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Universidade Federal de Pernambuco

Habermas e a Teoria da Ação Comunicativa


Marya Edwarda Souza Lapenda

HABERMAS, Jurgen. Mudança estrutural da Esfera Pública: investigações quanto a uma


categoria da sociedade burguesa. tradução de Flávio R . Kothe. Rio de Janeiro: Tempo
Brasileiro, 2003

Mudança na estrutura social da esfera pública

● A esfera pública burguesa se desenvolve no campo de tensões entre Estado e


sociedade. Com a expansão das relações econômico-mercadológicas, surge a esfera
do social, que torna necessárias formas de autoridade administrativa.
● O poder público concentrado nos estados nacionais e territoriais eleva-se acima de
uma sociedade privatizada, dissolvendo a separação entre Estado e sociedade.
● O novo intervencionismo do século XIX é levado a cabo por um Estado que age
através da constitucionalização de uma esfera pública politicamente ativa, que tende a
estar ligada aos interesses da sociedade burguesa.
● O intervencionismo se origina de uma tradução dos conflitos de interesses que se dão
na esfera privada e são traduzidos para o âmbito político.
● Com a crescente concentração do capital de poder no âmbito dos interesses privados,
há a necessidade de intervenção estatal.
● As relações comerciais, antes restritas a um pequeno círculo, no qual existia livre
concorrência, não havia desigualdade de poder, passaram a se verticalizar. A era
liberal é apenas um episódio e a lei de Say cai por terra (de que existe o equilíbrio
perfeito e natural no mercado).
● “Ao longo dessa evolução, a sociedade burguesa ainda precisa dar-se uma leve
aparência de ser uma esfera neutra em relação ao poder. O modelo liberal, na
realidade um modelo da economia do comércio em pequena escala, só tinha previsto
relações de trocas horizontais entre proprietários individuais de mercadorias: havendo
livre-concorrência e preços independentes, então ninguém deveria poder obter tanto
poder que lhe fosse permitido dispor sobre um outro. [...] Processos de concentração e
processos de crise arrancam o véu que encobre a ‘troca por equivalentes’ e desvelam a
estrutura antagônica da sociedade. Quanto mais ela se mostra como um
relacionamento simplesmente coercitivo, tanto mais urgente se torna a necessidade de
um Estado forte.” (HABERMAS, 2003, p. 172 e 173.)
● Com o Estado, surge o Direito Social, em contraposição e unindo elementos dos
direitos Público e Privado.
● A concentração de poder na esfera privada reforça uma tendência dos
economicamente mais fracos contrapor-se, com meios políticos, a quem seja superior
graças a posições de mercado.
● Além da tarefa de guardar a ordem, por meio da polícia e da justiça, cabe ao Estado
novas tarefas, como proteção, indenização e compensação de grupos sociais mais
fracos, prevendo modificações da estrutura social, prestação de serviços, produtor e
distribuidor.
● “A fórmula da ‘previdência coletiva’ encobre a multiplicidade das funções
recém-acrescidas ao Estado Social e também a multiplicidade de interesses privados
coletivamente organizados, que se entrecruzam e que estão subjacentes a este
crescimento” (HABERMAS, 2003, p. 176).
● “Examinando-se isso a grosso modo, a ‘influência democrática’ sobre o ordenamento
econômico não pode ser negada: a massa dos não proprietários conseguiu, através de
intervenções públicas no setor privado, agindo contra a tendência à concentração de
capital e à organização oligopólica, fazer com que a sua participação nos rendimentos
do povo não pareça ter diminuído a longo prazo, mas, até a metade do nosso século,
também não ter aumentado de modo essencial”. (HABERMAS, 2003, p. 176).
● Nesse processo em que surge uma esfera social repolitizada, há uma ruptura no
sistema clássico de Direito privado, com a introdução de normas do Direito Social.
● Na sociedade industrial, organizada como Estado-social, multiplicam-se relações e
relacionamentos que não podem ser suficientemente bem ordenados em institutos
quer do Direito Privado, quer do Direito Público.
● Existe uma “publicização do Direito Privado”. O direito de propriedade não é
limitado apenas mediante intervenções econômicas, mas através de garantias jurídicas
que deveriam restabelecer a igualdade formal de contratar. Contratos coletivos dão
garantias ao parceiro mais fraco. Cláusulas cautelares no interesse do inquilino fazem
com que o contrato de aluguel já quase se torne, para o locador, uma relação de uso
público do espaço. Evoluções ocorrem no direito relativo a empresas e à família.
● Junto com a instituição do Direito Privado, a propriedade, são atingidas as garantias
correlatas e a liberdade contratual.
● A relação contratual clássica supõe completa independência na definição das
condições do contrato. Isso foi sujeito a limitações. Os contratos passam a ser
esquematizados e há uma padronização das relações contratuais.

