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PSICOLOGIA SOCIAL

Abordagens teóricas
e metodológicas da
psicologia social
Cintya de Abreu Vieira

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

> Descrever as principais perspectivas metodológicas da psicologia social.


> Identificar os métodos de pesquisa na psicologia social.
> Reconhecer as formas de intervenção utilizadas na psicologia social.

Introdução
As abordagens metodológicas adotadas por cada área de estudo têm relação
direta com os pressupostos teóricos que orientam essa escolha. Sendo assim,
na psicologia social isso não é diferente. A psicologia social passa, no decorrer
do seu desenvolvimento enquanto teoria, por um processo de diferenciação em
relação ao campo da psicologia e da sociologia, sendo fortemente influenciada
por essas duas áreas de conhecimento.
O desenvolvimento da psicologia em seus primórdios é influenciado pela
psicologia experimental, voltando sua teoria e atividades iniciais para questões
que giram em torno da pesquisa e da prática em laboratório. Em razão disso,
durante um período, a psicologia social ignorou e não teve aporte teórico e
metodológico que abrangesse áreas concretas da vida em sociedade. Con-
tudo, essa disciplina se desenvolveu em seu percurso histórico e avançou,
multiplicando seus aportes teóricos e, consequentemente, suas abordagens
2 Abordagens teóricas e metodológicas da psicologia social

metodológicas, podendo discorrer sobre questões mais complexas das relações


dos indivíduos com a sociedade e permitindo possibilidades de intervenções.
Neste capítulo, você vai estudar as principais abordagens teóricas na psi-
cologia social que se desenvolveram no decorrer de sua história e as várias
e distintas metodologias utilizadas por cada uma delas. E, por fim, vai ver as
possibilidades de intervenção na psicologia social.

Principais perspectivas metodológicas da


psicologia social
As diferentes abordagens teóricas que se adotam no desenvolvimento da
psicologia social têm relação com o tipo de metodologia que se usa nesse
campo de conhecimento e pesquisa. Jacques (2013) afirma que a concepção
sobre a pesquisa científica e, consequentemente, aquela sobre metodologia
são atravessadas pela discussão sobre o “científico”. Nesse caso, as estratégias
metodológicas estão subordinadas às teorias explicativas que o pesquisa-
dor escolhe e a partir das quais se orienta. No que diz respeito à psicologia
social, as teorias explicativas são fundadas em uma concepção de natureza
humana, ainda da relação indivíduo-sociedade, e também da necessidade e
(im)possibilidade de transformação social.
Sabe-se da complexidade dos estudos, das pesquisas e das questões
humanas; logo, as teorias têm suas limitações em dar conta do conhecimento
real como um todo e não se propõem a oferecer todas as respostas possíveis
de serem levantadas. Portanto, Jacques (2013), baseada nesse pressuposto,
afirma que há sempre uma opção teórica escolhida pelo pesquisador que vai
determinar suas escolhas metodológicas. Dessa forma, os procedimentos da
metodologia são vistos como estratégias utilizadas para integrar o empírico
e o teórico, e não como técnicas desvinculadas dos pressupostos derivados
da teoria.
Pensando nessas questões levantadas por essa e outros autores, no que
diz respeito à relação entre teoria e métodos de pesquisa dentro do campo da
psicologia social, agora vamos conhecer os principais pressupostos teóricos
que influenciaram o desenvolvimento de diferentes perspectivas metodoló-
gicas dentro da psicologia social.
Abordagens teóricas e metodológicas da psicologia social 3

Veremos os pressupostos metodológicos da psicologia social em sua con-


solidação como disciplina independente, tendo como marcas principais nesse
primeiro momento a tendência experimental da psicologia social psicológica
e o ecletismo metodológico da psicologia social sociológica. Outro momento
que veremos é o desenvolvimento metodológico da psicologia social no pe-
ríodo dos anos 1930 e 1940, em seu momento de evolução enquanto disciplina
científica independente, e tendo como principais características: o método
experimental, a mensuração das atitudes e o desenvolvimento da pesquisa
quantitativa. Outro período corresponde ao desenvolvimento metodológico
da psicologia social durante os anos 1950 e 1960. E, por último, veremos o
desenvolvimento metodológico da psicologia social atual, tendo como umas
das suas principais questões: críticas à experimentação com relação à me-
todologia quantitativa ou qualitativa. Essa organização do desenvolvimento
metodológico da psicologia social nessa perspectiva de divisão dos períodos
se baseia, aqui, principalmente no trabalho de Álvaro e Garrido (2006).
Segundo esses autores, nas primeiras décadas do século XX, a psicologia
social passa por um processo de diferenciação como disciplina independente,
simultaneamente, tanto na psicologia quanto na sociologia, tendo como
consequência uma pluralidade que caracterizou a psicologia social nessas
primeiras etapas. Na psicologia e na sociologia criaram-se linhas distintas de
desenvolvimento da psicologia social e, por consequência, formas diferentes
de compreender a disciplina.
Nesse primeiro momento, as bases teóricas do desenvolvimento da psico-
logia social estão atreladas à psicologia dos povos, uma psicologia cultural que
se inicia na Alemanha, na segunda metade do século XIX, e que, posteriormente,
é retomada por Wundt no início do século XX. Concomitantemente, surge,
também na Alemanha, a psicologia da gestalt que, posteriormente, exercerá
grande influência no desenvolvimento da psicologia social. No primeiro mo-
mento, a psicologia social está fortemente ligada à teoria dos instintos e ao
interesse pelas bases inatas do comportamento. Logo depois, essa linha de
trabalho é abandonada devido ao surgimento de uma nova corrente teórica da
psicologia, o behaviorismo, que teve seus princípios introduzidos na psicologia
social por Floyd Allport (ÁLVARO; GARRIDO, 2006).
4 Abordagens teóricas e metodológicas da psicologia social

