito que os textos multimodais permitem uma abordagem sociointerativa. Nesse
sentido, Geraldi (2015) afirma que os documentos oficiais assumem uma concepção de
linguagem como forma de ação e interação no mundo, portanto, coaduna com a perspectiva
dialógica bakhtiniana para o ensino da língua portuguesa. Assim, ao observar o texto “Notícia
101

e guia” verifiquei que no início são apresentadas questões cujo entendimento e resposta não se
encontram apenas no texto, mas que requerem do estudante inferências a partir de seus
conhecimentos prévios. Notei que as autoras não deram nenhum exemplo de notícia falsa, que
ao meu ver seria primordial para o entendimento da temática pelos estudantes. Contudo, é
compreensível esse fato, pois suponho que tiveram razões suficientes para não apresentar, já
que no início do capítulo elas utilizam um texto do gênero notícia com o título “Professor usa
fake News para ensinar ciências na escola”, e que apresenta esporadicamente os resultados da
ação dos estudantes. No entanto, seria melhor um exemplo de uma notícia falsa real veiculada
nas mídias digitais e de preferência que fizesse parte da realidade local dos estudantes.
Observei que a temática do texto proporciona uma discussão mais aprofundada das
questões para além do cientificismo da linguagem, além de discussões sociais relevantes para
os estudantes, no sentido de promover a criticidade e ampliar os horizontes, na perspectiva
dos multiletramentos, já que o texto apresenta condições para diversas reflexões, tais como: a
cultura digital; se o acesso à internet é ilimitado à sociedade em geral ou não; o porquê de as
pessoas repassarem notícias falsas; as questões familiares; seus relacionamentos; as questões
do poder aquisitivo das famílias; os bastidores do processo eleitoral no Brasil e a manipulação
da opinião pública por essa política; como são veiculadas nos meios de comunicação tanto
virtual como impresso, pois, as propagandas poluídas e confusas se assemelham a sites de
notícias, o que lhes conferem credibilidade; pessoas que, isoladamente, criam diversas contas
nas redes sociais, implementam ligações com terceiros e passam a disseminar opiniões sobre
diversos temas com enfoque de ideias políticos e eleitorais. Com isso, seria possível discutir
como notícias falsas e artigos promovem a desinformação, o que dificulta a identificação de
seus responsáveis com a mesma transparência, possibilitando influência indevida na escolha
dos políticos pela população em geral, comprometendo a democracia em sua essência. Para a
complementação, poder-se-ia ainda propor um diálogo sobre as diferenças sociais e suas
consequências.
Compreendo que essa unidade contempla a multiplicidade de textos multimodais,
tomando como base as práticas de uso e de reflexão sobre a linguagem. No entanto, apesar de
as atividades serem baseadas nos gêneros discursivos “notícia” e “guia”, elas contemplam
parcialmente as concepções de Bakhtin, pois a interpretação do texto em si sobressai em
relação às atividades que levam em consideração a língua em uso. As referidas atividades não
contemplam satisfatoriamente os elementos da pedagogia dos multiletramentos, vez que são
apresentadas poucas atividades que levam em consideração o dialogismo ou a realidade socio-
102

histórica dos estudantes. Além de, ainda, nas atividades não ser levada em consideração a
multimodalidade.
Nessa mesma direção, observo que os textos abordam mudanças tecnológicas e
sociais, estes atuais aspectos que coadunam com a teoria de Rojo (2012).
De acordo com Bevilaqua (2013), é necessário o desenvolvimento de sujeitos que
construam sentidos a partir da compreensão das relações sociais e do contexto cultural em que
estão inseridos, para então se tornarem sujeitos transformadores da sua realidade. O sujeito de
que fala na teoria dos multiletramentos é um sujeito que atribui um novo significado à sua
realidade, como abordado no capítulo teórico. É necessário enfatizar que é um sujeito que não
fica estático, contra as noções inertes da aquisição das competências, mas é um sujeito
dinâmico, criativo, que inova, com interesse e motivação na produção de sentidos.
Confrontando as afirmações de Bevilaqua (2013) com as atividades desse capítulo,
compreendo que há uma simplificação e reprodução do conhecimento. Segundo essa
estudiosa, o design representa o sentido de movimento em que os agentes sociais estabelecem
diferentes tipos de interação de interlocução comunicativa a partir de diversificados
enunciativos.
A seguir, descrevo e analiso ainda da unidade 4, o capítulo 8, com o título Que
profissão seguir? e Texto 2 – Letra de Canção.

7.3 Unidade 4 – Capítulo 8 – Texto 2 – Letra de canção

O capítulo 8 tem como título “Que Profissão seguir?”. E a seção inicial, “Para Começo
de Conversa”, apresenta atividades de conhecimentos prévios utilizando uma tirinha e uma
charge. A seção “Prática de Leitura” dispõe dos seguintes textos/gêneros discursivos:
entrevista, letra de canção e reportagem. A seção “Reflexão sobre a Língua” apresenta uma
tirinha, e a seção “Conversa entre Textos” um trecho da declaração dos Direitos Humanos e
outro do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Observo apenas um texto do capítulo 8
e as atividades referentes a esse texto. Assim sendo, escolhi o texto 2 – letra de canção rap –
para observar se os multiletramentos são explorados nesse texto/gênero discursivo.
Acredito que é relevante o trabalho com o rap na sala de aula, pois oportuniza aos
estudantes a reflexão de temas do cotidiano, de assuntos que fazem parte de uma determinada
sociedade, muitas vezes desconhecidos pela maioria, oportuniza também o embate das ideias
que se fazem necessárias para o desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem
significativo. Ao trabalhar com canções, o professor pode discutir com os estudantes os
103

