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PUC-SP
São Paulo
2012
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
São Paulo
2012
Banca Examinadora
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Aos meus avós, Leonina e Jair
Prioli, que apesar de terem partido
no período de conclusão deste
trabalho, permanecerão sempre
presentes.
AGRADECIMENTOS
Ao Felipe, meu companheiro de pesquisa e de vida, por ter lido e relido inúmeras vezes este
trabalho. Por ter levantado tantas questões (im)pertinentes. Por me fazer refletir. Por me fazer
persistir;
À minha orientadora, Profª. Drª. Mary Jane P. Spink, por ter me acolhido e me apoiado
durante todo o período de realização desta pesquisa. Por ter me feito desembrulhar (e tecer)
novas redes;
Aos meus pais, Rejane e Mauricio, pela confiança, carinho e apoio incondicional. Sem vocês
eu (literal e figuradamente) não estaria aqui!
À Profª. Drª. Maria Cristina G. Vicentin, ao Prof. Dr. Francisco Javier Tirado Serrano e ao
Prof. Dr. Lupicinio Íñiguez Rueda, pelas sugestões que fizeram no exame de qualificação. À
Cris, agradeço, também, por ter me acompanhado e me apoiado durante toda minha trajetória
na PUC-SP. Ao Francisco e ao Lupi, sou igualmente grata pela acolhida durante meu estágio
doutoral na Universidade Autônoma de Barcelona.
Aos amigos María e Luiz, por terem nos recebido com tanto carinho em terras catalãs. Moltes
gràcies!
Social Psychology has many definitions, theories and objects of study. In this dissertation,
based on Actor-Network Theory, we argue that these are not different aspects or attributes of
a single object, but elements that help to perform different versions of this object. They are,
therefore, elements that make Social Psychologies different, although related to each other.
They produce a multiple Social Psychology, which is more than one and, at the same time,
less than many. To build this argument, we read and reread textbooks on Social Psychology
that were available in two reference libraries. After an initial approach to those books, we
observed that many of them talk about the reference crisis that assailed Social Psychology in
the 1970s. Therefore, we decided to look for materials to help us tell these histories better. As
a next step, we selected two master and two doctoral dissertations in the area, since this kind
of work tends to describe the procedures used with more details. Finally, we looked up
academic texts and public domain documents related to the creation of the Specialist Title in
Social Psychology. We treated all those materials not only as “texts”, but as materialities that
produce effects, relate to each other, articulate with other texts, with other practices. That is,
we treated them as materialities that produce certain Social Psychology realities. In doing so,
we strived to call attention to the possibility of ordinating and coordinating reality in different
ways, of recognizing that there are multiple and diverse actants in a discipline and of making
a Social Psychology that searches for complex connections that articulate humans and non-
humans and perform multiple realities.
INTRODUÇÃO..................................................................................................................... 9
ANEXOS................................................................................................................................ 157
9
INTRODUÇÃO
1
Associação Brasileira de Psicologia Social (ABRAPSO).
2
A primeira edição deste livro foi publicada em 1936, período em que, no Brasil, começavam a ser ministrados
os primeiros cursos e publicadas as primeiras obras de e sobre Psicologia Social – o primeiro curso foi
ministrado por Raul Briquet, em 1933, na Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo e o segundo foi
ministrado dois anos mais tarde, por Arthur Ramos, na Escola de Economia e Direito da extinta Universidade do
Distrito Federal, no Rio de Janeiro, sendo que, deste último curso, resultou seu livro “Introdução à Psicologia
Social” (BOMFIM, 2004). Nesses primeiros anos, “[...] a psicologia social estava inserida nos estudos de direito,
de economia, de educação e de medicina e se beneficiava igualmente de contribuições biológicas, psicanalíticas,
10
De acordo com Ramos (2003), a Psicologia Social mais “psicológica” – tal como
aquela proposta por McDougall – preocupar-se-ia, sobretudo, em estudar o processo de
moralização dos indivíduos; ao passo que a vertente mais “sociológica” de Ross buscaria
identificar os fenômenos sociais que possibilitam uniformidades de sentimentos, crenças e
volições3. Já para Ellwood, a Psicologia Social seria o estudo dos modos em que grupos e
indivíduos influenciam-se mutuamente, incluindo nesses estudos não somente aspectos
sociais da consciência individual, mas também os aspectos mentais da associação. “A
psicologia social torna-se aqui uma parte da sociologia; será uma „sociologia psicológica‟ [...].
Os problemas da psicologia serão [...] os mesmos da sociologia; a psicologia social estudará
simplesmente o lugar dos fatores psíquicos nesses problemas.” (RAMOS, 2003, p. 28).
comportamentais, sociológicas e antropológicas.” (SÁ, 2007, p. 8). Como era um campo ainda pouco conhecido,
o objetivo de seus difusores era, sobretudo, apresentar uma visão generalista e panorâmica dessa “nova” área do
conhecimento (BOMFIM, 2004).
3
Aqui é importante ressaltarmos que Ramos (2003) faz referência, sobretudo, a autores norte-americanos da
primeira metade do Século XX. No entanto, ele reconhece que a Psicologia Social tem raízes muito anteriores:
ela nasceu “[...] com os filósofos gregos, nas teorias dos sofistas, e mais especialmente na República de Platão e
na Política de Aristóteles. [...] Mas foi na metade do século XVIII até começos do século XIX, que uma plêiade
de economistas políticos, moralistas, juristas e criminólogos começou a conceder uma grande importância ao
fenômeno da interação mental dos homens” (p. 30, grifos do autor). De acordo com ele, participaram desse
processo autores como Bain, Lazarus e Stemthal, Spencer, Darwin e Bagehot, Sighele, Rossi e Le Bon; mas foi o
sociólogo francês Gabriel Tarde “[...] o verdadeiro iniciador da psicologia social, tal como é considerada hoje.
[...] A obra de Tarde influenciou toda uma escola de sociólogos e filósofos norte-americanos, especialmente a
Edward A. Ross e J. Mark Baldwin. Toda uma escola norte-americana de psicologia social concedeu á imitação
e à sugestão um papel preponderante no estudo dos fenômenos psicossociais.” (p. 32, 33). Diversos autores
posteriores a Ramos também consideram que a Psicologia Social moderna é um fenômeno americano. Gordon
Allport (1954, p. 3, 4), por exemplo, apresenta essa disciplina dizendo que “embora as raízes da psicologia social
possam ser encontradas no solo intelectual de toda a tradição ocidental, seu atual florescimento é reconhecido
como sendo um fenômeno caracteristicamente americano”. Já Lindzey (apud FARR, 2000) e Lindzey e Aronson
(apud FARR, 2000) sustentam que a Psicologia Social possui um “longo passado” – que faz parte de uma
tradição de pensamento ocidental, principalmente europeia – e uma “curta história”, que começou quando ela se
tornou uma ciência experimental, sobretudo nos Estados Unidos. De acordo com Robert Farr (2000), essa
distinção está permeada por uma filosofia de ciência específica – o Positivismo. Além disso, ela acarreta em
narrativas bastantes parciais sobre a história da Psicologia Social, uma vez que tende a privilegiar apenas as
formas mais “psicológicas” da disciplina.
11
4
Este livro é resultado da tese de doutorado da autora, intitulada “Cartografias do Social: estratégias de produção
do conhecimento”, defendida em 2001 na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), sob orientação
da Profa. Dra. Margareth Schäffer. Diferentemente da obra de Ramos (2003), esse trabalho foi realizado em um
momento histórico em que a Psicologia Social já estava bastante difundida e era ensinada em todos os cursos de
graduação em Psicologia do país. De acordo com a autora, muitas coisas já haviam sido ditas sobre essa área do
conhecimento, no entanto, pouca reflexão havia sido proposta acerca do adjetivo “social” que a qualificava. A
fim de tentar suprir essa lacuna, propôs-se a problematizar (e a desnaturalizar) essa noção: ao invés de tomar o
social como um fato natural intrínseco ao modo de existência da vida humana, ela buscou pensá-lo como “[...]
uma multiplicidade necessariamente construída a partir de uma relação de forças num campo historicamente
dado.” (SILVA, 2004, p. 13).
12
Ainda que não partam da construção discursiva que sugere a priorização da proposta
genealógica de Foucault, diversos(as) autores(as) – como Silvia Lane (2007a)5, Jefferson
Bernardes (2001)6, Ana Bock, Odair Furtado e Maria de Lourdes Teixeira (2003)7 – também
falam das transformações que essa área do conhecimento sofreu no decorrer de sua (curta)
história. No entanto, o foco deles(as) é outro: eles(as) não falam dos diferentes discursos
sobre o social, mas das diferenças epistemológicas, metodológicas e, sobretudo, éticas que
marcaram dois momentos da história da Psicologia Social: um anterior e outro posterior à
crise de referência que assolou essa área do conhecimento nas décadas de 1960 e 1970. Como
veremos no capítulo 3, o primeiro fundamenta-se em princípios positivistas e tem como
principais referências autores norte-americanos. O segundo, por sua vez, critica o
biologicismo e o individualismo da Psicologia e propõe uma ciência comprometida com a
transformação social.
Já Mary Jane e Peter Spink (2007, p. 565)8 nos chamam a atenção para o fato de que
um mesmo momento histórico pode constituir uma arena de diversidade: as observações de
Peter Lunt (2003) “[...] sobre a variedade de „histórias‟ da psicologia social que se organizam
em volta de eixos diferentes servem de alerta para a possibilidade que essas diferentes
„histórias‟ têm, como função principal, o apoio a atualidades também diferentes.” Para falar
das “múltiplas versões de atualidades” (sic.) da Psicologia Social, os autores buscam,
5
O texto citado é um capítulo do livro “Psicologia Social: o homem em movimento”, publicado pela primeira
vez em 1984 com o objetivo de oferecer um “conhecimento alternativo” ao modelo norte-americano de
Psicologia Social, que até então embasava a maioria dos textos disponíveis sobre essa área do conhecimento.
Além de buscar suprir essa lacuna na literatura acadêmica, esta obra visava contribuir com o fortalecimento de
uma Psicologia voltada para os problemas concretos da realidade brasileira, bem como com a formação de
profissionais que atuassem como agentes de transformação social (LANE, 2007a, 2007b).
6
O texto de Bernardes (2001) também discorre sobre a história dessa “nova” Psicologia Social. Ele foi publicado
pela primeira vez em 1998, no livro-texto “Psicologia Social Contemporânea” – livro este pensado e produzido
por membros da ABRAPSO/SUL a fim de apresentar uma síntese “[...] das discussões temáticas que podem
configurar o campo da Psicologia Social Crítica.” (STREY et al., 2001, p. 9).
7
Publicado pela primeira vez em 1988, o texto escrito pelos autores para apresentar a Psicologia Social faz parte
de um livro didático. Dirigido a um público jovem, este livro busca introduzir as diferentes abordagens teóricas,
objetos de estudos e áreas de atuação da Psicologia.
8
Este texto foi publicado pela primeira vez em 2005, em um livro sobre História da Psicologia. Segundo seus
organizadores, esse livro foi pensado para servir de apoio a professores de graduação e busca apresentar uma
visão da História da Psicologia que, diferentemente daquela encontrada na literatura mais conhecida no Brasil,
não se restringe a que ocorreu na Europa e nos Estados Unidos: a esta “[...] se acrescenta, sempre, as
contingências do saber psicológico em terras brasileiras.” (JACÓ-VILELA; FERREIRA; PORTUGAL, 2007, p.
13).
13
inicialmente, entender como diferentes livros de texto recentes definem essa disciplina. Após
ler os índices, introduções e prefácios desses materiais, concluem que
E, então, se perguntam: “se todos eles são textos recentes sobre a psicologia social, por
que são tão diferentes?” Para responder a essa segunda questão, recorrem a livros de texto
“clássicos” – tais como os de Floyd Allport (1924/1994); Henri Tajfel e Colin Fraser (1978);
Ignacio Martín-Baró (1983) e Silvia Lane e Wanderley Codo (1984/2007) – e nos contam
como eram as “atualidades” de ontem.
Em sua dissertação de mestrado, Robson da Cruz (2008)9 também abordou diferentes
Psicologias Sociais a partir de uma perspectiva histórica, mas o fez seguindo outros caminhos.
Seu objetivo era “[...] traçar possíveis relações entre a produção de conhecimento da
disciplina e as questões sociológicas que envolvem o desenvolvimento de uma comunidade
científica.” (p.15). Para isso, analisou os artigos publicados em um dos principais periódicos
brasileiros da área – a revista “Psicologia & Sociedade” – no período de 1986 a 2007. As
questões que nortearam essa análise foram: “quais os centros e núcleos de desenvolvimento
de Psicologia Social no Brasil?”, “qual o perfil dos autores?”, “quais as temáticas dos
trabalhos?”, “quais as características metodológicas das pesquisas publicadas?” e “qual a
relação entre a produção de conhecimento e o contexto de produção?”.
Ao buscar respostas para essas questões, Cruz (2008) acabou percorrendo os caminhos
sugeridos por várias disciplinas científicas: seguiu tanto os passos dos historiadores – já que
analisou textos e eventos do passado –, quanto dos sociólogos da ciência e dos cientistas da
informação – uma vez que visou encontrar possíveis relações entre “[...] a produção de
conhecimento e as questões sociológicas que envolvem o desenvolvimento de uma
comunidade científica.” (p. 15), além de compreender “[...] como o processo de informação e
comunicação do conhecimento estabelece ligações com a formação e o desenvolvimento de
um campo do saber.” (p. 15).
9
Esse trabalho foi orientado pelo Prof. Dr. Cornelis Johannes van Stralen e defendido na Universidade Federal
de Minas Gerais (UFMG).
14
A tese de doutorado de Ligia de Souza (2005)10, por sua vez, não aborda a história da
Psicologia Social brasileira, mas suas práticas de ensino e as representações sociais que
circulam a seu respeito entre alunos de graduação em Psicologia. Para isso, a pesquisadora
analisou currículos, programas e ementas de disciplinas voltadas para essa área e aplicou
questionários em docentes e discentes. Mais especificamente, ela buscou
12
Segundo Latour (1994a; 2001), apesar de ter a mesma etimologia, as palavras complexo e complicado
possuem significados distintos, que nos permitem diferenciar dois tipos de realidades. O adjetivo complexo
refere-se à irrupção simultânea de múltiplas variáveis que não podem ser tratadas separadamente; enquanto que
complicado se refere à presença de diferentes variáveis que podem ser tratadas individualmente e que podem ser
somadas e transformadas em uma “verdade” – ou, para usar o vocabulário do autor, que podem ser fechadas em
uma caixa preta.
16
praxiológico não é universal, é local. Ele necessita de uma especificação espacial.” (p. 54,
tradução nossa, grifo da autora).
Nesse gênero ontológico, uma afirmação sobre o que a Psicologia Social é deve ser
complementada por outra que indica onde isso ocorre. Sendo assim, nesta tese, não falamos
da Psicologia Social brasileira, mas falamos de alguns lugares em que, no Brasil, a Psicologia
é Social. Falamos, por exemplo, de trabalhos acadêmicos, documentos e livros introdutórios.
Além disso, para compreendermos o que o ser faz, não podemos desconsiderar as
praticidades envolvidas nos processos que performam a realidade (MOL, 2002). Desse modo,
os caminhos metodológicos que percorremos foram guiados por algumas das práticas que
performam a Psicologia Social brasileira. Aqui é importante explicitarmos que essas práticas
não incluem somente as intervenções psicossociais, trabalhos de campo, entrevistas ou
experimentos. Mas, seguindo a proposta de Isabelle Stengers (2006 apud MORAES;
ARENDT, 2010, p. 60), nesta tese,
sustentaremos que essa noção não é sinônima de “diversidade” – afinal, como observa a
autora, a existência de múltiplas versões de um objeto é apenas um de seus aspectos: para ser
múltiplo, o objeto tem de ser, ao mesmo tempo, igual e diferente, diverso e singular.
Nos capítulos subsequentes, nosso foco será a multiplicidade da Psicologia Social
brasileira: no capítulo 3, sustentaremos a primeira parte de nosso argumento e falaremos de
diversidade. Ou seja, falaremos de alguns lugares e situações em que a Psicologia Social é
mais do que uma. No capítulo seguinte, dedicar-nos-emos à segunda parte. Nele, falaremos de
singularidade ao abordarmos as práticas que fazem com que a Psicologia Social seja,
também, menos do que muitas.
Para elaborar esses dois últimos capítulos, percorremos diferentes caminhos, usamos
diferentes materiais, nos referimos a diferentes pessoas. Em nossas primeiras “idas a campo”,
visitamos duas bibliotecas de referência da área – a Nadir Gouvêa Kfouri, da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e a Dante Moreira Leite, do Instituto de
Psicologia da Universidade de São Paulo (USP).
Ao digitar o descritor “Psicologia Social” nos bancos de dados dessas bibliotecas, nos
deparamos com duas imensas listas de materiais e, como seria inviável lermos e analisarmos
todos eles, optamos por estabelecer alguns critérios de seleção: dentre todos os livros e
manuais disponíveis, selecionamos apenas aqueles que haviam sido publicados entre 1990 e
201113 e que se caracterizavam como livros-texto ou manuais introdutórios de Psicologia
Social14. Não selecionamos, portanto, obras antigas ou que abordavam somente uma subárea,
conceito ou temática específica.
Este critério é, em certa medida, limitador, uma vez que obras que falam, por exemplo,
de Psicologia Social Comunitária, de Representações Sociais ou de Psicologia Social da
Saúde também fazem parte dessa disciplina. No entanto, optamos por utilizá-lo porque seria
impossível, no espaço de tempo de uma tese de doutorado, seguir os atores descritos em todos
os livros que possuem como descritor a palavra “Psicologia Social”. Além disso,
13
Algumas das obras selecionadas foram inicialmente publicadas antes desse período, mas como foram
reeditadas posteriormente, as incluímos no corpus desta tese. A primeira edição do livro “Introdução à
Psicologia Social”, de Arthur Ramos, por exemplo, data de 1936, mas em 2003, em comemoração ao centenário
do nascimento do autor, ela foi reeditada.
14
Para selecionar aqueles que obedeciam a esse critério, lemos os prefácios, apresentações e sumários dos livros
que tinham a expressão “Psicologia Social” no título. Consideramos esta etapa importante pois, muitas vezes, o
título dava a impressão de se referir a um manual introdutório quando, na verdade, tratava-se da publicação de
conferências proferidas em um evento científico – como no caso do livro “Psicologia Social: temas em debate”,
que apresentava as conferências e mesas-redondas do V Encontro Regional de Psicologia Social da ABRAPSO-
Espírito Santo – ou ainda de trabalhos realizados a partir de uma teoria específica – como, por exemplo, o livro
“Psicologia Social: indivíduo e cultura”, organizado por Faria e Brandão (2004, p. 10), e que visa possibilitar
“[...] uma leitura que vai da apresentação e discussão de conceitos abrangentes da Teoria Crítica da Sociedade a
discussões mais específicas de temas, objetos e práticas psicológicas [...]”.
18
15
Consultamos, também, o SciElo – Scientific Electronic Library Online (http://www.scielo.br), uma vez que,
no Brasil, esta é uma das bases de dados virtuais mais utilizadas para a consulta de textos acadêmicos. No
entanto, não encontramos nenhum artigo que obedecesse aos nossos critérios de busca. No período da consulta
(dezembro de 2010), estavam disponíveis 118 textos relacionados à Psicologia Social, mas nenhum deles
buscava introduzir essa disciplina. A maioria dos artigos escritos por autores brasileiros relatava pesquisas da
área (como, por exemplo, SATO, 2007; SILVA, QUEIRÓS, 2006; MATTOS, FERREIRA, 2004); outros
discutiam um conceito ou abordagem teórica específica (como PAIVA, 2000; CROCHÍK, 2008; ARENDT,
1998); uma subdivisão da Psicologia Social (como FREITAS, 1998; ARENDT, 1997; TRAVERSO-YEPEZ,
2001) ou ainda aspectos relacionados à história, formação profissional e ao trabalho de campo na área (como
DIHL, MARASCHIN, TITTONI, 2006; NARITA, 2006; SOUZA, SOUZA FILHO, 2009; SILVA, 2004).
16
O programa e a bibliografia básica da disciplina estão disponíveis em: <http://sistemas2.usp.br/
jupiterweb/obter Disciplina?sgldis= PST0201&nomdis=>. Acesso em 10 dez. 2010.
19
deles, esses materiais falam de algumas das Psicologias Sociais que são feitas em nosso
país17.
Após uma leitura inicial desses livros, observamos que vários deles abordavam a crise
de referência que assolou a Psicologia Social na década de 1970. Ao descrever esse momento
histórico, enfatizavam as controvérsias e discrepâncias entre a proposta de Aroldo Rodrigues
e a de Silvia Lane. Desse modo, decidimos buscar materiais que nos ajudassem a contar
melhor essa história. Para isso, consultamos os bancos de dados das bibliotecas da PUC-SP,
do IP-USP e do SciElo (www.scielo.br), usando nesta busca as seguintes palavras-chave:
“Silvia Lane”, “Aroldo Rodrigues” e “Crise da Psicologia Social”.
Em um terceiro momento, percorremos os corredores das bibliotecas onde estavam
dispostas as teses e dissertações defendidas nos programas de pós-graduação em Psicologia
Social das duas universidades. Após lermos os resumos de todos os trabalhos concluídos entre
1990 e 2011 e identificarmos seus objetos de estudo, linhas teóricas e estratégias
metodológicas, selecionamos duas pesquisas (uma de cada universidade) que faziam
Psicologias Sociais bastante diferentes e que “transitavam” por áreas do conhecimento
distintas. É importante ressaltarmos que esses trabalhos não representam a totalidade das
pesquisas realizadas e defendidas nos dois programas de pós-graduação. Eles são apenas
exemplos de como a Psicologia Social pode ser diferentemente performada.
A leitura da tese e da dissertação selecionadas nos pareceu tão interessante que
resolvemos selecionar mais dois trabalhos. No entanto, desta vez não recorremos às
bibliotecas da PUC-SP e da USP, mas ao site da associação representativa da área, no qual
buscamos as referências dos dois trabalhos premiados no “II Concurso de Teses, Dissertações
e Artigos da ABRAPSO”. Optamos por descrever apenas quatro trabalhos (e não cinco, dez,
vinte ou todos), pois esses nos pareceram suficientes para sustentar o argumento central de
nossa pesquisa. Afinal, como dissemos anteriormente, nosso objetivo não é fazer uma
cartografia da Psicologia Social brasileira, mas falar de alguns lugares em que, no Brasil, a
Psicologia é Social.
Contar histórias sobre teses e dissertações da área nos pareceu um interessante
caminho para falar da multiplicidade da Psicologia Social no Brasil pois, de um modo geral,
esses materiais apresentam de forma detalhada os procedimentos metodológicos utilizados.
Afinal, ao menos em teoria, as sessões de materiais e métodos de textos científicos “[...]
especificam tanto quanto possível as práticas de investigação. Elas evidenciam [instantiate] o
17
Os anexos 1 e 2 apresentam as obras que obedeceram aos nossos critérios de seleção.
20
reconhecimento de que as práticas que forçam um objeto a falar são cruciais para o que pode
ser dito sobre ele.” (MOL, 2002, p. 158, tradução nossa). Podem ser, portanto, uma fonte tão
interessante quanto observações etnográficas para fazer uma praxiografia (MOL, 2002)18.
Outro “lugar” que visitamos para falar da multiplicidade da Psicologia Social
brasileira foi o debate suscitado pela criação do título de especialista na área. Como veremos
no capítulo 3, por meio da Resolução 05/03, o Conselho Federal de Psicologia (CFP)
reconheceu a Psicologia Social como uma especialidade da Psicologia e estabeleceu as
normas e os procedimentos para a concessão e o registro do título de especialista na área
(CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2003). Por um lado, tal medida representou
uma tentativa de singularização da Psicologia Social, uma vez que propunha sua definição e
delimitação. Por outro lado, ela suscitou um intenso debate sobre o que é a Psicologia Social,
explicitando, com isso, a dificuldade de pensar essa área do conhecimento como algo
singular.
Para acompanhar os modos de coordenação dessa diversidade, bem como as
controvérsias que caracterizaram esse debate, recorremos, sobretudo, a textos acadêmicos e a
documentos de domínio público, tais como os editais e as provas do concurso que dão acesso
a essa titulação e o encarte especial dedicado ao tema, publicado no número dezessete da
Revista Psicologia & Sociedade. Buscamos, assim, compreender em que medida e como a
Psicologia Social desses materiais é mais do que uma e menos do que muitas.
É importante ressaltarmos que tratamos todos esses artigos, livros, documentos e
trabalhos acadêmicos não apenas como “textos”, mas como materialidades que produzem
efeitos, se conectam, se articulam com outros textos, com outras práticas. Ou seja, os tratamos
como materialidades que produzem certas realidades da Psicologia Social (MORAES, 2010).
Uma vez apresentado o caminho metodológico percorrido, apresentaremos, no capítulo
seguinte, o referencial teórico que embasa esta tese.
18
Diferentemente da maioria dos pesquisadores da TAR, não utilizamos técnicas etnográficas tradicionais pois
consideramos os autores desses trabalhos como seus próprios etnógrafos. Ou seja, os consideramos como atores
capazes de descrever suas próprias práticas, de fazer suas próprias praxiografias (MOL, 2002). Afinal, segundo
Latour (2008, p. 27, 28, tradução nossa), em um estudo da TAR, “a tarefa não é mais impor alguma ordem,
limitar a variedade de entidades aceitáveis, ensinar aos atores o que são ou agregar certa reflexividade a sua
prática cega. De acordo com uma premissa da TAR, é preciso „seguir os próprio atores‟, ou seja, tratar de
colocar-se em dia com suas inovações [...] para aprender com elas no que se converteu a existência coletiva na
mão de seus atores, que métodos foram adotados para fazer com que tudo se encaixasse, que descrições
poderiam definir melhor as novas associações que se viram obrigados a fazer.”
21
CAPÍTULO 1
19
Estamos colocando a palavra teoria entre aspas pois, segundo Latour (2005), a despeito de se chamar “Teoria
Ator-Rede”, a TAR não constitui uma teoria propriamente dita. Afinal, propõe que são os atores que sabem o
que fazem e “[...] nós temos de aprender com eles não somente o que eles fazem, mas como e por que o fazem.
Somos nós, os cientistas sociais, que desconhecemos o que fazem, e não eles que necessitam de explanações
sobre por que são involuntariamente manipulados por forças exteriores a eles e conhecidas somente pelo
poderoso olhar e método dos cientistas sociais. [...] Longe de ser uma teoria do social ou, pior ainda, uma
explicação do que faz a sociedade exercer pressão sobre os atores, ela sempre foi [...] um método bastante
rudimentar [crude] de aprender com os atores, sem impor-lhes uma definição a priori de suas capacidades de
construção do mundo.” (LATOUR, 2005, p. 19, 20, tradução nossa, grifos do autor).
20
Considerado um dos principais expoentes da Escola de Edimburgo.
23
reflexividade, que sugeria que o analista deveria aplicar em sua própria análise os mesmos
métodos que utilizava para estudar o conhecimento científico.
O Programa Forte de Bloor tinha como objetivo central contrapor-se à Escola
Mertoniana – corrente que, na época, dominava o campo da Sociologia da Ciência. De acordo
com Domènech e Tirado (1998, p.15, 16, tradução nossa),
A grande contribuição do Programa Forte de Bloor (1976) foi, justamente, propor uma
Sociologia que desse conta de explicar tanto o erro quanto a verdade, tanto o conteúdo quanto
a natureza do conhecimento científico. Nesse Programa, os conhecimentos falsos e os
verdadeiros deveriam ser tratados da mesma forma e explicados pelas mesmas causas: os
fenômenos sociais. Sendo assim, não bastava dizer que uma teoria é melhor que outra por ser
mais verdadeira ou por ser mais bem comprovada pela empiria; era preciso falar das
condições (argumentos, negociações etc.) que tornaram possível a existência de consenso
sobre um conjunto de resultados ou sobre os conteúdos de uma experiência.
No entanto, para Callon (1986), a despeito de tratar simetricamente o erro e a verdade,
esse princípio continuava a sustentar uma assimetria, pois tratava de forma distinta a natureza
e a sociedade. Afinal, considerava o domínio do social como um recurso explicativo,
enquanto que a natureza, a ciência e a tecnologia eram o que deveria ser explicado. Em suas
palavras,
[...] não existem por si mesmas, mas são constituídas nas redes de que faz
parte. Os objetos, as entidades, os atores, os actantes são (algo como) efeitos
semióticos: os nós das redes são conjuntos de relações ou conjuntos de
relações entre relações. Isso significa que os materiais são constituídos
interativamente: podem servir para incrementar a estabilidade, mas não são
reais, não existem além de suas interações. As máquinas, as pessoas, as
instituições, o mundo material, a divindade, todas estas coisas são efeitos ou
produtos.21
21
Aqui, cabe observar que a semiótica performada pela TAR é diferente das correntes tradicionais, pois ela
utiliza o insight semiótico do caráter relacional das entidades e o aplica a todos os materiais (e não simplesmente
aos linguísticos) – por essa razão, Law (1999) afirma que a TAR faz uma “Semiótica da Materialidade”.
25
Oferecer-lhes igual tratamento significa não estabelecer a priori o que é social, o que é
natural ou o que é tecnológico. Significa não estabelecer uma hierarquia ou uma ordem de
prevalência entre os atores de uma rede. Significa considerar que qualquer coisa – pessoa ou
objeto – cuja incidência modifique um estado de coisas é um ator22 (LATOUR, 2008).
