Pode-se dizer que a psicologia social está no limite entre a psicologia e a
sociologia, assim como faz ligação com outras ciências sociais. Isso porque esse modelo da psicologia busca estudar o comportamento humano no contexto social em que as pessoas estão inseridas. Ela estuda a ação mútua entre sociedade e sujeito.
O código de ética da psicologia, na sua versão de 2005, insta os profissionais da
área a que atuem com “responsabilidade social”, posicionando-se de forma crítica na análise da realidade histórica, política, econômica, social e cultural do país. Exigindo assim, na atualidade, uma prática mais implicada ética e politicamente com os contextos de atuação. Num contexto brasileiro de ampla desigualdade social, faz-se necessária a presença e atuação de profissionais da psicologia engajados e comprometidos com a transformação da realidade social.
1. Pressupostos históricos, filosóficos e epistemológicos
Segundo Farr (1998), a Segunda Guerra Mundial impulsionou o
desenvolvimento da psicologia social. Ao final da Segunda Guerra, diversos cientistas sociais pesquisaram temas relacionados aos soldados e seu comportamento no contexto de guerra. Tais pesquisas propiciaram um modelo para ulteriores estudos interdisciplinares entre psicologia e sociologia, desenvolvidos majoritariamente nos Estados Unidos da América.
A teoria e a prática na psicologia social, ao longo da história, se relacionaram da
seguinte maneira: os conhecimentos produzidos segmentaram o indivíduo (consciência, inconsciente, comportamento, organismo, percepção etc.), individualizaram fenômenos psicossociais e categorizaram sujeitos, muitas vezes de forma descontextualizada. Na prática do exercício da psicologia foram priorizados os atendimentos clínicos individuais a elites, o uso de técnicas para prever e controlar comportamentos, o uso de instrumentos que pudessem auxiliar na classificação individualizada dos sujeitos. A psicologia social no Brasil foi importada dos Estados Unidos da América (a- histórica e descontextualizada). De lá foram trazidos métodos e técnicas não compatíveis com os fenômenos psicossociais brasileiros. Como resultado, deu-se a não contribuição com a realidade brasileira e colaborou com os processos de exclusão. No final dos anos 1970 gerou um debate e tentativas de se produzir uma psicologia social que atendesse às necessidades da população brasileira.
No Brasil, em 1984, foi publicado o livro “Psicologia Social: o homem em
movimento”, escrito por Silvia Lane e Wanderley Codo. Essa obra surgiu no contexto da ditadura civil-mitar. A obra simbolizou a luta do campo da psicologia por direitos, democracia e eliminação da desigualdade social. Surgiu um novo referencial, o da psicologia sócio-histórica, crítica, politizada e engajada. Nesse período a escuta individual, tarefa da psicologia, foi cerceada. Surgiu então uma nova escuta, ouviu-se, para além do indivíduo, uma dor social. Vigotski (1896-1934), com seu pensamento acerca da constituição histórica da conduta, foi um dos autores que demarcou a nascente psicologia sócio-histórica no Brasil (TOASSA; SOUZA; RODRIGUES, 2019). Em julho de 1980 ocorreu a fundação da ABRAPSO: Psicologia Social implicada com a realidade brasileira (Sócio-Histórica / Materialismo Histórico-Dialético – Sílvia Lane). Deu-se no contexto da realidade brasileira: de ampla desigualdade social, história de aculturação e colonização, vivência da ditadura militar. Ao mesmo tempo a emergência de grupos de contraforça (resistência aos processos de dominação). Começou a criar-se uma nova psicologia social histórica e contextualizada, com o objetivo de transformar a realidade social, mudança nas técnicas e metodologias de pesquisa. O pesquisador tornou-se sujeito do conhecimento (pesquisas participantes).
Os anos de 1990 se caracterizam pela aproximação da prática da psicologia em
interface com as Políticas Públicas. No entanto, foram práticas considerada ainda marginais, carente de base científica e de métodos próprios. A subjetividade e as questões psicossociais, no contexto brasileiro de desigualdades sociais, apontam para os fenômenos sociais como psicossociais e se configuram na dialética entre objetividade e subjetividade (TOASSA; SOUZA; RODRIGUES, 2019). Em suma, o principal método utilizado na psicologia social trata-se do método materialista dialético histórico de Marx, cujos pressupostos se fundamentam na filosofia materialista e encontram raízes no idealismo hegeliano 2. Objeto de estudo
Quanto ao objeto de estudo, a psicologia social procura explicar os sentimentos,
pensamentos e comportamentos do indivíduo na presença real ou imaginada de outras pessoas. Tem como foco o estudo da experiência social que o indivíduo adquire a partir de sua participação nos diferentes grupos sociais com os quais convive. Em outras palavras, os psicólogos sociais tendem a enfatizar principalmente os processos que ocorrem no interior dos indivíduos e que são responsáveis pelo modo pelo qual os indivíduos respondem aos estímulos sociais. Tendem a privilegiar os fenômenos que emergem dos diferentes grupos e sociedades.
