Você está na página 1de 16

Aprendizagem em Rede no Setor de Reciclagem: a interação entre Cooperativas, ONGs e

Empresas Líderes
Autoria: Angela Maria Maurer, Guillermo Cruz

Resumo
As parcerias sociais são alternativas para as grandes empresas estarem potencializando suas ações
de Responsabilidade Social Corporativa, principalmente com iniciativas que impulsionem
empreendimentos baseados em comunidade. Adotando uma ONG destaque no setor de
reciclagem como estudo de caso, este artigo buscou analisar a aprendizagem entre os atores de
uma rede de parcerias deste setor. Constatou-se que a rede da ONG é composta por empresas
líderes, cooperativas, uma ONG e um instituto. Os processos de aprendizagem identificados
apresentaram-se de forma distinta, dependendo do tipo de relação e de atores envolvidos. Ainda,
as cooperativas demonstraram uma maior variedade de formas de aprendizado.

1
Introdução
É visível a dificuldade de se encontrar grandes empresas que não tenham em seu portfólio
de informações palavras como sustentabilidade, desenvolvimento sustentável ou stakeholders. A
similariedade no discurso das empresas advém da preocupação que elas estão crescentemente
tendo em inserir os direcionadores social, ambiental e econômico de Responsabilidade Social
Corporativa (RSC) em suas estratégias ou ações. A tendência de RSC vem sendo desenvolvida de
forma mais significativa desde a década de 1990, principalmente em países norte-americanos e
europeus. Mas, no Brasil, as discussões de RSC já perpassam empresas de diversos portes,
comunidades científicas, entidades empresariais e até mesmo representantes do Governo.
Uma das maneiras de as empresas estarem desenvolvendo programas de RSC é por meio
de parcerias estabelecidas entre organizações de, até mesmo, diferentes setores. Diversos autores
(JAMALI; KESHISHIAN, 2009; SEITANIDI; KOUFOPOULOS; PALMER, 2010) enfatizam a
possibilidade de serem desenvolvidas parcerias entre empresas e organizações não-
governamentais (ONGs) no contexto de RSC. Neste sentido, o relacionamento entre essa
diversidade de atores pode ser compreendido como uma rede que apresenta fluxos específicos
para a realização de atividades de responsabilidade social. Com essas parcerias sociais, as
empresas podem potencializar o impacto de suas iniciativas de RSC, principalmente se apoiarem
e incentivarem empreendimentos baseados em comunidades (EBCs), os quais são tidos como
soluções alinhadas aos pressupostos de sustentabilidade, visto que proporcionam renda e trabalho
a comunidades locais, ao mesmo tempo em que utilizam de forma consciente os recursos naturais
que estão à sua disposição (PEREDO; CHRISMAN, 2006). Mas para que os EBCs possam fazer
uso da contribuição de outros atores, os seus membros devem aprender novas técnicas ou
conhecimentos, por exemplo.
Para compreender a aprendizagem, existem diversas abordagens teóricas, com diferentes
processos e níveis, podendo, por exemplo, ter como foco apenas o indivíduo e as formas como
este absorve conhecimento ou mesmo o indivíduo como parte de um grupo (seja esse grupo uma
organização, uma comunidade ou a sociedade como um todo). Ao nível individual, o aprendizado
pode ser interpretado através da consideração da influência de fatores ambientais (SKINNER,
2007), de fatores cognitivos ou da interação entre ambos (PAJARES; OLAZ, 2008). Alterando-se
a unidade de análise para a organização, pode-se observar os diferentes mecanismos de
aprendizado que acontecem em um organização, enquanto a mesma busca a otimização de seus
processos e a criação de uma vantagem competitiva. Outro nível de análise do processo de
aprendizado considera a natureza sócio-histórica deste, onde o aprendizado dos indivíduos é
função da participação destes em “processos sociais formados por cultura e história” (ELKJAER,
2003, p.46) e pela participação em “comunidades de prática” (WENGER, 1998, 2000).
Finalmente, considerando-se as demandas dos EBCs por práticas empreendedoras é relevante a
contribuição de outra corrente téorica: a da aprendizagem empreendedora (PITTAWAY et al.,
2011), a qual aproxima a vasta literatura existente sobre processos de aprendizado com as
correntes teóricas do empreendedorismo.
Diante do exposto, este artigo tem como objetivo analisar a aprendizagem entre os atores
de uma rede de parcerias do setor de reciclagem. Para alcançar o objetivo proposto, foi realizado
um estudo de caso na ONG Centro Apoio Profissional Multidisciplinar (CAMP), localizada em
Porto Alegre – RS. O setor escolhido referiu-se ao de materiais recicláveis pela crescente
preocupação com a destinação do lixo produzido pelas sociedades, além de as cooperativas de
2
reciclagem realizarem um trabalho de grande importância para a sustentabilidade, contribuindo
para o aumento da quantidade de materiais recicláveis coletados. O presente artigo foi, então,
organizado da seguinte forma: na primeira seção são discutidos aspectos relacionados às redes e
às parcerias sociais para a implantação de iniciativas de RSC, sendo destacado o papel dos
empreendimentos baseados em comunidades; na segunda, compete discutir os diferentes
processos de aprendizagem; na terceira, exibem-se os procedimentos metodológicos adotados no
estudo; a quarta seção,cabe abordar os resultados obtidos; e, por fim, procede-se com as
considerações finais.

