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Os Dez Mandamentos (para escrever textos acadêmicos),

Julienne Hanson

A vida acadêmica tem uma certa “moralidade”. A pesquisa é cooperativa, e


dependemos de outros para progredir. As idéias devem ser livres e livremente
concedidas; temos contudo a responsabilidade de tratar a propriedade
intelectual com respeito. Devemos obedecer a certas regras de
comportamento, particularmente ao escrever idéias na forma de textos
acadêmicos. Bons hábitos adquiridos duram a vida toda; estes são os
principais a cultivar.

1. Seja explícito quanto à estrutura de sua argumentação desde o princípio.


Todo texto precisa de uma introdução, uma discussão principal e uma
conclusão. Exponha sua posição no início - i.é., diga o que você vai fazer,
faça-o, e diga o que fez. Seu leitor estará exatamente na sua posição desde o
começo do texto e pode interagir com suas idéias quando elas aparecem
porque sabe para onde a discussão caminha. O oposto é manter o leitor no
escuro sobre a força de sua argumentação, a ponto de ele ter de confiar
sempre na relevância do que é dito e então tirar o coelho da cartola ao final, na
forma de algumas idéias ou conceitos que você guardou até a conclusão. É
inadmissível porque, para discutir com você, o leitor tem de ler o trabalho duas
vezes. Isto pode acontece quando você está escrevendo um rascunho e se dá
conta do que é o trabalho somente quando o termina; nestes casos você tem
de por as idéias principais no começo e rescrever tudo.

2. Comece com o problema ou questão que pretende resolver, não com


alguma teoria grandiloqüente. Erro comum é expor idéias teóricas no princípio
à guisa da estrutura geral do trabalho. O leitor terá a expectativa de que você
vai fazer progressos relativos a estes grandes problemas teóricos. A
probabilidade é que você não vai inovar neste nível; quando passa a discutir
suas próprias idéias, fica difícil relacioná-las à estrutura que definiu. Se
começar com um problema modesto, pode ser que não chegue a grandes
avanços, mas poderá surpreender o leitor ao relacionar idéias teóricas ao seu
problema e esclarecê-lo. Este é o melhor caminho para uma boa teoria.

3. Uma boa idéia basta para escrever um texto; mas uma idéia, ou hipótese, é
essencial. Apresentar o trabalho de outros de maneira descritiva não basta.
Tentar uma análise sem qualquer idéia do que você pretende conseguir,
apenas com a esperança de chegar a algo, pode bastar no estágio inicial de
um curso, mas não para um trabalho substancial como uma dissertação.
Carece acrescentar algo na forma de uma intuição, a aprofundar pela reflexão.
Não procure resolver muitos problemas num só trabalho – a tentação “já que
estamos falando nisso”. Se tentar discutir mais que um determinado conjunto
de idéias num só trabalho, a probabilidade é que você termine num atoleiro.
Selecione uma boa linha de investigação e tenha a esperança de levantar
questões relevantes no seu trato.

4. Todo texto precisa de um problema (que é diferente de um campo de


pesquisa), um conjunto de dados, um corpo de literatura e uma hipótese. Você
nada conseguirá sem os quatro. Um campo de estudo é uma área abrangente -
e.g., a relação entre habitação e o estado – que contém muitas possíveis linhas
de pesquisa. Nomear o campo lhe localiza numa comunidade de pesquisa mas
não lhe ajuda a ser claro acerca do que você vai fazer ou o que você pretende
acrescentar. É preciso identificar um problema específico no qual você
pretende progredir - e.g., a medida que a participação de potenciais usuários
no planejamento habitacional influencia a forma final do projeto. Você saberá
quando identificou um problema, ou uma questão, porque neste ponto verá
como chegar a uma resposta ao tratar um conjunto de dados. Nem tente
escrever sobre algo sem boas informações pelas quais testar suas idéias. No
caso hipotético é uma amostra de projetos residenciais com sabidamente
diferentes níveis de participação de usuários no processo de projeto; as
possíveis variáveis que poderiam dar conta das diferenças precisam ser
estudadas. Não selecione seus dados como meio de disfarçar uma
argumentação pobre. Se fizer isso, seus inimigos logo o desmascarão. Você
deve ser o primeiro a indicar dificuldades com a escolha de suas informações,
não o último. Afinal, selecionar dados para impulsionar idéias fracas é blefar;
mesmo que você se saia bem estará enganando a si próprio. O próximo passo
será revisar o saber tradicional ou o “estado da arte”, antes de apresentar suas
próprias idéias. Contextualize seu trabalho; demonstre conhecer sua relação
com outros trabalhos no campo.