Polarização da esfera social e da esfera íntima

● Enquanto Estado e sociedade se interpenetram, a família se destaca dos processos de


reprodução social.
● Os burgueses da era liberal viviam a sua vida privada na profissão e na família. O
setor do intercâmbio de mercadorias e do trabalho social era tanto uma esfera privada,
quanto uma casa. A expressão “mundo do trabalho e da organização” já revela a
tendência à objetivação de um setor que era sujeito a dispositivos privados.
● Essa evolução no desenvolvimento da empresa industrial significa uma
desprivatização material de uma autonomia dos proprietários dos meios de produção.
● Existe um processo de desaparecimento do privado na esfera do trabalho social.
Enquanto a esfera profissional se autonomiza, a da família se recolhe a si mesma. A
família perde sua função direta de reprodução social em favor de funções
consumptivas. Existe a dissolução da propriedade familiar em função da renda
individual. A família perde também a capacidade de cuidar de si.
● Riscos como desemprego, doença, velhice e falecimento são cobertos por garantias
sociais do Estado. Surgem diversos auxílios e serviços de obtenção de moradia e
emprego. A tarefa de educar, criar, proteger e guiar é terceirizada para além da
família, que fica excluída do contexto imediato da reprodução da sociedade e perde o
poder de ditar comportamentos.

