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Esfera Pública

Professora: Rosana de Freitas Mesquita Bitencourt


Esfera pública: o espaço da Mediação
• A perspectiva de Jürgen Habermas

O conceito de esfera pública foi inicialmente formulado pelo filósofo e


sociólogo alemão Jürgen Habermas em sua tese de livre-docência na
Faculdade de Filosofia de Marby e, posteriormente, transformada no
livro Mudança Estrutural da Esfera Pública – investigações quanto a
uma categoria da sociedade burguesa, em 1962.

Neste trabalho, Habermas se propõe a investigar a estrutura e função


do modelo liberal da esfera pública burguesa, sua origem e evolução.
Esfera Pública
Para Habermas, a esfera pública liberal surge com a ascensão
da burguesia enquanto instância capaz de fazer a mediação
entre um público composto de indivíduos privados, que atuam
politicamente, e as instâncias do Estado.

Indivíduos privados
Burguesia
Instâncias do Estado
Esfera Pública
A discussão da questão da esfera pública está diretamente ligada a
outros dois conceitos – público e privado.
Estes conceitos passam a ser definidos de acordo com as
pressuposições da Monarquia Absolutista, onde:
• O Estado assume para si o sentido de público, e o que é público passa
a ser dado no âmbito das instituições e ações estatais e corporificado
no conjunto dos funcionários e da burocracia estatal e, sobretudo, no
próprio monarca.
• Em contraposição, o privado ressurge, tanto na esfera de produção
como na da vida familiar dos indivíduos que não pertencem a esfera
do Estado.
Esfera Pública
Para ocupar o espaço existente entre o poder público do
Estado e o poder privado do mercado, a burguesia passa a se
organizar na forma de uma sociedade civil.

No século XVIII, quando esta sociedade percebe a identidade


dos objetivos entre a burguesia e o Estado, ela constitui um
novo público no interior da sociedade civil: a esfera pública
burguesa, composta basicamente por funcionários do Estado,
profissionais autônomos, grandes proprietários e produtores
de mercadoria.
Esfera Pública Burguesa
Entendida a princípio como a esfera das pessoas privadas reunidas
em público, a esfera pública burguesa vai se comportar como
espaço de discussão política.

Habermas afirma (1984:43):“Os burgueses são pessoas privadas, e


como tais não governam”.

Para uma esfera que se constituía a partir do encontro de pessoas


privadas, o surgimento no século XVIII dos cafés e salões e,
sobretudo, o desenvolvimento da imprensa, representou a
institucionalização de um espaço aberto ao debate.
Esfera Pública
Em um primeiro momento, a esfera pública se caracterizou pela sua forma
literária, e os espaços públicos passam a ser frequentados não só pela
burguesia como também pela nobreza.
Em tais encontros, como demonstra Habermas, o comportamento público é
regido por três princípios:
1. A sociabilidade, cuja polidez da igualdade deve se sobrepor à hierarquia
aristocrática;
2. A paridade da argumentação, que deve prevalecer sobre os títulos de
nobreza e posse de terras;
3. A acessibilidade, o não-fechamento ao público, a favor da criação dos
bens culturais que devem ser produzidos para o mercado e estarem à
disposição de todos que tenham um certo nível de formação acadêmica.
Esfera Pública
Com o amadurecimento desta esfera pública literária, o público burguês
passa também a problematizar questões referentes às suas atividades
econômicas.
A esfera pública assume sua função política de regulamentar a sociedade
civil e passa a questionar o próprio Estado Absolutista, já que, até então, a
esfera política se constituía num monopólio estatal.
Ao analisar a formação da esfera pública burguesa como uma formação
política, por meio da qual a burguesia buscou dominar os mecanismos de
regulação do trabalho e do mercado de trocas, pode-se apreender que a
concepção que ela tinha de si mesma tornou-se uma ideologia, pois
pretendia estender a toda a sociedade os interesses de uma determinada
classe.
Esfera Pública
A esfera pública pode ser entendida nos seus fundamentos sociais e
políticos por meio dos seguintes pontos:
1. Dicotomia entre o público e o privado, representados pela
sociedade civil e o Estado;
2. Surgimento de uma esfera social interessada no aspecto
público/político do Estado e da sociedade;
3. Crescente relação do privado enquanto esfera da intimidade, e do
público enquanto esfera social do trabalho e do mercado de trocas;
4. Crescente emancipação do mercado, decorrente do fato de que o
interesse econômico privado passa a ter relevância pública.
Esfera pública burguesa X Estado
O Estado, através do seu poder público, passa a interferir nas trocas das
pessoas privadas, culminando com a transferência de competências
públicas para a área privada.
Habermas argumenta que esta dialética de privatização do Estado,
simultaneamente com a estatização da sociedade, é que destrói a base da
esfera pública burguesa, que consistia na separação entre Estado e
sociedade.
Neste processo de centralização do capital e de reivindicações sociais, o
Estado não só amplia as suas atividades dentro das antigas funções, como
também conquista outras funções adicionais de estruturação. Além das
tarefas administrativas essenciais, ele assume obrigações da iniciativa
privada e confia tarefas públicas a esta esfera pública, coordena atividades
econômicas privadas, através de planos de metas, ou se torna, ele mesmo,
agente ativo enquanto produtor e distribuidor.
A evolução da imprensa
À medida que o setor público se confunde com o setor privado,
possibilita-se o aparecimento de uma esfera social que não está nem no
campo do público, nem do privado.
Esta transformação estrutural da esfera pública pode ser apreendida,
também, segundo Habermas, na própria análise da evolução da
imprensa.
Considerada como instituição por excelência da esfera pública, a
imprensa atua numa área de intersecção entre o setor público e privado
– devido à sua comercialização, a imprensa superou a diferença entre
circulação de mercadoria e circulação de público, obscurecendo a divisão
existente entre a esfera pública e a esfera privada.
A evolução da imprensa
A evolução do jornalismo, retratando a própria evolução da esfera
pública, de acordo com Habermas vai passar por três etapas distintas.
1. A fase inicial, conhecida como Imprensa de Informação, surgiu no
início do século XIV, motivada pela troca constante de
correspondências, contendo informações importantes para o
cálculo comercial sobre a circulação das mercadorias nas diversas
regiões.
É um meio de divulgação de informações a respeito de uma dada
realidade e produz um conhecimento altamente perecível devido à
atualidade da informação.
A evolução da imprensa
2. Numa etapa seguinte, surge a Imprensa de Opinião. Neste
momento, a imprensa deixa a função de “redatora de avisos” para se
tornar “jornalismo literário”. Os jornais passam a ser porta-vozes e
condutores da opinião pública, à medida que escritores e partidos
políticos se apossam desse novo instrumento para conseguir maior
eficácia publicitária em sua argumentação.

