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A CRISE DE REFERÊNCIA DA

PSICOLOGIA SOCIAL NO BRASIL E


NA AMÉRICA LATINA
PROF. EDUARDO FREITAS PRATES – MESTRE EM PSICOLOGIA SOCIAL PELA PUC/SP

DISCIPLINA: PSICOLOGIA SOCIAL – ASPECTOS HISTÓRICOS E EPISTEMOLÓGICOS

CURSO DE PSICOLOGIA – UNIVERSIDADE NOVE DE JULHO, UNINOVE


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Texto de referência:
BOCK, Ana Mercês Bahia; FERREIRA, Marcos Ribeiro; GONÇALVES, Maria da Graça
Machina; FURTADO, Odair. Silvia Lane e o Projeto do “Compromisso Social da
Psicologia”. Psicologia & Sociedade; 19, Edição Especial 2: 46-56, 2007.

Texto complementar
LANE, Silvia Tatiane Maurer. O que é psicologia social? 5ª ed. São Paulo: Brasiliense,
1983.
OBJETIVOS

Objetivo geral: compreender a constituição do “compromisso social” da Psicologia Social


que se constituiu a partir da crise de 1970, por meio do estudo de caso de Silvia Lane
que protagonizou este processo histórico, contribuindo para a formação de um campo
crítico e diversos psicólogos e profissionais que desenvolveram a Psicologia Social
Comunitária e a Psicologia Social Sócio-Histórica no Brasil.
SILVIA TATIANA MAURER LANE
(1933 – 2006)
• Formou-se em Filosofia na Universidade de São Paulo (1956)
e doutorou-se em Psicologia na Pontifícia Universidade Cató-
lica de São Paulo (1972), com a tese O significado psicológi -
co de palavras em diferentes grupos sócio-culturais;
• 1956-1960: trabalhou no Conselho Regional de Pesquisa Edu-
cacional, vinculado ao Ministério da Educação.
• 1965-1970: foi docente no curso de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da
Faculdade São Bento;
• 1971-2006: foi docente, pesquisadora e diretora da graduação de Psicologia e do Programa de
Estudos Pós-Graduados em Psicologia Social da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
A JUSTIFICATIVA DOS AUTORES PARA SE PENSAR
NESTA AULA EM UM ESTUDO DE CASO
“Silvia Lane foi guiada pelo princípio de que o conhecimento produzido deveria sempre ser
útil para a transformação da realidade na direção da criação de condições dignas de vida
para todos. [...] Com o rompimento com a tradição elitista da Psicologia, com a preocupação
com a construção de um novo projeto para a ciência e para a profissão, com a adesão a uma
nova concepção de homem para a Psicologia e com o esforço para aproximar, Silvia Lane
apontou as exigências e condições para um novo projeto para a Psicologia. [...] Trabalho
coletivo, consciência crítica e atenção permanente e comprometida com as urgências e
necessidades da população se puseram como pedras fundamentais da transformação da
Psicologia e, não há dúvida, da importância de Silvia Lane neste caminhar.” (BOCK et al,
2007, p. 45)
• O artigo foi escrito por quatro ex-alunos de Silvia Lane que se tornaram nomes importantes da
Psicologia brasileira: Ana Bock, Odair Furtado, Maria Graça e Marcos Ferreira.
CONTEXTO HISTÓRICO
• O Brasil esteve sob o regime da ditadura civil-militar (1964-1985);
• Maio de 1968: protestos na França reverberaram no mundo, sobretudo, no âmbito cultural e
universitário, onde exigia-se mudanças radicais influindo numa revisão crítica do ensino;

• 1971: foi criada a Faculdade de Psicologia na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, após a
fusão da Faculdade São Bento com o Instituto Sedes Sapientiae, este curso virou referência no país;
• Silvia Lane foi a primeira diretora do curso de Psicologia da PUC/SP, onde permaneceu como
professora e pesquisadora por toda a sua vida;
• 1972: criação do Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Social na PUC/SP, surge com
o objetivo de repensar a Psicologia Social à luz da sociedade brasileira.
DEPOIMENTO DESTE PERÍODO: UMA PROPOSTA
PEDAGÓGICA VOLTADA AO CAMPO SOCIAL
“No curso de graduação da PUC-SP, tentávamos concretizar a tese da teoria e prática no
ensino, levando os alunos a observações, entrevistas, enfim, a coletar dados do cotidiano e
confrontá-los com os textos clássicos sobre os conceitos de atitudes, motivação e
percepção sociais, dissonância cognitiva, socialização, dinâmica de grupo etc (Lane,
1999 apud BOCK et al, 2007, pp. 47-48)

• Visava-se fazer uma revisão crítica dos conceitos;