Mudança de função política da esfera pública

● A imprensa é oriunda do sistema de correspondências privadas e inicialmente


começou a se organizar em forma de empresas artesanais, que visavam uma
maximização dos lucros. Posterior a essa primeira fase, vem a fase literária e política
da imprensa, em que os jornais passam a representar interesses públicos e políticos de
pessoas privadas.
● “Bücher descreveu, numa frase, os grandes traços dessa evolução: "Os jornais
passaram de meras instituições publicadoras de notícias para, além disso, serem
porta-vozes e condutores da opinião pública, meios de luta da política partidária. Isso
teve, para a organização interna da empresa jornalística, a consequência de que, entre
a coleta de informações e a publicação de notícias, se inseriu um novo membro: a
redação. Mas, para o editor de jornal, teve o significado de que ele passou de
vendedor de novas notícias a comerciante com opinião pública"” (HABERMAS,
2003, p. 214)
● Nesse momento, o lucro ficou para um segundo plano, ficando em primeiro o impulso
pedagógico e político. Os jornais pertenciam a homens cultos e políticos, que
cumpriam as funções de proprietário, redator e editor. Só pouco a pouco, esses
editores cederam suas funções empresariais a proprietários de editoras. É assim que
existe a separação e autonomia da redação.
● “A essa autonomia da redação está relacionado o fato de que, durante a primeira
metade do século XIX, também na imprensa diária o artigo de fundo tenha se
imposto. Certamente, com a nova figura do jornalismo de redação, quão pouco a
rentabilidade do empresário preponderou sobre a sua intenção publicitária, o espírito
de lucro sobre a consciência, mostra-o novamente o exemplo de Cotta, cuja
Allgemeine Zeitung, caso não se considere a sua significativa influência, continuou
durante decênios a ser um empreendimento subvencionado. Nesta fase, já que a esfera
pública se impõe como uma esfera politicamente ativa, também as empresas
jornalísticas consolidadas editorialmente resguardam para as suas redações aquela
espécie de liberdade que era, de um modo geral, característica para a comunicação das
pessoas privadas enquanto um público.” (HABERMAS, 2003, p. 215).
● Com o estabelecimento do Estado burguês de Direito e com a institucionalização de
uma esfera pública politicamente ativa, a imprensa crítica se alivia das pressões sobre
a liberdade de expressão e opinião. Abandona a sua posição polêmica e politizada
para assumir o caráter comercial.
● “Se, no começo, dentro de uma imprensa diária motivada em primeiro lugar
politicamente, a reorganização de certas empresas sobre uma base exclusivamente
comercial podia representar tão somente uma simples possibilidade de investimento
capaz de gerar lucros, em breve isto se tornou uma necessidade para todos os editores.
A ampliação e o aperfeiçoamento da base de capital, uma elevação do risco
econômico e, necessariamente, a subordinação da política empresarial a pontos de
vista da economia de mercado” (HABERMAS, 2003, p. 217)
● Nesse momento, já existe um modo tecnicamente mais avançado de produção de
notícia, por meio da seleção do material, a elaboração e a avaliação das notícias, sua
revisão e preparação, que se torna mais importante do que o artigo de opinião. Os
editores talentosos passam a ocupar papel de destaque nas redações. E redatores são
contratados para trabalharem conforme o interesse de uma empresa privada que quer
obter lucro. A autonomia do redator é reduzida nessa imprensa que serve
primeiramente a fins políticos (mantendo a aparência com o jornalismo literário das
revistas intelectualizadas).
● “O desenvolvimento técnico dos meios de transmissão de notícias (após o telégrafo e
o telefone, o telégrafo sem fio, a telecomunicação e o rádio) acelerou em parte a
unificação organizacional e a cartelização econômica da imprensa, mas em parte
apenas a possibilitou. A sincronização do serviço de informações através das agências
organizadas em monopólios, acrescentou logo a sincronização redacional de
pequenos jornais através de correspondências padronizadas e fábrica de suplementos.
Entre 1870 e 1880 é que, primeiro nos países anglo-saxões, foram empregadas
matrizes; por volta do início do século, a prensa gráfica de cilindro também se impõe
no continente europeu. Na maioria dos casos, tal unificação tecnológica ocorre junto
com uma unificação através de cadeias de jornais; os jornais locais, principalmente
nas regiões rurais, tornam-se com freqüência, através disso, também dependentes dos
jornais urbanos das circunvizinhanças e passam a ser incorporados a estes como
redações municipais ou redações afiliadas” (HABERMAS, 2003, p. 219).
● “Nada caracteriza de modo mais evidente o desenvolvimento da imprensa e dos novos
mídias do que essas medidas: de instituições privadas de um público de pessoas
privadas, passam a instituições públicas. Os governos colocaram primeiro
indiretamente as agências numa situação de dependência e emprestaram-lhes um
status oficioso ao não lhes retirarem propriamente o seu caráter comercial, mas ao
aproveitá-lo.” (HABERMAS, 2003, p. 220)
