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A RELAÇÃO ENTRE A EMPRESA PRIVADA E O INTERESSE PÚBLICO:

PRINCÍPIO DA UTILIDADE E DA ABERTURA EMPRESARIAL

POR

ROBERTO FONSECA VIEIRA

Doutorando e Mestre em Ciências da Comunicação


Escola de Comunicações e Artes – ECA / USP
Professor da Cadeira de Comunicação Empresarial
Escola de Marketing - UniverCidade

RESUMO
Analisar a nova identidade empresarial, e que traz em seu bojo a substituição de um
modelo meramente econômico por outro de natureza social, é nosso desafio voltado
para uma reflexão sobre a empresa, seus objetivos e princípios, reavaliando sua relação
com o interesse público e sua responsabilidade dentro da comunidade.
Em um sentido geral, nesse estudo buscamos reavaliar o papel da empresa privada na
sociedade, procurando estabelecer que, enquanto unidade social, esta tem uma
responsabilidade que transcende seu conceito, hoje obsoleto, de mera fonte geradora de
lucros.

INTRODUÇÃO

Toda vez que surge a expressão “interesse público”, muitos são os


questionamentos a respeito do que está de acordo e do que transgride as expectativas da
coletividade. Oportuno, portanto, definirmos com precisão o que é o público
(principalmente quando vivemos em uma sociedade de massa) e o que vem pleiteando,
com base na autoridade que sua existência lhe confere, a fim de que possamos melhor
compreender o fenômeno “Opinião Pública”, até porque, nos dias de hoje, esta tem o
poder de estabelecer limites para a atividade empresarial.
Partindo-se do pensamento de Jürgen Habermas, na análise da mudança estrutural
da esfera pública podemos compreender em que momento e de que forma surgiu uma
esfera pública e outra privada, a primeira encerrando o espaço no qual se encena a
opinião pública, e a segunda, o ambiente propiciador de atividades de certa natureza,
como as trocas. Ao procurar as origens das estruturas sociais da esfera pública,
Hebermas, afirma:

“A esfera pública burguesa pode ser entendida inicialmente como a esfera


das pessoas privadas reunidas em um público; elas reivindicam esta esfera
pública regulamentada pela autoridade, mas diretamente contra a própria
autoridade, a fim de discutir com ela as leis gerais da troca na esfera
fundamentalmente privada, mas publicamente relevante, as leis do
intercâmbio de mercadorias e do trabalho social (...)”.(1)

Não se quer dizer com isto que a burguesia (do séc. XVIII) estivesse,
efetivamente, abrindo mão de sua autoridade individual. De uma forma sutil, o que se
tem são indivíduos privados que tentam exercer uma influência na esfera pública. A
burguesia, ao reivindicar esta esfera, o faz para que possa melhor legitimar suas idéias,
já que tem por intenção modelar a Opinião Pública.

Se na sociedade grega o espaço público em que se discutiam os problemas da


comunidade era também, e contraditoriamente, o espaço da afirmação individual, na
sociedade burguesa não há lugar para as diferenças (tenta-se criar a mítica dos valores
universais). Na prática, o conceito de igualdade, que se baseia na razão, não passa de
mero instrumento retórico, já que a própria práxis econômica, social e política da
sociedade burguesa não possibilita esta igualdade. Habermas, diferenciando as esferas
privada e pública, diz:

“(...) dentro do setor restrito às pessoas privadas, distinguimos entre esfera


privada e esfera pública. A esfera privada compreende a sociedade civil
burguesa em sentido mais restrito, portanto o setor da troca de mercadorias e
do trabalho social; a família, com sua esfera íntima está ai inserida. A esfera
pública política (...) intermedia, através da opinião pública, o Estado e as
necessidades da sociedade”. (2)

2
A partir deste conceito de esfera privada, e considerando a esfera pública como
aquela em que se configuram os verdadeiros interesses coletivos, em um sentido amplo
do termo chegamos a melhor compreensão da força deste “interesse público”, no
processo de determinação de limites às atividades que ocorrem na esfera privada.