1 Parcerias sociais para a implementação de iniciativas de RSC


Por mais que os programas de RSC geralmente visem atender demandas sociais e
ambientais de um determinado local ou país, questões ambientais e sociais (como pobreza,
educação, meio ambiente, saúde) muitas vezes apresentam um alto grau de complexidade para
serem resolvidos por apenas uma empresa. É neste contexto que as parcerias sociais podem
contribuir para a melhoria dos impactos positivos de RSC, apresentando-se como uma alternativa
viável para as corporações interessadas em potencializar suas iniciativas de RSC (SEITANIDI;
KOUFOPOULOS; PALMER, 2010; JAMALI; KESHISHIAN, 2009). Essas parcerias podem
ocorrer de distintas formas, com a participação de dois ou mais setores da economia. Seitanidi e
Crane (2009) destacam quatro diferentes tipos de parcerias sociais: (1) Parceria Público-Privado
(PPP); (2) Parceria entre organização não-governamental e Governo; (3) Parceria entre
organização não-governamental e empresa; e (4) Parceria tripartite, com o envolvimento dos três
setores atuando em colaboração para suplantar uma determinada questão social ou ambiental.
De forma específica, as parcerias entre ONGs e empresas apresentam diversas
peculiaridades devido às suas diferenças de objetivos, funcionamento e posicionamento. As
ONGs geralmente apresentam um posicionamento contrário ao das empresas, mas há evidências
de que elas vêm atenuando esse estilo adversário, estando mais dispostas a colaborarem com as
corporações (JAMALI; KESHISHIAN, 2009). Outra característica é que as ONGs basicamente
dependem de contribuições voluntárias de empresas, de fundos ou de indivíduos para realizarem
suas atividades (RIVERA-SANTOS; RUFÍN, 2010). As empresas, por outro lado, obtêm receitas
financeiras através da comercialização de bens ou serviços.
Apesar das diferenças destacadas, diversas razões são apontadas para a formação de
parcerias entre empresas privadas e ONGs. As empresas podem aumentar a legitimidade de suas
ações de RSC, assim como podem aprimorar seu status social e de reconhecimento, e obter novas
oportunidades de aprendizagem no contexto de RSC. Já as ONGs podem aumentar as
possibilidades de obter mais recursos, levando em consideração as necessidades sociais, as forças
ambientais hostis e as sérias preocupações ambientais (JAMALI; KESHISHIAN, 2009). Além
disso, essas organizações sociais podem aprimorar sua credibilidade, melhorar o acesso a redes e
contatos e facilitar a aquisição de informações (SEITANIDI; KOUFOPOULOS; PALMER,
2010). Assim sendo, as motivações das ONGs tendem a ser mais altruístas, enquanto que as
motivações das empresas são predominantemente de interesse próprio (SEITANIDI;
KOUFOPOULOS; PALMER, 2010).
Além das motivações que os atores podem apresentar para a formação de uma parceria,
Jamali e Keshishian (2009, p. 279) destacam que “uma parceria é um tipo de colaboração para se
alcançar objetivos comuns, enquanto são alavancados recursos conjuntos e capitaneados nas
3
respectivas competências e pontos fortes de ambos os parceiros”. Neste contexto, os principais
pontos fortes e competências das empresas é a grande quantidade de recursos à sua disposição,
eficiência gerencial, expertise técnica, criatividade, dinamismo e acesso a financiamentos. Já as
ONGs possuem expertise e conhecimento a respeito do que é preciso para ser feito no campo, são
orientadas por suas missões e são mais passíveis de auxiliarem na redução da pobreza.
Independente do tipo específico de parceria formado, os atores envolvidos acabam por se
relacionar em uma espécie de rede, o que possibilita a utilização dessa perspectiva para a análise
dos relacionamentos interorganizacionais voltados para RSC. Tradicionalmente conhecida pelo
trabalho de Mark Granovetter, em 1985, a perspectiva de redes dedica-se a compreender “o
conjunto de atores ou nós, juntamente com o conjunto de laços de um tipo específico que os
conecta” (BORGATTI; HALGIN, 2011, p.2). Para analisar uma determinada rede, diferentes
níveis de interação podem ser utilizados como referência. Ritter e Gemünden (2003) afirmam que
a análise do nível interorganizacional pode ser feita através de um episódio de interação, de uma
díade de relacão, de um portfólio de relacionamentos ou de uma rede de interações ou empresas.
Por outro lado, Borgatti e Halsin (2011) classificam o nível de análise dos laços sociais em dois
tipos: estados e eventos.
Os laços tipo-estado referem-se aos laços de parentesco (por exemplo, irmão), outros
laços baseados em papéis (por exemplo, chefe ou amigo), cognitivo (por exemplo, um conhecido)
e afetivo (por exemplo, quando se gosta ou não gosta de alguém). Os laços tipo-evento, por outro
lado, dizem respeito apenas a interações (por exemplo, enviar um e-mail ou aconselhar alguém)
ou a transações (por exemplo, assinar um acordo ou realizar uma venda). Desta maneira, os laços
tipo-estado são contínuos ao longo do tempo e podem ser dimensionalizados em termos de força,
intensidade e duração. Já os laços tipo-evento possuem uma natureza discreta e transitória e
podem ser dimensionalizados em termos de frequência (BORGATTI; HALSIN, 2011). A partir
do mapeamento dos laços sociais que fazem parte de uma determinada rede, é possível identificar
os fluxos que passam por entre os nós quando estes interagem, como ideias ou bens
(BORGATTI; HALSIN, 2011).
Desta forma, os laços estabelecidos entre diferentes atores para a implantação de
iniciativas de RSC podem apresentar variações no número de nós, nos tipos de laços, no conteúdo
dos fluxos entre os nós e na intensidade entre cada laço e, até mesmo, no objetivo dos
relacionamentos com cada um dos nós. Um dos objetivos que pode ser identificado nas parcerias
formadas entre ONGs e empresas é o de apoiar e/ou incentivar empreendimentos baseados em
comunidade (EBC), que são potenciais estratégias para o desenvolvimento local sustentável.
Peredo e Chrisman (2006, p.310) definem EBC como sendo “uma comunidade que atua de forma
corporativa, como ambos empreendedor e empreendimento na busca do bem comum”. Assim,
um EBC é o resultado de um processo no qual uma determinada comunidade atua de forma
coletiva para criar e operar um novo empreendimento imbricado (embedded) em sua estrutura
social (PEREDO, 2003). Eles são baseados em habilidades já existentes nas comunidades,
possuem uma multiplicidade de objetivos e são dependentes da participação dos membros, na
medida em que esta característica pode aumentar o senso de propriedade dos participantes
(PEREDO; CHRISMAN, 2006).
Como os EBCs visam principalmente o desenvolvimento sustentável de comunidades
carentes, diversas dificuldades, de variadas naturezas, podem ser enfrentadas por seus membros.
Peredo e Chrisman (2006) sugerem que representantes do governo, ONGs e outros atores podem
4
estar atuando de forma a beneficiar a operação de um determinado EBC, e Tracey, Phillips e
Haugh (2005) mencionam que as empresas podem também auxiliar os EBCs. No entanto, para
que os empreendimentos sejam beneficiados (não somente de forma filantrópica), deve ocorrer
um processo de aprendizagem por parte de seus membros.

2 Os processos de aprendizagem
Os processos de aprendizagem são abordados na literatura de maneira variada, levando
em consideração diferentes enfoques e níveis de análise. Diante dessas diversas abordagens, as
organizações, ao estabelecerem parcerias sociais, acabam por participar de processos individuais,
sociais e organizacionais de aprendizagem. Além disso, um dos principais objetivos dos EBCs é a
capacidade dos envolvidos se tornarem empreendedores. Nesse sentido, Pittaway et al. (2011)
sugerem que existe um tipo específico de aprendizagem para os indivíduos interessados em
empreender: a aprendizagem empreendedora. A presente discussão de aprendizagem insere,
portanto, elementos dessas diferentes vertentes teóricas de aprendizagem.

