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autora
GLAUCIA PEREIRA BRAGA
1ª edição
SESES
rio de janeiro 2017
Conselho editorial roberto paes e gisele lima
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida
por quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em
qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Editora. Copyright seses, 2017.
isbn: 978-85-5548-517-6
Representações sociais 15
As representações sociais e a psicologia social 19
As representações sociais e a psicologia cognitiva 21
A psicologia crítica 25
Ideologia 41
Família 56
Gênero 66
Prezados(as) alunos(as),
5
aplicação. Com o objetivo de compreender as interações humanas enquanto redes
de significados construídos histórica e socialmente a partir da realidade psicosso-
cial e cultural. Bem-vindos a psicologia social!
Bons estudos!
1
Novas abordagens
em psicologia
social: perspectivas
teóricas
Novas abordagens em psicologia social:
perspectivas teóricas
capítulo 1 •8
Posteriormente Denise Jodelet, que a partir da década de 1980, apresenta o
conceito como: “Conhecimentos práticos orientados para a comunicação e
compreensão do contexto social”, isto é: “[...] uma forma de conhecimen-
to, socialmente elaborada e partilhada, com um objetivo prático, e que con-
tribui para a construção de uma realidade comum a um conjunto social.”
(JODELET, 2001, p. 22).
Na década de 1990, apresenta-se a teoria do núcleo central de Jean-
Claude Abric, ampliando o contexto de estudos das representações sociais;
propondo a investigação de um núcleo central cognitivo nas representações
sociais, composto pela memória coletiva, as condições sócio-históricas e os
valores do grupo, coletivamente compartilhados de forma consensual, estável
e em conformidade com o grupo social; mantendo a continuidade e perma-
nência da representação.
Observação: embora, a teoria do núcleo central não seja objeto específico do pla-
no de ensino da disciplina, é importante sugerir que essa teoria seja visitada com
o objetivo contextualizar os estudos do tema.
OBJETIVOS
• Identificar as abordagens teóricas que fundamentam a psicologia sócio-histórica;
• Diferenciar o conceito de representações sociais compartilhado por diferentes ciências;
• Compreender as representações sociais sob o ponto de vista da psicologia social;
• Reconhecer os contextos transversais e transdisciplinares das representações sociais;
• Entender a psicologia crítica.
capítulo 1 •9
Abordagem sócio-histórica
capítulo 1 • 10
Segundo Wundt (1916 apud STREY et al. 2013, p. 10), no contexto do
método científico vigente cuja prioridade é a razão, sugere então duas psicologias:
uma psicologia experimental e uma psicologia social.
A psicologia social de Wundt é elaborada em sua obra Volker psychologie
(Psicologia do povo ou Psicologia das massas) em que desenvolve estudos sobre
temas como pensamento, linguagem, cultura, mitos, religião, costumes entre ou-
tros fenômenos. Segundo Wundt, esses fenômenos são coletivos e não poderiam
ser explicados somente pela consciência individual. E pelo seu proposto método
experimental da introspecção, ele indica ter como limitação a incapacidade de
uma consciência individual fornecer a história do pensamento humano, em con-
cordância com Strey et al. (2013).
Wundt sinaliza a limitação de seu método ao se referir ao método introspectivo
na pesquisa do fenômeno mental coletivo: “É verdade que se tem tentado investigar
frequentemente as funções complexas do pensamento na base da mera introspecção.
No entanto, essas tentativas foram sempre frustradas. A consciência individual é com-
pletamente incapaz de nos fornecer uma história do pensamento humano, pois está
condicionada por uma história anterior sobre a qual não nos pode dar nenhum co-
nhecimento sobre si mesma.” (WUNDT, 1916, p .3 apud STREY et al. 2013, p. 11).
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Diante de suas investigações e
constatações, Wundt contribui com a
ciência psicologia com seu pioneirismo
para a consolidação do saber científico
da psicologia, e com a psicologia social,
despertando a atenção para fenômenos
coletivos como cultura, mitos, costumes
e fenômenos de massa.
capítulo 1 • 11
Titchener (1867-1927) concebeu o homem dotado de uma estrutura a qual
permite que a experiência se torne consciente; James (1842-1910), ao contrário,
pensou o homem como um organismo que funciona em um ambiente e a ele se
adapta. O comportamentalismo pensou o homem como produto de condicio-
namentos, a gestalt valorizou as experiências vividas e a psicanálise enfatizou as
forças que o homem não domina e não conhece, mas que o constituem. (BOCK,
GONÇALVES e FURTADO, 2007, p. 16).
A psicologia sócio-histórica
capítulo 1 • 12
“Toda a natureza, de suas partículas mais minúsculas até seus corpos mais
gigantescos, do grão de areia até o sol, do protozoário até o homem, se acha em
estado perene de nascimento e morte, em fluxo constante, sujeita a incessantes
mudanças e movimentos." (ENGELS, 1979, p. 491).
A concepção filosófica proposta pelo materialismo dialético é aplicada por
Marx e Engels na explicação das transformações políticas e sociais oriundas do
sistema capitalista, que tem entre seus fatos históricos fundamentais a ascensão da
burguesia, que promoveu uma mudança social, política e econômica na condição
humana de estar no mundo, possibilitando a liberdade de ação dos indivíduos nas
transformações da realidade social.
A liberdade na transformação da realidade social acarreta também mudan-
ças nas relações entre as pessoas, nos conceitos de coletivo e privado, implican-
do segundo o materialismo histórico dialético um novo modelo de sociedade.
Sociedade esta em que o que é material, econômico está presente no ambiente,
na construção psicológica do indivíduo e nas relações sociais. Vygotsky, alicerçado
na teoria marxista e no materialismo histórico e dialético, elabora suas convicções
teóricas apontando para o contexto social como um elemento preponderante na
produção científica da psicologia.
O materialismo histórico de Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels
(1820-1895) metodologicamente investiga a sociedade nos seus aspectos eco-
nômicos e históricos. A concepção filosófica do materialismo dialético postula
que o organismo, os fenômenos físicos e o ambiente são mutualmente mo-
deladores da sociedade e da cultura, isto é, existe uma relação dialética entre
a matéria, o psicológico e o social. Como aponta em Contribuição à crítica
da economia política: "Não é a consciência do homem que determina a sua
existência, mas, ao contrário, sua existência social é que determina a sua cons-
ciência." (MARX, 1978, p. 339).
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©© WIKIMEDIA.ORG
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Figura 1.3 – Karl Marx (1818-1883). Figura 1.4 – Friedrich Engels (1820-1895).
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O mundo em seu constante movimento começa a instituir a ideia de “privaci-
dade”, e este homem que é parte de uma coletividade passa por mudanças que se
impõem em todos os campos humanos. Por exemplo, na arquitetura constroem-se
lugares reservados, distinguindo-os do que é público, estabelecendo diferenças como
“a casa é da família” e em seu interior há locais íntimos e privados, “a rua é pública”,
“fábrica é o local de trabalho”; cada objeto ganha sua própria identidade, sua marca,
delimitando o que é público e o que é privado, o que é individual e o que é coletivo.
A individualidade é um “bem” do sistema capitalista, e o homem em sua indivi-
duação apropria-se da ideia de “mundo interno do sujeito” e do sentimento de EU.
A história conduz à necessidade de uma ciência que investigue os fenômenos
psicológicos, eis a psicologia.
Mas que coisa é esta, o fenômeno psicológico? Ora é processo, ora é estrutura,
ora manifestação, ora relação, ora é conteúdo, ora é distúrbio, ora experiência.
É interno, mas tem relação com o externo. É biológico, é psíquico e é social; é
agente e é resultado; é fenômeno humano, relacionado ao que denominamos “eu”.
(BOCK, 2007, p. 21).
Buscar entender o fenômeno psicológico é uma investigação da ciência psi-
cologia. Considerando o contexto da história da humanidade, a proposta da psi-
cologia sócio-histórica é constantemente atualizada, pois sua essência crítica é
abastecida pelo dinamismo da historicidade, que produz fenômenos de múltiplas
dimensões, diariamente capazes de mudar o ser e o estar no mundo.
Entretanto cabe ressaltar, que segundo a concepção de Vygotsky, a reflexão
permanece, o homem é um produto sócio, histórico e cultural de seu tempo, e
como tal, é preciso que a ciência tenha um olhar crítico atento às transformações
sociais que demandam diferentes fenômenos individuais e coletivos em diferentes
grupos humanos.
Representações sociais
capítulo 1 • 15
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Durkheim afirma que: “Um fato so-
cial reconhece-se pelo seu poder de coa-
ção externa que exerce ou é suscetível de
exercer sobre os indivíduos; e a presença
desse poder reconhece-se, por sua vez,
pela existência de uma sanção determi-
nada ou pela resistência que o fato opõe
a qualquer iniciativa individual que ten-
da a violentá-lo.” (DURKHEIM, 1895,
2007, p. 10).
capítulo 1 • 16
e não estático como afirmava Durkheim
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e sinaliza (DURAN, 2006 apud
SOUZA et al. 2006, p. 91), em suas
considerações sobre o tema: [...] en-
quanto Durkheim vê as representações
sociais como formas estáveis de com-
preensão coletiva, Moscovici esteve
mais interessado em explorar a variação
e a diversidade das ideias coletivas nas
sociedades modernas.
Para Jodelet, (1985 apud SPINK,
1993, p. 300), as representações sociais
“São modalidades de conhecimento
prático orientadas para a comunicação e
para a compreensão do contexto social,
Figura 1.6 – Serge Moscovici (1925-2014).
material e ideativo em que vivemos.”
Jodelet colaboradora de Moscovici, em sua leitura e interpretação das repre-
sentações sociais propôs o seguinte esquema: (figura 1.7 do texto adaptado de
Jodelet, (1989 apud SPINK, 1993, p. 301):
FORMA DE CONHECIMENTO
CONSTRUÇÃO INTERPRETAÇÃO
SUJEITO REPRESENTAÇÃO
SUJEITO SUJEITO
OBJETO
EXPRESSÃO SIMBOLIZAÇÃO
PRÁTICO
capítulo 1 • 17
France. Essa obra permite-nos visualizar os dois eixos principais deste campo de
estudos: no primeiro eixo, as representações constituem formas de conhecimento
prático orientadas para a compreensão do mundo e para a comunicação; no se-
gundo eixo, elas emergem como elaborações (construções de caráter expressivo) de
sujeitos sociais a respeito de objetos socialmente valorizados. As duas dimensões
descortinam pressupostos de natureza epistemológica sobre a natureza do conhe-
cimento. (SPINK, 1993, p. 301).
Jodelet explica as representações sociais como conhecimentos manifestos de
elementos cognitivos, teorias, conceitos, imagens, categorias; mas é importante
não os confundir com componentes cognitivos. As representações sociais são “ela-
boradas e compartilhadas socialmente fazem parte da construção de uma realidade
comum que possibilita a comunicação”. São fenômenos sociais, obtidos a partir de
conteúdo cognitivos, e sua compreensão é realizada a partir das funções simbólicas
e ideológicas aplicadas e comunicadas.
Na ilustração 1.8, o quadro representa as esferas intersubjetiva, resultado da
interação entre as consciências dos sujeitos; subjetiva, as características particulares
da consciência individual; e transubjetiva registro psíquico das representações da
sociedade do meio ambiente, da realidade.
NÃO HÁ INDIVÍDUO NÃO HÁ PENSAMENTO
ISOLADO DESCARNADO
INTERSUBJETIVO SUBJETIVO
RS
TRANSUBJETIVO
CONTEXTO SOCIAL DE ESPAÇO SOCIAL
INTERAÇÃO E INSCRIÇÃO E PÚBLICO
capítulo 1 • 18
As representações sociais e a psicologia social
capítulo 1 • 19
implica as “trocas interativas” constantes e presentes na construção da realidade,
em que todos implicam e são implicados por ela.
Entretanto, cabe observar que as representações sociais não se limitam a um
conhecimento com base em opiniões, superstições ou crenças místicas; é um co-
nhecimento produzido por um grupo social, e as interações deste grupo propiciam
as atualizações na transmissão desse conhecimento ao mesmo tempo na consoli-
dação do mesmo.
A psicologia social, como parte da ciência psicologia, evidencia a importância
do estudo das representações sociais como mais uma “ferramenta” na busca de
compreensão dos processos humanos.
Moscovici, ao protagonizar este conhecimento, refere-se a conceitos como
o de ancoragem e objetivação para demonstrar como são geradas as represen-
tações sociais e como elas participam da orientação das condutas humanas.
(MOSCOVICI, 1978, p. 43-44).
capítulo 1 • 20
Nesse sentido, as representações têm principalmente duas funções: a conven-
cional – acomodam os objetos, pessoas ou acontecimentos, permitindo categori-
zá-las para que sejam classificadas em nossas experiências, nas quais até podemos
nos conscientizar a respeito delas, mas nem sempre podemos nos libertar destas,
isto é, a realidade de um indivíduo é, na maioria das vezes, determinada pelo que
é socialmente aceito como realidade.
E a prescritiva, estas são impostas por meio de uma força inevitável, uma
estrutura presente estabelecida antes de concebermos nossos pensamentos e uma
tradição que determina o que deve ser pensado. As representações são impostas e
transmitidas por meio das gerações, são produzidas por elaborações e mudanças ao
longo do tempo, de forma que todas as interações humanas são permeadas pelas
representações sociais.
As representações sociais são construtos em permanente transformação e guar-
dam relações com o passado, com as tradições e a história, são produto da prática
presente e dirigem as ações dos grupos sociais que atuam simbolicamente por
meio delas, orientam a conduta humana, a mesma conduta que contribui para
construir as representações.
As representações sociais constituem-se como um campo de estudo da psico-
logia social, e no capítulo 3, destinado à abordagem psicossocial, abordaremos
novamente este conceito.
capítulo 1 • 21
O movimento cognitivista almeja ir além do behaviorismo, com uma crítica
às suas explicações aos comportamentos humanos, principalmente os mais com-
plexos. Para os cognitivistas, a explicação com base na premissa do comportamen-
to humano em estímulos e respostas (E-R), é insuficiente no que tange às funções
mentais. Como sinalizavam os cientistas da University Oxford, Department of
Experimental Psychology, nos anos de 1989.
Dessa forma, a psicologia cognitiva considera o modelo linear E-R limi-
tante, insuficiente e consequentemente inadequado para explicar o compor-
tamento humano, procurando substituí-lo por um esquema mais complexo e
elaborado que considera de forma circular esta relação diádica entre organismo
e estímulos. O organismo tem papel relevante e ativo, um sistema capaz de ela-
borações complexas, tais como: efetuar escolhas dentre os elementos relevantes
de uma dada situação, utilizar estratégias alternativas, armazenar seletivamente
informações, operar transformações sobre os elementos de forma a elaborá-los
apropriadamente, operando os resultados dessas elaborações e não apenas ope-
rações ligadas e determinadas, aprioristicamente, pelos estímulos de entrada.
(SPINILLO, 1989, p .6).
A psicologia cognitiva busca investigar de forma mais ampla e quantitativa
este processo de elaboração interno, que envolve as funções cognitivas e que não
se limita somente a uma resposta “mecânica/aprendida”.
Assim, na década de 1960, com o ressurgir do interesse pelo estudo dos pro-
cessos mentais, a psicologia cognitiva transborda para a psicologia social a vários
níveis. A partir da psicologia cognitiva, a psicologia social formula novos proble-
mas, abraça novos métodos e constrói novas teorias, adaptando o interesse por
modelos de processo, procurando especificar a organização mental e identificar
as etapas exatas dos processos cognitivos internos subjacentes a fenômenos psi-
cossociais. Assim, embora a psicologia social já encerra-se num carácter eminen-
temente cognitivo, a sistematização desse pendor cognitivo permitiria um maior
desenvolvimento teórico. (HAMILTON, 1994, apud GARRIDO, AZEVEDO E
PALMA, 2011, p. 126).
Com esse panorama, a teoria das representações sociais revela-se como mais
um instrumento de valor para as investigações na seara cognitiva. E assim, volta
suas atenções para a cognição social.
A cognição social é o estudo psicológico que busca captar, entender, explicar
como as pessoas se percebem e percebem as outras pessoas, e como estas percep-
ções “permitem explicar, prever e orientar o comportamento social”.
capítulo 1 • 22
A cognição social emergiu em meados dos anos 1970 e representa uma abor-
dagem conceitual e empírica genérica (e não apenas uma subdisciplina da ciência
psicológica) que procura compreender e explicar como é que as pessoas se percebem
a si próprias e aos outros, e como é que essas percepções permitem explicar, prever
e orientar o comportamento social. Um dos aspectos mais idiossincráticos dessa
abordagem é o fato de o estudo dos fenômenos sociais ser realizado por meio da
investigação das estruturas e processos cognitivos pelos quais operam (HAMILTON
et al., 1994; SHERMAN, JUDD, & PARK, 1989). Decorrente da estreita relação
que mantém com a chamada revolução cognitiva, esta abordagem ficou conheci-
da como cognição social (McGUIRE, 1986), perspectiva cognitiva (MARKUS
& ZAJONC, 1985) ou paradigma do processamento de informação (DUVEEN,
2000), sendo este, inicialmente, o modelo de processamento que orientou a aborda-
gem dos fundamentos cognitivos dos fenômenos sociais. (HAMILTON et al. 1994,
apud GARRIDO, AZEVEDO e PALMA, 2011, p. 116).
Considerando que a cognição é formada por um conjunto de valores, crenças,
percepções, pensamentos, lembranças e atitudes que determinam comportamentos,
inferir que as representações sociais são parte deste conjunto é apropriar-se de um ins-
trumento teórico que possibilita avançar na compreensão dos fenômenos humanos.
Serge Moscovici formula sua teoria na década de 1960 tomando como con-
traste o conceito de atitudes individualizado da psicologia social norte-ameri-
cana. A TRS começa a ter impacto na década de 1970 e, sobretudo, nos anos
1980. No texto “O início da era das representações sociais”, Moscovici (1982)
afirma o caráter complementar da TRS em relação às abordagens cognitivistas.
Para ele, o problema central da psicologia a partir da segunda metade do século
XX foi a redescoberta da mente social. Três fases ou períodos conceituais ocor-
rem na psicologia para responder a esse problema: as atitudes sociais, a cognição
social e as representações sociais. (MENDONÇA e LIMA, 2014, p. 192).
O conceito de ancoragem proposto por Moscovici e dissecado por Doise
em 1992 ilustra a aplicação teórica das representações sociais e sua estreita re-
lação com a cognição social, quando salientamos o item: “i) a ancoragem do
tipo psicológico diz respeito às crenças ou valores gerais que podem organizar
as relações simbólicas com o outro.”. Assim posto, a ancoragem é um aparelho
teórico cuja possibilidade de transformar algo estranho e perturbador em algo
comum, familiar, classificado por nossa cognição, age efetivamente em nossas
crenças e valores e organiza nossas relações simbólicas e interações com os ou-
tros, isto é: como percebemos e como construímos cognitivamente a percepção
que temos do outro.
capítulo 1 • 23
Conforme (DOISE 1992, p. 189-195) em sua classificação estabelece como a
ancoragem atua na forma de como os indivíduos localizam-se simbolicamente nas
relações sociais e como as relações simbólicas permeiam entre grupos. Vejamos:'
''I. A ancoragem do tipo psicológico diz respeito às crenças ou valores gerais
que podem organizar as relações simbólicas com o outro; II. A ancoragem do
tipo psicossociológico inscreve os conteúdos das representações sociais na ma-
neira como os indivíduos se situam simbolicamente nas relações sociais e nas
divisões posicionais e categoriais próprias a um campo social definido; III. A
ancoragem do tipo sociológico refere-se à maneira como as relações simbólicas
entre grupos intervêm na apropriação do objeto.” (DOISE, 1992, p. 190).
EXEMPLO
Considerando a teoria das representações sociais um instrumento eficaz, podemos
ilustrar o exemplo de sua eficiência a partir da ancoragem e da objetivação de uma ideia
dissonante. A dissonância cognitiva é um sentimento incômodo e desagradável quando
um indivíduo sustenta duas ideias conflitantes. Como por exemplo, “o desejo de fumar ou
não fumar”:
IDEIAS CONFLITANTES:
COGNIÇÕES CONTRADITÓRIAS:
1. (FUMAR - EU FUMO)
2. (FUMAR FAZ MAL À SAÚDE)
DISSONÂNCIA COGNITIVA
MODIFICANDO A NEGANDO AS
MODIFICANDO UMA OU ADICIONANDO OUTRAS
IMPORTÂNCIA CRENÇAS/COGNIÇÕES QUE
VÁRIAS CRENÇAS/COGNIÇÕES:
PERCEBIDA DE UMA ESTÃO RELACIONADAS:
CRENÇAS/COGNIÇÕES: ''EU LEVO UMA VIDA
CRENÇA/COGNIÇÃO: ''TODO MUNDO MORRE'';
''NA REALIDADE NÃO SAUDÁVEL, UM DESLIZE
''NÃO É SÓ FUMAR QUE ''NÃO É O CIGARRO QUE VAI
FUMO TANTO ASSIM'' NÃO VAI FAZER MAL''.