A OPNIÃO PÚBLICA

O “interesse público”, na realidade atual em que vivemos, deixa de ser um mero


instrumento retórico da burguesia (tornando-se até um elemento questionador da
mesma), para se transformar em fonte indiscutível de legitimidade. Legitimidade esta
que só a “Opinião Pública” pode conferir. E embora continuem existindo mecanismos
que busquem manipular esta opinião pública, os públicos de hoje, a partir dos quais esta
se forma, estão muito mais conscientes e, portanto, bem menos suscetíveis a influências
externas e a interesses que não se coadunem com os da coletividade. Se considerarmos
que foi a burguesia quem legitimou a criação de urna esfera pública (embora burguesa),
a fim de controlar a opinião pública, já considerada como força crescente e irreversível,
veremos que o seu intento se transformou em uma “faca de dois gumes”.

A defesa da liberdade de expressão e do conceito de igualdade, empreendida no


século XVIII pela burguesia, para o aumento de seu poder, se tornou o pilar básico sob
o qual a opinião pública do século XX se sustenta para a delimitação deste mesmo
poder. Em outras palavras, as atividades das empresas que hoje atuam no mercado são
constantemente, alvo de crítica por parte da Opinião Pública, sempre que os interesses
da iniciativa privada se confrontam com os interesses da coletividade.

A importância da determinação do conceito de “interesse público” pode ser


apreendida nas palavras de Cândido Teobaldo de Souza:

“O interesse público colocado com prioridade atesta, definitivamente, o grau


de uma civilização e a garantia de que a humanidade encontrará o caminho
seguro de seu desenvolvimento eqüitativo”. (3)

Cândido Teobaldo define Opinião Pública como “a área de entendimento comum


das pessoas que constituem o público, após ampla discussão da controvérsia levantada,
à base de considerações racionais”. (4)

3
Através das palavras de David Hume, filósofo do século XVIII e autor da obra
“Ensaio sobre o Entendimento Humano”, Cândido Teobaldo fala sobre a soberaneidade
da Opinião Pública: “A soberania da Opinião pública, longe de ser uma aspiração
utópica, é o que pesa e pesará sempre em todas as horas, nas sociedades humanas”. (5)

Do ponto de vista operacional aplicada à realidade organizacional falemos sobre a


importância da Opinião Pública para a legitimidade de que necessita a empresa, não só
em seu processo de crescimento, mas antes de tudo no de sua sobrevivência, nessa
perspectiva afirmamos que ninguém foge à opinião pública, ninguém pode se esconder
dela, fazer de conta que ela não existe, acreditar que, não divulgando sua empresa,
estará evitando problemas. Na verdade, esse é justamente um excelente caminho para o
inferno, pois, no momento em que a opinião pública tiver qualquer dúvida sobre a
empresa ou seus produtos, não disporá de informações para um julgamento correto, e
fatalmente tenderá para o lado oposto, para o conceito hostil, para a imagem
desfavorável.

Portanto, devemos estar atentos para uma questão fundamental a ser considerada
pela empresa nos dias de hoje: a necessidade da conquista de um conceito positivo
(credibilidade), junto aos diversos públicos com que a empresa se relaciona.

A credibilidade por parte da opinião pública e a legitimidade que só esta última


pode conferir a urna organização surgem como elementos essenciais à sobrevivência em
um mercado cada vez mais competitivo.

Se por um lado, a qualidade dos produtos e serviços é fator de alta relevância, por
outro, a imagem institucional da empresa é quem confere credibilidade a estes mesmos
produtos e serviços.

A LEGITIMIDADE E A LIBERDADE

A fim de proporcionar maior compreensão do processo evolutivo da teoria de


Administração das empresas, vale aqui a comparação entre o significado de
legitimidade segundo o modelo burocrático de Weber, e aquilo que hoje consideramos
“legitimidade”.

4
Para Weber, esta expressão pressupunha a “aceitação do exercício do poder”; hoje,
ela envolve outras variáveis bem menos coercitivas e, ao mesmo tempo, de maior
amplitude e capacidade de determinação. A aceitação social de uma empresa é o que lhe
permite ser legítima. É a opinião pública que torna possível esta legitimidade e só pode
existir de fato dentro de um sistema verdadeiramente democrático. A partir daí,
podemos concluir que só uma organização que atenda aos interesses e expectativas da
sociedade como um todo, através do estabelecimento de objetivos cuja orientação não
seja simplesmente a econômica, estará preparada para enfrentar os desafios do futuro.
Ou seja, somente quando a empresa interagir com o meio ambiente em que está
inserida, procurando apreender desta sua necessidade, e funcionando, efetivamente,
como um sistema aberto, terá caminhado em direção ao “interesse público”.

