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WENDY ALVES OLIVEIRA

CAPS E PSICOSE: O IDEAL DA INCLUSÃO FRENTE


AO REAL DA FORACLUSÃO

São João del-Rei


PPGPSI-UFSJ
2019
WENDY ALVES OLIVEIRA

CAPS E PSICOSE: O IDEAL DA INCLUSÃO FRENTE


AO REAL DA FORACLUSÃO

Dissertação apresentada ao Programa de


Mestrado em Psicologia da Universidade
Federal de São João del-Rei,
como requisito parcial para a obtenção do
título de Mestre em Psicologia.

Área de Concentração: Psicologia


Linha de Pesquisa: Fundamentos teóricos e
filosóficos da Psicologia
Orientador: Roberto Calazans

São João del-Rei


PPGPSI-UFSJ
2019
AGRADECIMENTOS

Aos meus pais e minha querida irmã Kenia pelo apoio, amor e incentivo durante todo o
processo. A toda a minha família pelo carinho e em especial para a minha avó Cida, por sempre
acreditar em mim.
Ao Roberto Calazans pela sua constante orientação, sempre dedicando atenção ao meu
trabalho. Agradeço todas as pontuações e discussões, tão norteadoras durante o processo, assim
como pelo seu apoio e aposta em mim.
Aos professores Júlio Eduardo de Castro e Oswaldo França Neto, pela disponibilidade,
leitura minuciosa e apontamentos que foram tão importantes para a conclusão deste trabalho.
Aos meus amigos feitos em São João del-Rei, que foram fundamentais para que os anos
aqui fossem tão leves e divertidos e ao mesmo tempo, por me acompanharem de forma tão
especial nessa jornada. Em especial: Amanda, Pedro Guilherme, Kétila, Gisele, Silvia, Lucas
Nonato, Larissa, Lorran, Thaís, Rodrigo, Tiago Freitas, Pedro Paolucci, Kerlei, Kamila, Samya
e Cíntia. Minha mais sincera gratidão.
A Comissão de Bolsas do Programa de Mestrado em Psicologia da Universidade Federal
de São João del-Rei pela concessão da bolsa que possibilitou este estudo.
RESUMO

A presente pesquisa está situada no contexto atual de pós Reforma Psiquiátrica no


Brasil, e a decorrente criação dos CAPS, e apresenta a psicanálise como base teórica de
discussão. O objetivo da pesquisa consiste em se pensar o pilar central de tratamento do
psicótico via CAPS, que se trata da inclusão social do psicótico, tendo como base a teoria
psicanalítica lacaniana. Colocar a inclusão social do psicótico frente à conceituação
psicanalítica da própria psicose envolve diretamente pensar o mecanismo operatório psíquico
próprio da psicose, ou seja, a foraclusão. A foraclusão caracteriza-se pela não inclusão do
significante Nome-do-Pai no Outro. E essa foraclusão do significante resulta em um sujeito que
se encontra excluído do simbólico, fora de qualquer lei social que rege o funcionamento
neurótico. O gozo do Outro na psicose não é freado, de forma que o psicótico encontra-se
constantemente invadido por um Outro invasor e que dele goza. A psicanálise, frente a isso,
aposta na clínica do sujeito, uma clínica individual que se atenta aos modos de gozo de cada
um, visando, na psicose, que essa invasão do Outro possa ser amenizada. Nesse sentido,
percebe-se uma contradição que é pertinente aos objetivos de tratamento via CAPS e via
Psicanálise. E é diante de tal estremecimento que se insere esta pesquisa, visando propor uma
conversa entre ambas as perspectivas, a fim de pensar as possibilidades e os limites de uma
inclusão social do psicótico frente à uma foraclusão que lhe é inerente.
ABSTRACT

The present research is situated in the current post psychiatric reform context in Brazil
as well as the consequent creation of CAPS and presents psychoanalysis as a theoretical basis
for discussion. The aim of this research is to think about the central pillar of treatment of
psychotic cases via CAPS, which is about the social inclusion of the psychotic subject,
referencing this discussion on Lacanian psychoanalytic theory. Confronting the social inclusion
of the psychotic subject with the psychoanalytic conceptualization of psychosis involves
thinking directly the very psychic operative mechanism typical to psychosis, that is, the
foreclosure. Foreclosure is characterized by the non-inclusion of the Name-of-the-Father’s
signifier in the Other. This foreclosure of the signifier results in a subject excluded from the
symbolic order, outside of any social law that governs neurotic functioning. In psychosis, the
Other’s jouissance is not precluded, so the psychotic subject feels constantly invaded by an
invasive Other who attains his jouissance from that invasion. In response to that, psychoanalysis
seeks to operate with the clinic of the subject, an individual treatment that values the different
kinds of each subject’s jouissance, considering that the psychotic’s sense of invasion of the
Other may be relieved. In that regard, there is a contradiction that is pertinent to the treatment
objectives via CAPS and via Psychoanalysis. It is in face of this conflict that this research is
inserted, aiming to propose a conversation between both perspectives, so as to think the
possibilities and the limits of socially including the psychotic subject, given the inherent
character of his foreclosure.
SUMÁRIO

1. Introdução .......................................................................................................................... 6

2. A Experiência da Loucura e os Paradigmas da Psiquiatria.............................................10


2.1.1 A Alienação Mental...........................................................................................10
2.1.2 A Doença Mental ...............................................................................................13
2.1.3 Estruturas Clínicas ............................................................................................15
2.1.4 Saúde Mental ....................................................................................................18

3. O Retorno dos Paradigmas e a Desinstitucionalização da Loucura no Brasil.............22


3.1 A Reforma Psiquiátrica......................................................................................................22
3.1.1 Os CAPS ...........................................................................................................32

4 As psicoses…………………………………………………………………….…..............35
4.1 Foraclusão: O conceito…………………………………...……………………….............35
4.2 Os três tempos lógicos do Édipo………………………...………………………..............36
4.3 A metáfora paterna………………………………………………………………...............39
4.4 Psicose, fenômenos da linguagem e do corpo………………………………….........……41
4.5 Psicose e Contemporaneidade: As Psicoses Ordinárias……………………………..........45
4.5.1 Os índices da psicose ordinária: externalidade social, corporal e subjetiva….......47
4.5.2 Os neodesencadeamentos, as neoconversões e a neotrasferência……..........……50
4.5.2.1 Os neodesencadeamentos………………………………………...…...........…50
4.5.2.2 As neoconversões……………………………………………………..........…52
4.5.2.3 A neotransferência………………………………………………......…...........53

5 Psicanálise e Reforma Psiquiátrica……………………………………………............….56


5.1 Como incluir o que está foracluído? …………………………………..........………….…60

6 Conclusão ………………………………………………………………….............………65

5. Referências ………………………………………………………………...........………...69
6

1- Introdução

Esta dissertação visa discutir, com base na perspectiva psicanalítica, a inclusão social
do louco, mais especificamente do psicótico, a partir dos Centros de Atenção Psicossocial
(CAPS). O caminho teórico que iremos percorrer se estende desde os primórdios da psiquiatria,
considerando-se os paradigmas da saúde mental, até adentrarmos a Reforma Psiquiátrica no
Brasil e a decorrente criação dos CAPS, contexto em que se faz pertinente a presente pesquisa.
Para isso, delimitaremos o conceito psicanalítico de psicose, a fim de chegarmos ao seu
mecanismo específico de defesa que chamamos “foraclusão”. Por fim, analisaremos as
possibilidades e os limites da inclusão social do psicótico, pois, afinal, como incluir um sujeito
que se encontra foracluído?
O conceito que atualmente conhecemos como saúde mental pode ser analisado como
um processo que se constitui pela transmutação entre três paradigmas da psiquiatria, discutidos
pelo autor Lantéri-Laura (2000), que serão melhor analisados ao longo do texto, e que são
denominados como: alienação mental, doença mental e estruturas psicopatológicas.
Passando brevemente por cada paradigma, poderíamos associar o primeiro, da alienação
mental, ao fim do século XVIII, em que o renomado médico Philippe Pinel atuava nos asilos
manicomiais. Os asilos eram constituídos por diversos tipos de indivíduos, os quais eram
considerados o “resto” da sociedade. Pinel, por meio da criação do seu denominado tratamento
moral, buscou reconhecer o alienado enquanto enfermo que necessitava de tratamento e não de
acorrentamento, como seria o caso dos criminosos.
O segundo paradigma, o da doença mental, vem incitar um novo olhar sobre o
sofrimento mental, direcionando a atenção para a busca pelas causas orgânicas e não psíquicas
do fenômeno. Já o terceiro, das estruturas psicopatológicas, apresenta uma busca pela unicidade
psicopatológica, evitando, assim, a via do divisionismo da área. Além disso, há uma
preocupação maior com o modo individual pelo qual o sofrimento mental se manifesta na vida
do sujeito, tirando de foco a preocupação para com a origem do fenômeno.
Apesar de Lantéri-Laura considerar apenas três paradigmas, seria cabível pensar em um
quarto, o da saúde mental, que vem contrapor-se à ideia de doença mental. De acordo com
Pontes e Calazans (2014), o paradigma da saúde mental inicia-se após o fim da Segunda Guerra
Mundial, quando há um aumento significativo dos casos de doenças mentais e as denúncias e
críticas referentes ao modelo asilar começam a ganhar destaque, principalmente em nome das
práticas que seriam, antes de mais nada, promotoras de saúde e não mais cuidadoras de doenças.
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Nesse contexto de críticas ao modelo asilar, iniciam-se movimentos que buscavam


promover reformas no campo da Psiquiatria, principalmente em relação ao modelo de
internação hospitalar. Dentre eles, podemos destacar as Comunidades Terapêuticas e a
Psiquiatria Comunitária e Preventiva, que instituem a ideia de saúde mental e, dessa forma,
trazem influências para a posterior Reforma Psiquiátrica Brasileira.
As Comunidades Terapêuticas vieram, por intermédio da psicanálise, buscar
reformar/reestruturar o modelo asilar com base na tentativa de interpretação, pela via do
inconsciente, tanto dos pacientes quanto da própria instituição e seus trabalhadores. Visava
dessa forma, agir sobre o cotidiano institucional, a fim de que fossem estabelecidas relações
sociais mais liberais, deslocando o foco que estava sob o sintoma para a relação que o paciente
estabelece com o outro (Tenório, 2002).
Já a Psiquiatria Comunitária, ainda de acordo com Tenório (2002), apostava na ideia de
uma intervenção comunitária que se desse de forma mais ampla, visando evitar o adoecimento
mental. Nesse sentido, tinha o intuito de não somente de

detectar precocemente as situações críticas, de modo a resolvê-las


sem que chegassem à internação, mas de organizar o espaço social
de modo a prevenir o adoecimento mental. Essa intenção
preventivista traduzia-se na bandeira de promoção da saúde mental,
prioritariamente ao tratamento da doença, cujo estabelecimento devia
ser evitado (Tenório, 2002, p.30).

Surgem, no entanto, discussões acerca do caráter adaptacionista no que concerne à


psiquiatria comunitária e preventiva. Tais discussões, que visam promover mudanças na
sociedade de forma a evitar o surgimento de novos casos de sofrimento mental devem-se ao
fato de que havia uma busca na sociedade pelos motivos que resultariam na doença de alguns,
e outros que seriam responsáveis pela saúde de outros (Tenório, 2002).
Assim, pode-se considerar a perspectiva adaptacionista e normatizadora referente ao
contexto de surgimento da saúde mental, partindo-se da ideia de que os sofrimentos mentais
estariam associados a uma inadaptação do sujeito à comunidade. Isso poderia resultar em um
movimento de psiquiatrização da sociedade, em que o foco de atuação se altera da instituição
psiquiátrica para a comunidade; ou, em contraponto, de ajustamento e normatização, no sentido
de haver um padrão de normalidade ao qual o sujeito deveria se adaptar, mas que fugiria à sua
singularidade e à da clínica (Tenório, 2002).
Tendo em vista a eclosão de tais movimentos reformistas antimanicomiais e o seu
decorrente alcance social, houve uma mudança de postura do Estado, que começou a
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responsabilizar-se pela promoção da saúde mental da população. O olhar da Psiquiatria, que era
apenas sobre o doente mental, começa a se direcionar também para a promoção da saúde mental,
colocando-a como objeto da psiquiatria. E é nesse contexto que se inicia o processo da Reforma
Psiquiátrica Brasileira, no fim da década de 70 e início da década de 80.
A noção de saúde mental, devido ao seu caráter antimanicomial, atrelou-se diretamente
aos ideais da Reforma Psiquiátrica Brasileira, que surge com o objetivo de criar serviços
substitutivos ao modelo manicomial e promover a inclusão social dos portadores de transtornos
mentais. Desse modo, Tenório (2002) explica que

O lugar estratégico que a expressão saúde mental ocupa hoje no


discurso da reforma está relacionado a dois aspectos: servir para
denotar um afastamento da figura médica da doença, que não leva em
consideração os aspectos subjetivos ligados à existência concreta do
sujeito assistido; e servir para demarcar um campo de práticas e
saberes que não se restringem à medicina e aos saberes psicológicos
tradicionais (p.31).

A proposta de tratamento da Reforma Psiquiátrica Brasileira é dar subsídios para que o


louco se mantenha na comunidade, de forma a tentar se fazer contrária à tentativa de
normatização social. Visando abrir espaço para que o sujeito habite o social em sua maneira
singular, incita um movimento de aceitação social da diferença, e não de normatização do
sujeito para com a sociedade. Dessa maneira, mesmo incorporando a noção de saúde mental,
estaria livre da tentativa de controle social que seria própria da psiquiatria preventiva e, ao
mesmo tempo, faria um uso benéfico da noção de comunidade, que poderia ser pensada também
com base na ideia de território (Tenório, 2002).
Um dos primeiros resultados das transformações obtidas na política de saúde mental
brasileira, que se deu a partir da Reforma Psiquiátrica, foi a criação dos Centros de Atenção
Psicossocial. Estes são serviços de saúde abertos e comunitários que apresentam em sua base
de funcionamento a proposta de gerar atendimento clínico e incluir socialmente o louco.
Nesse sentido, inúmeros outros avanços foram conquistados pela Reforma Psiquiátrica,
de forma que se torna importante reconhecer toda a sua relevância ao buscar alternativas para
o isolamento do louco, mais especificamente do psicótico, permitindo-lhe ter um lugar na
sociedade, fazendo com que seja reconhecido enquanto cidadão e, logo, sujeito de direito.
Entretanto, tão importante quanto reconhecer os avanços da Reforma, seria reconhecer também
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os seus impasses1. Como na atividade científica, os erros podem tanto contribuir ao


desenvolvimento do processo quanto os próprios acertos, já que é por meio deles que se torna
possível continuar produzindo conhecimento.
Dessa forma, é válido reconhecer que a própria relação entre loucura e sociedade contém
em si mesma uma contradição, visto que a loucura constitui-se enquanto um problema, um resto
inabsorvível. Tal fato é evidente desde a época de Pinel, em que os loucos, juntamente a
doentes, criminosos e delinquentes eram segregados a fim de manterem-se na ordem do
ilocalizável. Ela é aquilo que excede e a Reforma vem tentar incluir esse excesso (França,
2009). A psicanálise contribui com essa discussão, apontando que o sujeito psicótico, enquanto
estrutura subjetiva, encontra-se fora das leis sociais, não se adequando a moldes e padrões.
Dessa forma, como poderíamos pensar a sua inclusão enquanto um padrão e ideal terapêutico?
Ainda sobre a perspectiva psicanalítica diante da psicose, Quinet relembra uma frase
que Lacan certa vez escreveu na sala do hospital onde trabalhava, na qual afirma que não é
louco quem quer, mas sim é louco quem pode. Então, poderíamos pensar, com base em lógica
freudiana, que a loucura possui em si suas próprias determinações, rigores e especificidades,
não podendo ser apresentada por qualquer um como um estado de espírito. Dessa maneira,
deve-se olhar a psicose como uma estrutura clínica, assim como a neurose, visto que a psicose
enquanto estrutura clínica aparece no dizer do sujeito e diz respeito a uma maneira particular
de articulação entre os registros do real, simbólico e imaginário (Quinet, 2006).
Desse modo, veremos que a Reforma Psiquiátrica Brasileira, por meio dos Centros de
Atenção Psicossocial e sua proposta de inserção social do psicótico, visa recuperá-los pela via
do social. A psicanálise, entretanto, pode apontar algumas modalizações em se manter somente
a proposta social sem levar em consideração o sujeito, uma vez que, mesmo reconhecendo a
importância da Reforma Psiquiátrica e de suas implicações sociais, a psicanálise aposta na
clínica do sujeito e, logo, na necessidade de atentar-se aos modos individuais de gozo de cada
um.
E é em meio a este estremecimento entre as ambas as apostas, seja pela via social do
CAPS, seja pela via essencialmente clínica da psicanálise, que situamos o nosso problema de
pesquisa: Quais as possibilidades e os limites da inclusão social do psicótico a partir do CAPS?
É possível pensar em um tratamento pro psicótico que vá para além do social? Em qual laço
social pretende-se incluir aquele que se faz sujeito a partir da sua foraclusão?

1Impasses não são defeitos. Não se trata de apontar uma posição contrária à Reforma, mas como fazê-la avançar
num cenário em que o Ministério da Saúde pretende acabar com a Reforma e retornar a modelos hospitalocêntricos.
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2 - A Experiência da Loucura e os Paradigmas da Psiquiatria

O que é conhecido hoje como saúde mental não se trata de um conceito que foi
formalizado atualmente, mas sim de um campo de problemas que foi construído ao longo do
tempo. Podemos situar tal processo de construção considerando como a loucura passa a ser
representada por nomeações diferentes como alienação mental, doença mental até chegar à
problemática da saúde mental, que é trabalhada atualmente pela medicina moderna (Pontes &
Calazans, 2014). George Lantéri-Laura (2000), propõe em seu livro “Ensaio sobre os
paradigmas da psiquiatria moderna” que esses três diferentes tipos de nomeação – alienação
mental, doença mental e estruturas psicopatológicas (que poderiam ser pensadas a partir da
saúde mental) – concernentes a diferentes épocas, configurar-se-iam como os paradigmas da
psiquiatria moderna.
Para que a medicina moderna e seu conjunto de problemas fossem como são atualmente,
e até mesmo para que a psicanálise pudesse existir, foi necessário que se desse o advento da
atividade científica, havendo, assim, uma ruptura entre o mundo antigo e o mundo moderno
(Pontes & Calazans, 2014). O mundo antigo tratava-se de um mundo finito, estruturalmente
bem definido, qualitativo e passível de um conhecimento comum, em que predominava o
pensamento aristotélico e a matematização era pensada apenas em função dos astros. Já no
mundo moderno, vem se instalar o pensamento científico, o qual faz uso da experimentação e
matematização, a física passa a ser matematizada, ocasionando um desmoronamento da ideia
de um mundo pronto e hierarquicamente dado (Calazans & Neves, 2010). Temos como
exemplo dessa nova lógica científica as produções de Nicolau Copérnico e Galileu Galilei.
Esse corte epistemológico também trouxe influências ao campo da loucura, que era vista
até então como o outro lado da razão. Desse modo, loucura e razão não se contrapunham, mas
eram complementares (Pontes & Calazans, 2014). Entretanto, quando o filósofo e matemático
René Descartes apresenta sua proposição filosófica “penso, logo existo”, acaba colocando a
desrazão enquanto loucura. E, dessa forma, termina por excluir o louco do campo do sujeito
(Birman, 2010). Percebe-se aí então a ocorrência da ruptura e nova concepção de oposição entre
loucura e razão. É a partir disso que, futuramente, a psiquiatria e o alienismo construirão suas
ideias.

2.1.1 - A Alienação Mental


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Para pensarmos a alienação mental, inicialmente devemos considerar a França no fim


do século XVIII. Neste momento, ocorria a Revolução Francesa (1789-1799), que tinha como
lema “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”. Tal fato implica uma nova visão sobre a ciência,
que agora se torna um alvo que deve ser alcançado, além de um novo contexto econômico e
político-social que se instalava no país (Pontes & Calazans, 2014). Em meio a isso, é
necessário destacar a atuação do médico Philippe Pinel, um dos precursores no tratamento dos
insanos, e considerado por muitos como o fundador da psiquiatria.
Pinel iniciou sua carreira em uma casa privada conhecida como Pensão Belhomme,
entre 1786 e 1791. Nessa época, havia diversas casas privadas, também chamadas Casas de
Saúde, que se localizavam ao redor de Paris, sempre distantes do centro2. Tais casas de saúde
surgiram como uma maneira, para as famílias com melhores condições financeiras, de evitar
que seus membros fossem internados nos asilos públicos, o que seria considerado como um tipo
de degradação pública. Elas funcionavam até mesmo com a finalidade de correção ou castigo
(Murat, 2012).
A Casa Belhomme fora criada em 1770 por um antigo fabricante de espelhos, e Pinel,
enquanto lá trabalhava, percebeu que havia um total desinteresse por parte do dono, que era
muito bem pago pelas famílias, em ver curados os seus clientes. Além dos clientes ricos, a Casa
Belhomme recebia, pela polícia, prisioneiros políticos, e, logo, era também paga pelo Estado.
Nessa época a polícia mantinha o poder sobre as Instituições de Saúde (Murat, 2012).
Os hospitais públicos não passavam de mais um modo de prisão, a fim de manter o
controle social. O primeiro hospital público geral foi criado por Luís XIV em 1656, e reunia no
mesmo lugar tanto os loucos, quanto os portadores de doenças venéreas, os leprosos, os
mendigos, os delinquentes e os criminosos. Os hospitais denominados Bicêtre e Salpêtrière são
exemplos de hospitais gerais e nos quais Pinel trabalhou (Murat, 2012).
Pinel foi nomeado oficialmente em Bicêtre, em 1793. Tratava-se de um hospício
conhecido por ser usado para fins de repressão no Antigo Regime. Era reconhecido também
como um lugar miserável e totalmente degradante. O alienista Ph. Pinel permaneceu lá até 1795
e, deste ano até 1826, trabalhou em Salpêtrière (Murat, 2012).
Grande fama é destinada a Pinel por haver feito uma diferenciação precisa entre a
loucura, como conceito cultural e social, e a alienação, termo da área médica. Tal diferenciação

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Mesmo que esta não seja uma regra geral, vemos que atualmente os próprios CAPS são distribuídos em bairros
periféricos. Em São João del-Rei –MG, por exemplo, não há nenhum CAPS no centro da cidade, mas em bairros
afastados como Tejuco, Caieras e Colônia do Marçal.
12

tornar-se-á referência para aqueles que virão trabalhar com o que, futuramente, será
denominado como psiquiatria (Lantéri-Laura, 2000).
A Pinel também é concedida a glória por ter afirmado que os alienados, enquanto
enfermos, não deveriam ser condenados e acorrentados como criminosos, mas sim deveriam
obter cuidados e assistência como quaisquer outros enfermos, o que os tirariam do radar da
polícia e da justiça, de modo a encontrarem-se sob os cuidados, ou até mesmo sob o poder dos
médicos (Lantéri-Laura, 2000).
A alienação mental, para Pinel, era tida como uma enfermidade única, que teria quatro
níveis de gravidade, cada qual apresentando diferentes aspectos concernentes à alienação. Os
níveis de gravidade da alienação eram: melancolia ou delírio parcial, mania ou delírio
generalizado, demência e idiotismo. Dessa forma, o médico propunha que haveria um
tratamento único para uma enfermidade única (Lantéri-Laura, 2000).
Esse tratamento único dos alienados foi chamado de tratamento moral. Pinel o propôs
baseado em seus estudos e experiências práticas, e

Consiste primeiramente em proteger o alienado, depois em dar-lhe


confiança, fase prévia de uma terapia que comporta outra subdivisão
importante: a intimidação. Pois se trata de reprimir a loucura sem
levantar a mão contra ela, adotando “uma voz fulminante”, o “tom
mais imponente e inabalável”, e empregando, se necessário, a força
de dissuasão (enviar vários enfermeiros ao mesmo tempo para
impressionar o paciente, por exemplo) (Lantéri-Laura, 2000, p. 76).

Ou seja, o tratamento moral dava-se fundamentalmente por meio da subordinação e


repressão do alienado. De acordo com Lantéri-Laura (2000), o tratamento moral se fundamenta
principalmente no isolamento do louco de seus familiares e conhecidos, de modo a fazer com
que, obrigatoriamente, ele abandonasse sua residência, sendo trancafiado em uma instituição
especializada.
Tal isolamento do alienado, proposto por Pinel, tratava-se de uma medida terapêutica.
Ele propunha que as paixões e os malfeitos do mundo que circundavam o alienado, assim como
a estupidez de seus parentes próximos, causavam e/ou agravavam seu quadro de alienação.
Dessa maneira, sua internação serviria tanto para protegê-lo de tais influências nocivas, quanto
de si mesmo.
Além disso, Pinel acreditava que incluir o louco em um ambiente totalmente racional
faria com que paulatinamente fosse recuperando sua razão, como um processo que ocorreria de
fora para dentro. Percebe-se, então, que Pinel apoiava sua teoria e tratamento na crença de haver
13

sempre um resquício de razão no alienado (Lantéri-Laura, 2000). Desse modo, este resquício
de razão coloca o alienado na esfera de sujeito. Pinel, quanto à neuroanatomia, apesar de haver
realizado diversas autópsias, nunca pôde associar qualquer lesão cerebral à alienação mental, o
que é uma diferenciação relevante entre alienação mental e doença mental, como veremos no
paradigma seguinte.

2.1.2 – A Doença Mental

Esse segundo paradigma conta com uma visão mais biologicista no que diz respeito ao
sofrimento mental, focada mais na busca pelas causas orgânicas em vez das causas psíquicas
como acontecia anteriormente. Em relação a essa mudança de paradigmas, Lantéri-Laura
(2000) ao propô-la, expõe que um paradigma não se altera para outro de forma súbita e sim ao
longo do tempo. Assim, a mudança do primeiro paradigma para o segundo ocorreu, mas o termo
alienação mental continuou ainda sendo usado por muito tempo, até que foi perdendo o
significado que lhe era concebido anteriormente. Enquanto alienação mental caía em desuso,
doença mental ganhava destaque nas produções da segunda metade do século XIX.
De acordo com Lantéri-Laura (2000), o psiquiatra francês Jean-Pierre Falret foi um dos
principais responsáveis pela quebra do primeiro paradigma, que pensava a enfermidade mental
enquanto única, pois Falret defendia a existência de mais de uma doença mental, de forma que
seria função primária do médico, ao atender um paciente, descobrir qual seria. Desse modo,
apresentava-se necessária a realização inicial de uma observação duradoura, pois somente por
meio desta que haveria a possibilidade de identificar por qual tipo de doença mental o enfermo
estaria acometido. Logo, o método terapêutico escolhido estaria numa relação de dependência
do resultado das observações.
Ainda para J. P. Falret, a doença mental seria um aglomerado de sintomas que, baseado
em sua evolução constante ou durável por um determinado de tempo, tratar-se-ia de uma
legítima enfermidade, ocorrendo de maneira singular em cada paciente. Dessa maneira, a
doença mental seria caracterizada como irredutível entre si e não como derivantes de uma única
enfermidade, como era o caso da alienação mental (Lantéri-Laura, 2000).
Antoine-Laurent Bayle, ao isolar a paralisia geral dos alienados ou encefalite crônica
aguda em 182,2 foi outro médico que contribuiu para que o paradigma da doença mental
prevalecesse. Segundo Murat (2010), tal doença se caracterizaria por uma inflamação das
meninges e seria ocasionada por distúrbios neurológicos e psíquicos e, à medida que avançasse,
14