padrões de conduta diferentes das diversas comunidades e organizações sociais, pois, para
Rojo (2012), é necessário um novo modelo de ensino e aprendizagem que tenha um sujeito
multiletrado crítico e reflexivo, capaz de compreender o mundo e as diversas culturas
existentes. Para tanto, a escola necessita trabalhar com a pedagogia dos multiletramentos.
Segundo Bakhtin (2017), ao trabalhar a língua a partir dos usos reais dela, pode-se ir
além da própria materialidade, e valorizar as esferas discursivas das quais se originam os
enunciados em estudo. Assim, o texto do capítulo 8 que escolhi para observação proporciona
interpretar os contextos sociais e culturais, propícios a uma reflexão crítica. Além disso, por
ser um texto multimodal, que apresenta a linguagem verbal, a canção em si, a letra e a não
verbal, o instrumental, traz outros modos representacionais que são as imagens.
A escolha desse texto se deu porque compreendo ser ele um texto importante para uma
discussão sobre a sociedade real, pois permite aos estudantes discutirem sobre a importância
do trabalho e também das profissões da sociedade brasileira.
Segue o texto Letra de Canção – “Supertrabalhador” e as atividades sobre
conhecimentos prévios.

Figura 15 – Livro didático Manual do professor Tecendo Linguagens Língua Portuguesa


(2018, p. 2020-2021)

Fonte: Oliveira e Araújo (2018, p. 2020-2021).


104

Figura 16 – Manual do professor Tecendo Linguagens Língua Portuguesa (2018, p. 221)

Fonte: Oliveira e Araújo (2018, p. 221).

Antes de partir para atividades voltadas ao texto em si, as autoras trazem quatro
perguntas que proporcionam um levantamento de conhecimentos prévios dos estudantes em
relação ao rap e às canções. Isso é um ponto extremamente positivo, visto que são importantes
para conectar a atividade com as experiências pessoais do aluno e com o tema do texto.
Entretanto, essas perguntas ficam restritas ao rap em si e às canções de forma geral. Foi bem
colocada a questão 3, que leva o aluno a perceber que as canções não se restringem ao
105

romantismo. Essa questão leva o estudante a perceber que as canções apresentam críticas
sobre a nossa realidade. E tal questionamento pode auxiliá-lo a desenvolver o pensamento
crítico sobre a realidade em que ele está inserido. É possível perceber que essas atividades de
levantamento prévio contemplam a teoria dos multiletramentos por proporcionarem ao
estudante pensar no contexto social. Contudo, outras questões poderiam ter sido
acrescentadas, aproveitando a temática: canções e estilos musicais.
As perguntas de conhecimentos prévios são perguntas que buscam analisar o grau de
envolvimento/conhecimento do estudante com o tema proposto, porém as respostas ficam por
conta do estudante. Essas respostas podem ficar sem qualquer validade e justificativa. Com
isso, podem passar a ter apenas um caráter externo, conforme afirma Marcuschi (1998).
Entretanto, se o professor dedicar uma aula ou mais trabalhando os conhecimentos prévios e
outros questionamentos que levam à criticidade dos estudantes vai conseguir escapar dessa
crítica de Marcuschi.
Após apresentar as quatro atividades de conhecimentos prévios, as autoras trazem
cinco atividades voltadas para a compreensão e interpretação do gênero e sua temática.
A seguir, trato da verificação das atividades propostas pelas autoras relacionadas ao
trecho do texto Canção “Supertrabalhador” do livro manual do professor da coleção Tecendo
Linguagens. Dividi a seção “Por dentro do texto” para uma melhor observação das atividades.
Primeiro apresento a atividade 1; em seguida as atividades 2 e 3.

7.3.1 Atividade da seção “Por dentro do texto”

Figura 17– Manual do professor Tecendo Linguagens língua portuguesa 9º ano (2018,
p. 222)

Fonte: Oliveira e Araújo (2018, p. 222).


106

Na atividade 1, os itens

A). A quem se dirige o rap “supertrabalhador”? Que versos podem justificar sua
resposta?
B). De que tema trata esse rap?
C). A maior parte da letra apresenta uma palavra e uma lista de palavras. Que
palavras são essas? Por que o compositor faz usos de todas essas palavras?
D). Como essa lista pode ser percebida pelo ouvinte/ leitor?

Na atividade 1(A) há duas questões que as respostas são encontradas na superfície do


texto. No primeiro momento, pode-se pensar que essas questões são superficiais e que não
contribuem em nada na formação do estudante. Mas, esse tipo de questão é importante, pois
leva o estudante a desenvolver a habilidade básica de localizar informações explícitas em um
texto, no nível da interpretação. Essa habilidade proporciona ao estudante o desenvolvimento
de habilidades complexas. A atividade 1(B) cobra que o estudante identifique o tema do texto.
Trata-se de uma atividade importante pelo fato de envolver o processo de compreensão do
texto como um todo.
A 1(C) apresenta duas questões. A primeira é mais uma voltada para a localização de
informação explícita no texto. A segunda aproveita o caminho da interpretação, traçado pela
primeira, para propor que o estudante compreenda antes e depois possa fazer uma inferência.
No entanto, faço um questionamento, será que o estudante chegará à resposta esperada sem a
interferência do(a) professor(a)?
A 1(D) aproveita a interpretação da questão C, para que o estudante possa numa das
formas, que é a lista, reconhecer a profissão que lhe convém, e possa, assim, ser percebida
pelo ouvinte/leitor.
107

7.3.2 Atividades 2 e 3 da seção “Por dentro do texto”

Figura 18 – Livro didático Manual do professor Tecendo Linguagens Língua Portuguesa


(2018, p. 2020-2021)

Fonte: Oliveira e Araújo (2018, p. 2021-2021).