2.1 Aprendizagem Individual, Organizacional e Social


Uma possibilidade na análise dos processos de aprendizado individual é a consideração da
influência que o ambiente exerce no comportamento dos seres humanos. Tal visão retoma a obra
de Skinner (2007), o qual considerava que “as variáveis das quais o comportamento humano é
função estão no ambiente” (p.307). Desta forma, os seres humanos seriam moldados e
controlados por forças ambientais, não havendo influências significativas cognitivas ou
fisiológicas no seu comportamento. O processo de aprendizagem envolveria, então, conexões
entre os diversos sinais recebidos pelos indivíduos dentro de um determinado contexto e as
múltiplas interpretações possíveis que, por sua vez, irão determinar suas ações neste ambiente
(ANTONACOPOULOU; CHIVA, 2007).
Outra possibilidade de análise pode ser obtida da Teoria Social Cognitiva cujo precursor é
Albert Bandura. Para ele, o comportamento dos indivíduos não era movido apenas por forças
ambientais ou por impulsos cognitivos, mas era resultado da interação de influências pessoais,
comportamentais e ambientais (PAJARES; OLAZ, 2008). O principal mecanismo de aprendizado
individual é o “aprendizado observacional”, o qual consistiria no aprendizado dos indivíduos em
um ambiente social resultante da observação e imitação dos outros. Neste contexto, a observação
e imitação tornam-se importantes para o aprendizado, visto que seria demasiado trabalhoso
aprender somente por meio das próprias ações (BANDURA, 1977).
A aprendizagem organizacional é muito mais complexa e dinâmica que a aprendizagem
individual (HANNAH; LESTER, 2009). Argyris e Schön são alguns dos autores mais conhecidos
na temática aprendizagem organizacional e, para eles, o aprendizado organizacional ocorre entre
os indidivíduos que fazem parte da organização através de ações baseadas em uma série de
modelos compartilhados. Ainda, segundo estes autores, o aprendizado organizacional pode ser
visto como um processo de detecção e correção de erros (ARGYRIS; SCHÖN, 1978). Tal
perspectiva apresenta duas formas principais de aprendizado: Single-loop e Double-loop. A
primeira diz respeito ao processo de correção de erros usuais, apenas realizando a aplicação de
mecanismos de ajuste vigentes sem questionamentos. Como exemplo, pode-se pensar em um
software de correção de erros na medida da vazão de gás natural. Já os mecanismos de double-
loop dizem respeito aos casos em que esses processos se mostram não ser eficientes, precisando
5
ser otimizados, ou alterados de forma a se obter maior precisão na correção de erros (ARGYRIS,
1977). A otimização ocorre, portanto, diretamente no processo de correção de erros, e não no
objeto, esquema ou rotina que está sendo corrigido por este processo. Utilizando o mesmo
exemplo, um mecanismo de double-loop consistiria na alteração do próprio software.
De forma diferente das abordagens de aprendizado organizacional descritas
anteriormente, onde há um foco no fluxo de conhecimento e na correção de processos/rotinas
internos a organização, outras correntes teóricas focam nos processos através dos quais ocorre o
compartilhamento de concepções no ambiente externo da organização e na importância de fatores
sociais. Um exemplo dessa frente teórica é o trabalho de Wenger (2000), segundo o qual, o que
as pessoas sabem depende da existência de um órgão complexo e extremamente desenvolvido
como o cérebro, mas também de um sistema social, cultural e histórico bastante complexo que
possibilita a acumulação de conhecimento ao longo do tempo. O conhecimento ou, mais
especificamente, o ato de saber, consiste por essa perspectiva na participação em “sistemas
sociais de aprendizagem”, envolvendo competências sociais específicas compartilhadas com uma
comunidade e a experiência pessoal de cada ator. Nesse aspecto, o autor define a aprendizagem
como sendo “uma interação entre competência social e experiência pessoal. É uma relação
dinâmica e de duas vias entre as pessoas e os sistemas sociais de aprendizagem em que eles
participam” (WENGER, 2000, p. 227).
Dessa forma, torna-se relevante o papel desempenhando pelo que Wenger chama de
“comunidades de prática” no aprendizado organizacional. Tais comunidades existem em qualquer
organização (podendo haver várias em uma mesma organização), e representam as práticas
culturais compartilhadas que agrupam indivíduos em uma unidade social. Dentre as práticas
compartilhadas está um repertório de recursos (rotinas, vocabulário, estilos, etc.) desenvolvido
pelos membros da comunidade ao longo do tempo (WENGER, 1998). As comunidades de prática
contribuem no processo de criação, acumulação e difusão do conhecimento em uma organização,
provenientes das diferentes interações entre indivíduos dentro ou fora da organização que fazem
parte de variadas comunidades. A aprendizagem pode ocorrer, então, por meio de processos
formais e informais, sendo que Eraut (2000) constatou que a maior parte do aprendizado humano
é decorrente de aprendizado não-formal.

2.2 Aprendizagem empreendedora


Buscando enfatizar uma perspectiva de aprendizagem mais voltada para o campo do
empreendedorismo, Pittaway et al. (2011, p.41) discorrem sobre a aprendizagem empreendedora,
que eles definem como sendo “a aprendizagem que ocorre através da experiência quando a ação é
direcionada a um novo negócio”. Essa aprendizagem envolve ações e experiências de negócios
que impactam na percepção e criam mudanças no self dos agentes empreendedores, em outras
pessoas envolvidas e também em indivíduos que estão próximos aos idealizadores de novos
negócios. Por mais que essa abordagem seja orientada para novos empreendimentos, é possível
perceber a importância de diversos de seus componentes para continuidade de negócios, visto que
os empreendedores necessitam aprender de forma continuada para obterem sucesso em suas
organizações. O Quadro 01 visa apresentar os componentes primordiais da aprendizagem
empreendedora de Pittaway et al. (2011) e as principais características de cada um deles,
enfatizando também a contribuição de outros autores da vertente do empreendedorismo.

6
Componente Descrição
Empreendedores são pessoas voltadas para a ação, cujo aprendizado ocorre principalmente
Orientação para a
pela experiência (COPE 2003). Aqui destacam-se três componentes: (a) a ação de fazer; (b) a
ação e experiência
experiência ganha na ação realizada; e (c) o aprendizado acumulado através da experiência.
Empreendedores passam por um aprendizado acelerado e transformador em períodos
Erros, crises e particulares de crise ou durante momentos de dificuldade. Deakins e Freel (1998) destacam a
fracasso importância da habilidade de empreendedores em aprender com suas decisões, erros e
experiência para o crescimento de pequenas e médias empresas.
O aprendizado tende a ser mais efetivo quando os atores refletem a respeito de suas
experiências. Assim, os empreendedores que são mais reflexivos tendem a ser aprendizes
Reflexão na mais eficientes (COPE, 2003). A reflexão pode advir: (a) da observação do self em relação aos
experiência outros indivíduos; (b) da observação do self no contexto de ação; (c) por observações dos
aprendizados obtidos durante sua experiência; ou (d) por intermédio de meta-observações
capazes de alterar os frames de referência aceitos pelo indivíduo (DEFILLIPPI, 2001).
Uma importante característica empreendedora é a capacidade de identificar e explorar
Oportunidades e
oportunidades (SMILOR, 1997). Na aprendizagem empreendedora, a capacidade de ver
solução de problemas
oportunidades e engajar na solução de problemas é geralmente aprendida por meio da prática.
O empreendedorismo é um processo não-linear e discontínuo (DEAKINS e FREEL, 1998)
Incerteza, sendo frequentemente definido em função dos riscos, da ambiguidade e da incerteza nos
ambiguidade e primeiros estágios do negócio. Também é um processo que envolve uma alta carga emocional
exposição emocional (COPE e WATTS, 2000), havendo uma íntima relação entre o bem estar emocional e
financeiro do empreendedor, de sua família e a boa performance nos negócios (COPE, 2003).
O aprendizado empreendedor deve ser visto como um fenômeno social no qual o
Prática Social e
empreendedor e os outros profissionais operam em comunidades socias de prática, em
Engajamento Social
constante engajamento social.
Conforme as pessoas vão sendo reconhecidas como empreendedoras, sua identidade, tanto
Auto-eficácia e para si quanto para os outros, vai sendo reinventada. Assim, destaca-se o papel desempenhado
intencionalidade pela auto-eficácia, ou seja, a auto-confiança proveniente da crença do indivíduo em sua
capacidade de coordenar uma atividade ou negócio de maneira bem sucedida (RAE, 2002).
Quadro 01 - Componentes da aprendizagem empreendedora.
Fonte: Elaborado com base em Pittaway et al. (2011).