FAZ MAL A SAÚDE''. ME MATAR''.
capítulo 1 • 24
ATIVIDADE
Experimente fazer este exercício:
A psicologia crítica
capítulo 1 • 25
com a construção de teorias e técnicas dirigidas principalmente à adaptação social
dos indivíduos.” (MEIRA, 2012, p. 1).
Esse movimento crítico problematiza as concepções teóricas da psicologia
que restringem a produção de conhecimento a uma visão estreita do indivíduo,
direcionando seu enfoque para os fenômenos psicológicos internos, ou para as
relações sociais.
Nesse contexto, “à adaptação social dos indivíduos”, a psicologia crítica sinaliza o
comprometimento ideológico da psicologia com a evolução e consolidação do sistema
capitalista e propõe o aprofundamento destas discussões, enfatizando a necessidade
de uma produção teórica que contemple de forma plena a relação entre indivíduo e
sociedade e exponha perspectivas emancipatórias para a sociedade contemporânea.
Para o exercício da psicologia crítica, uma das contribuições teóricas mais im-
portantes é o materialismo histórico dialético, que sustenta na reflexão dialética a
busca de compreensão de fenômenos sociais tangíveis e multifatoriais, explicitados
pela ação humana transformadora de realidades históricas. Marx, explica esta ação
por meio da crítica à economia política, e o estudo das relações de produção do
sistema capitalista, como descreve, (MEIRA, 2012, p. 2).
“Para se expandir o capital, necessita do processo social de produção e troca, o
qual garante a transmigração do valor da forma mercadoria para a forma dinheiro
e a apropriação da mais-valia pelos proprietários dos meios de produção. E, para
se reproduzir, precisa manter as relações de produção, o que implica necessaria-
mente a busca pela produtividade máxima e a dominação de uma classe sobre a
outra. Ao apreender essa gênese categorial do capital, Marx na verdade delimitou
os fundamentos de uma concepção materialista de história, na medida em que
tornou claro que o fator determinante das formas de organização social é o modo
pelo qual se realiza a produção material de uma dada sociedade. Marx e Engels
utilizaram a metáfora do edifício para explicitar esta ideia. Da mesma forma que
em um edifício os alicerces servem de base para toda a construção, a estrutura
econômica (a base ou infraestrutura) condiciona tanto a existência e as formas do
estado, quanto a consciência social (a superestrutura) [...]. Desse modo, a estru-
tura econômica da sociedade constitui a base real que explica, em última análise,
toda a superestrutura integrada pelas instituições jurídicas e políticas, bem como
as diferentes ideologias de cada período histórico”.
capítulo 1 • 26
discussões da relação entre indivíduo e sociedade, contemplando as dimensões
históricas, políticas e sociais que permeiam as ações humanas.
Outro ponto importante é o olhar da ciência para si mesma, a autocrítica que
envolve a reflexão crítica ao conhecimento e também exerce um papel preponde-
rante para a psicologia. É por meio da geração de conhecimentos, da observação
de fenômenos e da investigação científica que as ciências contextualizam histori-
camente a realidade social e investigam como acontecem as transformações e as
relações sociais envolvidas no período em estudo.
Nesse sentido, a psicologia crítica também é pontuada por momentos históri-
cos da ciência psicologia, entre eles destacamos em sua trajetória:
Wundt em 1879, com a criação do primeiro laboratório de psicologia no
Instituto Experimental de Psicologia da Universidade de Leipzig, na Alemanha,
distingue a psicologia das outras ciências. Concebe a psicologia experimental e
uma psicologia dentro da psicologia que chamou de social. Entretanto, fiel ao seu
tempo, a psicologia social era concebida como a “soma das individualidades”.
No espírito da época, nas pegadas de Descartes, a psicologia social que se
estruturou foi uma psicologia individualista, em que o social não passava de soma
de individuais. Há, contudo, tentativas de criação de uma psicologia social que
desse conta do imaterial, psíquico, simbólico, representacional. A primeira delas
são os 10 volumes de Wundt de psicologia social e os estudos de Durkheim sobre
representações coletivas. Se Wundt, por um lado, separou o social do individual,
Durkheim, por sua vez, “corporificou”, “reificou” seu social, suprimindo o indivi-
dual. (GUARESCHI, apud JACÓ-VILELA et al., 2012, p. 35).
Segundo Guareschi (2004 apud JACÓ-VILELA et al, 2012), “Ao final do
século XIX e início do XX, para se poder dar conta do social, houve uma tentativa
de criação de uma psicologia ‘coletiva’, das massas e da cultura”. Tal psicologia,
contudo, não foi à frente devido, segundo estes autores, ao fato de ter sido iden-
tificada como “irracional” e perigosa. Cabe observar, que o contexto das ciências
neste período é racional e positivista, uma psicologia das massas não cumpriria o
protocolo de um experimento científico.
Nos Estados Unidos da América, o behaviorismo, a partir de 1913, estuda o
comportamento de animais e humanos.
As abordagens teóricas contemporâneas do século XX como a gestalt que “va-
lorizou as experiências vividas”, e a psicologia cognitiva “os processos cognitivos”,
mantiveram-se imbuídas na compreensão individual dos fenômenos humanos.
capítulo 1 • 27
Nesse contexto, em 1924 a psicologia sócio histórica de Vygotsky, nasce es-
sencialmente crítica, e autocritica, fundamentada por sua gênese epistemológica a
teoria Marxista e o filosófico Materialismo histórico e dialético, conforme descrito
no início capítulo(A Psicologia sócio histórica) e discutido pela psicologia crítica,
que enfatiza a concepção do “ Homem como um produto sócio histórico e cultu-
ral de seu tempo”.
E ainda, podemos fazer uma referência a Moscovici, em que a psicologia social
se autoquestiona e amplia suas investigações, estabelecendo relações entre o indi-
víduo, o grupo, o meio ambiente social e as representações simbólicas individuais
e coletivas.
Esses questionamentos levam a duas visões da psicologia social, uma que é
investida de uma ideologia capitalista: “A ação humana é concebida como deter-
minada pelos imperativos de uma economia de mercado e de lucro”, (objeto de
reflexões da psicologia crítica, quando sinaliza o comprometimento ideológico da
psicologia com a evolução e consolidação do sistema capitalista); e uma psicologia
social que enfatizava as interações sociais com uma herança filosófica das concep-
ções de marxistas embasadas na relação entre indivíduo e sociedade (contemplan-
do as dimensões históricas, políticas e sociais que permeiam as ações humanas).
A perspectiva contemporânea da psicologia social crítica adota um posiciona-
mento analítico efetivo em relação às instituições.
“Tais perspectivas guardam em comum o fato de adotarem uma postura críti-
ca em relação às instituições, organizações e práticas da sociedade atual, bem como
do conhecimento até então produzido pela psicologia social a esse respeito. Nesse
sentido, colocam-se contra a opressão e a exploração presentes na maioria das
sociedades e têm como um de seus principais objetivos a promoção da mudança
social como forma de garantir o bem-estar do ser humano.” (HEPBURN, apud
FERREIRA, 2010, p. 51)
A psicologia crítica contemporânea do século XXI, ampliou ainda mais seus
campos de investigação, releituras e novas contribuições. Apresenta novos argu-
mentos e articula-se de forma crítica “em relação às instituições, organizações e
práticas da sociedade”, entre seus objetivos está o fomento das transformações
sociais, do bem-estar humano e da autoavaliação da própria psicologia e sua efeti-
vidade prática como uma ciência a serviço das pessoas.
capítulo 1 • 28
RESUMO
As novas abordagens da psicologia social procuram superar as críticas e limitações do
enfoque inicial dessa psicologia, que tinha base em descrever, observar e medir encontros
sociais, privilegiando as interações e a adequação de comportamentos dos indivíduos no
ambiente social.
As perspectivas teóricas da psicologia sócio-histórica estão fundamentalmente ligadas
ao cenário histórico, social, político, científico e filosófico do século XIX e XX, desde seu início
com Wundt.
A abordagem sócio-histórica propõe ênfase ao contexto social, histórico e cultural, pro-
posto por Vygotsky, alicerçado no materialismo histórico e dialético de Marx e Engels, conce-
be o homem como um produto histórico e social de seu tempo, e a sociedade como resultado
da produção histórica do homem por meio do trabalho, imprimindo uma visão crítica e me-
todológica, materializando o objeto de investigação da psicologia para além das conjecturas
abstratas acerca da condição humana.
A teoria das representações sociais de Moscovici estabelece um conjunto de conheci-
mentos, crenças e valores comuns entre indivíduos que interagem e constroem uma realida-
de, cuja experiência permite posicionamentos individuais, embora seja fruto de um conheci-
mento compartilhado pelo grupo.
A psicologia cognitiva busca investigar de forma mais ampla e quantitativa este processo
de elaboração interno, que envolve as funções cognitivas; e articula-se com as representa-
ções sociais na investigação dos fenômenos humanos.
A psicologia crítica propõe a problematização as questões que envolvem o campo de
saber da psicologia, a investigação científica das relações entre a sociedade e o indivíduo. A
geração de conhecimento, o papel da ciência na investigação da realidade social e o contex-
to histórico que está inserido.
A psicologia crítica contemporânea ampliou os campos de investigação psicológica, e
articula-se por meio da reflexão crítica em relação às instituições, organizações e práticas da
sociedade, fomentando as transformações sociais, o bem-estar humano e a autoavaliação da
psicologia, e sua efetividade prática como uma ciência a serviço das pessoas.
capítulo 1 • 29
ATIVIDADE
Acesse o site: <http://www.epublicacoes.uerj.br/index.php/psisabersocial/article/view/
21739>.
Leia atentamente o texto proposto. Em seguida, faça uma resenha crítica com base em
sua leitura.
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STREY, Marlene et al. Psicologia Social Contemporânea. Rio de Janeiro: Vozes, 2013.
capítulo 1 • 31
capítulo 1 • 32
2
Dimensões
conceituais da
psicologia social
Dimensões conceituais da psicologia social
Conforme foi visto no primeiro capítulo, a psicologia social é uma área de
conhecimento que relaciona temas que envolvem as questões humanas individuais
e compartilhadas com a coletividade.
As perspectivas teóricas das novas abordagens em psicologia dialogam com
outras áreas do saber como a sociologia, a história, a política, a economia, entre
outras. Construindo articulações teóricas que permeiam a psicologia social em sua
abordagem sócio histórica.
As representações sociais e suas contribuições nas investigações para com-
preensão do contexto social e a psicologia cognitiva aprofundam os conhecimen-
tos com o desenvolvimento de pesquisas sobre as elaborações cognitivas humanas.
A psicologia crítica, no seu exercício avaliativo, propõe a efetividade de ações
da psicologia social sobre as instituições, organizações e práticas da sociedade.
A partir desse amplo contexto, neste capítulo serão abordados temas impor-
tantes das dimensões conceituais da psicologia social como: identidade, ideologia,
indivíduo, fenômeno social e subjetividade, família e gênero.
OBJETIVOS
• Compreender os conceitos da psicologia social;
• Articular os conceitos da psicologia social com outras ciências;
• Identificar os conceitos da psicologia social no contexto de suas atribuições;
• Aplicar e relacionar os conceitos de psicologia social.
Identidade
Rock Estrela
Quem sou eu e quem é você
Nessa história eu não sei dizer
Mas eu acredito que ninguém
Tenha vindo pro mundo a passeio
capítulo 2 • 34
De onde se vem pra onde se vai
Só importa saber pra quê (pra quem)
Pois o destino transforma num dia
Um menino em herói de TV
capítulo 2 • 35
atribuída à individualidade e às expressões do eu nos diferentes períodos históri-
cos”. (JACQUES, 1998, apud STREY et al. 2013, p. 159).
A identidade pressupõe uma identificação pessoal, singular “quem sou eu”
como pergunta a música do compositor Léo Jaime, entretanto esta dimensão pes-
soal também tem contornos de uma dimensão social: “Mas eu acredito que nin-
guém/ Tenha vindo pro mundo a passeio” [...] “Um dia a gente se encontra no
meio do mundo, depois a gente se perde no meio do mundo”. Uma dimensão
social, que se dá a partir das interações.
O processo de construção da identidade está em constante movimento: “E
enquanto a gente pensa que já sabe de tudo, o mundo muda de cena em menos
de um segundo”.
Iniciamos o tema com a letra da música “Rock Estrela” do compositor Léo
Jaime, para ilustrar o caráter multidimensional do conceito de identidade, que a
partir de agora, trataremos de forma pontual em uma perspectiva de sua trajetória
histórica e na visão da psicologia social.
Na história da humanidade, a Antiguidade, em particular no mundo ociden-
tal, a partir da herança greco-romana, que chegou até nós brasileiros, a partir da
expansão ibérica, por nossa colonização realizada pelos portugueses, valorizava a
individualidade. Com base em características individuais, origens familiares e re-
lações de poder estabelecidas por meio das posses econômicas de um cidadão (ex-
pressão de herança grega para homens livres de posses que exerciam a democracia
grega). As pessoas que não possuíam as qualificações determinadas pela organiza-
ção social vigente, eram excluídas da sociedade, nos referimos a servos e escravos,
pessoas “sem identidade”, isto é, pessoas que não recebiam o reconhecimento de
sua individualidade e não desfrutavam os direitos sociais dos cidadãos, somente
possuíam a função de servir.
Na Idade Média, período histórico concebido entre o século V e o século XV,
também conhecido como “Idade das Trevas e Idade da Fé”, foi marcado pelas guer-
ras expansionistas de territórios, e a presença da Igreja Católica como um poder
político e religioso regulador da organização social europeia, o “Velho Mundo”.
Na Idade Média, o cristianismo, doutrina religiosa estabelecia um código de
comportamento descrito em seu livro sagrado, a Bíblia. E o “corporativismo” do
sistema feudal, sistema econômico, modo de produção e de organização social que
se estrutura como forma de proteção das invasões territoriais realizadas por bár-
baros, estabelecia relações hierárquicas servis entre os senhores feudais (detentores
das terras nobres, os feudos), seus vassalos (cidadãos que oferecem sua lealdade
capítulo 2 • 36
e trabalho em troca de uma posição social no feudo) e os camponeses (camada
pobre da população que ofereciam seu trabalho a aos nobres senhores em troca de
proteção e comida) exercia um papel fundamental na concepção do homem da
Idade Média.
A organização do sistema feudal concebe a importância do social e do “bem
coletivo”, na constituição do homem, por meio da ideia de proteção mútua pro-
pagandeada pelo feudalismo, para a manutenção do corporativismo, doutrina que
defende o espírito de grupo.
capítulo 2 • 37
Com o sistema capitalista (mercantilista, no qual tudo é negociável e sujeito
ao lucro) e a ascensão da burguesia ocorre uma nova ordem social, que modifica a
concepção do homem de estar no mundo, em que o sentimento corporativista, de
bem coletivo, do sistema feudal é desfeito por completo.
No sistema capitalista, as perspectivas individuais são compreendidas como
um valor, a ideologia do sistema capitalista inclui todas as pessoas e comporta a
ideia do lucro individual como o objeto de conquistas sociais.
A teoria marxista problematiza as relações entre indivíduo e sociedade e ques-
tiona o egocentrismo e sua valorização.
A partir deste contexto histórico, as ciências preocupam-se em voltar suas
investigações para o processo de construção da identidade deste sujeito histórico
imerso em um novo contexto social, a partir do capitalismo, em que os valores
corporativistas cuja prioridade é o bem coletivo, não são mais prioritários.
Considerando a historicidade, a trajetória do homem registra em sua narrativa
o “convívio” da dicotomia humana entre a individualidade e a coletividade em
seus diferentes momentos.
Neste contexto, Hall, destaca sob o enfoque histórico, sociológico e contem-
porâneo três diferentes tipos de identidade relacionando-as aos seus respectivos
períodos históricos.
“Há três tipos de identidades relacionadas a diferentes períodos históricos:
identidade do sujeito iluminista, em que se entendia identidade como um núcleo
no interior do homem que nasceu com ele e permaneceria idêntico até sua morte;
identidade do sujeito sociológico da Idade Moderna, em que ainda se considerava
o núcleo ou essência interior chamado de identidade. Mas também, que ela é
formada e modificada na interação entre o eu e a sociedade e, por último, iden-
tidade do sujeito pós-moderno da atualidade, na qual essa identidade passa a ser
fragmentada, em que um indivíduo pode conter várias identidades, algumas vezes
contraditórias ou não resolvidas. [...] as identidades culturais são aqueles aspectos
de nossas identidades que surgem de nosso ‘pertencimento’ a culturas étnicas,
raciais, linguísticas, religiosas e acima de tudo, nacionais.” (HALL, 2011, p. 8).
Este autor agrupa três tipos de identidade relacionando-os aos seus períodos
históricos. Define identidade cultural, e ainda sinaliza em suas discussões que os
aspectos que foram o centro e o ponto de unificação da identidade no passado, na
atualidade, estão em processo de mudança e fragmentados pela globalização, um
conjunto de transformações sociais, econômicas, políticas e culturais que a partir
do final do século XX interligou o mundo, tornando-o “Uma Aldeia global”.
capítulo 2 • 38
LEITURA
Para contextualizar as discussões, sob o ponto de vista de Hall sobre identidade, leia o
texto “A identidade cultural na pós-modernidade de Stuart Hall”. HALL, Stuart. A identidade
cultural na pós-modernidade. 11. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2011
capítulo 2 • 39
que se integra na igualdade; todos possuímos singularidades e na diferença em relação
às outras pessoas, exatamente por termos particularidades, dispomos de diferenças.
A identidade como objeto de estudo da psicologia transita em diferentes di-
mensões, do contexto individual, subjetivo, ao contexto social compartilhado
com o coletivo.
Podemos ilustrar o conceito da seguinte forma:
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?
Figura 2.1 – Identidade Pessoal. Figura 2.2 – Identidade social I.
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capítulo 2 • 40
Nesse sentido, os diferentes papéis sociais desempenhados pelo indivíduo em
sociedade, pai, filho, mãe, trabalhador, amigo, estudante, entre outros são impreg-
nados de sua identidade e realizados em seu meio social.
Quanto ao contexto histórico e cultural, ao longo do percurso de nossas vidas,
o homem passa por transformações sociais, em que novas concepções vão agregando
novos valores, posicionamentos pessoais, novas ideias e convicções, fazendo com
que o indivíduo sob a influência do tempo tenha que se reinventar continuamente.
“[...] O sujeito nunca é idêntico a si mesmo por todo o sempre, já que guarda
uma abertura para o tempo, um tempo histórico que o vai posicionar na diferença
e não no mesmo, através dos tempos. O que se repetiria seria a produção, a potên-
cia de diferenciação e não o sujeito.” (GUARESCHI et al., 2003, p. 47).
Seja sob o ponto de vista histórico, ou sob a investigação do contexto sociocul-
tural, o homem no processo dinâmico de construção da sua identidade está sujeito
à passagem por todas as transformações de seu tempo.
No cenário contemporâneo, a identidade está adquirindo novos contornos à
sua discussão, no campo político social, em relação às novas mídias e aos novos
meios de produção do capitalismo contemporâneo. Entretanto, seu caráter dinâ-
mico, comunicativo e cultural, resultante das interações humanas permanece em
constante movimento como o tempo que constrói a história humana.
Caberia ainda, explorarmos a subjetividade, parte integrante do conceito de
identidade, entretanto, trataremos de subjetividade em particular, como um tema
específico deste capítulo.
Ideologia
capítulo 2 • 41
ação; veículo pelo qual os atores entendem o seu mundo; confusão entre a realida-
de linguística e a realidade fenomenal; processo pelo qual a vida social é convertida
em uma realidade natural; meio pelo qual os indivíduos vivenciam suas relações
com uma estrutura social.” (EAGLETON, 1997, apud XAVIER 2002, p.31).
Para o marxismo, segundo o dicionário on-line de significados, 2017, é a “totali-
dade das formas de consciência social, o que abrange o sistema de ideias que legitima
o poder econômico da classe dominante (ideologia burguesa) e o que expressa os
interesses revolucionários da classe dominada (ideologia proletária ou socialista)”.
Segundo o filósofo franco-argelino Louis Althusser (1918-1990), que discutiu
ideologia relendo o conceito marxista, e definindo-a como: “Uma representação da
relação imaginária dos indivíduos com suas condições reais de existência, “A ideologia
tem existência material” e “A ideologia interpela os indivíduos enquanto sujeitos”.
Em sua análise dos conceitos marxistas, Althusser avança para os conceitos de
Aparelhos Ideológicos de Estado e Aparelhos Repressivos do Estado, a partir da aná-
lise dos conceitos de “infraestrutura e a superestrutura”, utilizados por Marx e Engels
para explicar a estrutura econômica, a consciência e as forças de ação do Estado.
“Marx e Engels utilizaram a metáfora do edifício para explicitar esta ideia. Da
mesma forma que em um edifício os alicerces servem de base para toda a constru-
ção, a estrutura econômica (a base ou infraestrutura) condiciona tanto a existência
e as formas do Estado, quanto a consciência social (a superestrutura). [...]. Desse
modo, a estrutura econômica da sociedade constitui a base real que explica, em
última análise, toda a superestrutura integrada pelas instituições jurídicas e políticas,
bem como as diferentes ideologias de cada período histórico”. (MEIRA, 2012, p. 2)
(Citado no capítulo 1- A psicologia crítica).