Desse modo, para os(as) autores(as) da TAR, os objetos também são capazes de
incidir sobre ações23. A ação de batermos em um prego com um martelo, por exemplo, é
diferente da de batermos com a palma da mão, assim como andarmos pela rua com roupas não
é como andarmos sem elas. Entretanto, isso não significa que os objetos determinem a ação,
afinal, não é o martelo que impõe que devemos golpear o prego. Segundo Latour (2008),
existem muitos matizes metafísicos entre a plena causalidade e a mera inexistência: além de
“determinar”, ou de “servir como pano de fundo da ação humana”, as coisas podem autorizar,
permitir, sugerir, dar recursos, influenciar, proibir, bloquear etc. Sendo assim, esses autores e
autoras não propõem a afirmação vazia de que são os objetos – e não os atores humanos – que
fazem as coisas. Dizem, simplesmente, que nenhuma ciência do social pode existir se não
explorar, primeiramente, a questão do que e quem participa da ação – ainda que isso
signifique permitir que se incorporem elementos não humanos à resposta.
22
Em alguns textos (LATOUR, 1996; AKRICH, LATOUR, 1992; TIRADO-SERRENO, DOMÈNECH-
ARGEMÌ, 2005, entre outros), a palavra “ator” é substituída por “actante”, pois, tanto na linguagem científica
quanto na cotidiana, a primeira geralmente é usada para se referir apenas a humanos; enquanto que a segunda
possui menos tradição conceitual e pode mais facilmente ser usada para se referir, também, a não humanos. Em
um texto escrito em coautoria com Madeleine Akrich, Bruno Latour (1992, p. 259, tradução nossa) afirma que
um “actante” é qualquer coisa que atue ou modifique a ação. Em outros textos (como em LATOUR, 2008), o
autor afirma que um actante é um ator que ainda não possui figuração. Nesta tese, usamos os termos “ator” e
“actante” como sinônimos, ou seja, aqui, ambos referem-se às entidades (humanas e não humanas) que possuem
agência.
23
É importante ressaltarmos que dizer que não há diferença fundamental entre pessoas e objetos é uma atitude
analítica, e não uma posição ética. Afinal, segundo Law (1992, p. 4, tradução nossa), isso não significa que
tenhamos de tratar as pessoas como máquinas. “Não temos de negar os direitos, deveres e responsabilidades que
usualmente atribuímos às pessoas. Na verdade, nós podemos usar [essa atitude] para aprofundar questões éticas
sobre o caráter especial do efeito humano – como, por exemplo, em casos difíceis tais como os de vida mantida
artificialmente por conta das tecnologias de tratamento intensivo”.
26
Nos trabalhos da TAR, um ator não constitui a fonte de uma ação, mas é o alvo móvel
de uma quantidade enorme de entidades que convergem em sua direção. Nas palavras de Law
e Mol (2008, p. 58, tradução nossa),
[...] um ator não age sozinho. Ele age em relação com outros atores,
vinculado com eles. Isso significa que ele também está sempre sendo atuado
[acted upon]. Atuando e sendo atuado [enacted] conjuntamente. E mais, um
ator-atuado [enacted-actor] não está em controle. Agir não é controlar, pois
os resultados do que está sendo feito frequentemente são inesperados.
Desse modo, a palavra ator assume aqui um sentido bastante diferente do que a
tradição anglo-saxônica comumente lhe atribui. Segundo Latour (1996), para esta última, um
ator é sempre um humano individual – na maioria das vezes, do sexo masculino – que busca
adquirir poder por meio de uma rede de aliados. Já para a TAR, um ator é uma definição
semiótica que se refere a algo que age e que é alvo da ação dos outros. Nas palavras de Arendt
(2008, p. 5, grifos do autor), “um ator não age, simplesmente, mas é levado a agir, ele é
superado por sua ação. Em outros termos, ele não apenas faz, a rede o faz fazer.”
1.3 Ator-Rede
Essa rede que faz fazer difere da rede da Análise de Redes Sociais (ARS) e das redes
tecnológicas. A principal divergência com a primeira refere-se ao fato de que, segundo Latour
(1996), esta é composta por relações sociais existentes entre atores humanos individuais e
pode ser estudada por meio da frequência, homogeneidade, distribuição e proximidade dessas
relações. Já um ator-rede24 é composto também por atores não humanos e não individuais.
Além disso, os pesquisadores da ARS utilizam a noção de rede social para acrescentar
informações sobre as relações estabelecidas entre humanos em um mundo social e natural –
que é mantido intocado pelos analistas – enquanto que a TAR, como dissemos anteriormente,
problematiza as noções de sociedade e natureza. Desta forma, ela não almeja adicionar as
redes sociais à teoria social, “[...] mas reconstruir a teoria social a partir das redes. É tanto
uma ontologia ou uma metafísica quanto uma sociologia [...]. Redes sociais certamente vão
24
Para evitar a confusão com outras noções de rede, muitos autores da TAR (CALLON, 1998; LATOUR, 2008;
LAW, 1997, entre outros) preferem utilizar a expressão “ator-rede”. Outra vantagem deste termo é o fato de ele
garantir a simetria e enfatizar a impossibilidade de separarmos rede de ator. Nas palavras de Callon (1998, p.
156, tradução nossa), essa expressão ressalta que “o ator-rede não é redutível nem a um simples ator nem a uma
rede. Está composto [...] de séries de elementos heterogêneos, animados e inanimados, que têm sido conectados
mutuamente durante certo período de tempo [...] Um ator-rede é, simultaneamente, um ator cuja atividade
consiste em entrelaçar elementos heterogêneos e uma rede que é capaz de redefinir aquilo do qual está feita.”
27
ser incluídas na descrição, mas não haverá privilégio nem proeminência [...]” (LATOUR,
1996, p. 1, tradução nossa).
Já a divergência em relação às redes tecnológicas (como as ferroviárias, as de internet,
as de telefone, as de esgoto etc.) reside no fato de que nelas há elementos distantes conectados
por radares, trilhos, fios e tubulações, sendo a circulação entre esses elementos (ou “nós”)
obrigatória e pré-determinada. Além disso, essa circulação é estabelecida por tecnologias
rígidas, que dão a alguns nós um papel central. Segundo Latour (1996), apesar de, em alguns
casos, a noção de ator-rede poder assumir esse modelo de rede fixa e estável, é muito mais
frequente que ela assuma características completamente diferentes, ou seja, que se refira a
algo local, que não possui ligações obrigatórias e que não tem nós estratégicos. Além disso,
outra importante diferença entre as duas concepções de rede é que, na tecnológica, a
circulação é vista como mero transporte, enquanto que, na latouriana, ela, necessariamente,
implica transformação.
E é justamente este processo de transformação e de construção de fatos, sujeitos,
objetos e crenças que os(as) autores(as) da TAR buscam descrever (LATOUR, 2008). Isto se
dá pois eles(as) consideram que o que importa não é somente a ideia de vínculo ou de aliança;
importa, também, o que esses vínculos produzem, ou seja, os efeitos decorrentes de tais
alianças. Sendo assim, podemos dizer que, na TAR, ator-rede é sinônimo de fabricação, de
ação.
Sendo assim, na TAR, não mais se discute se o indivíduo é prévio a qualquer coisa e
configura a sociedade; se as instituições são produzidas por um conjunto de relações
duradouras; ou ainda, se um emaranhado de fatos unidos pelo cimento da moral gera o
coletivo. De acordo com Domènech e Tirado (1998, p. 25, tradução nossa), o questionamento
agora é muito mais simples: “[...] indivíduos, fatos, estruturas ou relações são produtos,
efeitos a posteriori do que é somente um emaranhado de materiais heterogêneos, justapostos,
unidos e configurados pelas relações que são capazes de estabelecer ou sofrer.”
28
No entanto, quando pensamos em nosso cotidiano, não temos dúvidas de que existem
estruturas, instituições, relações de poder, normas e classificações. Afinal, temos famílias,
vivemos em um sistema capitalista, aprendemos que não devemos roubar, seguimos
determinadas regras de etiqueta ao comermos, sabemos que a Terra é redonda e que as
doenças não são causadas por castigo divino. Se a realidade não passa de um emaranhado de
materiais heterogêneos, de onde vêm essas regularidades, ou melhor, essas totalidades?
Callon (1986), Latour (1998a, 1998b, 2008) e Law (1992, 1998) respondem a essa questão
dizendo que o mundo toma forma por meio dos processos de tradução25.
1.4 Tradução
A ciência se encarrega de explorar esse abismo que ela contribui para criar.
Os filósofos recorreram à noção de tradução para explicar como os cientistas
em seus laboratórios passam de uma língua que foi feita de noções
totalmente ordinárias [...] a uma língua que é teórica e que faz uso de noções
que descrevem entidades que ninguém nunca viu. A noção de tradução
permite descrever esse transporte misterioso que faz com que possamos
25
Esse processo também é chamado de “ensamblage”, “translação” e “padrões de ordenação”. Nesta tese,
optamos por utilizar a expressão “tradução” uma vez que esta é a terminologia usada por muitos autores de
língua portuguesa (tais como MORAES, 2004; FREIRE, 2006, MELO et al., 2007; BONAMIGO, 2008, entre
outros). No entanto, consideramos que ela pode trazer certa confusão, pois, frequentemente, utilizamos este
termo para fazer referência a uma representação fiel de algo e não a uma transformação. Quando, por exemplo,
citamos a edição brasileira do livro “Jamais fomos modernos”, citamos Latour (1994b), e não Carlos Irineu da
Costa, seu tradutor. Esquecemo-nos das diferenças linguísticas e das interpretações pessoais do tradutor.
Tratamos a edição brasileira como se fosse igual à francesa.
29
Mas, na TAR, a palavra “tradução” também assume o sentido proposto pelo filósofo
francês Michel Serres (1974) ao ser usada para explicar como as informações e a
comunicação em geral operam por meio de uma série de transformações, de transportes e de
traições. De acordo com Callon (2003, p. 59, tradução nossa), esse duplo significado da
palavra, “[...] tradução de uma língua a outra e transporte de um mundo a outro, pode ser
mobilizado para compreender as relações entre a ciência isolada, a ciência confinada e o
mundo que a rodeia.”
Para dar um sentido mais preciso a essa noção, o autor propõe que distingamos três
tipos de tradução comuns no campo científico: o primeiro deles refere-se à atividade de
transporte do mundo no qual vivemos (do “grande mundo”, do macrocosmo) para dentro do
laboratório. Esse movimento é de grande importância, pois permite que a ciência aja sobre o
mundo – de que adiantariam, por exemplo, estudos de Psicologia Social que abordassem
temas alheios à nossa realidade? Para promover transformações sociais 26, pesquisadores da
área precisam fazer entrevistas, observações, experimentos, escrever diários de campo,
selecionar textos, transcrever... Enfim, precisam transformar fatos, processos e objetos do
“mundo exterior” em material analisável. Precisam trazer a “realidade psicossocial” para
dentro do “laboratório”.
O segundo sentido faz referência ao que acontece dentro do laboratório. Para Callon
(2003), a obsessão de todo pesquisador é a de questionar a natureza, recolher as respostas que
ela fornece e, por fim, interpretá-las. Ou seja, seu trabalho é o de “fazer falar” as entidades
transportadas para dentro do laboratório: “conseguir fazer com que elétrons ou genes falem
não é nada evidente! Conseguir fazer com que digam quem são, como podem agir, tampouco
é evidente! A grande força dos cientistas é conseguir isso dentro do mundo fechado dos
laboratórios.” (CALLON, 2003, p. 59, tradução nossa).
O terceiro movimento de tradução refere-se ao retorno daquilo que foi produzido no
laboratório ao mundo “exterior”.
Uma vez que o grande mundo foi transportado, transposto, para o pequeno
mundo do laboratório, uma vez as entidades assim aclimatadas [...] são
26
Como veremos no capítulo 4, muitos(as) pesquisadores(as) consideram o compromisso com a transformação
social a principal característica dessa área do conhecimento.
30
A tradução, portanto, substitui uma coisa por outra coisa: substitui uma língua por
outra, uma palavra por outra, um grande mundo por um microcosmo. E essa substituição
implica, necessariamente, transporte. “A ciência sempre começa por essa inversão, essa
mudança de escala, essa miniaturização [...] ao invés de ter o grande mundo, um macrocosmo,
você tem um pequeno mundo, um microcosmo [...]” (CALLON, 2003, p. 61, tradução nossa).
Dizemos, muitas vezes, que esse microcosmo representa o grande mundo; mas para o autor, o
verbo “representar” é demasiadamente estático e omite o transporte, a transformação inerente
a esse processo.
Callon (2003) nos dá um bom exemplo de como os mecanismos de tradução
contribuem para a construção do conhecimento científico ao relatar o caso de pessoas que
sofrem de amiotrofia espinhal infantil, uma doença genética rara. De acordo com o autor, até
o início da década de 1950, esses doentes não tinham interlocutores na área médica nem na
biológica. Não existia nenhum tipo de registro sistemático e o quadro clínico da doença era
bastante impreciso. Apenas alguns(as) pacientes mais empreendedores(as) – ou menos
resignados(as) – se dedicavam a coletar informações sobre os sintomas e sobre o
desenvolvimento da doença. Em colaboração com profissionais da saúde, eles(as)
organizavam campanhas de coleta de sangue, visando construir um banco de DNA que
permitisse a identificação e a localização do gene defeituoso.
Uma vez que esse conhecimento (e esse gene) foi produzido28, é preciso devolvê-lo ao
grande mundo. Esse é um processo delicado, pois o que foi produzido dentro das quatro
paredes do laboratório, muitas vezes, se comporta de maneira diferente quando volta para o
“exterior”. Quando cientistas testam uma nova droga, o fazem tentando controlar o máximo
de variáveis possível: as “cobaias” devem, por exemplo, receber as doses da droga em
intervalos regulares, não devem tomar outros medicamentos, o ambiente do laboratório não
pode estar contaminado etc. Mas, no grande mundo, as coisas não são necessariamente assim:
27
Os dispositivos de inscrição (ou móveis imutáveis) são as transformações que materializam uma determinada
entidade em um signo, um texto, um arquivo, um documento, um traço (LATOUR, 2001).
28
Ao dizermos que o gene foi produzido, não estamos sugerindo que os pacientes que sofrem de amiotrofia
espinhal infantil nascem sem carga genética alguma, ou que o gene defeituoso passa a existir apenas após sua
descoberta. Não estamos sendo nominalistas radicais, estamos apenas sugerindo que, antes de sua identificação e
localização, esses genes agiam de modo diferente. Antes das pesquisas científicas, os genes já estavam lá, mas
estavam em outra forma, em outro estado, de modo clandestino e com identidades diferentes. “Um gene que
ainda não foi localizado e identificado não é o mesmo gene que aquele que foi isolado em um laboratório; o
segundo fará coisas, poderá participar das ações e dos projetos que eram proibidos ao primeiro.” (CALLON,
2003, p. 68, tradução nossa).
32
Depois das três traduções, temos, portanto, algo que se assemelha – mas não equivale
– ao mundo que existia antes do experimento. Esse “novo mundo” permanece ligado ao
antigo, mas é um pouco mais do ele. De acordo com Callon (2003), a força do laboratório está
no fato de ele estar, ao mesmo tempo, distante e próximo; exterior e vinculado; dentro e fora.
Para usar uma expressão militar, está no fato de ele ser um “ponto de passagem obrigatório”:
quem quiser curar seus doentes, terá, necessariamente, de passar pelo laboratório.
Assim, as traduções envolvem contínuos deslocamentos de objetivos, de interesses, de
pessoas, de aliados, de dispositivos de inscrição, fazendo com que todos os atores envolvidos
nesse processo sejam resultados de metamorfoses e transformações (CALLON, 1986). Neste
sentido, tal como indica o ditado italiano traduttore-traditore, tradução é traição – e não um
mero reflexo, uma imitação, uma representação fiel da “realidade” (LAW, 1997, CALLON,
1986). Tradução é, também, verbo: é um processo de padronização, de orquestração social, de
ordenamento, de resistência. Em outras palavras, é o processo por meio do qual atores
mobilizam, justapõem e mantém unidos os elementos que os constituem (LAW, 1992).
Callon (2003) descreve três movimentos de tradução que frequentemente ocorrem no
meio científico. No entanto, não podemos generalizá-los para todos os tipos de associações.
Afinal, como nos recorda Law (1992), as traduções são sempre contingentes, locais e
variáveis, portanto só podem ser descritas por meio de trabalho empírico. No entanto,
algumas estratégias de tradução parecem ser mais utilizadas para ordenar o mundo: a primeira
delas é o aumento da durabilidade de uma relação por meio da incorporação de materiais
duráveis, tais como textos e edifícios (LAW, 1992). Se, por exemplo, Darwin não tivesse
publicado “A Origem das Espécies” (1859/2002), dificilmente suas ideias teriam permanecido
33
29
Law (1998) utiliza o termo “mobilidade” (mobility) para se referir àquilo que Callon (1986) chama de
“mobilização” (mobilization).
30
Segundo Latour (2001), pedocomparador é um instrumento composto de vários cubos de papel agrupados por
uma moldura de madeira, no qual cada cubo armazena uma amostra de solo. Esse instrumento permite tanto
transportar as amostras quanto lhes atribuir significado, uma vez que cada cubo é codificado de uma determinada
maneira.
31
Law (1992) nos chama a atenção para o fato de que, assim como a durabilidade, a mobilidade também é
relativa. Afinal as dicotomias centro/periferia, aqui/ali, longe/perto não passam de efeitos, de resultados de
relações entre atores heterogêneos.
34
1.5 Mediação
32
Quase-sujeito e quase-objeto são conceitos que, segundo Tirado e Mora (2004, p. 143, 144, tradução nossa), se
referem a um tipo de posição híbrida; a algo que não é precisamente um sujeito nem um objeto, mas é algo.
Afinal, “[...] sua ação tem efeitos, marca coisas, as marca como sujeitos ou objetos. Não sabemos, no entanto, se
são seres ou relações. Sabemos somente duas coisas. Em primeiro lugar, que são uma posição ou momento entre
o sujeito e o objeto, entre a relação e a mônada. Indicam uma posição intermediária. Em segundo lugar que,
assim como um vetor, podem ter ou apresentar uma direcionalidade de acordo com o momento em que são
descritos: em direção ao sujeito, quase-sujeito, em direção ao objeto, quase-objeto.”
33
Nesses textos, o autor cita exemplos de mediação técnica, contrapondo-se ao modo em que Heidegger aborda
o assunto. Latour (1998b, 2001) acusa o filósofo alemão de transformar a tecnologia em um “monstro”, ao
defender que ela é onipresente, insuperável, superior, única e impossível de ser dominada.
35
propõe que o que faz com que armas de fogo atuem são seus componentes materiais, e não as
características sociais de quem as maneja; o outro é sociológico, pois considera que a arma
não faz nada por si mesma, que ela é apenas um instrumento, um meio, um transmissor neutro
da vontade humana que não acrescenta nada à ação.
Mas para Latour (1998b, 2001), a responsabilidade da ação não recai na arma nem em
seu portador, mas em uma terceira entidade: em um cidadão-pistola ou em uma pistola-
cidadão. Nas suas palavras,
se te defino pelo que tens (a arma), e pela série de associações que participas
quando usas o que tens (quando disparas a arma), então és modificado pela
arma – em maior ou menor grau, dependendo do peso das outras associações
que acarretas. Esta tradução é completamente simétrica. És diferente com
uma arma na mão; a arma é diferente contigo a segurando. [...] A arma já
não é a arma-no-arsenal ou a arma-na-gaveta ou a arma-no-bolso, mas a
arma-em-tua-mão apontando para alguém que grita. [...] O bom cidadão se
converte em um criminoso, um garoto mau se converte em um garoto pior,
uma arma calada se converte em uma arma disparada, uma arma nova se
converte em uma arma usada, uma arma esportiva se converte em uma arma
de fogo. O idêntico erro de materialistas e sociólogos é partir das essências,
as dos sujeitos ou as dos objetos. Esse ponto de partida faz com que seja
impossível medirmos o papel mediador das técnicas. (LATOUR, 1998b, p.
254, tradução nossa).
A arma modifica seu portador, ao mesmo tempo em que ele modifica a arma. Desse
modo, a responsabilidade por uma ação (como a de atirar em alguém) deve ser compartilhada
entre os diferentes actantes nela envolvidos. Essa interferência é o primeiro significado de
mediação.
Assim como os membros da NRA e os militantes pró-desarmamento, na linguagem
cotidiana, frequentemente nos referimos às nossas ações destacando o protagonismo de
apenas um ator. Dizemos, por exemplo, que voamos de uma cidade a outra, mas, obviamente,
não somos nós que voamos, tampouco são os aviões. Segundo Latour (1998b, 2001), são as
companhias aéreas que voam, afinal, voar é uma propriedade da associação de diversos
elementos heterogêneos, que inclui aeroportos, passagens, controladores aéreos, guichês de
check in, pistas de decolagem etc. Sendo assim, o segundo sentido de mediação proposto pelo
autor refere-se ao fato de a ação não ser uma propriedade dos humanos, mas uma decorrência
da associação entre actantes. Em suas palavras: os papéis “atoriais” provisórios podem ser
atribuídos aos actantes somente porque esses últimos “[...] se encontram em um processo de
intercâmbio de competências, oferecendo uns aos outros novas possibilidades, novas metas,
36
novas funções. Sendo assim, a simetria vale tanto no caso da fabricação como no do uso.”
(LATOUR, 1998b, p. 257, tradução nossa).
De acordo com o autor, nossa dificuldade em medir o papel mediador das técnicas
reside, sobretudo, no fato de as ações que tentamos qualificar estarem “caixanegrizadas”, ou
seja, estarem sujeitas a um processo que torna opaca a produção conjunta dos atores e dos
artefatos. Quando pensamos, por exemplo, em um avião, dificilmente nos lembramos dos
inúmeros (e complexos) mediadores que possibilitaram sua construção e que, hoje, permitem
seu funcionamento. Agrupamos sob o rótulo “avião” engenheiros(as), pilotos, fórmulas
matemáticas, motores, incentivos públicos, interesses comerciais, comissários(as) de bordo,
acordos internacionais, combustíveis etc. Essa dobra no tempo e no espaço provocada pela
“caixanegrização” é o terceiro sentido de mediação proposto por Latour (1998b, 2001).
A quarta definição é, segundo o autor, a mais importante, uma vez que subsume as
outras três. Sua proposição central é que os processos de mediação atravessam os limites entre
os signos e as coisas e, para exemplificá-la, Latour (1998b, 2001) nos conta o exemplo de um
quebra-molas. Na maioria dos casos, esse artefato tecnológico é eficaz para diminuir o
número de acidentes de trânsito, no entanto sua eficácia não é, necessariamente, uma
decorrência desse propósito. Afinal, muitas vezes, a meta inicial do condutor é traduzida: de
“reduza a velocidade para proteger os pedestres”, passa a ser “dirija devagar para proteger a
suspensão do seu carro”.
A transformação de condutores imprudentes em condutores disciplinados depende,
também, de outra tradução: ao invés de placas de sinalização e advertências, usa-se cimento e
asfalto. Para falar desse processo, temos de usar uma noção de tradução que seja capaz de não
somente absorver uma mudança na definição das metas e das funções, mas que possa,
também, gerar uma mudança no próprio fundo daquilo que se expressa. Afinal, o programa de
ação dos engenheiros – “conseguir que os condutores reduzam a velocidade no campus” – se
articula agora com o cimento (LATOUR, 1998b). Para Latour, a melhor palavra para
expressar essa articulação não é “objetivar”, “realizar”, “materializar”, “reificar” ou “gravar”,
pois todas essas palavras remetem a um agente humano “todo-poderoso” que impõe sua
vontade à matéria informe – e os não humanos também atuam, deslocam metas e contribuem
para sua redefinição.
Fernanda Bruno (2010, p. 11), de certo modo, resume os quatro sentidos de mediação
propostos por Latour (2001, 1998b) ao dizer que essa expressão refere-se ao “[...] processo de
criação de elos entre dois agentes constituindo um composto híbrido que não existia antes e
que desloca os objetivos, funções e intenções previamente estabelecidos.” Sendo assim, nas
pesquisas que seguem os caminhos da TAR, a ação é entendida como
Para Latour (2008), esse enfoque dado a mediadores que traduzem – e não a
intermediários que reproduzem – relações constitui a principal divergência entre a Sociologia
proposta pela TAR e correntes mais tradicionais, tal como a durkheiniana.
indispensável para a compreensão da maioria das situações, uma vez que oferece uma
conveniente taquigrafia para designar fenômenos relativamente estáveis e já aceitos pelo
coletivo (tais como distribuição de renda, emissão de CO2, divisões territoriais etc.).
Entretanto, sustenta que, em situações em que são incertas as fronteiras entre grupos e em que
há uma grande variedade de entidades a considerar, ela não é capaz de rastrear as novas
associações. Sendo assim,
É importante destacarmos que essas duas formas diferentes de Sociologia não são
novas, elas existem desde Gabriel Tarde e Émile Durkheim. O primeiro acusava o segundo de
ter abandonado a tarefa de explicar a sociedade, confundindo causa e efeito, substituindo a
compreensão do vínculo social por um projeto político que apontava para a engenharia do
social. Para Tarde, o social não era um domínio especial da realidade, mas um princípio de
conexões, sendo assim, não havia motivo para separar “o social” de outras associações (como
os organismos biológicos ou os átomos). Além disso, considerava o social como um fluído
circulante que devia adotar novos métodos e não constituir um organismo novo34.
Uma das principais divergências entre as duas formas de pensamento reside no fato de
a Sociologia do Social considerar que existe um contexto social em que se dão as atividades
não sociais e este contexto pode ser usado para explicar as causas de fenômenos residuais que
34
Apesar de não aceitar todas as expressões idiossincráticas de Tarde, Latour (2008) afirma que o autor,
juntamente com Harold Garfinkel, foi um dos principais predecessores da TAR, afinal, “as duas tradições podem
reconciliar-se facilmente, sendo a segunda simplesmente o recomeço da tarefa que a primeira acreditou estar
cumprida cedo demais. Os fatores reunidos no passado sob a etiqueta “domínio social” são simplesmente alguns
dos elementos a serem reunidos no futuro naquilo que chamarei não uma sociedade mas um coletivo.” (p. 30,
grifo do autor, tradução nossa).
39
outros domínios do saber (tais como a Psicologia, o Direito, a Economia e a Linguística) não
conseguem explicar completamente; enquanto que a Sociologia das Associações sustenta que
tal contexto não existe – afinal, seguindo o princípio da simetria generalizada, não devemos
tratar de formas distintas “a natureza” e “a sociedade”, o “texto” e o “contexto”. Além disso,
nesta “teoria”, os fenômenos residuais não podem ser explicados por forças sociais. São as
agregações sociais que devem ser explicadas pelas associações específicas formadas pela
Psicologia, Economia, Linguística, Direito etc.
Entretanto, dizer que não existe um contexto não significa dizer que nossas ações
sejam totalmente autônomas. Muito pelo contrário, se pensarmos, por exemplo, no caso de
um “jovem em conflito com a lei”, poderíamos dizer que algumas correntes da Sociologia e
da Psicologia Social35 atribuiriam suas infrações ao contexto ou ao ambiente (promíscuo e
desregrado) em que ele está inserido. Ou seja, diriam, por exemplo, que tal jovem cometeu o
crime por que vive em uma favela, onde não tem uma estrutura familiar e educacional
adequada. Nessa perspectiva, o contexto é dado como algo pronto, inquestionável, como se
fosse um domínio da realidade capaz de explicar por que esse jovem age de uma determinada
maneira e não de outra. Já nos trabalhos da TAR, tal domínio não existe. Entretanto, existem
atores que nos fazem fazer coisas: o olho roxo da mãe, a escola, a rua, os amigos, a fome, as
drogas, o tênis Nike de R$500 e o traficante são considerados parte da rede de relações desse
jovem, ou seja, essas materialidades e pessoalidades afetam o jovem ao mesmo tempo em que
seriam afetadas por ele.
Como dissemos anteriormente, afetar não significa causar ou controlar totalmente uma
ação, sendo assim, não devemos fazer confluir todas as forças que se apoderam da ação em
algum tipo de agência – como contexto, sociedade, cultura, campo, estrutura etc. – que seria
social.
35
Sobretudo as correntes mais tradicionais, nas quais a ideia de contexto aproxima-se da noção de fato social –
entendendo por fatos sociais as realidades em si, que independem de consciências individuais e que são dotadas
de uma força imperativa e coercitiva, em virtude da qual se impõem (DURKHEIM, 1974/1993). De acordo com
Nielsen (2007), a noção de fato social é comumente associada à Durkheim e a sua escola, no entanto, “outras
teorias sociais além da órbita durkheiniana, também enfatizaram o papel das condições sociais objetivas ou dos
fatos sociais. Teóricos sociais marxistas enfocaram os modos por meio dos quais forças e relações sociais de
produção confrontam indivíduos enquanto condições objetivas de existência. Marx argumentou que indivíduos
fazem a história, mas o fazem sob condições que independem de sua própria vontade. Para Marx, a existência
social determina a consciência. Indivíduos são primeiramente vistos como representantes de classes sociais ou
personificações de forças econômicas objetivas.” (p. 4415, tradução nossa). Segundo Nielsen, além do
marxismo, outras teorias também compartilham essa ideia de realidade objetiva que influencia nossos
comportamentos, tais como a de Talcott Parsons, Kingsley Davis, Wilbert Moore, Robert K. Merton, Levi-
Strauss, entre outros.
40
A ação deve seguir sendo uma surpresa, uma mediação, um evento. É por
esse motivo que aqui novamente devemos começar, não pela „determinação
da ação pela sociedade‟, „as capacidades calculadoras dos indivíduos‟ ou „o
poder do inconsciente‟ como faríamos comumente, mas sim pela
subdeterminação da ação, as incertezas e controvérsias a respeito do que
atua quando “nós” atuamos, é claro que não há maneira de dizer se essa
fonte de incerteza reside no analista ou no ator. (LATOUR, 2008, p. 72,
tradução nossa, grifo do autor).
Entretanto, o fato de não sabermos ao certo qual é a origem de uma ação não significa
que devemos sair à procura de um impulso social oculto ou de um inconsciente que a
explique. Pelo contrário, devemos buscar identificar todos os rastros que manifestam as
incertezas dos próprios atores a respeito dos “impulsos” que os fazem atuar. Sendo assim, a
sociedade não explica nossas ações – ela é apenas “[...] um dos muitos elementos de conexão
que circulam dentro de canais diminutos.” (LATOUR, 2008, p. 18, tradução nossa). Além
disso, o social não é o cimento da sociedade, mas sim aquilo que está cimentado, colado por
muitos outros conectores; e o papel do cientista social é o de rastrear essas associações.
Neste significado do adjetivo, social é “[...] um tipo de relação entre coisas que não
são sociais em si mesmas.” (LATOUR, 2008, p. 19, tradução nossa, grifo do autor). Ou seja,
não é um domínio da realidade ou algum artigo em particular, pelo contrário, é um
movimento, uma transformação, um deslocamento, uma tradução. Em outras palavras, social
é o nome de um tipo de associação momentânea que se caracteriza pela maneira em que
reúnem e geram novas formas36.
Para melhor explicar as diferenças entre essas duas definições de social, Latour (2008)
afirma que, se os sociólogos tradicionais tivessem de organizar um supermercado imaginário,
eles colocariam todos os “vínculos sociais” em uma prateleira e as conexões “materiais”,
“biológicas”, “psicológicas” e “econômicas” seriam dispostas em outros corredores. Um(a)
analista da TAR, por sua vez, não chamaria de social uma estante ou corredor específico, mas
sim as várias modificações na organização das mercadorias (sua etiquetação, seu
empacotamento, a definição de seu seus preços etc.), pois essas trocas mínimas permitem que
36
Neste ponto, a Sociologia das Associações aproxima-se da Etnometodologia. Afinal, nesta teoria, a ordem
social também não é algo dado, mas o resultado de uma prática contínua em que atores, ao interagirem, elaboram
regras ad hoc para coordenar suas atividades. No entanto, segundo Latour (1998b), a Etnometodologia considera
que “tudo depende das interações locais e práticas em que estamos implicados nesse momento” (p. 279, tradução
nossa), ao passo que, para o autor, não existe tal coisa como a interação local e absoluta. Em suas palavras:
“nenhuma relação humana existe em um marco homogêneo no que se refere ao espaço, ao tempo e aos actantes.
[...] A sociedade é o resultado de uma construção local, mas não estamos somente no lugar da construção, já que
ali também mobilizamos muitos não humanos por meio dos quais foi possível reconstruir a ordem do espaço e
do tempo.” (p. 280, 281, tradução nossa).
41
o observador veja que novas combinações estão sendo exploradas e quais caminhos foram
tomados.
Além de definir o social como um movimento, uma transformação, a TAR utiliza uma
definição performativa de agrupamentos sociais. Enquanto que para a Sociologia do Social os
grupos são dotados de certa inércia, já que a regra é a ordem e as exceções são a
decomposição, a criação e a mudança, para a TAR, os agrupamentos são mantidos somente
quando há esforço de formação de grupo, ou seja, se deixam de fazer e refazer os grupos, eles
deixam de existir. Nesse caso, a regra é a atuação e o que deve ser explicado é a exceção, ou
seja, qualquer tipo de estabilidade em longo prazo e em escala maior. O que é pano de fundo
para uma é foco para outra.
Sendo assim, na proposta latouriana, não existe nenhuma sociedade nem reserva de
vínculos, nem frasco de cola que mantém grupos unidos. Se, por exemplo, deixamos de
publicar livros e artigos sobre Psicologia Social e se extinguimos todos os seus cursos, seus
programas de pós-graduação, seus congressos e seminários, essa área do conhecimento deixa
de existir. Ela precisa ser atuada, performada – ou, como diria Annemarie Mol (2002),
enacted – para que continue existindo.
Além de definir os vínculos sociais de forma ostensiva (ou seja, não performativa), a
Sociologia do Social não considera o ponto de partida da análise como crucial. Para essa
corrente, existe um mundo social pré-determinado, sendo assim, um(a) pesquisador(a) pode
destacar as classes ao invés de indivíduos, as nações ao invés de classes, as trajetórias
pessoais ao invés de papéis sociais ou as redes sociais ao invés das organizações e,
independentemente do caminho escolhido, chegará ao mesmo lugar. Isso se dá pois esses
caminhos são apenas formas arbitrárias de olhar para o mesmo fenômeno. Já para os autores e
autoras da TAR, nem o social nem a sociedade estão dados a priori: é preciso recorrer às
mudanças sutis produzidas ao conectar recursos não sociais. Dessa forma, cada ponto de
partida levará a uma análise diferente. Em outras palavras, a primeira corrente considera que
“a sociedade está sempre ali, colocando todo seu peso em qualquer veículo que possa levá-la;
no segundo enfoque, os vínculos sociais têm que ser rastreados seguindo a circulação de
distintos veículos que não podem substituir-se entre si.” (LATOUR, 2008, p. 59, tradução
nossa, grifo do autor).
Sendo assim, nesta tese, partimos do pressuposto de que a palavra social não pode
substituir coisa alguma e nem é a medida comum de todas as coisas. Ela refere-se somente a
um movimento que pode ser apreendido indiretamente quando há uma pequena mudança em
uma associação mais antiga que se transforma em uma ligeiramente mais nova ou diferente. O
42
social é, aqui, um fluido visível somente quando novas associações são criadas. Ou seja, ele é
como nossos sentidos: se segurarmos um objeto por muito tempo, sem nos mexermos,
deixaremos de percebê-lo e de senti-lo; assim como se não há associações novas, não há
maneira de sentir que se está fazendo algo. Para renovar a sensibilidade às relações sociais,
não devemos procurar “[...] manter unidos com a maior firmeza possível, o maior tempo
possível, elementos que [...] estão feitos de uma matéria homogênea.” (LATOUR, 2008, p.
228, tradução nossa) – como fazem os sociólogos e sociólogas do social. Devemos, ao invés
disso, tratar de investigar as controvérsias “[...] sobre a variedade de elementos heterogêneos
que podem estar associados. Em um caso, temos uma ideia aproximada do que está feito o
mundo social, está feito „de‟ ou „com‟ o social; no outro, devemos sempre começar por não
saber do que está feito.” (LATOUR, 2008, p. 228, tradução nossa, grifo do autor).
Em outras palavras, na Sociologia tradicional, o social explica o social; enquanto que,
em uma pesquisa da TAR, é preciso detectar as associações que precisam ser constantemente
reorganizadas para que se possa reunir novamente um coletivo37 que se vê ameaçado pela
irrelevância. A primeira busca percorrer o espaço que vai dos sujeitos às estruturas sociais; já
a segunda busca atravessar espaços que não estão nem no indivíduo, nem na sociedade, mas
que estão nas transformações, nos movimentos – sendo que esses movimentos dependem da
natureza dos vínculos e da capacidade que lhes atribuímos de fazer ou não existir os sujeitos
vinculados. Sendo assim, às ciências voltadas para as liberdades ou determinações, se opõem
às ciências dos fe(i)tiches38, dos meios, das mediações, dos bons e dos maus vínculos
(LATOUR, 2000a).
37
Latour (1998b, 2008) sugere a substituição da viciada palavra “sociedade” pelo termo “coletivo” – definido
pelo autor como um intercambio de propriedades humanas e não humanas em um corpo coorporativo.
38
Fe(i)tiche é a tradução feita por leitores brasileiros da TAR para o trocadilho “fa(i)tiche”, criado por Latour e
usado em diversos textos, principalmente no “Culto Moderno dos Deuses Fe(i)tiches” (LATOUR, 2002). Esse
trocadilho refere-se a algo que é ao mesmo tempo um fato (fait) e um fetiche (fétiche), ou seja, que é real ao
mesmo tempo em que é produzido por nós.
43
CAPÍTULO 2
A NOÇÃO DE MULTIPLICIDADE: DEFINIÇÃO E
IMPLICAÇÕES
46
[...] reflete e refrate um mundo que, de modo significativo, não pode ser
totalmente compreendido como um conjunto específico de fenômenos
determinados. Este é o ponto crucial: o que é importante no mundo,
incluindo suas estruturas, não é simplesmente tecnicamente complexo. Ou
seja, eventos e processos não são simplesmente complexos no sentido de que
é tecnicamente difícil compreendê-los (apesar de, sem dúvida, este ser
frequentemente o caso). Ao invés disso, eles são complexos porque eles
necessariamente excedem nossa capacidade de conhecê-los. (LAW, 2008, p.
6, tradução nossa, grifo do autor).
O mundo, tal como propõe Law (2008), seria, assim, um fluxo – ao mesmo tempo
amorfo e generativo – de forças e relações. Ou seja, ele não seria uma estrutura, passível de
ser mapeada por meio dos gráficos e diagramas das Ciências Sociais; mas um turbilhão,
repleto de correntes, redemoinhos, vórtices, mudanças imprevisíveis, tempestades e
momentos de calmaria39.
Pensar a Psicologia Social brasileira a partir dessa proposta implicaria, assim, tratá-la
como algo que está em constante transformação, que está sempre sendo traduzido em novas
ontologias, novos saberes, novas formas de atuação. Algo que, às vezes, parece ser definido,
organizado e singular; e que em outros momentos (e em outros lugares) mostra ser algo
confuso, desorganizado e múltiplo.
Ao folhearmos, por exemplo, as primeiras páginas do clássico livro “Psicologia
Social”, de Aroldo Rodrigues (1972), provavelmente teremos a impressão de que, de fato, há
uma Psicologia Social brasileira. Afinal, ele afirma que “a Psicologia Social estuda as
manifestações comportamentais suscitadas pela interação de uma pessoa com outras pessoas,
39
A proposta metodológica de Law (2008) tem como principais antecedentes a Filosofia da Ciência, o
Romantismo Filosófico e o Pós-Estruturalismo. A partir dessas influências, o autor afirma querer livrar-se da
ideia moralista de que somente aqueles que usam métodos corretos levam uma vida de pesquisa saudável, ou
seja, ele busca livrar-se da ideia de que alguém pode descobrir verdades específicas com as quais toda pessoa
razoável pode, ao menos temporariamente, concordar. Além disso, ele busca desfazer-se daquilo que chama de
„singularidade‟: “a idéia de que de fato há conjuntos de processos definidos e determinados, conjuntos de
processos singulares, a serem descobertos somente se você leva uma vida de pesquisa saudável.” (p. 9, tradução
nossa). Também quer desfazer-se de uma ideia particular de política: a que diz que só tem relevância política os
trabalhos que abordam fenômenos determinados (como gênero, classe, etnia, entre outros).
47
ou pela mera expectativa de tal interação.” (p. 3, grifo nosso). No entanto, se pegarmos o
livro-texto escrito por Strey e colaboradores (1998/2007), perceberemos que a Psicologia
Social pode também ser outra coisa: uma área do conhecimento que se preocupa com a
relevância e a aplicabilidade do saber que produz e que busca responder às questões sociais
específicas do contexto brasileiro. Rodrigues (1972) fala de uma Psicologia Social, Strey e
colaboradores (2007) falam de outra. Ou seja, esses livros não se referem a perspectivas
diferentes sobre o mesmo objeto, mas a objetos diferentes.
Tal como propõe Mol (1999, 2002), nesta tese, buscamos adotar uma postura não
perspectivista de nosso objeto de estudo. Sendo assim, não nos referimos à Psicologia Social
como um objeto singular e definido, que pode ser olhado, interpretado e analisado de diversos
ângulos e perspectivas, mas como algo que pode ser feito, construído e performado de
maneiras diferentes.
Para a autora, o perspectivismo teve o mérito de fugir da versão monopolista de
verdade, uma vez que admitia que diferentes saberes (“verdadeiros”) podiam ser construídos
acerca de um mesmo objeto. Em suas palavras, o perspectivismo “[...] multiplicou os olhares
dos observadores. Fez com que cada par de olhos olhando através de sua própria perspectiva
se tornasse uma alternativa a outros olhos.” (MOL, 1999, p. 76, tradução nossa). No entanto,
ele não multiplicou a realidade. O que fez foi criar uma versão “pluralista” do mundo,
admitindo a existência de diferentes perspectivas – que se excluíam mutuamente ou que
conviviam lado a lado – sem, contudo, multiplicar o objeto. Este, por sua vez, permanecia
somente olhado, “como se estivesse no meio de um círculo. Uma multidão de rostos
silenciosos agrupados em sua volta. Eles parecem conhecer o objeto por meio somente de
seus olhos. Talvez tenham ouvidos que ouvem. Mas ninguém nunca toca o objeto.” (MOL,
2002, p. 12, tradução nossa). Assim, podemos dizer que a principal crítica que a autora faz ao
perspectivismo é que ele enfoca as interpretações e não o objeto que está sendo interpretado:
em um mundo de significados, as palavras são relacionadas aos lugares em que são faladas e,
muitas vezes, o objeto sobre o qual falam acaba esquecido.
Para fugir do perspectivismo, Mol (2002) afirma que devemos colocar em primeiro
plano as materialidades, eventos e práticas que fazem um objeto. Em seu estudo sobre o
diagnóstico e tratamento de arteriosclerose em um hospital holandês (a que ela chama de
48
“Hospital Z”), a autora faz isso por meio de diferentes métodos: acompanha consultas e
exames clínicos, conversa com médicos e técnicos, lê textos acadêmicos, participa de
conferências sobre o tema, entrevista pacientes etc. Ou seja, ela percorre diferentes setores do
hospital, pois uma doença como a arteriosclerose não é feita por uma única pessoa, em um
único lugar. Afinal, para fazer um diagnóstico, não basta haver um médico, é preciso que haja
também um paciente disposto a colaborar com o médico, dizer onde dói, quando dói. É
preciso fazer exame clínico, medir pulsação, temperatura, oxigenação... Ou seja, diversas
pessoas e coisas possibilitam que eventos ocorram: palavras, papéis, salas, sistemas de saúde
etc. Há uma lista infindável de elementos heterogêneos que o pesquisador, dependendo de
seus objetivos, pode destacar ou deixar em segundo plano.
“Você vê, aquilo é uma veia, isso aqui, não é exatamente um círculo, mas
quase” [...] Ele moveu o ponteiro para o centro do círculo. “Aquilo é o
lúmen. Há células sanguíneas dentro dele, você vê. Isso só acontece quando
um lúmen é pequeno. Caso contrário, elas vão embora ao serem lavadas
durante a preparação. E aqui, em volta do lúmen, esta primeira camada de
células, isto é o intima. Está grosso. Oh, wow, não está grosso! [...] Veja.
Agora é sua arteriosclerose. Aqui está. Um espessamento do intima. Isso é
realmente o que ela é”. E então ele complementa, após uma pequena pausa:
“sob um microscópio”. (MOL, 2002, p.30, tradução nossa).
Nesta tese, buscamos seguir a proposta de Mol (1999, 2002) e focar as práticas que
fazem a Psicologia Social brasileira, sem esquecermo-nos de que essas práticas dependem de
uma série de elementos heterogêneos, tais como docentes, livros, programas de pós-
graduação, associações, diários de campo, laboratórios, famílias de desempregados, conceitos,
metodologias etc. Todos esses atores (e muitos outros) fazem a Psicologia Social em nosso
país.
A despeito de usarmos o verbo “fazer” para se referir a esse processo, Mol (2002) nos
adverte que ele pode gerar certa confusão. Pode fazer crer que psicólogos(as) de fato
constroem a Psicologia Social, que eles(as) juntam materiais e que essa junção sai para o
mundo como se tivesse vida própria. A fim de evitar essa conotação, a autora prefere usar
uma metáfora teatral e falar em “performar”40 ao invés de “fazer” ou de “construir”41. Uma
das vantagens dessa metáfora é que ela dá a ideia de que pode existir (mas não
necessariamente) um “roteiro” para fazer Psicologia Social – mas o modo em que o roteiro é
encenado depende do local e do momento da encenação; em alguns casos, pode até mesmo
acontecer de os atores decidirem deixá-lo de lado e “improvisar”. Além disso, nessa metáfora,
40
A despeito Mol falar em performance (sobretudo em textos anteriores, como MOL, 1999; MOL, 1998; MOL,
BERG, 1998, entre outros), sua obra não constitui uma versão atualizada da sociologia dramatúrgica de Goffman
(1975). Afinal, de acordo com Law (2008), “Goffman distingue entre representações do eu de um lado, e de
outro, o eu [self] como uma realidade escondida e que produz essas representações. Mas isso é precisamente o
que Mol está tentando evitar. Seu argumento está muito mais próximo a escritos recentes da filosofia, sociologia
e história da performance que enfatizam a performatividade do enactment do que da proposta de Goffman.” (p.
56, tradução nossa, grifos do autor).
41
A palavra construção sugere que objetos não são previamente determinados e que suas identidades são
gradualmente construídas no decorrer da história. No entanto, segundo Mol (2002), este termo apresenta um
problema: pode sugerir que “durante suas infâncias instáveis, suas identidades tendem a ser altamente
contestadas, voláteis, abertas à transformação. Mas uma vez que crescem, os objetos são considerados estáveis.”
(p. 42, tradução nossa). Dito de outro modo: histórias que falam da construção de algo sugerem que as coisas
poderiam não ser como são, ou seja, sugerem que, no passado, várias realidades eram possíveis, mas uma acabou
prevalecendo. Desse modo, para a autora, assim como o perspectivismo, esta postura é pluralista – com a
diferença que desta vez a pluralidade é projetada no passado. Podem ter existido possibilidades diferentes, mas
essas possibilidades acabaram. “Os perdedores perderam.” (MOL 1999, p. 77, tradução nossa). A vantagem da
noção de enactment é que ela não possui essa conotação de estabilidade. Ao contrário, sugere que “como sujeitos
(humanos), objetos (naturais) são enquadrados como parte de eventos que ocorrem e peças que são encenadas.
Se um objeto é real é porque ele é parte de uma prática. É uma realidade enacted.” (MOL, 2002, p. 44, tradução
nossa). Temos de destacar que muitos autores que adotam uma postura construcionista (como, por exemplo,
GERGEN, 1985, IÑIGUEZ, 2003, SPINK, M. J., 1999, 2004) não partem da concepção de construção descrita
por Mol (1999, 2002), afinal consideram que o mundo está constantemente sendo construído e transformado – e
o presente é apenas uma etapa desse processo. Para esses autores “[...] uma construção social não participa da
metáfora arquitetônica de um edifício que, uma vez construído, se mantém por si só. O socialmente construído
não só foi construído por determinadas práticas sociais, mas essas práticas o mantém de forma dinâmica,
incessantemente.” (IBÁÑEZ, 1996, p. 67, tradução nossa).
50
os objetos de cena são tão importantes quanto as pessoas, afinal, são eles que montam o
“cenário” da história.
No entanto, a palavra “performar” também apresenta desvantagens: pode sugerir que
existem “bastidores” nos quais a verdadeira realidade se esconde, ou que uma tarefa precisa
ser cumprida para dar conta de uma situação difícil. Pode, também, sugerir que o que está
sendo feito aqui e agora tem efeitos que vão além desse momento – efeitos performativos42.
Para evitar essas conotações, a autora prefere utilizar uma palavra que não sugere tanto e que
não tem tanta história acadêmica: o verbo enact43. “É possível dizer que objetos são enacted
nas práticas. Isso sugere que atividades acontecem – mas não especifica quem são os atores.”
(MOL, 2002, p. 32, 33, tradução nossa, grifo da autora). Além disso, sugere que, durante a
ação, e somente neste lugar e neste momento, algo é – é enacted44.
42
Para Mol (2002), uma ação enact um objeto somente no momento e no local em que ela acontece. Desse
modo, para que um objeto continue a existir, é preciso que haja práticas que o re-enact. Assim, se Austin (1962)
observa que a frase “sim, aceito esta mulher como minha legítima esposa” vai além de uma simples descrição,
pois formaliza uma relação conjugal, Mol diria que, para que essa relação continue existindo, é preciso, por
exemplo, que, após o casamento, o marido se refira à mulher como “minha esposa”, que, ao fornecer dados sobre
seu estado civil, ambos escolham a opção “casados”, que eles não se divorciem etc.
43
Optamos por manter o termo em inglês pois tivemos dificuldade de encontrar uma tradução adequada. Em
alguns dos textos que trabalham com a obra de Mol (2002), o verbo enact aparece traduzido como “fazer existir”
(MORAES; MONTEIRO, 2010); em outros, ele é sinônimo de “realizar” (MORAES; ARENDT, 2010). No
entanto, optamos por não adotar tais expressões a fim de evitar as conotações de intencionalidade e construção
que ambas podem sugerir – afinal, de acordo com o Dicionário Houaiss (HOUAISS; VILLAR, 2001), o verbo
“realizar” significa, entre outras coisas, “criar, produzir a partir de um plano, um projeto [...] cumprir seu ideal
ou meta de vida [...]” (p. 2392); enquanto que o verbo “fazer” pode se referir ao ato de construir, de “[...]
aprontar antecipadamente para determinada finalidade, uso ou atividade; preparar [...]” (p. 1316). Leitores
brasileiros de Maturana e Varela (ARENDT, 2000; BOUYER, SZNELWAR, 2007; KASTRUP, TSALLIS,
2009, entre outros), por sua vez, costumam traduzir o substantivo enactment como “enação”, no entanto,
atribuem um significado distinto ao termo. Para eles, enação refere-se à ação perceptivamente orientada – tanto
que Maria Teresa Guerreiro (apud VARELA, 1994), uma de suas tradutoras, justifica o uso desse termo
afirmando que tal neologismo busca preservar a proximidade entre “ação” e “ator”. Para não causar um mau-
entendimento de nossa proposta, optamos por não utilizar essa expressão – afinal, para Mol (2002), uma das
principais vantagens do termo “enact” é justamente o fato de que ele nos permite focar a ação, deixando vaga a
definição dos atores nela envolvidos. Também não encontramos em dicionários uma tradução que nos parecesse
adequada. No Webster´s Dicionário Inglês-Português (HOUAISS et al., 2007, p. 251), por exemplo,
encontramos as seguintes traduções: “decretar, sancionar, promulgar, ordenar, dar força de lei a, converter em lei
(um projeto); desempenhar o papel de (no teatro e na vida)”, mas nenhuma parecia se referir ao verbo tal como é
utilizado por Mol (2002).
44
De acordo com Mol (2002), participaram do desenvolvimento da noção de enactment conceitos e ideias
discutidos anteriormente por outros autores, tais como a dissolução de dicotomias. (LATOUR, 1994b;
BARKER, 1982; STRATHERN, 1992; HARAWAY, 1991); a metáfora teatral de Goffman (1975), a crítica à
oposição entre superfície aparente e realidade profunda (BUTLER, 1990), a noção de performance
(HIRSCHAUER,1993; HACKING, 1983), o rechaço à ideia de realidade estável (LATOUR; WOOLGAR,
1997), entre outros. Esses autores, “[...] de uma maneira ou de outra, começaram a explorar a possibilidade de
que haja um tráfego em duas mãos entre os enactments de um lado e realidades de outro.” (LAW, 2008, p. 56,
tradução nossa).
51
Dizer que objetos são enacted nas práticas não significa dizer que eles sejam passivos
– afinal, como dissemos no capítulo anterior, eles agem e, ao mesmo tempo, são alvos da ação
dos outros. No entanto, pensar que objetos são enacted em diferentes versões implica admitir
que eles também agem de diferentes maneiras45. E, uma vez mais, eles agem, mas não agem
sozinhos: objetos só agem se há outras entidades (instituições, pessoas, instrumentos,
dispositivos de inscrição etc.) colaborando com eles (LAW; MOL, 2008).
De acordo com Law (2008), enactments e práticas nunca param de acontecer e as
realidades dependem disso para que continuem existindo. Os objetos nunca chegam a estar
“rotinizados” em uma solidez rígida – podem até acontecer fechamentos práticos, como
concluir, em um determinado momento e circunstância, que um paciente sofre de severa
arteriosclerose, mas não há fechamentos gerais. “E se as coisas parecem solidas, anteriores,
independentes, definidas e singulares é, talvez, porque elas estão sendo enacted e re-enacted, e
re-enacted nas práticas. Práticas que continuam. E práticas que são também múltiplas.” (p. 56,
tradução nossa).
Nessa maneira de pensar, os objetos não são simplesmente construções históricas, mas
possuem, também, um presente complexo – um presente no qual suas identidades são frágeis
e podem variar de um lugar ao outro. As práticas que enact a arteriosclerose no consultório
clínico e no laboratório de patologia, por exemplo, são diferentes. E mais, elas se excluem
mutuamente. No primeiro, o médico sente pulsações, ouve relatos dos pacientes, mede
temperatura dos pés... No laboratório, não há pulsação, não há reclamações de dor, nem
temperatura para ser medida. O que há é um pé com alguns centímetros de perna, cuja artéria
deve ser cortada e colocada sob um microscópio. Se o lúmen estiver demasiadamente grosso,
se dirá que o paciente de fato tinha arteriosclerose. Da mesma forma que o patologista não
pode utilizar procedimentos clínicos para fazer o diagnóstico, o clínico não pode
simplesmente cortar um pedaço da perna do paciente para ver o que ele tem.
Entretanto, essa incompatibilidade não é resultado de uma dificuldade de traduzir
palavras de um departamento para o outro – cirurgiões e patologistas tendem a se entender
45
De acordo com M. J. Spink (2009), Mol utiliza o termo “versão” em uma de suas acepções na língua inglesa, a
de “account”. “Ou seja, trata-se da forma singular de relato feito por uma pessoa ou grupo, que incorpora um
ponto de vista. As versões, portanto, não são neutras, e podem existir múltiplas versões sobre um mesmo objeto
– humano ou não-humano. São artefatos lingüísticos incorporados a narrativas que são elos em cadeias
dialógicas que colocam sentidos polissêmicos em ação e, nesse movimento, performam os objetos a que se
referem.” (p. 113).
52
muito bem. Tampouco é uma questão de olhar a partir de diferentes perspectivas. Cirurgiões
sabem olhar através de microscópios e patologistas aprenderam como conversar com
pacientes vivos. A incompatibilidade é uma questão prática: refere-se a pacientes que falam
ou a partes do corpo seccionadas, a reclamações de dor ou a estimativas sobre o tamanho das
células. Na clínica e no departamento de patologia a arteriosclerose é enacted de modo
diferente – assim como são diferentes as Psicologias Sociais que são enacted em uma
empresa, em um hospital, em uma ONG ou em uma mesa de bar. Tal como veremos no
capítulo 3, as diferenças não estão somente nos olhares, preocupações e pontos de vista
dos(as) diferentes psicólogos(as) sociais, mas na própria Psicologia Social: ora ela é algo que
pode acontecer em qualquer lugar e em qualquer momento, ora existe somente dentro de um
enquadre pré-definido e controlado. Ora preocupa-se com práticas discursivas, ora seu foco
são processos inconscientes. Ora seu objetivo é transformar a realidade social, ora é produzir
conhecimento cientifico...
De acordo com Mol (2002), há certa economia em isolar os objetos das práticas nas
quais eles são enacted. Afinal, ao fazermos isso, podemos tratar os objetos como se fossem
realidades singulares, anteriores e independentes de nossas ações. Vários documentos oficiais,
manuais e textos introdutórios (como LANE, 1981; SILVA, 2005; ABRAPSO, 2002, entre
outros) fazem isso ao apresentar a Psicologia Social, como se, atualmente, existisse apenas
uma maneira de ela existir. Do mesmo modo, se conversarmos com um médico, ele
provavelmente dirá que a arteriosclerose é uma doença – que pode ser identificada por meio
de diferentes exames (duplex, angioplastia, exame patológico etc.) e ter diferentes formas de
tratamento (cirurgia, amputação, caminhadas etc.). Falará de uma doença da qual o paciente
padece antes de vir procurá-lo e que, com técnicas e tecnologias adequadas, pode ser
corretamente diagnosticada e tratada. Esse médico, provavelmente, tratará a arteriosclerose
como se ela tivesse uma realidade em si mesma, como se fosse uma única doença, que está
localizada dentro do corpo, mais precisamente, nas artérias. Ao fazer isso, ele tornaria
possível relacionar um relato de dor com uma artéria entupida, como se ambos se referissem a
um objeto comum – o primeiro seria o sintoma que aflora à superfície e o segundo seria a
causa oculta.
No entanto, de acordo com Mol (2002), se não desconsideramos as praticidades e
especificidades da realidade enacted, o quadro muda drasticamente. Se não ficamos “[...]
dentro dos confinamentos do corpo, mas [seguimos] por todo o hospital as várias práticas nas
quais a arteriosclerose é enacted, a topografia da relação entre patologia e clínica parece ser
53
completamente diferente.” (p. 37, tradução nossa). A patologia deixa de ser vista como aquilo
que está por trás das doenças e passa a ser vista como algo ulterior – afinal, só se sabe que o
lúmen da artéria está espesso depois de o médico ter feito o diagnóstico, de a cirurgia ter sido
realizada, de um pedaço do corpo do paciente ter sido seccionado e enviado ao departamento
de patologia para ser analisado sob um microscópio46. Na realidade enacted no hospital, a
clínica vem antes, é o começo e o que permite todo o resto.
Algumas vezes, os objetos da patologia e da clínica podem coincidir, como nos casos
em que um paciente que reclama de fortes dores ao caminhar é diagnosticado como tendo
arteriosclerose, tem a perna amputada e as análises patológicas mostram que o lúmen estava
mais espesso do que o “normal”. Mas, outras vezes, os objetos não coincidem. Pode
acontecer, por exemplo, de um paciente não sentir dor alguma e morrer e, após exames post
mortem, patologistas descobrirem que todas as suas artérias estavam calcificadas. Neste caso,
os objetos enacted na clínica e no laboratório não se sobrepõem e entram em conflito: uma
arteriosclerose é severa e poderia ter sido razão para tratamento, enquanto a outra não é grave
e ninguém nunca se preocupou com ela. “Nesses casos, os objetos da patologia e da clínica
não podem ser aspectos de uma mesma entidade: eles simplesmente não são a mesma coisa.
Eles são objetos diferentes.” (MOL, 2002, p. 46, tradução nossa).
Quando objetos que levam o mesmo nome não coincidem, tendemos a buscar
explicações para essa incoerência. Dizemos, por exemplo, que o paciente não sentia dor pois
sua doença se desenvolveu tão lentamente que seu metabolismo foi, aos poucos
“acostumando-se” com a falta de oxigenação nos membros inferiores. Mas, de acordo com
Mol (2002), ainda que encontremos explicações para as diferenças entre os objetos da
patologia e da clínica, não podemos apagá-las completamente, pois elas, inevitavelmente,
possuem uma consequência prática: “se dois objetos que possuem o mesmo nome entram em
conflito, na prática, um será privilegiado em relação ao outro.” (p. 47, tradução nossa). No
hospital, a clínica é sempre privilegiada, afinal, só se faz o diagnóstico, se o paciente for
consultado por um cirurgião vascular e queixar-se de dor ao andar.
Assim como não há apenas uma arteriosclerose, também não há apenas uma
Psicologia Social: há, por exemplo, uma que se diz comunitária, outra que se preocupa com
questões relacionadas à saúde, uma terceira que afirma atuar nas relações de trabalho, uma
quarta que tem fins clínicos... E se olharmos mais de perto cada uma dessas Psicologias
46
Na maioria dos casos atendidos no hospital no qual Mol (2002) fez sua pesquisa, este tipo de cirurgia não é
necessária, sendo assim, as artérias que recebem o diagnóstico de arteriosclerose nem sequer são analisadas
patologicamente. Nesses casos, a arteriosclerose é um pé frio, uma baixa oxigenação dos membros inferiores,
uma pressão arterial inferior à esperada etc.
54
Sociais, veremos que são cheias de contradições, que não são objeto singulares, que são,
também, múltiplas.
No entanto, dizer que a Psicologia Social é múltipla não significa dizer que suas
diferentes versões não estejam relacionadas; mas que ela é um objeto fractal, ou seja, que é
mais do que uma e menos do que muitas. Em outras palavras, significa dizer que ela não está
totalmente fragmentada e que suas várias versões mantêm alguma relação – afinal, há
programas de pós-graduação, uma associação de classe, disciplinas de graduação, manuais
introdutórios e até mesmo um título de especialista voltados à Psicologia Social. E mais,
significa dizer que essa singularidade não é dada a priori, mas é o resultado de todo um
trabalho de coordenação.
No capítulo 4, discutiremos como isso acontece, ou seja, apresentaremos algumas
práticas e estratégias que permitem com que diferentes Psicologias Sociais se somem, se
fundam, se conectem ou mantenham certa unidade. Como essas análises tiveram como
referência principal a pesquisa de Mol (2002) sobre os modos47 de coordenação de diferentes
arterioscleroses em um hospital holandês, consideramos relevante apresentá-la neste capítulo
“teórico”-metodológico. No entanto, é importante ressaltarmos que não buscamos generalizar
ou aplicar esses mecanismos ao caso da Psicologia Social brasileira, já que, ao fazer isso,
estaríamos separando nosso objeto de estudo das práticas que o enact. Buscamos apenas
apresentar os métodos e reflexões que serviram como ponto de partida para nossas análises.
47
É importante destacarmos que usamos a palavra “modos” sempre no plural. Afinal, de acordo com Moraes
(2011, p. 54), o sentido que a expressão “modos de ordenação” (ou de “coordenação”) abarca “[...] é o de um
verbo, uma ação a ser executada, a fim de fazer existirem certas realidades [...] num processo local, que exige
esforço e trabalho”. Sendo assim, não existe ordem, existem apenas ordenamentos, ordenações, ou melhor,
(co)ordenações. Muitas vezes atribuímos um sentido positivo à ordem. Dizemos, por exemplo, que nossas vidas
estão “em ordem” quando estamos felizes e satisfeitos. O termo “desordem”, por outro lado, frequentemente é
usado para se referir a um descuido ou a uma incompetência. No entanto, para Law (1994, p. 5), onde há
complexidade não pode haver ordem: ordens são ilusórias, “[...] mas até mesmo essas ilusões são exceções. Elas
não duram muito tempo. Seus efeitos são bastante limitados. E elas são o produto, o resultado, ou o efeito de
muito trabalho – trabalho que pode ocasionalmente estar – de forma mais ou menos bem sucedida – escondido
atrás de uma aparência de simplicidade ordenada.”
55
48
Em alguns textos (como MOL, 2002), a autora usa a expressão “coordenação” [coordination]; em outros
(como MOL, 2008), fala em “modos de ordenamento” [modes of ordering]. Nesta tese, optamos por utilizar o
primeiro termo, pois o prefixo “co” enfatiza o caráter relacional desses processos.
56
segundos, por sua vez, são examinados por meio de angioplastias e envolvem a aplicação de
contraste e uso de aparelhos de raios X. O primeiro exame mede a velocidade do sangue,
enquanto que as imagens produzidas pelo segundo mostram lumens venosos. Apesar de os
objetos dessas duas técnicas serem distintos, eles são tornados comparáveis. Na tese
defendida por um dos informantes de Mol (2002), um índice de 2.5 ou mais (medido pelo
duplex-scan) corresponderia a uma perda de 50% ou mais do lúmen arterial; um índice menor
que 2.5 corresponderia a uma estenose menor que 50% e a ausência de sinal corresponderia à
oclusão.
Em alguns casos, os dois exames apresentam resultados distintos, como, por exemplo,
quando o duplex-scan indica a presença de uma única estenose e a angioplastia mostra que há
várias. Quando isso acontece, geralmente, vale o que a angioplastia diz, afinal como é um
exame de imagem, ela permite “mostrar a realidade”. Segundo Law (2008), essa submissão é
um versão hierárquica da tradução.
Outra estratégia para lidar com as incoerências de um determinado objeto é a
distribuição. De acordo com Mol (2002, p. 87, tradução nossa), “[...] divergência não
necessariamente implica conflito ou consenso, pelo simples fato de que nem sempre há
necessidade de buscar um solo comum. Tensões podem também persistir de uma forma
pacífica.” Durante muito tempo, diferentes correntes dos Estudos das Ciências dedicaram-se a
compreender o que faz com que as controvérsias que permeiam o campo científico sejam
estabilizadas – ou, como diria Latour (2000b), buscaram entender como caixas-pretas eram
fechadas49. A discussão estava embasada no pressuposto de que é possível chegar a um ponto
final no qual controvérsias são eliminadas e diferenças são estabelecidas. Segundo Mol, essa
postura imitava o fechamento retórico de publicações acadêmicas, que são escritas como se
houvesse uma única realidade com a qual, ao final, todos deveriam concordar.
49
Latour (2000b) faz uso da expressão “caixa-preta” para se referir a todo conhecimento legitimado pela ciência,
de tal forma que ele se torna quase indiscutível. Ou seja, para se referir aos fatos que não questionamos ou que
assumimos como verdades absolutas.
57
Sendo assim, podemos dizer que distribuições separam aquilo que, se não fosse
separado, entraria em conflito. Durante o período que passou no Hospital Z, Mol (2002)
acompanhou diferentes formas de distribuição, como, por exemplo, a separação das
arterioscleroses enacted nas diferentes etapas do itinerário do paciente. Nesse hospital, a
decisão de operar ou não um paciente baseava-se, sobretudo, em suas queixas, no quanto a
doença afetava sua vida, na intensidade da dor etc. As imagens de raios X, responsáveis por
mostrar a situação do sistema circulatório (e que só eram feitas após a decisão de realizar a
operação), eram usadas meramente como mapas para encontrar o local exato da estenose
durante a cirurgia. Assim, no hospital Z, a arteriosclerose era tanto dor ao andar quanto uma
obstrução no lúmen venoso, mas não ambas no mesmo lugar: era dor no diagnóstico e uma
artéria entupida no tratamento. Ao serem separadas dessa maneira, essas duas versões da
arteriosclerose podiam coexistir “pacificamente”.
Segundo Mol (2002), o corpo múltiplo que resulta desse processo de distribuição não
se encaixa em um espaço euclidiano. Ele é diferente, por exemplo, do corpo dos livros-textos
de medicina, nos quais partes menores se unem para formar todos maiores (uma célula é parte
de um tecido, tecidos formam um órgão, órgãos compõem um corpo, corpos constituem uma
população, e populações são partes de um ecossistema). A despeito de haver controvérsias
sobre as características das relações entre as partes, esses materiais tendem a sempre tratar a
realidade como algo singular.
Não é fácil, por exemplo, dizer se a dor de um paciente ao caminhar é maior ou menor que
uma estenose de 70%. Dimensionamentos como esse são complicados – para não dizer
impossíveis – uma vez que não há nenhuma relação de transitividade entre dor e estenose.
De acordo com Mol (2002), diferentemente do que ocorre nos livros-textos, na prática,
a ontologia médica não é um agrupamento de objetos que estabelece uma classificação que
vai do pequeno ao grande. No entanto, isso não significa dizer que objetos não possam fazer
parte uns dos outros: quando um objeto é enacted, outro pode ser incluído nele, mas isso não
é uma questão de escala, pois essas inclusões podem ser recíprocas (A pode incluir B ao
mesmo tempo em que B inclui A). Em um mundo transitivo, com escalas e hierarquias fixas,
isso não é possível. “Mas, no mundo de objetos enacted no qual vivemos, essas coisas
acontecem. É até mesmo possível que objetos incluam uns aos outros, enquanto que,
simultaneamente, de diferentes maneiras, eles são incompatíveis.” (p. 121, tradução nossa)50.
A arteriosclerose de uma população, por exemplo, depende da variante da
arteriosclerose individual que ela inclui: epidemiologistas que consideram somente casos de
pacientes que foram internados obtêm dados diferentes daqueles que incluem em suas
pesquisas informações sobre todos os pacientes que receberam um diagnóstico positivo. E o
mesmo ocorre no sentido inverso: “os eventos que acontecem com indivíduos dependem e
variam de acordo com a „população‟ que eles, a sua vez, incluem. A maneira em que a doença
individual é enacted depende da epidemiologia.” (MOL, 2002, p. 130, tradução nossa, grifo
da autora). Os médicos do Hospital Z, por exemplo, decidem fazer ou não um exame
dependendo do perfil do(a) paciente, ou seja, dependendo do fato de ele(a) participar ou não
de um grupo que, estatisticamente, tem mais chance de desenvolver a doença.
50
Essa ideia de inclusão mútua aproxima-se da noção de conexões parciais trabalhada por autoras feministas,
como Dona Haraway (1991) e Marilyn Strathern (1991).
59
Mol (1998, 1999, 2002) – juntamente com outros autores da TAR e da semiótica –
multiplicou a ontologia. Disse que diferentes práticas enact objetos distintos. Mas se há várias
versões da realidade, qual(is) dela(s) queremos enact em nossas práticas como psicólogos e
psicólogas sociais? E o que está em jogo quando fazemos essas escolhas? Onde e em quais
situações podemos escolher? Essas questões têm a ver com o que a autora chama de política
ontológica51. Ou seja, têm a ver com o modo em que “o real” está implicado no “político” e
vice-versa.
Política ontológica é um termo composto: ele fala tanto de ontologia quanto de
política. A primeira palavra refere-se à definição do que pertence ao “real”, às condições de
possibilidade com as quais vivemos. Assim,
De acordo com Mol (1999), a realidade nunca foi considerada algo totalmente
imutável. A Tecnologia e a Política, por exemplo, sempre trabalharam com a ideia de que o
mundo pode ser controlado, dominado, modificado. De que, no futuro, as coisas podem ser
diferentes. Mas, ao mesmo tempo, consideravam que os “tijolos” que constroem a realidade
são permanentes e passíveis de serem revelados por meio de investigação científica.
No entanto, nas últimas décadas, as divisões entre presente e futuro, entre o que está
consolidado e o que ainda está em processo de formação, entre os “tijolos” que constroem a
realidade e os modos de ajustá-los, passaram a ser duramente criticadas. Diversas correntes do
pensamento (entre elas a TAR) começaram a afirmar que os elementos que compõem a
realidade não são dados a priori, nem são estáveis ou universais; mas são histórica, cultural e
materialmente localizados. E mais: se são localizados, são, também, múltiplos (MOL, 1999).
51
O desenvolvimento da noção de política ontológica foi fortemente influenciado pela obra de Michel Foucault
(MOL, 1999).
60
Isto significa que a realidade [...] não mais pode exercer o papel que a
filosofia lhe atribuía há alguns séculos, o papel de algo para entrar em
52
Esse giro filosófico e político buscava escapar do modo como as ciências tradicionalmente compreendiam o
conhecimento e os métodos científicos. Ou seja, buscava escapar da ideia de que há um mundo real, com
atributos reais, e que cabe aos cientistas descobrir os atributos que são social ou politicamente relevantes. De
acordo com Law e Urry (2003), este realismo (mais ou menos) empiricista (defendido, por exemplo, por
Durkheim) baseava-se, sobretudo em dois pressupostos: que existe um mundo social definido que pode ser
descoberto por meio de investigação científica; e que é possível distinguir esse mundo do conhecimento que
essas investigações produzem sobre ele.
61
contato. O papel de algo para compreender. Para agarrar-se. Para ter certeza
sobre. A questão filosófica crucial concernente à realidade era: como
podemos ter certeza? Agora, depois do giro para a prática, nos confrontamos
com outra questão: como viver com a dúvida? [...] Se a questão o que fazer
não mais depende do que é real, então, o que mais pode estar relacionado
com isto? (MOL, 2002, p. 165, tradução nossa, grifos da autora).
Mol (2002) sugere que, se não mais podemos encontrar segurança ao perguntar “esse
conhecimento é verdadeiro para esse objeto?”, passa a ser mais relevante perguntar “esta
prática é boa para os atores (humanos e não humanos) envolvidos nela?”. Assim,
Intervenções são entendidas como um modo de organizar não somente a vida individual, mas
a de toda a polis, a do corpo político.” (MOL, 2002, p. 167, 168, tradução nossa, grifos da
autora).
Podemos dizer que essa preocupação com quem decide é compartilhada por algumas
correntes da Psicologia Social. A Psicologia Social Comunitária, por exemplo, é comumente
definida como
Assim, nessa Psicologia Social, são os membros da comunidade – e não os(as) psicólogos(as)
– que devem decidir o que é o bem e quais são os melhores meios para consegui-lo.
Para Mol (2002), essa “política-do-quem” apresenta alguns problemas. O primeiro
deles é que, apesar de proteger o “consumidor” ou o “cidadão” contra os malefícios do
capitalismo, contra o poder do Estado etc., ela parte do pressuposto que seus desejos são
claros e pré-determinados. Assim, cabe ao analista assumir o papel de advogado e “dar voz”
aos desejos silenciados de pacientes ou membros comunitários.
transgressão, uma forma de afirmação pessoal, uma estratégia para ser aceito pelo grupo
(SPINK, M. J., 2010). Mesmo sabendo dos males que o tabaco pode causar à saúde, muitos
fumantes reivindicam o direito e fumar, de poder escolher o que fazer com seus corpos. Para
eles, “o bem” não é necessariamente um pulmão mais puro, ele pode ser também um
momento de relaxamento, a possibilidade de encontrar os colegas de trabalho no
“fumódromo”, uma sensação de segurança...
Para Mol (2002), deixar de avaliar a ação médica somente a partir de parâmetros
físicos e começar a levar em conta o impacto do tratamento na qualidade de vida das pessoas
foi um importante passo em direção a uma política-do-que, mas ainda há um longo caminho
pela frente. É preciso, por exemplo, mudar o modo em que são estruturados muitos estudos
quantitativistas sobre qualidade de vida. Afinal, muitos deles não consideram que essa é uma
noção contestável e, consequentemente, política. Eles registram opiniões individuais,
atribuem diferentes pesos a elas e as usam como base para sofisticados cálculos estatísticos.
Fazem, portanto, com que qualidade se torne quantidade; com que valores se tornem fatos –
fatos sociais. Apagam, assim, qualquer controvérsia sobre o que é viver bem. Além disso, é
preciso que esses estudos não mais busquem identificar as diferenças entre médicos e
pacientes, mas busquem explorar as diferenças entre os vários enactments de uma doença
específica. Engajar-se em um política-do-que implica, assim, assumir que diferentes
enactments envolvem diferentes ontologias e diferentes formas de fazer o bem.
Dizer que “o bem” é múltiplo sugere que há (ou deveria haver) a possibilidade de
escolher entre suas diferentes versões. No entanto, para Mol (1999), muitas condições de
possibilidades não estão, de modo algum, estruturadas como resultados de decisões. Ou seja,
muitas vezes, argumentamos a favor de uma determinada versão da realidade usando
65
justificativas que fazem crer que nosso posicionamento não se baseia em decisões, mas em
fatos. Dizemos, por exemplo, que “a Psicologia Social é a subárea da Psicologia que estuda a
relação indivíduo-sociedade”, desconsiderando que esse não é o papel “natural”, “inevitável”,
“único”, dessa área do conhecimento, mas sim o resultado de uma série de negociações,
interesses, acontecimentos históricos etc. Entretanto, para a autora, fazer política ontológica
não é meramente explicitar as “opções”.
Assim, não basta dizer que, aqui, a Psicologia Social estuda a relação indivíduo-
sociedade; ali, ela visa propor ações no âmbito social; acolá, produz conhecimento científico;
e que cabe a nós elegermos uma dessas versões – isso apenas faz com que as opções pareçam
sempre estar em lados opostos. O que está em jogo na política ontológica é o reconhecimento
de que nossas escolhas possuem efeito de “realidade”, ou seja, que elas fazem diferença no
modo em que objetos são enacted.
Além de fazer com que as opções pareçam estar sempre distantes, outro efeito
indesejável da concepção de política como eleição refere-se ao fato de o efeito de realidade de
nossas práticas não se restringir a um único objeto. Uma psicóloga social, por exemplo, não
enact somente a Psicologia Social, mas interfere, também, em várias outras realidades
relacionadas a essa área do conhecimento. Se ela busca transformação social, possivelmente,
suas práticas envolvam comunidades carentes, movimentos sociais, líderes comunitários,
livros sobre o compromisso político da Psicologia, políticas públicas, diários de campo etc.
Assim, nas palavras de Mol (1999, p. 82, tradução nossa), uma vez que começamos a “[...]
olhar cuidadosamente para a variedade de objetos performados em uma prática, nos
deparamos com complexas interferências entres esses objetos. Se reconhecemos e analisamos
essas interferências, a questão da avaliação de performances torna-se mais e mais
complexa.”53.
53
O texto do qual extraímos essa citação foi publicado em 1999. Neste período, Mol utilizava o verbo
“performar” para se referir ao que, mais tarde, passou a chamar de “enact”.
66
Mol (1999, 2002) não responde a esta pergunta, ela simplesmente problematiza a
concepção de política que fala em escolhas e, sobretudo, chama a atenção para o fato de que
nossas práticas de pesquisa ajudam a enact realidades. Em suas palavras,
CAPÍTULO 3
A PSICOLOGIA SOCIAL É MAIS DO QUE UMA
70
54
Como sugerimos anteriormente, essa não é a história da Psicologia Social brasileira, mas apenas uma história
possível. É uma história formada por diversas outras histórias, é uma história múltipla.
55
De acordo com Liedke Filho (2003, p. 227), no caso específico da América Latina, essa crise foi
impulsionada, sobretudo, pela situação política vivenciada por vários países da região. Nas palavras do autor,
“no bojo da crise social e política latino-americana do final dos anos cinqüenta e início da década de sessenta
verificou-se o início do Período de Crise e Diversificação da Sociologia latino-americana, caracterizado pela
crise institucional e profissional da sociologia sob a repressão político-cultural dos regimes autoritários e,
simultaneamente, por uma profunda crise paradigmática, isto é, pela crise da hegemonia da Sociologia
"Científica", com a emergência de alternativas teóricas como a Sociologia Nacional, a Teoria da Dependência e a
Teoria do "Novo Autoritarismo.”
71
[...] por se pressentir que sua lógica integrativa [ficava] subordinada aos
riscos do poder e da dominação. Esse ponto de vista [alimentou] de modo
todo particular o estruturalismo de perspectiva francesa. Fora do hexágono,
aplicada aos temas das classes, das desigualdades e dos conflitos, esta
perspectiva [favoreceu], de maneira diferente, a volta de Marx.
(LALLEMENT, 2008, p. 65, 66).
56
Um movimento semelhante de crítica à “importação de saberes” já vinha permeando a Sociologia daquele
período. Segundo Liedke Filho (2005, p. 38), os anos 50 foram marcados “[...] pelo surgimento da proposta de
uma „Sociologia Autêntica‟, nacionalista, que buscava contribuir para o processo de libertação nacional e que
tem na obra de Guerreiro Ramos [...] sua referência principal. Teoricamente, a controvérsia entre Guerreiro
Ramos e Florestan Fernandes dominou a cena da comunidade sociológica brasileira durante esse período, tendo
por fulcro central a questão da particularidade e/ou universalidade do conhecimento social produzido no Brasil.”
57
Com o fortalecimento dessas teorias e metodologias, começou a se pensar na necessidade de criar uma
associação que representasse as “novas” Psicologias Sociais. De acordo com Lane e Bock (2003), essa
72
É justamente a partir das diferenças entre essa “escola” fundada por Lane e a corrente
norte-americana defendida por Rodrigues que começaremos a contar nossa história. Optamos
por fazer esse recorte por duas razões principais: primeiramente, pela inviabilidade de
descrever todas as Psicologias Sociais criadas no Brasil a partir da década de 1970 e, em
segundo lugar, pelo fato de vários autores (como STREY et. al, 2001, LIMA, 2009, SÁ, 2007;
NEIVA, TORRES, 2011, entre outros) se referirem a Lane como uma das principais
opositoras do modelo positivista defendido por Rodrigues.
A Psicologia Social de Rodrigues (1972, p. 55) consiste em realizar um “[...] estudo
científico do processo de interação humana.” Ou seja, é uma ciência básica cuja única forma
de intervenção é indireta: ela fornece dados objetivos para que tecnólogos sociais possam
resolver problemas sociais. Nas palavras do autor,
Sendo assim, a essa Psicologia Social caberia o papel de estudar, por meio do método
científico, a interação humana e suas consequências cognitivas e comportamentais, enquanto
que as Tecnologias Sociais seriam responsáveis por usar esse conhecimento para transformar
a realidade. Nessa Psicologia Social, estudar um determinado fato a partir do método
científico significa orientar-se pelo seguinte esquema (figura 1):
necessidade foi bastante discutida durante o Congresso da Sociedade Interamericana de Psicologia (SIP),
realizado em Lima, no ano de 1979. “Era uma proposta que buscava fortalecer a organização dos psicólogos
ligados à área da Psicologia Social, criando espaços para o diálogo e o avanço desse campo. Além disso,
caminhava-se para o fortalecimento de um pensamento latino-americano na Psicologia, a partir da Psicologia
Social.” (p. 146). Após o congresso da SIP, foi nomeada uma comissão para redigir o estatuto dessa nova
associação. No ano seguinte, durante a reunião anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência
(SBPC), esse estatuto foi votado e aprovado, instituindo oficialmente a Associação Brasileira de Psicologia
Social (ABRAPSO). Segundo as autoras, as intenções políticas da ABRAPSO sempre foram “[...] a construção
de uma psicologia social crítica, voltada para os problemas nacionais, acatando diferentes correntes
epistemológicas, desde que filiadas ao compromisso social de contribuir para a construção de uma sociedade
mais justa. A ABRAPSO nasceu da insatisfação com a psicologia européia e americana. Os problemas de nossa
sociedade, marcada pela desigualdade social e pela miséria, não encontravam soluções na psicologia social
importada como um saber universal dos países do Primeiro Mundo.” (p. 149).
73
De acordo com o autor, esse esquema deve ser marcado pela neutralidade do(a)
psicólogo(a) social em sua procura das relações não aleatórias entre variáveis. Apesar de
Rodrigues (1985, p. 19) admitir que a escolha do tema e o relatório do cientista possam não
ser neutros, para ele, “o produto final, isto é, o conhecimento novo que surge, este é
inexoravelmente neutro, pois toda a comunidade científica o fiscaliza.”
Contrariamente a Rodrigues, Lane (1985) critica a defesa da neutralidade da ciência e
da objetividade dos fatos. Sendo assim, a Psicologia Social de suas pesquisas e livros resgata
a subjetividade e não vê o indivíduo como produto de si mesmo. Em suas palavras:
Sendo assim, o “homem”58 a que a autora se refere é diferente do que aparece nos
textos de Rodrigues. Para ela, pensar o ser humano dessa maneira implica uma atuação mais
consequente da Psicologia, na qual teoria e prática devem andar sempre juntas (LANE, 1985).
Em outras palavras, sugere que o conhecimento seja compreendido, antes de tudo, como
práxis, e que
58
Estamos utilizando aqui a palavra “homem” para referir-se a “ser humano” a fim de manter a terminologia
utilizada por Lane.
74
Pensar a Psicologia Social como práxis significa, segundo Lane (2007a), abrir mão da
busca pela neutralidade científica. Afinal, em sua ciência, tanto o pesquisador quanto o
pesquisado são, ao mesmo tempo, produtos e agentes histórico-culturais e se definem por
meio de relações sociais que tanto podem reproduzir as condições sociais em que ambos estão
inseridos quanto podem transformá-las.
Além disso, segundo o autor, essa crise só ocorreu devido à ignorância da distinção
entre ciência e tecnologia. Para ele, assim como fisiólogos(as) não curam doentes, ou
físicos(as) não constroem pontes e casas, psicólogos(as) sociais não são os(as) responsáveis
por mudar a realidade social. Seu papel é o de produzir conhecimento, sendo que a aplicação
75
[...] para que se possa empreender uma ação social destinada à resolução de
problemas sociais, não é preciso modificar o paradigma dominante na
psicologia social, nem transformá-la de uma ciência em um movimento de
ação social, necessariamente ideológico; basta, simplesmente, que se
utilizemos [sic.] os ensinamentos básicos que ela nos oferece e, através da
aglutinação destes achados proporcionada por uma tecnologia social eficaz,
sejam eles empregados na resolução de problemas sociais. É o que o médico
faz no tratamento dos doentes amparados pelas descobertas dos biólogos e
dos fisiólogos [...] Não há, pois, razão para extinguir a pesquisa
fundamental; muito pelo contrário, ela deve prosseguir a fim de que possa
proporcionar, ao tecnólogo social, o conhecimento necessário à aplicação da
solução ao caso concreto. (RODRIGUES, 1989, p. 123).
Segundo o autor, a situação política que o Brasil vivia na época era bastante favorável
ao desenvolvimento dessa nova Psicologia Social, pois o interesse pelo marxismo, a ênfase na
pesquisa-ação e o desejo de mudar a estrutura social eram predominantes entre os
universitários. Mas como Rodrigues discordava da fusão entre ciência e política, e como
foram frustrados seus esforços para fazer com que seus colegas percebessem que ciência e
76
tecnologia eram coisas distintas, em 1968, ele resolveu voltar aos Estados Unidos, onde
passou a lecionar na Claremont Graduate School.
Em entrevista concedida ao Conselho Federal de Psicologia (CFP), Lane (2007c) fala
claramente das diferenças entre “sua” Psicologia Social e a “de” Rodrigues:
Uma das pesquisas que Lane (1989) mencionou durante sua conferência neste
simpósio da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Psicologia (ANPEPP)
tinha como objeto de estudo a consciência de sujeitos gagos. A despeito de não ter
explicitado sua autoria, acreditamos que ela se referia à tese de doutorado de Silvia Friedman,
uma de suas orientandas. Nesse trabalho60, Friedman (1994) estudou as mudanças no
movimento da consciência ao longo de um tratamento terapêutico. Para isso, apoiou-se em
conceitos como consciência, linguagem e representações sociais, e em autores como Leontiev,
Luria, Vigostski, Moscovici, Spink, Jodelet e na própria Silvia Lane. O corpus da pesquisa foi
composto pela gravação e transcrição de algumas sessões terapêuticas que Friedman realizou
em sua clínica de fonoaudiologia e a técnica empregada foi a Análise Gráfica do Discurso.
Segundo Friedman (1994), essa técnica foi desenvolvida por Lane e compreende
algumas etapas: em primeiro lugar, é feita uma numeração das unidades de significados ou
dos conteúdos que compõem o discurso – que geralmente correspondem a um sujeito e a seu
predicado –, acompanhando a sequencia em que aparecem. Em um segundo momento, são
realizadas releituras cuidadosas do material estudado, buscando localizar e marcar os
significados que se repetem. Esta etapa é importante, uma vez que
59
Essa entrevista está gravada em vídeo e disponível no site do CFP (http://www.pol.org.br/pol/cms/pol/
publicacoes/videos/videos_070605_0171.html).
60
Defendido em 1992 e publicado em 1994.
77
Podemos dizer, assim, que as práticas descritas nessa tese orientada por Lane fazem
uma Psicologia Social que depende de uma série de elementos heterogêneos, tais como
autores russos, livros sobre a Teoria das Representações Sociais, gravadores de voz,
transcrições, jogos de canetas hidrográficas coloridas, setas numeradas, núcleos de
pensamento, discursos, uma consciência que se move, notas de leitura, notas de releitura,
representações gráficas do discurso etc. Juntos, esses atores nos permitem falar do que a
Psicologia Social é.
