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Epaminondas Bittencourt
UFMG
Alexandre Carrieri
UFMG
ABSTRACT This article show how a multinational company that produces paper and pulp in 47 municipalities in the Brazilian state of Minas
Gerais develops social programs. Choice of company X was due to its importance in the industrial web of the state, as well as by the relevance of
the company’s well regarded social programs, generally centrally managed and emphasizing voluntary work. After a brief survey of the literature
on corporate social responsibility a field research followed using as subjects social agents in the region covered by company X programs. Methodology
was based on semi-structured interviews. Content analysis of interviews was punctuated to reach the conclusions. The results demonstrate that
the social responsibility practice is situated at a deeper context than allowed by managerial discourse.
mudanças ambientais. A análise filosófica se baseia, A essência da empresa livre é se dirigir rumo ao lucro
sobretudo, em concepções teóricas prescritivas com por qualquer caminho que seja consistente com sua
relação à responsabilidade social, estando aí situadas própria sobrevivência em um sistema econômico. A
posições de cunho neoliberal, filantrópicas e de maior queda nos lucros não é a única coisa que pode des-
comprometimento com questões sociais por parte das truir um negócio. A ossificação burocrática, uma le-
corporações. gislação hostil e uma revolução podem fazer isso muito
Jones (1983) afirma que os estudos sobre a relação melhor. O capitalismo como o conhecemos pode exis-
corporação–sociedade carecem de um paradigma teó- tir somente em um ambiente de democracia política e
rico no estrito sentido definido por Kuhn (1970) de- liberdade pessoal. Isso requer uma sociedade
vido à ausência de uma estrutura de pesquisa integra- pluralista, onde exista divisão e não centralização de
da, ou seja, teorias, métodos e valores unificadores. O poder. Não queremos um estado de bem-estar no go-
autor propõe uma estrutura integrada para a análise verno, não o queremos nos sindicatos e, pelas mes-
do relacionamento corporação-sociedade, baseada nos mas razões, não o desejamos nas corporações (LEVITT,
trabalhos de Daniel Bell – na obra The Cultural 1958, p. 44).
Contradictions of Capitalism (1976) – e Michael Novak –
na obra The Spirit of Democratic Capitalism (1982) –, Na análise de Levitt, por melhores que sejam as in-
que visualizam a sociedade como o resultado de três tenções dos gerentes das organizações por meio de
subsistemas: econômico, político e cultural. O subsis- ações de desenvolvimento de programas de bem-es-
tema econômico é composto pelas corporações priva- tar para os empregados, de envolvimento com pro-
das, públicas, mercados financeiros; o subsistema po- gramas governamentais, comunitários, filantrópicos,
lítico deriva do aparelho regulador governamental; e educacionais, são todas preocupações periféricas que
o subsistema cultural é composto pelas relações fami- podem criar, nas corporações, um modelo equivalente
liares, credos e valores socioculturais. ao Estado unitário ou à igreja medieval. O autor afir-
Ainda de acordo com Jones (1983), a compreensão ma que “se existe alguma coisa errada hoje é que as
da relação corporação-sociedade é possível por meio corporações estão concebendo suas ambições e ne-
do estudo da interação dos três subsistemas, o que re- cessidades muito amplamente. A verdade não é que
sulta na definição de controle social do negócio. O elas sejam estritamente orientadas para o lucro, mas
controle social do negócio deve ser trabalhado a par- sim que elas não são estritamente orientadas para o
tir da seguinte questão: qual a compatibilidade entre lucro” (Levitt, 1958, p. 44). Sob o envolvimento so-
os processos e produtos do subsistema econômico com cial, o poder que a corporação ganha como “igreja
os valores dos subsistemas político e cultural? O au- comercial”, ela o perderá como um agente capitalista
tor propõe uma matriz de controle social do negócio motivado pelo lucro (Levitt, 1958, p. 46). Assim, ain-
em que se estabelecem variáveis associadas, entre ou- da para o autor, os negócios precisam sobreviver, e
tras, ao controle de mercado, ao comportamento em precisam de segurança contra ataques e restrições do
processos decisórios e à existência de grupos de poder seu maior inimigo potencial, que é o Estado. O bem-
que exercem pressão sobre a corporação. estar e a sociedade não fazem parte do negócio das
Em oposição ao conceito de responsabilidade social corporações. As idéias defendidas por Levitt (1958)
conduzindo o relacionamento corporação–sociedade, acerca do controle social dos negócios são semelhan-
Preston e Post (1981) afirmam que corporação e socie- tes, em sua totalidade, às posições teóricas susten-
dade são apenas sistemas interligados por intermédio tadas por Hayeck em relação à doutrina liberal na
dos mercados e políticas públicas: a contraposição sociedade:
envolvendo responsabilidade social por parte das cor-
porações é aprofundada por Levitt (1958) com rela- A argumentação liberal propugna pelo melhor uso
ção aos postulados apresentados por Bowen (1953). possível das forças de competição como um meio
De acordo com Levitt (1958), as corporações deveriam de coordenar os esforços humanos e não preten-
reconhecer as funções do governo e permitir que este de que as coisas devam ser deixadas como estão.