Segundo Althusser, a metáfora objetiva representar a determinação da base eco-
nômica (sistema e forças produtivas) sobre o que ocorre na superestrutura – as ins-
tituições jurídicas e políticas (o direito e o Estado) e a diversas ideologias políticas,
legais, religiosas, éticas etc., que se relacionam de forma dialética, em que as relações
sociais se estabelecem de forma inerente e interligadas pelas forças produtivas.
A infraestrutura (base econômica da sociedade) se dá entre o homem e a natu-
reza-proprietário e proletário; a superestrutura, (base ideológica do sistema capita-
lista) é dominação ideológica das instituições sociais, (doutrinas religiosas, direito,
educação, Estado, entre outros).
Althusser, em sua análise, indica determinação da infraestrutura sobre a su-
perestrutura, ou seja, o que acontece na superestrutura se dá pela eficácia da base
econômica em atingir a superestrutura, sinalizada "por diferentes índices de eficá-
cia" (ALTHUSSER, 1992, p. 61).
capítulo 2 • 42
Althusser então conceitua “Aparelhos Ideológicos do Estado” como "certo
número de realidades que se apresentam ao observador imediato sob a forma de
instituições distintas e especializadas.". (ALTHUSSER, 1992, p. 68)
Segundo a visão do autor, as instituições que integram os aparelhos ideológi-
cos do Estado são: a família, as escolas, as empresas, as igrejas, a justiça, a política,
os sindicatos, a cultura e os meios de comunicação que são instituições públicas ou
privadas. Para Althusser, "o que importa é o seu funcionamento", (1992, p. 68).
Os Aparelhos ideológicos do Estado agem por meio da ideologia, são mecanismos
a serviço da manutenção da realidade, e das relações de produção.
A ideologia tem a função de assegurar a coesão social, normatiza e regula as
práticas sociais e as ações dos indivíduos. De forma que as instituições sociais
materializem as ideologias, que passam do plano imaterial para o plano material.
Althusser também conceitua aparelhos repressivos do Estado, distinguindo
suas ações, os aparelhos ideológicos funcionam por meio da ideologia, os apare-
lhos repressivos funcionam por meio da violência como ideologia e são constituí-
dos pelo governo, pela administração, pelo exército, pela polícia, pelos tribunais,
pelas prisões etc. “Os Aparelhos Repressivos do Estado "funcionam predominan-
temente por meio da repressão (inclusive física) e secundariamente por meio da
ideologia","[...] tanto para garantir sua própria coesão e reprodução, como para
divulgar os 'valores' por eles propostos” (ALTHUSSER, 1992, p. 70).
Em linhas gerais, ideologia é a forma pela qual orientamos nossas ações, tendo
por base as crenças constituídas segundo os interesses sociais. Ela pode apresentar-
se de diferentes formas doutrinárias filosóficas, religiosas, políticas e posiciona-
mentos pessoais; mas é importante salientar que a ideologia é fruto da elaboração
do contexto sociopolítico e econômico que vivemos.
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capítulo 2 • 43
A ideologia também se constitui como tema de diferentes investigações das
ciências que estudam o meio social, porém entre as várias análises do tema, o
marxismo predomina ao contextualizá-la também como um princípio que leva
à alienação que se revela para o operário/trabalhador quando o produto do seu
trabalho não o pertence mais, ao vender sua força de trabalho “perde o poder de
decisão sobre sua produção” e aliena-se de si próprio. Essa é uma característica
da divisão da sociedade em classes sociais, em que prevalece a divisão do trabalho
entre intelectual e braçal.
Neste sentido, a ideologia dominante não permite a consciência da alienação,
de forma a manter a coesão social sem o uso da violência. Como podemos ilustrar
com a charge:
Uma das reflexões mais complexas sobre ideologia é a discussão sobre a dis-
torção da realidade, a inversão de valores sociais sobre a produção do trabalhador.
Por exemplo, o profissional de Educação, professor, é ainda percebido socialmente
como alguém abnegado, vocacionado, com uma “missão a cumprir” e não como
um trabalhador que recebe a “justa” remuneração pela força de seu trabalho. Essa
percepção social, acaba por reforçar a crença, associada ao conceito religioso de
“dom”, “missão” e acaba por aliená-lo, fazendo-o acreditar que os “baixos salários”
são inerentes à sua escolha profissional.
capítulo 2 • 44
Nesse sentido, o indivíduo reproduz a ideologia dominante, mantendo as
condições sociais, ou seja, não transforma nem as relações sociais nem a ele mes-
mo. Enquanto humanização, o homem insere-se e define-se no conjunto de suas
relações sociais, desempenhando atividades transformadoras dessas relações, o tra-
balho apresenta-se como “[...] atividade vital, vida produtiva” e não “... apenas
como meios para a satisfação de uma necessidade, a de manter sua existência físi-
ca”. (MARX, 1983, apud LAURENTI e BARROS, 2000, p. 16).
A ideologia é discutida sob diferentes enfoques, sob o ponto de vista positivo
ela compreende o conjunto de valores dos indivíduos ou grupos, sob o ponto de
vista negativo ela distorce a realidade como forma de sustentar o poder e as rela-
ções opressoras do poder.
Ideologia no sentido positivo, ou neutro, é entendida como sendo uma cos-
movisão, isto é, um conjunto de valores, ideias, ideais, filosofias de uma pessoa ou
grupo. Nesse sentido, todas as pessoas ou grupos sociais, possuem sua ideologia,
pois é impossível alguém não ter suas ideias, ideais ou valores próprios. Já ideo-
logia no sentido negativo, ou critico, (alguns falam até em sentido "pejorativo"),
ideologia seria constituída pelas ideias distorcidas, enganadoras, mistificadoras;
seriam as meias-mentiras, algo que ajuda a obscurecer a realidade e a enganar as
pessoas. Ela apresenta-se como algo abstrato ou impraticável; como algo ilusório
ou errôneo, expressando interesses dominantes e como que sustentando relações
de dominação. (GUARESCHI, 2000, p. 40).
Guareschi (2000, p. 40) elenca os teóricos que se posicionam entre estes dois
planos teóricos, destacando o aspecto positivo da ideologia como a aprendizagem
que adquirimos na vida em sociedade, e o aspecto negativo da ideologia como
meio de sustentação das relações de dominação realizadas pelo poder vigente.
[...] Numa concepção positiva ou neutra, poderiam ser colocados autores
como o próprio criador do termo, De Tracy (1803): ideologia é o estudo das
ideias, que por sua vez são uma emanação do cérebro; de Lenin (1969), e Lukács
(1971), como as ideias de um grupo revolucionário; e a formulação geral da con-
cepção total de Mannheim (1954), que afirma que tudo o que nós pensamos é
ideológico, pois é impossível não se deixar contaminar pela situação social em que
alguém nasce e vive; em outras palavras, Mannheim identifica aqui ideologia com
conhecimento: como todo conhecimento é condicionado, assim toda ideologia é
condicionada. Mas nisso não há nada de errado. Entre as concepções critico-nega-
tivas poderiam ser colocadas as três concepções de Marx (THOMPSON, 1995):
ideias puras como autônomas e eficazes, conforme defendiam os hegelianos, sem
capítulo 2 • 45
ligação com a realidade (MARX, 1989); as ideias da classe dominante (MARX,
1989); e um sistema de representações que serve para sustentar relações de domi-
nação (MARX, 1968). Também estaria aqui a concepção restrita de ideologia de
Mannheim (1954), isto é, as ideias dominantes de um grupo sobre outro (domi-
nação de classe).
capítulo 2 • 46
ATIVIDADE
Faça o seguinte exercício: a partir da figura 2.7, relacione as dimensões abordadas do
conceito de ideologia tratadas no texto.
IDEOLOGIA
INTERESSES DE
TRÊS TRAÇOS GERAIS ATRAVÉS DE
GRUPOS DOMINANTES
FAZENDO CRER
TOMAR INTERESSES PARTICULARES QUE SÃO NATURAIS E IMUTÁVEIS
EM INTERESSES GERAIS
Figura 2.7 –
capítulo 2 • 47
Todavia, questões como: “O homem é um ser pensante”, isto é indubitavel-
mente presente. O homem é um ser dotado de uma inteligência superior aos ou-
tros habitantes do planeta; e é um “ser social”, vive em grupo, é parte constituinte
da sociedade.
Ao destacarmos estas questões contextuais, podemos citar além da psicologia,
diferentes ciências, tais como a filosofia, a sociologia, a história; cada uma na sua
especificidade, direta ou indiretamente investigando que é composto o processo
de humanização. Seja no campo cognitivo, seja no campo social.
A relação do indivíduo, sua subjetividade e suas relações sociais:
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Figura 2.10 –
capítulo 2 • 48
Isto é, o ser humano não nasce “pronto”, o homem nasce com uma carga ge-
nética hereditária e inata, em que os processos biofisiológicos maturacionais farão
a “natureza” se encarregar de seu desenvolvimento fisiológico, entretanto, para
que esse desenvolvimento seja pleno, é fundamental que ele interaja com o meio
social, como já nos referimos antes, essa interação promove a “humanização” o
“tornar-se humano”.
O que chamamos de humanização é o processo de socialização, são as trocas
sociais, a “interação”, a aprendizagem social à qual o homem é submetido desde
o seu nascimento. A interação promove a construção do sujeito, permitindo
que ele se aproprie dos mecanismos de funcionamento da coletividade a qual
está inserido.
Essa apropriação será a responsável pelas características humanizantes do ser,
tais como a consciência, a personalidade, a identidade, a identidade sociocultural,
o comportamento, as atitudes, a autodiferenciação entre “eu” e “os outros”; enfim,
todas as peculiaridades do ser humano.
A capacidade inata de elaboração dos processos cognitivos organiza os padrões
socioculturais oriundos do meio, transformando-os em um sistema simbólico
subjetivo, por meio de conteúdos provenientes da realidade objetiva.
A linguagem, por exemplo, enfatizada por Vygotsky, em sua construção teó-
rica em psicologia do desenvolvimento, é o processo cognitivo responsável pela
formação do sistema de símbolos que abastecem o pensamento.
Outros teóricos que investigam o desenvolvimento humano como Piaget,
Freud, Erik Erikson, entre outros enfatizaram no contexto de suas teorias diferen-
tes aspectos do desenvolvimento humano.
A linguagem é um dos processos cognitivos que contribuem para a constru-
ção cognitiva de representações da realidade e esse processo acontece ao logo do
desenvolvimento humano, entretanto não pretendemos discorrer sobre desenvol-
vimento humano, porque esta não é a proposta do tema em discussão.
As representações simbólicas da cognição humana são construídas a partir
das influências culturais de seu grupo social, no qual acontece o “intercâm-
bio cultural’, o homem gera cultura, cria, frutifica suas ideias e recebe de seu
grupo social os padrões socioculturais produzidos pelo próprio grupo. Dessa
forma, o comportamento humano é estabelecido, segundo as normas sociais
do grupo com o qual se identifica, como já mencionado, esta é a base da iden-
tidade social.
capítulo 2 • 49
A cultura é “viva” e dinâmica, um exemplo está no vestuário, as roupas histo-
ricamente representam a cultura de um grupo, status social e financeiro e este as-
pecto é curiosamente interessante, porque mesmo com a globalização o vestuário
ainda é um indicador cultural:
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Figura 2.11 – Figura 2.12 –
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Figura 2.15 –
capítulo 2 • 50
homem pensa e age dentro do seu ciclo de cultura”. Faça o exercício: identifique
e contextualize os simbolismos culturais das figuras 2.11, 2.12, 2.13, 2.14 e 2.15.
Retomando a questão das características humanizantes, a percepção do mun-
do produz um conhecimento subjetivo, particular; pela interpretação que fazemos
do que é exterior a nós, ao mesmo tempo em que produz um conhecimento ob-
jetivo por meio da percepção de mundo que é compartilhada coletivamente, essas
percepções são refletidas e elaboradas, armazenadas em nossa memória e transmi-
tidas à sociedade, em processo ativo do ato de existir.
Dessa forma, a consciência que é um conceito abstrato também é constituída
de representações da realidade, seus processos criativos produzem a singularidade
humana e a sua subjetividade.
Conceituamos subjetividade como o que nos diferencia de outro ser humano
e dos outros animais, nela estão contidas nossas crenças, valores, interpretação
do mundo, experiências, sentimentos, história de vida e escolhas, ou seja, o mais
íntimo de nós, nossa individualidade.
Contudo, a subjetividade abrange uma ampla dimensão conceitual, que per-
mite compreender a psique e sua complexidade.
A subjetividade representa um macroconceito orientado à compreensão da
psique como sistema complexo, que de forma simultânea se apresenta como pro-
cesso e como organização. O macroconceito representa realidades que aparecem
de múltiplas formas, que em suas próprias dinâmicas modificam sua auto-organi-
zação, o que conduz de forma permanente a uma tensão entre os processos gera-
dos pelo sistema e suas formas de auto-organização, as quais estão comprometidas
de forma permanente com todos os processos do sistema. A subjetividade coloca
a definição da psique num nível histórico-cultural, no qual as funções psíquicas
são entendidas como processos permanentes de significação e sentidos. O tema
da subjetividade nos conduz a colocar o indivíduo e a sociedade numa relação
indivisível, em que ambos aparecem como momentos da subjetividade social e da
subjetividade individual. (GONZALEZ REY, 2001, apud SILVA, 2009 p. 170).
Silva (2009, p. 170) atualiza o conceito com o próprio Gonzalez Rey (2005),
para este autor a subjetividade é “um sistema complexo capaz de expressar por
meio dos sentidos subjetivos a diversidade de aspectos objetivos da vida social que
concorrem em sua formação”.
A nossa subjetividade e a consciência de quem somos fazem parte da nossa
personalidade, preservamos o que nos é mais caro e íntimo, e permitimos que o
ambiente, a sociedade perceba de nós, as características que transparecem na per-
sonalidade em forma de atitudes.
capítulo 2 • 51
Atitude é a capacidade de julgamento que permite que nos comportemos de
forma positiva ou negativa diante de uma determinada circunstância, como define
(GLEITMAN, e cols. 2007, p. 1.225), atitudes são a “disposição relativamente estável,
avaliativa, que faz uma pessoa pensar, sentir ou comportar-se, positiva ou negativa-
mente em relação à determinada pessoa, a determinado grupo ou problema social”.
As atitudes são formadas pelos processos cognitivos elaborados, o que pensa-
mos, o que percebemos, o que foi aprendido, quais valores e crenças foram for-
mados e como esses conteúdos formaram os critérios de avaliação das diferentes
circunstâncias vivenciadas, qual conduta adotada para “esta” ou “aquela” situação.
O comportamento é a via pela qual nos posicionamos.
As características humanizantes as quais nos referimos são: a identidade e suas
dimensões pessoal, social e cultural; a consciência, a subjetividade com seu critério
de julgamento segundo valores pessoais, a personalidade – soma dos fatores gené-
ticos e ambientais unificados no indivíduo, as atitudes – conduta elaborada por
nossa cognição; todas têm como ponto de convergência a individualidade, isto é,
embora as interações com o meio ambiente sejam parte dos elementos constitu-
tivos dessas características, a forma como elas são transformadas internamente é
que nos torna diferenciados dos demais membros da espécie humana, nos torna
“singular”, apesar da pluralidade sociocultural.
Todavia, cabe destacar o dinamismo deste processo, embora o caráter intrínse-
co da individualidade seja o posicionamento pessoal, não somos imutáveis, somos
suscetíveis às transformações sociais e culturais.
E as transformações às quais somos suscetíveis são adquiridas a partir dos pro-
cessos socializadores que vivemos em diferentes etapas da vida, como por exemplo:
os primários do início da vida, na infância a “educação familiar”; os secundários, que
acontecem com o amadurecimento na idade adulta, como por exemplo, o “mundo do
trabalho”; e aos terciários como por exemplo, as novas “condições” de vida na velhice.
As transformações históricas, sociais, afetivas, econômicas, profissionais, geo-
gráficas, de papéis sociais, entre outros; aos quais estamos sujeitos ampliam nossas
relações sociais e possibilitam as constantes transformações na identidade; ou seja,
agregamos novos valores e crenças, nos desfazemos de outros, adotamos novas
atitudes e comportamentos.
“Apenas quando formos capazes de [...] encontrar razões históricas da nossa
sociedade e do nosso grupo social que explicam por que agimos hoje da forma
como o fazemos é que estaremos desenvolvendo a consciência de nós mesmos”.
Isso nos faz entender que a consciência de si pode alterar a identidade social, na
capítulo 2 • 52
medida em que interrogamos os papéis que desempenhamos e suas funções histó-
ricas (LANE, 2006, p. 22).
Para Silvia Lane, a influência das transformações históricas, em nossas ações,
atribui o autoentendimento e a consciência do poder de alterar a identidade social,
a partir do questionamento dos nossos papéis sociais e de suas funções históricas.
A consciência que temos de nós constitui a nossa subjetividade, para (MYERS
2000, p. 21), autoconceito é: “o autoconceito que o indivíduo adquire de si mes-
mo decorre das experiências sociais vivenciadas, que influem no papel que ele
desempenha nos julgamentos sobre si e sobre outras pessoas e as diversidades cul-
turais”. Isto é, as experiências sociais são elementos constitutivos de quem somos.
Estes acontecimentos incidem sobre o fenômeno psicológico, o conceito de
Vygotsky explica que a subjetividade se processa do social para o individual, construin-
do estreita relação entre a individualidade e o pertencimento ao grupo social; a via du-
pla em que o indivíduo é “agente e sujeito” das influências e implicações da interação.
Quanto ao fenômeno social, este abrange uma dimensão mais ampla, está presen-
te no contexto do indivíduo e da sua subjetividade e no contexto de uma coletividade.
Abrange as ações, os comportamentos e fatos que ocorrem em determinados grupos
sociais, organizações e sociedades, está relacionado ao momento histórico em que o
evento ocorre, ao contexto político, cultural, demográfico, econômico e ideológico.
O fenômeno social é multifatorial e pode gerar efeitos benéficos ou nocivos
para uma coletividade, grupo social, organização ou sociedade.
Pensemos em um exemplo sob o ponto de vista político: uma epidemia pode
ter como aspecto positivo novas políticas públicas de combate ao agente causador de
uma doença, ou como aspecto negativo o retrocesso nas práticas preventivas de uma
doença. Em ambos os contextos de resolução do problema epidêmico, os membros
da coletividade em que se vivenciou o problema, seriam implicados por ele e a passa-
gem pelo fato passará a fazer parte da subjetividade coletiva do grupo, seus membros
partilham a experiência vivida na participação de um mesmo evento.
É importante destacar que cada indivíduo irá construir a sua percepção pes-
soal do evento, entretanto como a experiência foi vivenciada por todos os mem-
bros do grupo, também será construída uma percepção coletiva do mesmo evento.
Essa percepção pessoal e interpretação particular de um evento é parte inte-
grante de nossa subjetividade e também é parte integrante da subjetividade do gru-
po que compartilhou a experiência do mesmo evento, como sinaliza (GUATTARI
e ROLNIK, 2005, p. 42) esta subjetividade é social e vivenciada por indivíduos
em suas singularidades.
capítulo 2 • 53
A subjetividade coletiva não é um aglomerado de subjetividades individuais,
mas sim uma subjetividade formada por diversos agenciamentos que, em alguns
contextos sociais, podem se individuar. “Ela é essencialmente social, e assumida e
vivida por indivíduos em suas existências particulares”.
Em um contexto amplificado, a pluridimensionalidade da realidade social não
se limita a uma ciência ou a uma interpretação, admite a interdisciplinaridade de
um fato social e a interdependência das ciências ao investigar os diferentes fenô-
menos, sejam particulares ou coletivos.
A óptica particular de cada ciência ao tratar seu objeto de estudo, e os diferentes
fenômenos não se restringe ao campo social, poderá apresentar-se sob vários aspec-
tos tais como: o político,econômico, ideológico, demográfico, cultural, entre outros.
Considerando a relação entre indivíduo, fenômeno social e subjetividade, faça
o seguinte exercício: o fenômeno social sob o enfoque da psicologia social estuda
os fenômenos que ocorrem na relação entre indivíduo e sociedade. Ao expandir a
compreensão do conceito, podemos considerar que a subjetividade e a subjetivi-
dade social (construção subjetiva do grupo social) estão implícitas neste processo.
Considere o evento mundial da atualidade: o problema dos refugiados na
Europa, inúmeras investigações sobre este fenômeno poderiam revelar, por exem-
plo, como estão sendo construídas coletivamente as representações dos refugiados.
REFLEXÃO
Inspire-se nas figuras 2.16 e 2.17 e reflita sobre o tema proposto, e diferencie subjetivi-
dade individual de subjetividade social.