Após a apresentação das abordagens teóricas selecionadas para o desenvolvimento do


presente artigo, cabe à próxima seção apresentar os procedimentos metodológicos adotados para
a realização da pesquisa empírica.

3 Procedimentos Metodológicos
Para alcançar o objetivo de analisar a aprendizagem entre os atores de uma rede de
parcerias do setor de reciclagem, adotou-se como estratégia a realização de estudo de caso. De
acordo com Eisenhardt (1989), o método de estudo de caso busca entender a dinâmica presente
dentro de uma única configuração, sendo utilizado para compreender questões complexas de
forma mais aprofundada (YIN, 2005). O estudo de caso também permite que os pesquisadores
organizem dados sociais sem, no entanto, violar as peculiaridades unívocas de uma conjuntura,
assim conservando as características unitárias do fenômeno social (MITCHELL, 1983).
Yin (2005) também postula que os pesquisadores podem basear-se em estudos de casos
únicos ou múltiplos. Optou-se pela realização de um estudo de caso único pelo fato de a
organização focal envolver algumas das empresas mais importantes do Rio Grande do Sul e
cooperativas que também se destacam. O ator focal é a organização não-governamental Centro

7
Assessoria Multi Profissional (CAMP), que se localiza em Porto Alegre. Essa organização
intermedia as ações de corporações e de cooperativas, desempenhando um importante papel no
setor de reciclagem do RS.
Os estudos de casos tipicamente combinam diversos métodos de coleta de dados, como
arquivos, entrevistas, questionários e observações (EISENHARDT, 1989). Yin (2005) também
argumenta que diversas fontes de evidência são necessárias para a realização da triangulação dos
dados. O presente estudo, portanto, baseou-se na coleta de dados primários e secundários. Os
dados secundários foram obtidos por meio de websites e de documentos fornecidos pelas
organizações envolvidas na pesquisa. Já os dados primários foram coletados por meio de
entrevistas semiestruturadas, as quais possuem certo grau de estruturação e se guiam por pontos
de interesse que o pesquisador vai explorando ao longo da própria entrevista (GIL, 2008). O
roteiro semiestruturado foi construído de acordo com as seguintes opções teóricas: tipo e
características de parcerias, laços tipo-eventos de Borgatti e Halsin (2011), características dos
EBCs e processos de aprendizagem individual, organizacional, social e empreendedor.
Foram realizadas 07 entrevistas entre dezembro de 2011 e janeiro de 2012, com uma
média de 30 minutos cada uma delas. O primeiro contato ocorreu com o Consultor do Instituto
Vonpar, que indicou o Coordenador do CAMP para ser entrevistado. As demais entrevistas
ocorreram por meio da indicação do Coordenador do CAMP. Posteriormente, as entrevistas
foram inteiramente transcritas. O Quadro 02 visa apresentar o perfil dos entrevistados de acordo
com a função ou cargo, organização, idade e escolaridade dos entrevistados. Cabe ressaltar que
apesar deste estudo apresentar apenas 03 cooperativas de reciclagem, a atual rede de cooperativas
do CAMP possui um número superior a 30 cooperativas assessoradas.

Função ou cargo Organização Idade Grau de Escolaridade


Coord. do Projeto Recicla Brasil CAMP 34 anos Ensino Superior Completo
Coord. de Projetos Sociais Braskem 40 anos Ensino Superior Completo
Consultor do Instituto Vonpar Instituto Vonpar 52 anos Pós-Graduação Completo
Assessora de Organizações Aliadas Aliança Empreendedora 27 anos Pós-graduação Completo
Coord.da COOARLAS COOARLAS 40 anos Ensino Técnico Incompleto
Coord. da COOPERNOVA COOPERNOVA 36 anos Ensino Médio Completo
Vice-Presidente da COOLABORE COOLABORE 46 anos Ensino Fund. Incompleto
Quadro 02 - Função ou cargo, organização, idade e escolaridade dos entrevistados.

A análise dos dados coletados foi feita à luz das abordagens teóricas discutidas nas seções
1 e 2 deste estudo. Para realizar essa análise, estabeleceram-se macrocategorias de orientação: (a)
características da rede e os tipos de laços estabelecidos com o CAMP; e (b) a aprendizagem entre
os atores da rede estabelecida no setor de reciclagem. Destaca-se, ainda, que a aprendizagem foi
analisada de acordo com as subdivisões abordadas na seção 2: individual, organizacional, social e
empreendedora.