Os problemas de pesquisa na psicologia social, que se tornam objetos de
pesquisa, estão voltados a grupos vulneráveis, contextos de desigualdades e violação de direitos. A produção de conhecimento se alinha à análise de políticas públicas.
3. Método
A inserção da Psicologia em contextos não tradicionais possibilitou maior
consolidação da Psicologia Social de perspectiva crítica. Trouxe para esse campo de conhecimento a reflexão quanto à necessidade de superar metodologias de pesquisa e práticas profissionais instituídas em contextos diversos e impulsionou a elaboração de metodologias de base qualitativa, da pesquisa participante e da pesquisa-ação.
Na atualidade, a inserção da psicologia em contextos não tradicionais tenta
constantemente romper com a tradição pragmática e positivista de produção do conhecimento, reafirmando a relação indissociável entre indivíduo e sociedade e a complexa relação da dialética de exclusão/inclusão social. Construiu-se um conhecimento a partir da apreensão das contradições e do reconhecimento de que os fenômenos psicossociais são reflexos da sociedade, não se resolvem, mas se transformam na relação dialética das contradições (SAWAIA, 2005). A construção do conhecimento a partir da apreensão das contradições e pelo reconhecimento de que os fenômenos psicossociais são reflexos da sociedade, não se resolvem, mas se transformam na relação dialética das contradições.
Nas perspectivas epistemológicas do método materialista histórico dialético a
investigação não se dá apenas como a compreensão e/ou explicação pura do real. A investigação se dá como desvelamento e, portanto, instrumentação para um determinado tipo de ação. Ação aqui entendida como uma prática implicada com as necessidades dos contextos investigados, com os lugares de fala de cada sujeito e com as políticas públicas, que possibilite ampliar a capacidade de comunicação racional e diálogos interdisciplinares e intersetoriais.
A Psicologia, como produção do conhecimento (que se alinha à análise de
políticas públicas) deve objetivar nas pesquisas, além de produção de conhecimento, transformação da realidade social. Os resultados devem contribuir com a diminuição da desigualdade social, com a ampliação da participação social dos grupos minoritários, com a ampliação de acesso a bens e serviços pelas populações vulneráveis. Os problemas de pesquisa devem estar voltados a grupos vulneráveis, contextos de desigualdades e violação de direitos.
O conhecimento para o enfrentamento das desigualdades deve respeitar o lugar
de fala de cada participante da pesquisa e o lugar de fala do pesquisador são amplamente dimensionados. Precisa haver conhecimento de campos diversos, realidades diversas, grupos diversos, construído dialeticamente. Ao mesmo tempo em que produz conhecimento da realidade, produz espaços de reflexão, reconstrução de saberes e transformação de realidades instituídas. Os pesquisadores e grupos de pesquisa produzem, mais do que o conhecimento da realidade, uma responsabilidade ética e política com as causas.
Na definição epistemológica de uma psicologia “implicada” dá-se o rompimento
do modelo tradicional da psicologia individualizante, elitizada, tecnicamente comprometida, mas política e eticamente descontextualizada. Uma psicologia implicada está alinhada aos preceitos atuais do Código de Ética do(a) Psicólogo(a) – prevalece a responsabilidade e o compromisso social para a garantia de direitos humanos. Costuma engendrar bases epistemológicas mais qualitativas.
Conclui-se com Vigostki que “o comportamento social do ‘homem’ é
determinado pelo comportamento de sua classe, e cada homem é necessariamente um homem dessa ou daquela classe”. Referências
FARR, Robert Maclaughlin. As raízes da Psicologia Social Moderna. Petrópolis:
Vozes, 1998. LANE, Sílvia T. Mauer. A Psicologia Social e uma nova concepção do homem para a Psicologia. In: CODO, Wanderley (Orgs.). Psicologia Social: o homem em movimento. 4a ed. São Paulo: Brasiliense, 1986.
SAWAIA, Bader. O sofrimento ético-político como categoria de análise da dialética
exclusão/inclusão. In B. B. Sawaia (Org.), As artimanhas da exclusão: análise psicossocial e ética da desigualdade social, (pp. 97-118, 5a. ed.). Petrópolis, RJ: Vozes, 2005.
TOASSA, Gisele; SOUZA, Tatiana Machiavelli Carmo; RODRIGUES, Divino de Jesus
da Silva (Orgs.). Psicologia sócio-histórica e desigualdade social: do pensamento à práxis. 1ª. Ed. Goiânia, GO: Imprensa Universitária, 2019, p. 111-137.
VIGOTSKI, L. S. Teoria e método em psicologia. 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes.