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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

INSTITUTO DE PSICOLOGIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA SOCIAL

NILSON DE JESUS OLIVEIRA LEITE JÚNIOR

A PSICOLOGIA SOCIAL NA COMPREENSÃO DO RACISMO E SAÚDE


MENTAL – RESENHAS DAS DISCUSSÕES EM SALA

SÃO PAULO – SP
2023
NILSON DE JESUS OLIVEIRA LEITE JUNIOR

A PSICOLOGIA SOCIAL NA COMPREENSÃO DO RACISMO E SAÚDE


MENTAL – RESENHAS DAS DISCUSSÕES EM SALA

Trabalho de conclusão apresentado à


disciplina PST5948 – A Psicologia Social
na compreensão do racismo e saúde
mental, do Programa de Pós-Graduação
em Psicologia Social, do Instituto de
Psicologia da Universidade de São Paulo,
como parte dos critérios de avaliação.
Prof(s). Dr. Alessandro de Oliveira dos
Santos e Dr. Carlos Vinícius G. Melo.

SÃO PAULO – SP
2023
INTRODUÇÃO

Este trabalho tem como objetivo apresentar duas resenhas elaboradas por este
autor, a partir de textos discutidos na disciplina PST5948 – A Psicologia Social na
compreensão do racismo e saúde mental, do Programa de Pós-graduação em Psicologia
Social, do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. A disciplina foi ofertada
no período de 07 de março de 2023 a 30 de maio de 2023 pelos docentes Prof. Dr.
Alessandro de Oliveira dos Santos e Prof. Dr. Carlos Vinícius G. Melo. Além dos
professores titulados da disciplina mencionados, também contou com a participação do
Prof. Dr. Gilcimar Santos Dantas, Profa. Dra. Valdísia da Mata e Profa. Dra. Joice Ferreira
da Silva.
Para a elaboração deste trabalho final da disciplina foram eleitos dois textos
discutidos em sala de aula, sendo eles: A Psicologia Social contemporânea: principais
tendências e perspectivas nacionais e internacionais, de autoria de Maria Cristina
Ferreira, e The Social Psychology of stigma, de autoria de Brenda Major e Laurie T.
O’Brien.
Por último, as resenhas foram elaboradas seguindo três partes básicas propostas
pelos docentes titulares: [a] título da resenha e referência do texto; [b] principais ideias
do texto, considerando o tema desenvolvido, as perguntas a que procura responder, o
caminho adotado para responder a tais perguntas e conclusões; e [c] reflexões sobre o
texto e a relação com o tema de estudo, considerando as ideias principais, questões
suscitadas, diálogos possíveis e limitações entre as questões.
OS (DES)CAMINHOS DA PSICOLOGIA SOCIAL

FERREIRA, Cristina Ferreira. A Psicologia Social contemporânea: principais tendências


e perspectivas nacionais e internacionais. Psicologia: Teoria e Pesquisa, v. 26, n. spe, p.
51-64, 2010. doi: https://doi.org/10.1590/S0102-37722010000500005

Ideias principais do texto

O artigo aqui analisado, A Psicologia Social Contemporânea: principais


tendências e perspectivas nacionais e internacionais, teve como objetivo fazer um breve
balanço do estado atual da Psicologia Social, no plano nacional e internacional. Assim, a
autora faz uma discussão sobre as principais tendências e perspectivas da Psicologia
Social, no plano nacional e internacional, e um levantamento das produções (636 artigos)
em cinco periódicos com qualificação A1 ou A2 no sistema QUALIS da Plataforma
Sucupira (Estudos em Psicologia (Campinas), Estudos em Psicologia (Natal), Psicologia
e Sociedade, Psicologia em Estudo, Psicologia: Reflexão e Crítica, e Psicologia: Teoria e
Pesquisa), variando entre os anos de 1997 e 2009.
Para tanto, a autora divide o seu texto em duas grandes partes: contextualização
da Psicologia Social a partir das três grandes vertentes que se apresentam; e o estado da
produção brasileira em Psicologia. Nesses moldes, a primeira parte do artigo é subdivida
em três tópicos, a saber: a Psicologia Social na América do Norte, a Psicologia Social na
Europa e a Psicologia Social na América Latina. Em cada seção, a autora se ocupa em
apresentar, ainda que brevemente, o processo de constituição das referidas ‘Psicologias
Sociais’ e as tendências que se mostravam1 atuais no campo de investigação.
A Psicologia Social na América do Norte, que também é conhecida como
Psicologia Social Psicológica, é apresentada como aquela que tende a “[...] enfatizar
principalmente os processos intraindividuais responsáveis pelo modo pelo qual os
indivíduos respondem aos estímulos sociais [...]” (p. 51). Ademais, apresenta como
tendências atuais de investigação, a cognição social, as atitudes, os processos grupais, a
neurociência social e a Psicologia Social evolucionista.