Como nos apresentam esses autores, nesse período, dentro da sociologia,


a psicologia social sofre influência do conceito de imitação, e de trabalhos
vinculados à Escola de Chicago, tendo como principal teoria da psicologia
social sociológica o interacionismo simbólico. Nesse primeiro momento, a
psicologia social enquanto especialidade da sociologia sofre influência dos
trabalhos oriundos dos Estados Unidos e da Europa.
Jacques (2013) aponta que a nascente da psicologia social é influenciada
pela psicologia norte-americana, na concepção tanto do objeto quanto das
estratégias metodológicas para abordagem dos processos sociais. Logo, essa
influência se expande para além das fronteiras norte-americanas e, no Brasil,
fica evidente na tradução da obra de Otto Klineberg em 1959, que introduz a
psicologia social no Brasil.
Gonçalves e Yamamoto (2015) apontam que, no Brasil e em boa parte da
América Latina, as metodologias e teorias da psicologia social eram importadas
dos Estados Unidos, adaptando de alguma forma o corpus teórico-prático às
variáveis de cada país. Essa influência era evidente principalmente nos cursos
de formação, no Brasil, em formação em psicologia social, conduzidos por
professores e cientistas que realizavam seus estudos de especializações em
centros de estudos norte-americanos, ou traziam convidados norte-ameri-
canos para atividades científicas no Brasil.
Nesse período, as tendências metodológicas da psicologia social são
marcadas pela tensão entre o subjetivismo e o objetivismo presentes no
nascimento tanto da psicologia quanto da sociologia e que acompanham
o processo de diferenciação da psicologia social enquanto disciplina inde-
pendente. Nesse momento, os cientistas estavam alinhados com as ideias
positivistas de ciência, em que propunham um único método científico ao
qual as ciências deveriam ser ajustar. Essa perspectiva teve diferentes im-
pactos sobre a psicologia social psicológica e sociológica. Na primeira, teve
o predomínio da experimentação; na segunda, houve uma interpretação mais
flexível da tese da unidade de ciência, que aconteceu em sua maior parte no
contexto da Escola de Chicago, inspirada pelo pragmatismo. Isso permitiu aos
psicólogos sociais precedentes da sociologia buscarem outros referenciais
metodológicos, e nesse primeiro momento, os métodos de pesquisa qualita-
tiva coexistiam com os da pesquisa quantitativa, não trazendo controvérsias
(ÁLVARO; GARRIDO, 2006).
Abordagens teóricas e metodológicas da psicologia social 5

Entre os anos 1930 e 1940, o desenvolvimento teórico e metodológico da


psicologia social se caracterizou por influência do predomínio do positivismo
lógico, sendo uma corrente filosófica que dominou até os anos 1960 e que
não fazia distinção entre ciências sociais e naturais. As pesquisas deveriam
estar baseadas no requisito de verificabilidade e da aplicação rigorosa do
método hipotético-dedutivo oriundo da física. Nesse cenário, a sociologia
criticava muitas das premissas básicas do positivismo, e os teóricos da escola
de Frankfurt se aprofundaram nessa crítica. Nesse momento, no contexto da
psicologia, o behaviorismo era a corrente teórica que mais se ajustava aos
requisitos neopositivistas de cientificidade. A psicologia social ficou alheia
à influência dessa corrente, ainda que tenha havido tentativas de aplicar os
princípios do neobehaviorismo à análise do comportamento. Nesse sentido, as
principais contribuições da psicologia social neobehaviorista, nesse período,
foram a teoria da frustação-agressão e a teoria da aprendizagem por imitação
(ÁLVARO; GARRIDO, 2006).
Ainda sobre esse momento do desenvolvimento da psicologia social,
e mais especificamente da psicologia social psicológica, Álvaro e Garrido
(2006) pontuam que, devido a algumas limitações da corrente que abordava
o comportamento social, rejeitando as questões como a consciência e os
processos mentais superiores, a psicologia social foi mais influenciada pela
Escola da gestalt, que teve seus princípios introduzidos pela teoria de campo de
Kurt Lewin e pelo estudo experimental que ele fez sobre o comportamento
grupal. No que diz respeito à contribuição metodológica do desenvolvimento
metodológico da psicologia social, durante os anos 1930 e 1940, o desenvol-
vimento da pesquisa empírica sobre as atitudes foi impulsionado pelo surgi-
mento das primeiras escalas, sendo o marco inaugural a escala de distância
social de Emory Bogardus, primeiro instrumento para medir quantitativamente
as atitudes. Dentro do desenvolvimento das pesquisas quantitativas nessa
época surgiram as pesquisas de opinião. Nos finais da década de 1920, esse tipo
de metodologia começa a ter importância, e, nos anos 1930, há um crescente
desenvolvimento dessa metodologia (ÁLVARO; GARRIDO, 2006).
Nas décadas de 1950 e 1960 há uma crise na psicologia e na sociologia. Na
primeira, há uma crise do behaviorismo, e na segunda uma crise no funcio-
nalismo estrutural. Ambas as crises favoreceram a psicologia social. Nesse
momento, a teoria da dissonância cognitiva de Festinger foi o modelo teórico
que inspirou a maior parte da pesquisa da psicologia social psicológica nos
anos 1960. Nesse período, diferentes teorias sociológicas contribuíram para
o desenvolvimento da microssociologia, com interesse em uma análise da
interação social e nos significados que as pessoas dão às suas ações. Sendo
6 Abordagens teóricas e metodológicas da psicologia social