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capítulo 2 • 54
O contexto da compreensão da dimensão conceitual de indivíduo, fenômeno
social e subjetividade é essencial para o estudo da psicologia social, porque o indi-
víduo constrói a sua história, como um ser individualizado e, ao mesmo tempo,
social, e a partir de pesquisas sobre os fenômenos psicossociais do indivíduo e da
cultura, pode se transcender a história da própria ciência; o que aliás, é um dos
objetivos da psicologia social crítica.
A psicologia social crítica, em sua trajetória no campo do saber, vem con-
solidando seu caráter crítico, sua base epistemológica e o diálogo com as outras
ciências como a filosofia, sociologia, história; e as diferentes áreas do saber que
contribuem na busca da compreensão dos fenômenos humanos.
REFLEXÃO
Segundo sua interpretação da música “Ser Humano” de Zeca Pagodinho, relacione os
conceitos estudados de indivíduo, fenômeno social e subjetividade.
Ser humano
capítulo 2 • 55
É ser humano, é ser humano, é ser humano, ser humano eh
É ser humano, que sabe chegar pra somar
É ser humano, não deixa a canoa virar
É ser humano, na hora que o tempo fechar, ser humano eh
É ser humano, que tá pro que der e vier
É ser humano, é tema da minha canção
É ser humano, eu tenho esperança e fé no ser humano
Zeca Pagodinho
Família
capítulo 2 • 56
do latim famulus, que significa "escravo doméstico". Esse termo foi criado na
Roma Antiga para designar um novo grupo social que surgiu entre as tribos la-
tinas, ao serem introduzidas à agricultura e também escravidão legalizada”. Este
conceito inicial da família abrigava em sua composição um grupo de pessoas de
comum convivência, com laços consanguíneos ou não que compartilhavam seu
cotidiano, esta família era numerosa e composta por pais, filhos, avós, tios, sobri-
nhos, parentes, vizinhos e agregados.
Esta comunidade familiar é marcada por dois momentos importantes: – as
relações de poder estabelecidas pela linhagem, herança por parentesco; e por hie-
rarquia, reproduzindo o modelo social.
“[...] concepção particular da família: a linhagem. Compreendida como so-
lidariedade estendida a todos os descendentes de um mesmo ancestral, a linha-
gem constituía proteção na ausência do Estado, não levando em conta os valores
da coabitação e da intimidade. A posição social era sustentada pelo patrimônio
material, pela herança familiar.”. (CASEY, 1992, apud PONCIANO e FÉRES-
CARNEIRO p. 59)
Ponciano e Féres-Carneiro (2003, p. 59), descrevem as relações de poder es-
tabelecidas por hierarquia referindo-se aos autores Ariès (1986); Shorter (1995):
“Quando as relações extensas faziam parte das relações familiares não existiam
poderes especializados ou seculares, externos a essas relações, que ditassem as nor-
mas do comportamento: os papéis eram definidos “desde sempre”. A comunidade
de pertença não deixava dúvidas quanto ao que fazer. A família era a sociedade,
confundindo-se com ela. O indivíduo perdia sua visibilidade em meio às relações.
A hierarquia ditava as regras para as relações familiares e os conflitos, quando sur-
giam, submetiam-se ao rigor da lei. A desobediência equivalia à exclusão e à falta
de proteção, que era o mesmo que ser entregue ao pauperismo e à morte. ”.
Esse modelo relacional de poder construiu-se de forma patriarcal, em que o
“Pai”, superior hierárquico da família, é o detentor do poder de proteger, controlar
e corrigir.
Na antiga mentalidade, o pai tinha todo poder sobre os filhos, como o senhor
sobre os seus escravos; eles pertenciam-lhe em propriedade plena, porque os fizera;
ele nada lhes devia. Na nossa mentalidade contemporânea, pelo contrário, o fato
de os ter feito confere-lhe mais deveres do que direitos para com eles. Eis uma vira-
gem fundamental dos princípios da moral familiar. (FLANDRIN, 1995, p. 147).
Ariés (1986) destaca que no final do século XVII e início do século XVIII, a
criança passa a ser percebida de forma diferente no núcleo familiar e:
capítulo 2 • 57
“A afeição tornou-se necessária entre os cônjuges, e entre os pais e os filhos. O
“sentimento de família” nasceu simultaneamente com o “sentimento de infância”:
com o objetivo de melhor cuidar de suas crianças, a família recolheu-se da rua, da
praça, da vida coletiva, em que antes se encontrava, para a intimidade, fazendo
desaparecer a antiga sociabilidade. Paulatinamente, com o passar dos séculos, o
valor social da linhagem transferiu-se para a família conjugal. Quando essa pas-
sagem se consolidou, a família tornou-se a “célula social”, a “base dos Estados”.
(PONCIANO e FÉRES-CARNEIRO, 2003, p. 60)
E quanto à família:
A família afastou-se, assim, cada vez mais da linhagem, da integridade do pa-
trimônio, prevalecendo a “reunião incomparável dos pais e dos filhos”, firmando
o modelo nuclear. Passou-se a privilegiar e marcar as semelhanças físicas entre pais
e filhos, inclusive nas situações de adoção. A criança tornou-se a “imagem viva de
seus pais”. A família assumiu uma função moral e espiritual. Os pais tornaram-
se responsáveis pela criação de seus filhos, mudando a concepção de educação.
(PONCIANO e FÉRES-CARNEIRO, 2003, p. 60).
capítulo 2 • 58
Esse contexto é o da família burguesa, permeado pelas mudanças sociais pro-
porcionadas pelo sistema capitalista: “ser produtivo e consumidor”, a consciência
que a “escolha” é parte da condição humana, a ideia de “privacidade”, e mesmo
sendo parte de uma coletividade, a arquitetura constrói lugares reservados e os
distingue dos públicos, como por exemplo: “a casa é da família” e em seu interior
há locais íntimos e privados, “a rua é pública”, “fábrica é o local de trabalho”.
O modelo de família, célula social, até aqui descrito, é o modelo referencial
da família tradicional até o século XVIII, que passa por um processo de transição
para a família da idade moderna do século XIX, nesta os aspectos privilegiados
são: a intimidade, a educação e a transmissão da cultural, e o papel da mulher
“educada” para criar os filhos e executar o trabalho doméstico, e “companheira”
para seu marido.
Cabe então a observação: este “lugar” que coube a “mulher domesticada”, ge-
rou descontentamento e consequente desordem, os sentimentos e aspirações femi-
ninas, tornam-se embrião do feminismo, que passará por várias fases ao longo do
século XX e na contemporaneidade, tema que trataremos na unidade 2.5 Gênero.
Contudo, este início embrionário do feminismo, ao qual nos referimos, que
culminará no século XX, contou com fatos históricos importantes que contribuí-
ram com as mudanças na organização social e da família na modernidade.
A Revolução Francesa em 1789, no século XVIII, e ainda no mesmo século, a
Revolução Industrial iniciada na Inglaterra.
A Revolução Francesa precisamente iniciada com a Queda da Bastilha (prisão
que representava o poder absoluto do rei) em 14 de julho de 1789 foi um dos mar-
cos históricos mais importantes para a humanidade, porque seu lema revolucioná-
rio “Liberdade, Igualdade e Fraternidade” propiciou uma mudança de paradigmas
sociais, os privilégios do poder absoluto do rei, os benefícios do clero e da nobre-
za, foram depostos pelo descontentamento do povo e sua consequente ascensão
revolucionária que garantiu entre outras conquistas em 26 de agosto de 1789 na
Assembleia Nacional Constituinte a Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão, cujas as principais garantias eram: o respeito pela dignidade das pessoas;
liberdade e igualdade dos cidadãos perante a lei; direito à propriedade individual;
direito de resistência à opressão política; liberdade de pensamento e opinião.
A nova ordem estabelecida passou por vários conflitos ao longo de seu percur-
so de consolidação e definitiva mudança para o regime político republicano em
1793, que assegurava ao povo: direito ao voto; direito de rebelião; direito ao tra-
balho e à subsistência e a declaração constitucional, em que o objetivo do governo
era o bem comum e a felicidade de todos.
capítulo 2 • 59
Entretanto, durante este percurso histórico entre 1795-1799, também foi
marcado por inúmeras tentativas de controle da insatisfação popular e afirmação
do poder político da burguesia sobre a França. Quando Napoleão Bonaparte (lí-
der histórico desse momento político) em 10/11/1799, com o apoio da burguesia,
assume o poder e consolida a ascensão da burguesia e dá fim a Revolução.
A Revolução Francesa e a Revolução Industrial caracterizam-se como marcos
divisórios da história da humanidade, em função das mudanças de concepção e
estar no mundo propiciadas por estas.
A Revolução Industrial inicia-se na Inglaterra e foi um período marcado pelo
processo de industrialização inaugurado pelo motor a vapor ou máquina a vapor
que foi construído por James Watt, em 1769, resultado da concepção e de aperfei-
çoamentos de modelos anteriores que datam suas iniciativas desde o XVI.
A máquina a vapor possibilitou uma revolução tecnológica no processo de fabri-
cação de mercadorias, gerando uma poupança de tempo e trabalho humano e aumen-
to os lucros dos empresários, que passam a investir cada vez mais na industrialização.
Este avanço desenvolvimentista que se estende ao longo do século XIX pela
França, Alemanha, Itália, Rússia, pelos EUA e pelo Japão no final do século.
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capítulo 2 • 60
pois as máquinas produziam mais e mais rapidamente peças que antes eram pro-
duzidas de forma artesanal.
E a burguesia industrial em ascendência que aumentava cada vez mais seus
lucros, enquanto os trabalhadores, homens e mulheres e crianças (proletariado),
eram mal remunerados e trabalhavam em longas jornadas de 14 a 16 horas diárias
(mulheres) e de 10 a 12 horas (crianças).
Esses trabalhadores que viviam em condições miseráveis começam a se orga-
nizar em movimentos operários e sindicatos, e reivindicam por meio de greves,
direitos sociais e políticos, como o direito de voto “sufrágio universal masculino”,
direito que só foi conquistado na Inglaterra em 1867.
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capítulo 2 • 61
“A grande revolução de 1789-1848 foi o triunfo não da “indústria” como tal,
mas da indústria capitalista; não dá liberdade e da igualdade em geral, mas da
classe média ou da sociedade “burguesa” liberal; não da “economia moderna” ou
do “estado moderno”, mas das economias e Estados em uma determinada região
geográfica do mundo.” (HOBSBAWM, 2009, p. 4)
Concentrando nossas discussões sobre a família, é importante retomar a afir-
mação: a família até aqui descrita foi a família burguesa. Os registros a respeito
das classes sociais menos favorecidas são muito precários, até porque alguns
marcos históricos precisam ser sinalizados: No continente europeu, as famílias
sem posses eram formadas por camponeses e operários, nas Américas, as classes
menos favorecidas foram formadas pelo homem escravizado e seus descenden-
tes, índios e população miscigenada. A literatura narra os fatos sob a óptica de
quem os escreve, em geral a classe dominante, os homens de posses (grifo
do autor).
Iniciamos o tema família, contextualizando-a em seu aspecto jurídico des-
tacando que o Código Civil brasileiro foi datado de 1916, início do século XX,
e este só foi modificado em 2002, início do século XXI; esta informação é im-
portante para a reflexão, porque a família brasileira foi concebida nos moldes da
família tradicional e burguesa.
Entretanto, cabe observar que os modelos de família passaram por mudanças
no percurso da história em diferentes classes sociais, e na contemporaneidade os
diferentes modelos de família são concebidos em todas as classes sociais.
A família do século do final do século XX e a família do século XXI é a família
que transcendeu a história, é globalizada, privilegia o afeto e não o patrimônio
financeiro, é reestruturada em função de mudanças sociais, científicas e institucio-
nais tais como: divórcio, união estável, “produção independente” – filhos concebi-
dos por mulheres sem a opção do parceiro pela paternidade, sem inseminação ar-
tificial, – homens que desejam ser pais e optam pela criança sem a presença da mãe
em sua criação, – por meio da escolha da tecnologia genética “banco de sêmen” de
doador anônimo, filhos concebidos sem conjunção carnal, filhos gerados no útero
de outra mulher; filhos adotivos, órfão do vírus HIV e todas as possibilidades que
a ciência genética podem oferecer.
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 nos artigos 226 a
230, Título VIII da Ordem Social, Capítulo VII versa sobre a família, e o Código
Civil Brasileiro de 2002, no Subtítulo II Das Relações de Parentesco Capítulo I,
capítulo 2 • 62
Das disposições Gerais e Capítulo II, da Filiação legislação sobre o conceito de
família por afinidade e grau de parentesco, discriminando seus diferentes tipos.
• Família extensa (consanguínea): é a família nuclear que inclui os pais e os
filhos, entretanto, a Constituição brasileira e o Código civil a reconhecem como
extensa formada pelo grau de parentesco, ou afinidade, composta por pais, filhos,
irmãos, avós, netos, tios, sobrinhos, primos;
• Família monoparental: segundo a Constituição da República Federativa
do Brasil no artigo 226, §4o, como sendo a "comunidade formada por qualquer
dos pais e seus descendentes". Mãe ou pai, solteiros, viúvos, separados etc., que
moram com seu(s) filho(s);
• Família anaparental: unida por algum parentesco, sem a presença de pais.
Constituída pela convivência entre parentes dentro de um mesmo lar com ob-
jetivos comuns, sejam eles de afinidade econômicos, entre primos, irmãos que
convivem juntos;
• Família homoafetiva: formada por casais do mesmo sexo;
• Família comunitária: formada por pessoas unidas por laços afetivos e/ou
educacionais, em que os membros adultos são responsáveis pelas crianças, sem
necessariamente possuir laços consanguíneos;
• Famílias adotivas: formadas por laços afetivos, com filhos não consanguí-
neos, reconhecidos legalmente como membros da família sem distinção por grau
de parentesco;
• Família social: formadas por casais, gerenciadas pelo estado, responsáveis
pela adoção de crianças cujos pais biológicos, por algum tipo de “impedimento”,
perda do pátrio poder, morte etc. não podem cumprir o dever de educá-las.
capítulo 2 • 63
ATIVIDADE
Observe as ilustrações e autoconceitue a sua família:
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Família e psicologia
capítulo 2 • 64
ponto comum: o processo constitutivo do indivíduo, entretanto, cabe salientar
que o “indivíduo” só é possível porque foi concebido por uma família e o meio
extrínseco a ele, como já exposto anteriormente, é também responsável por todos
os simbolismos elaborados por sua psique.
Considerando essas afirmações, descreveremos caminhos importantes que a
psicologia vem percorrendo em sua contribuição científica para a sociedade; pri-
meiro destacamos as abordagens teóricas aplicadas ao tratamento psicoterapêutico
do indivíduo, sem aprofundar suas práticas, pois este não é o caráter específico
desta disciplina, porém é importante para sua contextualização.
As principais abordagens teóricas que tratam do indivíduo por meio da prática
clínica da psicoterapia: psicanálise, gestalt terapia, TC – terapia comportamental,
TCC – terapia comportamental cognitiva e suas derivadas. Estas práticas funda-
mentam seus métodos e técnicas nas premissas teóricas destes sistemas psicológicos.
O segundo caminho são as psicoterapias de grupo, em particular as prin-
cipais abordagens de psicoterapia de família, iniciada na década de 1950 nos
Estados Unidos, chegando ao Brasil na década de 1970, e tem como aborda-
gens: a teoria sistêmica – com base na família nuclear e no conceito biológico
de sistema; a abordagem estrutural – que compartilha os conceitos de família
nuclear e sistema biológico com a visão atualizada das funções no sistema fa-
miliar; psicoterapia de casal – sustentada pelas bases da teoria sistêmica; TIP
– terapia interpessoal; construtivismo e ou construcionismo – com bases
na biologia e na psicologia social. É importante reafirmar que estes métodos e
práticas teóricas apoiam-se em sistemas psicológicos teóricos já consolidados.
Quanto à psicologia social, seu objeto de estudo são as relações sociais, ressal-
ta-se que a família é um grupo, esta constatação em si, insere a psicologia social no
contexto de estudo da família (grupo primário) o primeiro agente socializador, ou
ainda o termo aqui aplicado “humanizante”.
Sua aplicabilidade no estudo de grupos possibilita inúmeras investigações tais
como: identidade, identidade social, representações sociais, ideologia, fenômeno
social, subjetividade, subjetividade social, gênero, entre outros.
A família é perene em todos os cenários humanos de forma física ou simbóli-
ca, será sempre o indicativo das mudanças sociais, culturais, econômicas, políticas
e científicas, isto é, tudo que diz respeito ao indivíduo e à sociedade.
capítulo 2 • 65
Gênero
capítulo 2 • 66
é de 1998 , e a lei 11.340/2006 (lei Maria da Penha) que garante direitos contra
abusos e maus-tratos à mulher é uma conquista de 2006.
Conforme assinalado quando trata-
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mos do tema família, a mulher foi “do-
mesticada” para ser do lar, ou melhor
a “rainha do lar”, mas os descontenta-
mentos pessoais, e as aspirações indivi-
duais levam ao embrião do feminismo
em meados do século XIX, com o mo-
vimento sufragista, a reivindicação de
mulheres inglesas, francesas, espanholas Figura 2.19 – Reivindicação de mulheres
e americanas, do Estados Unidos, pelo pelo direito do voto.
direito ao voto.
A partir do século XX, o feminismo germina, em sua primeira fase, como um
movimento liberal de luta de mulheres por direitos civis e políticos, denunciando
a “opressão da mulher imposta pelo patriarcado”.
capítulo 2 • 67
©© PIXABAY.COM
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capítulo 2 • 68
de maneira isolada perpetua o mito de que uma esfera, a experiência de um sexo,
tenha muito pouco ou nada a ver com o outro sexo.
Além disso, o termo "gênero" é também utilizado para designar as relações so-
ciais entre os sexos. Seu uso rejeita explicitamente explicações biológicas, como aque-
las que encontram um denominador comum, para diversas formas de subordinação
feminina, nos fatos de que as mulheres têm a capacidade para dar à luz e de que os
homens têm uma força muscular superior. Em vez disso, o termo "gênero" torna-
se uma forma de indicar "construções culturais" – a criação inteiramente social de
ideias sobre os papéis adequados aos homens e mulheres. Trata-se de uma forma de
se referir às origens exclusivamente sociais das identidades subjetivas de homens e de
mu¬lheres. "Gênero" é, segundo esta definição, uma categoria social imposta sobre
um corpo sexuado. Com a proliferação dos estudos sobre sexo e sexualidade, "gêne-
ro" tornou-se uma palavra particularmente útil, pois oferece um meio de distinguir
a prática sexual dos papéis sexuais atribuídos às mulheres e aos homens.
Narvaz e Koller (2006, p. 647), a partir de estudos, tecem considerações im-
portantes sobre o feminismo, incluindo as análises de gênero propostas Scott, 1995.
“O desafio nesta fase do feminismo é pensar, simultaneamente, a igualdade
e a diferença na constituição das subjetividades masculina e feminina. Nesta ter-
ceira fase do movimento feminista, observa-se intensamente a intersecção entre
o movimento político de luta das mulheres e a academia, quando começam a ser
criados nas universidades, inclusive em algumas universidades brasileiras, centros
de estudos sobre a mulher, estudos de gênero e feminismos.
Os três momentos do movimento feminista foram descritos para destacarmos
o contexto do estudo de gênero, atualmente estas discussões permanecem contri-
buindo para um cenário atualíssimo de desconstrução do gênero.
O conceito de gênero extrapola a classificação biológica, é também utilizado como
um descritor de papéis sociais e atribuições que competem ao homem e à mulher.
As diversas articulações dessas discussões permitiram o surgimento de novos
debates, e a desvinculação do conceito de gênero, da divisão biológica dos sexos
(masculino e feminino) binário.
Sexo é determinado biologicamente pela constituição fisiologia das genitálias
do homem e da mulher.
Gênero é um conceito construído a partir da subjetividade masculina ou fe-
minina de cada pessoa.
capítulo 2 • 69
As discussões contemporâneas avançaram para muito além do conceito de
gênero, seja no campo biológico ou social, as atribuições masculinas e femininas
antes delimitadas pela classificação dos papéis, hoje passam por transformações em
seus atributos, seja por exemplo: no vestuário, nas profissões, e em diferentes cam-
pos sociais, culturais, econômicos, políticos. O que tornaram emergente a revisão
do conceito e a limitação do mesmo a masculino e feminino.
Outro conceito importante é o de identidade de gênero, este está relaciona-
do ao campo psíquico, como as pessoas, independentemente do sexo biológico,
se autopercebem.
Isto é, o convencional binário homem e mulher, deu lugar a novas designações e
suas diferenças de posicionamento pessoal e orientação sexual. O século XXI comtem-
pla uma sociedade com lésbicas, gays (compreendidos como homossexuais), bissexuais,
travestis, transexuais, (inclui a categoria transgêneros) e intersexuais (andrógenos).
No Brasil, a sigla LGBT aprovada pelo Congresso Nacional em 2008, ainda
gera muita polêmica pelas diferentes correntes ativistas, que argumentam não con-
templar todas as orientações sexuais.
capítulo 2 • 70
Em diferentes países, estas discussões também estão bastante aquecidas e rei-
vindicatórias de suas representações, entretanto, o que se pode afirmar é que o
ponto convergente de todas estas mudanças é a constatação da “mudança de para-
digmas” em relação ao tratamento da questão de gênero.