● Os meios de comunicação alcançaram extensão superiores a da imprensa da era
liberal e a esfera pública se expandiu. A mídia foi cada vez mais reinserida na esfera
do mercado, e quanto mais avança a eficácia jornalístico-publicitária mais vulnerável
ela se torna a interesses privados (individuais ou de grupos). Se antes a imprensa era
lugar de pessoas privadas que escreviam como pessoas públicas, agora passa a ser um
lugar da esfera pública para a defesa de interesses privados, cunhando em primeiro
lugar esses interesses na esfera pública.
● Existe uma inundação da esfera pública por publicações jornalísticas-publicitárias que
acompanham o desaparecimento da transparência no mercado. A publicidade,
segundo Habermas, é o que leva a essa falta de transparência. A concorrência dos
preços e a comparação de acordo com padrões de racionalidade econômica são
substituídas pela concorrência através de manipulação jornalístico-publicitária.
● Na segunda metade do século XIX, ganha proporções maiores a publicidade
comercial (o reclame). No século XVIII, ainda prevalecia a propaganda face to face.
A partir de 1850, surgem agências de anúncios à base do reclame comercial, que
atuavam com base em pesquisas científicas de mercado em aspectos econômicos,
sociológicos e psicológicos.
● A atividade dessas agências, inicialmente, se limitava a jornais e revistas ilustradas.
Posteriormente, a televisão comercial conquista uma influência preponderante. Os
anúncios e propagandas comerciais tem como público alvo camadas sociais inferiores,
enquanto que antes as camadas sociais mais elevadas eram mais atingidas pelo
conteúdo jornalístico. Isso se deve à popularização de bens que antes eram
exclusividade de camadas superiores, criando uma sociedade de consumo cujo fetiche
leva os grupos mais pobres a se adequarem ao estilo de consumo alto para conquistar
status simbólico na sociedade.
● “A indústria da publicidade não só toma, entrementes, conta dos órgãos publicitários
existentes, mas ela cria os seus próprios jornais, revistas e cadernos. Em 1955, em um
a cada cinco lares da Alemanha Federal encontrava-se ao menos um exemplar desses
catálogos comerciais correntes, frequentemente apresentados como custosas
brochuras ilustradas. Ao lado disso, surgiu um peculiar gênero publicitário: o número
de revistas de empresas feitas para clientes chegava a constituir à mesma época quase
a metade de todas as revistas publicadas no mercado da Alemanha Ocidental.
Alcançaram uma tiragem de mais de um quarto da tiragem de todas as revistas
somadas, uma difusão de mais de 50% da difusão de todas as revistas de diversão
consideradas conjuntamente.” (HABERMAS, 2003, p. 224).
● Mesmo os programas não-comerciais dos meios de comunicação passam a estimular
um comportamento consumista entre as massas. Não houve uma separação entre
esfera pública economicamente separada da esfera pública política. A representação
jornalístico-publicitária esteve desde o começo amalgamada com interesses políticos.
Na mesma época em que, por meio da propaganda, os interesses dos donos de
mercadorias penetrava na esfera pública, os fundamentos do capitalismo
concorrencial também penetravam na luta dos partidos
● No entanto, somente com o avanço das Relações Públicas, a estreita relação entre
publicidade e jornalismo escancara o aspecto político dos anúncios econômicos.
● “Esta prática, como o próprio termo, provém dos USA. Atribui-se o seu início a Ivy
Lee, que desenvolveu as "publicity techniques on a policy-making level" para
justificar o big business, principalmente ,a Standard Oil Company e à Pennsylvania
Rail Road que, aquele época, viam-se ameaçadas por certas reformas sociais. No
período entre as duas guerras mundiais, algumas das maiores empresas começaram a
definir a sua estratégia levando também em conta pontos de vista de public relations ..
Nos Estados Unidos, isto se mostrou útil especialmente no clima de consenso
nacional depois da entrada na guerra, em 1940. Só após o término da guerra é que as
novas técnicas encontraram difusão geral, inclusive na Europa. Nos países mais
desenvolvidos do ocidente capitalista, elas assumem o seu domínio sobre a esfera
pública no último decênio. Para o diagnóstico dessa esfera tornaram-se um
fenômeno-chave. "Trabalhar a opinião pública" diferencia-se da propaganda por
assumir a esfera pública expressamente como política". (HABERMAS, 2003, p. 226).
● Nas Relações Públicas, o emissor esconde seus interesses sob o papel de alguém
interessado no bem comum. Isso é feito através da inserção direta de material nos
canais de comunicação ou nas estratégias de encenação que mobilizam os aparelhos
de comunicação de um modo previsível, apelando para os critérios de noticiabilidade
comuns nesses veículos.
● “A medida que se configura mediante public relations, a esfera pública burguesa
reassume traços feudais: os "ofertantes" ostentam roupagens e gestos de representação
perante clientes dispostos a segui-los. A publicidade imita aquele aura de prestígio
pessoal e de autoridade supra-natural que antigamente era conferida pela esfera
pública representativa” (HABERMAS, 2003, p. 229).