Toda vez em que se tentam analisar a natureza da empresa privada, os dois


principais enfoques de que se pode partir estão ligados aos nomes de Max Weber e Karl
Marx. Weber relaciona o espírito capitalista à ética protestante. Marx mostra o plano
subjetivo, a consciência, como produtos da vida material do homem.

Gordon Bjork, partindo destas duas abordagens, e procurando estabelecer um


paralelo entre a empresa privada e o interesse público, apresenta a questão um tanto
contraditória: o capitalismo, ao mesmo tempo em que se reveste de um caráter
particular, “privado”, tem por objetivo oferecer produtos/serviços consonantes com o
interesse público, nesse sentido afirma o autor:

“(...) a falta de definição daquilo que o capitalismo é faz-se acompanhar da


incapacidade de desenvolver consenso sobre o que moralmente deve ser
reconhecido como direitos individuais e interesse público”. (6)

Na abordagem weberiana, há uma interpretação da idéia de aumento do capital


enquanto dever do indivíduo. Esta máxima, em vez de se traduzir como uma noção de
bom senso comercial, retrata uma ética de direcionamento da vida. Este capitalismo
racional, diferentemente daquele que se caracterizou como selvagem (próprio, portanto,
da era pré-capitalista), traz em sua filosofia o acúmulo de capital como um fim em si
mesmo. “Produz-se para se poder produzir mais”. Cita Weber:

5
“O homem é dominado pela produção de dinheiro, pela aquisição encarada
como finalidade última de sua vida. A aquisição econômica não mais está
subordinada ao homem como meio de satisfazer suas necessidades materiais.
Esta inversão do que poderíamos chamar de relação natural (...) é
evidentemente um principio orientador do capitalismo(...). Mas, ao mesmo
tempo, ela expressa um tipo de sentimento que está inteiramente ligado a
certas idéias religiosas (...)”. (7)

Esta é uma corrente essencialmente idealista que, ao contrário da abordagem de


Marx, submete a questão econômica a valores ideológicos, pertencentes à
superestrutura; neste caso, a religião aparece como valor preponderante.

Já na teoria do materialismo histórico, defendido por Karl Marx, o fator


preponderante é a produção, pelo homem, das suas condições materiais de vida. Marx
parte do pressuposto de que “produzindo seus meios de vida, os homens produzem,
indiretamente, sua própria vida material”.(8) E complementa, dizendo: “(...) O que os
indivíduos são (...) depende das condições materiais de sua produção”. (9)

Ainda do ponto de vista do materialismo histórico, Marx, diz: “não é a


consciência que determina a vida, mas a vida que determina a consciência” (10), e
afirma que:

“A estrutura social e o Estado nascem constantemente do processo de vida de


indivíduos determinados (...) tal e como desenvolvem suas atividades sob
determinados limites, pressupostos e condições materiais, independentes de
sua vontade”. (11)

A compreensão destes dois enfoques da natureza do capitalismo (o primeiro


considerando-o uma conseqüência da ideologia religiosa vigente e o segundo partindo
de uma concepção dialética da história) torna-se de grande importância por este sistema
apresentar como pilares básicos dois conceitos “até certo ponto” polêmicos, que são o
de propriedade e o de liberdade. Tal proposição é confirmada por Gordon Bjork:

6
“O âmago do problema de uma ideologia capitalista coerente reside na
justificação das pedras fundamentais gêmeas da organização do sistema — a
propriedade e a liberdade”. (12)

Contudo, estas duas “pedras do sistema”, dependendo da ótica porque são


analisadas, podem ou não estabelecer entre si una relação de consonância.

No que diz respeito à propriedade, Bjork, defendendo a iniciativa privada e a


existência de um retorno social automático com a adoção do capitalismo, acredita haver
três fundamentos para o reconhecimento dos direitos de propriedade pela sociedade.
Seriam eles: a determinação da distribuição da renda, a racionalização do uso dos
recursos e o incentivo a um aumento da produção, o que significaria maior quantidade
de bens e serviços para esta mesma sociedade.

A argumentação do autor se baseia essencialmente naquilo que ele considera a


utilidade social das relações capitalistas nas sociedades interessadas em maximizar o
desenvolvimento econômico e, ao mesmo tempo, manter a segurança individual.

Todavia, esta não é a única forma de se conceber a “propriedade” e a “liberdade”.