1
Tal como exposto na referência que precede este tópico da resenha, o artigo aqui utilizado como base foi
publicado no ano de 2010. Todavia, mesmo não realizando uma nova pesquisa para verificação dos temas,
e com base nas discussões realizadas em sala de aula, é possível inferir que as tendências se mantêm, haja
vista que são temas consagrados no campo da Psicologia Social, segundo cada vertente.
A Psicologia Social na Europa, ou Psicologia Social Sociológica, tende a “[...]
privilegiar os fenômenos que emergem dos diferentes grupos e sociedades.” (p. 51). A
aurora para a formação da identidade dessa modalidade é a década de 1970, a partir da
crise da Psicologia Social na América do Norte. Em se tratando dos temas de estudos,
destaca-se a teoria das representações sociais e a teoria da identidade social.
Por seu turno, a Psicologia Social na América Latina, Psicologia Social Crítica, se
apresenta com uma terceira modalidade, a partir do questionamento à Psicologia Social
Psicológica que era predominante até o final da década de 1970. A base do
questionamento era a crítica de que a Psicologia Social importada não dava conta de
responder aos problemas dos países latino-americanos, marcados pelos regimes militares,
grandes desigualdades sociais existentes e o capital dependente. Assim, reivindicava-se
“[...] uma psicologia social mais contextualizada, isto é, mais voltada para os problemas
políticos e sociais que a região vinha enfrentando.” (p. 58).
No que concerne à produção brasileira em Psicologia Social, segunda parte do
artigo, a década de 1930 é apontada como o início das primeiras publicações focadas na
análise das questões psicossociais. Todavia, o impulso para essas publicações se deu com
o Parecer n° 403/62, do Conselho Federal de Educação, quando o Conselho Federal de
Psicologia cria o currículo mínimo para os cursos de Psicologia, e a disciplina de
Psicologia Social é instituída como uma disciplina obrigatória. Vale mencionar a presença
majoritária da Psicologia Social Psicológica até a década de 1970, sendo o final desta
década marcado pelo movimento de ruptura com a Psicologia Social tradicional, assim
como ocorria em outros países latino-americanos. Dessa forma, dá-se início no Brasil a
perspectiva chamada de Psicologia Social Crítica, que postula enquanto horizonte ético-
político o compromisso com a realidade social brasileira e suas especificidades.
Dentre os achados da pesquisa que caracterizaram a produção em Psicologia
Social no Brasil, grande parte dos artigos selecionados se identificavam com os
fundamentos teórico-metodológicos da Psicologia Social Crítica, tendo como áreas
temáticas de estudo as práticas sociais, representações sociais, configuração de
identidades e subjetividades, e atitudes, crenças e percepções sociais. Ademais, no que
tange aos aspectos metodológicos, destaca-se a presença de estudos qualitativos, com
preferência por estudos de natureza teórica ou empírico-qualitativa.
Por fim, a autora termina o artigo apresentando algumas problematizações acerca
das vertentes apresentadas ao longo do texto, e as reflexões sobre as perspectivas futuras.
Um principal elemento de crítica diz respeito ao caráter da Psicologia Social Crítica focar
mais no desenvolvimento de reflexões e na defesa de argumentos, a partir de autores já
consagrados, do que na formulação de conceitos, metodologias ou modelos teóricos
inovadores.