assim, algumas teorias sociológicas contribuíram fortemente para o estudo


dos papéis sociais, em destaque nessa época a teoria de papéis e o conceito
de grupo de referência. Nesse momento, observa-se uma pluralidade meto-
dológica maior na psicologia social sociológica em relação à psicologia social
psicológica, que se encontrava dominada pelo experimento de laboratório
(ÁLVARO; GARRIDO, 2006).
Gonçalves e Yamamoto (2015) descrevem que, na década de 1960, foi criada a
Associação Latino-Americana de Psicologia Social (ALAPSO). Aroldo Rodrigues e
outros psicólogos sociais experimentais buscaram consolidar as atividades da
ALAPSO, tendo como referência a psicologia social norte-americana. Ainda no
território da América Latina, iniciava-se um movimento antagônico à ALAPSO,
e, em consequência, várias associações começaram a surgir, identificadas
com a nova proposta de psicologia social, como na Venezuela, onde foi criada
a Associação Venezuelana de Psicologia Social (AVEPSO), e no Brasil, com a
Associação Brasileira de Psicologia Social (Abrapso).
No decorrer do desenvolvimento da psicologia social, nos períodos que
foram apresentados, diferentes acontecimentos foram dando lugar a uma
maior pluralidade da psicologia social, enquanto teoria e metodologia. Depois
da crise do behaviorismo, o paradigma de processamento de informação
passa a vigorar — o qual foi importante, mas quase não teve modificações
pela psicologia social durante os anos 1970. Nessa perspectiva, no que tange
à teoria e metodologia, seus postulados são herdeiros do individualismo
metodológico, e o experimento de laboratório continua sendo o procedimento
principal de estudo. Nesse período houve vários estudos importantes para
o desenvolvimento da psicologia social, como, por exemplo, as teorias da
ação racional e da ação planejada de Icek Ajzen e Martin Fishbeim. No con-
texto europeu, os principais estudos foram de autores como Serge Moscovici
(teoria das representações sociais e das minorias ativas), Henri Tajfel (teoria
da identidade) e Willim Doise (trabalhos sobre desenvolvimento cognitivo).
Embora utilizem uma metodologia plural, essas teorias continuam tendo como
principal instrumento o experimento de laboratório para análise e apoio para
construção teórica (ÁLVARO; GARRIDO, 2006).
Gonçalves e Yamamoto (2015) afirmam que, por volta do final da década
de 1970, alguns psicólogos sociais latino-americanos desencadearam o pe-
ríodo que ficou conhecido como "a crise da psicologia social" ou "a crise da
referência", em que se buscava um campo de ação próprio à realidade de cada
país, além de se buscar novos e diferentes caminhos metodológicos para pes-
quisas que evidenciavam a relevância ou aplicabilidade em seus respectivos
contextos sociais. Vale ressaltar que as ditaduras militares e a exploração
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vivida pelo povo latino-americano impulsionaram questionamentos sobre a


práxis da psicologia social.
De acordo com Jacques (2013), a partir da década de 1970, percebe-se
um questionamento da hegemonia da forma de conceber ciência, no que
se refere ao objeto da psicologia social, como também em seus objetivos e
estratégias metodológicas.
Logo, o desenvolvimento da psicologia social latino-americana, partindo
de perspectivas teóricas e metodológicas inovadoras, se caracteriza pelo
compromisso com a resolução dos problemas sociais e com a melhoria das
condições de vida das classes sociais desfavorecidas. Nesse cenário, final-
mente, se destaca um desenvolvimento de uma série de correntes teóricas,
enquadradas na psicologia social pós-moderna, que tem como principal traço
a rejeição da concepção positiva da ciência. Sendo assim, outras teorias so-
ciológicas vão se situando cada vez mais em uma análise psicossociológica,
rompendo com uma concepção holista da sociedade e do individualismo
metodológico, como a teoria da figuração de Nobert Elias, a teoria da estru-
turação de Anthony Giddens e a teoria do construtivismo estrutural de Pierre
Bourdieu, que abrem um campo de grande interesse para a psicologia social
(ÁLVARO; GARRIDO, 2006).

Os métodos de pesquisa na psicologia social


Agora, veremos quais são os principais métodos de pesquisa na psicologia
social e quais suas vantagens, desvantagens e implicações. Como analisam
Álvaro e Garrido (2006), dentro da psicologia há uma crise, nos anos 1950, pois
os métodos determinavam as questões que podiam ser abordadas. Por aceitar
os ditados metodológicos do positivismo, uma parte relevante da realidade
social ficava de fora do âmbito de estudo da disciplina. A hegemonia dos
estudos experimentais de laboratório, ou ainda da pesquisa quantitativa,
tornou difícil abordar, por exemplo, os estudos sobre o significado que as
pessoas atribuem aos estímulos do meio, e que não são parte essencial
de suas ações. A partir desse período, percebeu-se que o delineamento da
pesquisa deve ser orientado pela ideia de que nenhuma técnica é, por si só,
adequada ou inadequada, contudo, a adequação de cada uma delas depende
da forma como se ajustam à natureza do objeto estudado.
Veja, no Quadro 1, os principais métodos e tipos de pesquisa em psicologia
e que também podem ser utilizados na pesquisa em psicologia social.
8 Abordagens teóricas e metodológicas da psicologia social

Quadro 1. Métodos e tipos de pesquisa em psicologia

Métodos de pesquisa em psicologia

Método dedutivo Explica as particularidades.