Bjork, ao analisar esta relação entre empresa privada e interesse público, não se atém a
questões de ordem “moral” ou de “direito natural”, adotando o argumento da
legitimidade conferida pela ordem social, a partir de um verdadeiro interesse do público.
Em suas palavras:

“a reação da sociedade às exigências individuais depende de um cálculo


sobre o que valerá tal contribuição em termos de produção social e,
igualmente, dos custos de negar-lhes o que podem se lhes julgar a
contribuição inferior ao que exigem”. (13)

Mostra o autor com esta colocação que a sociedade cobra constantes resultados da
iniciativa privada, não permitindo que a mesma atue de forma nociva aos chamados
“interesses coletivos”. Contudo, há que se discutir também a empresa, do ponto de vista
moral e ético, pois estas são características que não podem ser esquecidas no processo
avaliativo, tanto de pessoas físicas como de pessoas jurídicas.

7
Norberto Bobbio, enunciando Emmanuel Kant, renomado filósofo do século
XVIII, ao falar sobre o conceito de moralidade, considera que:

“(...) O homem como ser analisável do ponto de vista fenomenológico está


submetido às leis da natureza, que regulam a vida de todos os outros seres
naturais; mas enquanto ser livre, pertencente ao mundo inteligível, o homem
(...) adequa suas ações a uma forma diferente de legislação: a legislação
moral que dá origem ao mundo dos costumes, em contraposição ao mundo
natural (...)”. (14)

Sendo assim, temos que o homem, ao obedecer a uma legislação moral, cria
limites à própria atuação para conservar justamente esta sua condição de “ser livre”. Tal
pensamento pode ser aplicado à situação organizacional, se considerarmos que as
empresas, enquanto “realidades humanas” e “sociais” necessitam adequar suas ações
para a garantia da própria sobrevivência, às leis morais impostas pelo meio social.

Segundo Emmanuel Kant, em “Crítica da Razão Prática”, há uma diferença


fundamental entre “moralidade” e “legalidade”. Um valor moral não pode, de forma
alguma, vincular-se a uma intenção outra que não seja a de cumprimento do dever.
Qualquer ato que almeje o bem, mas que tenha ligação com outros fins que não este em
si mesmo, deixa de ser moral, sem, no entanto, perder sua legalidade. Esta idéia,
relevante no pensamento kantiano, poderá ser mais bem compreendida se citarmos as
palavras do próprio filósofo:

“(...) é evidente que os princípios determinantes da vontade, que tornam por si


mesmos propriamente morais as máximas, dando-lhes um valor moral, a
representação imediata da lei e a observância objetivamente necessária da
mesma, como dever, tem de ser representados como os verdadeiros móveis da
ação, porquanto, de forma diversa, seria observada a legalidade das ações,
mas não a moralidade das intenções (...)”. (15)

A legislação moral, como vemos, não admite a existência de inclinações e/ou


interesses interferindo nos atos. Se, portanto, considerarmos neste contexto as empresas
privadas, veremos que grande parte de suas ações não têm um caráter moral, visto que
as interações que as mesmas procuram manter com seus públicos não são frutos de uma

8
coexistência deste dever, mas sim de uma obrigatoriedade criada pelas circunstâncias. O
que significa dizer que tais ações não se traduzem como “imperativos categóricos”, mas
ao contrário, consistem em “imperativos hipotéticos” ou “condicionados”, em que a
vontade que lhes suscitou é de natureza “heterônoma”. Bobbio cita um trecho da
Fundamentação, de Kant, que traduz o caráter do imperativo hipotético, tão presente nos
dias de hoje, dentro do ambiente organizacional:

“Todas as vezes que se deve tomar como fundamento um objeto da vontade


para os fins de prescrever à vontade a regra que deve determiná-la, esta regra
é sempre heterônoma: o imperativo é condicionado, ou seja: se ou porque
deseja-se este objeto, deve-se agir deste ou daquele modo; conseqüentemente
não pode nunca comandar moralmente, ou seja, de maneira categórica”. (16)

Para complementar o pensamento de Kant quanto às problemáticas da moral e da


liberdade, faz-se necessário ainda compreender o seu principio de justiça. “Uma ação é
justa”, diz o filósofo, “quando por meio dela, ou segundo a sua máxima, a liberdade do
arbítrio de um pode continuar com a liberdade de qualquer outro segundo uma lei
universal”. Entretanto, esta máxima da justiça como liberdade traz em si uma questão
dialética:

“É verdade que o direito é liberdade, mas é liberdade limitada pela presença


da liberdade dos outros (...) Uma vez que eu transgrida os limites, invadindo
com minha liberdade a esfera da liberdade do outro, torno-me uma não-
liberdade para o outro. Exatamente porque o outro é livre como eu, ainda que
com uma liberdade limitada, tem o direito de repelir o meu ato de não-
liberdade (...)”. (17)

No momento em que transpusermos para o ambiente empresarial alguns destes


conceitos presentes no pensamento kantiano, tais como liberdade, justiça e moralidade,
determinadas conclusões sobre a realidade organizacional não poderão deixar de ser
consideradas.

