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Como o World Business Council for Sustainable Development ou o Institute of Social and Ethical Accountability.
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Como o Dow Jones Sustainability Index ou o Ethibel Sustainability Index.
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De que são exemplo o Global Reporting Initiative ou o Global Compact promovido pela ONU.
4
Como o Journal of Business Ethics, o Business & Society ou o Business Ethics Quarterly.
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Responsabilidade Social das Empresas e Valores Humanos
Embora a teoria ética seja, desde a origem, por natureza e por condição, uma
disciplina filosófica, os seus fundamentos contribuíram amplamente para o avanço do
conhecimento em outras disciplinas, tais como a sociologia e, mais recentemente, a
administração de empresas. A ética empresarial sugere uma aplicação dos princípios das
doutrinas éticas à atividade empresarial, adotando-os como critério de avaliação moral das
ações praticadas nesse contexto. Srour (2000) define, a este respeito, a moral como um
conjunto de valores, regras de comportamento e códigos de conduta que coletividades
adotam, e a ética como uma reflexão teórica sobre a validade filosófica da moral, concluindo
que a ética empresarial consistirá, portanto, no estudo da moral que guia a conduta das
empresas e na apreciação crítica dessa moral em termos filosóficos5. Assim, as práticas
empresariais inscrevem-se no âmbito da ética empresarial quando os efeitos que produzem ou
possam vir a produzir impactam no bem-estar ou na qualidade de vida de indivíduos e de
coletividades.
5
A conduta das empresas será, necessariamente, um reflexo de decisões individuais e manifesta-se no comportamento das
pessoas que a compõem enquanto agentes dessas decisões. Neste sentido, dado que a ética e a moral são conceitos aplicáveis
apenas a pessoas e não a organizações, sempre que, por simplificação de linguagem, for referido um comportamento
empresarial, este deve ser entendido como a manifestação, no plano organizacional, das decisões e ações individuais. Estas
sim, sujeitas a avaliação ética.
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Solomon (1993) distingue três níveis de ética empresarial: o micronível – que se ocupa de avaliar a justiça das trocas
individuais e as obrigações que comprometem as partes envolvidas nas transações; o macronível – que analisa a economia de
forma agregada, procurando compreender a natureza do mundo dos negócios e as suas funções específicas; e o nível molar –
que está centrado na empresa como unidade básica da economia e que se dedica a estudar o seu papel na sociedade. Apesar
desta distinção ajudar a compreender a diversidade das preocupações que integram o campo da ética empresarial, nem
sempre é possível estabelecer fronteiras nítidas entre os três níveis ou limitar a reflexão ética apenas a um deles.
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acionistas, centrando todo o esforço organizacional neste fim. Srour (2000) refere que o
objetivo da reflexão ética é “libertar os agentes sociais da prisão do egoísmo que não se
importa com os efeitos produzidos sobre os outros” (2000: p. 29), destacando, desta forma, a
importância da ética no combate filosófico ao egoísmo de algumas morais. Se a ética busca
esta libertação do egoísmo, no plano empresarial a concepção clássica de RSE parece
corresponder precisamente a um esforço idêntico, implicando uma filosofia gerencial que não
seja auto-centrada e que integre nos seus planos preocupações de natureza social e ambiental.
Neste sentido, a RSE é uma questão com raízes filosóficas, constituindo, talvez, o eixo central
de todo o campo da ética empresarial, uma vez que a generalidade dos comportamentos
empresariais eticamente questionáveis pode ser avaliada à luz da sua adequação aos requisitos
impostos pelas responsabilidades da empresa perante a sociedade. Esta abordagem remete a
RSE para a esfera do comportamento empresarial que depende significativamente das
preferências e escolhas dos seus dirigentes quanto ao formato e aos limites da relação que
pretendem estabelecer e desenvolver entre a empresa e a sociedade.