Método indutivo Observa e experiencia.

Método hipotético Constitui-se em conjecturas.

Método dialético Equivale ao diálogo.

Tipos de pesquisa em psicologia

Pesquisa bibliográfica Baseada em documentos.

Pesquisa documental Baseada em documentos que não


receberam tratamento de análise e síntese.

Pesquisa experimental ou de Determina o objeto de estudo.


laboratório

Pesquisa ex post facto Nela, o experimento é efetivado depois dos


fatos.

Pesquisa levantamento No estudo, interroga-se de forma clara e


direta.

Pesquisa estudo de caso Analisa com profundidade um ou poucos


casos.

Pesquisa-ação Há estreito relacionamento com a realidade.

Pesquisa-participante Ocorre interação do pesquisador que


participa do estudo.

Fonte: Adaptado de Breakwell et al. (2011).

Segundo Jacques (2013), a atividade de pesquisar está ligada, no imaginário


coletivo, ao trabalho do cientista, sendo desenvolvida em um laboratório,
com destaque para os instrumentos de física e química. Essa imagem de
laboratório implica uma concepção de ciência tida como “tradicional”, na qual
os pressupostos básicos são a neutralidade, a objetividade, a experimentação
e a generalização.
Abordagens teóricas e metodológicas da psicologia social 9

Ainda segundo a autora, no século XX é instalado um questionamento a


respeito dos critérios de verdade enquanto “verdades-absolutas”; relativi-
za-se a noção de verdade e instaura-se a importância dos erros na produção
do conhecimento científico. Logo, essa relativização contém uma crítica
relevante ao modelo de ciência dominante na época e vai influenciar autores
contemporâneos de diferentes perspectivas epistemológicas, como Foucault
(1926–1984), Morin (1921–) e Kuhn (1922–1996). Logo, a busca pelo conhecimento
e não pela verdade seria o objetivo da ciência. Portanto, a constatação de um
“dado” é, ao mesmo tempo, resultado teórico e empírico, pois é primordial
decidir antes o que procurar (definição do objeto da pesquisa e do problema)
e como procurar (estratégias metodológicas). Sendo assim, relacionando a
pesquisa às diferentes formas de produção do conhecimento, associamos a
atividade de pesquisar não exclusivamente ao trabalho do cientista, mas a
essa infindável atividade humana de tentar recobrir, com alguma racionali-
dade, o “desconhecido”. Logo, sendo uma atividade que fala da vida e das
suas múltiplas formas de expressão, inscrevendo-se no nosso cotidiano e não
se restringindo às regradas e controladas situações de laboratório. É nesse
cenário que vai ser definido o que é pesquisar em psicologia e em psicologia
social e é onde vão se estabelecer os parâmetros de cientificidade para os
estudos sobre o social.
Torres e Neiva (2011) definem que a psicologia social estuda a relação
recíproca entre o indivíduo e seu meio social; por um lado, como as pessoas
exercem impacto sobre as outras à sua volta e, por outro, como são influen-
ciadas por elas. Essa relação recíproca entre o que é individual e um dado
meio social sempre diz respeito a algum objeto, espaço, ideia, pessoa, sobre
os quais se tem atitudes, disposições comportamentais ou experiências.
Há algumas formas de se estudar esse triângulo e chegar a explicações e
compreensões dos fenômenos da interação social. As autoras apontam que a
psicologia social estuda um número diversificado de assuntos e envolve uma
gama de diferentes abordagens metodológicas, e há três caminhos principais
que podem ser adotados para compreender o comportamento humano no
contexto da psicologia social empírica:

1. Observar o comportamento que ocorre naturalmente no âmbito da vida real;


2. Criar situações artificiais e registrar o comportamento diante de tarefas definidas
para estas situações;
3. Perguntar às pessoas sobre o que fazem, pensam ou experienciam acerca de
algo no passado, no presente ou no futuro (TORRES; NEIVA, 2011, p. 59).
10 Abordagens teóricas e metodológicas da psicologia social