Na tese de Friedman (1994), a Psicologia Social é algo bastante diferente do que ela é
em uma pesquisa de Rodrigues e Assmar (2003) sobre comportamento normativo. Neste
estudo, os autores replicam pesquisas anteriores de Rodrigues61, introduzindo certo
refinamento metodológico e verificando uma possível influência das distintas bases de poder
no julgamento da justiça da punição infligida ao autor do comportamento normativo. Mais
61
De acordo com os autores, esses estudos demonstraram que “[...] comportamento antinormativo, causado por
influência social derivada da utilização dos poderes de recompensa, informação e referência, é percebido como
mais interno e mais controlável, e seu autor julgado mais responsável por tê-lo emitido, do que esse mesmo
comportamento provocado pelo uso dos poderes de conhecimento, legitimidade ou coerção.” (RODRIGUES,
ASSMAR, 2003, p. 191).
78
a enfermeira acabou por fazer o que o médico lhe pediu. No dia seguinte, o
paciente piorou muito e veio a falecer alguns dias depois. Nas páginas
seguintes, seguiam-se seis razões apresentadas pela enfermeira para fazer o
que o médico lhe disse, cada uma representando uma das seis bases de poder
da tipologia de Raven (1965). Essas razões, apresentadas em seguida,
correspondem respectivamente, ao poder de recompensa, de coerção, de
legitimidade, de referência, de conhecimento e de informação: a) o médico
disse à enfermeira que facilitaria as coisas para ela no futuro; b) o médico
disse que cortaria o salário da enfermeira em R$ 50,00 por mês, durante
cinco meses; c) o médico disse que, nas organizações decentes, as ordens
superiores devem ser seguidas; d) o médico disse que tinha sido sempre uma
referência positiva para ela; e) o médico disse que ela deveria fazer o que lhe
foi solicitado, pois ele era visto por todos como um especialista; f) o médico
79
Esses contextos eram seguidos por escalas de nove pontos, que mediam o grau de
controlabilidade, de internalidade e de responsabilidade atribuídos à enfermeira. Essas
escalas eram ancoradas nas extremidades pela indicação de totalmente interno/totalmente
externo, sob controle da enfermeira/fora de seu controle e muito responsável/nada
responsável.
Para evitar que as frases que representavam as bases de poder tivessem forças
diferentes, os autores realizaram um estudo prévio, apresentando a 60 participantes (distintos
dos 84 que participaram da pesquisa propriamente dita) seis conjuntos de 10 frases, cada um
representativo de uma das seis bases de poder da tipologia de Raven e relacionado à interação
médico-enfermeira descrita nos cenários. As frases eram apresentadas em ordem aleatória e os
participantes tinham de indicar em uma escala de 11 pontos quão forte eles consideravam a
tentativa de influência descrita em cada frase. Em seguida, era calculado o valor escalar 62 de
cada frase. Se acontecesse de mais de uma frase ter o mesmo valor escalar, os autores
escolhiam a que tinha o menor desvio-padrão. “Desta forma, seis frases com idênticos valores
escalares para as formas de influência do Grupo 1 (recompensa, informação e referência) e
para as do Grupo 2 (conhecimento, legitimidade e coerção) foram selecionadas e utilizadas na
segunda fase da pesquisa [...].” (RODRIGUES, ASSMAR, 2003, p. 194). A fim de evitar um
possível efeito da ordem de apresentação dessas frases, os autores construíram aleatoriamente
seis ordens de apresentação em um quadrado latino63, sendo que este foi replicado sete vezes
em cada condição.
O instrumento utilizado nessa pesquisa continha outra série de itens: solicitava que os
participantes supusessem que o diretor do hospital havia demitido a enfermeira que ministrou
o remédio experimental e, em seguida, apresentava seis escalas de sete pontos, uma para cada
motivo alegado pela enfermeira para fazê-lo (promessa de recompensa, ameaça de punição,
invocação de legitimidade, amizade, conhecimento e apresentação de argumentos). Nessas
escalas, os participantes indicavam, primeiramente, o grau de justiça da decisão do diretor do
hospital de demiti-la e, em seguida, indicavam o grau de justiça da não aplicação de algum
tipo de punição. Indicavam, também, o grau de justiça de aplicação da punição,
62
Segundo Rodrigues e Assmar (2003), o valor escalar é dado pela mediana dos julgamentos de cada uma das
frases.
63
De acordo com os Rodrigues e Assmar (2003, p. 194), em um planejamento de quadrados latinos “[...] são
estabelecidas seqüências distintas de ordenação das frases, contrabalançando-se, assim, o possível efeito de
ordem de apresentação.”
80
qualquer pessoa de bom senso saberia que as causas desse problema estão
na estrutura alienada de trabalho na sociedade contemporânea – que permite
aos diretores alterar ao seu bel prazer os quadros de profissionais da
empresa sem que os próprios tenham direito a opinar sobre isso- e nas
características do mercado capitalista, em que a competição frenética
angustia qualquer trabalhador numa perspectiva de mudança. O que fez o
senhor Varela? Tratou de persuadir os trabalhadores, candidatos naturais
para o cargo, de que não eram as pessoas mais aptas para aquele cargo.
Estamos diante de um duplo engodo: nem a realidade social cabe no
receituário do tecnólogo e muito menos as soluções encontradas são
capazes de resolver qualquer coisa, exceto o problema imediato do dirigente
empresarial. Estamos diante de uma Tecnologia Social sem dúvida voltada
a encobrir os problemas sociais e a serviço dos meios de produção. [...] Eis
algo em que concordo literalmente com Jacobo Varela: o mundo está
carente de uma Tecnologia Social. Mas que seja capaz de resolver não
apenas querelas administrativas das empresas mas, principalmente, capaz de
instrumentalizar o cidadão para a busca de sua própria cidadania.
81
Neste exemplo, podemos ver claramente que a divergência entre esses dois grupos de
pesquisadores não está somente na defesa ou crítica da dicotomia teoria/prática, mas está
também no posicionamento acerca do compromisso político do(a) pesquisador(a). Se, no
grupo de Lane, o(a) psicólogo(a) social é aquele que busca transformar a realidade, no de
Rodrigues, “o único engajamento admissível em ciência é [...] o compromisso desinteressado,
objetivo e persistente na busca da verdade acessível ao arsenal metodológico disponível.”
(RODRIGUES, 1989, p. 129).
Outra importante diferença entre essas Psicologias Sociais refere-se ao
posicionamento em relação à universalidade da ciência. Para Lane,
64
As edições mais recentes desse livro estão em coautoria com Eveline M. L. Assmar e Bernardo Jablonski. A
28ª edição é de 2010.
65
Livraria Cultura (loja Paulista), Livraria Cortez (loja Perdizes), Livraria Martins Fontes Paulista e Saraiva
Mega Store (Shopping Eldorado), todas na cidade de São Paulo-SP.
82
em vários editais recentes, como o edital n. 021/200866, do concurso público para professor
efetivo na área de Psicologia Social, Organizacional e do Trabalho da Universidade Federal
de Uberlândia (UFU), os editais dos concursos para psicólogo da Prefeitura Municipal de
Caraá-RS (n. 008/2004)67, e da Prefeitura Municipal de Pitanga-PR (edital n. 01/2009)68,
bem como o edital de seleção 2010.1 do mestrado em Psicologia Social da Universidade
Federal da Paraíba (UFPB)69. Outro livro de Rodrigues bastante utilizado é “Psicologia Social
para Principiantes: estudo da interação humana”, que foi reeditado em 2010.
Os livros de Lane, como “O que é Psicologia Social” (LANE, 1981/ 2006) e
“Psicologia Social: homem em movimento” (LANE; CODO, 1984/ 2009), também
permanecem sendo reimpressos/reeditados, estando, respectivamente, na 22ª e 13ª edição (7ª e
5ª reimpressão). Além disso, eles também foram encontrados nas livrarias visitadas e suas
leituras continuam a ser exigidas em concursos e processos seletivos, tal como o da Prefeitura
Municipal de Reserva do Iguaçu-PR (edital n. 01/2009)70 e da Universidade Federal de
Uberlândia – UFU (edital n. 099/2009)71. Os livros de Lane são, também, bibliografia básica
de disciplinas introdutórias à Psicologia Social de vários cursos de graduação, como, por
exemplo, o da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)72, da Universidade Estadual de
Londrina (UEL)73 e da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)74.
Além disso, alguns cursos oferecem disciplinas voltadas especificamente à Psicologia
Sócio-Histórica desenvolvida por Lane, como a Universidade Nove de Julho (UNINOVE)75, o
Centro Universitário UNA76 , a Universidade Luterana do Brasil (ULBRA)77 e o Centro
Universitário Celso Lisboa (UCL)78.
66
Edital encaminhado via e-mail aos discentes do Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Social da
PUC-SP.
67
Disponível em:‹http://www.pciconcursos.com.br/concurso/39074›. Acesso em: 18 dez. 2009.
68
Disponível em: ‹http://www.exatuspr.com.br/controle/arquivos/1260873987_edital_abertura.pdf›. Acesso em:
26 dez. 2009.
69
Disponível em: ‹http://www.cchla.ufpb.br/pos_psi/pdf/Edital_do_Mestrado_2010.pdf›. Acesso em: 26 dez.
2009.
70
Disponível em: ‹http://www.redesuldenoticias.com.br/edital_teste_seletivo_ri.pdf›. Acesso em: 26 dez. 2009.
71
Disponível em:
‹http://www.ufu.br/sites/www.ufu.br/files/06%20programa%20e%20refer%C3%AAncia%20edital%20n%C2%
BA%2099%202009.doc›. Acesso em: 18 dez. 2009.
72
Disponível em: ‹http://www.cfh.ufsc.br/psicologia/programaPSI5131.php›. Acesso em: 18 dez. 2009.
73
Disponível em: ‹ http://www2.uel.br/ccb/psicologia/3psi010.htm›. Acesso em: 18 dez. 2009.
74
Disponível em: ‹http://www.graduacao.ufrn.br/Programas/Psicologia/PSI0904%20-
%20T%F3picos%20em%20Psicologia%20Social%20I%20.doc›. Acesso em: 18 dez. 2009.
75
O quadro de disciplinas do curso de Psicologia da UNINOVE nos foi cedido por uma colega que leciona nessa
universidade.
76
Disponível em: ‹http://www.una.br/curso/graduacao/psicologia/grade›. Acesso em: 18 dez. 2009.
77
Disponível em: ‹ http://www.una.br/curso/graduacao/psicologia/grade›. Acesso em: 18 dez. 2009.
78
Disponível em: ‹ http://www.educaedu-brasil.com/licenciatura-em-psicologia-carreiras-universitarias-
22691.html›. Acesso em: 18 dez. 2009.
83
[...] não transcende o passado mas o contém. E ao invés de ser uma unidade
singular, o presente é composto de muitas partes. Há vários tempos
diferentes dentro do presente: o antiquado e o precoce, o atual e o
passageiro. [...] Ao invés de fluir de uma maneira linear, o tempo assume a
forma de dobras, voltas [loops] e espirais. É múltiplo. (MOL, BERG, 1998,
p. 5).
Pensar a Psicologia Social a partir da TAR implica, assim, assumir que sua crise de
referência não representou aquilo que Thomas Kuhn (1962/2003, p. 125) chamou de
“revolução científica”. Afinal, para o autor, as revoluções científicas são “[...] episódios de
desenvolvimento não cumulativo, nos quais um paradigma mais antigo é total ou
parcialmente substituído por um novo, incompatível com o anterior.” 79
De acordo com Kuhn (2003), essas revoluções acontecem quando uma pequena
subdivisão de uma comunidade científica começa a pensar que o paradigma existente não
mais é adequado para a exploração de um determinado aspecto da natureza. Este sentimento
de funcionamento defeituoso do paradigma faz com que esses cientistas proponham uma nova
maneira de ver as coisas, gerando novos problemas a serem considerados. Nas palavras do
autor,
79
Sendo que por “paradigma” o autor compreende todas “[...] as realizações científicas universalmente
reconhecidas que, durante algum tempo, fornecem problemas e soluções modelares para uma comunidade de
praticantes de uma ciência.” (KUHN, 2003, p. 13).
84
Até poderíamos dizer que, nas décadas de 1960 e 1970, o grupo liderado por Silvia
Lane passou a ter esse sentimento de funcionamento defeituoso da Psicologia Social e
começou a propor novos problemas e soluções. Entretanto, como dissemos anteriormente, sua
proposta não substitui a tradição norte-americana de Rodrigues. Pelo contrario, até hoje
ambas fazem parte do escopo teórico da Psicologia Social no Brasil, fazendo com que seja
inadequado afirmar que a crise de referência representou uma mudança de paradigmas ou uma
revolução científica.
De acordo com Iray Carone (2003, p. 112), a noção de paradigma é muitas vezes
usada para defender “territórios” no interior da Psicologia – tal como quando manuais
introdutórios se referem a um “paradigma positivista” e a um “paradigma crítico” para
estabelecer a distinção entre as teorias que são “genuinamente” positivistas e aquelas que são
“genuinamente” críticas80. “Ao estabelecer tais distinções, estão separando escolas rivais com
o propósito de valorizar apenas uma ou mais dentre elas, que pretensamente correspondem às
características de um paradigma.” Além disso,
80
Na apresentação do livro “Paradigmas em Psicologia Social”, por exemplo, Regina Campos e Pedrinho
Guareschi (2009, p. 9, grifo nosso) afirmam que “as vicissitudes do planejamento social, associadas às
dramáticas conseqüências dos „experimentos socioculturais‟ realizados ao longo do século [XX], mostraram que
as supostas verdades científicas trazem consigo definições éticas que muitas vezes só se revelam com plena
desenvoltura quando experimentadas na prática. [...] As dificuldades de aplicação prática dos conhecimentos têm
levado, assim a uma reflexão mais madura, menos triunfalista. A ciência genuína se torna mais despojada e mais
preocupada com as questões éticas. É essa última tendência que, parece-nos, define grande parte da produção
contemporânea em Psicologia Social na América Latina. Maritza Montero explicitou este ponto de vista ao
propor, em 1996, a existência de um paradigma elaborado pela Psicologia Social latino-americana – o
paradigma da construção e da transformação crítica, caracterizado pela relação dialógica entre o pesquisador e
os sujeitos da pesquisa e pela ênfase na aplicação da ciência à transformação social [...]”.
85
Em sua dissertação de mestrado, Vera Menegon (1998)82 não usou escalas nem fez
uma análise gráfica do discurso, não falou de núcleos de pensamento nem de tipologias de
bases de poder. A Psicologia Social de Menegon é outra: é uma Psicologia Social que enfoca
o uso de repertórios interpretativos sobre menopausa em conversas do cotidiano e na literatura
científica da área de saúde. É uma Psicologia Social que acontece em bares, festas, salas de
espera e bibliotecas; que envolve ondas de calor, mudanças repentinas de humor, medos,
dúvidas, preconceitos, tratamentos hormonais, bancos virtuais de dados e diários de campo.
Todos esses atores (e muitos outros) fizeram parte do percurso percorrido por
Menegon (1998, p. 15) para responder à seguinte questão: “como um fenômeno presente na
vida de todas as mulheres [a menopausa] configurou-se [em uma] rede complexa de
81
Ao menos enquanto sustentou a noção de paradigma na análise do desenvolvimento histórico da ciência. De
acordo com Carone (2003, p. 14, grifos da autora), “mudanças importantes ocorreram nos anos 90, no interior da
epistemologia de Kuhn, em decorrência do intenso debate travado com filósofos e historiadores das ciências
após a publicação de A estrutura das revoluções científicas. O autor abandonou, paulatinamente, os conceitos de
paradigma, conflito interparadigmático, etc., ou, pelo menos, deixou de se referir a eles. No lugar desses,
começou a refinar as suas teses sobre o desenvolvimento histórico das ciências, por meio da retomada de
algumas observações constantes em suas obras anteriores, a respeito da incomensurabilidade entre teorias
científicas, de seus léxicos e classificações taxonômicas, além de esboçar um novo modelo historiográfico
inspirado em A origem das espécies, de Charles Darwin.”
82
Essa dissertação foi defendida no Programa de Estudos Pós-Graduados da Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo (PUC-SP) e foi orientada pela Profa. Dra. Mary Jane Spink.
86
1. Contexto
Numa casa de praia: chovia há uma semana e à noite o jogo de baralho “corria solto”. Neste dia
específico, 6 pessoas jogavam (3 duplas), sendo que uma das duplas era formada por um casal (curso
superior e faixa etária entre 50-55 anos).
2. Conversa
Jogadores: Este jogo está devagar... essa chuva que não passa; acho que amanhã vai fazer sol; vai
nada o jornal disse que está subindo outra frente fria do sul; afinal de quem é a vez? Quem joga?
Cláudia (P1): Sou eu.
Pedro (P2): Só podia ser, olha só a mão dela cheia de cartas...
Cláudia (P1): Não estou com pressa... Estou pensando...
Pedro (P2): (inconformado) Não dá para baixar nada?
Cláudia (P1): (depois de algum tempo, coloca duas cartas no jogo)
Pedro (P2): (Tom de voz mais alto, demonstrando não acreditar no que estava vendo) Só isso? O que
você faz com esse leque de cartas na mão? É para se abanar? Parece que está na menopausa mesmo.
83
A Medline é a base de dados da Biblioteca Nacional de Medicina dos Estados Unidos (US National Library of
Medicine´s – NLM) e a PsycLit – hoje denominada PsycInfo – é da Associação Psicológica Americana
(American Psychological Association – APA).
87
3. Dinâmica da conversa
Clima de jogo de baralho, várias pessoas falando ao mesmo tempo; P1 olha as cartas calmamente;
jogadores pressionam; P2 pressiona mais, fazendo gozação; P1 continua tranqüila; P2 pressiona
novamente; P1 coloca duas cartas; P2 explode enunciando uma explicação causal.
4. Repertórios
Menopausa leque (ondas d calor)
Tônica afetiva P2: irritação e sátira; P1: desconforto, sem jeito
Neste quadro, vemos que, após registrar uma fala sobre menopausa que havia
acontecido espontaneamente, em seu dia-a-dia, a pesquisadora a classificava como conversa
88
ou como depoimento e descrevia o contexto em que havia ocorrido (três casais de amigos,
uma casa de praia, um dia chuvoso, o jogo de baralho corria solto...). Em seguida, ela
identificava a dinâmica da conversa e montava o fluxo de associação das ideias. Por fim,
identificava os repertórios associados à menopausa (leque, ondas de calor), bem como
repertórios que dessem conotação de afetividade, ou seja, que indicassem algum tipo de
manifestação emocional (irritação, sátira, desconforto...).
Após analisar individualmente as conversas, Menegon (1998) concluiu que os
repertórios que nelas apareciam se referiam a três temáticas gerais – a magia e o poder do
sangue menstrual, a medicalização e a menopausa na perspectiva masculina – e passou a
analisá-las, buscando compreender como os sentidos que emergiam nessas conversas se
relacionavam com o imaginário social e com a literatura científica analisada na primeira parte
da pesquisa, tal como ilustrado a seguir (Quadro 2).
O trecho a seguir, extraído de uma conversa entre mulheres na faixa etária de 42 a 65 anos,
ocorrida numa clínica de fisioterapia, sintetiza parte destes sentidos.
Conceição (P4): Acho que já estou velha para tomar esse remédio, faz dez anos que parou de
descer para mim. Antes eu achava um saco esse negócio de menstruação, mas depois que
parou é que eu vi como era bom para a saúde da gente. Agora não sou mais a mesma mulher.
Vera(P3): Como assim?
Conceição (P4): Antes eu era mais animada, tinha mais disposição. Não por essas coisas de
sexo, porque eu nunca gostei. Fazia por obrigação. Agora graças a Deus meu marido ficou
impotente e não me amola mais.
Dalila (P1): Ah! Eu gosto de fazer sexo com meu marido. Mas sem a menstruação eu fiquei
meio sem vontade. Agora que desceu de novo, me sinto mulher novamente.
O termo menopausa não é utilizado. Em seu lugar há referência à falta da menstruação e suas
conseqüências.
O sentido de saúde associado ao sangue menstrual fundamenta-se na versão da purificação do
corpo pelo sangue. O uso destes repertórios nos remete à medicina dos humores, em que o sangue
menstrual significa equilíbrio para a saúde. Sua retenção provocaria a destruição e o
envelhecimento dos órgãos.
Fonte: MENEGON, 1998, p. 105, 106, grifos da autora.
Ao dizer que o fato de essas mulheres terem usado uma série de repertórios negativos
para falar da menopausa está, de alguma maneira, relacionado à medicina dos humores,
Menegon (1998) trata as conversas do cotidiano como esquetes, que só podem ser
compreendidos dentro de um cenário. Esse cenário “[...] não é estático e separado do texto, ao
contrário, caracteriza-se pela dinâmica interativa, alimentando e sendo alimentado pelo
imaginário social, pelos vários campos de domínio do saber e pelas práticas sociais do
cotidiano.” (p. 17). A medicina dos humores seria, assim, um desses saberes e essa conversa
em uma clínica de fisioterapia, uma das práticas sociais do cotidiano.
Para analisar esses esquetes e cenários, Menegon (1998) recorre, sobretudo, aos
trabalhos de autores “construcionistas” e analistas de discurso, como Jonathan Potter, Brown
Davis e Rom Harré, Mary Jane Spink e Mikhail Bakhtin, afinal, conforme diria Latour (2000,
p. 58), um pesquisador deve sempre reportar-se a textos anteriores para fortalecer seus
argumentos, arregimentar aliados para o posicionamento que assume em seu trabalho e
mostrar que participa dos debates de uma disciplina. Nas palavras do autor, o adjetivo
científico “[...] não é atribuído a textos isolados que sejam capazes de se opor à opinião das
multidões por virtude de alguma misteriosa faculdade. Um documento se torna científico
quando tem a pretensão de deixar de ser algo isolado.” E, ao relacionar-se com esses autores,
a Psicologia Social dessa dissertação volta-se aos processos de “[...] produção coletiva de
conhecimento e de sentidos, posicionando a produção de sentido na esfera das inter-relações.”
(MENEGON, 1998, p. 16).
Sendo assim, a Psicologia Social dessa pesquisa não é “positivista” nem “sócio-
histórica”. Tampouco se restringe às quatro paredes de uma sala de aula – como no estudo de
Rodrigues e Assmar (2003) – ou de um consultório fonoaudiológico – como na tese de
90
doutorado de Friedman (1994). Ela pode ocorrer em qualquer lugar, em qualquer momento.
Aqui, o fazer pesquisa é um trabalho em tempo integral, que exige que a pesquisadora ande
sempre com um caderninho na bolsa para tomar nota de tudo que tenha a ver com seu objeto
de estudo. É, também, um trabalho que envolve marido, filhos, amigos, desconhecidos... Que
acontece durante as férias, na rampa da faculdade, através de uma linha telefônica... É um
trabalho que transforma o banal, o cotidiano, o “sem importância”, em algo relevante, em
objeto de estudo de uma ciência.
No entanto, para isso, articula atores e utiliza técnicas bastante diferentes. Em primeiro
lugar, ela parte de um referencial teórico psicanalítico e, sendo assim, fala de Freud, de
sofrimento psíquico, de traumas, de sintomas etc. Fala de relações entre “o real” (sic.) e a vida
psíquica, ou seja, de relações entre condições materiais – como o desemprego – e o “[...]
desdobrar sem fim de versões pessoais em cujo interior atuariam como vetor principal
essencialmente forças advindas do campo pulsional – a dimensão do desejo [...]”
(MANDELBAUM, 2004, p. 10).
84
Essa tese de doutorado foi defendida no Programa de Psicologia Social do Instituto de Psicologia da
Universidade de São Paulo (IP-USP) e foi orientada pela Prof a. Dr a. Sylvia Leser de Mello.
91
Algumas das famílias que participaram das entrevistas iniciais foram convidadas a
participar desse grupo, enquanto outras foram convidadas a integrar uma etapa posterior do
trabalho, voltada para um atendimento focal.
Segundo a autora, tanto durante o trabalho grupal quanto durante o focal, eram
discutidas questões relacionadas ao mundo do trabalho e suas ressonâncias nas dinâmicas
familiares, aceitando o que fosse “mais emergente” para cada uma das famílias que
participaram da pesquisa. Sendo assim, a despeito de ter um tema central, as sessões estavam
organizadas de modo a propiciar um espaço aberto de escuta, no qual as famílias podiam
trazer para a discussão suas principais demandas. Entretanto, as estratégias de análise dessas
duas etapas da pesquisa eram distintas: o processo grupal foi abordado enfocando o processo
que a pesquisadora viveu junto às famílias. Para isso, ela apresentava a transcrição inteira de
cada uma das sessões de acordo com a ordem em que ocorreram e, em seguida, as discutia
(como exemplificado no quadro 3).
85
Esse Centro de Referência é uma instituição pública que oferece atendimento clínico (por meio de serviços de
orientação, diagnóstico e tratamento) a trabalhadores com problemas de saúde decorrentes do trabalho.
92
Nessa análise, a pesquisadora não falava simplesmente das famílias que atendia, falava
também de seus sentimentos diante delas, questionava seus próprios procedimentos, se
colocava, a todo o momento, como parte do processo grupal.
Já no atendimento a Pedro (o único que compareceu regularmente às sessões focadas),
ela realizava um trabalho de síntese, capaz de “capturar” (sic.) o modo de ser do participante
junto a sua família em uma situação de desemprego. Nas palavras da autora, “[...] mais do que
uma síntese do processo, o que [esperava] apresentar é uma descrição do modo de funcionar
de Pedro diante dos desafios que sua situação existencial coloca para ele.” (MANDELBAUM,
2004, p. 159). Como o foco não estava mais no processo, a cronologia das sessões não foi
seguida e as transcrições dos atendimentos foram apresentadas somente nos anexos. O quadro
4 ilustra essa análise.
do patriarca – „o ramo do homem é manter a casa. Não é lugar ficar em casa...‟ –, contribui para
pressionar nele uma atitude quase que de „prestar contas emocionais‟, na relação com Laura e seu
filho, de todas as limitações que a vida maior impôs sobre ele? Se a vida o rebaixa – „eu fico em casa,
varro, lavo, cuido do menino. Quando ela chega, eu estou mal, não é a minha área, é de mulher, fico
sem jeito‟ – para resgatar um equilíbrio narcísico pessoal, Pedro precisa rebaixar a companheira:
„ela deve ter problema. Só fala gritando. Isso ofende... Eu fico com as crianças e ela diz que eu não
ajudo. Acho que eu vou voltar para a minha mãe. É erro da parte dela‟. As próprias potencialidades
dela – ou o que ele reconhece como potencialidades nela – o ameaçam: „hoje ela foi fazer bico... fora
de casa, ela faz tudo, conversa. Dentro de casa não se dispõe. As amigas chamam, ela vai com o
maior prazer, vai com elas comprar no supermercado... e reclama em casa. Acho que ela tem
problema‟. E começa a denegri-la. Ela o trai para receber alguns trocados de volta. Como uma mulher
de rua. E, desse modo, internamente, Pedro resgata uma superioridade necessária para ele, para poder
sobreviver sem ter que enfrentar a sua condição de ser absolutamente dependente dela.
Fonte: MANDELBAUM, 2004, p. 161- 165, grifos nossos.
Assim, para a pesquisadora, Pedro sente-se humilhado. Humilhado por não ter um
emprego, por depender financeiramente da esposa, por ter de realizar trabalhos “de mulher”.
E, possivelmente, esse sentimento esteja relacionado com sua crença no papel de substituto do
pai como provedor do lar ou com o imaginário das famílias brasileiras, em que o homem
ocupa o lugar do patriarca. Ou seja, possivelmente esse sentimento esteja relacionado com sua
história familiar ou com o contexto social em que ele está inserido.
Após descrever o processo grupal e o modo de funcionar de Pedro, Mandelbaum
(2004) optou por fazer um terceiro tipo de registro, que, segundo ela, funcionava como uma
síntese dos dois primeiros. Tal como fez com o grupo, passou a descrever passo a passo uma
das sessões realizadas com um casal (Roberto e Leonor); mas, desta vez, trazendo para essa
análise as ressonâncias de todas as 16 sessões das quais o casal participou, fazendo, assim, ao
mesmo tempo, uma análise não cronológica do modo de funcionar do casal, tal como
ilustrado no quadro 5.
94
O uso da primeira pessoa do plural na frase “toda vez que lidamos com singularidades
em Psicologia Social, preocupamo-nos em estabelecer [...]” (MANDELBAUM, 2004, p. 189,
grifos nossos) é um dos indicativos do posicionamento supracitado. Sendo assim, podemos
dizer que o que a pesquisadora faz é não somente Psicanálise, mas é, também, Psicologia
Social. No entanto, não é qualquer Psicologia Social, é uma que coloca o hífen entre o
individual e o coletivo, entre o singular e o plural, entre o homo oeconomicus e o homo
psychologicus. É uma que vincula teorias sobre a vida humana à vida concreta, atende a
demandas e busca diminuir o sofrimento psíquico dos que dela participam. Nesta Psicologia
Social, os sentimentos da pesquisadora – como o incômodo gerado pelos (sedutores e
perturbadores) olhos azuis de Roberto – fazem parte do material de análise. Assim como
também o fazem figuras paternas, equilíbrios narcísicos, imaginários populares, dinâmicas
pulsionais, elaborações simbólicas, processos transformadores dos significados... Em suma, a
Psicologia Social dessa tese é Psicanálise.
Para atingir esse objetivo, A. D. Santos (2008) leu e releu todos os exemplares da
Rádice e realizou entrevistas com pessoas que participaram de sua produção. Ao ouvir os
depoentes, percebeu que os relatos sobre a revista confundiam-se com a vida de cada um: “a
cada encontro uma “nova” Rádice surgia através dos afetos e da forma como cada um foi
marcado por aquela experiência.” (p. 17). Os questionamentos suscitados através desses
encontros instigaram a pesquisadora a investigar a relação tempo-memória-subjetividade –
sendo “o tempo, sempre o do presente; a memória vista como marcas impressas no corpo a
partir das experiências vividas; a subjetividade entendida como o modo singular de ver,
pensar e perceber o mundo, efeito das experiências e dos encontros ao longo da vida.” (p. 17).