resultaria na demência e morte do paciente. A doença fazia com que, a princípio, o doente
tivesse problemas na pronúncia e o enfraquecimento muscular, havendo um segundo momento
que seria marcado pelo delírio do orgulho. Já no último momento, o paciente “termina num
embrutecimento moral e numa degradação física completa (p.264)”. Portanto, tendo-se em vista
tal proposta apresentada por Bayle, que trabalha com disfunções motoras e cerebrais, fica
evidente a sua visão organicista da doença mental, o que contribui grandemente para o
crescimento de uma nova perspectiva psicopatológica da psiquiatria da época – a da doença
mental.
Ainda neste contexto histórico da psiquiatria e do paradigma da doença mental, cabe
destacar o psiquiatra alemão Wilhelm Griesinger. Segundo Pereira (2007), Griesinger escreveu
e publicou em 1845 seu Tratado sobre patologia e terapêutica das doenças mentais, que foi
considerado uma grande referência na área da psiquiatria. Até mesmo Sigmund Freud utilizou-
se do Tratado de Griesinger.
De acordo com Pereira (2007), Griesinger defende em seu Tratado a posição geral de
que

as doenças mentais são, em última instância, doenças do cérebro,


sendo este o órgão acometido na loucura. Mais especificamente, as
manifestações sintomáticas constituem por si mesmas reações e
tentativas de reestabilização desse órgão com o funcionamento
morbidamente perturbado (p. 687).

Por meio de tal afirmação, pode-se constatar que Griesinger deu início a uma nosologia
que se baseava no princípio de evolução dos quadros clínicos. Para o médico alemão, as formas
clínicas da loucura - neste momento já vista como uma doença - seriam fases que se sucederiam
de uma mesma doença (Pontes & Calazans, 2014).
De acordo com França (2015), Emil Kraepelin trata-se de outro médico psiquiatra que
contribuiu para que o conhecimento das doenças mentais se configurasse atualmente no quadro
do que é conhecido por ciências médicas. Ele é considerado o criador da psiquiatria clínica
moderna, pois foi o primeiro que

finalmente propôs uma verdadeira sistemática clínica, toda ela


fundamentada no conceito de unidades nosológicas, de limites
precisos, a exemplo do que ocorria na patologia médica. Pode-se
dizer que foi com ele que, verdadeiramente, o princípio nosológico-
clínico nasceu (França, 2015, p. 121).
15

Ou seja, Kraepelin inaugurou a proposta de um modelo sistemático de classificação, que


analisava cada fenômeno clínico de forma isolada e individual. Dessa maneira, vemos que até
aproximadamente a metade do século XX, além da alteração da ideia de alienação mental para
a de doença mental, o campo da psicopatologia sofreu algumas mudanças que são pertinentes
de serem apontadas. Segundo Pontes e Calazans (2014), dentre estas cabe destacar que a
semiologia tornou-se foco de diversos estudiosos que trouxeram contribuições relativas à
compreensão dos sintomas das doenças. Além disso, o método em questão, denominado
anatomoclínico, deu ênfase à discussão sobre a etiologia, ou seja, a pesquisa acerca das causas
de um fenômeno em questão. Cabe ainda destacar a alteração no que diz respeito ao status do
psiquiatra, que agora é considerado o “médico especialista responsável pela doença mental e a
consideração da psiquiatria como a principal especialidade médica” (p.31).

2.1.3 – Estruturas Clínicas

A mudança para um terceiro paradigma ocorreu em consequência de uma crise que se


originou a partir de alguns acontecimentos, sendo eles: uma multiplicação no que diz respeito
à classificação nominativa das várias doenças mentais; os obstáculos cada vez maiores em se
encontrar uma localização anatômica cerebral condizente às doenças mentais; e as propostas
teóricas de Sigmund Freud, que trouxeram a noção de unidade metapsicológica aos domínios
da psicopatologia. Além disso, o suíço Eugen Bleuler inaugura sua teoria, que resgata uma ideia
de unidade relativa à patologia mental, a qual ele denomina de “grupo das esquizofrenias”
(Vasconcelos, 2015).
De acordo com Silveira (2009), Bleuler apresenta uma diferente perspectiva perante as
manifestações da doença mental, que eram reduzidas por diversos de seus contemporâneos a
uma patologia do cérebro. Para o suíço, tais manifestações dos psicóticos assemelhavam-se,
fundamentalmente, aos processos mentais de pessoas comuns. Apesar de acreditar que a causa
primária da doença mental fosse de procedência orgânica, Bleuler mantinha grande foco sob
“os conteúdos dos sintomas na relação deles com os acontecimentos psicológicos da vida do
doente” (p. 587). Dessa forma, com Bleuler inicia-se o terceiro paradigma da psiquiatria, o das
estruturas psicopatológicas.
Segundo Lantéri-Laura (2000), o terceiro paradigma introduzia na prática uma distinção
que possibilitava ordenar na psiquiatria o que não se enquadrasse nem como lesões mentais
evidentes nem como fatores exógenos indubitáveis, ocupando-se assim do que seria
16

fundamental para tal ciência, as loucuras propriamente ditas. Tratava-se da oposição entre as
estruturas neuróticas e as estruturas psicóticas, sendo aquilo pelo qual a psicanálise se ocupou
de maneira primordial.
A noção de estrutura dentro da psiquiatria envolve a aposta em uma perspectiva de
globalidade/unicidade psicopatológica e em uma crítica ao divisionismo de tal área, que eram
tão característicos do paradigma anterior. Entretanto, apesar de buscar uma totalidade
psicopatológica, tal paradigma não visava, de maneira impensada, o retorno a uma unidade,
implicando assim o uso do conceito de “estrutura” (Vasconcelos, 2015).
A alteração para o conceito de estrutura torna necessária uma mudança drástica na
relação até então estabelecida entre a psicopatologia e a psiquiatria clínica, que passa a ser
deixada para segundo plano. A psiquiatria clínica, embora de disciplina médica inevitável, tem
sua limitação reconhecida, que seria sua amplitude reduzida, já que se restringe à execução de
tarefas úteis, as quais se resumem a delimitar um diagnóstico e, logo, um tratamento, sem
preocupar-se com seus desdobramentos antropológicos (Lantéri- Laura, 2000). Enquanto isso,
a psicopatologia

adquirirá um caráter predominante e a psiquiatria clínica representará


tão somente sua aplicação derivada. Deste modo os detalhes
aleatórios das enfermidades mentais, com suas variedades e suas
formas clínicas, serão considerados por cima do ombro por uma
psicopatologia que a transcende , dá conta dela de uma forma
totalizadora e a põe a serviço de um conhecimento geral do homem,
conhecimento que contribui a fundar, encontrando assim ao mesmo
tempo seu próprio fundamento (Lantéri-Laura, 2000, p. 218,).