A atividade 2 pede aos estudantes a releitura do trecho do rap “Quem trabalha e mata
a fome não come o pão de ninguém/ mas quem come e não trabalha tá comendo o pão de
alguém/ É pra ganhar o pão tem que trabalhar/ Missão para os heróis que estão dentro do
seu lar.”. Seguem as questões:

A). Que tipo de reflexão esses versos do rap estimulam?


B). Que valores humanos estão sendo defendidos nessa canção?
108

C). A quem é dirigida a crítica, “Mas quem come e não trabalha tá comendo o pão de
alguém? Explique.
D). Quem são os heróis a quem se refere o eu lírico? Você concorda com essa ideia?
Por quê?
E). Quais são as profissões dos heróis da sua casa?

As atividades 2 (A B, C) possibilitam que os estudantes façam extrapolações do texto


a partir do que está disposto na sua superfície. Extrapolações essas que podem levar a
reflexões sobre valores humanos e sociais em busca de confrontar o sujeito e sua realidade.
Reflexões que vão ao encontro da teoria dos multiletramentos, envolvendo especificidades e
aspectos extratextuais e, ainda, envolvendo inferências que dizem respeito ao sujeito.
Contudo, na letra 2 (C) pode se ter uma discussão importante para o desenvolvimento da
criticidade do estudante.
Em 2(D) há três questões. Na primeira o estudante basta retomar a letra da canção para
respondê-la, já que a resposta se encontra na base textual. Na segunda, é solicitada a opinião
do estudante, se ele concorda com a definição de herói trazida pelo eu lírico. Na terceira, as
autoras pedem que o estudante justifique a opinião emitida na segunda questão. Percebo um
ponto positivo, pois esse questionamento estimula o estudante a pensar sobre o sim ou o não
que, provavelmente, ele venha a responder. Além disso, é possível observar que se trata de
uma pergunta que pode inserir o estudante no contexto de significação, contribuindo para que
o estudante possa tomar consciência das relações históricas, sociais, culturais, políticas e
ideológicas envolvidas nos Designs. Essa contribuição pode ser vista também na atividade 2
(E), na qual o estudante pode fazer a associação do texto com a sua realidade.
As atividades do número 3,

O rap é um gênero musical que tem na palavra cantada sua força, para transmitir
uma mensagem ao seu público. Releia a letra da canção, observando os recursos sonoros
utilizados, e responda: os itens

A). Na primeira parte da letra da canção, como são formados os pares de rima?
B). Como as rimas se organizam ao longo desse trecho?
C). Como o rapper organiza o verso, na parte da lista de profissões, para formar a
rima com a palavra Supertrabalhador”?
D). Que efeitos sonoros o recurso da rima produz no verso?
109

E). Além da rima, que outro recurso sonoro pode ser percebido nesse rap?

Ao ler essa primeira frase do comando da atividade 3, “O rap é um gênero musical que
tem na palavra cantada sua força, para transmitir uma mensagem ao seu público”, vislumbra-
se num primeiro momento que será feita uma discussão crítica sobre as mensagens que o rap
pode trazer ao público, contudo isso não é feito, visto que prevalece a segunda frase desse
mesmo comando, direcionando para questões que ajudam no estudo sobre o gênero canção,
em sua estrutura composicional, especialmente, os recursos sonoros. As atividades 3(A), 3(B)
3(C), 3(D) e 3(E) confirmam a dedicação aos recursos sonoros da canção. Claro que é
importante estudar a estrutura composicional do texto no que se refere à sonoridade,
principalmente pelo fato de se tratar de uma canção. No entanto, pode-se propor, como
atividades extras, uma reflexão que leve o estudante a perceber que música pode representar
uma determinada classe social, a cultura de uma determinada cidade, estado ou região do país.
Por exemplo, o repente é um estilo musical que representa a região nordeste. Goiânia é
conhecida como a capital do sertanejo. Por sua vez, o funk representa qual grupo social? A
música popular brasileira (MPB) representa qual parte da sociedade? O rap é estilo de qual
público? Vejamos as atividades 4 e 5.

Figura 19 – Livro didático Manual do professor Tecendo Linguagens Língua Portuguesa,


(2018, p. 2020-2021)

Fonte: Oliveira e Araújo (2018, p. 2021-2021).


110

Segue a atividade de número 4 –

Embora o eu lírico apresente uma longa lista de profissões, destaca algumas na


primeira parte da música.
A). Como essas profissões são apresentadas? Que sentido é produzido?
B). Como são descritas as profissões de professor, carteiro e gari?

A 4 (A) há duas questões. A primeira é de interpretação e a resposta é encontrada na


superfície do texto. Após o estudante encontrar essa informação que está explícita no texto, a
segunda pergunta pode proporcionar uma reflexão sobre a primeira questão. Essa reflexão
aponta para as questões em relação a super-heróis, as pessoas que se superam nas suas
profissões. Fico em dúvida se o “como” daria conta de especificar o sentido da pergunta.
A 4(B) também é uma pergunta de interpretação cuja resposta é encontrada na base
textual. Entretanto, a exemplo do que foi feito na 4 A, não propôs uma reflexão sobre a
resposta. Não tem uma complementação, embora seja de certa forma válida.
As questões do número 5
Releia os versos: “Cada um faz o que sabe, cada um sabe o que faz/ Ninguém menos
ninguém mais, todo mundo corre atrás/ E volta pra casa com saudade do filho/ Enfrentado o
desafio, desviando do gatilho/ Mais uma jornada, adivinha quem chegou? / São aventuras do
supertrabalhador.”
A). Quem é o supertrabalhador? Explique.
B). Qual o argumento defendido pelo eu lírico sobre as profissões?
C). Em sua opinião, o que esse argumento pode ensinar aos jovens que estão
escolhendo uma profissão? Explique.
Inferências podem ser feitas na questão 5(A). As autoras poderiam ter feito essa
pergunta levando em consideração o texto como um todo, no entanto, utilizam apenas esses
versos, ao meu ver como pretexto para o que é discutido na atividade.
Na atividade 5(B) é questionado qual argumento é defendido pelo eu lírico. Mas, não
defendemos um argumento, defendemos um ponto de vista. O argumento é utilizado para
defender um ponto de vista. Percebe-se nessa assertiva um equívoco conceitual. Argumento e
ponto de vista central e opinião central/tese são elementos estruturantes da tipologia textual
dissertativa-argumentativa. Mesmo que haja a questão de hibridismo de gênero e de tipologia
textuais, isso não é discutido com o estudante.
111