5. Escreva na terceira pessoa – “este texto trata de...” – não na primeira. Isto
pode parecer pedante, mas o objetivo é distanciar você e seu investimento
emocional na sua produção enquanto autor, do texto como produto, ao fazê-lo
o máximo independente. O trabalho que você escreve deve ser uma estrutura
de idéias independente que não precise de sua intervenção em qualquer
momento, para dar uma opinião, expressar uma crença, adicionar um
esclarecimento. Partimos do princípio de que você escreve por ter encontrado
algo a ser partilhado. O fato de o trabalho estar sendo feito por você não
importa; devemos julgar a qualidade das idéias sem referência a você como
pessoa. A crítica é dirigida ao esclarecimento das idéias colocadas no papel,
não a você.
6. Apresente as idéias antes de avaliá-las. Para começar, não pressuponha
que o leitor está familiarizado com tudo que você leu; sobretudo, você deve
apresentar o trabalho aos outros da maneira mais desapaixonada possível,
para que o leitor possa formar um julgamento independente quanto à sua
relevância e limitações. Então faça sua avaliação, com a qual o leitor
concordará ou não. O objetivo não é controlar o debate por meio de uma visão
definida, mas testar a robustez das idéias, inclusive as suas. Se você não
estiver preparado para fazer isto, não poderá aprender. Não seja metafórico.
Se vale a pena dizer algo, que seja dito rigorosamente. Metaforizar é
esnobismo intelectual. (...)

7. Sempre revele a fonte de suas idéias e a influência no seu trabalho de


idéias alheias, o melhor possível. Claro, às vezes é difícil dizer de onde vem
uma idéia, particularmente quando se sintetiza o trabalho de muitas pessoas.
Pelo menos não faça o oposto: roubar disfarçadamente a propriedade
intelectual de terceiros. Na pior versão, apresentar cópia do trabalho de outros
como seu é plágio, bilhete expresso para o fracasso. Lembre-se: toda idéia é
provisória. Depois de esboçar o problema, examinar a literatura e analisar as
informações, suas idéias continuam sempre provisórias. Você precisa discutir
suas descobertas e interpretá-las à luz de tudo que disse até o momento;
quando tiver feito isso, poderia chegar a alguma conclusão, mas apenas
poderia. Nunca somos capazes de provar nada e nada será verdade eterna.
Você poderá mostrar uma relação, sugerir descobertas, apontar fraquezas na
sua argumentação (tanto quanto sua força) e indicar as mais aparentemente
promissoras linhas para futura investigação. A modéstia deve estar na ordem
do dia; ao aceitar que demos o melhor de nós, a pesquisa pode ser atividade
muito prazerosa. Tudo que sabemos é que provavelmente alguém surgirá com
uma formulação mais clara (não logo, se fizermos bem nosso dever de casa).

8. Sem conversa fiada. Seu objetivo é convencer com uma boa discussão, não
com argumentos jornalísticos ou por meio de adjetivos. Não faça perguntas
retóricas. (...) Não pressione o leitor a concordar com o que diz. Pare e pense
tão logo sinta a tentação de introduzir idéias normativas – cuidado com as
palavras que você próprio tem dificuldade em decodificar, como “sucesso”,
“bom”, “fracasso”, “inapropriado”. Tampouco use jargão. O tamanho das
palavras não mede suas idéias. As melhores idéias podem ser ditas de
maneira muito simples: pensamento pouco rigoroso vem vestido em frases de
efeito. Imagine que você precise explicar suas idéias para sua mãe; parta daí.
9. Refira-se a exemplos tanto quanto possível. É sempre melhor argumentar
por meio de exemplos do que de forma abstrata. Isto dá ao leitor algo concreto
a que se referir, mas seus exemplos devem ser pertinentes. Isto se aplica a
figuras e desenhos, tanto quanto a casos. Sempre interprete os diagramas que
usa no texto – mesmo quando eles lhe parecem evidentes. Inversamente,
nunca deixe margem a dupla interpretação, por não ter explicitado bem as
coisas e o leitor ter de fazê-lo por você. Não pressuponha que o leitor verá as
coisas da mesma maneira que você.

10. A discussão não deve apresentar hesitação, repetição ou desvio do


assunto. Muitos encadeamentos de idéias são difíceis de seguir, mesmo
quando apresentados claramente, sem demasiada elaboração. Censure seu
próprio trabalho para eliminar tudo que não seja essencial ao argumento.
Freqüentemente são partes desnecessárias que provocam problemas de
convencimento no leitor. Essa razão basta para evitar colocar no papel
questões que não tenha absoluta necessidade de levantar para se fazer claro.

São regras que procuramos seguir ao escrever textos acadêmicos. Segui-las


pode não levar ao Prêmio Nobel de Literatura, ou mesmo a peça jornalística
digna de suposto correspondente de arquitetura do “Jornal da Comunidade”,
mas dar-lhe-á a satisfação de fazer pequena porém bem-formatada
contribuição ao conhecimento. Se se habituar a testar seu trabalho por estes
critérios, negar-me-á o prazer de dizer “não lhe avisei?”...

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