A subversão do princípio da publicidade

● Com a penetração da publicidade na esfera pública política, os interesses privados


organizados coletivamente foram obrigados a assumir uma configuração política, e a
concorrerem entre si através de processos de discussão política na esfera pública.
● A esfera pública passa a ser arena de conflitos de interesses do Estado, que escapam
às formas tradicionais de acordos e compromissos parlamentares. O acordo precisa ser
negociado através de pressões e contrapressões na esfera pública. “Assim, as
associações subverteram de fato os limites do direito burguês de associação: a sua
meta declarada é a transformação dos interesses privados de muitos indivíduos em um
interesse público comum, a representação e demonstração do interesse da associação
como sendo confiavelmente universal” (HABERMAS, 2003, p. 234).
● A esfera pública se torna uma corte, na qual se luta pelo prestígio público. Enquanto a
publicidade antigamente era imposta contra a política do segredo da monarquia, agora
ela se impõe como forma de interesse em conseguir prestígio público e aclamação. Se
antes os representantes tinham suas posições garantidas na esfera pública pela
tradição, agora as justificativas das posições dos representantes precisam ser
fabricadas no ato de comunicação. “ Essa publicidade passa agora de uma influência
sobre decisões dos consumidores também para a pressão política, pois mobiliza um
inarticulado potencial de predisposição à concordância que, caso necessário, também
pode ser traduzida numa aclamação definida de modo plebiscitário” (HABERMAS,
2003, p. 235).
● A mudança na esfera pública atinge a relação entre público, partidos e parlamento. A
imprensa foi a única instituição que permitia reuniões locais periódicas organizadas
pelas associações locais para que os deputados prestassem contas de seu mandato.
Com ela, passou a existir uma comunicação permanente entre os centros comunais de
discussão e as sessões do parlamento.
● “[...] nessa fase o livre-mandato não significava tanto a independência do
representante enquanto tal; o deputado estava efetivamente num contato muito mais
íntimo com o círculo eleitoral do que desde então tem acontecido; era, Muito mais, a
garantia da posição paritária de todas as pessoas privadas dentro do público pensante.
Para que o próprio Parlamento continuasse a fazer parte desse público e a liberdade de
discussão ficasse garantida tanto intra muros quanto extra muros, as cautelas quanto à
independência do deputado não deveriam acarretar um status privilegiado perante o
resto do público- representação no sentido da esfera pública pré-burguesa: deveriam
apenas impedir que o status de deputado se tornasse desprivilegiado através da
delegação” (HABERMAS, 2003, p. 239)
● “ A coação para acordos sempre renovados entre interesses organizados transforma o
partido, acima da facção, numa coação para mant.er a fachada de uma unidade perante
o público; o deputado recebe, de fato, um mandato imperativo de seu partido. Com
isso, o Parlamento tende a se tornar num local em que esses funcionários e o partido,
presos a mandatos, se encontram para fazer com que sejam registradas decisões já
tomadas” (HABERMAS, 2003, p. 240)
● Diante dessa esfera pública, os próprios debates políticos são estilizados num show. A
publicidade possui uma função demonstrativa e não crítica (como na monarquia): os
argumentos são simbólicos, identitários. De um princípio de crítica exercida pelo
público, a publicidade torna-se uma força integradora.
● “Ainda hoje, a constituição dos Estados sociais-democratas enquanto democracias de
massas obriga a atividade dos órgãos estatais a ser pública, para que ao menos possa
tornar-se efetivo um processo permanente de formação de opinião e de vontades até
mesmo como um corretivo que garanta a liberdade perante o exercício do poder e da
dominação : "as manifestações desse processo, absolutamente vitais para uma
democracia livre, e que consistem em promover uma "opinião pública" orientada em
todos os seus setores, podem (...) consistir, legitimamente, de modo pleno num
"poder" não sancionado juridicamente, pressupondo-se que também elas sejam
plenamente "públicas", confrontando-se publicamente com o poder estatal, obrigado,
por princípio, a manter pública toda a sua atividade" (HABERMAS, 2003, p. 243)
● As instituições passam, portanto, a exercer funções públicas dentro da esfera política,
precisando estar organizadas de acordo com o princípio da “publicidade” e
possibilitar uma democracia intrapartidária ou intrínseca à associação, permitindo a
transparência e a comunicação das ações, em um uso público da razão.
● “Não só os órgãos do Estado, mas todas as instituições da imprensa atuantes na
esfera pública política estão, neste caso, presas ao mandamento da
"publicidade", pois o processo da transformação do poder social e político precisa
tanto ele critica e controle quanto o exercício legítimo do poder político sobre a
sociedade. A idéia de esfera pública institucionalizada na social democracia de
massas, de um modo não-outro que no Estado de Direito burguês é, primeiro: a
racionalização da dominação no âmbito do pensamento público das pessoas
privadas só pode ser, agora, ainda realizada como uma racionalização - certamente
limitada pelo pluralismo dos interesses privados organizados - do exercício social e
político do poder sob o controle mútuo de organizações rivais, presas à esfera
pública em sua estrutura interna bem como no relacionamento com o Esta.do e delas
entre si” (HABERMAS, 2003, p. 245)