• Estudar os sujeitos, grupos, comportamentos sociais no cotidiano e não somente nos livros;
• A realidade em última instância era o critério para a produção do conhecimento.
A EXPERIÊNCIA DE OSASCO
• Silvia Lane e Alberto Abib Andery (e posteriormente com a professora Odette Godoy Pinheiro)
propuseram trabalhos de Psicologia (estágios) com alunos/as ligados à disciplina, A psicologia
social na prática clínica do curso de Psicologia nos Sindicatos e comunidades operárias de Osasco;

• Ficou evidente com essa experiência, apesar dos esforços e comprometimento dos professores, a
insuficiência teórico e metodológica para lidar com o público e as demandas apresentadas;

• A reflexão crítica dessa experiência e a produção do que veio logo em seguida ficou conhecido
como Psicologia Social Comunitária, consolidando uma primeira tentativa de sistematização no I
Encontro Regional de Psicologia na Comunidade, ocorrido na PUC/SP, com organização da
ABRAPSO.
A EXPERIÊNCIA DE OSASCO
“Os trabalhos de Osasco permitiram um profundo questionamento tanto da metodologia
quanto da teoria da psicologia social. Recuperou-se a experiência já consagrada de Paulo
Freire com sua obra “Pedagogia do Oprimido”, leu-se Alberto Merani, debateu-se a
necessidade e preponderância do método qualitativo de pesquisa, falou-se em pesquisa-ação
ou pesquisa participante. Questionou-se profundamente o parâmetro teórico da psicologia
social. De uma hora para outra, apenas a discussão crítica da Psicologia Social americana
não era mais suficiente. Tratou-se de superar radicalmente uma psicologia por demais
comprometida ideologicamente e que não cabia em sua realidade.” (BOCK et al, 2007, p.
48, grifo dos autores)
A REESTRUTURAÇÃO UNIVERSITÁRIA
• Propostas de disciplinas voltadas ao campo da realidade social brasileira:
- “Estudos livres”, ministrada por Silvia Lane;

- “Configurações sócio-históricas do trabalhador brasileiro”, ministrada por Alberto Abib.

• Criação dos Núcleos no 4º e 5º anos da graduação de Psicologia:

- Práticas profissionais de estágio;


- Cada estágio era ligado à uma disciplina teórica.
UMA PSICOLOGIA SOCIAL VOLTADA À
REALIDADE BRASILEIRA
• A Psicologia Social proposta por Silvia Lane tinha como objetivo voltar-se para a realidade
brasileira, dialogando com a produção latino americana;

• Dois eixos se destacam nesta produção:


- 1) a relação objetividade/ subjetividade;
- 2) formação e papel dos valores.

• Compreender a implicação do indivíduo na sociedade e o que permite ou impede que este


compreenda e atue (ou não) em relação às determinações sociais que o circundam, passou a ser um
objetivo importante desta abordagem na Psicologia Social.
UMA PSICOLOGIA SOCIAL VOLTADA À
REALIDADE BRASILEIRA
• Nesse período intensificou-se a crítica dirigida à Psicologia Social norte americana e à Psicologia
Cognitivista, ambas estabelecendo uma dicotomia entre indivíduo e sociedade, propondo uma
neutralidade da produção de conhecimento e a distinção entre conhecimento e ação;

• Os estudos de Lewin e Skinner, permitiram que Silvia Lane, criticasse a dicotomia entre
subjetividade e objetividade;

• A saída para a construção de uma Psicologia Social crítica, foi o contato com a realidade, como
ocorria com as experiências em Osasco, mas também com o diálogo com psicólogos sociais da
América Latina que também respondiam à Crise da Psicologia Social em fins dos anos 1970,
estudando sua própria realidade e construindo práticas inovadoras.
UMA NOVA PERSPECTIVA PARA A
PSICOLOGIA SOCIAL
“O trabalho social iniciado no curso de graduação da PUC-SP, o desenvolvimento das
pesquisas no curso de pós-graduação e as relações na América Latina se uniram enquanto
aspectos fundamentais para a construção da nova perspectiva em Psicologia Social. Uma
perspectiva que, segundo Silvia Lane, deveria começar explicitando uma nova concepção de
homem na psicologia: um homem social e histórico. E, para compreender esse homem e
como as determinações históricas estão em relação com ele, seria necessário um outro
método. O materialismo histórico e dialético será o método que ela vai adotar e desenvolver
na psicologia social.” (BOCK et al, 2007, p. 49, grifos nossos)
DUAS PERSPECTIVAS EM PSICOLOGIA SOCIAL
• A Psicologia Social tradicional partia da visão dicotômica de relações interpessoais X influências
sociais, adotando o método científico, em que se destaca a neutralidade;