Neste sentido, tal como sugere Ventura (2005), o movimento pela RSE pode ser visto
como uma crítica, motivada por circunstâncias sociais, políticas e econômicas dos tempos
modernos, que promove um deslocamento do capitalismo para uma nova configuração
socialmente legitimada. Para um trabalhador, a motivação material da remuneração salarial
constitui razão suficiente para manter o seu emprego, mas não para dedicar-se a ele, tornando-
se necessário mostrar que a busca e obtenção de lucro pode ser desejável e digna de mérito,
não se limitando aos motivos e estímulos econômicos. A RSE parece fornecer, assim, o
argumento moral do bem comum que oferece uma justificativa situada além da motivação
material e que legitima o modelo capitalista (VENTURA, 2005). Esta interpretação do
movimento de RSE questiona o seu significado na sociedade, nas suas formas de organização
e nos seus modelos de desenvolvimento. No entanto, embora contribua para clarificar o que
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A busca de legitimação não parece, por si só, determinar a não desejabilidade das
práticas que a RSE inspira, mas apenas caracteriza as razões conscientes ou inconscientes que
motivam o discurso e a ação. Estas razões constituem apenas uma forma, entre várias, de
justificar o exercício da RSE. No cotidiano da vida empresarial, as decisões de gestão que têm
alguma relação com os princípios de RSE têm origem em motivações complexas que
sobrepõem valores pessoais e razões estratégicas, desejos de integração e de legitimação
sistêmica da ação. Nestes termos, as justificativas para o exercício da RSE podem ser
distinguidas segundo a origem da sua motivação, a qual pode ser interna (se resulta
essencialmente de uma resposta a um estímulo interno à organização) ou externa (se resulta
principalmente de uma pressão originada no exterior). As fronteiras entre a natureza das
motivações que justificam a RSE não devem ser entendidas como limites rígidos que não
permitem interferência simultânea de diversas motivações numa mesma estratégia ou política
empresarial. O Quadro 1 apresenta uma simplificação das justificativas da RSE, de acordo
com a sua origem e o nível de análise das suas implicações.
Origem
Interna Externa
Integração Legitimação
Macro
(Promove Aceitação) (Legitima Sistema)
MOTIVO
Idealista
CENTRO DE
RESPONSABILIDADE
Corporativo Individual
Estratégico
Do ponto de vista filosófico, a ética é uma disciplina integrada no campo mais amplo
da teoria dos valores humanos. Segundo Hessen (2001), a Teoria dos Valores é uma das
grandes categorias do pensamento filosófico, tratando de três dimensões fundamentais da vida
humana que implicam juízos de valor: a Ética, a Estética e a Religião. Nestas três áreas, a
reflexão envolve preferências subjetivas baseadas no sistema de valores pessoais. Na Ética,
em particular, o objeto de estudo é a ação humana e a interação social, tomando como critério
o impacto do comportamento individual no bem-estar coletivo e no bem-estar do próprio
indivíduo que o pensa e produz. A Ética é, portanto, a parte da Teoria dos Valores que
procura definir o que é o “bem” e quais os princípios que devem regular a conduta no sentido
de alcançá-lo. Assim, embora possam ser estudados separadamente, os conceitos de ética e de
valor estão intimamente relacionados, devendo aceitar-se que, quando se fala em valores
humanos, neles se inclui também a sua dimensão ética.
Nos termos descritos, o sistema de valores de cada indivíduo está presente em diversas
facetas da sua vida, manifestando-se nas suas escolhas e na forma como se relaciona com as
outras pessoas em sociedade. No contexto empresarial, os valores pessoais influenciam a ação
gerencial, adquirindo especial relevância quando se trata da definição de estratégias com
implicações diretas no quadro de responsabilidades sociais da empresa. Esta relação entre
valores pessoais – em especial, os valores de natureza ética – e administração de empresas
parece tão evidente quanto difícil de identificar, dada a complexidade de fatores que
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Da Filosofia
seiva vivificante, em todo o homem normal e ainda não corrompido” (HESSEN, 2001: p. 33).
No entanto, o autor defende a reflexão crítica sobre os valores como forma de
desenvolvimento pessoal, afirmando que a consciência imediata dos valores beneficiará com a
investigação sistemática dos problemas de natureza axiológica, transformando em “saber
consciente e sólido” o que a princípio é apenas um “sentimento confuso” ou “um vago
pressentimento” (HESSEN, 2001: p. 34). Esta visão parece coincidir com as pretensões da
educação do caráter recomendadas pela ética aristotélica das virtudes.
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Tradução livre.
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Tradução livre.
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Da Psicologia
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Tradução livre.
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conceptual que esta amplificação do significado axiológico possa ter reforçado, a psicologia
aprofundou o conhecimento sobre as implicações comportamentais do sistema de valores e
forneceu meios operacionais para estudá-los empiricamente. As fronteiras e a essência do
conceito ainda não estão esclarecidos, mas existe uma maior consciência da sua interferência
na vida coletiva e da importância que os valores assumem na explicação e até transformação
de hábitos e de condutas.
informações que eles recebem do ambiente envolvente. A autora conclui que os valores
constituem as “variáveis de referência com as quais podemos entender melhor as decisões
tomadas no interior das empresas: a sua direção, o seu alcance e, mesmo, o seu limite”
(LEONE, 1991: p. 112). Assim se justifica também a pertinência de estudar o sistema de
valores dos dirigentes empresariais a fim de compreender as razões subjacentes e implícitas
da sua conduta e das suas escolhas estratégicas.