Logo, as autoras trazem que cada uma dessas três famílias de técnicas
(observação do comportamento, experimento em laboratório e coleta de
dados) para conduzir estudos empíricos, observações e levantamento de
dados pode apresentar vantagens e desvantagens. As vantagens estão ligadas
à qualidade e à utilização dos dados obtidos e devem ser levadas em conta
pelo pesquisador quando ele for definir um método mais apropriado para
um determinado objetivo de pesquisa. Em linhas gerais, pode-se afirmar que
o ponto forte da observação é o realismo da situação estudada; já o ponto
forte do experimento é a possibilidade de randomização de características
das pessoas estudadas enquanto inferências casuais; e o levantamento de
dados, em especial por amostragem, o survey, permite melhor representativi-
dade e possibilita uma generalização para uma população além da estudada.
De acordo com Torres e Neiva (2011), ainda que existam diferentes ma-
neiras de se usar os métodos para pesquisar fenômenos sociais, existem
alguns pontos em comum que precisam ser levados em conta para aumentar
a probabilidade de alcançar resultados úteis. Existem alguns critérios para
qualidade da pesquisa social. O primeiro passo para realizar uma pesquisa é
definir e delimitar a pergunta de pesquisa. Logo, quanto maior a clareza sobre
o que se quer saber, maior a chance de se ter êxito em uma pesquisa. Então,
após ter delimitado a pergunta, será necessário operacionalizar as variáveis
por meio das quais os conceitos serão pesquisados. Outro passo é explicitar
a teoria que pode ser derivada dos dados e utilizada em outros contextos;
independente da natureza da pesquisa, é importante especificar qual a teoria
que orienta nossa pesquisa, quando é uma investigação quantitativa. E no
caso da pesquisa qualitativa, é crucial deixar explícito para o leitor onde se
espera chegar ao realizar uma pesquisa exploratória.
Os autores ainda apontam que o delineamento da pesquisa (abordagem
observacional, experimental, de levantamento de dados ou uma análise de
conteúdo) deve ser escolhido como consequência da pergunta de pesquisa
a ser respondida. Não cabe modificar uma pergunta para que ela caiba em
um método. Além disso, os construtos analíticos devem ser bem explicitados.
Deve-se, ainda, atentar-se para a devida documentação dos procedimentos
metodológicos; todos os passos de uma pesquisa precisam ser descritos
e explicitados para que o leitor possa avaliar as interpretações de dados
oferecidas pelo autor. Outro ponto importante a ser levado em conta é se
os instrumentos utilizados na pesquisa são fidedignos e válidos. São muitas
as maneiras de registrar comportamento (ficha de observação, check-list,
escala de atitudes, teste de competência, entre outros), e o que elas têm em
comum é a função de registrar e refletir de maneira mais fiel o comportamento
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sob investigação, tendo, então, que satisfazer dois critérios de qualidade:


fidedignidade e validade.
Outro requisito importante é que os procedimentos para análise de dados
precisam ser explicitados. Também é preciso ter a preocupação com a ran-
domização de contextos, tempos e pessoas, para que os resultados possam
permitir inferências para outros contextos. Ainda, o pesquisador deve levar
em conta no detalhamento da análise os resultados não esperados e con-
trários ao esperado. No que diz respeito à discussão dos resultados, devem
ser consideradas possíveis alternativas de interpretação. Também deve-se
ter uma preocupação em relação aos participantes da pesquisa, como se-
rão abordados, em qual contexto, as características desses participantes,
caso isso faça parte da pergunta de pesquisa. Por fim, a análise de dados
é consequência direta da pergunta, dos participantes e dos procedimentos
(TORRES; NEIVA, 2011).
Segundo Torres e Neiva (2011), os três caminhos apontados pelos autores
como principais para realizar pesquisa no contexto de ciências sociais —
observação, experimento e levantamento de dados — têm algo em comum.
O que une os mais diferentes métodos e técnicas de pesquisa incluídos nes-
sas três grandes famílias de abordagem é o fato de todas se originarem de
perguntas essencialmente quantitativas e que exigem respostas qualitativas.
Logo, há dois caminhos, não necessariamente e mutuamente excludentes: o
de procedimentos qualitativos e o de procedimentos quantitativos.
Segundo Jacques (2013), em relação a essas diferentes abordagens em
pesquisa na psicologia social, devido à complexidade, à relativização da
verdade e à não neutralidade do pesquisador, entre outros pressupostos, em
geral, o desenho de pesquisa, a coleta e a análise são mais identificadas com
as abordagens qualitativas de pesquisa. Deve-se ressaltar que a pesquisa
quantitativa pode constituir-se como um importante recurso para a pesquisa
em psicologia social, dependendo da temática a ser pesquisada. A abordagem
qualitativa se apresenta como uma possibilidade de escolha do pesquisador,
e não como uma simples alternativa aos modelos quantitativos a partir das
vantagens sumárias de uma abordagem e dos defeitos congênitos de outra,
mas como necessária dentro do quadro teórico construído pelo pesquisador.
Portanto, partindo de uma referência teórica, o pesquisador passa a lidar
com categorias analíticas e explicativas e não exclusivamente com dados
quantitativos. Essas categorias são formuladas na interface do empírico com
o teórico, buscando evidenciar as possibilidades de interpretação dos fatos
estudados e não exclusivamente demonstrar sua evidência.
12 Abordagens teóricas e metodológicas da psicologia social