O lucro, nesse momento, passa para segundo plano. As empresas


jornalísticas dessa fase resguardam, para as suas redações, uma
espécie de liberdade característica da comunicação das pessoas
privadas enquanto público. Era uma imprensa que se desenvolvia a
partir da politização do público.
A evolução da imprensa
3. A fase atual do jornalismo é conhecida como Imprensa Comercial e
surge quando o estabelecimento do Estado Burguês de Direito e a
legalização dos Parlamentos Nacionais, que constituem uma esfera pública
politicamente ativa, libertam a imprensa de suas obrigações críticas, dando
a ela a oportunidade de assumir o lucro de uma empresa comercial.
Durante os anos 30 do século XIX inicia-se a inserção de anúncios,
possibilitando uma nova base de cálculos financeiros para a imprensa.
A empresa jornalística, agora, caracteriza-se como um típico
empreendimento capitalista avançado, que subordina a política
empresarial a pontos de vista da economia de mercado. Dessa forma, o
jornal passa a ser influenciado por interesses estranhos aos seus objetivos
primeiros.
A evolução da imprensa
Com a modificação da função do jornalismo (das pessoas privadas que
escreviam até os serviços públicos dos meios de comunicação de
massa), a esfera pública também se modifica, considerando a influência
de interesses privados que de algum modo dela se beneficiam.
A publicidade comercial que invade a esfera pública faz com que
“pessoas privadas passem imediatamente a atuar enquanto
proprietários privados sobre pessoas privadas enquanto público”
(Habermas, 1984:221).
Embora pudesse se pensar na existência de uma esfera pública
economicamente separada da esfera pública política, a representação
jornalístico-publicitária de interesses privados sempre esteve atrelada
aos interesses políticos.
A prática das relações públicas, no início do século XX, tornou-se
exemplar para demonstrar como o anúncio econômico pode tomar
consciência de seu caráter político.
Ao contrário da publicidade, as relações públicas encaram as pessoas
privadas enquanto público, e não como consumidores imediatos.
A marca nítida que separa a notícia do anúncio começa a desaparecer à
medida que as relações públicas introduzem na propaganda comercial
o apelo do interesse público.
A possibilidade efetiva de manipulação da opinião pública que se
produziu no interior da esfera pública a partir desses novos elementos,
fez com que a esfera pública perdesse sua característica de espaço de
interação e discussão e, para Habermas, assumisse um papel
puramente aclamativo e não-crítico.

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