O movimento feminista problematizou a questão do gênero, mas o ponto
central deste fenômeno social é a discussão da “subjetividade da identidade”. As
amplitudes sociais das questões propostas ultrapassam a barreira do individual,
transvertem o cultural.
REFLEXÃO
As discussões ultrapassam as barreiras disciplinares, e a observação do cotidiano pro-
duz questões acerca de como a sociedade percebe a mulher, nesta bagagem encontramos:
mulheres com salários abaixo dos salários pagos ao homem, mesmo exercendo as mesmas
funções profissionais; discriminação racial com diferença de tratamento social para mulheres
brancas, negras e mestiças; estereótipos machistas; referência pejorativa ao exercício da
sexualidade; depreciação da mulher nas atividades do cotidiano, como por exemplo: dirigir
“mulher no volante perigo constante” ou ainda, “lugar de mulher é na cozinha”, (ditado popu-
lar), violência contra a mulher, e tantas outras informações que a mídia noticia todos os dias.
Cabe então, refletir um pouco mais sobre o cotidiano.
capítulo 2 • 71
A psicologia social acompanhou todo este processo histórico, no início do século XX
quando as primeiras pesquisas indicaram que a diferença entre homens e mulheres está nas
atitudes, nos interesses e nos comportamentos, hoje compreende-se que estas diferenças
são mais amplas e multifatoriais.
A diferença de temperamentos apresenta a ideia da “doçura” e emotividade feminina, e
da rudez masculina, corroborando o cenário histórico que o lar é para as mulheres, esta con-
cepção torna-se uma norma social. O processo de socialização, a priori função da família, se
apropria desta concepção e distingue por meio da educação as diferenças de personalidade
entre homens e mulheres.
Os estudos em psicologia seguem suas investigações buscando as relações entre sexo
biológico, sexo cultural, social e psicológico.
A história seguiu seu curso natural e a psicologia social continua investigando as ques-
tões de gênero, como uma de suas dimensões conceituais, o construcionismo social, cor-
rente teórica da psicologia social, dirige a energia do legado feminista, para a investigação
psicológica das “diferenças entre homens e mulheres, um produto cultural e relacional” e ao
afirmar: “a consequência de existirem categorias, é maximizar as diferenças entre grupos e
atenuar as diferenças intra-grupos.”.
Esta óptica remete-nos ao início da discussão do tema, com a afirmação “atualíssimo”,
porque a discussão de gênero do século XXI está também mídia, foi amplificada a novas
categorias de gênero, com particularidades que estão sendo construídas, soma-se a esta
questão a Revolução Tecnológica em todos os campos humanos, fazendo uma referência à
medicina, hoje o sexo biológico não é mais determinante como se pensou no passado, as
cirurgias de redesignação sexual é uma realidade acessível a todas as pessoas.
Diante destas circunstâncias, o saber científico da psicologia social também está inseri-
do nas mudanças do século XXI, as pesquisas e as construções teóricas precisam amadure-
cer e se “empoderar” de novos conhecimentos para que a produção científica possa atender
às suas demandas.
RESUMO
Neste capítulo iniciamos nossas discussões sobre identidade, um conceito que açam-
barca diferentes dimensões e pluralidade histórica, constituindo-se em um contexto indivi-
dual, subjetivo e social compartilhado com o coletivo vivenciado nos diferentes papéis sociais
desempenhados pelo indivíduo em sociedade, pai, filho, mãe, trabalhador, amigo, estudante,
entre outros e realizados em seu meio social.
capítulo 2 • 72
Ideologia “um conjunto de sistemas e doutrinas filosóficas, políticas, morais e sociais que
indicam como pensamos e percebemos o mundo”. Um conceito abrange o objeto precípuo de
estudo de diferentes ciências, e em particular da psicologia social, sua importância social, históri-
ca, política, filosófica, entre outras; na concepção da vida humana. A ideologia é abordada sobre
diferentes enfoques teóricos em que destacamos no marxismo os conceitos de infraestrutura e
a superestrutura e alienação; os conceitos de Aparelho Ideológico do Estado e Aparelhos Re-
pressivos do Estado de Althusser, e a trajetória do conceito de ideologia tratada por Guareschi. A
ideologia é um tema profundamente complexo, e entre seus objetivos de estudo pela psicologia
social está o fomento ao pensamento crítico fundamental ao exercício profissional.
Neste contexto dedicamo-nos a pensar no indivíduo, fenômeno social e subjetividade, os
processos que humanizam o homem, a afiliação aos grupos sociais, as experiências coletivas
e o que constitui a subjetividade.
A família, grupo primário o qual fazemos parte, desde sua origem social passa por cons-
tantes transformações históricas, políticas, culturais e constitui um dos objetos de estudo
mais importantes da psicologia, pois em seu contexto estão contidos identidade, identidade
social, representações sociais, ideologia, fenômeno social, subjetividade, subjetividade social,
gênero, entre outros conteúdos e conceitos.
Finalizamos o capítulo tratando do tema gênero, destacamos seus aspectos mais con-
temporâneos e polêmicos, propondo a reflexão sobre seus contextos, desde o movimento
feminista aos reflexos nas escolhas e empoderamentos sociais da atualidade.
CONEXÃO
Acesse o site:
<http://gnt.globo.com/programas/liberdade-de-genero/>
Assista à série Liberdade de Gênero do diretor João Jardim.
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capítulo 2 • 73
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capítulo 2 • 74
3
Campos de
aplicação da
psicologia social
– A abordagem
psicossocial
Campos de aplicação da psicologia social –
A abordagem psicossocial
OBJETIVOS
• Articular os conceitos da abordagem psicossocial com as áreas de aplicação da psicolo-
gia social;
• Relacionar a aplicação teórica à prática da psicologia social na escola;
• Enumerar a aplicação teórica à prática da psicologia social no trabalho;
• Elencar a aplicação teórica à prática da psicologia social na comunidade;
• Descrever a aplicação teórica à prática da psicologia social na saúde.
capítulo 3 • 76
“O ser humano é a singularização de toda história da humanidade. Cada pessoa é
única e múltipla, pois, ao mesmo tempo em que se individualiza, o faz presentifi-
cando seus ancestrais e aqueles com quem compartilha a sua existência.”.
A ação profissional do psicólogo na escola contempla a concepção da comple-
xidade humana, sob o ponto de vista da abordagem psicossocial “o sujeito como
protagonista de sua história – aqui tomada como o que constitui o lado humano
na dimensão cultural, influenciado pelos símbolos, pela língua e, em consequên-
cia, pela sociedade”. (ALVES e FRANCISCO, 2009, p. 768)
A escola é uma instituição social que data desde 4000 a.C., contudo o modelo
de escola que temos hoje originou-se no século XII na Europa. Contribuindo com
a psicologia social, George Mead (1863-1931) filósofo americano, sinalizava a
importância social da escola em seus estudos sobre o self.
Partindo do pressuposto de que as interações sociais vividas pelo sujeito po-
dem favorecer tanto o desenvolvimento de supremos valores éticos quanto a sua
degradação o social e moral, Mead (1863-1931), reflete o papel da escola na for-
mação do self, instância cognitiva e social e permitir movimentos de autonomia
do indivíduo diante do controle imposto pela ordem social e a sua capacidade na
tomada de decisões no campo pessoal e político. (SANT’ANA, 2005, p. 1)
Muitos filósofos, educadores e cientistas teorizaram sobre a escola e suas di-
ferentes dimensões e implicações em relação às pessoas. Segundo, Zanella et al.
(2008, p. 134), “[...] ao procurar conhecer a realidade escolar como um todo, o
psicólogo contribui para repensar a escola. Redimensionando sua própria atuação
e contribuição para que os integrantes da escola reflitam sobre a forma como agem
frente ao real.”.
O trabalho do psicólogo social na escola é um trabalho político, que propõe a
reflexão sobre os conceitos ideológicos vigentes e as repercussões que esta ideologia
acarretará na formação da sociedade por meio da educação.
O psicólogo social no contexto escolar investiga as relações que se estabelecem
entre a infraestrutura (base econômica) e a consciência social (superestrutura),
(conceitos marxistas, capítulo 2- Ideologia), e os seus impactos nas classes sociais,
na formação do cidadão. Em um contexto objetivo da ordem social, o direito de
escolher os representantes de diferentes classes sociais junto às instâncias de poder
da infraestrutura, é uma forma de promover cidadania, inclusão social e garantia
de direitos para todos os indivíduos das diferentes camadas da sociedade, que se
traduz na participação democrática da sociedade, um direito que deve pertencer a
todos os indivíduos.
capítulo 3 • 77
A escola é um dos agentes socializadores mais importantes deste processo, por-
que deve estar presente desde os primeiros anos de vida de uma pessoa, e entre suas
atribuições, cabe por meio do ensino formal fornecer instrumentos para o desen-
volvimento cognitivo do indivíduo, que o levará a realizar as elaborações funda-
mentais que repercutirão no exercício de liberdade e autonomia de suas ideias, em
outras palavras, a escola deve ensinar o indivíduo a organizar seus pensamentos.
O psicólogo social na escola trabalha no contexto institucional de forma pre-
ventiva, política, social, diagnóstica, mobilizadora e terapêutica, considerando
terapêutica toda ação que produz efeitos benéficos. Não confundir com psicote-
rapia que é uma ação clínica específica, e considerar que há diferenças no enfoque
profissional entre o psicólogo social na escola e o psicólogo escolar, cujo enfoque é
centrado nas ações voltadas para o processo de aprendizagem.
O Conselho Federal de Psicologia – CFP, segundo resolução 014/00, determi-
na que o dever do psicólogo da área escolar é aplicar conhecimentos psicológicos
concernentes ao processo ensino-aprendizagem, analisar e realizar intervenções
psicopedagógicas referentes ao desenvolvimento humano, às relações interpessoais
e à integração família-comunidade-escola, para promover o desenvolvimento in-
tegral do ser.
“Educar não é, entretanto, condicionar socialmente o indivíduo, mas, funda-
mentalmente, garantir-lhe liberdade e autonomia.”. A psicologia educacional bus-
ca a compreensão do desenvolvimento humano no contexto sociocultural, bem
como a promoção das potencialidades do sujeito em interação com o outro social.
(Santos 2004, p. 1)
No ambiente escolar, são inúmeras as possibilidades de atuação do psicólogo.
No campo da Avaliação Psicológica, Psicologia da Aprendizagem, Psicologia do
Desenvolvimento, Motivação, Mediação de Conflitos, Educação Especial, Análise
Institucional, Orientação Vocacional/Orientação profissional, entre outros.
Em virtude das profusas possibilidades de ação do psicólogo na escola, desta-
caremos ações e encaminhamentos integrantes das atribuições do psicólogo esco-
lar, com o objetivo de demonstrar a diferença na abordagem do psicólogo social
na escola.
O psicólogo escolar realiza o atendimento da criança e do adolescente, com
transtornos específicos do desenvolvimento das habilidades escolares, déficit cog-
nitivo, transtornos mentais e do comportamento; para a identificação e enca-
minhamentos necessários. Cabe observar, que o atendimento escolar não é um
atendimento psicoterapêutico, mas é fundamental identificar a necessidade de
encaminhamento clínico, quando preciso.
capítulo 3 • 78
Neste contexto, que contempla a identificação de necessidades de atendimen-
to específico e/ou encaminhamento clínico, cabe ao psicólogo atuar focado em sua
responsabilidade político-social de problematizar as demandas dos professores e
gestores escolares, para que os rótulos ou estereótipos não se tornem mecanismos
de exclusão social. O trabalho do psicólogo no ambiente escolar agrega a comu-
nidade escolar qualidade nas relações interpessoais e no convívio com a diversida-
de social.
O trabalho do psicólogo social na escola envolve o atendimento aos diferentes
grupos da comunidade escolar: alunos, pais, professores e funcionários; com o
objetivo de identificar suas representações sociais, mediar conflitos de convivên-
cia, análise das práticas institucionais, motivação, ações preventivas, intervenções
segundo as políticas públicas para a educação. Participação nos processos de gestão
escolar, como elaboração do Projeto Político Pedagógico (PPP). Orientação das
práticas institucionais quanto aos portadores de necessidades especiais.
Orientação da comunidade escolar em habilidades sociais, um trabalho que
demanda o exercício do papel político do psicólogo, pois é necessário negociar,
administrar, mediar conflitos, e em relação às habilidades sociais, dirigir ações que
se revertam em benefícios na convivência entre os agentes da comunidade escolar.
“Habilidades sociais são um conjunto de comportamentos emitidos por um
indivíduo em um contexto interpessoal que expressa sentimentos, atitudes, dese-
jos, opiniões ou direitos desse indivíduo de modo adequado à situação,respeitan-
do esses comportamentos nos demais, e que geralmente resolve os problemas ime-
diatos da situação enquanto minimizando a probabilidade de futuros problemas.
(CABALLO, 2006, p. 361)
Ainda no contexto escolar, a orientação profissional, é uma modalida-
de de trabalho do psicólogo que auxilia aos jovens quanto à escolha da ocupa-
ção profissional.
Em relação à orientação profissional, embora não seja nosso foco de discus-
sões, cabe salientar que ela está presente na psicologia social brasileira desde seu
início, como aponta Abade (2005, p. 18):
“..A orientação profissional não pode prescindir de um referencial psicosso-
cial, ou seja, mais que considerar a relevância dos fatores sociais no processo de es-
colha, é importante que o orientador apoie sua prática em referenciais teórico-me-
todológicos psicossociais. [...] Embora a orientação profissional estivesse presente
em departamentos de psicologia social quando foi definido o currículo mínimo
do curso de psicologia em 1962, somente na década de 1990, identificamos tra-
balhos que abordam a orientação profissional a partir de referenciais da psicologia
capítulo 3 • 79
social. O paradigma ecológico desenvolvido por Jorge Sarriera e a abordagem só-
cio-histórica proposta por Sílvio Bock e Ana Bock, configuram uma modalidade
de orientação profissional com base na psicologia social.”.
A orientação profissional, sob o enfoque da psicologia social, ratifica o exer-
cício político de cidadania, indica o ideário de um grupo social. A escolha da
ocupação profissional é um agente que integra as pessoas ao mundo do trabalho,
e assim contribui com a base das forças produtivas econômicas de uma sociedade.
Considerando estes aspectos, a orientação profissional participa dos fatores que
colaboram com as transformações sociais.
Entre as diferentes aplicações da psicologia na área escolar, a presença da psico-
logia social e a abordagem psicossocial é uma constante, porque a formação teórica
e a prática profissional são norteadas por questões fundamentais da abordagem
psicossocial, tais como: identidade, representações sociais, cultura, interação, rela-
ções sociais, gênero, ideologia, subjetividade, família e grupos. Conforme sinaliza
Alves e Silva, (2006, p. 768) “Cabe ao psicólogo escolar desenvolver, juntos às
comunidades escolares, intervenções psicossociais que atentem aos aspectos sócio
-históricos e a contribuição para o desenvolvimento de sujeitos mais conscientes,
críticos, éticos e autônomos”.
A abordagem psicossocial permite explicitar os processos psicossociais envol-
vidos no grupo, sua formação, afiliação, sentimento de pertencimento, e como
estes processos implicam e são implicados pelo indivíduo.
Considerando este panorama, também é importante destacar que o “olhar”
da psicologia social permite no âmbito escolar uma abordagem sócio-histórica, e
também uma abordagem construtivista/construcionista das relações sociais. Isto
é, os referenciais teóricos determinarão o “approach”, necessário para a articulação
entre teoria e prática nas necessárias intervenções no meio escolar.
Métodos de intervenção como oficinas em dinâmica de grupo – um método
de intervenção psicossocial: “a oficina é um trabalho estruturado com grupos,
independentemente do número de encontros, sendo focalizado em torno de uma
questão central que o grupo se propõe a elaborar. A elaboração na oficina não se
restringe a uma reflexão racional, mas envolve os sujeitos de maneira integral,
formas de pensar, sentir e agir”. (AFONSO, 2002, p. 1)
O homem é biopsicossocial, e a abordagem psicossocial contempla estas dife-
rentes dimensões do humano, sob o ponto de vista da psicologia social crítica, a
escola é um dos cenários em que a materialização das discussões ideológicas estão
mais presentes, e cabe ao psicólogo explicitar por meio de sua intervenção profis-
sional, as questões implícitas que permeiam a educação na formação de sociedade.
capítulo 3 • 80
ATIVIDADE
Observe as ilustrações a seguir, inspire-se e elabore, segundo um psicólogo social, duas
propostas de intervenção no ambiente escolar, considerando a abordagem psicossocial.
capítulo 3 • 81
sociedade desde os primórdios da história humana. Segundo Lisboa (1997, apud
ALMEIDA e PINHO, 2008, p. 174): “A identidade ocupacional forma-se por
meio da autopercepção que o indivíduo tem dos papéis profissionais com os quais
tem contato ao longo de sua existência, principalmente no que diz respeito a figu-
ras significativas, como pais, familiares e professores.”.
A psicologia apresenta uma estreita relação com o estudo das relações do ho-
mem com o trabalho. A começar por seu estabelecimento como ciência no con-
texto pós-Revolução Industrial.
Em 1913, Hugo Munsterberg, aluno de Wundt, publica o livro Economic
Experimental Psychology, considerada como primeira obra organizada com o ob-
jetivo de discutir as contribuições da psicologia para a área industrial em expansão,
compreendida como recurso do desenvolvimento econômico e social.
“Ainda mais importante de que lucros comerciais de ambos os lados são os
ganhos culturais à vida econômica da nação, na medida em que todos podem
ser levados ao lugar em que suas melhores energias podem ser demonstradas e
sua satisfação pessoal obtida. A psicologia experimental econômica oferece nada
menos de que a ideia inspiradora que o ajuste de trabalho e psique pode levar à
troca de insatisfação no trabalho e depressão mental pela felicidade e harmonia
interna perfeita.”.
Ideologias profissionais e geren-
ciais têm a tarefa de representação po- ©© WIKIMEDIA.ORG
capítulo 3 • 82
Hawthorne, em Chicago, de 1924 a 1933, identificou o valor dos sentimentos e
das relações humanas entre os operários e superiores; Mayo estabelece as bases da
psicologia das relações humanas.
Conforme Spink (1996, p. 176), Mayo faz críticas à visão taylorista do homem
econômico e sua proposição de que o trabalhador tem uma necessidade de se dar
bem com os outros, de precisar do convívio e do contato social. Ele aprofunda a
questão sinalizando a importância da dimensão técnica aliada às relações interpes-
soais, cujos afetos são fundamentais para o convívio social. O aspecto técnico envol-
ve o desempenho, processo seletivo, treinamento e adequação de perfil do profissio-
nal a função a ser desempenhada, entre outros, e o aspecto afetivo envolve as relações
humanas, liderança, comunicação interpessoal, proatividade, motivação etc.
A figura 3.6 ilustra a dimensão contextual das relações interpessoais, que são
aplicadas em todos os cenários humanos, aqui relacionamo-la ao ambiente organi-
zacional, objeto de estudo da psicologia do trabalho e da psicologia social.
RELAÇÕES INTERPESSOAIS
O ser humano em essência é um ser social que deve
compartilhar a vida com outras pessoas
capítulo 3 • 83
A psicologia social aplicada às organizações, problematiza e investiga questões
como as intersubjetividades sociais, o processo de socialização secundário promo-
vido pelo trabalho, os processos sociais, o fenômeno social, os conflitos, as relações
de poder, ideologia, cultura organizacional, crenças e valores organizacionais, pa-
péis sociais, identidade, identidade ocupacional e representações sociais.
A psicologia social articula suas investigações com a visão psicossocial, as inte-
rações e a complexidade humana (vide figura 3.6).
Lisboa, (apud ALMEIDA e PINHO, 2008), aponta, por exemplo, a constru-
ção da identidade a partir da identidade ocupacional:
A construção da identidade ocupacional está, como afirma Lisboa (1997), dire-
tamente vinculada à identidade pessoal, pois ambas incluem todas as identificações
feitas pelo indivíduo ao longo da vida. De acordo com Conger e Petersen (1984), a
identidade ocupacional forma uma parte importante do senso de identidade.
Na contemporaneidade, o estudo das relações sociais no trabalho e na psicologia
social atravessam as transformações e os novos paradigmas do século XXI. As novas
relações de trabalho e convivência no ambiente ocupacional caminham para novas
modalidades. A presença de elementos como a robótica industrial, a exigência de novas
habilidades e competências técnicas, que permitem que o trabalho seja virtual, por
exemplo; e as frequentes mudanças no cotidiano das organizações acentuam a neces-
sidade de pesquisas focadas e atenção e crítica a este contexto de fenômenos sociais.
Entretanto, um ponto permanece convergente e comum: o centro de todas as
mudanças e o facilitador para que as transformações aconteçam é o homem, que
por natureza é um ser social e permanece agente interativo implicador e implicado
pelas relações interpessoais.