A atividade 5 (C) é mais um exemplo de questão que solicita do estudante uma


opinião pessoal e a explicação do porquê de ter emitido essa opinião. Conforme já foi dito, é
uma pergunta que insere o estudante no contexto de significação da sua realidade.
Vale ressaltar que as autoras não utilizaram a letra por completo, retirando o seguinte
trecho da letra de canção Supertrabalhador de Gabriel, o Pensador.

Quero ser trabalhador, quem não é um dia quis Minha mãe sempre falou: "Quem
trabalha é mais feliz”, mas tem que suar pra ganhar o pão E ainda tem que enfrentar
o leão O leão quer morder nosso pão Cuidado com o leão, que ele come o nosso pão
O leão quer morder nosso pão Cuidado com o leão, não dá mole não. (Gabriel, o
Pensador).

Considero esse trecho importante, uma vez que permite uma discussão sobre questões
políticas em relação à receita federal, os impostos altos para a população, as questões da falta
de segurança pública. Compreendo também que a canção propicia a reflexão sobre as
profissões, não como preenchidas por um indivíduo responsável pelas escolhas da profissão,
mas a partir das razões e condições que induzem essa decisão. Assim, ajudaria aos estudantes
entender e analisar quais são as intervenções que interferem na escolha de uma profissão.
Segundo Rojo (2012), o fato de os estudantes transitarem por esferas sociais distintas,
possuindo diferentes histórias, contextos de vida, círculos familiares, crenças e hábitos, nem
sempre é conseguido trabalhar a diversidade e a multiculturalidade em sala de aula, nem
mesmo almejado, mas se faz necessário.
Na observação das atividades, percebe-se que, embora comungado com as diretrizes
curriculares apresentadas na parte destinada às orientações aos professores, o manual do
professor em relação às atividades não contempla satisfatoriamente a criticidade que a
pedagogia dos multiletramentos exige. Acredito que desenvolver a criticidade do estudante é
fazê-lo compreender que a ideologia e as relações de poder estão presentes no texto. Nessa
linha de pensamento, Rojo (2004) afirma que é necessário buscar compreender o texto e seus
contextos na pessoa do autor, questionando a sua posição ideológica, como é colocada essa
ideologia na construção do texto.
Em consonância com a afirmação de Rojo, a proposta da pedagogia dos
multiletramentos auxilia na formação de sujeitos que possam ser protagonistas sociais,
possibilitando aos estudantes se transformarem em criadores de sentido. Para que isso seja
possível, é necessário proporcionar atividade que propiciem ao estudante ser analista crítico,
capaz de transformar os discursos e significações, seja na recepção ou na
produção/distribuição (redesign). Segundo Rojo (2012), a prática de uma pedagogia dos
112

multiletramentos no Brasil não só é perfeitamente possível como desejável (e de certa forma,


desejada por uma grande parcela dos professores). A proposta da pedagogia dos
multiletramentos é de grande interesse imediato e condiz com os princípios de pluralidade
cultural e da diversidade de linguagens.
Neste capítulo procurei analisar se os multiletramentos são explorados em dois textos
e nas suas respectivas atividades da unidade 4 do livro didático manual do professor do 9º ano
do ensino fundamental, da coleção Tecendo Linguagens.
Para encerrar as reflexões sobre as atividades, retomo Rojo (2013) afirmando que, para
pensar os letramentos hoje, é preciso considerar os multiletramentos, pois os textos
multimodais e multissemióticos, ou os modos como os textos acontecem na atualidade,
convocam novos conceitos e flexibilização. E na sociedade contemporânea importam tanto a
diversidade local quanto a proximidade global no processo de conhecer o mundo e aprender
no mundo. Nesse sentido, os multiletramentos promovem a inserção dos estudantes nas
esferas sociais, motivando a cidadania.
Em relação aos multiletramentos, é importante que os textos e as atividades
apresentem discussões sobre as diferenças e as questões multiculturais. Nos textos observados
há indícios dessa possibilidade de discussão sobre as diferenças e questões culturais.
Entretanto, as autoras não propõem nenhuma discussão sobre. No capítulo 7, no texto
“Notícia e Guia”, pode-se discutir as questões das diferenças sociais, as questões políticas e os
discursos de manipulação da opinião pública, além de promover a discussão sobre a cultura
digital. No texto do capítulo 8, a letra da canção “Supertrabalhador” constatei que é um texto
possibilitador de discussões sobre classes sociais, profissões predominantes nas classes mais
pobres e aquelas que são exercidas pelas classes dominantes, as causas sociais que levam o
trabalhador a fazer escolhas da profissão como também uma discussão sobre as questões
culturais que são passadas de geração em geração em relação ao trabalho.
Assim, penso que é importante salientar que o professor tem a liberdade, se assim
desejar, de proporcionar essa discussão a respeito das diferenças sociais e culturais, para
desenvolver uma aprendizagem significativa, ajudando os estudantes a extrapolarem os
sentidos do texto, como bem diz Rojo (2012). Tudo isso se dá a partir do enquadramento dos
letramentos críticos, que buscam interpretar os contextos sociais e culturais de circulação [...].
Tudo isso visando, como instância última, a produção de uma prática transformadora, seja de
recepção ou de produção/distribuição (redsign). Nota-se um esforço das autoras na tentativa
de inserir questões que levem os estudantes a refletir sobre o assunto abordado com
significação. Constatei que as atividades voltadas para o estudante não contemplam
113

satisfatoriamente os multiletramentos. Constatei também que os multiletramentos,


multimodais não são levados em consideração nas atividades analisadas.
Nessa perspectiva, apresento a seguir apontamentos que propiciam reflexões possíveis
de serem trabalhados na sala de aula na complementação das atividades veiculadas pelo livro
didático sobre os textos analisados Notícia e Guia, e a letra de canção Supertrabalhador.
114

