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PSICOLOGIA

SOCIAL

Daiane Duarte Lopes


A evolução histórica
da psicologia social
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

„„ Identificar a gênese da psicologia social.


„„ Articular momento histórico inicial, primeiros escritos, contribuições dos
teóricos europeus, influencias anglo-americanas e latino-americanas.
„„ Contextualizar as influências sociológicas, políticas e filosóficas da
psicologia social.

Introdução
Neste capítulo, você vai acompanhar um panorama sobre a história da
psicologia social desde sua base europeia, seu enraizamento nos Estados
Unidos, a crise na América Latina e suas inspirações trazidas da sociologia,
política e filosofia. A escrita se desenvolverá de forma que você possa
entender o contexto histórico do surgimento da necessidade de pensar
sobre a influência dos aspectos sociais nos indivíduos.

A gênese da psicologia social


A psicologia social surgiu precisamente no momento de transição do século
XIX para o século XX, inicialmente abordada como uma área de aplicação
da psicologia para estabelecer uma ponte entre a área e as ciências sociais
(sociologia, antropologia). Sua formação acompanhou os movimentos ideoló-
gicos e os conflitos do início do século, a ascensão do nazi-fascismo, as duas
grandes guerras e a luta do capitalismo sobre o socialismo.
Considerado um dos pais da psicologia moderna, Wilhelm Wundt (1832-
1920) era médico e psicólogo experimental e não só inaugurou a utilização e
os limites da análise experimental, como também abriu espaço para o estudo
do comportamento dos indivíduos e seu reflexo no mundo. Wundt escreveu
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sobre Völkerpsychologie (em português, “Psicologia popular ou cultural”) que


seria uma ciência psicológica criada para estudar fenômenos como magia,
cultura, linguagem e gestos, processos que, no entendimento de Wundt, não
poderiam ser compreendidos isoladamente.
Paralelamente aos estudos de Wundt, ocorreram os estudos de Émile
Durkheim (1858-1917), antropólogo e sociólogo, que propôs uma análise das
representações coletivas e defendia que esse campo pertencia à sociologia. No
entanto, Durkheim concordava com Wundt referindo ser um campo de estudo
da psicologia social os estudos da subjetividade e da cultura.
Tanto para Durkheim quanto para Wundt, a compreensão do conheci-
mento produzido estava relacionada diretamente a uma forma sociológica
de psicologia social, ou seja, como se desencadeia a experiência social que o
indivíduo vivencia a partir de sua participação nos diferentes grupos sociais
com os quais convive (Fig. 1).

Figura 1. A ilustração exemplifica a diversidade a qual a


psicologia social toma para si como campo de estudo.
Fonte: karavai/Shutterstock.com
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„„ 1879: Wundt funda o primeiro laboratório de pesquisas em psicologia, o Psycho-


logische Institut na Universidade de Leipzig.
„„ 1895: Durkheim publica seu livro Regras do método sociológico.
„„ 1900-1920: Wundt publica Völkerpsychologie (Psicologia popular ou cultural) em
10 volumes.

Momento histórico inicial, contribuições


e influências
O termo psicologia social foi utilizado pela primeira vez por James M. Baldwin
em 1887 em seus trabalhos sobre o desenvolvimento moral e social da criança
e em 1899 foi retomado por Edward Ross em uma conferência de estudos da
sociologia.

