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Abordagens teóricas
e metodológicas da
psicologia social
Cintya de Abreu Vieira
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
Introdução
As abordagens metodológicas adotadas por cada área de estudo têm relação
direta com os pressupostos teóricos que orientam essa escolha. Sendo assim,
na psicologia social isso não é diferente. A psicologia social passa, no decorrer
do seu desenvolvimento enquanto teoria, por um processo de diferenciação em
relação ao campo da psicologia e da sociologia, sendo fortemente influenciada
por essas duas áreas de conhecimento.
O desenvolvimento da psicologia em seus primórdios é influenciado pela
psicologia experimental, voltando sua teoria e atividades iniciais para questões
que giram em torno da pesquisa e da prática em laboratório. Em razão disso,
durante um período, a psicologia social ignorou e não teve aporte teórico e
metodológico que abrangesse áreas concretas da vida em sociedade. Con-
tudo, essa disciplina se desenvolveu em seu percurso histórico e avançou,
multiplicando seus aportes teóricos e, consequentemente, suas abordagens
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Logo, as autoras trazem que cada uma dessas três famílias de técnicas
(observação do comportamento, experimento em laboratório e coleta de
dados) para conduzir estudos empíricos, observações e levantamento de
dados pode apresentar vantagens e desvantagens. As vantagens estão ligadas
à qualidade e à utilização dos dados obtidos e devem ser levadas em conta
pelo pesquisador quando ele for definir um método mais apropriado para
um determinado objetivo de pesquisa. Em linhas gerais, pode-se afirmar que
o ponto forte da observação é o realismo da situação estudada; já o ponto
forte do experimento é a possibilidade de randomização de características
das pessoas estudadas enquanto inferências casuais; e o levantamento de
dados, em especial por amostragem, o survey, permite melhor representativi-
dade e possibilita uma generalização para uma população além da estudada.
De acordo com Torres e Neiva (2011), ainda que existam diferentes ma-
neiras de se usar os métodos para pesquisar fenômenos sociais, existem
alguns pontos em comum que precisam ser levados em conta para aumentar
a probabilidade de alcançar resultados úteis. Existem alguns critérios para
qualidade da pesquisa social. O primeiro passo para realizar uma pesquisa é
definir e delimitar a pergunta de pesquisa. Logo, quanto maior a clareza sobre
o que se quer saber, maior a chance de se ter êxito em uma pesquisa. Então,
após ter delimitado a pergunta, será necessário operacionalizar as variáveis
por meio das quais os conceitos serão pesquisados. Outro passo é explicitar
a teoria que pode ser derivada dos dados e utilizada em outros contextos;
independente da natureza da pesquisa, é importante especificar qual a teoria
que orienta nossa pesquisa, quando é uma investigação quantitativa. E no
caso da pesquisa qualitativa, é crucial deixar explícito para o leitor onde se
espera chegar ao realizar uma pesquisa exploratória.
Os autores ainda apontam que o delineamento da pesquisa (abordagem
observacional, experimental, de levantamento de dados ou uma análise de
conteúdo) deve ser escolhido como consequência da pergunta de pesquisa
a ser respondida. Não cabe modificar uma pergunta para que ela caiba em
um método. Além disso, os construtos analíticos devem ser bem explicitados.