4 Apresentação dos resultados


A apresentação dos resultados do presente artigo será feita de acordo com as
macrocategorias estabelecidas nos procedimentos metodológicos: (a) análise da rede de parcerias
sociais e seus elementos; e (b) análise da aprendizagem entre os atores da rede de parcerias
sociais estabelecida em detrimento do trabalho do CAMP.
8
4.1 A rede para a implementação de projetos sociais de reciclagem
O CAMP é uma ONG que foi formada em 1983 e que tem como objetivo contribuir e
apoiar processos de organização coletiva em prol do fortalecimento da democracia, da justiça
social e da sustentabilidade ambiental. Um dos principais projetos atualmente coordenados por
essa organização é o Recicla Brasil-Sul, no qual uma equipe é responsável por acompanhar
projetos de reciclagem junto a cooperativas e associações localizadas no Estado do Rio Grande
do Sul (CAMP, 2012). Esse projeto foi inicialmente concebido no ano de 2008, por meio de uma
parceria com o Instituto Vonpar, que contratou o CAMP para realizar atividades de monitoria e
auditoria de alguns grupos de reciclagem que são escolhidos através da seleção de projetos
baseados em suas necessidades.
O Instituto Vonpar foi estruturado pela Vonpar Bebidas em 2008, que é a fabricante e a
distribuidora da linha Coca-Cola em grande parte dos territórios gaúcho e catarinense.
Localizado em Porto Alegre, o instituto tem o intuito de profissionalizar as ações de
responsabilidade social da Vonpar, e o seu foco de atuação é na inclusão econômica e a geração
de renda por meio da reciclagem de materiais reaproveitáveis (VONPAR, 2012). Devido ao
conhecimento específico do CAMP em ações com grupos de reciclagem, o Instituto Vonpar
buscou os seus serviços para realizar parte de suas ações de RSC, conforme ressaltou o Consultor
do Instituto Vonpar: “por sua proximidade com os temas do empreendedorismo popular, acesso
as populações pobres e por larga experiência no tema da reciclagem de materiais”. Desta forma, o
principal diferencial do CAMP tornou-se o conhecimento a respeito do seu campo de atuação, o
que é destacado como o principal diferencial das ONGs (JAMALI; KESHISHIAN, 2009).
Por outro lado, uma das principais razões para o CAMP relacionar-se com empresas deve-
se ao fato de o Coordenador do projeto Recicla possuir mais facilidade de comunicar-se com
empresas do que com órgãos públicos, sendo uma das únicas pessoas da ONG com esta
capacidade. Essa ideologia distinta da presente no setor privado, apresentada por grande parte dos
membros do CAMP, vai ao encontro do que postula Jamali e Keshishian (2009). Quanto aos
laços estabelecidos entre o Instituto Vonpar e o CAMP, principalmente nas pessoas do Consultor
da Vonpar e do Coordenador do projeto Recicla, estes alcançaram uma média intensidade, sendo
o contato “[...] regular e ordinário. Nos momentos cruciais chegava a ser diário” (Consultor do
Instituto Vonpar). Assim, os laços entre o Instituto e a ONG podem ser considerados do tipo-
estado, visto que são contínuos ao longo do tempo (BORGATTI; HALSIN, 2011).
Uma das cooperativas selecionadas para receber o apoio e monitoramento do CAMP em
2008 foi a cooperativa COOLABORE, de Campo Bom. Fundada há 17 anos devido à
necessidade de trabalho por conta da crise calçadista enfrentada nos anos 1990, a cooperativa
baseou-se no conhecimento prévio de seus cooperados, que tinham experiência não apenas na
indústria calçadista, mas em outros serviços, como de construção civil e de coleta e separação de
lixo. Desta forma, a COOLABORE foi formada de acordo com habilidades já existentes na
comunidade, o que vai ao encontro do postulado por Peredo e Chrisman (2006). Atualmente a
COOLABORE possui 112 cooperados que coletam e separam cerca de 140 toneladas de
materiais recicláveis por mês. De forma geral, o contato entre a cooperativa e o CAMP é de baixa
intensidade, ocorrendo no fórum mensal dos grupos de reciclagem do Vale dos Sinos, sendo,
portanto, do tipo-estado que são contínuos ao longo do tempo (BORGATTI; HALSIN, 2011).
No ano de 2009, a Braskem estabeleceu uma parceria com o CAMP, a fim de
potencializar suas ações de responsabilidade social. A Braskem se destaca no cenário global
9
como a maior produtora de resinas termoplásticas das Américas (BRASKEM, 2012). Desta
forma, o maior resíduo pós-consumo da empresa é o plástico, que pode ser coletado e reciclado
com o auxílio das cooperativas de reciclagem. Por esta razão, o principal objetivo do projeto
estabelecido com a ONG é o aumento do volume de plástico reciclado, ao mesmo tempo em que
é gerada renda para os envolvidos. A Braskem escolheu o trabalho do CAMP devido ao
conhecimento que a ONG apresenta do campo de trabalho, o que corrobora o postulado do
Consultor do Instituto Vonpar: “A Braskem não tem esse conhecimento amplo e profundo de
lidar com os diversos atores sociais [...] então ela busca parceria com as ONGs que estão
envolvidas em determinada comunidade” (Coord. de Projetos Sociais da Braskem).
É importante destacar que a interação entre a Braskem e o CAMP iniciou-se por
intermédio do Instituto Vonpar, que, em 2009, era parceiro da Braskem na realização de
atividades de RSC. O relacionamento entre a Braskem e o CAMP foi sendo aprimorado ao longo
do tempo, e atualmente a empresa possui um contrato diretamente com a ONG. De acordo com o
Coordenador do Projeto Recicla, a Braskem repassou, em 2011, R$300.000,00 ao CAMP para
serem realizadas ações de RSC. A coordenação deste recurso é feita tanto pela ONG quanto pela
Braskem, que determina as diretrizes de sua utilização. Desta forma, a interação entre a Braskem
e o CAMP acontece ao menos uma vez por semana, estabelecendo-se laços tipo-estado, conforme
Borgatti e Halsin (2011), com um nível médio de intensidade entre os atores envolvidos.
Ainda no ano de 2009, a cooperativa COOPERNOVA de Sapiranga iniciou seu
relacionamento com o CAMP por meio da aprovação de seu projeto. Ao contrário da
COOLABORE, ela foi inicialmente formada para trabalhar com habitação e construção civil,
sendo que os cooperados não tinham conhecimento sobre a reciclagem de materiais. No entanto,
surgiu uma oportunidade de esta cooperativa atuar no setor de reciclagem, o que foi acordado
pelos cooperados em 2007. Desta forma, o trabalho com a reciclagem não era uma habilidade da
comunidade de cooperados de Sapiranga, ao contrário do que é postulado por Peredo e Chrisman
(2006) com relação à formação dos empreendimentos baseados em comunidade. Atualmente, a
COOPERNOVA possui 40 cooperados e é responsável por separar cerca de 240 toneladas de
materiais por mês. O contato entre o CAMP e a COOPERNOVA ocorre eventualmente, por meio
dos encontros do Fórum do Vale dos Sinos, ou seja, é uma interação constante, porém
normalmente com baixa intensidade. Os laços estabelecidos entre o CAMP e a COOPERNOVA
são, então, do tipo-estado (BORGATTI; HALSIN, 2011).
Outra cooperativa que possui vínculo com o CAMP é a cooperativa COOARLAS, de São
Leopoldo. O movimento para a formação da cooperativa iniciou-se em 1999, com a reunião de
um grupo de mulheres que se preocupava com a quantidade de lixo acumulada no entorno da
região. O histórico de formação da cooperativa enquadra-se no que foi proposto por Peredo e
Chrisman (2006) referente à formação dos EBCs: baseados em habilidades locais. A cooperativa
atualmente conta com 48 cooperados que coletam aproximadamente 105 toneladas de resíduos
recicláveis por mês. O contato entre a cooperativa e o CAMP é constante, e alguns projetos estão
sendo desenvolvidos em conjunto, principalmente para a aquisição de novos equipamentos e
máquinas. Desta forma, os laços estabelecidos entre a COOARLAS e o CAMP são do tipo-estado
e com uma intensidade alta, de acordo com a classificação de Borgatti e Halsin (2011).
A parceria mais recente do CAMP, em termos de empresas, é com a Gerdau, a qual ocorre
por meio do contato com a ONG Aliança Empreendedora. A Gerdau é a líder na produção de
aços longos nas Américas (GERDAU, 2012). Já a Aliança Empreendedora tem como objetivo
10
transformar a vida de pessoas e comunidades através do empreendedorismo (ALIANÇA
EMPREENDEDORA, 2012). O projeto no qual ambas as ONGs atuam foi desenvolvido no ano
de 2011 e é intitulado de “Projeto Reciclagem Inclusiva Gerdau GIZ”. Cada um dos atores possui
responsabilidades específicas. A Aliança faz o “apoio e repasse metodológico para equipe da
Aliada e intermedia o contato entre Organização Aliada e Gerdau/GIZ” (Assessora da Aliança
Empreendedora). Por outro lado, o CAMP é responsável, por exemplo, por cumprir o cronograma
e enviar relatórios de desempenho à Aliança. O contato entre as ONGs é feito de forma contínua,
representando laços tipo-estado que são baseados em papéis (BORGATTI; HALSIN, 2011).
Vale ressaltar que o Instituto Vonpar, desde o início de 2011, não estabeleceu mais
parcerias com o CAMP. No entanto, tal ator foi e continua sendo, na pessoa do Consultor do
Instituto Vonpar, de suma importância para o desenvolvimento das atividades dessa ONG. A
principal razão para o afastamento do instituto deve-se à diferença existente no calendário de
prestações de conta de ambas as organizações.