8 APONTAMENTOS PARA O ENSINO APRENDIZAGEM NA PERSPECTIVA DOS


MULTILETRAMENTOS

A discussão ao longo desse trabalho teve como aporte teórico os conceitos de


multiletramentos (ROJO, 2012, 2013), os quais foram mesclados com a teoria enunciativo-
discursiva do Círculo de Bakhtin (1992, 2017). Considerando as discussões sobre os
multiletramentos em conjunto com a necessidade da formação de sujeitos capazes do
exercício crítico da cidadania, estabeleço como objetivo nesse capítulo fazer apontamentos
sobre possíveis reflexões para o trabalho com os textos: “Notícia e Guia” e “Letra da Canção
O supertrabalhador” já analisados nesse trabalho.
A minha intenção com esse capítulo é fazer apontamentos que levem a uma reflexão
para o ensino aprendizagem na perspectiva dos multiletramentos, mesmo que algumas, citadas
nesse apontamento, tenham sido exploradas nas atividades desenvolvidas no manual, pois
julgo isso importante para o desenvolvimento de atividades extras em sala de aula, para além
do livro didático.
Não me cabe julgar o porquê da não contemplação de determinadas reflexões, mas
senti necessidade de elencar esses apontamentos, os quais foram aparecendo diante da
exploração dos conceitos, no estudo dos elementos da pedagogia dos multiletramentos, nas
teorias mobilizadas em geral e na leitura e análise das atividades dos textos em questão.
Acredito que a proposta da pedagogia dos multiletramentos propõe uma prática de
ensino aprendizagem que forme para o posicionamento crítico, contribuindo para a
desconstrução e não para a conformação a projetos e ideias preestabelecidas a respeito do
sujeito, da sociedade a que pertence, da sua realidade socio-histórica.
Nessa perspectiva, retomo o texto Notícia e Guia e algumas possibilidades de reflexão
que o texto permite, à luz da teoria dos multiletramentos multimodais. Como visto
anteriormente, o texto é dividido em três partes, trazendo as linguagens verbal e não verbal
com o título: “Um guia de como verificar se uma notícia é falsa antes de você mandar no
grupo da família”, complementado com a figura de um rosto de nariz comprido sendo cortado
por uma tesoura. Essa parte do guia faz reflexões sobre dicas de como identificar as notícias
falsas. Já a parte que traz um quadro colorido, com o título: “GUIA DE COMO
IDENTIFICAR NOTÍCIAS FALSAS”, tudo em caixa alta, apresenta as cores rosa, verde e
azul acompanhadas com ícones que estabelecem relação com as informações sobre notícias
falsas.
115

Para a cor rosa, é apresentado um ícone de um texto jornalístico, provavelmente, para


chamar a atenção do leitor com o objetivo de que ele faça uma leitura completa da notícia.
Apresenta também a figura de um buscador para que o leitor possa verificar outros sites, além
de uma página de calendário, provavelmente, para verificação de informação ou
recomendação de datas, para que o leitor fique atento quanto às datas, se são antigas ou não.
A cor verde vem acompanhada do ícone de uma imagem. Supõe-se que é uma
indicação para o leitor verificar se a imagem que acompanha a notícia foi publicada em outro
site. A cor azul é acompanhada do ícone de som, provavelmente, para alertar o leitor para a
desconfiança sobre áudios disseminados pelos meios de comunicação como o WhatsApp,
Instagram, Facebook, entre outros.
Observei que a temática do texto proporciona uma discussão mais aprofundada das
questões para além do cientificismo da linguagem. São discussões sociais que podem ser
relevantes para os estudantes no sentido de promover a criticidade e ampliar os horizontes, na
perspectiva dos multiletramentos, já que o texto apresenta condições para diversas reflexões
como apontadas a seguir.
Provocar uma discussão a respeito da cultura digital, a linguagem da internet que
busca integrar o mundo virtual e a realidade. Esse assunto ganhou ênfase com a homologação
da BNCC. Refletir se, com essas mudanças, o avanço tecnológico e o crescente acesso é algo
real para todos? Toda a sociedade tem acesso aos dispositivos, como computadores, telefones
celulares, tablets e outros? O que e como ganham as grandes empresas ligadas a esse setor?
Levar os estudantes a pensar se esse acesso é ilimitado à sociedade em geral ou não através de
pesquisas na própria comunidade. Pensar também as questões do poder aquisitivo das
famílias, que muitas vezes se apropriam dos últimos recursos para ter o acesso à internet.
Pensar o que leva as pessoas a darem prioridade a essa apropriação de recursos para que fins?
Outras possibilidades de reflexão que o texto possibilita é o entendimento de o porquê
de as pessoas repassarem notícias falsas. O que implica esse repasse? Como atingiria as
questões familiares, seus relacionamentos? O que as pessoas que disseminam notícias falsas
ganham com essa ação? Quais as questões implícitas estão nos bastidores do processo
eleitoral no Brasil? Como é feita a manipulação da opinião pública por essa política anterior
às eleições? Quais os interesses encobertos nas origens das notícias falsas?
Analisar como são veiculadas nos meios de comunicação, tanto virtual como
impresso, essas notícias falsas. As propagandas poluídas e confusas se assemelham a sites de
notícias, o que lhes conferem credibilidade. Pessoas que, isoladamente, criam diversas contas
nas redes sociais, implementam ligações com terceiros e passam a disseminar opiniões sobre
116

