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Texto: A Introdução de Vy na Psicologia

Os interesses psicológicos de Vy se deram a partir de sua preocupação com a origem do homem e da cultura e
revelavam seu interesse pelos mecanismos psicológicos da criação artística, literária e das questões semiológicas
pertinentes aos símbolos, signos e imagens poéticas, considerando que esses interesses semiológicos estavam
estreitamente vinculados a uma profunda origem filosófica. As principais tendências da Psicologia russa no início do
séc. XX foram: reflexologia (Pavlov e Bekhterev), reactologia (Kornilov), paidologia (psicologia do
desenvolvimento), psicotécnica (psicologia industrial), pedologia (Blonski) e o enfoque sócio-histórico. No II
Congresso Nacional de Psiconeurologia em Leningrado, Rússia, em 06/01/24, Vy apresentou uma comunicação
intitulada Os métodos de investigação reflexológicos e psicológicos, o evento fora considerado o mais importante
daquele período e a partir dele se dá oficialmente a entrada de Vy na Psicologia.

De acordo com Munné (1982), a tentativa de esclarecer e diferenciar Psicologia russa e Psicologia social russa
foi realizada por Sapir (1929) que defendia a tese de que a psique do indivíduo é sempre uma psique socializada. Isso,
no entanto, não significa dizer que a Psicologia seja Psicologia social, pois ambas tratam de fenômenos de classes
diferentes, ou seja, a Psicologia social lida com fenômenos decorrentes do fator psicológico na história, que são
influenciados ideológica e historicamente em uma comunidade. Os anos 30 marcam intensos ataques á Psicologia
social para que ele voltasse ao referencial da Psicologia russa e romper com a filosofia social e com a sociologia,
disciplina proibida a partir de 1922 nas universidades da União Soviética. Assim, a Psicologia social russa foi
fortemente criticada e excluída do campo científico durante o período stanilista, ficando quase inexistente, pois era
identificada como uma ciência burguesa do mundo ocidental e essa crítica também foi feita a Vy. A teoria sócio -
histórica elaborada por Vy se aproxima tendencialmente da Psicologia social e se afasta da Psicologia russa, uma vez
que o conhecimento filosófico de Vy lhe permitiu realizar uma psicologia fundamentada no marxismo, não
reducionista e não mecanicista.

Texto: Sílvia Lane e o Projeto do “Compromisso Social e da Psicologia”

Sílvia Lane foi guiada pelo princípio de que o conhecimento produzido deveria sempre ser útil para a
transformação da realidade na direção da criação de condições dignas de vida para todos. O conhecimento e a
profissão deveriam estar a serviço da transformação e, com estas ideias, contribuiu para uma revolução na Psicologia.
SL formou-se em Filosofia pela USP no ano de 1956 e começou sua carreira no Conselho Regional de Pesquisa
Educacional e tinha como finalidade reformular o ensino no Brasil. Em 1965, ministrava aulas no curso de Psicologia
da Faculdade de Filosofia, Ciência e Letras São Bento da PUC. Foi no espaço da PUC que SL construiu toda a sua
carreira de profª de Psicologia Social. Em 1971, foi criada a Faculdade de Psicologia da PUC-SP, tornou-se a 1ª
diretora do curso e tinha como desafio construir um novo curso de Psicologia e ela assim o fez tornando-o referência
para os cursos no Brasil.

SL tinha claro que uma nova psicologia social só seria possível por meio de concepções teóricas fundadas em
pesquisa relevante e socialmente comprometida. E, em 1977, criou com mais dois profº um trabalho em Psicologia
nos Sindicatos e comunidades operárias de Osasco em uma disciplina intitulada “A Psicologia Social na prática
clínica”. Apesar do compromisso político de muitos profº, o instrumental teórico era voltado para atendimentos em
consultórios privados e a ideologia reproduzida por esse modelo de atendimento era a do psicólogo como profissional
liberal. Essa experiência levou tanto os alunos quanto seus profº a uma reflexão sobre os limites da teoria e da prática
psicológicas. A partir dessa experiência SL e Bader Sawaia (1995) iriam, mais adiante, chamar de Psicologia Social
Comunitária. Os relatos das intervenções realizadas em Osasco foram apresentados no 1º Encontro Regional de
Psicologia na Comunidade promovido pela ABRAPSO e pela PUC em 1981. Os anais desse encontro acabaram
transformando-se nas referências mais citadas por todos que passaram a trabalhar com a psicologia comunitária.