4.2 A aprendizagem na rede de parcerias sociais


Tomando-se os setores estudados, tem-se casos distintos de aprendizagem, com cada setor
apresentando ao menos um dos níveis citados anteriormente. Tem-se, na rede estudada, diferentes
tipos de atores e contextos de aprendizado: (a) o dos trabalhadores das cooperativas de
reciclagem; (b) o dos participantes das ONGs; e (c) o dos membros das empresas. Cada um tem
diferentes histórias de vida, escolaridade, linguagem, interesses e motivações para aprender.
Ainda, vivem em contextos sócio-culturais distintos, tendo uma rede de relacionamentos com um
número variado de elementos em comum. Eles têm, portanto, tanto um ambiente quanto um
modelo mental individual e único, que tornará diferentes as formas como a aprendizagem
individual irá ocorrer. A partir das entrevistas realizadas, pode-se ter um contato em maior ou
menor grau com cada uma dessas realidades, o que possibilitou, em termos de aprendizado
individual, uma observação deste de maneira mais distinta no nível das cooperativas de
reciclagem. Aqui destaca-se o aprendizado observacional (BANDURA, 1977; PAJARES; OLAZ,
2008), dos membros das cooperativas de reciclagem, que o adquirem através da observação de
instrutores e de colegas.
Ao mesmo tempo em que há um aprendizado individual, há um “aprendizado mútuo”,
onde ambos, indivíduo e organização, aprendem (MARCH, 1991). Algumas vezes tal
aprendizado ocorre através de identificação e correção de erros (ARGYRIS; SCHÖN, 1978)
como foi apresentado pelo Coordenador de Projetos Sociais da Braskem, que ressalta que muito
do aprendizado da Braskem no envolvimento com projetos sociais de reciclagem acabou
ocorrendo das relações que eles foram tendo com as cooperativas e com os projetos que foram
dando certo ou errado. Aqui cabe ressaltar também a presença na rede de parcerias pesquisada
não apenas de uma componente formal do aprendizado, mas também da informal, em
concordancia com o defendido por Eraut (2000). O aprendizado é formalizado e estruturado nas
capacitações e treinamentos visíveis nos casos do curso de aperfeiçoamento para facilitadores
proporcionado pela Aliança Empreendedora, em sua relação com o CAMP, e nos treinamentos
oferecidos pelo CAMP para as cooperativas de reciclagem. Nesse sentido, a interação com a
Aliança Empreendedora está proporcionando ao CAMP um maior conhecimento sobre
metodologias de trabalho sobre temas como o empreendedorismo, o que pode auxiliar no
desenvolvimento de atividades com as cooperativas de reciclagem. Por outro lado, o aprendizado
11
da rede apresenta também componentes informais, presentes nas trocas de experiências entre as
cooperativas de reciclagem, através de debates realizados nas reuniões mensais do fórum dos
recicladores. O relato de um dos coordenadores das cooperativas expressa essa componente
informal: “A gente aprende e o que sabe passa pra outro grupo [...] Vem dois integrantes de um
grupo e vai para outro grupo. Então é um intercâmbio do conhecimento prático e teórico” (Vice-
Presidente da COOLABORE).
Além das componentes individual e organizacional citadas acima, destaca-se também na
rede estudado o aprendizado social, que torna-se relevante ao se considerar a influência de um
sistema sócio-cultural e das interações neste para a aquisição de conhecimento. Nesse sentido,
observou-se que as interações entre indivíduos e grupos, assim como a participação em
“comunidades de prática” (WENGER, 2000), desempenhou um papel significativo no
aprendizado dos cooperados. Destaca-se aqui a participação das cooperativas estudadas no fórum
dos grupos de reciclagem, através de reuniões mensais, nas quais além de haver a integração
entre os participantes das cooperativas, são discutidas questões importantes tanto para o
trabalhador da cooperativa quanto para o processo de reciclagem em si. Outro aspecto que pode
ser ressaltado é o importante papel desempenhado pela linguagem no aprendizado social dos
participantes da rede estudada. Para o Coordenador do CAMP, por exemplo, é necessário tanto o
domínio de uma linguagem empresarial - mais formal, para o trato com as empresas privadas -
quanto uma menos formal, para a interação com as cooperativas.
Utilizando-se as categorias apresentadas no Quadro 01, foi observado também o
componente empreendedor nos processos de aprendizagem na rede estudada. Este, com base nas
entrevistas realizadas, apresentou-se de forma mais clara nas cooperativas de reciclagem,
principalmente em uma análise do “engajamento social” (PITTAWAY et al., 2011) destas no
fórum de reciclagem. Destacam-se aqui três temas importantes discutidos no fórum: (a) a
formação de preços; (b) a cadeia binacional do pet; e (c) a questão da incineração do lixo. Na
grande maioria dos casos, quando formadas, as cooperativas têm dificuldades com a definição
dos preços a serem praticados na venda dos materiais. A participação em um fórum reunindo
diversas cooperativas recicladoras possibilita, então, a “atualização” de preços. Tal iniciativa
acaba sendo resultado de um processo de aprendizado com os erros e de reflexão nas experiências
vividas, que são habilidades fundamentais para um empreendedor (DEAKINS; FREEL, 1998;
COPE, 2003). A segunda questão importante diz respeito à cadeia binacional do pet, uma
iniciativa envolvendo a parceria de cooperativas do Uruguai e do Brasil, que permite às
cooperativas participantes aumentarem sua rede de relacionamentos e, consequentemente, suas
oportunidades de negócios. O ato de envolver-se em tal iniciativa ressalta a característica
empreendedora de identificação e exploração de oportunidades (SMILOR, 1997) por parte dos
integrantes das cooperativas. A terceira questão é a possibilidade de incineração do lixo, processo
que pode vir a concorrer com o trabalho executado pelas cooperativas, criando para estas um
ambiente de incertezas e ambiguidades semelhante ao que se apresenta nos primeiros estágios do
processo empreendedor (PITTAWAY et al., 2011). Nesse contexto, o “espírito empreendedor”
dos membros das cooperativas é estimulado, não apenas na busca por conhecimento para
fortalecer seus argumentos, mas também na mobilização das cooperativas para construção de um
consenso e para defender o seu posicionamento contra a ameaça da adoção da incineração.
Por fim, ressalta-se a influência da auto-confiança na aprendizagem emprendedora. O
trabalho nas cooperativas de reciclagem é muitas vezes emocionalmente desgastante e seus
12
membros geralmente apresentam uma baixa autoestima. Na melhoria da auto-confiança desses
indivíduos e, consequentemente da auto-eficácia, vital para uma aprendizado empreendedor
(RAE, 2002), evidencia-se a importância de dois aspectos da rede estudada: (1) os treinamentos
oferecidos pelas ONGs; e (2) os salários nas cooperativas. Com relação ao primeiro, nos
treinamentos realizados pela Aliança Empreendedora existe a busca para assegurar a “valorização
do profissional de reciclagem buscando resgatar sua autoestima, reconhecendo sua importância
para o contexto ambiental e social” (Assessora da Aliança Empreendedora). O segundo fator que
contribui para a motivação dos membros das cooperativas, e reforça a relação entre o “bem estar
emocional e financeiro” (COPE, 2003) de quem se envolve em um empreendimento, é o aspecto
financeiro. Os membros das cooperativas recebem valores que estão acima do que é normalmente
oferecido por outros setores para trabalhadores com a mesma escolaridade. O salário médio
mensal oferecido pela COOLABORE é de R$1.400,00, enquanto que a COOPERNOVA tem
uma remuneração de R$1.500,00. A COARLAS é a cooperativa pesquisada com menor salário
mensal: R$890,00.