diversos temas com enfoque de ideias políticos e eleitorais. Levar o estudante a pensar que,
com isso, notícias falsas e artigos promovem a desinformação, possibilitando a influência
indevida na escolha dos políticos pela população em geral, comprometendo a democracia em
sua essência. E, ainda, propor um diálogo sobre as diferenças sociais e suas consequências.
Além de todas as indicações anteriores, agir com a linguagem é também uma boa
forma de ampliar o domínio do texto estudado. Para isso, pode-se solicitar a reescrita do texto,
o enfoque em algumas formas linguísticas usadas para conferir veracidade ao que se afirma
no texto, o estilo que foi usado, etc.
O texto “Notícia e Guia” permite o desenvolvimento de reflexões que promovem a
criticidade dos estudantes sobre os motivos aparentes das notícias falsas, de suas divulgações.
É importante buscar relações da vida concreta cotidiana dos estudantes em relação ao tema.
Penso que, para essa relação com o cotidiano no aprofundamento do assunto, pode-se
proporcionar aos estudantes uma notícia falsa em que na análise prática e em conjunto com os
colegas, ou mesmo individualmente, eles possam ir descobrindo as razões de ela ser
considerada falsa, isto é, ao explorar as múltiplas formas de significação, eles podem testar os
efeitos de sentidos dos enunciados e, com isso, reconstruir percursos argumentativos e
localizar nesses percursos as multimodalidades.
Pode-se, também, trabalhar uma notícia verdadeira cujos fatos podem ser
comprovados. E, assim, refletir sobre o tema a partir da comparação das duas notícias. É
primordial que essas notícias façam parte do cotidiano dos próprios estudantes. Segundo Cope
e Kalanzis, aprendizados cotidianos são diferentes de aprendizados escolares (2008 apud
ROJO, 2013, p. 137). Rojo afirma que o primeiro está em toda parte e o último é embasado
em um design previamente constituído (currículo e/ou pedagógico). Desse modo, os fatores
voltados para a constituição das identidades tornam-se prioridades.
Para os teóricos, uma pedagogia para os multiletramentos leva em consideração ações
pedagógicas específicas, que valorizam todas as formas de linguagem verbal não verbal, cujo
foco deve ser o aprendiz, este que passa a ser protagonista no processo dinâmico de
transformação e de produção de conhecimento e não mais um simples reprodutor de saberes.
Em relação à multimodalidade presente no texto, a figura do rosto representando um
nariz comprido sendo recortado por uma tesoura pode ser explorada em aspectos de
significação sobre as questões populares a que remete a figura. Propicia uma discussão
importante sobre manipulação e a confirmação ou não das convicções das pessoas, do caráter.
Nessa possível exploração, pode-se levantar questões do senso comum de cunho
ideológico e multicultural para instigar a criticidade dos estudantes em relação à cultura
117

popular, sobre verdades e mentiras e a reflexão sobre as forças político-sociais dominantes.


Além disso, há a possibilidade de desenvolver dentro do campo de atuação artístico literário a
leitura do clássico literário infantil do Pinóquio, que remete à imagem do nariz que cresce a
cada mentira contada.
Ainda em relação ao texto “Notícia e Guia”, é necessária a exploração das imagens, do
verbal, das cores das formas, dos ícones e do que cada um representa, pois são importantes na
colaboração da construção de sentidos do texto pelo estudante. Levantar hipóteses do porquê
de o texto estar dividido em três partes, buscar saber o que cada parte colabora para o
entendimento global do texto. Quais são os elementos da imagem que complementam o texto
verbal? Quais os elementos verbais que complementam a imagem? Assim, trabalhar a
harmonia do verbal com o não verbal para a significação do texto como um todo.
Todavia, não se encerram aqui as possibilidades de reflexão acerca desse texto.
Procurei fazer apontamentos pertinentes ao meu entendimento, em relação aos
multiletramentos. A seguir, os apontamentos em relação ao texto Letra de Canção o
Supertrabalhador.
As letras de canção permitem ser exploradas, pois são ricas de mensagens que levam a
uma reflexão da realidade. Faço os apontamentos para reflexão sobre o texto letra da canção
“Supertrabalhador”, pois a letra propicia diversos questionamentos sobre vários assuntos
pertinentes ao trabalho e ao trabalhador, à desvalorização do negro na sociedade, dentre
outros, podendo ser bem explorados no contexto escolar. O aprofundamento desses
questionamentos vai depender da etapa em que se encontram os estudantes.
As autoras do livro didático manual do professor trouxeram algumas questões
relevantes, significativas para o entendimento do texto. No entanto, penso que uma maior
exploração do texto, levando em consideração as reflexões, as quais podem auxiliar o
estudante a construir um pensamento crítico da sua realidade, são válidas.
Essa letra de canção o “Supertrabalhador” abre espaço para o estudante entender que
as canções podem representar a cultura de uma comunidade, de uma cidade e ou de
determinada região do país. Pode-se refletir que os costumes, hábitos e expressões artísticas
juntamente com a música são manifestações culturais que representam a cultura de um povo e
são formadas pelos processos históricos e sociais. A sociedade se expressa através e a partir
de processos diferentes que podem variar em conformidade com o país, regiões, estados
cidades e até mesmo comunidades. Assim, a letra de canção possibilita também discussões
sobre problemas sociais, sobre a crítica social contextualizada na canção sobre o trabalho, e
sobre quem o exerce. Pode-se discutir sobre valores humanos e sociais desenvolvidos na letra.
118