A ideia fixa de relacionar mais de perto a prática com a teoria levou SL à proposta de Núcleos como formas
organizadoras do curso para o 4º e 5º anos da faculdade de Psico. Estávamos em 1974/75. Os núcleos em práticas
profissionais em forma de estágio, acompanhadas de disciplinas teóricas que lhes davam sentido e permitiam a crítica
e treinamento profissional. Sua obra pode ser lida com diversos recortes. Mas, são fundamentalmente dois aspectos de
grande complexidade os que estão na sua base e apontam para essa perspectiva de compreensão do homem: a relação
subjetividade e objetividade; e a formação e o papel dos valores. Sua preocupação era investigar e compreender como
o indivíduo está implicado com a sua sociedade, como se coloca nela, o que permite ou impede que ele compreenda as
determinações sociais e como pode agir sobre elas. A partir do materialismo histórico e dialético, Lane produziu,
então, uma nova psico social, cujo objeto, em vez de “relações interpessoais e influências sociais”, como propunha a
psico social tradicional, seria o homem como ser histórico, a dialética entre indivíduo e sociedade, o movimento de
transformação da realidade. O objetivo era compreender o indivíduo em relação dialética com a sociedade; a
constituição histórica e social do indivíduo e os elementos que explicam os processos de consciência e alienação; e as
possibilidades de ação do indivíduo frente às determinações sociais.

A partir desses fundamentos, Lane desenvolveu a concepção de subjetividade em processo dialético, numa
dialética subjetividade - objetividade. Teve acesso às obras de Luria, Leontiev e Vy e, a partir deles, desenvolveu o
estudo das categorias do psiquismo: atividade, consciência e identidade. Articulou seus estudos sobre linguagem e
processo grupal à compreensão das categorias como processos constituídos por mediações. “Devemos compreender o
psiquismo como processo constante, constituído na vida concreta, por meio das ações, vivências, experiências do
indivíduo e por meio de suas relações”. SL pôde desenvolver a compreensão da linguagem como mediação no
processo de consciência fazendo clara referencia ao lugar social ocupado pelo indivíduo e às determinações históricas
a que está sujeito. Ao mesmo tempo, considerar o indivíduo como produtor de sentidos recoloca-o em posição ativa,
mesmo que de maneira contraditória. Na verdade, a investigação da articulação entre significados sociais e sentidos
pessoais possibilitadas pela atividade, concretiza a investigação da dialética subjetividade- objetividade.

“Os significados produzidos historicamente pelo grupo social adquirem, no âmbito do indivíduo, um sentido
pessoal, ou seja, a palavra se relaciona com a realidade, com a própria vida e com os motivos de cada indivíduo”. SL
nos deixou desafios: avançar na pesquisa sobre a maneira como os indivíduos se implicam ou não com sua própria
realidade é compromisso ético de quem se dedica à Psicologia. Diante do reconhecimento de que a Psicologia se
desenvolvera quase sempre sem atentar para as necessidades, virtudes e problemas vividos pela maioria da população
brasileira, o contexto a que se deveria dar atenção era o contexto econômico, histórico e social onde viviam os
brasileiros. Neste sentido é que a expressão “toda a psicologia é social” ganha uma possibilidade de compreensão
fértil para o projeto de construção de uma psicologia social efetivamente adequada aos povos brasileiro e latino-
americano.

Texto: A contribuição da Psicologia Sócio – Histórica para a elaboração de políticas públicas

A contribuição da Psicologia é fundamental para representar uma possibilidade de atuação transformadora e


deve expressar essa posição, de defesa de uma Psicologia voltada para as necessidades da nossa sociedade, acessível a
todos, contribuindo para a emancipação das pessoas e engajada na transformação social que leve à superação da
desigualdade. A compreensão da historicidade de todos os processos humanos e sociais é o recurso teórico e
metodológico que permite aliar a ciência à luta pela transformação social. Tal concepção possibilita a afirmação de
que a intervenção do psicólogo deve estar comprometida com a transformação social não só enquanto intenção e
propósito, mas como possibilidade teórica e científica.