Reflexões finais

Nesta seção serão apresentadas as reflexões suscitadas a partir da leitura do artigo


e das discussões realizadas em sala de aula, bem como uma tentativa de articulação com
a pesquisa de mestrado. À guisa de contextualização, a pesquisa de mestrado se insere
nas discussões do fenômeno das pessoas em situação de rua e tem como objetivo
descrever e analisar discursos de pessoas em situação de rua sobre suas vivências nas
ruas. Como categorias teóricas centrais, foram eleitas: humilhação social, vergonha e
conscientização.
Uma primeira questão que se coloca a partir da leitura do texto e das discussões,
e que se relaciona com o título desta resenha, Os (des)caminhos da Psicologia Social, é
que é possível falar das mesmas coisas a partir de perspectivas e, assim, chegar a fins
semelhantes, se que se tornem mutuamente excludentes. Assim, ao falar da Psicologia
Social, enquanto uma no campo da Psicologia que, numa ótica geral (e talvez rasa),
poderíamos dizer que se ocupa das relações entre indivíduos e as estruturas da sociedade,
existem três possibilidades de investigação: a Psicologia Social Psicológica, a Psicologia
Social Sociológica e a Psicologia Social Crítica.
Nesse sentido, este texto como sendo o responsável pelo direcionamento das
leituras e estudos que foram se realizando ao longo do curso/disciplina, foi estratégico e
importante para sinalizar as vertentes da Psicologia Social, suas características e por qual
delas as aulas seriam conduzidas. Esse movimento foi importante, pessoalmente, pois
venho de estudos da Psicologia Social que se situam no campo da Psicologia Social
Crítica e desconhecia trabalhos da vertente cognitiva, da Psicologia Social Psicológica.
O que poderia mencionar como um movimento de desconstrução serviu tanto para
conhecer outros referenciais, como para analisá-los criticamente e compreender seus
limites e possibilidades de complementariedade.
Dessa forma, para a compreensão da humilhação social, vergonha e os processos
de conscientização, a que me proponho na pesquisa, os conceitos apresentados na
disciplina, sob a perspectiva cognitiva, serão utilizados para compreensão do fenômeno
da humilhação social na população em situação de rua. Sendo, portanto, uma hipótese
defendida, a de que os estereótipos, preconceitos e estigmas sobre as pessoas em situação
de rua estão na base para a manifestação da humilhação social e violência. E, por se tratar
de uma população majoritariamente composta por pessoas pretas e pardas, as discussões
sobre as relações raciais também são necessárias.
Por fim, e a partir das aulas, outros dois elementos estão compondo a
fundamentação teórica, sendo o primeiro o debate sobre pessoas em situação de rua e as
relações raciais, inclusive para uma melhor compreensão da gênese do fenômeno no
Brasil e a sua manutenção (e diálogo com o que tenho observado e colhido nas entrevistas)
e, o segundo, a historicização dos conceitos e categorias centrais trabalhadas.
ESTIGMAS: UMA REALIDADE PRESENTE PARA AS PESSOAS EM
SITUAÇÃO DE RUA

MAJOR, Brenda; O’BRIEN, Laurie T. The Social Psychology of stigma. Annual Review
of Psychology, v. 56, p. 393-421, 2005. doi: 10.1146/annurev.psych.56.091103.070137

Ideias principais do texto

O artigo intitulado A Psicologia Social do estigma2, tem como objetivo abordar


os efeitos psicológicos do estigma social. Para tanto, as autoras revisitam e organizam
algumas teorias e pesquisas empíricas dentro de um modelo, chamado de ‘modelo de
ameaça identitária do estigma’. O capítulo é estruturado em três grandes seções, além da
introdução. A primeira, se ocupa em apresentar o que é o estigma e conceitos presentes
na literatura. Na segunda, os mecanismos de estigmatização, na terceira, o modelo de
ameaça identitária do estigma e, na última, os desfechos da estigmatização. Assim, o foco
do capítulo se volta para o que é o estigma e como ele vai afetar os sentimentos,
comportamentos, pensamentos e saúde das pessoas e populações estigmatizadas.
De início, as autoras já apontam para o caráter amplo do estigma, sendo
apresentado como “um fenômeno poderoso com efeitos de longo alcance sobre seus
alvos”. Assim, a partir de leituras de Erving Goffman, o estigma é conceituado com um
atributo que desacredita um indivíduo, uma marca de status desvalorizado, capaz de
reduzi-lo em sua condição humana. Um aspecto que se repete no texto e que as autoras
dão ênfase, é que a estigmatização diz tanto dos atributos/características que uma pessoa
possui, quanto aqueles que acredita-se possuírem. Nesses moldes, afirmam que “[...] as
pessoas estigmatizadas têm (ou acredita-se que tenham) um atributo que as marca como
diferentes e as leva a serem desvalorizadas aos olhos dos outros” (p. 395).
Em se tratando do estigma, é pontuado que as marcas estigmatizantes podem ser
visíveis ou invisíveis, controláveis ou incontroláveis e ligadas à aparência,
comportamento ou pertencimento a grupos. A despeito deste aspecto, o texto
complementar da aula3, demonstra a possibilidade de “sobreposições de marcas”, que