Proporciona-se a discussão sobre o tema trabalho no sentido da ideologia veiculada através do


senso comum de que quem não trabalha não come, reproduzindo o discurso da classe
dominante.
Uma discussão de discordância, crítica de posições ideológicas, e a avaliação dos
valores colocados em circulação pelo texto, valores éticos e políticos são válidas. O texto da
letra de canção “Supertrabalhador” viabiliza uma problematização acerca da visão real das
profissões e do preconceito que as pessoas, as quais exercem determinadas profissões ditas
inferiores, sofrem no cotidiano. De certa forma, essa visão é inculcada culturalmente até
mesmo pela escola, quando permitem a fala de que o sujeito tem que estudar para não ser
lixeiro, nem gari e nem pegar no pesado como se essas profissões só pudessem ser exercidas
por pessoas que não têm um grau de instrução maior. Provocar uma discussão em relação à
importância de todas as profissões.
Além das possibilidades já salientadas, o texto analisado, mesmo que seja escrito para
crianças, como informado nas referências do próprio texto, apresenta figuras de pessoas
representando as profissões de padeiro, engenheira, executivo, florista, policial, eletricista,
bombeira, pintora e garçom. Essas figuras propiciam uma discussão a respeito do preconceito
em relação às profissões consideradas masculinas, principalmente quando elas estão em
posição de liderança, como também os valores percebidos por mulheres quando exercem
essas profissões. Pode-se também levantar as questões sobre o negro exercer profissões ditas
inferiores, ou seja, as ideologias veiculadas nos textos sobre esse tema.
Dessa forma, acrescento também para esse apontamento uma possível discussão para
ser desenvolvida com os dois textos, as questões que perpassam o multiculturalismo, a defesa
da valorização da cultura dos diversos grupos que compõem a humanidade, desenvolver
atividades, seminários, debates nos quais os estudantes possam entender que ser diferente não
significa ser pior nem melhor que ninguém. Compreender a importância de se ter harmonia
entre os grupos em particular, compreender as profundas transformações tecnológicas e
econômicas que aproximam diferentes culturas que antes eram esquecidas. Por sua vez, no
texto Notícia e Guia podem ser trabalhadas questões que propiciem aos estudantes a
compreensão de que as notícias falsas podem desestabilizar a democracia de um país e a
harmonia entre eles, além de prejudicar vários grupos e acentuar o preconceito em geral.
O trabalho sobre a multiculturalidade pode partir do particular, do local, da realidade
dos estudantes para a esfera global.
Para finalizar esses apontamentos retomo Rojo (2004), cuja afirmação é a de que para
a interpretação de textos discursivamente é necessário situar o estudante em relação a: quem é
119

seu autor? Que posição ideológica ele ocupa? Que ideologias assume e coloca em circulação.
Em que situação escreve? Em que veículo ou instituição? Com que finalidade? Quem ele
julga que o lerá? Que lugar social e que ideologias ele supõe que este leitor intentado ocupa e
assume? Como ele valora seus temas? Positivamente? Negativamente? Que grau de adesão
ele intenta? Sem isso, a compreensão de um texto fica num nível de adesão ao conteúdo
literal, pouco desejável a uma leitura crítica e cidadã. Sem isso, o leitor não dialoga com o
texto, mas fica subordinado a ele (Rojo, 2004, p. 6).
Diante do exposto, é propício pensar que a abordagem reflexiva, que valoriza o
conhecimento prévio, a análise crítica, o conhecimento, a aprendizagem, as habilidades já
adquiridas dos estudantes e os diversos modos de significação (multimodalidade), é a
abordagem que estabelece relação com a teoria dos Multiletramentos,
Desse modo, os assuntos apontados permitem uma reflexão com os estudantes a
respeito da base e da superestrutura na concepção de linguagem bakhtiniana que os leve a
entender e tomar consciência das relações históricas, sociais, culturais, políticas e ideológicas
envolvidas nos textos/gêneros discursivos Notícia e Guia e a letra de canção
Supertrabalhador.

9 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na busca por analisar se os multiletramentos são explorados a partir dos


textos/gêneros discursivos no livro didático manual do professor da coleção Tecendo
Linguagens, identifiquei, a partir da análise feita e das concepções teóricas mobilizadas ao
longo desse trabalho, que esse estudo pode possibilitar reflexões acerca dos multiletramentos
entre professores e estudantes de Letras, bem como possibilitar outros trabalhos futuros,
negando ou afirmando o que foi discutido e elencado nessa dissertação.
Desse modo, ficou evidente que analisar livros didáticos além de conhecer concepções
e pressupostos metodológicos utilizados no processo ensino-aprendizagem se torna mais que
necessário, é parte de um processo que todo e qualquer estudante e ou professor de língua
portuguesa precisa continuamente desenvolver. Para chegar à análise dos textos e das
atividades, fiz um percurso pelas concepções de língua/linguagem e dos multiletramentos,
refleti sobre a relação entre o livro didático e a pedagogia dos multiletramentos. Observei a
estrutura da BNCC no que diz respeito ao componente curricular de língua portuguesa do
120