Ao reconfigurar a psicologia do trabalho enquanto ação processual a partir da
psicologia social do fenômeno organizativo, abre-se a opção de reassumir a interven-
ção investigativa da pesquisa-ação como base para um diálogo que apoia a agência
do outro na alteração de práticas e formas de agir. O estudo do fenômeno organiza-
tivo e do trabalho tem muito a ganhar com sua proximidade a psicologia social – e
talvez a psicologia social tenha algo aprender também. (SPINK, 1996, p. 178)
Spink argumenta que o fenômeno organizativo do trabalho e seu estudo pela
psicologia social poderiam intercambiar novas práticas e formas de ação no con-
texto social.
Psicologia social como vimos, é por essência crítica, e a pesquisa científica sob
sua orientação está presente em todos os contextos humanos, o trabalho, um dos
agentes socializadores mais importantes da vida em sociedade.
capítulo 3 • 84
A psicologia social investiga e problematiza as relações entre o homem, à so-
ciedade e o trabalho, as questões fomentadas pela ideologia apresentam-se de vá-
rias formas nas relações do homem com o trabalho.
A psicologia social analisa as relações de poder e dominação estabelecidas pelas
convicções ideológicas temporais presentes, no processo das relações de produção,
na alienação do trabalhador que o submete ideologicamente ao poder vigente
adoecendo-o, na construção da identidade do indivíduo, nas relações entre as lutas
das classes sociais, na construção da identidade dos grupos sociais.
Nesse contexto o caráter crítico da psicologia social, acena de forma eman-
cipatória problematizando questões de forma a contribuir com a promoção da
saúde e o bem-estar social da classe trabalhadora em suas várias dimensões, dos
aspectos sociopolíticos, marxistas, as representações sociais, identidade, ideologia,
entre outros que as relações humanas e o trabalho podem produzir.
LEITURA
Exercite sua visão crítica, leia o seguinte texto:
“A dificuldade em se questionar vem do pressuposto original. Psicologia é para ser apli-
cada ao campo do trabalho e de organizações, consequentemente assume-se que a pro-
blematização da psicologia é feita onde se faz a psicologia, não onde se aplica. Os dois são
instâncias distintas. Ao agir dentro da óptica da separação entre teoria e aplicação, cai-se no
terreno restritivo em que a preocupação social do psicólogo enquanto ser-no-mundo influen-
cia o tipo de problema que quer resolver, mas a maneira de resolvê-lo permanece presa àqui-
lo disponível para aplicação. O mundo de trabalho e de organização é um campo de atuação
e não um fenômeno a ser compreendido, porque na hierarquia implícita da ciência esse não
é o papel do aplicador. Psicologia do trabalho é um assunto do quinto ano ou de cursos de
pós-graduação no exterior; algo que um psicólogo pode fazer, mas não como parte de sua
identidade básica.”. (SPINK, 1996, p. 179)
Identifique a relação entre a psicologia social e trabalho.
capítulo 3 • 85
Na Europa e nos Estados Unidos da América, o marco da psicologia comu-
nitária ocorreu em meados da década de 1960, no contexto do movimento de
renovação da psicologia social relacionado aos movimentos sociais comunitários,
em especial os de saúde mental.
Em 1965 a Conferência de Swampscott, nos EUA, discutia os serviços de
saúde mental de base comunitária e as crises na intervenção médica.
A conferência de Swampscott, realizada nos EUA, em 1965, envolvida com
a constituição dos serviços de saúde mental de base comunitária e com as críticas
às intervenções exclusivamente médicas e hospitalocêntricas nos casos de doen-
ça mental, tem sido apontada como um marco para a constituição da disciplina
(GÓIS, 2005; ÁLVARO & GARRIDO, 2006). Inspirados nos pressupostos da
psiquiatria preventiva, esses movimentos tinham como objetivo não somente tra-
tar as doenças mentais, mas também as prevenir. As intervenções, antes limitadas
aos indivíduos, foram ampliadas para seu entorno – também chamado comuni-
dade – concebido como fonte dos problemas mentais e, ao mesmo tempo, como
agente potencialmente terapêutico. (GÓIS, 2005; ÁLVARO & GARRIDO, 2006
apud GONÇALVES e PORTUGAL, 2012, p. 140)
A psicologia comunitária chega ao Brasil na década de 1970 com os re-
gistros que se referiam à participação de psicólogos em trabalhos preventivos
em saúde mental, comunidades eclesiais e no campo da educação. Na saúde
mental, relacionavam-se à psiquiatria social com o atendimento a integrantes
de comunidades.
“O uso do conhecimento psicológico como instrumento de práticas em co-
munidades teve seus primeiros registros formais na década de setenta [...]. Tais
registros referiram-se à participação de psicólogos em trabalhos associados à esfera
da educação e da saúde mental, especialmente no âmbito da prevenção. [...] As
ações eram inspiradas na psiquiatria comunitária, um ramo da psiquiatria social
voltado para o atendimento à saúde mental de integrantes de comunidades. Para
tanto, predominavam propostas de intervenções cujo objetivo era a diminuição da
prevalência de psicopatologias e a promoção processos de adaptação das pessoas ao
ambiente, tendo em vista as influências que a cultura e a sociedade exercem sobre
elas (...). Esta abordagem foi adotada como um dos modelos de trabalho no Brasil
e orientou diferentes práticas psicológicas em comunidades das classes popula-
res brasileiras.”. (FREITAS e SCARPARO, apud SCARPARO e GUARESCHI,
2007, p.101)
capítulo 3 • 86
No final da década de 1980, o cenário político social desenhado pelo processo
de redemocratização brasileiro, a promulgação da Constituição de 1988, e um
conjunto de políticas sociais, inclusive a organização do SUS (Sistema único de
Saúde) conciliaram a psicologia com as camadas populares da sociedade, possibi-
litando a inserção efetiva do psicólogo neste campo de trabalho.
Com o avanço da abertura política e dos movimentos sociais a ela associados,
muitas práticas psicológicas se integraram às perspectivas de emancipação social.
O movimento pelas eleições diretas, nos anos oitenta e a mobilização popular pelo
“impeachment” presidencial no início da década de noventa, tornou mais intenso
o sentimento e a importância do pertencimento ao coletivo. O movimento cons-
tituinte e a promulgação da “Constituição Cidadã”, em 1988, fizeram com que
as expressões inclusão, igualdade e cidadania fossem mais frequentes na produção
de conhecimentos e nas práticas de psicólogos. (SCARPARO e GUARESCHI,
2007, p.102)
Na década de 1990 é consolidada a atuação do psicólogo nas instituições pú-
blicas, principalmente em relação ao trabalho com as populações economicamen-
te desfavorecidas.
Na contemporaneidade o trabalho do psicólogo na esfera comunitária abran-
ge a dimensão da necessidade social.
“A perspectiva social das práticas psicológicas tem sido pauta de reflexões
diversas o que tem ampliado a produção de pensamentos e os sentidos sociais
atribuídos para as práticas psicológicas.”. A psicologia crítica, a psicologia sócio
-histórica, psicologia da libertação, psicologia política e a psicologia social comu-
nitária direcionam suas ações para as favelas e comunidades, desmistificando a
ideia que a psicologia atua somente na área clínica, em “consultórios particulares”,
ou na especificidade cognitiva e experimental. (SCARPARO e GUARESCHI
2007, p.102)
As contribuições da Psicologia Social comunitária estão efetivamente asso-
ciadas às transformações sociais, suas práticas de intervenção possibilitaram dar “
Voz” as populações excluídas.
capítulo 3 • 87
“O surgimento da psicologia social comunitária pode ser considerado uma
tentativa de responder às críticas e de propor mudanças para a psicologia social
latino-americana. Assim, novas diretrizes da disciplina foram instituídas, a saber,
‘deselitizar’ a psicologia [...], aproximar-se da realidade concreta da população [...]
e afastar-se dos lugares tradicionais de trabalho.”. (GONÇALVES e PORTUGAL,
2012, p. 140)
Dessa forma, cabe ao psicólogo social comunitário estar presente nas comu-
nidades, em contato direto com as demandas do grupo, esta proximidade com a
realidade da vida da comunidade é o que permite à ciência oferecer um serviço que
atenda às reais necessidades do grupo, e não um serviço que supõe as necessidades
dele, que ocorre quando não há uma investigação no campo que veja e escute a
realidade objetiva da comunidade.
Cabe ainda sinalizar que este percurso histórico da psicologia social comunitá-
ria contou com a Abrapso (Associação Brasileira de Psicologia Social), fundada em
1980, como resultado dos debates de pesquisadores latino-americanos sobre as par-
ticularidades das circunstâncias econômicas, socioculturais, políticas e populacionais
de seus países e o objetivo de participar do processo de construção de métodos
e concepções conceituais “de uma perspectiva inovadora da psicologia no Brasil”.
Nesse sentido, o sítio da associação enfatiza o “intercâmbio e posicionamento crítico
capítulo 3 • 88
frente a perspectivas naturalizantes e a-históricas de produção de conhecimento e
intervenção política em nossa sociedade.”. (Abrapso, 2012)
Como foi descrito, o avanço na articulação entre os saberes e a prática da psi-
cologia comunitária oportuniza a investigação e a aplicação de conceitos teóricos e
uma ação efetiva da psicologia junto às pessoas. A comunidade é um espaço social
dinâmico e multidimensional, em que as relações entre indivíduo e sociedade emer-
gem de forma genuína, campo propício para a pesquisa sócio-histórica e sob o ponto
de vista psicossocial a apropriação do “sujeito como protagonista de sua história”.
O trabalho do psicólogo neste contexto é muito mais amplo que as suas con-
vicções teóricas e envolve a disponibilidade prática para a ação, a sensibilidade do
exercício da empatia com a diversidade da existência humana.
“Afinal, ora é tarefa do profissional que atua em comunidades trabalhar com
questões, digamos, mais concretas, objetivas, que dizem respeito ao saneamento,
à alimentação, à infraestrutura, à criação de comissões para reivindicar transporte,
água, luz, esgoto, escola; ora, ele precisa trabalhar com a afetividade, a identidade,
a solidariedade, o bem-estar, a autoestima, com os problemas existenciais, ou seja,
com as questões mais pessoais”. “[...] A expressão psicologia da comunidade
começou a ser usada nos anos 1990, com uma ampliação dos trabalhos dos profis-
sionais de psicologia a diversos setores da população, adotando diferentes práticas
e referenciais teóricos e traduziu uma inserção da psicologia em algumas institui-
ções, com o objetivo de democratizar e de aumentar a oferta de serviços para a
população em geral. Nessas instituições, o que aconteceu foi um atrelamento da
profissão à área de saúde, já que os psicólogos deviam ser trabalhadores sociais
dentro dessa área, muitas vezes respondendo aos problemas da saúde coletiva”.
(GONÇALVES e PORTUGAL, 2012, p.144)
Por outro lado, as possibilidades de troca de saberes e aprendizagens com a
diversidade e a convivência, entre o senso comum e a ciência são inúmeras, pro-
duzem um legado que reaviva a crença no homem e nos sentimentos “comuns”
naturais compartilhados pela coletividade. Isto é, a compreensão que a ciência
existe a serviço do homem e a compreensão de que são as pessoas que constroem
a sociedade e tudo que faz parte dela; no exercício do seu direito de recriá-la de
forma mais solidária e menos excludente.
“As propostas de trabalho social comunitário têm como pressupostos as práticas
interdisciplinares, reflexões teóricas sobre as experiências cotidianas, socialização de sa-
beres, participação e exame crítico das implicações políticas de cada prática [...]. Nessa
dimensão a formação precisa priorizar a construção de espaços para a constituição de
capítulo 3 • 89
vínculos, de valorização de projetos coletivos nos quais os conhecimentos sejam ins-
trumentos emancipatórios e, ao mesmo tempo, objetos de análise e produção de pen-
samento. A efetivação desses movimentos problematiza a manutenção de hegemonias,
duvida de códigos tidos como verdades inquestionáveis, reformula ideias e ressignifica
práticas”. “[...] Como em qualquer conceito formulado, o de comunidade se confor-
ma às dinâmicas sociais que se processam em cada espaço-tempo. Na perspectiva da
psicologia social crítica, Bader Sawaia examinou algumas dessas formulações.
A autora mostrou a relevância da dicotomia indivíduo-sociedade para o esta-
belecimento das concepções de comunidade no decorrer dos processos históricos
de produção de conhecimentos. Constatou que na medida do avanço das relações
comunitárias se fortaleceram utopias individualistas e vice-versa. No contexto da
globalização, a comunidade pode ser depositária da utopia de conversão do egoís-
mo, da exclusão e da fluidez presentes nas relações humanas. Tal utopia atribui
ao espaço das comunidades vivências de parceria e de solidariedade e reaviva a
esperança de pertencimento a um grupo desprovido de interesses individualistas.”
[...]. (SCARPARO e GUARESCHI 2007, p. 108)
Enfim, a psicologia social comunitária aponta possibilidades de novas direções
e aplicações conceituais da psicologia, revendo a visão individualista e ampliando
sua vocação social.
A psicologia comunitária está presente no cotidiano das pessoas, propõe o de-
bate com outras ciências e valoriza a coletividade, elementos que que contribuem
para novas ações que buscam melhorar a qualidade de vida das pessoas.
Na figura 3.3, apresentamos uma charge bem-humorada, com a intenção de
propor uma reflexão sobre qualidade de vida.
Figura 3.3 –
capítulo 3 • 90
Observamos ainda, que na atuação em psicologia comunitária, é importante
a distinção entre os conceitos de comunidade e favela. Comunidade refere-se ao
conjunto de ações tangíveis e intangíveis de pessoas que convivem e compartilham
um mesmo espaço. Favela refere-se ao espaço territorial composto por habitações
onde as pessoas são domiciliadas.
Para a constituição de uma comunidade, é necessário que o grupo viva em
uma área geográfica comum e que se constitua uma trama de relações nas quais os
membros tenham a mesma tradição e os mesmos interesses. A ideia de comunida-
de deve sempre se diferenciar da ideia de sociedade, devido às suas particularida-
des, pois esta implica a noção de um território delimitado, onde se possa ter vizi-
nhança, intimidade, cotidianidade, proximidade e identificação. Entre os fatores
que caracterizam uma comunidade, estão: “sentimento de pertença, participação
na mesma cultura e vinculação a um território comum”, e ainda, “espaço de mo-
radia e de convivência direta e duradoura, igual nível socioeconômico dos mora-
dores, laço histórico comum, mesmas necessidades e mesmos problemas sociais e
um sistema próprio de representações sociais” (GONÇALVES e PORTUGAL,
2012, p. 149).
Segundo a Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro, Secretaria Municipal da
casa Civil, Instituto municipal de Urbanismo Pereira passos, Conselho Estratégico
de informações da cidade, (Atas de Reuniões, 2012, p. 8):
A definição do IBGE de favela estabelece que o aglomerado subnormal seja “um
conjunto constituído de, no mínimo, 51 unidades habitacionais (barracos, casas...)
carentes, em sua maioria de serviços públicos essenciais, ocupando ou tendo ocu-
pado, até período recente, terreno de propriedade alheia (pública ou particular) e
estando dispostas, em geral, de forma desordenada e densa”. (IBGE, 2010)
A definição utilizada pela Prefeitura para favela é a constante do Plano Diretor
do Desenvolvimento Urbano Sustentável de 2011, a saber, “área predominan-
temente habitacional, caracterizada por ocupação clandestina e de baixa renda,
precariedade da infraestrutura urbana e de serviços públicos, vias estreitas e ali-
nhamento irregular, ausência de parcelamento formal e vínculos de propriedade e
construções não licenciadas, em desacordo com os padrões legais vigentes.”.
Exercite seu raciocínio crítico: considerando que comunidade e favela têm
significados diferentes, qual sua interpretação das letras das músicas “Eu só quero
é ser feliz” e “Meu nome é favela”? Avalie se há nestas canções perspectivas que
induzem a equívocos sobre o trabalho profissional de psicologia comunitária.
capítulo 3 • 91
EU SÓ QUERO É SER FELIZ MEU NOME É FAVELA
Composição: Julinho Rasta e Kátia Compositor: Rafael Delgado
©© WIKIMEDIA.ORG
Eu faço uma oração para uma santa protetora
Mas sou interrompido à tiros de metralhadora
Enquanto os ricos moram numa casa grande
e bela
O pobre é humilhado, esculachado na favela
Já não aguento mais essa onda de violência
Só peço a autoridade um pouco mais
de competência
Diversão hoje em dia não podemos nem pensar
©© PIXABAY.COM
Pois até lá nos bailes, eles vem nos humilhar
Fica lá na praça que era tudo tão normal
Agora virou moda a violência no local
Pessoas inocentes que não tem nada a ver
Estão perdendo hoje o seu direito de viver
Nunca vi cartão postal que se destaque
uma favela
Só vejo paisagem muito linda e muito bela
©© PIXABAY.COM
Quem vai pro exterior da favela sente saudade
O gringo vem aqui e não conhece a realidade
Vai pra zona sul pra conhecer água de coco
E o pobre na favela vive passando sufoco
Trocaram a presidência, uma nova esperança
Sofri na tempestade, agora eu quero a bonança
O povo tem força e precisa descobrir
capítulo 3 • 92
No Brasil, a partir da década de 1960, os reflexos da influência americana de
atenção à saúde mental propiciam um distanciamento da visão higienista brasileira
que vigorava até então Isso provoca a adoção de uma estratégia preventiva, objetivan-
do identificar as “causas da doença mental” e “uma forma de intervenção precoce”,
considerando o ambiente insalutífero o causador da doença, conforme Dias (2012).
Nesse contexto, a psicologia e a psicologia social estiveram presentes em todo
este percurso em suas várias matérias específicas, como: Políticas Públicas de
Saúde, Saúde Coletiva, Saúde do Trabalhador, Saúde Mental, entre outras; cujos
estudos são aprofundados nas disciplinas que abordam particularmente o tema.
A partir da década de 1960, o Brasil passa a adotar políticas públicas de saúde
sob a perspectiva de uma estratégia preventiva. A mudança de concepção em rela-
ção à atenção à saúde proporciona a partir da década de 1970 a mobilização social,
o implemento de políticas públicas específicas para a integração de ações na saúde
e atenção especial à saúde mental.
As décadas de 1980 e 1990 são marcadas pelas transformações sociais e políticas
na nação brasileira. No âmbito da saúde, estas transformações foram fundamentais,
porque a Constituição de 1988 e a lei 8.080 que estabelece o SUS (Sistema Único de
Saúde) formam a base do sistema de saúde brasileiro contemporâneo. Enfatizando
os princípios fundamentais de Universalidade, Integralidade, Igualdade, Direito,
Divulgação, Participação, Descentralização, Integração, entre outros, que constam
no capítulo II da lei, que tratam – Dos Princípios e Diretrizes, do SUS.
CONEXÃO
Embora a lei 8.080 seja matéria específica das disciplinas que tratam das políticas públi-
cas de saúde, para saber mais sobre o tema consulte: Ministério da Saúde, Conselho Nacio-
nal de Saúde. Lei no 8.080, de 19 de setembro de 1990.
Disponível em: <http://conselho.saude.gov.br/legislacao/lei8080>.
capítulo 3 • 93
movimento social e igualmente cenário de desobediência civil pelo movimento
da Reforma. O II Encontro Nacional dos Trabalhadores em Saúde Mental, em
Bauru, São Paulo, (terceiro na cronologia e primeiro no significado histórico-
social, já organizado pelo movimento social com apoio da municipalidade). E
o Congresso de Trabalhadores de Bauru, realizado em 1987 alcança o consenso
de ser o marco de articulação de diferentes movimentos sociais em torno da
Reforma Psiquiátrica, particularmente de São Paulo, Rio, Minas Gerais, onde
se pactuou o lema “por uma sociedade sem manicômios” originado na Itália,
trazido do último encontro da Rede de Alternativas à Psiquiatria que animou e
parece seguir animando a utopia da Reforma Psiquiátrica Brasileira”. (PITTA,
2011, p. 4583).
Os anos 2000 chegam marcados pelas conquistas sociais. No campo da saú-
de mental, a lei 10.216/2001 que estabelece a Reforma Psiquiátrica, corrobora a
participação democrática da população e efetiva conquistas como: a expansão do
Centro de Atenção Psicossocial (Caps) e Naps (Núcleo de Atenção Psicossocial),
que por princípios promove a inserção social dos excluídos.
capítulo 3 • 94
grupos aos quais os sujeitos pertencem. É uma relação de via dupla “implicamos
no mundo e somos implicados por ele.”.
Apesar das convicções de sua área de aplicação, a psicologia da saúde é concei-
tuada na década de 1980, contendo de forma implícita o entendimento do objeto
de estudo da psicologia social, contudo com a pretensão didática de uma reflexão,
destacaremos suas diferenças elencadas segundo (ROSO, 2007, p. 86), em seu
texto crítico a psicologia social.