cuidasse do bem-estar social, de forma que elas pu- É baseada na convicção de que onde se puder cri-
dessem cuidar dos aspectos materiais do bem-estar. Na ar uma efetiva concorrência, aí se terá a melhor
concepção desse autor, a função do negócio é gerar maneira, entre todas, de guiar os esforços indivi-
um alto nível sustentável de lucro: duais. Com efeito, um dos principais argumentos
a favor da concorrência é que ela dispensa a ne- nas das corporações. A terceira está fundamentada na
c e s s i d a d e d e u m c o n t ro l e s o c i a l c o n s c i e n t e necessidade de construção de um poder na sociedade
(HAYECK, 1977, p. 35). que se contraponha ao crescente poder das corpora-
ções industriais, sendo o bem-estar social dependente
Seguindo o mesmo espectro ideológico, Friedman da soma de interesses representados na luta pelo po-
(1988) aborda a responsabilidade econômica das der na sociedade. A quarta, representada por corren-
corporações fundamentada na doutrina econômica tes teóricas filosóficas humanistas, associa o poder
clássica, em oposição às premissas da responsabili- social das corporações ao controle totalitário e
dade social corporativa. De acordo com esse autor, monolítico da mente e do espírito humano. Por fim, a
a única responsabilidade social dos negócios é ma- quinta concepção teórica identifica a necessidade de
ximizar os lucros nas regras do jogo. Em suas pala- uma reformulação da ética capitalista, cujo princípio
vras, básico da propriedade deveria ser ampliado para um
número maior de cidadãos, o que resultaria no incre-
Há poucas coisas capazes de minar tão profundamen- mento do sistema capitalista e na maior lealdade dos
te as bases de nossa sociedade livre como a aceitação proprietários capitalistas.
por parte dos dirigentes das empresas de uma respon- Nesse quadro, Frederick (1960) afirma que o de-
sabilidade social que não a de fazer tanto dinheiro senvolvimento da perspectiva da responsabilidade so-
quanto possível para seus acionistas. Trata-se de uma cial no universo das corporações está relacionado à
doutrina fundamentalmente subversiva. Se os homens crescente conscientização em torno da produção e dis-
de negócios têm outra responsabilidade social que não tribuição socialmente efetiva. Dessa forma, a respon-
a de obter o máximo de lucro para seus acionistas, sabilidade social “implica uma postura pública em re-
como poderão eles saber qual seria ela? Podem deci- lação aos recursos humanos e econômicos da socieda-
dir sobre que carga impor a si próprios e a seus acio- de, significando que estes recursos devem ser utiliza-
nistas para servir ao interesse social? (FRIEDMAN, dos objetivando amplos fins sociais” (Frederick, 1960,
1988, p. 120). p. 60). Ainda segundo o autor,
Expressando uma visão sobre a crescente preocupa- Não existem fórmulas mágicas nem mecanismos
ção das corporações em relação à doutrina da res- automáticos que garantam os resultados que o pú-
ponsabilidade social, Frederick (1960) enfatizou que blico deseja. Consciência, somente, os homens de
isso se deve ao colapso do laissez-faire como filoso- negócios cristãos não possuem o bastante. O equi-
fia e ordem econômica. Segundo esse autor, essa re- líbrio de poder é igualmente insuficiente. É verda-
volução é resultado dos desafios estabelecidos pela de que não podemos escapar totalmente de nossa
psicologia ao conceito de um homem econômico ra- herança cultural, mas, lentamente, estamos acumu-
cional, pela sociologia ao comportamento individua- lando conhecimentos sobre nós mesmos e sobre os
lista e pela antropologia ao questionamento da or- homens de negócios que podem possibilitar a re-
dem natural das coisas. A derrocada da filosofia do solução de alguns dos problemas relacionados à
liberalismo deu origem a um vácuo filosófico após o responsabilidade do negócio (FREDERICK, 1960,
fim da Segunda Guerra Mundial, o que implicou a p. 61).
