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Filosofia na Cidade - A Evolução do Espaço Público

Enviado por Cláudio Teixeira em Segunda, 2009-08-03 12:41


A Filosofia, tal como a entendemos, surgiu na cidade, mais
especificamente nas cidades-estado gregas, num tempo e num espaço
que reunia toda uma série de condições económicas, sociais, políticas e
culturais necessárias à emergência deste tipo de reflexão. Enquanto
produto da cidade e da civilização ocidental, a Filosofia não poderia
deixar de reflectir sobre os problemas que dizem respeito aos indivíduos
enquanto cidadãos, que têm todo um conjunto de preocupações e
interesses que concernem a todos. Na cidade de hoje, a sociedade
democrática tem como referência central o Espaço Público, pois é pela
vitalidade dessa mesma esfera que se mede a vitalidade do espírito
democrático.
O espaço público está, assim, no coração do funcionamento
democrático. Habermas define-o como a esfera intermédia, que se
constituiu historicamente no período das Luzes, entre a sociedade civil
e o Estado. É o lugar, acessível a todos os cidadãos, onde um público se
reúne para defender uma tese e formular uma opinião. É este
intercâmbio discursivo de posições racionais sobre problemas de
interesse geral que permite identificar a Opinião Pública, cuja
afirmação se converte num meio de pressão à disposição dos cidadãos,
para conter o poder do Estado.
O espaço público pressupõe a existência de protagonistas mais ou
menos autónomos, veros pensadores-livres, capazes de formar a sua
própria opinião, não sujeitos à influência de discursos dos “Barões” ou
de correntes dominantes. Implica o acreditar nas ideias, o “bem falar,
melhor dizer” e o uso de argumentos capazes, ao invés do recurso ao
confronto físico. Esta ideia de formação de opiniões através da
discussão activa de informações e valores é resumida por Wolton da
seguinte maneira: “Numa palavra, com o conceito de espaço público é a
legitimidade das palavras que se impõe sobre a dos murros, das
vanguardas e dos sujeitos da História. É a ideia de um reconhecimento
do outro e não a sua redução ao estatuto de sujeito alienado.”
A ideia de que as cidades possuem uma esfera pública é antiga.
Remonta, na sua definição social, filosófica e urbanística, à Antiguidade
Clássica. Foi em Atenas e na Roma Senatorial que verdadeiramente se
assistiu ao nascimento do que podemos hoje designar como Espaço
Público. Em Atenas, era a Ágora o espaço que, inserido na Polis,
representava o espírito público desejado pela colectividade da
população e onde se exercia a Cidadania. Para Aristóteles, a esfera
pública era o domínio da vida política, que se exercia através da acção
(praxis) e do discurso (lexis). Os cidadãos exerciam a sua vida política
participando nos assuntos da polis. Aqui, todos são livres para expressar
as suas opiniões. O poder da palavra através da persuasão substitui a
força e a violência do espaço privado. Após o declínio do Mundo Grego,
coube a Roma continuar esse legado. O agora Império manteve sempre
um enorme grau de participação activa dos cidadãos nos destinos do
Império, graças à sua natureza Senatorial. No entanto, tal esfera
pública viria a “esfumar-se”, praticamente como tudo, após a queda do
Império.
Na Idade Média, o Feudalismo erradicou qualquer vestígio do Estado
Social. O conceito “cidadão” havia sido extirpado. Neste período,
existiam apenas multidões, senhores e servos, que se reuniam em
praças e feiras. Discussões sobre os assuntos do Estado verificam-se
apenas por parte daqueles que o encarnam ou servem. Será da posterior
decadência da representatividade pública das Cortes que surgirá, como
contrapeso a esta autoridade, a sociedade civil burguesa, uma esfera
privada da sociedade que se tornará publicamente relevante.
No final da Idade Média, a importância das cidades começa a se
transferir das muralhas para as praças. O desenvolvimento do
capitalismo mercantil no século XVI, aliado às mudanças das formas
institucionais do poder político, criou as condições para a emergência
de uma nova forma de esfera pública na Europa. A "sociedade civil"
emergiu como um domínio de relações económicas privatizadas,
estabelecidas sob a égide da autoridade pública. Entre a esfera da
autoridade pública e a esfera privada da sociedade civil, adveio uma
nova esfera de público – a esfera pública burguesa – onde indivíduos
considerados como seres privados se reuniam para discutirem, entre si,
assuntos relacionados com a regulação da sociedade civil e a conduta do
Estado.
O público que agora se constitui como relevante nessa nova esfera
pública tem como sua arena predilecta os locais de concentração das
suas massas: cafés, salões e ocasionais associações de conversação. É
esse público, constituído por pessoas cultas e proprietárias, que passa a
constituir a opinião pública entre os séculos XVI e XVIII, uma opinião
pública que lutava contra o Absolutismo e contra a Regulamentação
Régia que era imposta aos seus negócios privados. O discurso essencial
de constituição desse novo Espaço Público burguês é o da participação
de todos. O sistema capitalista da livre-concorrência permitia o discurso
do que viria a ser mais tarde (séc. XIX) apelidado de “Mito do Self-Made-