"Publicidade" pré-fabricada e opinião não-pública: o comportamento eleitoral da


população

● Nessa esfera pública política, o arranjo democrático das eleições ainda conta com
ficções liberais, de acordo com as quais um público de pessoas privadas pensantes
passam a assumir funções críticas e legislativas. Portanto: “Ao leitor se atribui que,
com um certo grau de capacitação judicativa e de conhecimentos, ele participe
interessadamente em discussões públicas para, de forma racional e orientado pelo
interesse geral, ele ajude a encontrar o certo e o correto como uma escala obrigatória
para toda a ação política” (HABERMAS, 2003, p. 249)
● Na massa de eleitores, existem dois grupos muito diferentes: de um lado, a pequena
minoria dos cidadão que, com um certo acerto, podem ser chamados de “ativos”,
sejam eles membros de partidos ou organizações, ou mesmo os “não-organizados”,
mas bem informados e fortemente participantes, podem ser muitas vezes opinion
leaders. Do outro lado está a maioria dos cidadãos, firmes em suas convicções. Entre
os blocos imobilizados, estão os grupos de eleitores indecisos, neutralizados,
ambivalentes ou apáticos. A esse grupo pertencem os eleitores marginais, que podem
ser mobilizados ora para um partido, ora para outro e às vezes nem sequer podem ser
mobilizados. São os alvos dos gerentes eleitorais: “De qualquer modo, esses eleitores
menos qualificados para uma participação no processo da opinião pública são o
grupo-alvo dos gerentes eleitorais: cada partido procura esgotar, tanto quanto
possível, o reservatório dos "indecisos", não através do esclarecimento, mas através
da adequação à posição de consumidor apolítico, muito difundida especialmente nessa
camada.” (HABERMAS, 2003, p. 251)
● “Feita periodicamente com as eleições, a nova encenação de uma esfera pública
política submete-se à configuração em que se encontra enquanto forma
decadente da esfera pública burguesa. Em primeiro lugar, a cultura integracionista
preparada e difundida pelos meios de comunicação de massa, embora pretenda ser
apolítica, representa ela mesma uma ideologia política; os programas dos partidos
políticos e qualquer tomada de posição demonstrativa em geral não poderão entrar de
algum modo com ela em concorrência, mas terão de procurar um acordo e uma
concordância.” HABERMAS, 2003, p. 252).
● “A propaganda é a outra função que uma esfera pública dominada por mídias
assumiu. Os partidos e as suas organizações auxiliares vêem-se, por isso, obrigados a
influenciar as decisões eleitorais de modo publicitário, de um modo bem análogo à
pressão dos comerciais sobre as decisões de compra, surge o negócio do marketing
político. Os agitadores partidários e os propagandistas ao velho estilo dão lugar a
especialistas em publicidade, neutros em matéria de política partidária e que são
contratados para vender política politicamente. Essa tendência, embora já se
desenhe há mais tempo, só se impôs depois da II Guerra Mundial, paralelamente ao
desenvolvimento científico das técnicas empíricas de pesquisa de mercado e de
opinião” (HABERMAS, 2003, p. 252)
● O setor político da esfera pública política passa a ser integrado
sócio-psicologicamente ao setor de consumo. O destinatário dessa esfera pública é o
consumidor político, que não é mais um eleitor independente, que não reconhece
conexão entre suas opiniões e sua função política. Ele não enxerga suas opiniões
como capazes de completar uma ação política.
● Nessa esfera, os meios de comunicação de massa surgem como transmissores de
propagandas. As assembléias servem como manifestações publicitárias, nas quais os
presentes são coadjuvantes e figurantes para as transmissões de TV. “Ao invés de uma
opinião pública, o que se configura na esfera pública manipulada é uma atmosfera
pronta para a aclamação, é um clima de opinião. Manipulativo é sobretudo o
cálculo sócio-psicológico de ofertas endereçadas a tendências inconscientes e que
provocam reações previsíveis, sem, por outro lado, poder de algum modo obrigar
aqueles que, assim , se asseguram a concordância plebiscitária: apoiando-se em
"parâmetros psicológicos" cuidadosamente elaborados e em apelos
experimentalmente comprovados, quer-se que, quanto melhor eles devam atuar como
símbolos da identificação, tanto mais eles percam a sua correlação com princípios
políticos programáticos ou até mesmo argumentos objetivos.” (HABERMAS, 2003,
p. 254)
● Os políticos precisam de um empacotamento adequado ao mercado, a fim de manter
seu índice de popularidade, por meio da publicidade, seu controle sobre a opinião
não-pública da população. No entanto, eles necessitam atender a necessidades
também reais. Sendo assim, publicidade que tem por objetivo atender a essa demanda
dos eleitores e conquistar as opiniões não-públicas.
● “Certamente uma "exploração" publicitária dos motivos dados também ecoa neles;
nisso, conforme as circunstâncias, pode ser necessário arranjar pretextos
publicitários em forma de obrigações que atendam às reais necessidades dos
eleitores. Quanto mais estreitos os limites "naturais" da manipulação, tanto mais
forte a coerção de não só usar motivos cientificamente analisados, mas também
satisfazê-los.” (HABERMAS, 2003, p. 255).
● “A relação entre uma esfera pública estabelecida e uma opinião não-pública pode ser
ilustrada no exemplo de algumas das medidas que influenciaram a reeleição dos
partidos situacionistas nas eleições para o congresso nacional (Bundestag) em 1957,
na Alemanha Federal.[...] a propaganda se concentrou preponderantemente em
sentimentos de medo e em necessidades de segurança à medida que, por um lado, o
adversário foi efetivamente associado com o perigo bolchevique e, por outro lado, o
partido que se encontrava de posse do aparelho do Estado - e por isso identificado ao
máximo com o Estado - foi apresentado como a única garantia confiável para a
segurança tanto militar quanto social: nenhum experimentalismo, tenhas o que
tens, etc. Em terceiro lugar, o governo, para se contrapor ao temor ante aumentos de
preços, algo muito desfavorável em termos político-eleitorais, fez, por assim dizer, um
acordo secreto e tácito com a indústria, segundo o qual os empresários deixavam
os aumentos de preços para depois da data das eleições.” (HABERMAS, 2003, p.
256)
● Portanto, esse método de formação da vontade política advém de uma pressão da
opinião não-pública sobre o governo, que deve atender às necessidades reais da
população, impedindo uma perda de popularidade e impedindo a formação de uma
opinião pública strictu sensu.

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