ruptura com a teoria social que estabelecia a harmo-
nia entre os interesses privados e os interesses da Na verdade, o intenso debate que envolve a perspectiva
sociedade como um todo. da responsabilidade social no ambiente dos negócios
Conseqüentemente, a partir da década de 1950 sur- na sociedade americana, aliado ao desenvolvimento das
giram, na sociedade americana, cinco importantes cor- políticas públicas oriundas do Estado de bem-estar so-
rentes teóricas sobre a responsabilidade social das cial no continente europeu, faz com que – no ciclo de
corporações. A primeira visão é a de que os gerentes expansão das corporações multinacionais por meio dos
deveriam voluntariamente defender os interesses pú- investimentos diretos em todo o mundo – o desempe-
blicos utilizando o poder de uma maneira responsá- nho social das corporações seja considerado uma im-
vel. A segunda apela para os princípios da ética cristã, portante variável não apenas para a formulação de es-
a criação do executivo de negócios cristão, que privi- tratégias, mas também para um contínuo relacionamen-
legia ações sociais nobres acima das atividades cotidia- to com a sociedade civil organizada.
ponsividade social aos processos gerenciais de respos- coração da ideologia. Portanto, participa, juntamente
ta às demandas sociais, variando em um contínuo de com mecanismos simbólicos e políticos, de um siste-
posturas, a saber, reativa, defensiva, de acomodação ma de reprodução das organizações. De acordo com
e proativa. Esse modelo tridimensional proposto pelo Srour (1994), a ética é uma relação social, uma rela-
autor requer que a dimensão responsabilidade social ção de forças, dependente de padrões morais específi-
seja definida pela corporação, que a área social seja cos sob condições históricas precisas em que atuam
identificada, para, posteriormente, a corporação qualifi- agentes coletivos que buscam construir a hegemonia
car a filosofia de resposta ou responsividade social. de seus valores morais peculiares. Srour mostra que
Na realidade, as diversas concepções sobre perfor- toda organização desenvolve suas atividades em um
mance social das corporações propiciaram o aprofun- ambiente hostil, em que todos os agentes procuram
damento da discussão sobre a ética na gestão empre- satisfazer seus próprios interesses. Os valores hege-
sarial, consolidando um padrão de referência na rela- mônicos nas coletividades com as quais as corpora-
ção com a sociedade. De acordo com Weber (1979), a ções interagem pressionam estas a buscarem sintonia
ética é um discurso de legitimação e encontra-se no com esses valores, no sentido de preservarem a pró-
Normas éticas Valor do negócio é neutro. Ge- Estabelece normas para rela- Advoga normas éticas institu-
rentes se comportam de acor- cionar com as comunidades. cionais mesmo se atingem
do com seus próprios padrões. Não enfrenta normas sociais. seus próprios interesses.
Indicadores sociais Limitados aos interesses dos Construídos para finalidades le- Presta contas à sociedade de
para ações da corporação stakeholders. gais, mas ampliados para in- forma mais ampla.
cluir os grupos afetados.
Estratégia operacional Adaptação defensiva. Máxima Adaptação reativa. Adaptação proativa. Antecipa
exteriorização de custos. futuras mudanças sociais.