Figura 01 – Os diferentes atores e processos de aprendizagem no setor de reciclagem.

A Figura 01 ilustra a rede de parcerias estudada e os processos de aprendizagem


identificados com base nos dados coletados. Constata-se que a rede do CAMP para implantação
de projetos sociais é formada por empresas, uma ONG, um instituto e cooperativas de
reciclagem, sendo que cada organização estabelece um tipo de laço específico com as demais
parcerias. Nesta figura também encontram-se os processos de aprendizagem observacional e
empreendedora, informal e social nas e entre as cooperativas, a aprendizagem baseada na
correção de erros (Braskem e instituto), aprendizagem formal da Aliança para o CAMP e do
CAMP para as cooperativas.

13
5 Considerações Finais
O presente artigo teve o objetivo de objetivo analisar a aprendizagem entre os atores de
uma rede de parcerias do setor de reciclagem. Primeiramente, analisou-se a rede da organização
focal escolhida (CAMP), da qual participam empresas líderes, ONGs, um instituto e cooperativas
de reciclagem. Esses atores desempenham diferentes papéis dentro da rede: (a) as empresas (e
instituto) são as principais responsáveis pelo fornecimento de recursos financeiros e estabelecem
relações contínuas com o CAMP (laços tipo-estado); (b) a ONG Aliança Empreendedora é
encarregada de capacitar a equipe do CAMP, apresentando laços contínuos com os membros do
CAMP; e (c) as cooperativas de reciclagem também estabelecem relações contínuas, porém com
menos intensidade, e com o objetivo de receber capacitações ou equipamentos.
Por mais que o envolvimento das empresas com as cooperativas de reciclagem tenha se
demonstrado de forma limitada, o Consultor do Instituto Vonpar e o Coordenador de Projetos
Sociais da Braskem estabelecem relacionamentos mais próximos com as cooperativas. Sendo
assim, eles realizam visitas periódicas aos galpões de reciclagem e acompanham mais de perto o
trabalho realizado pelo Coordenador do CAMP. Desta forma, constata-se que as ações de RSC de
empresas em EBCs tornam-se um investimento para auxiliar na geração de renda. Em outras
palavras, as empresas não estão doando recursos às cooperativas, mas realizando programas que
vão além da filantropia, conforme descrito por Tracey, Phillips e Haugh (2005).
Quanto ao estudo do aprendizado em EBCs, os relatos obtidos nas entrevistas realizadas
possibilitaram a observação dos diferentes níveis de aprendizado (individual, organizacional,
social e empreendedor) que compõe os diferentes setores (empresas, ONGs, cooperativas) da
rede estudada. Chama-se a atenção para o fato do fluxo de conhecimento ter apresentado-se mais
intenso em alguns dos setores estudados (cooperativas) do que em outros (empresas), com
processos de aprendizado presentes em na maioria dos níveis considerados.Tal conclusão pode
ser justificada de diferentes maneiras: seja pela presença maior de treinamentos e interações nesse
ponto da rede (interface ONG-cooperativas), pela quantidade maior de pessoas entrevistadas
nesse setor ou mesmo pelo nível de detalhamento obtido nos relatos dados pelos entrevistados.
Levando em conta os níveis estudados, tomados individualmente, foram verificados
diferentes fenômenos. Observou-se a influência tanto do ambiente quanto de fatores cognitivos
no aprendizado individual, reforçando o que era defendido por Bandura (1977). No nível
organizacional confirmou-se a relevância das questões processuais no aprendizado
organizacional, especialmente no setor empresarial. Ainda, foi verificada a contribuição não
apenas dos mecanismos formais, mas também de aspectos informais no processo de
aprendizagem. Além das contribuições verificadas a nível individual e organizacional, no nível
social houve uma forte contribuição da interação entre os agentes dentro do seu contexto sócio-
cultural, e das diferentes comunidades de prática na aquisição de conhecimento através de troca
de experiências, como ocorre no fórum de reciclagem. E, finalmente, constatou-se a presença de
um aprendizado empreendedor nas cooperativas, fomentando o surgimento de iniciativas
empreendedoras nesse setor, tais como o envolvimento em uma cadeia binacional de pet.
Uma das limitações do estudo é a análise de apenas três cooperativas de reciclagem que
estabelecem relacionamentos com o CAMP. Sugere-se que estudos futuros possam suplantar essa
limitação, apresentando informações e dados referentes aos demais EBCs. Com relação ao estudo
dos processos de aprendizagem seria interessante ampliar o número de fatores utilizados nas
análises de cada nível, talvez focando-se em um número menor de níveis (considerando, por
14
exemplo apenas o empreendedor/organizacional ou social/empreendedor) e na exploração
exaustiva de cada aspecto particular do nível de aprendizado escolhido. Ainda, com relação aos
métodos empregados, poderia-se considerar o estudo de apenas uma cooperativa específica ou
mesmo a aplicação de um estudo quantitativo prévio para avaliar quais fatores são destacados em
um ponto da rede de parcerias, para, então, avaliá-los qualitativamente.