A liberdade, que é fonte de justiça para Kant, tem muita a ser questionada quando
vista sob o prisma das empresas. Se por um lado, esta liberdade do indivíduo, no sentido
“lato” do termo, permite e justifica a questão da propriedade e da iniciativa privadas,

9
por outro, a limitação da mesma em face da liberdade de meu semelhante, prova que um
ato de desconsideração ao interesse público, dá a este o direito de interferir em minha
liberdade de atuação, enquanto empresa. Com isto, se a organização não for legitimada
pela opinião pública, sofrerá fortes pressões dos grupos que com ela se relacionam.

A falta de discernimento por parte de muitos empresários, que não conseguem


perceber a função social das empresas que dirigem, provoca, muitas vezes, um
desequilíbrio entre aquilo que estas têm a oferecer (produtos e serviços) e aquilo que se
estabelece como expectativa da sociedade à qual servem (qualidade na produção,
salários justos, pagamento adequado de dividendos a acionistas, bem estar da
comunidade local, etc.).

Como podemos ver, a liberdade de Kant traz em si tanto o gérmen do estimulo à


iniciativa privada quanto o da fundamentação do interesse público. Uma vez que o
conceito de ação moral proposto por Kant pressupõe uma não-intencionalidade, ou seja,
a inexistência de fins outros que não o “dever”, conclui-se que o sistema empresarial
necessita reformular urgentemente seus objetivos e, se necessário, até reavaliar sua
missão organizacional.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As empresas continuam acreditando que podem funcionar como meras unidades


econômicas. Simplesmente não perceberam que o feudalismo ficou no passado e que a
integração é condição “sine qua non” para o desenvolvimento econômico a que tanto
aspiram.

Outro grande pensador e filósofo que estudou a liberdade e que, a partir de seus
questionamentos, nos pode conduzir a uma análise contemporânea da empresa privada é
Jean Paul Sartre. Ele diz que “o homem faz-se; ele não está pronto logo de início; ele se
constrói escolhendo sua moral”. (18)

A idéia de que a consciência apresenta intencionalidade e de que a existência


precede e comanda a essência, nos torna completamente livres, mas, ao mesmo tempo,
nos torna inteiramente responsáveis por nossos atos. Na verdade, esta condição de
responsabilidade transcende o indivíduo e se direciona à humanidade como um todo.

10
Sartre fala a respeito da extensão do compromisso de cada indivíduo com relação aos
destinos desta Humanidade:

“Nossa responsabilidade é muito maior do que poderíamos supor, porque ela


engaja a humanidade inteira (...) sou responsável por mim mesmo e por todos,
e crio uma certa imagem do homem que eu escolho; escolhendo a mim,
escolho o homem”. (19)

Quando Sartre afirma que “o homem é apenas seu projeto, só existe na medida em
que se realiza, e que (...) é tão somente o conjunto de seus atos”, (20) surge uma nova
concepção de indivíduo e, a partir daí, uma concepção também nova de sociedade. Este
novo homem se sabe livre e responsável (responsabilidade esta que vai além do espaço
físico que ocupa no mundo). Tem consciência de que só ele pode construir, através de
sua condição de existência, a sua realidade, o seu eu, a sua essência. E, acima de tudo,
percebe que cada passo seu reflete na estrutura social de que faz parte. Cada homem
passa a ser responsável pelos destinos do mundo.

Se Sartre, em suas ref1exões, pensou em termos de “indivíduo” e “existência


humana”, significa que o conteúdo de suas observações não possa ser aplicado, tal qual
a filosofia kantiana, para compreender melhor a natureza do capitalismo, bem como a
relação entre empresa e sociedade. Partindo do pressuposto de que a empresa hoje é,
antes de tudo, uma realidade humana (trata-se de um agrupamento de indivíduos
reunidos em torno de um objetivo comum), e uma unidade social, só podemos chegar a
uma conclusão: a empresa, ao congregar um número maior de pessoas, tem sua
responsabilidade incrivelmente ampliada.