A contradição entre subjetividade e objetividade toma forma, na naturalização da realidade. Decorre da visão
dicotômica entre sujeito e objeto a ideia de que os fenômenos, objetos do conhecimento, têm uma natureza intrínseca,
que deve ser buscada em cada ser e que por isso são “naturais”. O movimento da realidade deve-se ao
desenvolvimento natural do Ser, que muda ou evolui sem perder sua identidade fundamental. O homem, sujeito da
modernidade, é o homem do capitalismo, ao mesmo tempo proclamado indivíduo livre e submetido ao movimento do
capital, a contradição capital- trabalho. O materialismo histórico e dialético incorpora ao método a compreensão do
movimento da realidade como resultado da contradição presente em cada ser e determinante da relação entre sujeito e
objeto; incorpora ao método a noção de transformação.

Tais formulações decorrem da realidade concreta deste tempo. As novas noções são expressão das formas
atuais de concretização da relação capital- trabalho. Trata-se do capital financeiro, volátil e efêmero no seu
compromisso com a materialidade da produção; e do trabalho flexibilizado e fragmentado em decorrência do
desenvolvimento tecnológico. Neste estágio do desenvolvimento capitalista, implica um lugar para o simbólico que
lhe dá o estatuto ilusório de realidade autônoma (independente da materialidade) e instável (sujeita a uma dinâmica
incerta porque relativa ao próprio símbolo e suas significações). E isso é ligado ao desenvolvimento tecnológico. Hoje
não é possível falar da tecnologia sem a ciência e da ciência sem a tecnologia. A ciência e o conhecimento passam ater
um papel central na justificativa do processo histórico, que deixa de ser visto como histórico e passa a ser visto como
processo gerador de condições variadas, o que explica o relativismo: não há processos gerais. A historicidade é
substituída pela inexorabilidade: o desenvolvimento tecnológico e científico é tomado como se fosse autônomo, em
um movimento gerado pela própria tecnociência. Nessa sociedade tecnológica o papel dos signos e símbolos são
considerados fator de explicação para os fatos ou a realidade como um todo. Imbricada com o desenvolvimento
tecnológico, a produção simbólica aparece como se fosse autônoma em relação à realidade objetiva; e, na
inexorabilidade desse desenvolvimento, passa a ser vista como criadora da realidade objetiva.

O sujeito da modernidade era o sujeito da racionalidade, essa que está na base da ciência moderna. Apesar
disso, o indivíduo continua a ser afirmado, não mais pela identidade social do trabalho autônomo, que justificava
ideologicamente o capitalismo ascendente, mas pela singularidade e imediaticidade de suas experiências e vivências.
Tais experiências e vivências decorrem das novas possibilidades da era tecnológica: renovação constante, flexibilidade
e lugares alternativos. Questionada a racionalidade, outras dimensões do indivíduo são valorizadas; ganha destaque a
afetividade, pois além de ir além da racionalidade, seria a dimensão que está na base das novas vivências. Com isso, o
individualismo, em vez de se enfraquecer, é exacerbado pela emoção e pelo questionamento da racionalidade, os
aspectos das novas vivências propiciadas pela sociedade tecnológica encontram-se em ações como: o culto ao corpo e
à aparência, reforçado pelo consumismo; pela dificuldade que os indivíduos têm em sentirem-se responsáveis por algo
mais que em si mesmos e da rejeição do compromisso com questões sociais e políticas (“eu não tenho culpa, não
participo da produção da desigualdade”; “políticos são todos iguais, só pensam nos seus interesses”). Todo o processo
implica alterações na subjetividade: mudanças nas noções de espaço e tempo; no significado do trabalho; ênfase no
caráter pragmático de todas as coisas, desde o conhecimento até as trocas; crescente individualização e valorização do
espaço privado, que se torna, contraditoriamente, cada vez mais público. O espaço público perde seu caráter de espaço
coletivo, de encontros e trocas. A rua não é mais espaço de produção, é lugar do medo, da reserva, das
individualidades iguais, massificadas, que transitam e não se reconhecem. Isso impõe a necessidade de afirmar a
historicidade de um processo que é subjetivo – objetivo, em processo dialético.