• A Psicologia Social então proposta, entende o indivíduo como histórico; indivíduo e sociedade estão
em permanente interação, portanto, em uma relação dialética; e a realidade passa a ser encarada
como em permanente movimento, ou seja, passível de transformações sociais;

• A mudança de visões se dá com a influência do marxismo que por meio do método conhecido como
materialismo histórico e dialético, propõe que o conhecimento não é neutro e expõe as categorias
analíticas de totalidade, contradição, empírico-abstrato-concreto e mediação, numa perspectiva
predominantemente histórica.
DEBATE DE DUAS PERSPECTIVAS DA
PSICOLOGIA SOCIAL
• Psicologia Social tradicional:
“... a Psicologia Social é uma ciência básica e neutra, a ela cabe descobrir as relações
estáveis entre variáveis psicossociais a fim de possibilitar ao tecnólogo social a solução dos
problemas sociais de forma consciente e não improvisada” (Aroldo Rodrigues, 1986 apud
Sawaia, 2002 apud BOCK et al, 2007, p. 50)

• Psicologia Social crítica:


“... o fundamental neste momento é a psicologia rever sua prática, pois teoria e prática têm
que vir juntas. Não se pode dividir a psicologia social em ciência aplicada e pura” (Lane,
1986 apud Sawaia, 2002 apud BOCK, et al, p. 50)
ENSINO UNIVERSITÁRIO
E AS PUBLICAÇÕES DA ÉPOCA
• O que é Psicologia Social? (1981) – Silvia Lane;
• Psicologia Social: o homem em movimento (1984) – Silvia Lane e Wanderley Codo (Orgs);

• Pesquisa de Sergio Ozella que abrange o ensino da Psicologia Social entre 1983 e 1993:
• 1983: Aroldo Rodrigues com Psicologia Social (54), J. L. Freedman (36), Salomon Asch (29),
Krech, Crutchfield e Ballachey (29) e Silvia Lane com o O que é Psicologia Social? (22);

• 1993: Silvia Lane e Wanderley Codo com Psicologia Social: o homem em movimento (63), Aroldo
Rodrigues com Psicologia Social (36), Silvia Lane com O que é Psicologia Social? (22).
• A década que se passou não só apontou pelo aumento da influência da Psicologia Social crítica,
como a adoção de autores brasileiros dentre os três mais lidos nas universidades.
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PSICOLOGIA SOCIAL
ABRAPSO
• A Crise da Psicologia Social em fins da década de 1970 não se restringiu ao Brasil, mas envolveu
diversos países na América Latina;
• A Associação Latino Americana de Psicologia Social (ALAPSO), predominantemente marcada pela
psicologia social norte americana tinha pouca representatividade na América Latina.

• 1979: aprovou-se no encontro da Sociedade Interamericana de Psicologia, realizado no Peru, a


proposta de se criar associações de psicologia social nos diversos países da América Latina;
• 1979: Silvia Lane, ao retornar ao Brasil, organiza um Encontro de Psicologia Social para discutir a
criação de uma entidade nacional.
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PSICOLOGIA SOCIAL
ABRAPSO
• 10 de julho de 1980: funda-se a ABRAPSO em evento realizado na Universidade Estadual do Rio
de Janeiro (UERJ);

• Silvia Lane esteve na presidência da associação da sua fundação até 1983, contribuindo, junto a
outros psicólogos não somente para a sua criação, mas para a produção e disseminação de uma
Psicologia com compromisso social.

Associação Brasileira de Psicologia Social


https://www.abrapso.org.br/
PSICOLOGIA SOCIAL SÓCIO HISTÓRICA
• O surgimento da Psicologia Social Sócio-Histórica veio da revisão crítica da psicologia social
brasileira, por meio de diversas contribuições, no entanto, destacando-se Silvia Lane;

• Parte da teoria marxista, portanto, do método do materialismo histórico-dialético;


• Os fenômenos sociais e psicológicos são compreendidos em sua historicidade;

• Os fundamentos da pesquisa de Silvia Lane que permanecem na abordagem sócio-histórica são a


dialética objetividade-subjetividade e a formação de mudanças de valores, partindo da contribuição
dos psicólogos soviéticos Leontiev, Luria e Vigotski, com as categorias de atividade, consciência e
identidade. (Citação extensa de Silvia Lane em BOCK et al, 2007, p. 52 – leitura direta no texto)
PSICOLOGIA SOCIAL SÓCIO-HISTÓRICA
• A referida citação sintetiza as contribuições de Silvia Lane para a Psicologia Social no Brasil;

• Reafirma-se do início ao fim, da produção teórica desta autora, seu compromisso de desenvolver
uma Psicologia que contribua para a transformação da realidade;