Se um indivíduo tem um compromisso com relação à humanidade toda vez que


toma uma decisão, que age (porque é livre); pesa sobre ele a responsabilidade de seus
atos e, mais ainda, o ganho ou prejuízo social decorrente dos mesmos, de maior impacto
serão as decisões tomadas por uma empresa, que pela própria natureza social deverá ter
um compromisso formalmente declarado com número maior de pessoas.

O empresário, enquanto indivíduo, tem direito à liberdade como qualquer outro. E


esta liberdade torna possível a propriedade e a iniciativa privadas. Contudo, como já
dizia Rousseau: “a ordem social é um direito sagrado que serve de base a todos os

11
outros”, (21) partindo deste fundamento, a liberdade de ação do empresário o torna
mais responsável ainda pela realidade que ajuda a construir.

O conceito da empresa será decorrente dos atos que a mesma empreender; ou seja,
a empresa em si (sua essência) resultará daquilo que construiu, pela sua condição de
existência. Esta condição só é válida, no entanto, a partir do momento em que a
organização é vista como realidade humana, em constante transformação, pois como
disse Aristóteles: “(...) o homem é um principio motor de ações (...)”. (22)

Podemos dizer que a empresa, nos dias atuais, só sobreviverá se for legítima, se
for aceita pela ordem social. Para isto, faz-se necessário que ela reconheça sua
responsabilidade social e baseie sua filosofia de atuação no principio de utilidade. Se
não interagir com o meio, não conseguirá compreender o que dela se espera e não
oferecerá ao público condições de efetivamente avaliá-la. A política de “low profile”
deve ser substituída o quanto antes pela adoção de uma abordagem organizacional
enquanto sistema aberto.

Referência Bibliográfica

1. HABERMAS, Jürger. Mudança Estrutural da Esfera Pública: investigações quanto a uma categoria da
sociedade burguesa, 1984, p. 42.
2. Id., ibid., p. 46.
3. ANDRADE, Cândido Teobaldo de Souza. Psicossocio1ogia das Relações Públicas, 1989, p. 9.
4. Id., ibid., 1989, p. 14.
5. ANDRADE, Cândido Teobaldo de Souza. Curso de Relações Públicas, 1988, p. 20.
6. BJORK, Gordon C. A empresa privada e o interesse público: os fundamentos de uma economia
capitalista. 1971, p.17-18.
7. WEBER, Max. A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, 1967, p. 33.
8. MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã, 1991, p. 27.
9. Id., ibid., p. 28.
10. Id., ibid., p. 37.
11. Id., ibid., p.36.
12. BJORK, Gordon, op. cit., p. 31.
13. Id., ibid., p. 50.
14. BOBBIO, Norberto. Direito e Estado no Pensamento de Kant, 1984, p. 50.
15. KANT, Emmanuel. Critica da Razão Prática, s/d, p. 135.
16. BOBBIO, Norberto, op. cit., p. 78.
17. KANT, Emmanuel. Fundamentação. Apud BOBBIOI, Norberto, op. cit., p. 85.
18. SARTRE, Jean-Paul. “O Existencialismo é um Humanismo”, 1987, p. 18.
19. SARTRE, Jean-Paul. “O Existencialismo é um Humanismo”. Apud BORNHEIM, Sartre - Metafísica
e Existencialismo, 1984, p. 127.
20. Id., ibid., p. 125.
21. ROUSSEAU, Jean-Jacques. Contrato Social, 1977, p. 10.
22. ARISTOTELES. Ética a Nicômaco, Livro III, 1113 a., p.86.

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Bibliografia

ANDRADE, Cândido Teobaldo de Souza. Psicossocio1ogia das Relações Públicas. 2ª ed. SP: Loyola,
1989.
__________________________ . Curso de Relações Públicas. 4ª ed. SP: Atlas, 1988.
ARISTOTELES. Ética a Nicômaco. SP: Nova Cultural, 1987.
BJORK, Gordon C. A Empresa Privada e o Interesse Público: os fundamentos de uma economia
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BOBBIO, Norberto. Direito e Estado no Pensamento de Emmannuel Kant. Brasília: Universidade de
Brasília, 1984. Coleção Pensamento Político, 63.
HABERMAS, Jürger. Mudança Estrutural da Esfera Pública: investigações quanto a uma categoria
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MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã. 8ª ed. SP: Hucitec, 1991.
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3ª ed. SP: Abril Cultural, 1987.
WEBER, Max. A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. SP: Pioneira, 1967.

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