Resposta a pressões sociais Nega deficiências. Ignora insa- Assume responsabilidade na so- Informação livre. Discute ati-
tisfação pública. lução de problemas cotidianos. vidades com grupos externos.
Ações governamentais Resiste às atividades regula- Coopera com os governos para Comunica-se abertamente com
tórias exceto em situações melhorar o padrão da indústria. os agentes políticos, reforçan-
para proteção de posição de Preserva discrição gerencial nas do a legislação existente.
mercado. decisões corporativas.
Atividades político-legislativas Busca manutenção do status Amplia o trabalho com grupos Auxilia o corpo legislativo a
quo e privilegia o lobby. externos. melhorar as leis vigentes.
Filantropia Contribui quando benefício di- Contribui para causas estabe- Contribui para causas novas e
reto é claramente demonstrado. lecidas e não controversas. controversas.
Fonte: Sethi (1975, p. 62)
multinacional e outra brasileira. A partir de 2001, em conceito de crescimento sustentável e sua importância
uma negociação avaliada em US$ 600 milhões, o par- para as comunidades inscritas em sua área de atuação.
ceiro internacional adquiriu integralmente o controle
acionário. A empresa atua em 47 municípios no esta- Por meio da bandeira de “melhoria da qualidade de
do de Minas Gerais, gerando aproximadamente 9 mil vida nas comunidades”, a organização desenvolve nos
empregos diretos e 27 mil indiretos, destinando quase municípios ações sociais como distribuição de calça-
toda a produção para o mercado externo. A principal dos e material escolar para o ensino fundamental, além
fonte de matéria-prima da empresa é a floresta de euca- de disponibilizar pequenas áreas para a plantação e o
liptos, sendo por ela reconhecida em compromisso pú- cultivo sob agricultura familiar. É importante obser-
blico via código de ética da organização. Detentora de var no discurso oficial da organização a preocupação
certificações ISO 9001 e ISO 14001, a empresa desen- com o social. O texto produzido pela gerência da or-
volve programas sociais sob a perspectiva da responsa- ganização é individual, mas o conteúdo do discurso é
bilidade social com iniciativas geralmente focadas nas caracterizado pelo contexto social em que a organiza-
áreas educacional, ambiental e de produção agrícola. ção está inserida, o da valorização do lema da respon-
A organização desenvolve programas como Ação e sabilidade social pelas corporações. Como agente
Cidadania nas comunidades, envolvendo atendimen- enunciador, o dizer da gerência da organização é a re-
to médico, jurídico, campanhas educativas e de en- produção inconsciente do dizer de seu grupo social,
tretenimento infantil. As ações implementadas pela não sendo ela livre para dizer, mas coagida a dizer o
organização sob o lema da responsabilidade social são que seu grupo diz (Fiorin, 1998). É a busca de sintonia
formuladas por intermédio do Instituto de Ação e Ci- com o discurso hegemônico no intuito de preservar a
dadania, constituído para a execução de parcerias agrí- própria imagem (Srour, 1994). Enquanto o discurso é
colas, culturais e socioambientais na área de atuação a materialização das formações ideológicas, a forma
da organização. A análise da pesquisa busca identifi- como a gerência apresenta as ações que compõem a
car, por meio das formações discursivas dos diversos doutrina da responsabilidade social é o espaço reser-
atores, as estratégias de persuasão utilizadas no intui- vado à manipulação consciente, cujos elementos de
to da promoção de influência nas relações de poder, já expressão são organizados da melhor forma para vei-
que as estratégias de persuasão confirmam que a lin- cular o discurso. Segundo Fiorin (1998, p. 42), “o dis-
guagem afeta e é afetada pelas relações de poder entre curso é, pois, o lugar das coerções sociais, enquanto o
os diversos grupos sociais (Bradac e Hung Ng, 1993). texto é o espaço da liberdade individual”.