Ensino Fundamental anos finais. Na sequência, verifiquei o livro didático manual do


professor da coleção Tecendo Linguagens observando as consonâncias com as diretrizes da
BNCC, no que se refere às competências gerais e específicas de língua portuguesa elencadas
pelas autoras nos textos escolhidos para a análise. O próximo passo executado foi discorrer
sobre as considerações metodológicas conjugadas com os objetivos específicos, as quais se
fizeram necessárias para a verificação do livro didático frente aos multiletramentos
constituintes da análise. E antes das considerações finais apresentei apontamentos para uma
reflexão, levando em consideração os pressupostos metodológicos da pedagogia dos
multiletramentos. Acredito que, mesmo que alguns apontamentos tenham sido desenvolvidos
nas atividades e/ou apontados para o professor nas orientações do manual as sugestões que
fiz, são de grande valia na complementação de atividades extras para serem trabalhadas em
sala de aula, na área de linguagens e suas tecnologias.
Nesse percurso, que configuro como um grande aprendizado, fica claro que o texto é
fator central e a base para todo e qualquer processo no desenvolvimento de habilidades e
competências no educando no que diz respeito à linguagem. Essa afirmação pode ser
constatada nas apresentações das orientações pedagógicas da Base Nacional Comum
Curricular - BNCC.
Retomo os teóricos dos Estudos dos Novos Letramentos. Eles afirmam que o ensino-
aprendizagem dos textos/gêneros discursivos se dá de três formas. A primeira é o
reconhecimento desses gêneros discursivos, pois não são somente linguísticos, mas
compostos por outros modos de significação a multimodalidade. É a etapa que eles chamam
de prática situada, que é a imersão do estudante no contexto da significação, considerando
suas identidades, necessidades socio-históricas, e experiências de conhecimentos prévios.
A segunda forma é o momento de representar e contextualizar esses gêneros sem ser
por simples reprodução, mas sim por transformação. Aqui a intervenção do professor é
primordial, visto que há a necessidade de explicitação e sistematização das informações,
conceitos e termos dos gêneros discursivos. Nessa etapa, há o uso da metalinguagem, reflexão
e análise da linguagem e sua forma, como a função social. A terceira, o enquadramento
crítico, coaduna com a etapa de interpretar, entender e tomar consciência das relações
históricas, sociais, culturais, políticas e ideológicas envolvidas nos textos/gêneros discursivos.
A última e quarta forma, a prática transformadora, é o que consiste em partir das
práticas anteriores, criar um novo significado e/ou até mesmo um novo gênero discursivo.
Etapa importante, porque essa prática é capaz de transformar a realidade do sujeito e intervir
no mundo. Nessa forma de trabalhar com os textos, a teoria vira prática, quando a recriação
121

do que foi aprendido se transforma em propósitos reais e situados. As três formas constituem
os elementos da pedagogia dos multiletramentos (CHINÁGLIA, 2016, p. 51-52).
Essas considerações constituem fator importante, pois os elementos da pedagogia dos
multiletramentos foram o objeto dessa pesquisa. Assim, no desenvolvimento dessa escrita,
notei que os textos e as atividades analisadas são significativos, oportunos, positivos e alguns
colaboram para que o estudante seja crítico. Além disso, é um material que contempla as
orientações da BNCC, alinhado às diretrizes curriculares, que veicula textos multimodais ao
longo de todos os capítulos. Um ponto positivo na análise é o de que as competências gerais e
específicas de língua portuguesa são contempladas nos textos.
Mesmo que não seja o foco dessa escrita, não pude deixar de observar sobre os quatro
grandes eixos relacionados às práticas de linguagens, oralidade, leitura, produção de texto e
análise linguística/ semiótica trabalhadas no livro analisado. Dessas práticas de linguagens, as
três primeiras vão ao encontro das orientações da BNCC. No entanto, o eixo Análise
Linguística/Semiótica é voltado para a ênfase na análise gramatical. As atividades não são
desenvolvidas a partir dos textos explorados nos capítulos de forma contextualizada. Percebi
que essa abordagem contraria as orientações da BNCC que indicam que sejam propostas
reflexões sobre a língua em uso. Essa observação foi feita com o objetivo de verificar se os
textos multimodais apresentados ao longo da coleção utilizavam atividades voltadas para a
reflexão da língua em uso, pois, considerei o livro como um todo.
Porém, nota-se que esses elementos que fazem parte dos pressupostos metodológicos
da pedagogia dos multiletramentos multimodais não possuem lugar de destaque nos
questionamentos das atividades analisadas dos dois textos, nem em suas respectivas
atividades da unidade 4 do livro didático manual do professor do 9º ano Ensino Fundamental
anos finais analisados nesse trabalho
Assim, ao elencar os apontamentos para uma reflexão dos textos analisados à luz da
teoria dos multiletramentos, fiz com o objetivo de clarear as minhas próprias ideias em
relação aos elementos da pedagogia dos multiletramentos, sendo que, na verdade, o meu
desejo diante das evidências observadas era elaborar atividades que contemplassem os
multiletramentos, utilizando objetos digitais de aprendizagens que propiciem o
desenvolvimento dos pressupostos metodológicos da pedagogia dos multiletramentos. No
entanto, seria inviável desenvolver tal propositura nessa dissertação. Cabe a ressalva de que
não se esgotam aqui as possibilidades de desenvolver uma pesquisa voltada para essa
vertente. Um projeto para ser desenvolvido em sala de aula real, com sujeitos reais utilizando
122

objetos digitais de aprendizagens à luz da pedagogia dos multiletramentos, pode ser uma boa
direção.
O presente trabalho apresenta uma grande relevância para o processo educativo, pois
permite refletir sobre um livro didático escolhido pelo PNLD e utilizado por algumas escolas
brasileiras. O livro didático é um material necessário e de apoio aos professores na prática
pedagógica, portanto, um material de uso contínuo pelas escolas. Os profissionais da
educação estão sempre procurando respostas para questões ou problemas reais, com sujeitos
reais. Nesse sentido, essa escrita proporciona aos profissionais da educação uma reflexão
acerca da teoria e prática no ensino aprendizagem de língua portuguesa, além de contribuir
nesse processo natural e necessariamente contínuo, colabora para que o(a) professor(a)
possa, na utilização do livro didático, extrapolar, ou seja, ajuda na compreensão de que o
professor em sala de aula deve ir para além do livro didático, elaborando sua própria aula,
valorizando a realidade socio-histórica dos estudantes.
123

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