Primeiros escritos
O cientista social francês Gustave Le Bon (1841-1931) publicou Psicologia
das multidões (1895), originando um ponto de partida para o entendimento
da psicologia social: o conceito de mente coletiva, em que cada indivíduo,
ainda que com suas particularidades, quando ligado a um grupo, pensa e age
conforme o grupo.
A obra do psicólogo inglês William McDougall, An Introduction to So-
cial Psychology (em português, “Uma introdução à psicologia social”), com
uma perspectiva centrada no indivíduo, propôs que o social está inscrito na
natureza biológica do ser humano. A obra do sociólogo Edward Ross, Social
Psychology, an Outline and Sourcebook (em português, “Psicologia social,
um esboço e um livro-fonte”), sobre a compreensão do comportamento social,
explica como crenças, sentimentos e ações podem desencadear as interações
sociais. Também foram um marco teórico para a psicologia social.
Assim, a psicologia social tem sua gênese marcada pela coincidência de
uma “dupla paternidade” entre a psicologia e a sociologia.
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Contribuições europeias
Na Europa, berço da psicologia social, os estudos iniciaram focados nos grupos
e nas coletividades. Nesse momento inicial, a psicologia social demonstrou
uma identidade própria e mostrou, desde então, sua real e objetiva preocupação
com a estrutura social latente no indivíduo.
Os temas mais frequentes na abordagem da psicologia social europeia são
as relações de identidade social e as representações sociais. E, ainda hoje, é
difundida, aplicada e exercida por ser considerada significativamente válida
no contexto europeu.

Influências anglo-americanas e latino-americanas


Na América do Norte anglo-americana, prevalece um olhar individualista, em
que as atitudes e a percepção do indivíduo têm uma influência significativa na
abordagem da psicologia social. Vários teóricos aprofundaram seus estudos sobre
esse tema, entre eles estão: Heider (1946) com sua teoria do equilíbrio, em que “as
pessoas tendem a manter sentimentos e cognições coerentes sobre o mesmo objeto
ou pessoa”; Asch (1946), que escreveu sobre as percepções sociais, concluindo que
“a ordem com que as informações são recebidas afeta a formação da impressão
global”; e Festinger (1954), que desenvolveu a teoria da dissonância cognitiva, em
que “as pessoas são motivadas a procurar equilíbrio entre atitudes e ações”. Na
América do Norte, os estudos mais frequentes da psicologia social giram em torno
da cognição social, das atitudes, dos processos grupais ou da neurociência social.
Na América Latina, ainda no surgimento dos estudos em psicologia so-
cial, o indivíduo foi o foco. E por volta da década de 1970, uma abordagem
estimulada pelo contexto social vivido, em que conflitos e desigualdades
sociais e políticos eram relevantes, surgiu a necessidade de um olhar mais
individualizado sobre a psicologia social nesse cenário.
Martin-Baró (1942-1989) lançou olhar sobre uma psicologia social em
que o comprometimento com a realidade social esteja presente, bem como a
atuação do psicólogo social possa contribuir para a estruturação de identidades
pessoais, coletivas e históricas, ambicionando a promoção de mudanças. Essa
temática emerge dos conflitos vivenciados e da urgência de soluções práticas
contextualizadas e competentes. Questões como estereótipos, autoimagem,
identidades sociais, relações de gênero e poder social são abordadas sempre
na expectativa de resolução para os problemas vivenciados.
No Brasil, a psicologia social teve seu início influenciado por estudos
norte-americanos no final da década de 1970. No entanto, não tardou para que
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os psicólogos sociais rompessem com essa lógica de estudo, abraçando uma


temática com foco no contexto brasileiro, abordando assuntos como violência
doméstica, pobreza, crianças de rua, desigualdade e exclusão educacional.
Pensadores como Nina Rodrigues (1862-1906), Gilberto Freyre (1900-1987),
Arthur Ramos (1903-1949) e os antagônicos da atualidade Aroldo Rodrigues
e Silvia Lane desenvolveram seus referenciais teóricos em que o indivíduo é
concebido como uma criação histórica-social. Assim, indivíduo e sociedade se
influenciam de maneira recíproca. Contudo, essa inspiração teórica da psicologia
social, no Brasil, deixou à margem a cultura, aniquilando parte do potencial para
o desenvolvimento pleno de uma psicologia social efetivamente “brasileira”.