Referências
ALIANÇA EMPREENDEDORA. Quem somos. Disponível em:
<http://www.aliancaempreendedora.org.br/quem-somos>. Acesso em: 20 dez. 2011.
ANTONACOPOULOU, E.; CHIVA, R. The social complexity of organizational learning: the
dynamics of learning and organizing. Management Learning, v. 38, n. 3, p. 277-295, 2007.
ARGYRIS, C. Organizational learning and management information systems. Accounting,
Organizations and Society, v.2, n.2, p. 113-123, 1977.
ARGYRIS, C.; SCHÖN, D. Organizational learning: a theory of action perspective. Reading,
MA: Addison-Wesley, 1978.
BANDURA, A. Social Learning Theory. New Jersey: Prentice-Hall. 1977.
BORGATTI, S. P.; HALSIN, D. S. On Network Theory. Organization Science, Articles in
Advance, p. 1-14, 2011.
BRASKEM. Perfil da Braskem. Disponível em: <http://www.braskem.com/site.aspx/Braskem-
Perfil>. Acesso em: 28 dez. 2011.
COPE, J. Entrepreneurial learning and critical reflection: Discontinuous events as triggers for
higher-level learning. Management Learning, v.34, n.4, p. 429-450, 2003.
COPE, J.; WATTS, G. Learning by doing: an exploration of experience, critical incidents and
reflection in entrepreneurial learning. International Journal of Entrepreneurial Behaviour
and Research, v.6, n.3, p. 104-124, 2000.
DEAKINS, D.; FREEL, M. Entrepreneurial learning and the growth process in SMEs. The
Learning Organization, v.5, n.3, p. 144-155, 1998.
DEFILLIPPI, R. Introduction: Project-based learning, reflective practices and learning outcomes.
Management Learning, v. 32, n.1, p. 5-10, 2001.
EISENHARDT, K. M. Building Theories From Case Study Research. Academy of
Management Review, v. 14, n. 4, p. 532-550, 1989.
ELKJAER, B. Social Learning Theory: Learning as Participation in Social Process. In:
EASTERBY-SMITH, M.; LYLES, M. Handbook of organizational learning and knowledge
management. London: Blackwell, 2003.
ERAUT, M. Non-formal learning and tacit knowledge in professional work. British Journal of
Educational Psychology, v.70, p. 113-136, 2000.
GERDAU. Sobre a Gerdau. Disponível em: <http://www.gerdau.com.br/sobre-
gerdau/Default.aspx>. Acesso em: 28 dez. 2011.
GIL, A. C. Métodos e técnicas de pesquisa social. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2008.
GRANOVETTER, M. Economic action and social structure: the problem of embeddedness.
American Journal of Sociology, v. 91, n. 3, p. 481-510, 1985.
HANNAH, S.; LESTER, P. A multilevel approach to building and leading learning
organizations. The Leadership Quarterly, v.20, n.1, p.34-48, 2009.

15
JAMALI, D.; KESHISHIAN, T. Uneasy Alliances: Lessons Learned from Partnerships Between
Businesses and NGOs in the context of CSR. Journal of Business Ethics, v.84, p.277-295,
2009.
MARCH, J. Exploration and Exploitation in organizational learning. Organization Science, v.2,
n.1, p. 71-87, 1991.
MITCHELL, J. C. Case and situation analysis. The Sociological Review, v. 3, p. 187-211, 1983.
PAJARES, F.; OLAZ, F. Teoria social cognitiva e auto-eficácia: uma visão geral. In:
BANDURA, A.; AZZI, R. G.; POLYDORO, S. Teoria social cognitiva: conceitos básicos.
Porto Alegre: Artmed, 2008. p. 97-114.
PEREDO, A. M. Emerging Strategies against poverty: The road less traveled. Journal of
Management Inquiry, v. 12, p. 155-166, 2003.
PEREDO, A. M.; CHRISMAN, J. J. Toward a Theory of Community-Based Enterprise.
Academy of Management Review, v. 31, n. 2, p. 309-328, 2006.
PITTAWAY, L.; RODRIGUEZ-FALCON, E.; AIYEGBAYO, O.; KING, A. The role of
entrepreneurship clubs and societies in entrepreneurial learning. International Small Business
Journal, v.29, n.1, p. 37-57, 2011.
RAE, D. Entrepreneurial emergence: a narrative study of entrepreneurial learning in
independently owned media businesses. The International Journal of Entrepreneurship &
Innovation, v.3, n.1, p. 53-59, 2002.
RITTER, T.; GEMUNDEN, H. Inter-organizational relationships and networks: an overview.
Journal of Business Research, v. 56, 2003.
RIVERA-SANTOS, M.; RUFÍN, C. Odd Couples: Understanding the Governance of Firm-NGO
Alliances. Journal of Business Ethics, v. 94, p. 55-70, 2010.
SEITANIDI; M. M.; CRANE, A. Implementing CSR through partnerships: understanding the
selection, design and institutionalisation of nonprofit business partnerships. Journal of
Business Ethics, v. 85, n. 2, p. 251-277, 2009.
SEITANIDI, M. M.; KOUFOPOULOS, D. N.; PALMER, P. Partnership formation for change:
Indicators for transformative potential in cross sector social partnerships. Journal of Business
Ethics, v. 94, p. 139-161, 2010.
SKINNER, B. Porque não sou um psicólogo cognitivista. Revista Brasileira de Análise do
Comportamento, v.3, n.2, p. 307-318, 2007.
SMILOR, R. Entrepreneurship reflections on a subversive activity. Journal of Business
Venturing, v. 12, p.341-346, 1997.
TRACEY, P.; PHILLIPS, N.; HAUGH, H. Beyond Philanthropy: community enterprise as a
basis for corporate citizenship, Journal of Business Ethics, n. 58, p. 327-344, 2005.
VONPAR. Instituto Vonpar. Disponível em: <http://www.vonpar.com.br/site/
content/responsabilidade_social/detalhe.asp?id=2186>. Acesso em: 22 dez. 2011.
WENGER, E. Communities of Practice: learning, meaning and identity. Cambridge: Cambridge
University Press, 1998.
WENGER, E. Communities of Practice and Social Learning Systems. Organization, v.7, n.1, p.
225-246, 2000.
YIN, R. K. Estudo de caso: planejamento e métodos. 3. ed. Porto Alegre: Bookman, 2005.

16

Você também pode gostar