2
No original The Social Psychology of stigma, tradução própria.
3
MELO, C. V. G. Estratégias de enfrentamento de pessoas negras e com deficiência frente ao duplo
estigma. 187 f. 2014. Dissertação (Mestrado em Psicologia) – Universidade Federal da Bahia, Salvador,
Bahia, 2014.
podem levar a um duplo estigma, ou mais, a depender da quantidade de “marcas” que a
pessoa possui.
Em se tratando do estigma, é postulado que ele está associado às avaliações
negativas e estereótipos, amplamente compartilhados, sendo, portanto, a base para excluir
ou evitar as pessoas e grupos estigmatizados. E, acrescenta-se a questão do poder nas
relações. Assim, as autoras apresentam uma sistematização interessante acerca do
estigma, na qual o “[...] estigma existe quando rotulação, estereótipos negativos,
exclusão, discriminação e baixo status co-ocorrem em uma situação de poder que
permite que esses processos se desenvolvam” (p. 395, grifos meus). Sendo, assim, o
estigma como uma construção social e, deste modo, está sujeito a variações ao longo do
tempo e de acordo com a cultura, embora, como apresentado, alguns estudiosos da
perspectiva evolucionista, tenham encontrado pontos em comum entre as culturas em que
certos atributos são estigmatizados.
Já na seção Mecanismos de estigmatização, as autoras descrevem os quatro
mecanismos pelos quais o estigma afeta os estigmatizados, sendo eles: o tratamento
negativo e discriminação direta, processos de confirmação de expectativas, ativação
automática de estereótipos e processos de ameaça de identidade. Em se tratando do
primeiro mecanismo, este afeta os estigmatizados em seu bem-estar psicológico e saúde
física, por meio da limitação de acesso a domínios importantes da vida, como no mercado
de trabalho, saúde, educação, etc., que, por sua vez, pode gerar mais discriminação. O
segundo mecanismo, diz que, movido pelo comportamento dos estigmatizadores baseado
em estereótipos e expectativas negativas, os estigmatizados podem se comportar de forma
a conformar as expectativas criadas sobre eles, ainda que ao nível inconsciente. Por sua
vez, o terceiro se refere à ativação automática de estereótipos negativos nos
estigmatizados no grupo ao qual pertencem. Por último, o quarto mecanismo diz do
estigma como uma ameaça identitária e à autoestima (pessoal e coletiva), em função da
compreensão dos estigmatizados sobre como os outros os veem.
Na seção Um modelo de ameaça identitária induzida pelo estigma, as autoras
reúnem modelos de ameaça de identidade de estigma, com modelos transacionais de
estresse e coping, em um modelo que integra esses citados. O pressuposto de partida desse
modelo é que “[...] possuir uma identidade social consensualmente desvalorizada (um
estigma) aumenta a exposição a situações potencialmente estressantes (que ameaçam a
identidade)” (p. 398). A figura 1, a seguir, apresenta o modelo de ameaça identitária
induzida pelo estigma.

Fonte: Adaptado de Major e O’Brien (2005).

Como destacado pelas autoras na imagem acima, as representações coletivas, as


pistas situacionais e as características pessoais afetam as avaliações das pessoas sobre o
significado das situações de ameaças de identidade. Aquelas avaliadas como
potencialmente prejudiciais à identidade social e que excedem os recursos pessoais para
lidar com tais situações, resultam em respostas que podem ser voluntárias
(enfrentamentos) e involuntárias (sintomatologias como a ansiedade, por exemplo). E,
por sua vez, sejam voluntárias ou involuntária, elas produzem resultados que podem
interferir na saúde, ascensão educacional e autoestima.
Por fim, o capítulo é finalizado apresentando os desfechos da estigmatização, nas
quais as autoras ressalvam a necessidade de olhar para as múltiplas respostas e, também,
os efeitos produzidos pela estigmatização. E, para ilustrar, elas discorrem sobre três
resultados afetados pelo estigma: a autoestima, o desempenho acadêmico e a saúde.