A partir da psico sócio-histórica e o método da dialética, entende-se a produção da modernidade como


contraditória , porque reveladora, da contradição material, a contradição de classes. Com esses pressupostos, pode-se
resgatar a ideia de um sujeito capaz de produzir sua emancipação, desde que se anuncie e denuncie o que o constitui.
Trabalha-se na psico sócio- histórica, com as categorias atividade, consciência e identidade; com a linguagem como
uma das mediações fundamentais no processo atividade – consciência. Em sua constituição histórica, o homem produz
sentidos subjetivos, que são registros emocionais, produzidos a partir da atividade, a qual inclui a apropriação dos
significados sociais. Os sentidos pessoais, produzidos pelo sujeito, revelam a presença ativa do indivíduo nesse
processo, podendo representar uma complexificação, uma ratificação ou uma naturalização aparente da contradição
social. Revelar as possibilidades e limites deve ser o trabalho de investigação e intervenção a partir da Psicologia. A
análise das possibilidades na discussão de políticas públicas é um exemplo de como isso pode ser feito.

As políticas públicas devem ser democráticas, garantir os direitos sociais básicos, promover a cidadania,
contar com a participação popular e etc, mas envolvem também a dimensão subjetiva de todos os seus atores. A
Psicologia tem o que dizer a esse respeito; e a Psicologia Sócio – histórica propõe que se leve em consideração a
historicidade dessa dimensão subjetiva. As condições históricas de nossa sociedade implicam subjetividades
diferentes. As políticas a serem elaboradas devem reconhecer essa realidade e contribuir para sua superação. A PSH
aponta para como o processo social que produz a desigualdade produz, também, a alienação dos sujeitos. Enfocando a
fragmentação entre o pensar, o sentir e o agir, entre a atividade e a consciência, propõe formas de intervenção que
contribuam para desvendar o processo social que engendra subjetividades assim constituídas e para que se resgate a
dialética do processo subjeito – objetivo, superando contradições. Desconsiderando-se o caráter histórico das
experiências subjetivas, corre-se o risco de elaborar políticas públicas que falam de um indivíduo ilusoriamente
universal e com isso mascara-se a desigualdade social e o que a produz. Ou que falam de um sujeito individual e
único, incapaz de compartilhar espaços e vivências. Em ambos os casos, o resultado é a manutenção da desigualdade e
da situação que a produz. Tais concepções, cumprem papel ideológico. É a Psicologia ideologizada, seja a serviço de
normatizações e regras sociais, seja a serviço da diversidade individual, de projetos individuais e do momento
presente.

A proposta da PSH vai na direção do indivíduo que tem projetos coletivos e que insere seu projeto de
felicidade individual na felicidade coletiva. Para isso, recupera a noção da historicidade do homem e reafirma o sujeito
como histórico. Apresenta-se como referência para a avaliação da prática profissional e para a participação na
elaboração e implementação de políticas públicas. A atuação em políticas públicas deve ser direcionada a resgatar o
homem de seus medos, de sua introjeção, torná-lo saudável em condições de participar da transformação da realidade
que o oprime.

Texto: Tese Central de Vy sobre as emoções (Toassa)

O primeiro tópico é a Defesa do papel orientador dos afetos no decorrer da atividade pensante. Eles não
cessam quando o pensamento inicia-se: contudo, concluímos que a função psicológica dominante na vivência seja a
do pensamento. Vy entende que em toda ideia existe uma relação afetiva do homem com a realidade nela
representada. Existiria, contudo, uma influência das circunstâncias: um exemplo pode ser o do próprio processo
dialógico, no qual cada pergunta torna necessária uma resposta, cada incompreensão demanda uma explicação. A
linguagem falada seria regulada por uma situação dinâmica que decorre de sua própria natureza e dos seus
condicionamentos situacionais.