Talvez um dos primeiros registros escritos de uma conceituação de psicolo-
gia da saúde foi na revista científica American Psychologist (Oregon), em 1980:
“Psicologia da saúde é um agregado das específicas contribuições educacionais,
científicas e profissionais da disciplina da psicologia à promoção e manutenção
da saúde, à prevenção e ao tratamento das doenças, e à identificação dos corre-
latos etiológicos e diagnósticos da saúde, da doença e disfunções relacionadas”
[...]. Alguns anos mais tarde, foram adicionados ao final da conceituação, o
seguinte: “e à análise e melhoramento do sistema de saúde e à formação de po-
líticas de saúde” [...]. Rodríguez-Marín (1995), fez uma extensa revisão sobre
as diversas definições da área, resumindo a postura atual sobre psicologia da
saúde como aquela que estuda os fatores emocionais, cognitivos e comporta-
mentais associados à saúde e às doenças físicas dos indivíduos. A psicologia da
saúde integra conceitos de diferentes disciplinas psicológicas, colaborando com
o delineamento e aplicação de programas de intervenções individuais, grupais
e comunitários para a promoção e prevenção da saúde, para o tratamento e
reabilitação da doença e para a qualidade de vida do doente [...], na psicologia
social da saúde interessa o estudo da conduta da saúde/doença em interação
com outras pessoas ou, igualmente, com produtos da conduta humana, técnicas
diagnósticas e de intervenção, organizações de cuidado de saúde etc. Todas as
atividades que implicam as atividades no conceito de psicologia da saúde são
resultado das interações entre os profissionais e os usuários do sistema de saúde
e se desenvolvem em tal interação. (ROSO, 2007, p. 86)
Conforme Roso (2007, p. 86), quanto aos conceitos, à psicologia social na
saúde “estuda a conduta da saúde/doença em interação com outras pessoas”, e a
psicologia da saúde “estuda os fatores emocionais, cognitivos e comportamentais
associados à saúde e às doenças físicas dos indivíduos”. O que podemos observar
é a permanência do dilema da psicologia entre o “individual e o social”; entre-
tanto, cabe à ressalva que a psicologia social também é crítica à sua prática, o
que alimenta sua atualização constante e a aplicação de seu modus operandi em
suas atribuições.
capítulo 3 • 95
Ainda compartilhando o ponto de vista de Roso (2007, p. 87), neste cenário
despontam duas direções da prática da psicologia social na saúde, uma crítica e
uma utópica.
A noção de utopia que Santos (2000) desenvolveu parece bem apropriada,
pois ela se refere à exploração, por meio da imaginação, de novas possibilidades
humanas e novas formas de vontade, e a exposição da imaginação à necessidade
do que existe, em nome de algo radicalmente melhor por que vale a pena lutar
e a que a humanidade tem direito. [...] A humildade exige que os psicólogos da
saúde pensem e façam política via abertura de espaço para a discussão de uma
nova ética, que é a ética crítica e propositiva. Ora, para pensar sobre saúde do
ponto de vista dos processos de exclusão, é necessária uma mudança de perspec-
tiva principalmente daquelas pessoas que fazem ciência. Ser cientista dentro des-
sa nova perspectiva pressupõe, em vez de um especialista, um ser humano igual,
mas plural, um ser humano racional (argumentativo), mas empático. (ROSO
2007, p. 87)
capítulo 3 • 96
com saúde e aquelas que não trabalham, e ação política das pessoas que vivem na
comunidade. Busca-se conscientizar (no sentido freiriano) as pessoas que vivem
na comunidade para que elas batalhem pela sua dignidade. O investimento é
intracomunitário e intercomunitário, já que para desenvolver a reflexão crítica é
necessário entender o contexto maior, que é histórico e culturalmente construí-
do”. (ROSO, 2007, p. 89)
capítulo 3 • 97
HABITAÇÃO
POSIÇÃO
TRABALHO
SOCIAL
CONDIÇÕES
FAMÍLIA
MACROECONÔMICAS DIFERENÇAS INDIVIDUAIS
MODALIDADES DE INSERÇÃO SOCIAL
SENTIDOS E SIGNIFICADOS
EDUCAÇÃO TRANSPORTE
STATUS FATORES
CORPO
SOCIOECONÔMICO AMBIENTAIS
capítulo 3 • 98
RESUMO
Neste capítulo discutimos os campos de aplicação da psicologia social e o papel político
do psicólogo social na escola, sua ação como promotor de reflexões acerca dos conceitos
ideológicos vigentes, e os desdobramentos que esta ideologia vigente acarretam na forma-
ção da sociedade pela via da educação.
No campo da psicologia social e trabalho, enumeramos o conjunto de circunstâncias
sociais e históricas que envolvem a ação da psicologia social, e o papel do psicólogo social
no ambiente organizacional, destacamos a visão marxista de infraestrutura e superestrutura,
conceitos fundamentais para a compreensão dos mecanismos sócio-históricos que envol-
vem a ação política do psicólogo social no ambiente do trabalho. A psicologia social proble-
matiza e investiga questões como: as intersubjetividades sociais, o processo de socialização
secundário promovido pelo trabalho, os processos sociais, o fenômeno social, os conflitos, as
relações de poder, ideologia, cultura organizacional, crenças e valores organizacionais, papéis
sociais, identidade, identidade ocupacional e representações sociais.
Na relação entre psicologia social e comunidade, elencamos o contexto histórico que
aproximou o trabalho profissional da psicologia às populações economicamente desfavore-
cidas. Essa proximidade possibilitou que a visão elitizada que pairava sobre a psicologia fosse
desmistificada, e o psicólogo passou a ocupar também seu espaço de trabalho junto a insti-
tuições públicas que atendem as camadas mais populares da sociedade. As contribuições da
psicologia social comunitária estão efetivamente associadas às transformações sociais, suas
práticas de intervenção possibilitaram dar voz às populações excluídas.
Um dos agentes importantes no crescimento do trabalho da psicologia comunitária bra-
sileira foi a Abrapso (Associação Brasileira de Psicologia Social), fundada em 1980, com o
objetivo de participar do processo de construção de métodos e concepções conceituais “ de
uma perspectiva inovadora da psicologia no Brasil”, enfatizando o “intercâmbio e posiciona-
mento crítico frente a perspectivas naturalizantes e a-históricas de produção de conhecimen-
to e intervenção política em nossa sociedade” conforme Abrapso, (2012).
Na área da saúde, descrevemos o contexto histórico que permeou o percurso das po-
líticas públicas de saúde, os princípios norteadores do SUS (Sistema Único de Saúde) bra-
sileiro, e as ações políticas e sociais, que mobilizaram as diferentes camadas da sociedade
em prol da garantia de direitos a saúde. Nesse contexto, a presença do psicólogo social foi
imprescindível na participação política e no desenvolvimento de ações em prol da inclusão
social, e da garantia de participação democrática de toda a sociedade na promoção da saúde
e da saúde mental.
capítulo 3 • 99
ATIVIDADE
Elabore uma resenha crítica sobre a ação política do psicólogo na saúde, relacionando o
contexto sócio-histórico do Sistema único de Saúde (SUS).
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capítulo 3 • 101
capítulo 3 • 102
4
A pesquisa em
psicologia social
A pesquisa em psicologia social
Nos capítulos anteriores foram apresentados os objetos de estudo da psicolo-
gia social, salientando seu caráter de permanente atualização e autocrítica.
Este capítulo é dedicado à pesquisa. A investigação científica é a essência das
ciências, é por meio dos diferentes estudos e da aplicação do método que se opor-
tunizam novos saberes, novas técnicas e a aplicação conceitual teórica.
OBJETIVOS
• Identificar as áreas de aplicação da psicologia social com a investigação científica;
• Relacionar as áreas de aplicação da psicologia social com a pesquisa;
• Apresentar a aplicação do método científico na psicologia social;
• Descrever os procedimentos para a realização de uma pesquisa.
Thomas Kuhn
capítulo 4 • 104
Os participantes de uma pesquisa constituem a mostra, parte que representa um
segmento (grupo) social, requisito fundamental para uma pesquisa, porque a partir
da mostra que são levantados os registros multiculturais, do grupo social pesquisado.
Quanto aos sujeitos, a representação que eles fazem de si mesmos expressa seu
o sistema psicossocial e também o conjunto de saberes implícitos neste sistema.
A representação é constituída de uma construção cognitiva, de um conjunto
de símbolos extraídos do mundo real, comunicados socialmente e compartilhados
por um grupo social.
A figura 4.1 ilustra a ideia de contexto representacional do sujeito, que nos re-
ferimos, segundo Bauer e Gaskell (1999 apud JOVCHELOVITCH, 2004, p. 23):
OBJETO
REPRESENTAÇÃO
SUJEITO SUJEITO
Ação Comunicativa
TEMPO 1 CONTEXTO 1
Figura 4.1 –
A psicologia social [...] é a ciência do “entre”. Isso significa dizer que o lugar
privilegiado do inquérito psicossocial não é nem o indivíduo nem a sociedade,
mais precisamente aquela zona nebulosa e híbrida que comporta as relações entre
os dois. O foco no entre é, obviamente, um dispositivo teórico, já que empiri-
camente nos deparamos sempre com instanciações objetivadas produzidas pelo
espaço relacional que constitui o entre. (JOVCHELOVITCH, 2004, p. 21)
Esse contexto simbólico se apresenta por meio das diferentes relações que o
sujeito estabelece nos variados campos da ação humana. Dessa forma, todos os
temas constituem-se como objeto de investigação da psicologia social, porque no
centro de todas as ações está o homem.
capítulo 4 • 105
OBJETOS DE ESTUDO DA PSICOLOGIA SOCIAL...
CONDUTAS
SOCIAIS
INDIVÍDUO FENÔMENOS
REPRESENTAÇÕES
COLETIVOS
SOCIAIS
LINGUAGEM
PROCESSOS DE
INFORMAÇÃO
SENTIDOS
...
SOCIEDADE
SUBJETIVOS
Figura 4.2 –
principais
sociais
situação
norma
comportamentos
psicologia pessoa
relação
pessoas
membros
mudança
vertentes
grupos
identidade
percepção
atitudesatitude pesquisa
estudo
grupo
Psicologia poder
Brasil
estudos indivíduo
outras
processo
temas teoria
pesquisas
relações
capítulo 4 • 106
Método, segundo o dicionário eti-
PERGUNTA
mológico, é uma palavra de origem
grega e etimologia matemática: metá
CAMINHO MÉTODO MEIO
(reflexão, raciocínio, verdade) + hódos
(caminho, direção). Méthodes refere-se
a certo caminho que permite chegar a
RESPOSTA um fim, o conhecimento.
capítulo 4 • 107
No fluxo da história, conforme Marinho (2017, p. 1), Roger Bacon (1214-
1292) frade cientista inglês, defendia que as convicções aristotélicas deveriam ser
comprovadas. Os fatos científicos deveriam ser confirmados, por meio da expe-
rimentação. Para ele, a experiência era a fonte de conhecimento, nesse sentido
estabelece as bases do empirismo.
Francis Bacon (1561-1626), político e filósofo inglês, argumentava que so-
mente a investigação científica poderia garantir o desenvolvimento do homem e o
domínio do mesmo sobre a natureza. Ao publicar, em 1621, uma nova abordagem
na investigação científica que pregava o raciocínio indutivo, objetivou dar funcio-
nalidade ao conhecimento.
Entretanto, foi René Descartes (1596-1650), filósofo, físico e matemático
francês, que com o Discurso do Método que fundamentou a ciência moderna,
afirmava: que os “sentidos devem ser questionados e não são o caminho para o
conhecimento verdadeiro.”. E ainda: que a razão é a fonte do conhecimento ver-
dadeiro – "penso, logo existo".
capítulo 4 • 108
Dessa forma, as ciências humanas e sociais abordam as manifestações da vida e
as objetivações do homem no mundo social e histórico, e o caminho de investigação
seria por meio da compreensão. Em psicologia social, o estudo de contextos sócio
-históricos e da cultura devem ser concebidos por um método "compreensivo.”.
O estudo de fenômenos sociais, identidade, comunidades, comportamentos,
atitudes, conflitos, ideologia, gênero, entre outros requer uma abordagem com-
preensiva e qualitativa, de suas questões, caso contrário, corre o risco de um reducio-
nismo matemático explicativo e um abandono contextual das questões simbólicas.
No campo sócio-histórico, as contribuições de Marx e Engels para a inter-
pretação da história e das sociedades constituíram marcos fundantes da produção
científica das ciências sociais e humanas.
A psicologia enfatiza as dimensões individuais e coletivas do sujeito, a psico-
logia social crítica auto-observa e problematiza questões que envolvem o campo
de saber da psicologia, contemporaneamente agrega o socioconstrucionismo oxi-
genando o fazer científico com novas discussões e contribuições para a construção
do conhecimento científico da psicologia social.
Nesse contexto, a pesquisa em psicologia social utiliza como métodos de in-
vestigação a observação – que permite a descrição do fenômeno; a correlação
– que permite a predição de um fenômeno e a experimentação – que permite o
estabelecimento da causalidade do fenômeno.
O método é o que caracteriza a investigação científica. É um conjunto de pro-
cedimentos que orienta o cientista no percurso da pesquisa e garante a validade do
conhecimento em produção.
A pesquisa em psicologia social aplica com regularidade os seguintes métodos:
Observação: caracteriza-se pelo registro sistemático dos comportamentos e/
ou fenômenos observados. Estes registros ocorrem de forma participante – quan-
do o observador interage, participa, estimula ou faz parte do grupo observado. E
não participante – quando o observador não interage e não estimula o compor-
tamento do grupo.
A observação permite o registro de dados sobre o objeto e a posterior análise
dos documentos produzidos, isto é, o levantamento e a leitura dos registros sobre
o objeto da observação. Entretanto, por tratar-se de uma descrição do fenômeno,
alguns elementos do fenômeno observado podem se perder em função do ponto
de vista observado. Na observação, é aplicado o método indutivo, considerando
que a pesquisa parte da observação de um fenômeno particular.
O método correlacional: caracteriza-se pela testagem de variáveis por meio da
utilização do coeficiente de correlação e técnicas estatísticas de mensuração de dados.
capítulo 4 • 109
O método permite a investigação de múltiplas variáveis simultaneamente, a
amostragem pode ser por seleção aleatória de sujeitos.
O levantamento de dados (Surveys) utiliza estratégias como: mensuração por
meio de questionários, observações e dados secundários. A correlação não estabe-
lece uma causalidade ao fenômeno observado, ela permite uma comparação entre
as variáveis, mas não estabelece as causas de um fenômeno. Entretanto por ser
comparativa, permite a predição do um fenômeno.
O método experimental: caracteriza-se pela intervenção direta do pesquisador,
a manipulação da variável independente (VI – manipulada para verificação de seu
efeito no objeto de estudo); e variável dependente (VD – objeto de investigação).
O método experimental: preconiza o controle das condições para a realização
do experimento e a seleção aleatória dos sujeitos/participantes da pesquisa, a validade
externa do experimento por meio da generalização, isto é: os resultados da pesquisa po-
dem ser aplicados em circunstâncias semelhantes e replicados em novos experimentos.
O método experimental é frequentemente utilizado em psicologia social na
pesquisa transcultural (na qual se verifica como se manifestam os processos psi-
cossociais em diferentes culturas); nos experimentos de campo (as observações
naturalísticas ocorrem in loco, isto é, onde está acontecendo a situação observada).
Para a realização de uma pesquisa é fundamental a escolha do método,
a figura 4.4 ilustra o percurso do método para a elaboração de uma pesquisa.
MÉTODO CIENTÍFICO
(Esboço)
Observação: Hipóteses:
*Sistemática Fatos: *Testáveis
*Controlada *Verificáveis
*Falseáveis
TEORIA CIENTÍFICA
Conjunto indissociável de todos
os fatos e hipóteses,
harmônicos entre si.
Implicações Experimentos
Conclusões *Novas observações Novos Fatos
Previsões *Análise lógica
Figura 4.4 –
capítulo 4 • 110
A figura 4.5 sistematiza as correntes filosóficas relacionadas aos métodos apli-
cados na investigação científica.
EPISTEMOLOGIA
É a teoria do conhecimento,
ato de conhecer
EMPIRISMO RACIONALISMO
É o conhecimento que começa após a É o conhecimento que se encontra
experiência, sendo sensação e reflexão na razão
INTERNACIONALISMO
É a junção do
Inatismo e do
Empirismo
Figura 4.5 –
FORMULAÇÃO
DO PROBLEMA
©© PIXABAY.COM
FORMULAÇÃO
DA HIPÓTESE
COLHER OS
DADOS
METODOLOGIA CIENTÍFICA
Figura 4.6 –
capítulo 4 • 111
formulação do problema, a formulação da hipótese, a coleta de dados, a análi-
se dos dados, conclusões e generalizações e a produção acadêmica.
Não é
Nos No É possível
possível
Sujeito Objeto Razão Experiência conhecer a
sentidos intelecto conhecer a
verdade
verdade
Figura 4.7 –
capítulo 4 • 112
cientista, ele estimula ou é parte do grupo observado. Não participante pressupõe
a não intervenção do cientista, ele não interage e não estimula o comportamento
do grupo.
Na figura 4.8 apresentamos uma sugestão de protocolo de observação, em que
é importante sinalizar alguns procedimentos importantes:
Quanto aos aspectos éticos: elaboração de documentos para autorizações ne-
cessárias a observação, como submissão ao comitê de ética, autorização da institui-
ção envolvida e dos participantes da pesquisa
Quanto aos aspectos metodológicos: fazer um estudo piloto (inicial), definir
os procedimentos para a observação, tais como: local, materiais necessários, tipo
de registros (por exemplo filmagens, áudios etc.). Atualização teórica (revisão de
literatura), definições conceituais, construção de formulários: questionários, por
exemplo: selecionar a amostra (os participantes da pesquisa) testar a confiabilidade
do método.
CONSTRUÇÃO DE UM PROTOCOLO DE OBSERVAÇÃO
ELABORAR TERMOS
DE CONSENTIMENTO FAZER ESTUDO PILOTO
SELECIONAR
PART ICIPANTES
TESTAR A
CONFIABILIDADE
Figura 4.8 –
capítulo 4 • 113
As entrevistas podem ser:
• Dirigidas: estruturadas por um roteiro prévio no encadeamento das per-
guntas, que geralmente são fechadas.
• Semiestruturadas: quando as perguntas são predominantemente abertas.
• Livres: quando o depoimento do entrevistado não segue um rotei-
ro específico.
• Questionários: são instrumentos de coleta de dados que se caracterizam
por perguntas formuladas pelo pesquisador, ou preestabelecidas em forma de en-
trevista ou teste, com o objetivo de levantar informações, impressões, para a com-
posição dos dados a serem mensurados na pesquisa. (Vide figuras 4.9 e 4.10)
Deve atender todos os
Elaboração objetivos da pesquisa
questionário
para coleta Para cada objetivo deve haver,
de dados no mínimo, uma pergunta no
questionário.
Figura 4.9 –
ELEMENTOS DO INSTRUMENTO
Quanto aos objetivos, algumas perguntas podem ser sensíveis ao respondente,
originado respostas não autênticas ao pesquisador
Figura 4.10 –
capítulo 4 • 114
Grupos focais: técnica de investigação que pressupõe a coleta de dados por
parte do pesquisador, a partir da comunicação e da interação dos membros do
grupo, na discussão de temas específicos propostos pelo pesquisador. É um recurso
utilizado para compreender o processo de construção das percepções, atitudes e
representações sociais dos grupos.
O facilitador do grupo propõe a discussão, o objetivo não é realizar uma en-
trevista e sim identificar os processos psicossociais que afloram a partir das in-
fluências e opiniões sobre o tema proposto. Procedimentos para a realização de
um grupo focal (figura 4.11).
“Os grupos focais como técnica ocupam uma posição intermediária entre
a observação participante e as entrevistas em profundidade. Podem ser caracte-
rizados também como um recurso para compreender o processo de construção
das percepções, atitudes e representações sociais de grupos humanos.”. (VEIGA e
GONDIM, 2001 apud GODIM,2003, p.151)
©© PIXABAY.COM
PREPARAR O AMBIENTE
RECRUTAR E SELECIONAR
OS PARTICIPANTES
SELECIONAR MODERADOR E
OS OBSERVADORES
Figura 4.11 –
capítulo 4 • 115
ATIVIDADE
Diferencie duas formas de coleta de dados.
ocorre
ABORDAGEM QUALITATIVA ABORDAGEM QUANTITATIVA muito
na
para
Figura 4.12 –
Método quantitativo:
capítulo 4 • 116
“O método de pesquisa quantitativa, como o próprio nome já diz significa
quantificar dados, fatos ou opiniões, nas formas de coleta de informações, como
também com o emprego de técnicas e recursos simples de estatística, tais como
média, porcentagem, moda, desvio padrão e mediana, como o uso de métodos mais
complexos tais como análise de regressão, coeficiente de correlação etc., [...] O mé-
todo quantitativo é bastante usado no desenvolvimento das pesquisas nos campos
social, de opinião, de comunicação, mercadológico, administrativo e econômico,
representando de forma geral a garantia de precisão dos resultados, evitando enganos
e distorções na interpretação dos dados.”. (OLIVEIRA 2002, p.155)
Observação: o método quantitativo é amplamente aplicado nas pesquisas ex-
perimentais. Entretanto, cabe sinalizar que o método qualitativo, em função de
sua aplicação ser apropriada às pesquisas nas Ciências Humanas e Sociais, seus
constructos são quantificados. Isto é: as qualidades são transformadas em valores
numéricos, para que sejam quantificadas, como por exemplo, na escala Likert.