Torres e Neiva (2011) apresentam quatro abordagens de pesquisa, sendo


que duas são de natureza descritiva: (1) a análise de conteúdo e (2) a ob-
servação, e as outras duas de natureza mais inferencial: (3) experimento e
(4) levantamento de dados. A análise de conteúdo é uma entre várias téc-
nicas de pesquisa utilizadas para descrever e sistematizar o conteúdo de
comunicações pictóricas, escritas ou verbais. A técnica pode ser utilizada
com material visual, com material impresso e com registros verbais. Para
analisar esse conteúdo, pode ser utilizado como instrumento um programa
de computador para sistematizar e analisar o material coletado. Já o método
da observação apresenta vantagem por estar diante do comportamento de
interesse, não precisando falar com as pessoas sobre seus pensamentos
ou intenções. De forma geral, os estudos de observação não exigem muito
equipamento, mas requerem tempo, uma vez que pode demorar até que surja
o comportamento de interesse. Existem três tipos de observação: informal,
sistemática e participante.
Jacques (2013) propõe que a definição de pesquisa-participante é múltipla e
não tem unanimidade entre os autores, porém alguns elementos se apresentam
como consenso entre as propostas: a realização concomitante da investiga-
ção e da ação, a participação conjunta de pesquisadores e pesquisados e a
proposta político-pedagógica a favor dos oprimidos. Um quarto elemento
seria o objetivo de mudança ou transformação social, que contempla distintas
concepções do que seja mudança ou transformação social, incluindo desde
efeitos transformadores, reformistas, conservadores ou até reacionários.
Torres e Neiva (2011) discorrem que o experimento pode ser em sua moda-
lidade laboratorial ou o experimento natural. Em sua modalidade laboratorial,
é um delineamento em que o pesquisador tem controle sobre algumas das
condições sob as quais a pesquisa está sendo realizada e sobre algumas das
variáveis que acredita que possam causar o fenômeno estudado. As variáveis
sob controle do experimentador são chamadas de variáveis independentes
(VI), e o fenômeno sob estudo é definido como variável dependente (VD). Na
variante do experimento natural, as condições experimentais e de controle
não foram preparadas pelo experimentador, mas por condições alheias e,
dessa forma, não estão sob o controle do pesquisador. E, por último, o le-
vantamento de dados pode ser feito por meio de diferentes instrumentos
de pesquisa, como entrevistas e questionários, que permitem saber sobre
os estados subjetivos, as atitudes e as opiniões dos participantes de uma
pesquisa. Contudo, perguntas que abrangem assuntos sensíveis nem sempre
produzem respostas autênticas, podendo ser uma limitação.
Abordagens teóricas e metodológicas da psicologia social 13

Esses são os principais métodos de pesquisa em psicologia social. Torres


e Neiva (2011) apresentam a importância da publicação a partir das pesqui-
sas e dos estudos desenvolvidos por esses métodos em psicologia social. A
partir da análise de dados é possível interpretar, relacionar os resultados à
problemática original, às teorias e às pesquisas referidas, podendo apresen-
tar resultados, sugerir estudos e receber retroalimentação da comunidade
científica. A seleção dos objetos de pesquisa leva em conta os resultados de
pesquisas anteriores.

Para saber mais sobre o conceito de validade e fidedignidade, leia


o artigo “Estudo de fidedignidade e validade da Escala de Avaliação
de Dor Psicológica”, de Liza FensterseiferI; Blanca Susana Guevara Werlang.

Intervenções utilizadas na psicologia social


Até aqui vimos como o desenvolvimento da psicologia social teve implicações
nas diferentes formas de métodos de estudo e pesquisa adotados nessa área.
Vimos as três principais metodologias de pesquisa utilizadas nesse campo
de estudo. E, agora, veremos como os psicólogos sociais podem intervir em
diferentes contextos de atuação.
De acordo com Lopes e Nascimento (2016), em relação aos aspectos ligados
à história da psicologia social, pode-se enfatizar que, no âmbito internacio-
nal, a psicologia social se desenvolveu majoritariamente como uma ciência
experimental, dando destaque para a pesquisa de laboratório. No período
pós-guerra, percebe-se a área como um período de mudança em relação aos
seus aspectos teórico e ideológico. Diversas iniciativas, então, foram tomadas
no sentido de compreender as mazelas oriundas da guerra, como também de
encontrar e desenvolver soluções para as problemáticas sociais vivenciadas em
tal período. Foi considerado um período de transição, marcado pela busca por
temas de relevância social no campo da pesquisa, e, na prática, destacou-se
a busca pela resolução de problemas sociais. Por outro lado, no território
nacional, o interesse por questões relacionadas à intervenção é recente,
entendendo-se que é apenas em 1980 que a psicologia social no Brasil tem,
com a fundação da Abrapso, a formalização de seu interesse mais declarado
pela realidade brasileira e pelo enfretamento das problemáticas vivenciadas
14 Abordagens teóricas e metodológicas da psicologia social

pelo país como consequência da ditadura militar, da crise econômica e da


desigualdade social. Segundo os autores:

É nesse período que, influenciada também pelas lutas travadas por diversos mo-
vimentos sociais contra a ditadura militar no Brasil, a psicologia social vivencia o
que hoje reconhecemos ter sido uma crise no que tange à relevância social dessa
área. Essa crise de relevância da psicologia social, dentre outras coisas, fez com
que a área se questionasse acerca de seu papel ideológico, histórico e político,
bem como acerca de seus efeitos na atuação profissional e na produção científica
no contexto específico da realidade brasileira. Uma das saídas para essa crise foi
a adoção de novas perspectivas teóricas e metodológicas até então pouco utili-
zadas ou até mesmo desconsideradas na psicologia social, tais como a pesquisa
ação e a pesquisa participante, dentre outras, objetivando a construção de um
saber pautado na realidade do nosso país. Além disso, um saber dedicado a dar
à psicologia social um caráter aplicado em ações voltadas para a intervenção em
comunidades e organizações, a fim de minimizar as desigualdades sociais (LOPES;
NASCIMENTO, 2016, p. 16).