De acordo com Vasconcelos (2015), simultaneamente a todas as transformações


decorrentes do advento do paradigma das estruturas psicopatológicas, houve também uma
mudança no que diz respeito ao diagnóstico. No paradigma anterior, o das doenças mentais, o
diagnóstico mantinha-se como peça fundamental para o processo de desenvolvimento da clínica
psiquiátrica, tendo em vista que era elaborado a fim de “afirmar, a partir dos sinais e sintomas,
a existência ou não da doença mental no paciente já enquadrado e classificado em determinada
categoria” (p. 45).
Portanto, o diagnóstico do segundo paradigma das doenças mentais altera-se para o
diagnóstico estrutural, que fora criado pelo francês Eugène Minkowiski. De acordo com
Vasconcelos (2015), tal diagnóstico, baseado em uma perspectiva fundamentada na
17

fenomenologia, buscava manter-se mais próximo do humano e, ao mesmo tempo, mais distante
de reducionismos que envolvessem os fenômenos psíquicos.
Minkowski, diferentemente de Kraepelin – representante maior do paradigma anterior
–, que se pautava em uma metodologia de base essencialmente descritiva e classificatória,
apresentava uma visão mais humanista a respeito da compreensão e do tratamento dos
transtornos psiquiátricos (Faizibaioff & Antúnez, 2015). Segundo Lantéri-Laura (2000),
Minkowski põe em discussão a necessidade de se conceder grande importância ao que é
experimentado pelo clínico na relação estabelecida junto a seu paciente, uma vez que o
diagnóstico estrutural seria dado, primordialmente, não de especialista para paciente, mas de
homem para homem.
Perceber o fenômeno com base na ótica fenômeno-estrutural, desenvolvida por
Minkowski, acarreta na busca pela sua compreensão e não pela sua explicação. Essa
compreensão do fenômeno pela via fenomenológica só seria possível por meio da dedicação de
uma maior atenção perante os fenômenos, de forma a tentar apreendê-los, priorizando conhecê-
los como o são de sua forma mais singular, considerando assim suas características individuais.
Sendo assim, o entendimento de sua origem ficaria para segundo plano (Faizibaioff & Antúnez,
2015).
Lantéri-Laura (2000) aponta também o organodinamismo de Henry Ey como uma
disciplina modelo e um dos trabalhos mais elaborados e completos no que se refere ao uso da
perspectiva estrutural. Henry Ey apostava que, embora o indivíduo estivesse imerso a um meio
que é comum a todos e no qual as relações se estabelecem, os fenômenos psíquicos ocorreriam
de maneira individual a cada um e de acordo com a sua vivência.
De acordo com Souza (2000), partindo-se da ótica do organodinamismo de Henri Ey,

a Psiquiatria, ao postular uma diferença entre o normal e o


patológico, em um homem considerado no plano de sua humanidade,
e não apenas no campo de sua vitalidade, não pode tomar a “norma”
absolutamente como uma média, uma mediocridade ou um
conformismo mecânico, devendo substituí-la pela idéia de
normativo, ou normatividade. A normatividade de um homem é
diferente da norma estatística, assim como as noções de desvio ou
conformidade diferem das formas de existência capazes de assegurar
a autonomia (a liberdade) de cada um (p.50).

Dessa forma, para o autor, qualificar a normatividade de alguém, seria o mesmo que
fazer uma estimativa quanto à sua liberdade. O organodinamismo de Ey parte, então, da ideia
de que o psiqué do indivíduo seria estruturado por uma organização e/ou desorganização
18

estrutural interna. Em meio a isto, apesar de toda a relevância da teoria de Henry Ey para a
psicopatologia, o psicanalista Jacques Lacan a critica, causando um acentuado debate no campo
da psíquico.
Consoante Lacan, a causação psíquica da loucura dar-se-ia em consequência de diversos
aspectos que determinam o modo como o sujeito se constitui, de forma a não se restringir a
apenas uma desorganização da consciência, que geraria a limitação da liberdade do sujeito.
Além disso, para ele a loucura se originaria de fatores psíquicos que seriam estabelecidos na
história individual do sujeito. O sujeito de Lacan, sujeito este dado como efeito da linguagem e
influenciado pela cultura, contrapunha-se ao sujeito defendido por Ey, que seria colocado como
completamente livre e autodeterminado (Vasconcelos, 2015).
Nesta dissertação, trabalharemos com base na visão lacaniana de sujeito, trazendo uma
discussão em torno de aspectos referentes ao quarto paradigma, que será apresentado no
próximo tópico, o da Saúde Mental.

2.1.4 - Saúde Mental

A Segunda Guerra Mundial causou impactos na conjuntura econômica e política


mundial, principalmente no contexto europeu. No período de pós-guerra, milhares de doentes
morreram nos asilos e é frente às condições precárias dos hospícios que surgem os primeiros
movimentos de crítica aos hospitais psiquiátricos, colocando em questão a sua terapêutica. O
Estado agora deveria ocupar-se a respeito da saúde, incluindo assim, o cuidado com os doentes
mentais. O hospital psiquiátrico passa a ser tido como uma das causas da doença mental
(Heidrich, 2007).
Conforme essas mudanças foram ocorrendo, um acontecimento que deve ser destacado
é o surgimento da Lei Nacional de Saúde Mental dos Estados Unidos, que se deu em detrimento
do reconhecimento de uma notável porcentagem de norte-americanos que sofriam de abalos
emocionais e psicológicos após a Segunda Guerra Mundial, de forma a tornar-se um problema
de saúde pública. Tal lei foi assinada pelo presidente Truman em 1946, e em decorrência dela,
apoiaram-se financeiramente pesquisas no campo das doenças mentais, formação profissional
e o surgimento de centros de saúde mental (Pontes & Calazans, 2014).
De acordo com Heidrich (2007), há, então, uma alteração referente ao foco de atuação
da psiquiatria, que era unicamente em torno do doente mental e passou a ser sob o seu oposto,
a saúde mental. Para Barreto (2010), essa mudança para a terminologia saúde mental implicou
19

uma reestruturação no que diz respeito à psiquiatria. Foram incorporados outros conhecimentos,
outros profissionais e serviços. O foco já não é unívoco sob a psiquiatria, mas esta passou a se
constituir enquanto complemento no campo da saúde mental. “Talvez sua importância maior
seja esta: fornecer a descrição e a classificação dos transtornos mentais e comportamentais.
Definir o que deve ser tratado e a que objetivo o tratamento deve visar” (p.8).
A partir de 1940, passam a tomar forma alguns movimentos de transformação dos
hospitais psiquiátricos, que podem ser divididos em três grandes grupos:

Um primeiro, que tinha como proposta abordar a psiquiatria a partir


do próprio modelo do hospital psiquiátrico (Comunidade Terapêutica
e Psicoterapia Institucional); um segundo grupo, que assumia a
comunidade como ponto central para o desenvolvimento do
tratamento (Psicoterapia de Setor e Psiquiatria Comunitária – ou
Preventiva); e um terceiro grupo, que dirigia os questionamentos à
psiquiatria em si, aos seus saberes e práticas (Antipsiquiatria e
Psiquiatria Democrática Italiana) (Heidrich, 2007, p.37).

As Comunidades Terapêuticas, no Brasil, ocorreram como uma tentativa de construção,


de uma reestruturação de cunho organizacional e discursivo das ações do cotidiano hospitalar
com base na psicanálise. A psicanálise seria utilizada para “interpretar” não só o inconsciente
dos pacientes, como também da Instituição, visualizando ser a solução do problema
manicomial. Pode-se dizer que tal aposta não foi efetiva, e muitos manicômios tradicionais que
não estavam dispostos à mudança, aproveitaram-se de tal proposta, de forma a promover um
marketing para si mesmos, passando a visão de uma roupagem moderna, sem na verdade aderir
a quaisquer mudanças (Tenório, 2002).
Já a Psicoterapia Preventiva aparece nos Estados Unidos por meio do livro Princípios
de Psiquiatria Preventiva (1980), do autor Caplan. Seu destaque é importante, pois é com essa
obra que se inaugura o termo saúde mental como foco de intervenção de políticas públicas. Isso
ocorre quando o presidente Kennedy apresenta ao Congresso o Plano de Saúde Mental, que se
referia a um programa de saúde que trabalhava com alguns ideais do preventismo. É a partir
desta época que o preventismo passa a ganhar força nas criações de políticas em saúde mental
(Pontes & Calazans, 2014).
Entretanto, torna-se pauta nas discussões o âmbito adaptacionista e normatizador da
Psiquiatria Preventiva e Comunitária e, consequentemente, da noção de saúde mental, uma vez
que o objetivo seria identificar na sociedade o que seria a causa de doença de uns e saúde de
20

outros, para assim, manipular circunstâncias na sociedade a fim de reduzir o aparecimento de


novos casos (Tenório, 2002).
Nesse sentido, de acordo com Tenório (2002),

quando surgiu, portanto, como novo objeto da psiquiatria, a noção de


saúde mental estava estreitamente associada a um processo de
adaptação social, denotando um padrão de normalidade externo à
singularidade do sujeito e à clínica, no seu sentido mais generoso.

Entretanto, como estava associada fortemente à noção de crítica asilar, a ideia de saúde
mental tornou-se um significante de destaque na Reforma Psiquiátrica Brasileira.
O campo ampliou-se, abrindo espaço para outros serviços e saberes. A noção de saúde
mental que hoje se associa à Reforma Psiquiátrica Brasileira estrutura-se sob duas principais
ideias. A primeira trata-se de um afastamento do foco da figura médica da doença, que não
considera os aspectos subjetivos do indivíduo; a segunda, de uma ampliação de saberes usados
para se pensar o campo da saúde mental (Tenório, 2002).
O foco que antes era unívoco sobre a psiquiatria agora divide-se frente a uma
multidisciplinaridade profissional. Isso ocorre de forma que a maior relevância da psiquiatria
acaba sendo apresentar a descrição e a classificação dos transtornos mentais e comportamentais,
disponibilizando o que deve ser tratado e qual objetivo terá o tratamento (Barreto, 2010). Esse
sistema de classificação de doenças promove uma universalização dos diagnósticos dos
transtornos mentais e comportamentais, que são catalogados no DSM (Manual Diagnóstico e
Estatístico de Transtornos Mentais) e no CID (Classificação Internacional de Doenças).
Uma vez que se a atual Psiquiatria e a noção de saúde mental encontra-se associada à
classificação dos transtornos, cabe-nos pensar o que seria um transtorno. De acordo com
Calazans e Martins (2007), a noção de transtorno pode ser pensada baseada em três principais
aspectos, sendo eles:

1. O transtorno é uma perturbação da ordem a ser seguida; 2. Se há


uma ordem a ser seguida, há a necessidade de adaptar-se a essa
ordem; 3. O transtornado é alguém que sofre de um déficit de
competências em relação aos outros sujeitos que se adaptaram a essa
ordem (p.144).

Dessa forma, um transtorno encontra-se associado à perturbação e não à adequação à


ordem. Inversamente, segundo Jacques Alain Miller (1999), uma boa saúde mental estaria
vinculada à não perturbação da ordem pública. Ou seja, há um tensionamento entre transtorno
e uma boa saúde mental. Miller (1999) determina também que há perturbações que dizem
21

respeito à justiça e à polícia e outras à saúde mental. O critério de separação seria o da


responsabilidade. O sujeito responsável deveria ser castigado e o sujeito irresponsável (louco)
deveria ser curado. E visto que há essa busca pela cura e/ou tentativa de controle daquilo que
foge aos padrões de “normalidade”, ou seja, que não se adequa às normas sociais, há também
um aumento cada vez maior do número de transtornos catalogados.
Um transtorno constitui-se de sintomas e há uma busca pela sua eliminação. Entretanto,
eliminando-se os sintomas, há também uma anulação das características individuais do sujeito.
Desse modo, de acordo com Calazans e Martins (2007), essa busca incessante pela
normalização resulta também em um movimento de apagamento do que é mais singular ao
sujeito. Nesse sentido, vemos que quanto mais se tenta ter controle sobre o singular, mais este
singular foge (uma vez que é inapreensível) e atropela os que tentam apreendê-lo, resultando
assim em mais transtornos.
Esse movimento de tentativa de eliminação dos sintomas e normalização do social
acarreta diretamente no movimento de medicalização/uso de psicotrópicos, o que gera ainda
mais o apagamento do sujeito e empobrecimento do campo da psicopatologia, pois ao se tentar
catalogar e apagar tudo que há de mais singular no sujeito o resultado seria manuais cada vez
maiores e um foco cada vez menor sobre aquilo que, na verdade, é inapreensível, ou seja, o
sujeito do inconsciente.
Portanto, como vimos ao longo deste capítulo, o contexto atual da loucura é resultado
de diferentes formas de sua apreensão. Nesse sentido, alguns paradigmas foram quebrados até
chegarmos no atual, da Saúde Mental. Em tal paradigma, situa-se o estabelecimento da Reforma
Psiquiátrica no Brasil, do qual decorre o nosso tema de pesquisa, uma vez que a inclusão social
do louco seria um de seus principais objetivos. Sendo assim, no próximo capítulo veremos um
pouco mais sobre a Reforma Psiquiátrica no Brasil e como os paradigmas não se mostram
totalmente permanentes e cravados em determinada época.
22