Tabela 4.1 –
Método qualitativo:
capítulo 4 • 117
Na prática, as Ciências Sociais e Humanas utilizam o método na investigação
científica sobre a realidade social, ou seja, na aplicação de técnicas de pesquisa
científica a situações e problemas concretos em um contexto social, para os quais
se buscam respostas e novos conhecimentos.
Segundo a teoria da prática, do cientista social Pierre Bourdieu (1930-2002),
essa investigação científica significa "ir ao cotidiano, questionar o banal para nele
ver não o imediato e o banal, mas as grandes estruturas; significa pesquisar his-
tórias de gente comum, das ditas camadas subalternas, sua trajetória, seu cotidia-
no, entrevistá-las, para assim analisar o significado real das macroestruturas [...]".
(HERCULANO 2007, p. 8)
Assim, podem-se distinguir as diferenças entre o método quantitativo e o mé-
todo qualitativo quanto ao modelo da seguinte forma:
capítulo 4 • 118
E ainda, quanto tratamento dos resultados:
capítulo 4 • 119
isto é, de forma apolítica, a-histórica e individualizada. Dentre esses temas, desen-
volveram-se trabalhos sobre ideologias, saúde pública, doenças mentais e sexuais,
educação, esferas pública e privada da sociedade, identidades, relações de gênero,
raça, etnias, classe social e vários tópicos que envolvem o tema da exclusão social.
(GUARESCHI, 2008, p. 90)
capítulo 4 • 120
RESUMO
Este capítulo foi dedicado à pesquisa, condição indispensável para o desenvolvimento
das ciências e fator determinante para a geração de conhecimento. A curiosidade humana é
o motor que impulsiona a produção de saberes, de tecnologia e inovação.
O objeto da pesquisa é o tema, que se deseja investigar, e o sujeito da pesquisa é o
indivíduo ou grupo social participante da pesquisa. Em psicologia social, os participantes da
pesquisa representam a mostra do contexto sócio- histórico ao qual pertencem.
Dessa forma, a psicologia social é constituída de um campo de pesquisa que abrange o
homem e o mundo, e todas as possibilidades que existem entre estas instâncias e em todos
os cenários que comportam os processos humanos.
O método científico é o caminho que estabelece os procedimentos que devem ser reali-
zados no decurso de uma pesquisa. O método quantitativo e o método qualitativo estabele-
cem as diferentes conduções de uma pesquisa, de acordo com as características intrínsecas
das diferentes áreas do conhecimento.
ATIVIDADE
Elabore uma proposta de pesquisa sobre um dos temas tratados em psicologia social II.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BOENTE, Alfredo e BRAGA, Gláucia Pereira. Metodologia Científica Contemporânea para
universitários e pesquisadores. Brasport, Rio de Janeiro: 2004.
JR. PESSOA, Osvaldo. Teoria do Conhecimento e Filosofia da Ciência I: Um Panorama Histórico
com Olhar Contemporâneo. FFLCH. USP, São Paulo: 2010.
GODIM, Sonia Maria Guedes. Grupos Focais como Técnica de investigação Qualitativa: Desafios
Metodológicos. Paidéia, Bahia: 2003.
GUARESCHI, Neuza M. F. Pesquisa em Psicologia Social: de onde viemos e para onde vamos.
Psicologia social: estratégias, políticas e implicações [online]. Books, disponível em: <http://books.
scielo.org>, Centro Edelstein de Pesquisas Sociais, Rio de Janeiro: 2008.
HERCULANO, Selene. Metodologia das Ciências Sociais: elementos para um debate.
(Apontamentos para aula), 2007. Disponível em: <http://docslide.com.br/documents/metodologia-
das-ciencias-sociais2.html>. Acesso em: 27 fev. 2017.
capítulo 4 • 121
JOVCHELOVITCH, Sandra. Psicologia Social, saber, comunidade e cultura. Psicologia & Sociedade;
maio/agosto. Minas Gerais: 2004.
MARINHO, Elisa Oswaldo Cruz. O método Científico. Proficiência. Academia Brasileira de Ciências.
FAPERJ-Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à pesquisa do estado do Rio de Janeiro. Rio de
Janeiro: 2017.
Disponível em: <http://www.proficiencia.org.br/article.php3?id_article=489->. Acesso em: 26 maio 2017.
OLIVEIRA, Silvio. Luiz. de. Tratado de Metodologia Científica. Pioneira, São Paulo: 2002. Disponível
em: <http://www.dicionarioetimologico.com.br>. Acesso em: 27 fev. 2017.
capítulo 4 • 122
5
Reflexões
contemporâneas
Reflexões contemporâneas
Nos capítulos anteriores foram apresentados os objetos de estudo da psicolo-
gia social e as discussões pertinentes à sua área de atuação.
Este capítulo é dedicado a uma síntese livre dos temas e à discussão do tema
empoderamento feminino.
OBJETIVOS
• Refletir sobre psicologia social.
Novos cenários
capítulo 5 • 124
das mulheres. Segue o legado de duas décadas do Fundo de Desenvolvimento
das Nações Unidas para a Mulher (Unifem) em defesa dos direitos humanos das
mulheres, especialmente pelo apoio a articulações e movimento de mulheres e
feministas, entre elas mulheres negras, indígenas, jovens, trabalhadoras domésticas
e trabalhadoras rurais. Com seis áreas prioritárias de atuação: liderança e partici-
pação política das mulheres; empoderamento econômico; fim da violência contra
mulheres e meninas; paz e segurança e emergências humanitárias; governança e
planejamento; normas globais e regionais.
CONEXÃO
<http://www.onumulheres.org.br/referencias/principios-de-empoderamento-
das-mulheres>
capítulo 5 • 125
que ajudam a comunidade empresarial a incorporar em seus negócios valores e
práticas que visem à equidade de gênero e ao empoderamento de mulheres.
Conheça os sete princípios de Empoderamento das Mulheres:
1. Estabelecer liderança corporativa sensível à igualdade de gênero, no
mais alto nível.
2. Tratar todas as mulheres e todos os homens de forma justa no trabalho,
respeitando e apoiando os direitos humanos e a não discriminação.
3. Garantir a saúde, segurança e o bem-estar de todas as mulheres e todos
os homens que trabalham na empresa.
4. Promover educação, capacitação e desenvolvimento profissional para
as mulheres.
5. Apoiar empreendedorismo de mulheres e promover políticas de empo-
deramento das mulheres por meio das cadeias de suprimentos e marketing.
6. Promover a igualdade de gênero por meio de iniciativas voltadas à
comunidade e ao ativismo social.
7. Medir, documentar e publicar os progressos da empresa na promoção
da igualdade de gênero.
capítulo 5 • 126
A economia em seus estudos sobre as forças produtivas e desenvolvimento so-
cial articula suas investigações aos processos que envolvem a mudança na qualida-
de de vida das pessoas, na geração de emprego e renda, nos recursos que sustentam
o sistema econômico e mantém o aparelho estatal abastecido economicamente
para cumprir sua obrigação de manutenção da organização social.
Quanto à psicologia social, além de aplicar seus conceitos para o entendimen-
to das circunstâncias sócio-históricas dos acontecimentos, investiga as relações nos
diferentes contextos humanos, dialogando com outras ciências, refletindo e apli-
cando a avaliação crítica, no exercício de seu papel político social, objetivando
contribuir com a promoção da saúde e qualidade de vida das pessoas em seus
diferentes grupos sociais.
O homem em construção
capítulo 5 • 127
Entretanto, as mesmas pesquisas também demonstram que apesar destes avanços
sociais, a mulher ainda possui salários menores que os homens, mesmo exercendo
a mesma função profissional.
“As disparidades salariais entre gêneros persistem como um obstáculo para
o empoderamento econômico das mulheres e a superação da pobreza e a desi-
gualdade na América Latina, advertiu nesta terça-feira a Comissão Econômica
das Nações Unidas para a América Latina e o Caribe (Cepal), a respeito do Dia
Internacional da Mulher. Embora a diferença salarial entre homens e mulheres
tenha diminuído 12,1 pontos percentuais entre 1990 e 2014, as mulheres rece-
bem, em média, apenas 83,9 unidades monetárias por 100 unidades monetárias
recebidas pelos homens, de acordo com a Cepal. Se as remunerações recebidas por
ambos os sexos por anos de estudo são comparadas, observa-se que elas podem
ganhar até 25,6% menos do que seus colegas do sexo masculino em condições
semelhantes, disse que o instituto regional.
A partir das informações coletadas em pesquisas domiciliares, a Cepal analisou
o salário médio de homens e mulheres que trabalharam em centros urbanos com
idades entre 20 e 49 que trabalham 35 horas ou mais por semana em 18 países
na região.
A pesquisa faz uma comparação por anos de estudo e sua evolução entre 1990
e 2014, observando a persistência de diferenças significativas dependendo do ní-
vel de escolaridade de pessoas empregadas. No grupo das mulheres com menor
nível de escolaridade (até cinco anos de estudo) foi observada a maior redução da
diferença (19,7 pontos percentuais). Houve um aumento em relação aos salários
dos homens de 58,2% para 77,9%. Isto porque, segundo a Cepal, há dois fatores:
a regulamentação e formalização do trabalho doméstico remunerado, como países
que estabeleceram taxas de salário mínimo por hora e tempos máximos do dia de
trabalho; e aumento de salários mínimos que se aplica a toda a população. [...]
mais estudo, mais diferença. A diferença salarial mais alta ocorre na população
mais instruída (treze anos ou mais de estudo). Houve uma diminuição na diferen-
ça de 9,3 pontos percentuais entre 1990 e 2014. Os homens deste grupo ainda
ganham 25,6 por cento a mais do que as mulheres. Segundo a Cepal, a inclusão
das mulheres em áreas como ciência e tecnologia, indústrias, como telecomuni-
cações e grandes empresas, pode estar contribuindo positivamente, embora ainda
não gere a plena igualdade.
Nos níveis intermediários de educação, os números não foram substancial-
mente alterados. Mulheres com seis a nove anos de escolaridade ganhavam 70%
capítulo 5 • 128
do salário dos homens em 1990 e em 2014 esse número subiu para 75,3% (uma
redução na diferença de 5,3 pontos percentuais no intervalo) e aquelas com 10 a
12 anos de instruções subiram de 67,6% para 74,5% (redução de 6,9 pontos per-
centuais na diferença salarial). Receber o mesmo salário que os homens em con-
dições de igualdade é um direito das mulheres. É um requisito inevitável para que
alcancem a autonomia econômica e para avançar na igualdade de gêneros – disse a
secretária executiva da Cepal, Alicia Bárcena, no contexto do Dia Internacional da
Mulher, cujo tema este ano é “Por um planeta 50-50 em 2030: demos um passo
para a igualdade de gênero. – Nada sobre nós sem nós – enfatiza Bárcena. Para a
eliminação da diferença salarial, a Cepal planeja promover espaços para a nego-
ciação coletiva e participação ativa dos trabalhadores nos processos em que estas
questões são debatidas; melhorar salários mínimos, uma vez que estes promovem
a igualdade, especialmente em setores com remuneração inferior; implementar
políticas como a licença-paternidade; e assegurar a igualdade de oportunidades
de treinamento, promoções, horas extras e outros compromissos de trabalho que
melhoram a folha de pagamento.”. (BIZON, 2016, p. 1)
Este contexto presente de forma objetiva na sociedade implica também os
aspectos subjetivos da identidade, envolvem o sentimento de baixa-estima e des-
qualificação pessoal pelo pertencimento ao gênero feminino, objeto que desperta
especial interesse as reflexões em psicologia social.
O princípio de número 5. “Apoiar empreendedorismo de mulheres e promo-
ver políticas de empoderamento das mulheres por meio das cadeias de suprimen-
tos e marketing”. Disponível em:
CONEXÃO
<http://www.onumulheres.org.br/referencias/principios-de-empoderamento-das-mu-
lheres>, Acesso: 2017.
capítulo 5 • 129
O empoderamento feminino produz novas interações e transformações na
sociedade contemporânea, como é sinalizado pelo IBAM (Instituto Brasileiro de
Administração Municipal-Rio de Janeiro) em sua publicação de 2012 de prestação
de contas da implementação de políticas públicas direcionadas para o empreende-
dorismo feminino.
capítulo 5 • 130
negócios. As mulheres que ainda não haviam iniciado novos negócios relataram
que o programa as estimulara a iniciar um trabalho para gerar renda. O programa
conseguiu unificar atores de diversas áreas setoriais em torno da discussão do em-
preendedorismo e das possibilidades de ampliação da autonomia econômica das
mulheres atendidas pelas políticas públicas sociais. Muitos gestores tiveram conta-
to pela primeira vez com temas como direitos das mulheres, trabalho e ocupação,
empreendedorismo, raça, cor, políticas de gênero, políticas para mulheres, alinha-
dos à discussão das políticas públicas de forma geral. (COSTA, et al. 2012, p. 5-7)
Entretanto, quando relacionamos a pesquisa publicada em 2016, e a iniciativa
do IBAM observamos que mesmo com políticas públicas brasileiras empenhadas
em gerar empreendedorismo feminino e o quanto essas políticas produzem de
resultados de resgate da autoestima, autonomia, geração de renda e acesso aos
mecanismos econômicos da base produtiva da sociedade; muito ainda há para ser
realizado, visto que ainda é necessária uma campanha de grandes proporções, para
que melhores resultados e mais mulheres sejam incluídas no desenho contempo-
râneo das forças produtivas do sistema capitalista.
O saber e o fazer
capítulo 5 • 131
dos gêneros, a essência destas discussões, em destaque pela campanha da ONU
Mulheres, é o tratamento dado pelas organizações no mundo do trabalho às mu-
lheres. Dessa forma, a proposta de iniciativas direcionadas às comunidades, por
exemplo a qualificação profissional e a militância social na reivindicação de direi-
tos reafirmam a importância da atuação do psicólogo social junto a estas áreas de
intervenção profissional.
“O que a psicologia tem feito quanto aos direitos das mulheres? A provocação
estimulou o debate realizado pelo CFP a 45a Reunião Anual da SBP. Os direitos
das mulheres brasileiras e sua relação com a psicologia foram abordados em debate
realizado pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP) na, durante a 45a Reunião
Anual da Sociedade Brasileira de Psicologia (SBP), em Belo Horizonte (MG). A
representante do CFP no Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, Valeska
Zanello, apresentou um panorama da utilização do termo “gênero” ao longo da
história, desde a luta pelo sufrágio até os processos de construção de lugares sociais
de desempoderamento feminino, nos dias atuais. Ela destacou, ainda, a necessida-
de de consolidação de políticas em saúde mental que não medicalizem as pessoas,
em especial as mulheres. Reforçou também a importância do fortalecimento da
escuta de gênero no fazer profissional da psicologia, com vistas a superar a cons-
tante desqualificação da fala da mulher, sobretudo no que se refere à violência.
Lenira Pontes, psicóloga do Ministério Público Estadual do Acre (MPAC),
apresentou trechos e reflexões sobre o documento produzido na CPMI da
Violência Doméstica, no Senado, em que identificou diferentes formas de atuação
da psicologia no país, além de relatos de condições de trabalho precárias, atendi-
mento insatisfatório e recursos insuficientes, tanto na Assistência Social quanto
no Judiciário. “Se nós somos a categoria que trabalha com sofrimento psíquico,
o que estamos fazendo para efetivar esse intento, além de trabalhar com burocra-
cia?”, questionou. A ausência de disciplinas que discutam gênero e mulheres nos
cursos de psicologia também foi apontada como um entrave pelas palestrantes”.
Disponível em:
CONEXÃO
<http://site.cfp.org.br.2015>
capítulo 5 • 132
O CFP (Conselho Federal de Psicologia) publicou a iniciativa em relação à
atuação do psicólogo na questão do empoderamento feminino, realizada na 45a
Reunião Anual da SBP – Sociedade Brasileira de Psicologia. Contudo, cabe ob-
servar que este debate foi realizado nos anos de 2015 e 2016. A 46a Reunião não
discutiu o tema, e no ano corrente a programação dos temas em debate ainda
não foi divulgada. Estas observações têm por objetivo propor a reflexão: será que
a atuação, ainda tímida do Conselho Federal de Psicologia em relação ao tema,
é um reflexo do processo histórico de desempoderamento feminino? Durante o
curso da história da profissão de psicólogo, o senso comum relacionava o exercício
da profissão às mulheres.
Não temos uma resposta para essa provocação, mas propomos que pode ser
uma questão a ser refletida no contexto do exercício crítico pertinente à psicologia.
A atuação política e social da psicologia será notabilizada sempre que o espaço
social de produção de conhecimento for ocupado.
O empoderamento feminino envolve diferentes dimensões de compreensão,
e a psicologia é uma das ciências que pode contribuir efetivamente na superação
das desigualdades de gênero.
“O empoderamento consiste de quatro dimensões, cada uma igualmente im-
portante, mas não suficiente por si própria para levar as mulheres para atuarem em
seu próprio benefício. São elas a dimensão cognitiva (visão crítica da realidade),
psicológica (sentimento de autoestima), política (consciência das desigualdades de
poder e a capacidade de se organizar e se mobilizar) e a econômica (capacidade de
gerar renda independente).” (SARDENBERG, 2009, p. 6)
A psicologia, em seus diferentes campos de aplicação, acompanha as deman-
das histórico-sociais e culturais, características dos indivíduos, está presente em to-
das as organizações e instituições sociais e tem por dever de ofício contribuir com
a promoção de saúde da sociedade e o bem-estar das pessoas, isto é, empoderar.
Geração de conhecimento
capítulo 5 • 133
O princípio de número 7. Medir, documentar e publicar os progressos da
empresa na promoção da igualdade de gênero. Disponível em:
CONEXÃO
<http://www.onumulheres.org.br/referencias/principios-de-empoderamento-das-mu-
lheres>, Acesso: 2017.
RESUMO
Este capítulo foi dedicado a uma síntese livre dos temas abordados na disciplina psicolo-
gia social II, relacionando-os à discussão do tema empoderamento feminino, com o objetivo
de refletir sobre psicologia social. A partir de um tema extraído de uma demanda da contem-
poraneidade, a publicação de um documento de proporções internacionais, pela entidade
ONU Mulher e o Pacto Global, que criaram os Princípios de Empoderamento das Mulheres
nas organizações.
Seguindo a ordem dos princípios propostos, problematizamos questões intrínsecas ao empo-
deramento feminino, e ao papel da psicologia social como ciência. As responsabilidades políticas
e sociais das intervenções. Por fim, convidamos o leitor para o exercício da reflexão crítica como
forma de contribuição com a psicologia social.
capítulo 5 • 134
ATIVIDADE
Pesquise a biografia de uma mulher que contribuiu para mudanças no campo das ciên-
cias humanas, sociais ou política.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BIZON, Anna. As mulheres recebem, em média, apenas 83,9 unidades monetárias por 100 unidades
monetárias recebidos pelos homens. Jornal O Globo. Brasília: 8 de março de 2016. Disponível em:
<https://oglobo.globo.com/economia/diferenca-salarial-entre-homens-mulheres-ainda-persiste-
18832252#ixzz4iIl9LLSe>. Acesso em: 27 maio 2017.
COSTA, Delaine Martins, AZEVEDO, Patricia, SOUZA, Rosimere. Políticas públicas,
empreendedorismo e mulheres: olhares que se encontram. IBAM, 2012.
Conselho Federal de Psicologia. Disponível em: <http://site.cfp.org.br/index.
php?cat=todos&s=empoderamento+feminino&submit=Buscar-30/10/2015>. Acesso em: 27 maio
2017.
ONU Mulheres. Disponível em: <http://www.onumulheres.org.br/referencias/principios-de-
empoderamento-das-mulheres/>. Acesso em: 22 maio 2017.
SARDENBERG, Cecília. Conceituando “Empoderamento” na Perspectiva Feminista. NEIM/UFBA,
Salvador: 2009.
GABARITO
Capítulo 1
A resenha deve apresentar uma análise reflexiva sobre o texto: Representações sociais
de universitários sobre jovens e juventude.
O estudo objetivou identificar as representações sociais de universitários de Vitória-ES.
Os resultados indicaram uma representação de jovem como alguém que está vivenciando
uma fase de preparação para a vida adulta. A resenha deve conter a identificação e a articu-
lação dos conceitos de representações sociais, ancoragem e objetivação.
capítulo 5 • 135
Capítulo 2
Capítulo 3
A resenha crítica contém a análise e a interpretação das principais ideias de um texto, a
avaliação de suas características positivas e negativas.
Capítulo 4
01. Chave de resposta: questionários: caracterizam-se por perguntas formuladas pelo pes-
quisador. Grupos focais: coleta de dados por parte do pesquisador, a partir da comunicação
e da interação dos membros do grupo.
02. O aluno é livre para propor o tema que despertar seu interesse.
Capítulo 5
O aluno deverá elencar as contribuições sociais da protagonista de sua pesquisa.
capítulo 5 • 136