Para a autora, uma história que leva em conta essas singularidades não pode ter a
pretensão de ser “a oficial”. Afinal, segundo ela, verdades são elementos transitórios, que
dependem do momento em que são produzidas. Sendo assim, a história (ou as histórias) sobre
a Rádice que ela apresenta em sua tese teria(m) sido inventada(s) e partiria(m)
Neste trecho de sua tese de doutoramento, A. D. Santos (2008) toma como ponto de
partida a matéria da Rádice sobre a proposta de um novo currículo para os cursos de
Psicologia para falar da história da formação na área. Para isso, recorre a outros historiadores,
a documentos oficiais, personalidades, órgãos governamentais, periódicos acadêmicos,
acontecimentos, comissões etc. (Fig. 2). Ela “volta” ao ano de 1954 – quando foi publicada a
primeira proposta curricular (antes mesmo da regularização da profissão) – passa pela década
em que a Rádice circulava em bancas, festas e diretórios acadêmicos e “aterrissa” nos dias de
hoje, nos fazendo refletir (ainda que implicitamente) sobre a formação profissional que
queremos.
Arquivamento da
1976 - CFE abre processo de proposta de reformulação
reformulação do currículo
mínimo de Psicologia
Preocupação
com o caráter
Mobilização contra a científico da
reformulação formação do
Lei 4.119
de 1962 “novo
1976 - Constituição profissional
da DAU/MEC
”
Pacote
1954- Arquivos
Rádice no. 9 pfrometa
Brasileiros de Waclaw Radecki
Psicologia Professores
renomados
nacionalmente Autonomia
universitária
Crítica à Consumo
Matérias “fixas” e Psicologia
”variáveis” tecnocrática Diferenças regionais
Repressão
Para que essa Psicologia Social que nos faz “viajar no tempo” exista, é preciso “rasgar
revistas em pedaços”, transportar gravadores, carregar “instrumentos para suscitar memórias”,
construir mapas comparativos... É preciso “inventar” uma história que não tem a pretensão de
ser a única história possível. É preciso “vibrar”.
100
88
Esse trabalho foi orientado pelo Prof. Dr. Marcos Vieira Silva e defendido, em 2009, no Programa de
Mestrado em Psicologia da Universidade Federal de São João Del-Rei (UFSJ). No mesmo ano, venceu o II
Concurso Brasileiro de Teses de Doutorado, Dissertações de Mestrado e Artigos oriundos de Trabalhos de
Conclusão de Curso (TCC, Monografia), de Iniciação Científica e de Estágios de Graduação em Psicologia, na
modalidade “dissertação de mestrado”. Como a dissertação não está disponível online, utilizamos a versão
publicada em 2011 pela editora da ABRAPSO.
89
Coordenado por Marcos Vieira Silva. A pesquisa de Miranda (2011) fez parte de um dos projetos do LAPIP.
101
eles(as) construíram foram importantes para sua pesquisa pois, neles, estavam registradas
tanto as descrições dos acontecimentos ocorridos em campo, quanto as observações teóricas,
as impressões e os sentimentos dos(as) pesquisadores(as). Em suas palavras, “neste contexto,
os significados atribuídos aos diferentes momentos históricos do Grupo puderam ser
apreendidos através de um trabalho que propiciou a leitura reflexiva do processo de interação
entre pesquisador e sujeitos da pesquisa.” (p. 75, 76). E na busca de entender as significações
produzidas no processo de construção dessas ações coletivas, bem como suas implicações na
produção de identidades, Miranda elegeu o trabalho de história oral de vida e história oral
temática como “metodologias suporte” (sic.) de seu trabalho.
Miranda (2011) realizou a entrevista de história oral de vida com Dona Benedita,
fundadora e idealizadora do Raízes da Terra. Já as entrevistas temáticas foram realizadas com
esta última e com outros três membros antigos do Grupo que, segundo a pesquisadora,
exercem grande influência sobre os demais.
Miranda (2011) contou a história do Raízes da Terra intercalando informações
contidas nas atas e diários de campo, relatos dos depoentes e reflexões acadêmicas, tal como
exemplificado no quadro 7.
102
A despeito de ter usado diários de campo, estes não eram iguais aos usados por
Menegon (1998). Afinal, Miranda (2011) e seus(as) colegas do LAPIP fizeram seus registros
apenas nos horários e locais do estágio e frequentemente “puxavam” os assuntos que lhes
eram de interesse; enquanto que o diário de Menegon continha conversas que aconteciam
“espontaneamente”, em qualquer hora e lugar. Diferentemente da tese de Friedman (1994), a
dissertação de Miranda não falou da consciência de sujeitos gagos, mas da identidade de
pessoas negras. Não fez uma “Análise Gráfica do Discurso”, mas “revitalizou” uma história.
Mandelbaum (2004) fez referência a Sigmund Freud, Isidoro Berenstein e Christophe
Dejours; já Miranda citou Antônio da Costa Ciampa, Michel Foucault e Kabengele Munanga.
Rodrigues e Assmar (2003) utilizaram escalas e mediram graus de justiça, enquanto que
Miranda falou de preconceito e de estratégias de resistência. Sua pesquisa não abordou
regimes ditatoriais, currículos universitários, movimentos estudantis ou a imprensa “de
esquerda”, como a de A. D. Santos (2008), mas contou a história de muitos homens e
mulheres que – como Dona Bety e Dona Benedita – lutam pela “[...] constituição de um
projeto identitário que possibilite a produção de um sentido para a vida.” (p. 152).
103
90
O fato de termos argumentado que cada uma das teses e dissertações que descrevemos enact uma Psicologia
Social distinta não significa que um mesmo trabalho não possa ter diferentes práticas ou enact Psicologias
Sociais distintas.
91
No ano de 2000, o CFP instituiu, por meio da resolução 014/00, o título profissional de Especialista em
Psicologia. Além de criar as especialidades em Psicologia Escolar e Educacional, Psicologia Organizacional e do
Trabalho, Psicologia do Trânsito, Psicologia do Esporte, Psicologia Jurídica, Psicologia Hospitalar, Psicologia
Clínica, Psicopedagogia e Psicomotricidade, essa resolução dispunha sobre as normas e procedimentos para o
seu registro. Três anos mais tarde, o CFP baixou outra resolução, a 005/03 (anexo 3), adicionando a esta lista de
especialidades a Psicologia Social. O III Concurso de Provas e Títulos, realizado em 2006, foi o primeiro a
conceder o título referente a esta nova especialidade.
104
encaminhado ao CFP (2002)92, ela afirma que a proposta de uma especialidade em Psicologia
Social não é coerente com a finalidade e a composição da Associação que presidiu, e vai de
encontro
Sendo assim, podemos dizer que, para Neuza Guareschi (2002), a Psicologia Social
não é uma especialidade, pois ela refere-se ao comprometimento social, à reflexão crítica e ao
engajamento político que todo psicólogo deve ter. Heliana de Barros Conde Rodrigues (2005,
p. 84, grifos da autora), por sua vez, posiciona-se contra o registro desse título dizendo que a
Psicologia Social é aquela que procura não separar a dimensão social da subjetiva. Em suas
palavras,
nós, psicólogos sociais (mas... ainda saberemos quem somos nós?), temos
procurado inventar/conceber coisa outra: a dimensão social desse tal
subjetivo. Em termos mais precisos, aliás, temos tentado imanentizar o que
fora separado. Algo sabemos da “dor e delícia” dessa utopia ativamente
exercida, seja como estudiosos, profissionais ou militantes. Também temos
buscado, por sinal, imanentizar essas funções ditas “especializadas”.
Seu argumento, assim como o de Guareschi (2002), de van Stralen (2005) e o do CFP
(2003), indica-nos que posicionar-se no debate acerca do registro do título de especialista
implica necessariamente assumir uma concepção de Psicologia Social. Desta forma, podemos
dizer que a resolução 05/03 do Conselho Federal funcionou como um “incidente crítico”93,
pois fez com que profissionais da área refletissem e discutissem sobre as diferentes formas de
fazer e de pensar a Psicologia Social.
Como dissemos anteriormente, essa diversidade de definições, teorias e práticas está
presente não somente nos argumentos pró ou contra o título de especialista, mas também nas
provas (discursiva e de conhecimentos específicos) do concurso que dá acesso a essa
92
Agradecemos à Profa. Dr a. Ana Maria Jacó-Vilela por ter permitido que tivéssemos acesso a esse material.
93
O conceito de incidente crítico foi desenvolvido pelo Núcleo de Práticas Discursivas e Produção de Sentidos
da PUC-SP, para se referir aos “[...] eventos-chave que podem ilustrar aspectos que se deseja investigar,
funcionando como possibilidades de micro-análises que permitem entrever processos da construção de sentido
sobre um dado fenômeno.” (GALINDO, 2003, p. 30).
105
titulação. De acordo com o edital (anexo 4), essas provas tinham por objetivo avaliar as
seguintes habilidades e conhecimentos:
94
É importante ressaltarmos que, para elaborar esse quadro, consideramos apenas as temáticas mencionadas nos
enunciados das questões e nas alternativas de respostas corretas (de acordo com o gabarito oferecido pela
Fundação VUNESP). Optamos por fazer essa delimitação a fim de evitar a inclusão, em nossa análise, de
repertórios que não são considerados pelo CFP como referentes à psicologia social – um repertório presente
numa resposta errada não necessariamente se refere ao que os elaboradores da prova consideram como
específico da Psicologia Social.
106
Quadro 8: quadro de sistematização dos repertórios relacionados à prática profissional de psicólogos(as) sociais presentes nas provas do concurso
Q. Área de atuação/área do conhecimento/ técnica Teórico(a) Característica/conceitos/objetos de estudo/objetos de intervenção
1 Psicologia Comunitária - Grupos; consciência crítica; identidade social e individual
2 Psicologia Comunitária - Ideologia; significados; sentidos; estereótipos; relações de dominação
3 Psicologia Comunitária - Território; habitação; lócus simbólico; alteridade; possibilidades de convívio
4 Psicologia Social Comunitária - Crianças/ adolescentes em situação de risco; cidadania; projeto político-pedagógico
5 Vertente Psicossociológica Lourau Instituição
Lapassade
6 Análise Institucional Lapassade Organizações do trabalho; coletivo; alienação; condições de trabalho
7 - Bleger Sociabilidade; indiferenciação/sincretismo; grupos e instituições
8 - - Grupos operativos; estruturas estereotipadas
9 - - Grupos operativos; Experiência do Rosário
10 Psicologia - Consequências psicológicas e psicossomáticas das situações de trabalho; questionamento da sociedade (de sua
direção, valores e estrutura de poder)
11 - - Violência psicológica contra crianças e adolescentes; políticas públicas na área de saúde; foro familiar
12 Psicologia Social no âmbito da saúde do trabalhador; Psicologia - Capitalismo periférico; leis; saúde do trabalhador; conhecimento prático
Social na área sindical
13 Psicologia Social; Psicologia Clínica - Serviços de saúde (utilização dos serviços e participação da comunidade em sua avaliação)
14 Psicologia Social - Processos involuntários de segregação; saúde/doença; processo de produção social
15 Psicologia Social - Trabalho; sentido; identidade
16 Psicologia Social - Mundo do trabalho; fala do trabalhador; conscientização
17 - - Desemprego; significado do trabalho
18 Psicologia Organizacional; Psicologia Ambiental; Psicologia - Relações no ambiente de trabalho
Comunitária
19 Perspectiva psicossocial Guareschi Pensamento neoliberal e liberal; sociedade industrial contemporânea; liberdade; competitividade; exclusão;
culpabilização
20 Psicologia Social Martins Exclusão social; políticas econômicas; políticas de exclusão; políticas de inclusão precária
21 - - II Seminário Nacional de Psicologia e Políticas Públicas; protagonismo social do psicólogo
22 Interface SUS-Psicologia - Processos de subjetivação que ocorrem no plano coletivo; princípio de inseparabilidade
23 Campo psi Despolitização; percepção dicotomizada de sujeito
24 Psicologia (leitura exclusivamente psicológica) - Movimentos sociais
25 Pesquisa Participante; Psicologia Social - Movimentos sociais; dimensões políticas e sociais; conhecimento produzido a partir das relações e da participação
26 Psicologia Social - Identidade municipal; consciência que reflete, explica e transforma a vida do lugar
27 Psicologia Comunitária - Investigação científica; vida cotidiana na comunidade; participação subjetiva e objetiva no cotidiano
28 Psicanálise (técnica grupal de orientação psicanalítica) Grupos operativos, progresso das pessoas envolvidas
29 - - Microgrupos; mediação indivíduo e sociedade
30 Sociopsicanálise (Sociologia; Psicanálise) Marx Freud Instituições; demandas de uma classe institucional
31 - - Atitude, respostas avaliativas (cognitivas, afetivas e comportamentais)
32 - - Representação social; comunicação social (aspectos interindividuais, institucionais e midiáticos); estruturas dos
sistemas de comunicação (conduta, opinião, atitude, estereótipo); difusão; propaganda; propagação
33 - - Interação social (aparência física, sinais comportamentais), comunicação interpessoal; modelo da média simples
34 Psicologia Social Experimental - Falta de compreensão da significação e historicidade dos fenômenos de natureza social e cultural; princípios formais
35 Medicina; Engenharia de Segurança - Transformações no mundo do trabalho; saúde do trabalhador; trabalho insalubre; trabalho perigoso
36 Abordagem Psicodinâmica do Trabalho - Sofrimento (insatisfação e ansiedade)
37 Psicologia Social no trabalho - Gênero, saúde e risco no cotidiano do trabalho
107
Neste quadro, podemos observar que, para o CFP, há psicólogos(as) sociais que
trabalham em comunidades, em organizações, em serviços de saúde... Alguns(as) fazem
análises institucionais, outros(as) fazem experimentos laboratoriais, pesquisas participantes ou
ainda coordenam grupos operativos. Uns(as) são construcionistas, outros(as) preferem o
Materialismo Dialético ou a Sócio-Psicanálise. O(a) especialista na área pode estudar atitudes,
representações sociais, ideologia, sentidos e significados, processos grupais, fenômenos de
massa, preconceitos, relações de gênero, violência, risco no trabalho processos de influência
ou de transformação social...
Mas, a despeito de essa especialidade poder ser enacted de diferentes maneiras, ela é
uma especialidade. E isso só é possível pois existem modos de coordenação dessa diversidade
– tema do próximo capítulo.
109
CAPÍTULO 4
A PSICOLOGIA SOCIAL É MENOS DO QUE MUITAS
110
Dizer que há diferentes Psicologias Sociais não significa dizer que elas não estejam
relacionadas, mas que essa área do conhecimento é um objeto fractal: é mais do que uma ao
mesmo tempo em que é menos do que muitas. E mais, significa dizer que essa singularidade
não é dada a priori, mas é o resultado de um trabalho de coordenação. Afinal,
O fato de utilizarmos um mesmo nome para nos referirmos a uma série de práticas
distintas é um indicativo dessa sobreposição. No capítulo anterior, dissemos que há
Psicologias Sociais que ocorrem em locais e horários previamente determinados; enquanto
outras ocorrem em qualquer lugar, a qualquer momento. Algumas usam escalas e tipologias;
enquanto outras lidam com pulsões, complexos e demandas. Umas buscam fazer ciência;
outras transformar a realidade social. A despeito de ocorrerem em locais distintos e de
possuírem diferentes objetivos e modos de intervir, essas práticas são chamadas da mesma
maneira: “Psicologia Social”. Esse rótulo funciona como uma espécie de ponte que une
diferentes espaços e práticas, que cria semelhanças, que articula as realidades de um objeto
múltiplo.
Essa articulação está presente tanto em políticas de formação e de fomento à pesquisa
quanto em livros introdutórios e associações profissionais: todos os cursos de graduação em
Psicologia do país possuem ao menos uma disciplina voltada à Psicologia Social (SOUZA;
SOUZA FILHO, 2009), a Capes reconhece cursos de pós-graduação stricto sensu na área,
instituições de fomento dão bolsas a pesquisadores(as) que se autoidentificam como
psicólogos(as) sociais, editoras publicam os livros desses(as) pesquisadores(as) e a
ABRAPSO os(as) representa. Em todos esses espaços, o nome “Psicologia Social” vincula
uma série de práticas, referenciais teóricos e objetos de estudo. E esses vínculos, articulações
e coordenações constituem o foco deste capítulo. No entanto, é importante ressaltarmos que
os modos de coordenação da Psicologia Social que abordamos aqui não são os únicos. Além
111
disso, muitas vezes, eles não operam independentemente uns dos outros, mas sobrepõem-se,
reforçam-se ou excluem-se mutuamente.
Uma das formas de coordenar diferentes versões da Psicologia Social é abordar essa
área do conhecimento como se houvesse apenas uma maneira de ela existir. Ou seja, é
“caixanegrizá-la”, omitindo suas controvérsias, problematizações e condições de produção
(LATOUR, 2000b)95. Melinda Mandelbaum (2004, p. 189) utiliza essa estratégia ao afirmar
que a Psicologia Social é aquela que estabelece o hífen entre o individual e o coletivo. Em
suas palavras:
95
Márcia Moraes (2011, p. 55) nos chama a atenção para o fato de que “caixanegrizar” um objeto é uma
estratégia de construção de verdades que parecem a-históricas e universais. Em suas palavras: “há, aí, embutida,
sem dúvida, uma certa concepção de conhecimento atrelada a um desengajamento: quanto mais desengajado
das condições práticas, locais, situadas, tanto mais verdadeiro é o fato.”
96
A partir da obra de Theodor Adorno, Mandelbaum (2004) define “homo oeconomicus” como o “[...] homem
que é o resultado da ação das instituições e engrenagens nas quais se suporta e se limita seu intercâmbio com
outros homens, sua socialização, em cujo interjogo dá-se o essencial das trocas responsáveis pelo comércio da
adaptação.” (p. 189). Já a noção de “homo psychologicus” – que é baseada nas obras de Sigmund Freud,
Melanie Klein e outros seguidores – é definida pela pesquisadora como aquela que “[...] ressalta as intensidades
de uma demanda pulsional, de um além do campo relacional, pressentido em qualidades emotivas entre o amor e
o ódio, a partir das experiências de amparo e desamparo e da inerente tolerância a lidar com angústias, como os
determinantes de uma economia subjetiva na qual se daria o comércio essencial do processo de colorir
emocionalmente a si mesmo e ao mundo em que se está.” (p. 189).
112
Podemos dizer que, neste trecho de sua tese doutoral, Mandelbaum (2004) fala em
nome de todos(as) psicólogos(as) sociais, convertendo-se, assim, em porta-voz de seus
interesses, práticas e preocupações. Ao fazer isso, transforma a Psicologia Social na prática
de “colocar hífens”; faz com que o vínculo entre as teorias sobre a vida e a expectativa em si
da vida humana seja um ponto de passagem obrigatório97.
Silvia Lane (2006a), Jaqueline Jesus (2011), Cláudia Mayorga e Marco Aurélio Prado
(2007) utilizam uma estratégia semelhante para apresentar a Psicologia Social brasileira.
Afinal primeira afirma que
A segunda, por sua vez, sustenta que a Psicologia Social “[...] trata da atração
interpessoal a partir de uma visão especulativa da personalidade humana, que não pode ser
dissociada da idéia de afetividade: desejamos ser aceitos pelos outros; [...] adquirimos, por
meio do sucesso em atrair e/ou ser atraído, maior liberdade para nos reinventar [...]” (J.
JESUS, 2011, p. 239, grifo nosso). E os terceiros argumentam que
97
Como dissemos no capítulo 1, as noções de “porta-voz” e “ponto de passagem obrigatório” foram propostas
por Callon (1986, 2003).
113
98
Tais como Escóssia e Kastrup (2005), Arendt (2003), M. J. Spink e Menegon (1999), entre outros
99
Tal como propõe a clássica divisão entre Psicologia Social Psicológica e Psicologia Social Sociológica.
100
Como, por exemplo, Oliveira (2008) e Souza (2005).
101
Tais como Menegon (1998), Moraes (2010) e M. J. Spink (2009).
102
Como, por exemplo, Rodrigues e Assmar (2003) e G. Jesus (2009).
114
4.2 Distribuição
Sociais podiam coexistir sem grandes conflitos, pois cada uma estava restrita a um lugar, a um
grupo de pesquisadores, a uma “escola” específica.
Outros(as) autores(as) referem-se à existência de diferentes versões da Psicologia
Social distribuindo-as não geograficamente, mas temporalmente. Como dissemos no capítulo
anterior, diversos textos introdutórios103 falam de uma Psicologia Social anterior e outra
posterior à “crise de referência” da década de 1970. Alberto Abib Andery (2007), por sua vez,
adiciona mais um período a esta linha do tempo, ao dizer que
103
Tais como Bock, Furtado, Teixeira (2003); Mancebo, Jacó-Vilela, Rocha (2003); Neiva, Torres (2011);
Almeida, Santos (2011) e Tittoni e Jacques (2001).
104
Segundo Jacó-Vilela (2007), a distinção entre as vertentes psicológica e sociológica da Psicologia Social foi
estabelecida a partir da publicação, em 1924, do livro “Social Psychology”, de Floyd Allport, mas passou a ser
amplamente divulgada no Brasil apenas após a publicação da edição nacional do livro “As Raízes da Psicologia
116
Ferreira (2011), Jefferson Bernardes (2001), Ângela Pinheiro (2004), Elaine Neiva e Cláudio
Torres (2011) parecem concordar com essa distinção. A primeira afirma que
Já no texto de Bernardes (2001), o que separa essas duas formas de Psicologia Social é
o fato de a “Psicológica” usar métodos experimentais, ter forte influência positivista, explicar
Social Moderna”, de Robert Farr, em 1998. De acordo com Farr (2000, p. 153, 154), a Psicologia Social “[...]
floresceu no contexto de duas disciplinas bastante distintas (a saber, a sociologia e a psicologia), assumindo
diferentes formas nos dois contextos [...] cada uma das formas de psicologia social que evoluiu dentro destas
diferentes disciplinas foi influenciada pelas características da disciplina-mãe. A psicologia social em ambas as
disciplinas funcionou como uma força compensatória às forças dominantes na disciplina-mãe. Isto,
necessariamente, produziu duas formas de psicologia social que tem pouco ou nada em comum, uma vez que só
podem ser entendidas em relação à [sic.] contextos diferentes. Neste aspecto, são como diferentes espécies da
mesma planta.”
117
105
Elaine Braghirolli, Siloé Pereira e Luiz Antonio Rizzon (2003) não falam propriamente de uma Psicologia
Social Psicológica e outra Sociológica, mas dividem os temas dessa área do conhecimento em duas grandes
categorias: 1) a daqueles que têm o indivíduo como foco central de interesse (e estudam temas como
personalidade; percepção social; linguagem e comunicação; motivos sociais; atitudes e desenvolvimento social)
e 2) a daqueles que focam o grupo ou a organização (e estudam temas como formação de grupos; papéis sociais,
liderança e atração interpessoal).
118
Outro mediador que muitas vezes impede que distribuições acabem por fragmentar a
Psicologia Social em uma série de objetos não relacionados é o discurso sobre a necessidade
de promover transformações sociais. O Conselho Federal de Psicologia (CFP), por exemplo,
afirma que a Psicologia Social “[...] atua fundamentada na compreensão da dimensão
subjetiva dos fenômenos sociais e coletivos, sob diferentes enfoques teóricos e
metodológicos, com o objetivo de problematizar e propor ações no âmbito social.” (CFP,
2003, p. 1, grifos nossos). Ou seja, para o CFP, a despeito de estarem distribuídas em
diferentes correntes teórico-metodológicas e campos de atuação, as diferentes Psicologias
Sociais estão conectadas por um objetivo comum: problematizar e propor ações sociais.
Esse elo também está presente em diversos livros introdutórios e trabalhos
acadêmicos. Na introdução do manual “Psicologia Social Contemporânea”, por exemplo,
Marlene Strey e colaboradores (2001, p. 15, grifos nossos) sustentam que, após a “crise” da
década de 1970, a Psicologia Social passou a ensejar “[...] a complexificação do simples, a
pluralidade teórico-metodológica, a intersecção das diferentes áreas de aplicação da
Psicologia, a prática interdisciplinar e a preocupação ética em relação aos seus compromissos
sociais e políticos.” Passou, portanto, a ser uma Psicologia Social preocupada com “[...]
aspectos de relevância e aplicabilidade ao contexto brasileiro e que possam responder às
questões sociais específicas de sua população.” (p. 15). Já no capítulo sobre pesquisa,
119
Jaqueline Tittoni e Maria da Graça Jacques (2001, p.76, grifos nossos) afirmam que pensar a
produção de conhecimento em Psicologia Social
No livro de Ana Maria Cantizani (1998), Psicologias Sociais distintas não se unem por
uma preocupação política comum. Muito pelo contrário. Neste texto, o(a) pesquisador(a) da
área deve adotar uma “[...] atitude de afastamento de suas próprias emoções e tendências
políticas.” O que as diferentes temáticas e teorias que a autora aborda em seu livro possuem
em comum é o fato de se referirem às “[...] relações dinâmicas entre o homem e seu meio
ambiente” (p. 7).
Esse elo também está presente no capítulo de Hartmut Günther (2011, p. 58, grifo
nosso), afinal, para o autor, a despeito de a Psicologia Social estudar um grande número de
assuntos e envolver um número diversificado de abordagens metodológicas, ela pode ser
definida como a ciência que
De modo similar, Maria Cristina Ferreira (2011, p. 13, grifos nossos) sustenta que,
desde o início,
[...] essa área da psicologia social foi marcada por uma relativa falta de
consenso acerca de seu objeto de estudo. Ainda assim, é possível observar
que o binômio indivíduo-sociedade, isto é, o estudo das relações que os
indivíduos mantêm entre si e com a sociedade ou a cultura, esteve
frequentemente no centro das preocupações dos psicólogos sociais.
Enquanto que Elaine Neiva e Cláudio Torres (2011, p. 36, grifo nosso) argumentam
que
120
106
Nesse livro, a autora afirma que “o enfoque da Psicologia Social é estudar o comportamento de indivíduos no
que ele é influenciado socialmente” (LANE, 2006a, p. 8).
121
4.3Adição
Assim como os objetos podem ser distribuídos, eles podem, também, ser
recombinados para formar entidades compostas (LAW, 2008). Mol (2002) chama esse
mecanismo de coordenação de “adição”. Frequentemente, documentos oficiais e textos
introdutórios definem Psicologia Social somando uma série de práticas e objetos. A resolução
005/2003 do CFP, por exemplo, afirma que
Assim, de acordo com essa resolução, o(a) psicólogo(a) social faz pesquisa e propõe
políticas públicas; trabalha com movimentos sociais e com a comunidade em geral; intervém
no âmbito da saúde e da educação; atua no mundo do trabalho e da justiça; lida com questões
referentes ao meio ambiente e à comunicação social... Essas diferentes práticas e locais de
atuação são alinhados e somados de tal maneira que passam a referir-se a um objeto único: a
Psicologia Social.
122
4.4 Inclusão
107
Estamos chamando de identidade toda manifestação que, com pretensões de permanência, circunscreve e
estabelece uma diferença específica em relação ao que lhe é externo (BARROS FILHO; LOPES, 2003).
123
No entanto, o estabelecimento desses limites nem sempre é fácil. Não é fácil, por
exemplo, dizer onde começa e onde termina a Psicologia, a Sociologia e a Psicologia Social,
pois as fronteiras entre essas três disciplinas (e outras tantas) frequentemente são bastante
borradas. Alguns(as) pesquisadores(as) da área – como, por exemplo, Arthur Ramos (2003);
Maria Cristina Ferreira (2011) e Cornelis van Stralen (2005)109 – argumentariam que essa
dificuldade resulta do fato de a última estar situada na intersecção das duas primeiras. De ser,
portanto, um “objeto fronteiriço”. A noção de objeto fronteiriço
108
Pudemos observar claramente essa dificuldade de separar o “eu” do “outro” quando analisamos os currículos
Lattes dos(as) docentes que lecionam em cursos de pós-graduação voltados para a Psicologia Social. Dos(as)
248 professores(as), apenas 24 se autoidentificam apenas como psicólogos(as) sociais. Muitos(as) deles(as) se
definiram também como psicólogos(as) da saúde, do trabalho e da educação. Outros(as) tantos(as) afirmam atuar
em áreas “exteriores” à Psicologia, tais como Saúde Coletiva, Comunicação Social, Sociologia e Serviço Social
(CORDEIRO; M. J. SPINK, 2011).
109
Silvia Lane (2007a, p. 13) também se refere à Psicologia Social como um objeto fronteiriço. No entanto, para
a autora, esta estaria situada na intersecção da Sociologia com a Psicanálise (e não com a Psicologia) e seria
permeada pela História. Em suas palavras: “por um lado a psicanálise enfatizava a história do indivíduo, a
sociologia recuperava, através do materialismo histórico, a especificidade de uma totalidade histórica concreta na
análise de cada sociedade. Portanto, caberia à Psicologia Social recuperar o indivíduo na intersecção de sua
história com a história de sua sociedade – apenas este conhecimento nos permitiria compreender o homem
enquanto produtor da história”.
124
Mas se observamos as práticas que enact a Psicologia Social, percebemos que elas não
estão circunscritas a uma única região, mas envolvem elementos e associações “pertencentes”
a diversos lugares, campos do conhecimento e instituições. Percebemos, portanto, que essa
disciplina não corresponde ao espaço intermediário do diagrama que algumas vezes
utilizamos para representá-la (fig. 3), mas envolve um emaranhado de materiais heterogêneos,
justapostos, unidos e transformados pelas relações que estabelecem.
