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Para o filósofo alemão Jürgen Habermas, a esfera pública representa uma dimensão do social que

atua como mediadora entre o Estado e a sociedade, na qual o público se organiza como portador da
opinião pública. Mas para que a opinião pública seja formada, tem de existir liberdade de
expressão, de reunião e de associação. Por conseguinte, o acesso a tais direitos deve ser garantido
a todos os cidadãos.

Segundo Habermas, os cidadãos se comportam como corpo público quando se comunicam de


maneira irrestrita sobre assuntos de interesse geral. Não se trata de se comportarem como homens
de negócios ou profissionais em transações privadas (interesses de classe), tampouco como
membros de uma ordem constitucional, sujeitos à coação legal de uma burocracia de Estado (poder
do Estado). Numa sociedade de grandes dimensões, esse tipo de comunicação requer meios
específicos para transmissão de informações. Hoje, os jornais, revistas, rádios e TVs conformam o
que chamamos de "mídia da esfera pública".

Origens históricas
O surgimento da esfera pública ocorreu no final do século 18, com a expansão da participação
política e a consolidação dos ideais de cidadania. É o resultado da luta da burguesia contra o
absolutismo e, no caso da Inglaterra, da luta para o fortalecimento de uma monarquia
constitucional, com o objetivo de transformar uma autoridade arbitrária em "autoridade racional",
sujeita ao escrutínio dos cidadãos organizados em um corpo público, sob a lei.

Esse surgimento estava identificado mais obviamente com a demanda por um governo
representativo e uma constituição liberal - e amplas liberdades civis básicas perante a lei (liberdades
de expressão, de imprensa, de reunião, de associação e de julgamento justo). Segundo a concepção
de Habermas, a esfera pública oferece possibilidades de emancipação humana em torno de uma
idéia central de racionalidade gerada comunicativamente.

A esfera pública é conseqüência de um processo mais longo e profundo de transformação social,


que Habermas situa entre o final da Idade Média e a Idade Moderna, com a ascensão do
capitalismo. A categoria do "público" é a conseqüência não desejada das mudanças
socioeconômicas que ocorreram de forma gradual, eventualmente precipitadas pelas aspirações de
uma burguesia bem-sucedida e cada vez mais consciente de si.

Nesse sentido, Habermas postula uma homologia causal de cultura e economia, originada pela troca
e movimentação de mercadorias e notícias, que são processos criados pelo comércio capitalista de
longa distância. A economia doméstica foi substituída pela atividade produtiva para o mercado e
reconstituiu as relações estado-sociedade com base na distinção entre público e privado.

Esfera pública e ideais cívicos


As associações voluntárias e a vida associativa formaram as bases sociais para a definição dos
compromissos públicos. Em diversos países da Europa, a classe burguesa foi criadora de uma série
de associações voluntárias que foram a matriz de formação das elites locais e incorporaram as bases
de suas futuras reivindicações sociais.

Por meio dessas associações organizavam-se bailes, banquetes, palestras e concertos. Tais
associações geravam na comunidade o debate político e uma série de iniciativas filantrópicas,
caritativas, recreativas. Esses grupos sociais burgueses possuíam seus próprios prédios e recrutavam
somente os homens da sociedade local de maior prestígio social.

Essas associações formavam uma teia organizada de relacionamento social, possibilitando o


desempenho de atividades cívicas: era vital para as pessoas de prestígio social organizar atividades
filantrópicas, caritativas e de melhoria das instalações públicas, além do patrocínio às artes, a
educação, os festivais públicos e comemorações diversas.

Tais associações foram vitais para a formação de uma sociedade civil burguesa. O novo princípio de
associação voluntária oferecia um meio alternativo de expressar opinião e idealizar preferências que
definiam um espaço público independente, além das prescrições legais de status e padrões políticos.

Por outro lado, o associacionismo refletiu a força crescente de uma burguesia e os laços sociais de
uma classe culta e rica. Representava também uma arena pública onde a dominação burguesa
ocorria naturalmente. Era uma força constitutiva organizacional, que gerou reivindicações para
mudanças políticas e culturais; era uma burguesia que começava a ver a si própria como classe
universal.

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Mudança cultural
Para Habermas, entretanto, o que interessa estudar não é o processo de mudança política que foi
impulsionado pelo surgimento da esfera pública burguesa. O autor dá mais atenção à prévia
transformação das relações sociais, que fez emergir as associações voluntárias e, com elas, a
geração de um novo discurso político sociocultural em torno desse ambiente de transformação.

De acordo com Habermas, mudanças políticas no sentido da democratização emergiram com mais
força onde tais processos subjacentes estavam transformando o contexto geral da comunicação
social (crescimento da cultura urbana, metropolitana e provinciana), incorporando novos cenários às
relações sociais: 1) arena da vida pública organizada (casas de encontros, teatros, museus, livrarias);
2) infra-estrutura de comunicação social (editoras, imprensa e outras mídias literárias); 3)
surgimento de um público leitor através de sociedades de língua e leitura, além de bibliotecas; e 4)
transportes melhorados e centros adaptados de sociabilidade (cafeterias, tavernas, clubes).

Trata-se do florescimento de um novo universo de associação voluntária, que está subjacente à


formação da esfera pública. Na verdade, a esfera pública pressupunha uma mudança sociocultural.
Deduz-se que as exigências por reformas estatais e governamentais eram mais o efeito do que a
causa da formação da esfera pública.

"Argumentação", "alegação" e "discurso": são esses princípios comunicativos que direcionam a


análise habermasiana. Os direitos de expressão, pensamento e debate, com razoável troca entre
iguais, conformam o ideal que interessa a Habermas.

Segundo o que o próprio Habermas diz, "o mercado verdadeiramente livre é o do discurso cultural
em si, inserido, é óbvio, em regulações normativas. O que é dito tem sua legitimidade não de si
mesmo como mensagem, tampouco do status social de quem a proferiu, mas da sua conformidade
enquanto declaração baseada num paradigma de razão registrada no momento do relato".

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