Em relação às formas de intervenção utilizadas na psicologia social, Tosi


e Botomé (2003, p. 220) apontam que:

Estava visível na literatura referente à área da Psicologia Social a preocupação


com a análise e com a intervenção nas relações sociais, como também nas rela-
ções específicas vividas no cotidiano, levando à consolidação de atividades como
a Psicologia Comunitária (ou na Comunidade) ou Saúde Pública e coletiva, assim
como práticas emergentes (Psicologia Ambiental/Ecologia Humana, Trabalho e
Saúde, Movimentos Sociais e Práticas Psicossociais com Mulheres, com Meninos
de Rua e com a Terceira Idade) e, também, o desenvolvimento de práticas ditas
convencionais (práticas de ensino, pesquisa, extensão universitária e práticas com
grupos e instituições). Os estudos sobre a Psicologia Social evidenciavam ampliação
do campo de exercício profissional do psicólogo, em decorrência dos movimentos
sociais, das políticas governamentais em saúde pública e pelo próprio aumento de
profissionais atuando na área. Esses estudos mostravam uma significativa mudança
no perfil do profissional e uma busca para ampliar e responder às necessidades da
população, de maneira a prestar um serviço socialmente significativo à sociedade.

Aronson, Wilson e Akert (2017) fazem uma importante distinção na psi-


cologia social entre a pesquisa básica e a pesquisa aplicada. A pesquisa
básica é aquela cujos estudos, projetados para saber por que as pessoas
agem de determinada maneira, são motivados unicamente por questões de
curiosidade intelectual. Em contrapartida, as pesquisas aplicadas são estudos
projetados para resolver problemas sociais. Sendo que esses dois campos de
pesquisas não são independentes um do outros. Os autores argumentam que
boa parte dos psicólogos sociais concordaria que, para encontrar a solução
para um problema social específico, é preciso ter uma boa compreensão dos
Abordagens teóricas e metodológicas da psicologia social 15

processos psicológicos responsáveis por ele. Como a frase cunhada por Kurt
Lewin, considerado um dos fundadores da psicologia social, não há nada tão
prático quanto uma boa teoria. Entende-se, a partir disso, que para solucionar
problemas sociais difíceis, como a violência urbana ou o preconceito racial, é
preciso, em primeiro lugar, compreender a dinâmica psicológica subjacente à
natureza humana e à interação social. Ainda, quando o objetivo é revelar os
processos psicológicos subjacentes ao comportamento social, os estudos e
as descobertas têm nítidas implicações práticas.
Jacques (2013) aponta que os métodos de pesquisa-ação e pesquisa-
-participante, nos diferentes contextos sociais em que foram empregados,
determinaram alternativas diferentes de aplicação. Por exemplo, no contexto
europeu, especificamente na França, a pesquisa-ação se dirigiu para as insti-
tuições sociais e para os movimentos sociais de libertação, incluindo enfoques
distintos representados pelos trabalhos de Thiollent (enquete operária, ins-
pirada em Marx), Touraine (intervenção sociológica) e Barbier (pesquisa-ação
institucional). Já na América Latina, essa forma de investigação foi direcionada
para a população da base da pirâmide social, possibilitando a aproximação
dos princípios humanistas, e adquiriu um caráter próprio, representado,
principalmente, pela vertente educativa de Paulo Freire. É também na América
Latina que o termo pesquisa-participante assume primazia sobre termos
correlatados e é, conceitual e metodologicamente, definido. Percebe-se,
então, a relação entre esses métodos de pesquisa e as intervenções sociais a
partir de suas aplicações. Por exemplo, no caso das intervenções na realidade
da reforma psiquiátrica, Ramos, Paiva e Guimarães (2019) apontam que a
pesquisa qualitativa em saúde mental deu voz e vez aos usuários, familiares
e profissionais, indo além do discurso científico, permitindo um universo
de representações e significados de sujeitos relevantes para o processo de
reforma psiquiátrica brasileira.
A crise da psicologia social no contexto latino-americano fez surgir como
resposta a psicologia social comunitária, que se sustenta no princípio de
que os problemas sociais que afetam os grupos sociais têm sua origem na
estrutura social em que se contextualizam, e não nas características indivi-
duais e pessoais de seus membros (ÁLVARO; GARRIDO, 2006). O objetivo dessa
área de estudo é uma intervenção psicossociológica cujo objetivo final é a
mudança social. Surge, então, uma preocupação com a desigualdade social.
Diferente da psicologia social tradicional, a psicologia social comunitária
visa não somente a uma aplicação do conhecimento psicossociológico, mas
a uma intervenção nessas realidades. Do ponto de vista metodológico, uma
das marcas da psicologia social comunitária é uma forte identificação com
16 Abordagens teóricas e metodológicas da psicologia social

as abordagens de pesquisa-ação e participante, pois há um compromisso


político como sua dimensão fundamental.
Ainda sobre as ferramentas metodológicas e suas implicações nas inter-
venções em psicologia social, Torres e Neiva (2011) ressaltam que no estudo
sobre as crenças em psicologia social, as principais técnicas utilizadas são
questionários, escalas e testes objetivos, de análise de conteúdo, aplicado a
textos ou depoimentos gravados. São técnicas que podem relevar sua utilidade
em situações práticas e têm como objetivo a intervenção psicológica em gru-
pos, organizações, instituições, meios de comunicação social e comunidades.
Ricci e Silva (2004, documento on-line), em um trabalho sobre intervenção
em comunidades a partir da psicologia social, afirmam que:

Com a experiência de trabalho nas comunidades, percebemos que a identidade do


psicólogo deve passar pela construção de um perfil profissional que possa atender
diferentes situações, como as institucionais e comunitárias e não apenas se con-
centrar em intervenções curativas. Nossas reflexões devem incluir, nesse sentido,
uma postura crítica sobre as questões políticas e sociais presentes no contexto
onde se dá a intervenção do profissional de psicologia Fica clara a inserção social
da psicologia à medida que entramos em contato com o trabalho nas comunidades
e apreendemos a estreita ligação que há entre nosso papel de “promover saúde” e
a transformação social propriamente dita. Em relação aos atendimentos clínicos,
por exemplo, foi possível compreender como o psicólogo atento à relação entre
a subjetividade individual, as dinâmicas familiares e a violência nas comunidades
poderiam ajudar, trabalhando diferentes aspectos psicossociais por meio de in-
tervenções mais sistêmicas. Desta forma, atentando para os reflexos do sistema
social em geral na vida de cada sujeito, fica clara a necessidade de estudar a relação
entre transformação individual e social. Outra consideração importante é que as
mudanças devem começar no próprio psicólogo enquanto profissional, ou seja,
como capaz de sustentar sua função social.

Sobre isso, Lopes e Nascimento (2016) afirmam que a intervenção em


psicologia social deve ser vista como um processo que parte de uma formação
acadêmica específica, em psicologia social, para transformar a realidade
social próxima com ações que não sejam reduzidas ao paradigma médico
(biológico), mas que sejam pautadas em um novo olhar sobre a realidade que
se pretende transformar. Os autores apontam que é relativamente recente a
constituição de uma área da psicologia que desenvolva ferramentas teóricas e
metodológicas para realizar intervenções psicossociais. A intervenção psicos-
social se constituiu como uma área de estudo que surge na segunda metade
do século XX como diálogo entre a psicologia clínica e a psicologia social. O
conceito de pesquisa ativa, aderida por Lewin, reafirmou a necessidade da
complementaridade entre pesquisa e ação e a relevância de se pesquisar
sobre as situações da vida, extrapolando os laboratórios.
Abordagens teóricas e metodológicas da psicologia social 17

Lopes e Nascimento (2016) ainda levantam a discussão citando o trabalho


de Neiva de que a intervenção psicossocial segue os princípios do método
científico, e simultaneamente une pesquisa e ação. A pesquisa atravessa todo
o processo, primeiro na análise da demanda e mapeamento das necessidades
psicossociais até a etapa final de avaliação e intervenção. A intervenção
psicossocial é, portanto, um processo científico pelo qual se constrói co-
nhecimento acerca de determinada realidade e paralelamente atua sobre
essa realidade a fim de transformá-la. Pode-se concluir que a intervenção
psicossocial se configuraria como um processo de interação do sujeito com o
meio ambiente, com a finalidade de mudança no sentido de desenvolvimento
de uma dada realidade.
Concluímos o nosso estudo, e você pôde aprender que a psicologia social se
desenvolveu a partir de várias abordagens teóricas que tiveram consequências
sobre as abordagens metodológicas e que existem diferentes possibilidades
de intervenções na psicologia social, a depender do pressuposto teórico e
metodológico adotado.

Referências
ÁLVARO, J. L.; GARRIDO, A. Psicologia social: perspectivas psicológicas e sociológicas.
Porto Alegre: AMGH, 2006.
ARONSON, E.; WILSON, T. D.; AKERT, R. M. Psicologia social. 8. ed. Rio de Janeiro: LTC, 2017.
BREAKWELL, G. M. et al. Métodos de pesquisa em psicologia. 3. ed. Porto Alegre: Artmed,
2010. (Série Métodos de Pesquisa). E-book.
GONÇALVES, R. M. P.; YAMAMOTO, O. H. Fundamentos teórico-práticos da psicologia
social: um debate histórico e necessário. Revista Psicologia Política, v. 15, n. 32, p.
17-31, abr. 2015.
JACQUES, M. G. C. et al. Psicologia social contemporânea. 21. ed. Petrópolis: Vozes, 2013.
LOPES, L. P.; NASCIMENTO, A. R. A. O que faz uma psicologia social? Intervenção na
psicologia social brasileira. Psicologia & Sociedade, v. 28, n. 1, p. 14-25, jan./abr. 2016.
RAMOS, D. K. R.; PAIVA, I. K. S.; GUIMARÃES, J. Pesquisa qualitativa no contexto da
Reforma Psiquiátrica brasileira: vozes, lugares, saberes/fazeres. Ciência & Saúde
Coletiva, v. 24, n. 3, p. 839-852, mar. 2019.
RICCI, L.; SILVA, I. M. M. Projeto comunidade: construindo intervenções à luz da psicologia
social transformativa. UFMG, 2004. Disponível em: https://www.ufmg.br/congrext/
Direitos/Direitos50.pdf. Acesso em: 25 jan. 2022.
TORRES, C.; NEIVA, E. Psicologia social: principais temas e vertentes. Porto Alegre:
Artmed, 2011.
TOSI, P. C. S.; BOTOMÉ, S. P. A inserção e a ação do psicólogo em diversos contextos
sociais. Revista Psicologia Organizações e Trabalho, v. 3, n. 2, p. 217-222, dez. 2003.
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Leituras recomendadas
FOUCAULT, M. A arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1987.
MORIN, E. O método: o conhecimento do conhecimento. Lisboa: Europa-América, 1986.
THIOLLENT, M. Metodologia da pesquisa-ação. São Paulo: Cortez, 1985.
TORRES, A. R. R. et al. (org.). Psicologia social: temas e teorias. Brasília: Technopolitik,
2011.

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