Man”. “Todos têm possibilidade de serem cultos e proprietários”,
declarava-se, quando, em boa verdade, só o rico burguês podia aceder à
esfera pública politicamente actuante. Em bom rigor, a base da opinião
pública nesta altura, acaba por nada mais ser do que os interesses da
classe burguesa.
Na Época Moderna, o predomínio do conceito de esfera pública na
Europa esteve inicialmente vinculado à luta contra os Estados
despóticos. E é neste cenário de contestação que se desenvolve uma
noção absolutamente essencial da esfera pública – a da publicidade dos
actos do governante, a ideia de que o poder político, por estar sujeito a
uma série de tentações, necessita do controle permanente, vigilante,
por parte de uma opinião pública consolidada. Então, termos como
“público”, “virtude pública”, “opinião pública”, tornam-se numa arma
a favor da liberdade de imprensa e de outras liberdades públicas. O
facto de falar de “o público” era um acto dirigido contra os Monarcas
Absolutos e suas exuberantes Cortes, acusados pela opinião pública de
abusar do poder e de perseguir os seus interesses privados e egoístas em
detrimento do Reino.
Durante os séculos XVII e XVIII, o ideal normativo da esfera pública foi
um tema central da política republicana das classes médias. Certos
republicanos, como Cromwell, tornavam para o passado da República
Romana e da Polis Grega e para um mundo futuro de quase perfeita
utopia. Os Burgueses, mais desejosos de deitar a mão a lugares de
poder do que em abater as assimetrias de classes, condenavam o
Absolutismo, que induzira a apatia dos súbditos, fomentara o
conformismo frente à religião e às argúcias estatais e que corrompera
os governantes. Consequentemente, os Republicanos Ingleses
enalteciam a importância de cultivar a virtude e o espírito públicos e
desejavam que as políticas existentes fossem radicalmente reformadas
mediante o direito à livre expressão dos cidadãos.
Os resultados políticos destas novas mentalidades foram, deveras,
contrários. Em Inglaterra, a República chegou a vigorar, mas
aCommonwealth não resistiu à morte de Cromwell. Em França, a
Burguesia encabeçou o movimento que desencadeou a Revolução
Francesa. No resto da Europa, estalaram por todo o lado revoltas
Nacionalistas contra os Impérios Germânicos. O período de convulsões
arrasta-se até pleno séc. XIX. Com uma Europa dilacerada pelas Guerras
Napoleónicas, o Espaço Público só terá condições para evoluir nos finais
do século, após a Guerra Franco-Prussiana. É no último quartel do séc.
XIX que Habermas defende que principiou o declínio, a “refeudalização
da esfera pública”.
Esta transformação consistiu nos interesses privados assumirem
funções de direcção política, enquanto as corporações poderosas
passaram a controlar e manipular os media e o Estado. Por outro lado, o
Estado encetou um papel mais basilar no domínio do privado, apagando-
se assim a diferença entre Estado e sociedade civil, entre esfera pública
e esfera privada. Quando a esfera pública entrou em declínio, os
cidadãos transformaram-se em consumidores, dedicando-se eles
próprios mais ao consumo passivo e aos assuntos privados do que aos
assuntos do bem comum e da participação democrática. Enquanto que
na esfera pública burguesa, a opinião pública era formada através do
debate político e do consenso, na degradada esfera pública do “estado
de bem-estar” capitalista, a opinião pública é administrada pelas elites
políticas e económicas. Manipulada pelos media, encontra-se hoje
reduzida a pouco mais do que parte integrante do sistema de controlo e
domínio social. A opinião pública, formada no debate político, esfuma-
se no estádio contemporâneo do capitalismo, sendo agora formada
pelas elites dominantes, em prol dos seus interesses particulares.
Depois da agitação político-cultural dos anos 60, e do exemplo de
contestação que foi o Maio de 68, é profundamente chocante ver o
“quero lá saber…” generalizado na sociedade. A despolitização e a
dessindicalização ganharam proporções nunca antes atingidas, a
esperança revolucionária e a contestação estudantil desapareceram e
raras são as causas ainda capazes de galvanizar a longo prazo as
energias. A res publica encontra-se desvitalizada, as grandes questões
filosóficas, económicas, políticas ou militares passam ao lado dos jovens
com a maior das naturalidades. Tudo é neutro, tudo é banal, nada atrai
o fugidio interesse. Então, como inverter este quadro negro? A aposta
nas TIC parece ser a melhor aposta.
Os desenvolvimentos gritantes nas TIC requerem a reformulação e a
expansão do conceito de esfera pública. Para acompanhar os tempos, o
espaço público perdurará como um lugar de informação, discussão,
contestação, luta política e organização, mas incluindo os novos meios
de difusão e os novos ciberespaços tanto quanto as interacções face a
face da vida quotidiana. Terá de o fazer, se queremos estabelecer um
novo espaço público mais abrangente e mais capaz de abraçar um
futuro cada vez mais tecnológico e inovador.
Cláudio Barbosa Teixeira, Nº 6, 11º D

Escola Secundária de Monção


Disciplina de Filosofia - Ano Lectivo 2007/2008

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