Reflexões finais

Nesta seção serão apresentadas as reflexões suscitadas a partir da leitura do


capítulo e das discussões realizadas em sala de aula, bem como uma tentativa de
articulação com a pesquisa de mestrado já contextualizada na resenha anterior. Este texto,
dentre todos os trabalhados em sala de aula, foi o que possibilitou maiores conexões com
a pesquisa de mestrado em andamento. Assim, ao longo da leitura foram se estabelecendo
links entre os aspectos teóricos apresentados pelas autoras e o que tem sido possível
observar na prática do campo de pesquisa e em leituras sobre as pessoas em situação de
rua.
Dessa forma, ao falar sobre essa população é possível evocar diversas
caracterizações que estão presentes em discursos diversos, como no meio acadêmico,
grande mídia, senso comum, etc., e que referem às pessoas em situação de rua como
criminosas, violentas, sujas, pessoas em pobreza extrema, usuárias de substâncias lícitas
e ilícitas, portadoras de doenças mentais, etc. Essas, entre outras características, podem
ser lidas como as “marcas” que esse grupo populacional carrega. E que, em decorrência
dessas representações depreciativas, são desqualificadas e colocadas na condição de não
humanos.
Como discutido em sala, o estigma abrange o conhecimento (representações
coletivas), atitudes (preconceito) e comportamento (discriminação). Sendo, assim, um
conceito mais amplo e que abrange os conceitos de crenças, estereótipos, preconceito e
discriminação. Inicialmente, essa dimensão não havia sido considerada para a pesquisa
de mestrado. Todavia, com base nas discussões em sala de aula e em conversa com meu
orientador, Prof. Dr. Antonio Euzébios Filhos, concluímos ser necessário passar pela
discussão da relação entre preconceito, estereótipo, discriminação e estigma das pessoas
em situação de rua, para melhor compreensão do fenômeno da humilhação social. Essa
questão nos parece apropriada quando olhamos para o perfil majoritário das pessoas em
situação de rua na cidade de São Paulo, assim como em outras cidades do país. Uma
questão que surgiu, foi referente às pessoas em situação de rua, se em alguns casos elas
também podem sofrer uma dupla estigmatização: por ser pessoa em situação de rua +
racismo. Essa questão surge a partir das vivências no campo de pesquisa, todavia, parece-
me, em um primeiro momento, realizar tal distinção.
Outro aspecto presente nas vivências em campo de pesquisa e que dialoga
diretamente com o texto, refere-se aos impactos do estigma sobre os estigmatizados,
sobretudo em relação à autoestima e o afastamento dessa população dos serviços de saúde
e assistência social. São, portanto, diversos impedimentos que se colocam no cotidiano
dessas pessoas e que não se resumem aos citados, mas em diversos outros como
transportes públicos, estabelecimentos comerciais, instituições públicas, etc.
Por fim, é possível concluir que categoria do estigma (e os demais conceitos que
ela comporta), se mostraram como pontos importantes para a compreensão do fenômeno
da população em situação de rua. Isso acontece, tanto no plano das caracterizações
existentes e que ‘marcam’ esses corpos, e, por sua vez, estão na base ou “justificativa4”
para a humilhação social e violência, quanto nas relações que são estabelecidas com a
cidade, citadinos, comércio, serviços públicos, etc., por meio do afastamento e
impedimento de frequentar certos espaços. A despeito desse último aspecto, torna-se
ainda mais problemático quando consideramos os serviços de saúde, assistência social e
sistema de garantia de direitos. Em suma, são exemplos de como o estigma possui efeitos
sobre as pessoas alvo.

4
Ao ler o texto e refletir sobre a humilhação social e a população em situação de rua, o assassinato do
indígena Galdino, em Brasília, no ano de 1997, me veio a memória, justamente pela ‘justificativa’ dada
pelos criminosos: pensaram que se tratava de um “morador de rua’.

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