Deve-se, ainda, atentar-se para a devida documentação dos procedimentos
metodológicos; todos os passos de uma pesquisa precisam ser descritos
e explicitados para que o leitor possa avaliar as interpretações de dados
oferecidas pelo autor. Outro ponto importante a ser levado em conta é se
os instrumentos utilizados na pesquisa são fidedignos e válidos. São muitas
as maneiras de registrar comportamento (ficha de observação, check-list,
escala de atitudes, teste de competência, entre outros), e o que elas têm em
comum é a função de registrar e refletir de maneira mais fiel o comportamento
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É nesse período que, influenciada também pelas lutas travadas por diversos mo-
vimentos sociais contra a ditadura militar no Brasil, a psicologia social vivencia o
que hoje reconhecemos ter sido uma crise no que tange à relevância social dessa
área. Essa crise de relevância da psicologia social, dentre outras coisas, fez com
que a área se questionasse acerca de seu papel ideológico, histórico e político,
bem como acerca de seus efeitos na atuação profissional e na produção científica
no contexto específico da realidade brasileira. Uma das saídas para essa crise foi
a adoção de novas perspectivas teóricas e metodológicas até então pouco utili-
zadas ou até mesmo desconsideradas na psicologia social, tais como a pesquisa
ação e a pesquisa participante, dentre outras, objetivando a construção de um
saber pautado na realidade do nosso país. Além disso, um saber dedicado a dar
à psicologia social um caráter aplicado em ações voltadas para a intervenção em
comunidades e organizações, a fim de minimizar as desigualdades sociais (LOPES;
NASCIMENTO, 2016, p. 16).
processos psicológicos responsáveis por ele. Como a frase cunhada por Kurt
Lewin, considerado um dos fundadores da psicologia social, não há nada tão
prático quanto uma boa teoria. Entende-se, a partir disso, que para solucionar
problemas sociais difíceis, como a violência urbana ou o preconceito racial, é
preciso, em primeiro lugar, compreender a dinâmica psicológica subjacente à
natureza humana e à interação social. Ainda, quando o objetivo é revelar os
processos psicológicos subjacentes ao comportamento social, os estudos e
as descobertas têm nítidas implicações práticas.
Jacques (2013) aponta que os métodos de pesquisa-ação e pesquisa-
-participante, nos diferentes contextos sociais em que foram empregados,
determinaram alternativas diferentes de aplicação. Por exemplo, no contexto
europeu, especificamente na França, a pesquisa-ação se dirigiu para as insti-
tuições sociais e para os movimentos sociais de libertação, incluindo enfoques
distintos representados pelos trabalhos de Thiollent (enquete operária, ins-
pirada em Marx), Touraine (intervenção sociológica) e Barbier (pesquisa-ação
institucional). Já na América Latina, essa forma de investigação foi direcionada
para a população da base da pirâmide social, possibilitando a aproximação
dos princípios humanistas, e adquiriu um caráter próprio, representado,
principalmente, pela vertente educativa de Paulo Freire. É também na América
Latina que o termo pesquisa-participante assume primazia sobre termos
correlatados e é, conceitual e metodologicamente, definido. Percebe-se,
então, a relação entre esses métodos de pesquisa e as intervenções sociais a
partir de suas aplicações. Por exemplo, no caso das intervenções na realidade
da reforma psiquiátrica, Ramos, Paiva e Guimarães (2019) apontam que a
pesquisa qualitativa em saúde mental deu voz e vez aos usuários, familiares
e profissionais, indo além do discurso científico, permitindo um universo
de representações e significados de sujeitos relevantes para o processo de
reforma psiquiátrica brasileira.
A crise da psicologia social no contexto latino-americano fez surgir como
resposta a psicologia social comunitária, que se sustenta no princípio de
que os problemas sociais que afetam os grupos sociais têm sua origem na
estrutura social em que se contextualizam, e não nas características indivi-
duais e pessoais de seus membros (ÁLVARO; GARRIDO, 2006). O objetivo dessa
área de estudo é uma intervenção psicossociológica cujo objetivo final é a
mudança social. Surge, então, uma preocupação com a desigualdade social.
Diferente da psicologia social tradicional, a psicologia social comunitária
visa não somente a uma aplicação do conhecimento psicossociológico, mas
a uma intervenção nessas realidades. Do ponto de vista metodológico, uma
das marcas da psicologia social comunitária é uma forte identificação com
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Referências
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Leituras recomendadas
FOUCAULT, M. A arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1987.
MORIN, E. O método: o conhecimento do conhecimento. Lisboa: Europa-América, 1986.
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