O discurso formalizado na sintaxe “[...] a empresa
contribuirá para a preservação do meio ambiente, con-
ANÁLISE E DISCUSSÃO forme determinações legais definidas em sua política
ambiental [...]” pode ser entendido como uma estra-
A atuação da gerência da organização nas comunida- tégia discursiva de persuasão ideológica baseada no
des tem sido alvo de conflitos envolvendo administra- silêncio (Faria, 1992), pois privilegia o dito “contri-
dores municipais, ambientalistas e parlamentares. Em buirá para a preservação do meio ambiente tendo como
decorrência da visão de cidadania corporativa, a ge- referência sua política ambiental”, silenciando as con-
rência da organização, influenciador interno, apresenta cepções dos outros agentes sociais com relação aos
publicamente os seguintes princípios no código de impactos das atividades da organização sobre o meio
ética da corporação: ambiente. De acordo com Mintzberg (1983), é o refle-
• nas comunidades onde atua, a empresa priorizará o xo de uma relação de poder em que a coalizão interna
respeito e estabelecerá parcerias voltadas para ações da organização procura dominar a influência dos enun-
que promovam a melhoria da qualidade de vida da ciadores, influenciadores, presentes na coalizão exter-
comunidade, buscando desenvolver e preservar a cul- na. Esse autor qualifica essa forma de intervenção
tura local, e minimizar os impactos decorrentes de suas como a priorização de objetivos econômicos e sociais
atividades; numa perspectiva puramente gerencial.
• a empresa contribui para a preservação do meio ambien- Um ponto comum das entrevistas coletadas é o en-
te conforme determinações legais definidas em sua volvimento de controle social e poder. As manifesta-
política ambiental por entender a importância do tema ções dos agentes discursivos demonstram que não exis-
para o desenvolvimento de seu negócio, com base no te um relacionamento externo entre linguagem e so-
gitimar a dominação. Segundo Fairclough (1989), em blicação de balanços sociais é prática comum das mai-
qualquer sociedade existirão mecanismos para reali- ores empresas, o que possibilita informações sobre o
zar a socialização das práticas relacionadas a conheci- modo como as organizações desempenham suas fun-
mentos e crenças, relações e identidades sociais. A ções sociais.
coordenação imposta no exercício do poder é deno-
minada doutrinação, dessa forma, “qualquer sistema
educacional é um caminho político de manter ou mo- CONSIDERAÇÕES FINAIS
dificar a apropriação de discursos através dos conhe-
cimentos e poderes que eles conduzem” (Fairclough, A ideologia da responsabilidade social empresarial tem
1989, p. 65). O treinamento promovido pela organi- sua origem em uma geopolítica mundial em tensão por
zação junto aos professores é uma iniciativa de uma disputa ideológica envolvendo o liberalismo, par-
gerenciar as interações com o ambiente social, uma ticularmente a escola neoliberal, e o crescente movi-
peça de reprodução contínua dos valores da gerência mento pela intervenção do Estado na economia, por
da organização (Phillips e Brown, 1993). meio da concepção do Estado de bem-estar social,
As formações discursivas 6 e 7 mostram que a for- materializado pela social-democracia européia. Esse
ma lingüística sempre se apresenta aos locutores num debate socioeconômico no período de reconstrução da
contexto ideológico preciso. Nesse sentido, a situação economia capitalista no contexto da guerra fria, pós-
social mais imediata e o meio social mais amplo deter- Segunda Guerra Mundial, está presente nos postula-
minam completamente a estrutura da enunciação dos de H. Bowen (1953), ao afirmar a doutrina da res-
(Bakhtin 2004), como mostrado a seguir: ponsabilidade social como uma alternativa possível
para se evitar um maior controle da economia pelo
A nossa empresa possui padrão internacional. As- Estado. Em meio ao conflito entre a teoria neoliberal
sim, nós necessitamos preocupar com nossos cola- e a concepção da responsabilidade social corporativa,
boradores, os empregados e a sociedade, que se re- vale destacar as manifestações que indicam a preocu-
lacionam conosco. A responsabilidade social é a éti- pação em torno da ética nos negócios como necessária
ca que guia nossas ações, conforme as grandes or- para a própria sobrevivência das organizações, devido
ganizações (Formação discursiva 6 – Gerente 1 da às relações de poder que envolvem as organizações e
organização). os diversos influenciadores externos. Conseqüente-
A empresa exige em nossas ações sempre pensarmos mente, a ideologia da responsabilidade social demons-
no social. Os nossos programas de atendimento às tra a preocupação das organizações com a pressão dos
comunidades atendem as necessidades em diversas influenciadores externos nas relações sociais de po-
áreas que fazemos questão de contemplar no plane- der, resultado de mudanças sociais que impulsiona-
jamento estratégico empresarial. Podemos destacar ram a aceitação de novas normas, que, por sua vez,
as áreas de educação e meio ambiente como princi- tornaram comportamentos anteriores socialmente ina-
pais (Formação discursiva 7 – Gerente 2 da organi- ceitáveis. Na realidade, o discurso da ideologia libe-
zação). ral, do negócio estritamente associado ao lucro, tor-
nou-se contraproducente para as exigências de dife-
As enunciações reproduzem um produto puro da in- renciação na economia capitalista competitiva.