Psicologia Sociologia
Social
110
Esse texto foi publicado na revista Psicologia & Sociedade em um dossiê especial sobre a criação do título de
especialista em Psicologia Social.
125
Conhecimento científico
Ciências Humanas
Psicologia
Psicologia Social
Psicologia Social do Trabalho
Saúde mental do
trabalhador
Psicologia
Psicologia Social
Assumir essa postura evita, entre outras coisas, problemas na hora de definir o
“tamanho” das áreas, subáreas e especialidades. Afinal, o que é maior, a Psicologia Social ou
a Psicologia Comunitária? Intervenção Psicossocial ou Clínica Psicanalítica? Provavelmente,
muitos(as) pesquisadores(as) se deparam com essa dificuldade ao preencherem formulários ou
cadastrarem seus currículos na Plataforma Lattes (lattes.cnpq.br)112 – tanto que, nessa
plataforma, o escalonamento dos campos do saber não é padronizado. Alguns(as)
pesquisadores(as) colocam, por exemplo, a Psicologia Comunitária como uma subárea da
Psicologia, outros(as), a colocam como uma especialidade da subárea Psicologia Social
(CORDEIRO; M. J. SPINK, 2011).
111
É importante ressaltamos que o fato de, nesse esquema, a bolsa menor representar a Psicologia e a maior a
Psicologia Social não significa que estejamos afirmando que uma área é maior que a outra. Pelo contrário, o que
estamos propondo é que não há tal relação de tamanho. O que é “maior”, ao ser dobrado torna-se “menor” e
vice-versa.
112
De acordo com sua página na internet, a Plataforma Lattes (lattes.cnpq.br) foi desenvolvida pelo Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) para integrar em um único sistema de
informações bases de dados de currículos e instituições das áreas de ciência e tecnologia.
127
113
Segundo Morin (2007, p. 22), a palavra “complexo” vem do latim “complexus”, que significa aquilo que é
tecido conjuntamente, aquilo que se deve enlaçar. “Nesse sentido, é certo que os conhecimentos que se
encontram atualmente separados, fragmentados, enclausurados em disciplinas, não podem se ligar uns aos
outros. Não se pode perceber o tecido comum. Portanto, a complexidade exige transdiciplinaridade.”
129
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nesta tese, buscamos fugir do realismo que caracteriza grande parte das pesquisas
científicas. Sendo assim, não falamos de uma realidade exterior, que antecede e que
independe de nossas ações. Mas falamos de uma realidade que se torna real por meio de
nossas práticas. Não falamos, portanto, da Psicologia Social brasileira. Falamos apenas de
uma Psicologia que é Social porque assim a fizemos ser.
Ao abordarmos a multiplicidade da Psicologia Social brasileira da forma como o
fizemos, deixamos de mencionar inúmeros procedimentos, autores, conceitos. Não demos
conta do todo; apenas contamos histórias sobre alguns lugares em que, no Brasil, a Psicologia
é Social. Afinal, por mais que quiséssemos conhecer, representar ou documentar essa área do
conhecimento da forma mais completa possível, nós nunca conseguiríamos fazê-lo.
Segundo John Law (2003), essa limitação não é causada somente por uma
inadequação técnica; mas, sobretudo, pelo fato de que tornar algo presente implica,
necessariamente, tornar outras coisas ausentes. “Ambas [presença e ausência] andam juntas.
Não poderia ser de outra forma. Presença implica ausência.” (p. 7, tradução nossa). Para o
autor, essa limitação constituiria um problema se acreditássemos em sujeitos que tudo sabem,
em olhos que tudo veem, em base de dados que tudo representam. No entanto, para ele, essa
totalidade não passa de uma pretensão, pois
Sendo assim, para Law (2003, 2008), o problema de muitas ciências naturais e sociais
não está em não mencionar ou em excluir o “outro” – isso é inerente ao processo de tornar
algo presente. Mas está na negação dessa exclusão. Está na pretensão de ter um saber global,
universal e totalizante. Está, também, no fato de ignorar que as práticas científicas produzem
realidades.
De acordo com o autor, muitas ciências naturais e sociais partem do pressuposto de
que existe uma realidade exterior e pré-determinada e que cabe a elas representar essa
130
realidade da forma mais fiel possível: “é uma via de mão única. A natureza é colocada no
papel de quem fala por si mesma.” (LAW, 2003, p. 7, tradução nossa). No entanto, tal como
dissemos nos capítulos 1 e 2, não há uma realidade anterior e independente de nossas
práticas114. As ciências, portanto, não apenas representam, mas elas criam realidades. A
questão que Mol (1999, 2002) nos coloca passa, então, a ser de extrema importância: qual
realidade queremos enact em nossas pesquisas?
Demos pistas de nossa resposta ao longo de toda a tese. Logo na introdução, dissemos
que não buscávamos encontrar uma definição única e final de Psicologia Social nem
cartografar seu universo. Muito pelo contrário, assim como no trabalho de Moraes (2010, p.
46),
Nesta tese, portanto, não nos engajamos apenas em uma política de pesquisa, mas
também em uma política de realidade (LAW, 2003). Engajamo-nos em um compromisso com
um “multiverso” – ou como diria Law (2011), com um “fractiverso” (fractiverse) – no qual a
realidade não passa de um efeito de relações contingenciais e heterogêneas. Engajamo-nos em
uma Psicologia Social que é mais do que uma e menos do que muitas: é mais do que uma
porque pode ser enacted de diferentes maneiras e menos do que muitas pois suas diferentes
versões muitas vezes se relacionam.
Nesta Psicologia Social, os não humanos também têm agência: eles produzem
diferenças, desvios, transformações. Sendo assim, ela não é “social” no sentido mais usual do
termo, pois não fala somente de pessoas, grupos ou sociedades. Ela é social em um sentido
mais amplo, o de associações. Em outras palavras, aqui, “ser social” não significa analisar,
descrever ou intervir em um domínio da realidade específico, mas falar das associações, das
mediações, dos vínculos entre atores humanos e não humanos. Aqui,
114
Realidades até podem ser enacted como independentes, pré-determinadas, definidas e singulares. Mas isso só
é possível “[...] porque elas estão sendo feitas dessa maneira. Poderia ser o contrário. [...] Se elas estão sendo
feitas desta maneira é porque a alternativa – que elas podem ser dependentes, simultâneas, indefinidas e/ou
múltiplas – está sendo sistematicamente excluída [othered].” (LAW, 2003, p. 8, tradução nossa).
131
o que nos mantém unidos é o que está além de nossa carne. Mesclado com o
linguístico, com o político, com o ideológico... Em outras palavras, [aqui] o
social não é o que nos mantém juntos, mas o que é mantido. Além disso, se
algo caracteriza nossos marcos de interação é o fato de eles não constituírem
algo claramente demarcado e definido, de frequentemente serem redes
convulsas repletas de diversos dados, lugares, artefatos, símbolos e pessoas.
São, definitivamente, multiplicidades absolutas. Sendo assim, [...] o social é
um assunto performativo. É impossível estabelecer a priori propriedades que
sejam peculiares à vida em sociedade, ainda que na prática se faça isso. Os
elementos que compõem o social são muito variados e o laço social tem
propriedades extrassociais e heterogêneas; e são os atores que executam a
sociedade, que definem in situ o que é social e o que não é. (TIRADO, 2011,
p. 4, tradução nossa).
É importante ressaltarmos que assumir essa definição de social não nos transforma em
relativistas radicais; tampouco permite que nos identifiquemos como totalmente
construcionistas. Talvez, pudéssemos definir-nos como simpatizantes de uma espécie peculiar
de construcionismo, chamada por Latour (2003) de “construcionismo realista” (realistic
constructivism). Assim, esquivamo-nos do dilema “ou você acredita na realidade, ou adere ao
construcionismo” e assumimos que o social é real justamente porque é construído (PEDRO,
2010).
Assumir essa definição de social possui, também, implicações éticas. Afinal, se a
sociedade só existe por meio de nossas práticas, cabe a nós refletir sobre os efeitos daquilo
que fazemos. Cabe a nós, perguntarmo-nos “o que queremos que o Social de nossas
Psicologias signifique e produza?”
De acordo com Latour (2008), tomar o social como um movimento de reassociação e
reagrupamento (reensamblado) de atores heterogêneos amplia a lista de membros que
compõem o mundo social e, consequentemente, aumenta nossas possibilidades de intervir na
realidade. Em suas palavras, nascida em um momento pouco auspicioso, a Sociologia
tradicional
Não adianta, por exemplo, vestir uma armadura e lutar contra o monstro chamado
“sistema capitalista”. Afinal, como saber em que castelo ele reside, que armas devemos usar
para atacá-lo ou como podemos nos proteger? Para Latour (2008), a estratégia bélica mais
eficaz é a transformação de relações menores, de relações concretas. Não podemos lutar
contra algo tão abstrato como o “sistema”, mas podemos deixar de comprar um carro do ano,
contribuir com a construção de uma política social mais solidária, promover um debate sobre
as estratégias de legitimação do discurso neoliberal, participar de uma passeata, reivindicar a
estatização dos meios de produção, estabelecer relações de trabalho mais horizontais, deixar
de tomar Coca Cola, não comprar presentes de Natal... Podemos, portanto, criar novas (e
pequenas) associações. Podemos fazer com que vínculos que não consideramos desejáveis
deixem, em alguma medida, de existir. Podemos resistir.
Tampouco adianta dizer que a Psicologia Social estuda como o comportamento de
indivíduos é influenciado socialmente. Afinal, de que indivíduos estamos falando? A qual
sociedade nos referimos? Como se dá essa influência? É muito mais fácil responder a essas
questões se, ao invés de falarmos de algo tão complexo e abstrato como a sociedade, focarmos
as associações (locais e diminutas) que enact determinada realidade. Até mesmo a capacidade
transformadora da Psicologia se torna mais factível se não nos prendemos somente ao seu
compromisso social – afinal, sem dúvida alguma, é muito mais fácil mudar vínculos que
mudar a sociedade. Não podemos, por exemplo, transformar todo o “contexto social” que
influencia (negativamente) o comportamento do jovem infrator de que falamos no capítulo 1.
Mas podemos tentar intervir nos vínculos que ele estabelece com seus familiares, com a
polícia, com as drogas, com a escola, com o (custoso) tênis Nike etc.
Nesta tese, buscamos fazer proliferar narrativas locais, parciais, menores. Narrativas
politicamente comprometidas com a possibilidade de a Psicologia Social ser múltipla. É claro
que no caminho perdemos a “grande história”. “Este é o custo: não temos mais a visão geral.
Mas, ao mesmo tempo, criamos algo que não existia antes: interferências entre histórias [...]
cultivar várias histórias uma ao lado da outra é alterar o caráter do saber e do fazer. É tornar o
saber e o fazer complexo e múltiplo.” (LAW, 1997 apud MORAES; ARENDT, 2010, p. 70).
Para cultivar diferentes histórias sobre a Psicologia Social brasileira, usamos
ferramentas, conceitos e reflexões oriundas de diferentes disciplinas acadêmicas, sobretudo da
Sociologia, Antropologia e Filosofia. No entanto, não fizemos um trabalho interdisciplinar. O
que fizemos é um trabalho de Psicologia Social que inclui e, ao mesmo tempo, está incluído
em outras áreas do saber – como a ecobag de que falamos no capítulo 4.
Fizemos, portanto, um trabalho que busca fazer uma diferença (ainda que pequena) no
campo da Psicologia Social. Que busca chamar a atenção para a possibilidade de ordenar e de
coordenar a realidade de diferentes modos. De reconhecer que nessa disciplina cabem
múltiplos e diversos atores. De fazer uma Psicologia Social que “[...] ao invés de isolar
variáveis, busca conexões complexas que articulam humanos a não humanos e que performam
múltiplas realidades” (MORAES; MONTEIRO, 2010, p. 112).
É importante ressaltarmos, uma vez mais, que a Psicologia Social que fizemos nesta
tese não é a única possível; nem é mais verdadeira, mais abrangente ou mais bem
intencionada que as outras. No entanto, o fato de ela não revelar a verdade sobre o mundo não
significa que seja falsa. De acordo com Law (2008), se admitimos que a realidade é múltipla,
a verdade não pode mais ser o único árbitro na decisão de que métodos e teorias devemos
seguir – ainda que, obviamente, ela permaneça sendo importante. A
Nesta tese, temos, portanto, um compromisso com a verdade – mas com uma verdade
que não é a única possível. Temos, também, um compromisso político: buscamos tornar
certos arranjos mais prováveis, mais fortes, mais reais. Arranjos que permitem que a
Psicologia Social seja múltipla.
De acordo com Law (2008), criar imaginários ônticos/epistêmicos múltiplos pode ou
não ser um bem – isso dependerá das circunstâncias, do conteúdo desses imaginários e de
como nos posicionamos ao avaliá-los. No entanto, para o autor, propor a proibição completa
desses imaginários nunca é um bem. É uma política de alteridade (politics of Othering) que
pressupõe e impõe “[...] que singularidade é destino, que o desencantamento está na natureza
das coisas, e que multiplicidade é um erro.” (p. 149, tradução nossa).
Sendo assim, nesta tese, não estamos propondo que todos psicólogos e psicólogas
sociais devam sempre fazer e falar de uma Psicologia Social múltipla; estamos apenas
chamando a atenção para essa possibilidade. Em alguns casos, enfatizar tamanha
complexidade pode até mesmo ser inadequado. Podemos imaginar, por exemplo, a confusão
que uma professora de graduação causaria caso resolvesse abordar a fractalidade da disciplina
em um curso introdutório. Talvez fosse muito mais proveitoso para a formação de seus alunos
e alunas se ela começasse o curso dizendo que há diferentes versões da Psicologia Social
(muitas vezes sobrepostas), mas que, por determinadas razões, optou por apresentar e discutir
esta ou aquela. Assim, ela não estaria negando o caráter múltiplo da disciplina, estaria apenas
afirmando que, naquela ocasião, focá-lo não contribui para fazer aquilo que considera ser o
“bem”.
Abordar as implicações dessa noção de multiplicidade para políticas de formação seria
uma interessante forma de dar continuidade a esta pesquisa. Afinal, no Brasil, os cursos de
graduação em Psicologia estão estruturados de maneiras bastante diferentes: uns são mais
“psicanalíticos”, outros mais “behavioristas”; em uns a Psicologia Social é “sócio-histórica”,
em outros ela é “construcionista” ou “cognitivo-comportamental”; em alguns aprender a fazer
pesquisa é importante, em outros basta a formação clínica ou organizacional. Mas será que
nossas políticas de formação abordam a multiplicidade da área, ou apenas lhe permitem ser
diversa? Em outras palavras, será que, nelas, as diferentes versões da Psicologia estão
coordenadas? Ou será que elas partem do pressuposto de que há uma Psicologia com diversas
especialidades, sendo que cada especialista possui competências, hábitos, histórias e
preocupações particulares, que lhe permitem ter um olhar diferente acerca de um objeto
comum? (MOL, 1999). Que tipo de profissional elas querem formar e em que medida enact
135
uma realidade múltipla contribui para esse projeto político? O modelo de formação
profissional que elas propõem é condizente com aquilo que acreditamos ser o “bem”?
É claro que uma pesquisa que levantasse essas questões seria extremamente relevante,
no entanto, ela não conseguiria respondê-las completamente – afinal, se assumimos que a
ontologia é múltipla, temos de assumir que o “bem” também o é. E, tal como dissemos no
capítulo 2, “fazer o bem não é resultado de descobertas, mas é uma questão de, de fato, fazer.
De tentar, remendar, esforçar-se, fracassar e tentar novamente.” (MOL, 2002, p. 177, tradução
nossa).
Assim, abordar a Psicologia Social da forma como o fizemos é uma ação, através da
qual esperamos contribuir para a produção de um “bem”. No entanto, não há como saber se
este texto fará alguma diferença na prática. Tudo depende de quem o lerá, de onde ele estará
disponível (ficará restrito à biblioteca da PUC-SP? Será publicado em formato de artigo?
Poderá ser acessado a partir do banco de teses da Capes?) e se haverá ou não sobreposição de
suas preocupações com a de seus(as) possíveis leitores(as) (MOL, 2002). Se aqueles(as) que
um dia lerem esse trabalho buscarem uma definição ideal de Psicologia Social, provavelmente
não produziremos nenhum efeito relevante. Mas se, ao invés de respostas, buscarem questões,
talvez possamos, com este trabalho, fortalecer uma realidade da Psicologia Social
ligeiramente diferente.
136
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<http://www.abrapso.org.br/informativo/view?ID_INFORMATIVO=244>. Acesso em: 23 de
dez. 2011.
- Capa do livro: “Psicologia Social: o homem em movimento”: arquivo pessoal da autora.
- Capa do livro: “O que é Psicologia Social”: arquivo pessoal da autora.
- Desenho de um experimento do Psicologia Social: disponível em:
<http://oaprendizdeignorante.blogspot.com/2009/06/milgram-experiment.html>. Acesso em:
23 de dez. 2011.
156
Capítulo 4
- Estante com livros de Psicologia Social: arquivo pessoal da autora.
- Sacola de compras reutilizável: disponível em:
http://www.ecologicabrindes.com.br/materias.php?cd_secao=10&codant=&friurl=:-Bolsas-:.
Acesso de em: 23 de dez. 2011.
- Fachada da PUC-SP: arquivo pessoal da autora.
- Logomarca da ABRAPSO: disponível em: <
http://nucleoabrapsoufmg.wordpress.com/2010/12/17/abrapso-minas-regional/>. Acesso de
em: 23 de dez. 2011.
- Representação gráfica de uma rede de Psicologia: In: NEIVA, E. R.; CORRADI, A. A.. A
psicologia organizacional e do trabalho no Brasil: uma análise a partir das redes sociais de
pesquisadores da pós-graduação. Rev. Psicol., Organ. Trab., v. 10, n. 2, 2010 . Disponível
em: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1984-
66572010000200006&lng=pt&nrm=iso>. acesso em 30 dez. 2011.
- Quebra-cabeça (globo): disponível em: http://ssfic.blogspot.com/2010/05/psicologia-social-
e-servico-social.html. Acesso de em: 23 de dez. 2011.
157
ANEXOS
158
115
Disponível em: <http://www.editorabrasiliense.com.br/brasiliense/?module=Colection&action=view&id=7055ed91-737c-9670-ec9d-4a981b9ca7d4>. Acesso em: 12 set.
2011.
159
menos doutrinário possível, o imenso panorama descortinado pela Psicologia Social, seguindo a
esteira dos mestres estrangeiros da especialidade, ainda incipiente entre nós” (p. 23).
RODRIGUES, A.; Psicologia social 2002 “Este livro se destina às pessoas que desejam obter uma visão geral das principais contribuições
ASSMAR, E. M. L.; da psicologia social contemporânea. O livro é essencialmente um livro-texto para estudantes de
116
JABLONSKI, B. psicologia em nível de graduação.” (p. 17) .
BRAGHIROLLI, E. M.; Temas de psicologia social 1996 “Temas de Psicologia Social foi escrito com uma finalidade específica: servir de texto didático
PEREIRA, S,; RIZZON, para as disciplinas dos diversos cursos de graduação que têm incluídos, em seus programas,
L. A. esses conteúdos. [...] Espera-se estar contribuindo, com esta publicação, para a compreensão dos
processos subjacentes ao complexo problema das relações humanas.” (p. 9, 10)
116
As duas primeiras edições do livro foram assinadas apenas por Rodrigues. Quase três décadas depois da primeira edição, Eveline Assmar e Bernardo Jablonski – seus ex-
alunos utilizaram edições anteriores do livro em suas aulas e tiveram oportunidade de observar a reação dos alunos ao texto. Tais observações foram utilizadas – a partir da 3ª
edição – para reformular e adaptar o livro às suas necessidades.
160
RESOLVE:
o
Art.1 . Fica reconhecida a especialidade de Psicologia Social para finalidade de concessão e
registro de título de Especialista.
o
Art.2 . O título concedido ao psicólogo será denominado “Especialista em Psicologia
Social”.
o
Art.3 . A especialidade de Psicologia Social fica instituída com a seguinte definição:
I - Atua fundamentada na compreensão da dimensão subjetiva dos fenômenos sociais
e coletivos, sob diferentes enfoques teóricos e metodológicos, com o objetivo de
problematizar e propor ações no
âmbito social. O psicólogo, nesse campo, desenvolve atividades em diferentes
espaços institucionais e comunitários, no âmbito da Saúde, Educação, trabalho, lazer,
meio ambiente, comunicação social, justiça, segurança e assistência social. Seu
trabalho envolve proposições de políticas e ações relacionadas à comunidade em
geral e aos movimentos sociais de grupos e ações relacionadas à comunidade em
geral e aos movimentos sociais de grupos étnico-raciais, religiosos, de gênero,
geracionais, de orientação sexual, de classes sociais e de outros segmentos
socioculturais, com vistas à realização de projetos da área social e/ou definição de
políticas públicas. Realiza estudo, pesquisa e supervisão sobre temas pertinentes à
163
ODAIR FURTADO
Conselheiro-Presidente
O CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, tendo em vista as Resoluções CFP n.º 14/00 e n.º
02/01, torna pública a realização de concurso de provas e títulos para concessão do Título de Especialista em
Psicologia e seu respectivo registro, mediante condições estabelecidas neste edital.
2. DAS ESPECIALIDADES
2.1 PSICOLOGIA CLÍNICA
2.2 PSICOLOGIA DO ESPORTE
2.3 PSICOLOGIA DO TRÂNSITO
2.4 PSICOMOTRICIDADE
2.5 PSICOPEDAGOGIA
2.6 PSICOLOGIA ESCOLAR E EDUCACIONAL
2.7 PSICOLOGIA ORGANIZACIONAL E DO TRABALHO (verificar item 14.7 deste
edital: PSICOLOGIA SOCIAL E ORGANIZACIONAL; )
2.8 PSICOLOGIA JURÍDICA
2.9 PSICOLOGIA HOSPITALAR
2.10 PSICOLOGIA SOCIAL
2.11 NEUROPSICOLOGIA
registrada ou cadastrada;
b) pelo menos duas declarações ou cópias contratuais de consultorias realizadas na área da especialidade;
c) declaração de vinculação pessoal à sociedade científica, associativa ou de formação, legalmente
estabelecida por cinco anos e que tenha objetivos estatutários ligados à área, na qualidade de membro,
aluno, docente ou associado;
d) declaração da condição de conveniado na especialidade, com planos de saúde ou organizações de
seguridade social, regularmente registrados, com remuneração direta por parte do plano, especificado o
tempo e o volume anual de serviços prestados;
e) declaração de atividade docente de supervisão de atividade prática, em curso de Psicologia em instituição
de ensino superior, reconhecida pelo MEC, por período de dois anos, em disciplina ligada à área da
especialidade;
f) outros documentos que o profissional considere suficientes para atestar a inequívoca especialidade no
efetivo exercício profissional, cuja aceitabilidade dependerá de parecer da Comissão de Análise para a
Concessão do Título Profissional de Especialista do Conselho Regional.
3.2.3 Atividade voluntária comprovada na especialidade requerida por pelo menos dois anos, contínuos ou
intermitentes atestada por instituição. Constitui documento obrigatório a declaração da instituição (pessoa
jurídica), em que deverá constar:
I – identificação da instituição com número do CNPJ e endereço completo;
II – identificação do signatário, que deverá ser responsável legal pelo registro de funcionários, com a citação
da função que ocupa, ou que ocupou, e número de inscrição no CPF;
III – função exercida, com a descrição das atividades e a indicação do período em que foram realizadas pelo
requerente.
IV – esta modalidade dispensa a apresentação de comprovantes de INSS e ISS.
4. DA INSCRIÇÃO NO CONCURSO
4.1. São condições para inscrição:
a) ser brasileiro, nato ou naturalizado, ou gozar das prerrogativas previstas no art. 12 da Constituição Federal e
demais disposições de lei, no caso de estrangeiros;
b) ter, na data de encerramento das inscrições, idade mínima de 18 (dezoito) anos completos;
c) estar em dia com as obrigações eleitorais;
d) se do sexo masculino, estar em dia com as obrigações militares;
e) declarar, no requerimento da inscrição, que possui os requisitos exigidos para o título pretendido e que
conhece e aceita as normas constantes deste Edital.
f) estar com o CPF regularizado;
g) não registrar antecedentes criminais;
h) estar em dia com o Conselho de Classe.
5.5 Não será aceita inscrição por via postal, fac-símile, condicional ou fora do período estabelecido neste Edital.
Será cancelada a inscrição se for verificado, a qualquer tempo, o não atendimento a todos os requisitos
estabelecidos neste Edital.
5.7 O deferimento da inscrição dar-se-á mediante o correto preenchimento da ficha de inscrição, a assinatura do
candidato no requerimento de inscrição e o pagamento da taxa de inscrição.
5.8 Não deverá ser enviado ao Conselho Federal de Psicologia ou à Fundação Vunesp qualquer cópia de
documento de identidade.
7.2 As provas objetiva e dissertativa avaliarão habilidades que vão além do mero conhecimento memorizado,
abrangendo compreensão, aplicação, análise, síntese e avaliação, valorizando a capacidade de raciocínio, de
acordo com o item 14 – DO CONTEÚDO PROGRAMÁTICO.
7.3 A prova objetiva terá duração de 3 (três) horas e 30 (trinta) minutos e será composta de questões de
167
7.16 No dia de realização das provas, não será permitido ao candidato entrar ou permanecer no local do exame
com armas, ainda que possua o respectivo porte, ou aparelhos eletrônicos (bip, telefone celular, relógio do tipo
data bank, walkman,agenda eletrônica, notebook, palmtop, receptor, gravador, etc.), ou estiver fazendo uso
de boné ou chapéu. Caso o candidato leve alguma arma e/ou algum aparelho eletrônico, estes deverão ser
recolhidos pela Coordenação e devolvidos ao final da prova. O descumprimento da presente instrução implicará
a eliminação do candidato, caracterizando-se tentativa de fraude. Não podemos ficar sobre a
responsabilidade destes equipamentos principalmente com armas.
7.17 A candidata que tiver necessidade de amamentar durante a realização das provas deverá levar um
acompanhante, que ficará em sala reservada para esta finalidade e que será o responsável pela criança.
Prova Objetiva
7.18 A prova objetiva tem data prevista para sua realização em 10 de setembro de 2006, no período da manhã.
7.18.1 O horário de início da prova será definido em cada sala de aplicação.
7.18.2 No ato da realização da prova objetiva serão fornecidos o Caderno de Questões e a Folha Definitiva de
Respostas.
7.18.3 O candidato somente poderá retirar-se do local de realização da prova levando o caderno da prova
objetiva, após 2 horas e 30 minutos do seu início.
7.18.4 O candidato deverá transcrever as respostas na Folha de Respostas, com caneta de tinta azul ou preta,
bem como assinar no campo apropriado, que será o único documento válido para a correção da prova. O
preenchimento da Folha de Respostas será de inteira responsabilidade do candidato, que deverá proceder em
conformidade com as instruções específicas contidas neste edital e na Folha de Respostas. Em hipótese alguma
haverá substituição da Folha de Respostas por erro do candidato.
7.18.5 Não será permitido que as marcações na Folha de Respostas sejam feitas por outras pessoas, salvo em
caso de candidato que tenha solicitado condição especial para esse fim. Nesse caso, se necessário, o candidato
será acompanhado por um fiscal da Fundação VUNESP devidamente treinado.
Prova Discursiva
7.19 A prova discursiva será aplicada no mesmo dia da prova objetiva (10 de setembro de 20066), no período
da tarde.
7.19.1 Para a realização da prova Discursiva o candidato receberá o Caderno de Questões, no qual redigirá as
respostas com caneta de tinta azul ou preta. A prova deverá ser feita em letra legível, não sendo permitida a
interferência e/ou a participação de outras pessoas, salvo em caso de candidato que tenha solicitado condição
especial para esse fim. Nesse caso, o candidato será acompanhado por um fiscal da Fundação Vunesp,
devidamente treinado, que deverá ditar o texto, especificando oralmente a grafia das palavras e os sinais
gráficos de pontuação. A prova deverá ser manuscrita, não podendo ser assinada, rubricada ou conter, em outro
local que não seja o cabeçalho das folhas de texto definitivo, qualquer palavra ou marca que o identifique, sob
pena de ser anulada. Assim, a detectação de qualquer marca identificadora no espaço destinado à transcrição do
texto acarretará a anulação da prova e a conseqüente eliminação do candidato do Concurso.
7.19.2 Será anulada a prova que contenha qualquer elemento que permita a identificação do candidato.
7.19.3 Ao final da prova o candidato entregará o Caderno de Questões ao fiscal da sala.
7.20 Terá sua prova anulada e será automaticamente eliminado do concurso o candidato que, durante a
realização das provas:
a) usar ou tentar usar meios fraudulentos e/ou ilegais para a sua realização;
b) for surpreendido dando e/ou recebendo auxílio para a execução da prova;
c) utilizar-se de livros, máquinas de calcular e/ou equipamento similar, dicionário, notas e/ou impressos que não
forem expressamente permitidos, telefone celular, gravador, receptor, pagers, notebook e/ou equipamento
similar e/ou que se comunicar com outro candidato;
d) faltar com o devido respeito para com qualquer membro da equipe de aplicação da
prova, as autoridades presentes e/ou os candidatos;
e) fizer anotação de informações relativas às suas respostas no comprovante de inscrição e/ou em qualquer
outro meio, que não os permitidos;
f) recusar-se a entregar o material da prova ao término do tempo destinado para a sua realização;
g) afastar-se da sala, a qualquer tempo, sem o acompanhamento de fiscal;
h) ausentar-se da sala, a qualquer tempo, portando a folha de respostas;
i) descumprir as instruções contidas no caderno de prova,
j) perturbar, de qualquer modo, a ordem dos trabalhos, incorrendo em comportamento indevido;
k) utilizar ou tentar utilizar meios fraudulentos, para obter aprovação própria ou de terceiros, em qualquer etapa
do concurso.