O segundo tópico de nossa reflexão trata da relação entre pensamento e palavra, cujo foco é a natureza
psicológica da linguagem interior e sua relação com o pensamento. A questão dos afetos se integra nesta relação. Vy
mostra como ocorre um desencontro entre os aspectos semântico e sonoro da linguagem. O significado é a unidade
básica da relação pensamento-linguagem; um fenômeno tanto discursivo quanto intelectual que se desenvolve.
Compreender as relações texto-subtexto é compreender o próprio pensamento e até as vivências. Essa ideia ratifica o
caráter estrutural das emoções, mostrando, com o vocábulo subtexto, uma unidade entre palavra, entonação e
gestualidade: múltiplas vias de entrada para a análise da vida emocional. Conclui-mos que a palavra impacta o sujeito
não só intelectualmente, mas também afetivamente, desencadeando uma cadeia de processos psicológicos. Essa dupla
composição do sentido mostra o quanto a palavra é, para Vy, uma estrutura aberta, absorvendo de todo o contexto os
conteúdos intelectuais e afetivos, adquirindo uma singularidade expressiva que perde em generalidade. Vy encaminha-
nos para considerar que a possibilidade de comunicação de certa vivência dependeria tanto de condições psicossociais
existentes numa interação humana, quanto dos objetivos da comunicação e da modalidade de linguagem. Analisando
Dostoievski, defende que “é possível exprimir pensamentos, sensações e reflexões profundas com uma palavra. Isto é
possível quando a entonação transmite o contexto psicológico interior do falante”. Cremos que nem todo conteúdo
pode ser comunicado em poucas palavras. A recriação linguística da vivência vigotskiana da monografia “A tragédia
de Hamlet, o Príncipe da Dinamarca”, por exemplo, na tradução brasileira, não tem 252 páginas e o pressuposto inicial
de que a peça era inefável? Não eram as palavras de Hamlet meros fragmentos de suas vivências, lançando as demais
personagens em confusão, gerando uma verdadeira explosão polissêmica, para além do sentido aparente dos
acontecimentos? Pode-se afirmar que, para nosso autor, o encontro entre vivência/emoção e linguagem, como o do
pensamento com a linguagem, não é coroado por facilidades.

O terceiro tópico a se enfocar no “Pensamento e Linguagem” é a categoria vivência. Sua aparição é rara. Vy
não volta a declarar que esta é a categoria de análise sistêmica da consciência/personalidade, mas tampouco o nega.
Omite-se também a categoria personalidade, em benefício das considerações acerca da consciência. De modo
consistente com o emprego anterior do termo nos textos pedológicos, a vivência refere-se a conteúdos intelectuais,
discursivos, sensoriais, motores e afetivos. “Como mostra a investigação, a medida de generalidade é o momento
primeiro e fundamental em qualquer funcionamento de qualquer conceito, assim como no vivenciamento do conceito,
como se pode ver pela análise fenomenológica”. Das várias ocorrências da palavra, podemos depreender que a
vivência é uma das dimensões metodológicas destinadas à descrição da relação sujeito-objeto. A vivência torna-se
unidade dinâmica da vida consciente, marcada pela referência ao corpo, às representações e ideias, ou ao mundo
externo; com maior atividade desta ou daquela função psíquica. A lógica empregada é dialética, pois observa o
humano em permanente movimento, relações de parte-todo, síntese e mudança histórico-cultural pela qual o sujeito
reconhece-se tanto como objeto no meio, como se nega como algo coincidente com o que o rodeia, como com outros
homens, afirmando suas relações com as condições particulares encontradas.
A nova ideia de vivência abrange, na teoria histórico-cultural, vários tipos de estado da consciência e de
intensidade existencial – pois se trata simplesmente da relação interior da consciência com o meio, generalizável na
linguagem, e não um estado psicológico especial. Embora implique também as dinâmicas profundas da personalidade
e do discurso, não se relacionam apenas às situações de grande impacto emocional. A ontogênese mostra como as
vivências podem ser relativamente generalizadas na linguagem; mostra como os processos psicológicos que assumem
o plano de figura na hierarquia da consciência podem ser nomeados de acordo com a linguagem social, sofrendo um
salto qualitativo importante quando surgem as chamadas formações afetivas: a criança passa a não atribuir sentido
apenas a aspectos externos das suas vivências, aos processos psicológicos parciais, e às sensações corporais intensas,
mas às próprias vivências de si, às características estáveis de sua personalidade. Seus desdobramentos internos não se
realizam apenas no presente: com a aquisição das funções intelectuais da linguagem, é possível imaginar como
vivenciaríamos certa situação – atributo do caráter abstrato que os processos psicológicos vão adquirindo, da evolução
do cérebro.