teração social, a incorporação da ideologia da respon- Da hegemonia do discurso da responsabilidade so-
sabilidade social pelas corporações. O indivíduo fala a cial no ambiente empresarial decorre a relevância do
linguagem de seu grupo, pensa do modo que seu gru- desempenho social das corporações, em que ações so-
po pensa, ou somente num sentido muito limitado ciais são mensuradas por intermédio de balanços es-
pode criar por si mesmo um modo de falar e pensar pecíficos que possibilitam a institucionalização de
(Mannheim, 1968). comportamentos e a difusão de políticas de marketing
No Relatório da Diretoria de 2003, a gerência da or- no mercado. Isso significa que há uma batalha em bus-
ganização considera que ocorreram melhorias substan- ca das mentes das pessoas numa estrutura social que
ciais no relacionamento com os diversos stakeholders. valoriza imagens de representação e a manipulação de
Faz um balanço positivo dos projetos sociais desen- símbolos (Castells, 1999).
volvidos, embora não disponibilize publicamente o Sob a tipologia proposta por Sethi (1975) acerca do
balanço social. De acordo com Puppim (2003), a pu- desempenho social das corporações, a organização
deste estudo de caso pratica um conjunto de ações porações, que na realidade se encerra nas relações de
enquadradas na definição de obrigação social, parti- poder que envolvem grupos de pressão na sociedade,
cularmente na compreensão das normas éticas como é traduzido pela visão hegemônica da gerência. Por-
estritamente associadas ao padrão estabelecido pela tanto, a pressão dos influenciadores externos sobre a
gerência da organização, na postura de resposta às pres- organização é importante não só para a rediscussão
sões sociais, ignorando a insatisfação de agentes polí- da governança corporativa, mas também para com-
ticos referenciados na sociedade. Isso conduz à pensar o poder resultante das prerrogativas de natu-
priorização da execução de projetos filantrópicos nas reza gerencial.
comunidades em substituição à formação de parcerias
objetivando o fortalecimento da economia regional. Na
realidade, o comportamento da organização em rela-
ção à ideologia da responsabilidade social é motivado
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Epaminondas Bittencourt
Secretário de Administração e Recursos Humanos, Prefeitura Municipal de Nova Lima – MG e membro
do GGI/UFMG-CEPEAD. Mestre em Administração pela UFMG-CEPEAD.
Interesses de pesquisa nas áreas de relações de poder, identidade, liderança e cultura organizacional.
E-mail: ebn@cepead.face.ufmg.br
Endereço: Rua Curitiba 832, Centro, Belo Horizonte – MG, 30170-120.
Alexandre Carrieri
Professor da UFMG-CEPEAD e coordenador do GGI/UFMG-CEPEAD. Doutor em Administração pela
UFMG-CEPEAD.
Interesses de pesquisa nas áreas de cultura e identidade organizacional.
E-mail: alexandre@cepead.face.ufmg.br
Endereço: Rua Curitiba 832, Centro, Belo Horizonte – MG, 30170-120.