Até aqui você pôde perceber como são variadas as abordagens teóricas em torno
da psicologia social. Isso ocorre, pois estamos em constante transformação. Nosso
mundo interno se alimenta dos conteúdos que emergem do mundo externo e, como
nossa relação com o mundo externo é incessante, estamos sempre absorvendo, em
movimento, em processo de transformação.
Por isso, a psicologia social tem um papel importante para a compreensão dos indiví-
duos. Sua metodologia e seu corpo teórico captam o indivíduo em movimento e busca
intervenções em torno das políticas públicas que organizam e reorganizam a vida social
aumentando ou diminuindo os efeitos da desigualdade social e da miséria no mundo.

Influências sociológicas, políticas e filosóficas


da psicologia social
Precursores da sociologia, como Saint-Simon (1760-1825), Auguste Comte
(1798-1857), Herbert Spencer (1820-1903), Gabriel Tarde (1843-1904) e mesmo
Émile Durkheim (1858- 1917), consideraram em seus escritos tanto a psicologia
como a sociologia uma nova forma de fazer ciência. A partir desses olhares,
a sociologia se motivou a pensar sobre os aspectos psicológicos e individuais
da existência humana no campo social. Alguns pesquisadores da sociologia
visualizaram um espaço deixado pela psicologia logo no princípio do seu
surgimento. Tal movimento da sociologia provocou uma nova demanda na
psicologia, fazendo esta passar a se ocupar também com a temática social,
ocasionando o surgimento da psicologia social.
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Assim, a psicologia, ocupada em torno de aspectos sociais do comporta-


mento e suas motivações, passou necessariamente a se integrar à esfera da
política. A psicologia social e a política são territórios férteis e passíveis de
múltiplos olhares. As duas áreas têm ligações íntimas com as ciências sociais,
sendo ambas constituídas por meio dessa ciência, ao mesmo tempo em que
contribuem para expansão do seu campo teórico e prático. Associar fatores de
ordem social, política e psicológica, objetivando a compreensão da realidade
social de maneira integrada constitui os pontos de maior instigação para a
psicologia social e para a política e se compromete a estudar temas específicos,
como racismo, xenofobia, participação social, saúde pública e relações de poder.
O relacionamento da psicologia com a filosofia se dispõe a analisar questões
fronteiriças e controversas. A maneira como a psicologia, assim como a filo-
sofia, adentra o campo geral do conhecimento a posiciona em uma conjuntura
privilegiada para o diálogo com as mais diversas ciências. Inspirada pelo campo
teórico da filosofia, a psicologia social abrange um espaço privilegiado na
promoção de encontro entre as ciências. A conversação da psicologia social
com outros conhecimentos e saberes é produtiva e de fácil ligação entre as
ideias, problematizações e busca por soluções (Fig. 2).

Figura 2. Representação dos encontros que se atravessam na


constituição da psicologia social.
Fonte: Tetiana Savaryn/Shutterstock.com
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Para entender como a psicologia social não só se disponibiliza, mas também se alimenta
do diálogo com as demais áreas do conhecimento das ciências sociais, humanas e
biológicas, podemos refletir sobre os debates mais frequentes na atualidade, tais como:
questões de gênero, equidade, direitos sociais, violência, segurança, comunicação
ativa, escuta empática, democracia e inclusão.
Pensemos nas seguintes questões:
Quando você está em seu local de estudo, com seus colegas, amigos ou família,
de que formas o seu modo de pensar e de agir pode ser influenciado? Como o co-
nhecimento e as experiências alheias podem servir de ferramentas para a expansão
dos seus conhecimentos? Como as diferenças sociais, econômicas e políticas podem
ofertar maneiras diferentes de contextualizar as vivências sociais?
Em seu contexto social, na sua rotina diária, de que formas a psicologia social, a
sociologia, a política e a filosofia estão entrelaçadas?

ÁLVARO, J. L.; GARRIDO, A. Psicologia social: perspectivas psicológicas e sociológicas.


São Paulo: McGraw-Hill, 2006.
FARR, R. M. As raízes da psicologia social moderna. Petrópolis: Vozes, 2008.
RODRIGUES, A. Psicologia social. Petrópolis: Vozes, 2000.
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