7.21.Se, a qualquer tempo, for constatado, por meio eletrônico, estatístico, visual ou grafológico, ter o candidato
utilizado processos ilícitos, sua prova será anulada e ele será automaticamente eliminado do concurso.
7.22 Não haverá, por qualquer motivo, prorrogação do tempo previsto para a aplicação da prova em virtude de
afastamento de candidato da sala de prova.
169
7.23. No dia de realização da prova, não serão fornecidas, por qualquer membro da equipe de aplicação da
prova e/ou pelas autoridades presentes, informações referentes ao conteúdo da prova e/ou aos critérios de
avaliação.
8 – DOS TÍTULOS
8.1 A entrega de títulos será realizada do dia 05 ao dia 09 de setembro de 2006, em um Stand da Fundação
Vunesp no mesmo local que será realizado o II Congresso Brasileiro de Psicologia: Ciência e Profissão.
(colocar endereço do Congresso)
8.2 Somente serão aceitos os títulos a seguir relacionados, expedidos até a data da entrega, observadas as
condições previstas neste edital.
8.3 Para a entrega dos Títulos, o candidato deverá preencher e assinar relação, de acordo com o modelo a ser
fornecido pela Fundação VUNESP, no qual indicará a quantidade de títulos apresentados. Juntamente com essa
relação deve ser apresentada uma cópia, autenticada em cartório, de cada título declarado. As cópias
apresentadas não serão devolvidas em hipótese alguma.
8.4 Não serão consideradas, para efeito de pontuação, as cópias não-autenticadas em cartório.
8.5 Os certificados de conclusão de cursos de pós-graduação em nível de aperfeiçoamento ou de especialização
deverão conter a carga horária, sob pena de serem desconsiderados.
8.5.1 Para comprovação de conclusão de curso de pós-graduação em nível de mestrado ou doutorado deve
ser apresentado diploma, devidamente registrado, expedido por instituição oficial ou reconhecida.
8.5.2 Para os casos previstos nas alíneas g, h, i e j, não serão aceitas declarações ou atestados de conclusão
do curso ou das respectivas disciplinas.
8.6 Todo documento expedido em língua estrangeira somente será considerado quando traduzido para a Língua
Portuguesa por tradutor juramentado.
8.6.1 Os documentos de conclusão de curso expedidos em língua estrangeira deverão estar, também,
revalidados por instituição de ensino superior no Brasil.
8.7 A comprovação de aprovação em Concurso Público deverá ser feita por meio de apresentação de certidão
expedida pelo setor de pessoal, ou equivalente, do órgão respectivo, ou por meio de cópia do Diário Oficial,
autenticada pela imprensa oficial correspondente, especificando o concurso e o cargo para o qual o candidato
foi
aprovado.
8.7.1 Não será considerado Concurso Público, para os fins do presente edital, a seleção em que conste
apenas avaliação de títulos e/ou de currículo e/ou prova prática.
8.8 A comprovação de publicações deverá ser efetuada mediante a apresentação de exemplar integral (original
ou cópia de boa qualidade, com autenticação em cartório das páginas em que conste a autoria/co-autoria). Em
todos os casos, é imprescindível que conste claramente o nome do candidato.
8.8.1 Não serão aceitas publicações em mídia eletrônica.
8.8.2 Trabalhos publicados sem o nome do candidato deverão ser acompanhados de documento emitido pelo
editor ou dirigente do órgão editor, atestando a autoria.
8.8.3 Dissertações/teses de mestrado e de doutorado não serão consideradas como trabalhos publicados para
efeito de contagem de pontos.
8.4 Para efeito de pontuação, cada título será considerado uma única vez.
8.5 Os pontos que excederem o valor máximo em cada alínea do Quadro de Atribuição de Pontos para a
Avaliação de Títulos, bem como os que excederem ao limite de 60 pontos serão desconsiderados.
12.9 Os casos omissos serão resolvidos pela Fundação Vunesp juntamente com o Conselho Federal de
Psicologia.
12.10 O CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA e a Fundação VUNESP se eximem das despesas
decorrentes de viagens e estadas dos candidatos para comparecimento a qualquer fase.
12.11 O candidato deverá manter seu endereço atualizado na Fundação VUNESP, enquanto estiver participando
do concurso e, posteriormente, se habilitado, no Conselho Federal de Psicologia. São de inteira
responsabilidade do candidato os prejuízos advindos da não-atualização de seu endereço.
12.12 Toda menção a horário neste Edital e em outros atos dele decorrentes terá como referência o horário
oficial de Brasília.
12.13 Os itens deste Edital poderão sofrer eventuais atualizações ou retificações, enquanto não consumada a
providência ou evento que lhes disser respeito, circunstância que será mencionada em Edital ou Aviso a ser
publicado no DOE.
12.14 Legislação com entrada em vigor após a data de publicação deste edital, bem como alterações em
dispositivos legais e normativos a ele posteriores, não serão objetos de avaliação na parte objetiva do presente
concurso.
12.15 Decorridos 90 (noventa) dias da data da homologação e não caracterizando qualquer óbice, é facultada a
incineração da prova e demais registros escritos,mantendo-se, porém, pelo prazo de validade do Concurso
Público, registros eletrônicos.
Sem prejuízo das sanções criminais cabíveis, a qualquer tempo, o Conselho Federal de Psicologia poderá anular
a inscrição, prova ou admissão do candidato, verificadas falsidades de declaração ou irregularidade no Certame.
E, para que chegue ao conhecimento de todos é expedido o presente Edital.
13.1 PSICOLOGIA CLÍNICA: 1 Elementos gerais sobre a prática clínica: 1.1 Psicologia Clínica e Políticas
Públicas para a Saúde no Brasil; 1.2 A função do psicólogo nos campos da promoção, vigilância e atenção
integral à saúde, em hospitais, consultórios, clínicas multidisciplinares, postos e/ou centros de saúde,
centros comunitários, organizações não governamentais; 1.3 Modalidades de atuação do psicólogo clínico:
atendimento individual, grupal, institucional, a crianças, adolescentes, adultos, idosos, casais e famílias,
orientação profissional; 1.4 O psicólogo clínico e o trabalho interdisciplinar; 1.5 Histórico das práticas
terapêuticas psicológicas; 1.6 Elementos básicos da relação terapêutica: estabelecimento do vínculo,
diagnóstico, plano de tratamento, contrato terapêutico, término do tratamento; 1.7 Processos psicológicos
básicos e seus fundamentos; 1.8 As alterações das funções e estruturas psicológicas; Métodos e técnicas de
avaliação psicológica no contexto clínico; 1.9 Métodos e técnicas de avaliação psicológica no contexto clínico;
1.10 Código de ética para o exercício profissional dos psicólogos nas questões concernentes à prática clínica,
incluindo a ética do psicólogo clínico em pesquisas com seres humanos; 2 Elementos Pertinentes aos Sistemas
Psicológicos: 2.1 No âmbito das Terapias Cognitivas e Comportamentais: Procedimentos de intervenção; 2.2
Formulação de casos; 2.3 A prática clínica baseada nos princípios elementares do comportamento e de seus
processos afetivos, cognitivos, sociais e institucionais concomitantes; 2.4 Técnicas das terapias cognitivas e
comportamentais; 2.5 Formulação e tratamento de quadros relacionados no CID 10 e no DSM-IV; 2.6 Prática
baseada em evidências; 3 No âmbito das Psicoterapias Humanistas: 3.1 A Psicologia e o Humanismo Moderno,
entendido como aquele no qual o ser humano é concebido e afirmado como fonte de suas representações e de
seus atos, seu fundamento-sujeito; 3.2 A Fenomenologia de Husserl, Heidegger e Sartre como método nas
psicoterapias existenciais; 3.3 As relações entre metafísica e fenomenologia; 3.4 O método fenomenológico na
Gestal-terapia; 3.5 A idéia de liberdade em Sartre como condição de possibilidade nas psicoterapias
existenciais; 3.6 Os conceitos de consideração positiva incondicional, empatia e congruência e suas relações
com o postulado de tendência atualizante no trabalho psicoterapêutico, na Abordagem Centrada na Pessoa; 3.7
Os princípios psicoterapêuticos da Abordagem Centrada na Pessoa e os “grupos de encontro”; 3.8 As técnicas
psicoterapêuticas da Gestal-terapia e seu uso na prática clínica; 4 No âmbito da Psicanálise: 4.1 O surgimento
da Psicanálise: do método catártico à associação livre; 4.2 A hipótese do inconsciente e o descentramento do
sujeito; 4.3 O princípio de determinação em Psicanálise: determinismo e causalidade; 4.4 As pedras angulares
da psicanálise: pressuposto de processos mentais inconscientes, reconhecimento do recalque, resistência e
transferência, importância da sexualidade e Complexo de Édipo; 4.5 O discurso teórico da Psicanálise: a
metapsicologia e os três pontos de vista (tópico, dinâmico e econômico); 4.6 Investigação e cura em
Psicanálise; 4.7 O processo analítico e a questão da linguagem; 4.8 As teorias psicanalíticas depois de Freud;
173
13.2 PSICOLOGIA DO ESPORTE: 1 Histórico da psicologia do esporte (nos EUA, na Europa, no Brasil). 2
Histórico da educação física e do esporte (Grécia antiga/ jogos gregos; movimento ginástico; movimento
esportivo; jogos olímpicos da era moderna; história da Educação Física e do esporte no Brasil); Psicologia e
história (gregos, império romano e idade média, renascimento, psicologia como ciência). 3 Diversidade do
objeto de estudo da psicologia. 4 Diferentes abordagens (funcionalismo, estruturalismo, associacionismo). 5
Principais teorias: behaviorismo (Watson, Pavlov, Thorndike, Skinner), teorias psicodinâmicas (Freud, Jung,
Adler, Erikson), gestalt (Kurt Lewin), humanista (Maslow, Carl Rogers). 6 Áreas da psicologia: psicologia do
desenvolvimento (Piaget, Vigotski), psicologia da aprendizagem (teorias de condicionamento e as
cognitivistas), psicologia da personalidade (traços de personalidade, temperamento, caráter; teoria de Erich
Fromm), psicologia social (percepção social, comunicação, atitude, processo de socialização, grupos sociais,
papéis sociais, identidade), psicobiologia (conceito de adaptação). 7 Campos de atuação (esporte profissional/
esporte escolar/ prática esportiva de tempo livre/ esporte de reabilitação/ esporte em projetos sociais; objetivos e
práticas específicas). 8 Referenciais epistemológicos [os projetos de W. Wundt/ Titchener/ Watson/ Dewey,
Angel e Carr (funcionalistas); Wetheimer, Kohler e Koffka (Gestalt), Skinner, Piaget e Freud; técnicas e
referenciais teóricos da Psicologia aplicados ao esporte]. 9 Processos psicológicos
(Ativação/Estresse/Ansiedade; Concentração e focos de atenção; Motivação; Emoção; Pensamento; Aquisição e
manutenção de habilidades psicológicas). 10 Fenômenos de grupo (coesão de grupo e objetivos; influências e
tipos de lideranças; comunicação). 11 Metodologia do trabalho e subjetividade (trabalho interdisciplinar;
trabalho multidisciplinar). 12 Relações com as Ciências do Esporte (Antropologia; Filosofia; Sociologia;
Medicina; Fisiologia; Biomecânica. 13 Temas interdisciplinares: relação entre atividade física, saúde e
qualidade de vida; esporte na terceira idade; interação e comunicação em grupo esportivos; análise de
instituições e organizações esportivas; comportamento agressivo e violência na torcida; socialização por meio
do esporte; normas e regras do esporte. 14 Avaliação Psicológica (Resolução CFP nº 007/03; usos e abusos;
limitações; explicação, feedback e sigilo. 15 Formas de intervenção e técnicas específicas [avaliação
psicológica no esporte; avaliação de desempenho; pesquisa e intervenção; técnicas específicas (estabelecimento
de objetivos, relaxamento, auto-fala, visualização)]. 16 Papel profissional (Formas de atuação; Objetivos da
atuação profissional; Para quem servimos? Comprometimento profissional; Contrato). 17 Qualidade de Vida
(definição do conceito qualidade de vida; relação qualidade de vida – saúde física e mental – bem estar
psicológico). 18 Ética (Código de Ética profissional).
13.3 PSICOLOGIA DO TRÂNSITO: 1 Processos psicológicos básicos dos comportamentos dos diversos
usuários da via. 2 Desenvolvimento físico e psicológico e deslocamentos no trânsito. 3 Alterações das funções e
estruturas psicológicas que desaprovam o candidato a CNH. 4 Classificação, objetivos e ética profissional
diante
dos testes psicológicos para a seleção de candidatos a CNH. 5 Os processos de Tomada de informação e sua
importância para as outras fases da psicogênese do comportamento no trânsito. 6 Como planejar, desenvolver e
apresentar processos para comprovar a validade e fidedignidade de testes para motoristas. 7 A responsabilidade
ética do Psicólogo de Trânsito como profissional, cientista, professor e cidadão. 8 As implicações do trânsito e
do Transporte na qualidade de vida, na saúde pública e nas inter-relações entre contexto sociocultural e
comportamento viário. 9 Principais áreas de conhecimentos, competências e habilidades do Psicólogo de
Trânsito. 10 Laudos, pareceres e atestados psicológicos referentes a diagnósticos e perícias psicológicos
referentes ao trânsito. 11 Métodos e técnicas de avaliação psicológica para candidatos a obtenção e renovação
de CNH. 12 Métodos de investigação científica de problemas comportamentais em Psicologia do Trânsito. 13
Relação entre a ética do psicólogo e suas técnicas e instrumentos, assim como compromissos ético-políticos. 14
Disfunções do sistema nervoso e psicopatias que impossibilitam o comportamento seguro no trânsito. 15 Tipos,
objetivos e procedimentos da entrevista psicológica diagnóstica no processo de seleção de condutores. 16
Classificação das principais enfermidades mentais que impossibilitam dirigir um veículo. 17 Conceitos
ergonômicos e sua aplicação nos veículos e no sistema viário. 18 Causas diretas e indiretas dos acidentes de
trânsito. 19 Punição, esquiva, reforço e terapias comportamental-cognitivo em relação ao comportamento dos
usuários na via. 20 A influência do uso de remédios, álcool, fumo e outras drogas sobre o comportamento
viário.
Psicomotora por meio de testes psicológicos (Avaliar o conhecimento das possibilidades de realização de uma
avaliação psicomotora, Avaliar conhecimento da interpretação afetiva, grafo-motora, e seus significados
enfatizando a imagem corporal e o esquema corporal; Avaliar a maturação percepto-motora em crianças a partir
de 7 anos; Avaliar a maturação neurológica e perceptiva em crianças menores; Avaliar a capacidade de
realização de provas motoras de acordo com tabelas por faixa etária; Avaliar os aspectos da Psicomotricidade
de 5 a 12 anos estabelecendo um perfil psicomotor amplo; Medir a função perceptiva motora em crianças de 4 à
8 anos, através de provas corporais;
avaliar a condição rítmica e auditiva).
13.8 PSICOLOGIA HOSPITALAR: 1 Psicologia hospitalar no Brasil: aspectos conceituais e históricos. 1.1
Percurso do psicólogo brasileiro em instituições hospitalares, tanto do ponto de vista técnico como
administrativo. 1.2 Diferenças e semelhanças entre a chamada “ordem médica” e a “ordem psicológica” e as
possibilidades de trabalho interdisciplinar e multiprofissional daí decorrentes, do ponto de vista epistemológico.
2 Diagnóstico psicológico no contexto hospitalar. 2.1 Entrevista psicológica. 2.1.1 Como instrumento
fundamental do método clínico, objetivando: diagnóstico, investigação, orientação e pesquisa. 2.1.2
Desenvolvimento do relacionamento terapeuta-paciente (rapport). 2.1.3 Diversos tipos de entrevista e quando
utilizar: aberta; semi-dirigida e fechada. 2.1.4 Aspectos relevantes para serem abordados na primeira entrevista
com pacientes hospitalizados e em seguimento ambulatorial. 2.1.5 Anamnese: quando utilizar e como conduzir.
2.2 Alcances e limites do uso de testes psicológicos no hospital. 2.2.1 Instrumentos para psicodiagnóstico e
utilização em pesquisas: avaliação de personalidade (técnicas projetivas, medidas objetivas), nível intelectual,
depressão, ansiedade, qualidade de vida. 2.2.2 Relacionamento entre os resultados psicométricos com aspectos
da história de vida e outros dados clínicos, com vista à determinação das medidas terapêuticas necessárias ao
cliente. 2.3 Registro em prontuário e relatório psicológico: elaboração de relatório e registro em prontuário de
paciente. 3 A inserção do psicólogo nos diferentes campos de atuação. 3.1 Diferenciação entre reação
patológica da não patológica (adaptativa X não adaptativa) em diferentes contextos. 3.2 Atendimento
ambulatorial: técnicas de avaliação e planejamento de condutas pertinentes à situação clínica e psíquica. 3.3
Internação: técnicas de abordagem do paciente nas diferentes condições de int ernação: clínica, cirúrgica e
176
UTI.3.4 Pronto Socorro: técnicas de avaliação e planejamento de conduta pertinente. 4 O papel do psicólogo
junto ao paciente/família/equipe. 4.1 Avaliação e acompanhamento de ocorrências psíquicas os pacientes
hospitalizados ou de ambulatório. 4.2 Diferentes abordagens teóricas. 4.3 Intervenções direcionadas a uma
adequada relação médico/ paciente e família. 4.4 Aspectos referentes ao processo do adoecer, hospitalização e
condutas médicas e
das repercussões emocionais advindas deste processo. 4.5 Modalidades de intervenção. 5 Interdisciplinaridade e
ações preventivas. 5.1 Atuação junto à equipe interdisciplinar. 5.2 Ações voltadas para a promoção de saúde,
através de grupos de psicoprofilaxia. 6 Principais alterações psíquicas e comportamentais em situações
específicas de adoecimento e hospitalização. 6.1 Conhecimentos Gerais. 6.1.1 Interface entre doença clínica e
representação mental: transtornos mentais afetando condições médicas; sintomas psicológicos afetando
condições médicas. 6.1.2 Psicopatologia. 6.1.3 Psicofarmacologia. 6.1.4 Teorias de personalidade. 6.1.5 Fases
do desenvolvimento humano. 6.1.6 Comorbidades. 6.1.7 Alterações neuro-cognitivas. 6.1.8 Reações
fisiológicas às variáveis psicológicas e comportamentais. 6.1.9 Mecanismos regulatórios biológicos associados
com variáveis psicológicas e comportamentais. 6.1.10 Efeito das doenças psiquiátricas no curso e no resultado
do tratamento de enfermidades médicas. 6.1.11 Fatores de risco comportamentais para o adoecimento. 6.1.12
Recursos de enfrentamento. 6.1.13 Mecanismos de adaptação. 7 Psicologia e pesquisa em instituições
hospitalares. 7.1 Diferentes abordagens em pesquisa passíveis de serem desenvolvidas no hospital, de maneira
interdisciplinar ou
não. 7.2 Planejamento e desenvolvimento de projetos de pesquisa. 7.3 Alternativas quantitativas e qualitativas
de tratamento de dados e dos fundamentos de estatística paramétrica e não paramétrica.
13.9 PSICOLOGIA JURÍDICA: 1 Psicologia jurídica: aspectos históricos, éticos e interdisciplinaridades. 1.1
Conceituação, histórico e campos de atuação da Psicologia Jurídica. 1.2 A complexidade do trabalho
interdisciplinar. 1.3 Ética e limites de atuação do psicólogo jurídico. 1.4 Entrevistas de devolução. 1.5 O sigilo
profissiona l. 2 A Execução Penal e as funções atribuídas aos psicólogos. 2.1 Relativismo histórico e cultural do
conceito de crime. 2.2 Determinantes sociais, políticos e econômicos da criminalidade. 2.3 Características das
instituições totais. 2.4 Da pena dos suplícios à pena de prisão: o controle social na história da humanidade. 2.5
O sistema social da prisão. 2.6 A Lei de Execução Penal e a função das Comissões Técnicas de Classificação.
2.7 O exame criminológico no contexto penitenciário nacional. 2.8 A reincidência e as políticas de prevenção à
delinqüência. 3 Perícias psicológicas no assessoramento à justiça. 3.1 Histórico da prova pericial aplicada ao
Poder Judiciário. 3.2 Medicina Legal, Psiquiatria Forense e Psicologia Jurídica - a configuração do modelo
pericial. 3.3 O poder técnico no estabelecimento da ordem social. 3.4 Condições, desenvolvimento e
possibilidades de realização das perícias. 3.5 O perito e o assistente técnico. 4 O Estatuto da Criança e do
Adolescente e os novos paradigmas de proteção integral à infância e à juventude. 4.1 Direitos da criança e do
adolescente: as indicações da normativa. 4.2 A condição peculiar de pessoa em desenvolvimento. 4.3 Conselhos
Tutelares: atribuições e a contribuição da equipe técnica. 4.4 A importância das redes de atendimento na
garantia dos direitos infantojuvenis. 4.5 Atribuições e funcionamento dos Conselhos de Direitos. 4.6 Políticas
públicas para a infância e a juventude. 4.7 As responsabilidades da família, do Estado e da sociedade na
garantia dos direitos de crianças e adolescentes. 5 Crianças e adolescentes em situação de abrigo e no contexto
da rua. 5.1 Histórico da assistência e proteção aos menores de idade. 5.2 Direito de convivência familiar –
atribuições e projetos das equipes. 5.3 Abrigos: contra indicações da institucionalização e a excepcionalidade da
internação. 5.4 Análise de programas e instituições de atendimento a menoridade. 6 Adolescentes em conflito
com a lei e as medidas socioeducativas: complexidade interdisciplinar. 6.1 Inimputabilidade penal de crianças e
de adolescentes. 6.2 Histórico de internatos para adolescentes infratores. 6.3 A busca da etiologia da
delinqüência juvenil. 6.4 A doutrina da situação irregular e a doutrina da proteção integral: diferenças
conceituais no trabalho das equipes interdisciplinares. 6.5 O projeto socioeducativo previsto no Estatuto da
Criança e do Adolescente. 6.6 A incompletude institucional no atendimento ao adolescente autor de ato
infracional. 6.7 Exame da problemática no contexto nacional. 6.8 A promoção das relações familiares e
comunitárias no âmbito da medida socioeducativa. 6.9 Avaliação dos adolescentes no contexto da medida
socioeducativa. 6.10 Função das equipes na execução de programas socioeducativos segundo os parâmetros da
doutrina da proteção integral. 7 A Psicologia junto ao Direito de Família: problemática e intervenção. 7.1 A
relação Família/Estado. 7.2 Papéis sociais e relações de gênero. 7.3 A família contemporânea. 7.4 A igualdade
de homens e mulheres prevista na Constituição Federal. 7.5 Guarda de filhos menores e papéis parentais –
implicações psicológicas. 7.6 Contexto adversarial na disputa de guarda de filhos e a atuação dos psicólogos.
7.7 Visitação de filhos de pais separados. 7.8 Pais de fim de semana. 7.9 Mediação. 8 Adoção: implicações
sociais e psicológicas. 8.1 Filiação e parentalidade no contexto contemporâneo: aspectos jurídicos, culturais,
sociais e psicológicos. 8.2 Questões psicológicas implicadas nos pedidos de adoção. 8.3 A intervenção das
equipes no contexto dos diferentes casos de adoção, guarda e tutela de crianças e adolescentes. 8.4 Habilitação
para adoção: o trabalho com grupos de candidatos a adoção. 8.5 Adoção por cônjuge e destituição do Pátrio
Poder – implicações psicológicas. 9 Violência Familiar. 9.1 Os conceitos de violência e de violência familiar.
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9.2 Histórico da violência contra a mulher, a criança e contra o idoso e sua relevância na sociedade
contemporânea. 9.3 Diferentes manifestações de violência familiar: violência física, sexual, psicológica,
negligência e da exploração econômica. 9.4 Indicadores diagnósticos e fatores de risco. 9.5 Noção de
transmissão geracional da violência. 9.6 Implicações da violência sobre a dinâmica familiar. 9.7 Intervenção e
equipe interdisciplinar. 9.8 Dificuldades do diagnóstico, do estabelecimento de atendimento adequado e do
diálogo entre os sistemas de assistência e jurídico. 9.9 Legislação. 9.10 A questão da obrigatoriedade da
notificação dos casos de violência contra a criança. 9.11 Procedimentos de denúncia. 9.12 Questões éticas: a
responsabilidade dos profissionais; implicações da intervenção no desenvolvimento da criança e na vida
familiar. 10 Crime e Loucura. 10.1 Inimputabilidade penal e legislação. 10.2 Análise histórico-crítica da relação
entre Psiquiatria e Justiça. 10.3 Manicômios Judiciários e a intervenção das equipes interdisciplinares. 10.4
Loucos infratores e a reforma psiquiátrica. 10.5 A cidadania do louco
08. Dentre as finalidades e propósitos dos grupos 12. No contexto de uma sociedade de capitalismo
Operativos, pode-se dizer que periférico, o ponto de vista do trabalhador, muitas
vezes, não é levado em consideração na elaboração de
(A) seu objetivo é a identificação e a resolução das leis relacionadas à sua saúde. A atuação do psicólogo
psicopatologias de cada indivíduo. social no âmbito da saúde do trabalhador e na área
(B) eles são a orientação técnica do grupo para sindical deve se voltar também para o conhecimento
realização das etapas de um trabalho. prático dos trabalhadores, porque
(C) devido à sua não diretividade, essa técnica busca
apenas a reflexão. (A) compreende-se que existem importantes formas de
(D) o intuito é a preparação de pacientes para conhecimento além da ciência.
tratamentos individuais. (B) a subjetividade é uma dimensão complicada, e só
(E) sua atividade está centrada na mobilização de pode ser entendida clinicamente.
estruturas estereotipadas. (C) a relação saúde e trabalho é pautada na
positividade dos fenômenos.
09. O ponto de partida para as investigações com grupos (D) isso é previsto em dispositivos legais elaborados a
operativos provém de uma atividade grupal realizada e partir da Medicina do Trabalho.
que foi denominada (E) existe uma grande teorização sobre o
conhecimento popular de artesãos.
(A) Laboratório Grupal.
(B) Experiência do Rosário. 13. É cada vez maior a inserção do psicólogo nos
(C) Psicodrama Analítico. serviços de saúde, no entanto, constata-se que essa
(D) Comunidade Terapêutica. inserção ainda é predominantemente orientada pelo
(E) Grupos de Aprendizagem. enfoque da Psicologia Clínica. Pensando a atuação do
Psicólogo Social nesse campo, qual objeto de estudo é
10. O entendimento das conseqüências psicológicas e compatível com a proposta dessa especialidade?
psicossomáticas das situações de trabalho obriga o
Psicólogo a (A) Formas de intervenção em grupo, para aumentar a
adesão a tratamentos.
(A) focar sua atuação para questões gerenciais e (B) Terapias psicológicas para queixas físicas em
trabalhistas a fim de otimizar o trabalho. comunidades carentes.
(B) questionar a sociedade, sua direção, seus valores e (C) Utilização dos serviços e a participação da
suaestrutura de poder. comunidade em sua avaliação.
(C) centralizar seus esforços apenas nos indicativos (D) Medicina comportamental e suas aplicações
clínicos de cada pessoa. preventivas.
(D) adequar o processo seletivo para evitar o (E) Atendimento de grupos de pacientes como forma
adoecimento dos trabalhadores. de atender a demanda.
(E) buscar formas de treinamento que otimizem a
produção e reduzam o esforço do trabalhador. 14. Dentro da perspectiva da Psicologia Social, o estudo
de processos involuntários de segregação da pessoa
11. Uma das causas da notificação relativa da violência doente poderevelar
psicológica contra crianças e adolescentes no Brasil, e
que dificulta a elaboração de políticas públicas na área (A) a existência de uma dicotomia entre a esfera social
da saúde é e a individual.
(B) a presença de grupos sociais com traços que são
(A) a inerentes a seus integrantes.
controvérsia teórica dos efeitos desse fenômeno sobre (C) as concepções sobre saúde e doença resultantes de
o desenvolvimento de crianças. um processo de produção social.
(B) a análise epidemiológica, que é um instrumento (D) uma falta de compreensão do modelo médico que
secundário para prevenção nesses casos. resulta da relação médico-paciente.
(C) a violência psicológica que quase não ocorre nos (E) uma reação natural de auto preservação típica em
países em desenvolvimento. situações de risco constante.
(D) o tabu de considerar que essas questões devem
permanecer restritas ao foro familiar.
(E) o desconhecimento dessa forma de violência
dentre os pesquisadores da saúde coletiva.
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(A) atitude.
(B) preconceito.
(C) representação.
(D) influência.
(E) negociação.
QUESTÃO 1
Detalhe e explique as ênfases teóricas e metodológicas da Psicologia Social Comunitária
comprometidas com a transformação social e que reconhecem a importância de várias formas
de conhecimento.
QUESTÃO 2
Explique o conceito de representação social e comente a importância de pesquisas sobre a
representação social da violência.
QUESTÃO 3
Quais pressupostos a psicologia social propõe para a análise do indivíduo inserido em um
processo grupal a partir do enfoque do materialismo dialético?
QUESTÃO 4
Descreva as relações entre indivíduo e sociedade, de acordo com Freud, ao elaborar seus
escritos sobre os fenômenos de massa.
Fonte: Psicologia Online – POL. Disponível em: <http://www.pol.org.br/pol/export/sites/
default/pol/servicos/ servicosDocumentos/10-PsicoSocial_Discursiva_Miolo.pdf>. Acesso
em: 13 mar. 2009.
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