• A dialética de subjetividade-objetividade, parte do princípio de que não é possível partir da


dicotomia do indivíduo e da sociedade, implicando na necessidade de inserir este indivíduo na
realidade social que o constitui historicamente e apontar as possibilidades de transformação.
PSICOLOGIA SOCIAL SÓCIO-HISTÓRICA
• Silvia Lane tem como um dos seus eixos de análise a constituição do papel de valores do indivíduo,
se em um primeiro momento reporta-se ao psicólogo norte americano Charles Osgood (1916-1991)
e também era influenciada por Burrhus Skinner (1904-1990), em um segundo momento dá ênfase
aos psicólogos soviéticos, em especial Lev Vigotski (1896-1934) e Alexei Leontiev (1903-1979);

• Compreende a linguagem como mediação do processo atividade-consciência, evoluindo para o


estudo das emoções e constituindo a categoria de afetividade, ainda em uso e enriquecida por
diversas perspectivas teóricas;
• Na Psicologia Sócio-Histórica, a afetividade, se sobressai nos estudos da professora Bader Sawaia
e de seus orientandos que a tem estudado à luz do filósofo Baruch Espinoza (1632-1677).
A LINGUAGEM, A CONSCIÊNCIA E ATIVIDADE:
CATEGORIAS DA PSICOLOGIA SÓCIO-HISTÓRICA
“Em relação à linguagem, Silvia Lane sempre apontou a necessidade de se considerar os
aspectos ideológicos presentes na construção de significados. Dessa maneira, pôde
desenvolver a compreensão da linguagem como mediação no processo da consciência
fazendo clara referência ao lugar social ocupado pelo indivíduo e às determinações
históricas a que está sujeito. Ao mesmo tempo, considerar o indivíduo também como
produtor de sentidos recoloca-o em posição ativa, mesmo que de maneira contraditória. Na
verdade, a investigação da articulação entre significados sociais e sentidos pessoais
possibilitada pela atividade, concretiza a investigação da dialética subjetividade-
objetividade.” (BOCK et al, 2007, pp. 52-53)
A AFETIVIDADE COMO EVOLUÇÃO TEÓRICA
• O avanço dos estudos de Silvia Lane entre 1970 até os anos 2000, demonstram sua persistência em
compreender o indivíduo na sociedade, por meio da linguagem que ao mesmo tempo que é
produção individual, também é produção social;

• O que faz com que o homem se reconheça como sujeito? O que permite que ele se implique (ou
não) na vida cotidiana? Quais são as determinações sociais que influenciam esse indivíduo?

• A essas perguntas, surge a necessidade de se compreender as emoções na sociedade, daí a adoção da


afetividade como categoria analítica na realidade social, como campo privilegiado de estudos.
PSICOLOGIA SOCIAL SÓCIO-HISTÓRICA
“O ser humano é um todo – fisiologia e psicologia são manifestações de uma mesma
totalidade. Assim como as funções fisiológicas estão integradas, também as psicológicas
interagem, desenvolvendo funções psiconeurológicas superiores que ampliam a capacidade
humana. Em síntese, ele é produto de um longo processo histórico, no qual as mediações das
emoções, da linguagem, do pensamento e dos grupos sociais constituem a subjetividade:
consciência, atividade, afetividade e identidade.
Essa subjetividade, em sua unidade dialética com a objetividade, permite o desenvolvimento
de valores morais, éticos e estéticos.” (Lane, 1999 apud BOCK et al, 2007, p. 53)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
• As contribuições de Silvia Lane foram destacadas, pois ela foi protagonista, mas também grande
incentivadora de estudos e pesquisas que formaram dezenas e até centenas de profissionais direta e
indiretamente, estes como Bader Sawaia, Antonio Carlos Ciampa, Wanderley Codo, Suely
Teresinha, os autores do artigo desta aula, dentre outros contribuíram para a constituição de uma
Psicologia Social voltada à realidade brasileira e sua especificidade histórica;

• O compromisso social da psicologia, não se reduziu a um projeto acadêmico, mas influiu na


construção da psicologia brasileira em suas instâncias legais, com seus representantes atuando nos
Sindicatos de Psicólogos, Conselho Federal e Regionais de Psicologia e em diversos outros espaços
sociais em que se possa refletir criticamente sobre uma psicologia calcada na realidade brasileira,
permitindo a reflexão de uma Psicologia como um novo projeto para a ciência e para a profissão.
SILVIA LANE: ESTILO EM MOVIMENTO

Acesso ao documentário:

https://www.youtube.com/watch?v=J-uh19AP9kk

• Após o vídeo será realizada uma discussão sobre o conteúdo do material.

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