Vy, no decorrer de sua obra, também se indaga sobre o papel metodológico do conceito de vivência. Este
serviria tanto como fonte de informações sobre o funcionamento neuropsicológico humano, diferenciando vivência e
comportamento. O problema das vivências é fundamental para resolução dos conflitos emergentes nas eventuais crises
de desenvolvimento infantil. Se anteriormente os conflitos eram apenas entre a criança e seu entorno; entre os motivos
externos que se lhe ofereciam, a crise dos sete anos de vida mostra que os conflitos passam a transcorrer no núcleo
interior das vivências, pois podem se estruturar lutas verbais internas entre os motivos. Parece-nos óbvio deduzir que a
história do núcleo interno das vivências – num corte transversal, das dimensões mais profundas da personalidade
infantil – também é a história de anteriores interações da criança com a realidade social, e especialmente, das crianças
para consigo mesmas a partir dessa realidade social.

O conceito de emoção/sentimento/afeto envolve questões bem mais delicadas, e um lugar teórico distinto do
das vivências, que implica em muitos desafios teórico-metodológicos. O primeiro texto vigotskiano em que se
desenvolveram ideias importantes sobre o conceito de emoções, já sem se confundir com o de vivências, foi a
“Psicologia da Arte”. Nele, reação e vivência vêm a ser categorias muito amplas, abarcando fenômenos que
transcendem a própria arte. Para Vy, a base das reações estéticas são as emoções suscitadas pela arte, ou seja, trata-se
de um tipo de reação essencialmente emocional, uma energia concentrada no sistema nervoso central que articula
fantasias, representações, estados internos e manifestações corporais externas, de um modo ambivalente que culmina
na catarse especificamente estética. Vivenciar uma obra literária é quase como sentir a história na própria carne,
desejos, percepções e memórias (lembremo-nos de que, no Hamlet, Vy considerava fundamental a identificação com a
personagem para uma plena vivência da peça). A reação emocional comum, cotidiana, que ocorre independentemente
da arte, seria outra subcategoria, outro tipo de reação diferente da estética. A obra de arte relaciona-se às memórias,
impressões, representações, sentimentos do sujeito, produzindo uma excitação emocional que pode culminar em
catarse. As emoções estão no centro do impacto subjetivo e das manifestações corporais externas. A atmosfera da obra
induz a reação estética valendo-se, para tanto, de múltiplos recursos semióticos, entre eles, das palavras e dos
silêncios, como indicam suas análises do “Hamlet”. Se considerarmos apenas os comentários do próprio Vy, e não
suas citações de outros autores, perceberemos que, da “Tragédia do Hamlet”, para a “Psicologia da Arte”, a ocorrência
de palavras como emoção, sentimento, afeto, paixão e estado de ânimo e derivadas sofre um salto: de 46 para 125
páginas (embora o livro seja, também, cerca de 50% mais extenso). Nessa mudança, ocorre também uma considerável
diversificação interna do tema, a qual evidencia, para além de uma fenomenologia das emoções estéticas, um processo
de construção de um conceito teórico em suas múltiplas propriedades definidoras, além das relações de causalidade
determinantes de sua dinâmica.

Inscrevem-se as emoções no interior da teoria histórico-cultural: as emoções são funções psíquicas superiores,
funções mentais cujas formas e conexões biológicas, inferiores, são transformadas pela vida social e cultural.

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