3 - O retorno dos paradigmas e a desinstitucionalização da Loucura no Brasil

Os paradigmas da saúde mental, que foram discutidos no capítulo anterior, não são
passíveis de serem pensados como algo que se fixou em determinado período e lá permanece
imóvel. Isso porque, podemos, atualmente, considerar o retorno/permanência de algumas
questões que estariam ligadas aos paradigmas anteriores.
Uma reportagem publicada pelo site de notícias G1 (2017) é um exemplo disso, visto
que afirma que, naquele mesmo ano, um estudo financiado pelo Ministério de Saúde da França
delimitou com precisão a área do cérebro responsável pela audição de vozes relatadas pelos
esquizofrênicos. Após a identificação da área cerebral, os pesquisadores indicaram e testaram
o tratamento via Estimulação Magnética Transcriana (EMT) – estímulos elétricos e magnéticos
de alta frequência visando à melhora na audição das vozes.
Podemos pensar em tal estudo como um representante atual do paradigma da doença
mental já que há uma investigação em torno da busca pelas causas orgânicas que envolvem o
transtorno mental. Ou seja, os paradigmas da saúde mental não ficaram estabilizados no
passado, mas são passíveis de reaparição. Isso poderia ser até mesmo associado ao conceito
psicanalítico denominado como retorno do recalcado, em que aquilo que fora recalcado torna a
aparecer em algum momento, apesar de algumas transformações
Frente à discussão apresentada sobre os paradigmas que originaram o que atualmente
conceituamos como saúde mental, cabe agora adentrarmos o tema da Reforma Psiquiátrica no
Brasil, sito que esta se constitui enquanto um questionamento téorico-conceitual, técnico-
assistencial, político-jurídico e sociocultural. Esses parâmetros, definidos por Amarante (1995),
geraram inúmeras mudanças no panorama geral condizente à loucura, pois alterações advindas
da Reforma Psiquiátrica no Brasil, que redireciona o modelo assistencial em saúde mental,
deram subsídios à existência dos CAPS (Centros de Atenção Psicossocial) e da RAPS (Rede de
Atenção Psicossocial), outro tema que deverá ser mais bem discutido a fim de dar suporte
teórico-metodológico a esta pesquisa.

3.1 – A Reforma Psiquiátrica

Em torno de 1960, na Europa, um grupo de psiquiatras italiano liderados por Franco


Basaglia começou a desenvolver o processo de desinstitucionalização da loucura. Esse processo
23

baseou-se em observações e reflexões sobre um manicômio denominado Gorizia (Kyrillos,


2003). É nesta conjuntura que surgem críticas e denúncias sobre o desenvolvimento da
psiquiatria como um meio de controle social, e começa um movimento de busca por serviços
alternativos ao tradicional modelo manicomial, o que virá a se tornar a denominada Reforma
Psiquiátrica Italiana. Assim, muitas obras importantes do meio ganham atenção, como as obras
de Michel Foucault (1993), Franco Basaglia (1985), Robert Castel (1978, 1987) e Erving
Goffman (1990), dentre outros.
Os asilos manicomiais configuravam-se como instituições que utilizavam de
tratamentos considerados desumanos e degradantes para com seus internos, de acordo com os
parâmetros da política mundial dos direitos humanos3. Franco Basaglia, que protagonizou a
Reforma Psiquiátrica Italiana, traz em seu livro A Instituição Negada (1985) exemplos sobre
como se davam os maus-tratos nos hospitais psiquiátricos, como o ato do “garrote”, que era
aplicado no paciente que estivesse inquieto, e tratava-se de agarrá-lo pelo pescoço fortemente
com um lençol molhado em sua cabeça para impedi-lo de respirar até que desmaiasse por
sufocação.
Além disso, apresenta uma discussão que propunha que tanto a instituição do hospital
psiquiátrico, quanto todas as outras que compõem nossa sociedade, como escola, universidade,
família, fábrica, constituem-se por uma relação de violência. Desse modo, todas elas são
configuradas por meio de uma cisão entre os que têm poder e os que não têm e estão submetidos
aos que têm. Assim, nos hospitais psiquiátricos, os médicos e funcionários deteriam o poder e
os pacientes estariam submetidos a eles.
Podemos afirmar que a Reforma Psiquiátrica no Brasil foi inspirada na Reforma
Psiquiátrica Italiana, que acaba se configurando como um paradigma para a reforma brasileira
(Dunker & Kyrillos, 2015). Entretanto, apesar da influência, não somente da Psiquiatria
Democrática Italiana, como também de outras reformas que aconteciam ao redor do mundo, tal
como a Psiquiatria Comunitária Preventista Norte-Americana, as Comunidades Terapêuticas

3
Ainda que muitas práticas oriundas do período manicomial fossem extintas e condenadas com o passar dos anos,
algumas ainda ocorrem ao longo do mundo, como é o caso da contenção mecânica. A contenção mecânica é um
método antigo que visa conter o paciente que se mostre agitado e/ou agressivo e tem o objetivo exercer o controle
sobre os movimentos do indivíduo de forma a impedir que este ofereça danos a ele mesmo ou a outras pessoas.
Atualmente, a contenção mecânica é realizada utilizando-se de faixas de couro ou tecido que são colocadas juntas
à cama a qual o sujeito será deitado forçadamente por enfermeiros. Ela é considerada um procedimento terapêutico
que tem como finalidade reduzir a agitação e a agressividade do indivíduo gerando nele uma maior percepção dos
seus limites corporais (Schwiderski, Tchaikovski, & Manzarra, 2013). Deverá ser realizada apenas em casos de
agitação extrema, como última alternativa, visando ser o quanto menos lesiva e só é possível sob a prescrição de
um médico psiquiatra. A contenção mecânica ainda é legalizada em países como o Brasil e a Espanha. Porém, no
Reino Unido, por exemplo, foi proibida e em alguns outros países tem crescido, mesmo que lentamente, um
movimento de usuários e profissionais que visam à redução ou mesmo proibição de seu uso (Cervilla, 2017).
24

Inglesas e a Psiquiatria de Setor na França, pode-se dizer que a reforma brasileira apresenta
uma trajetória particular e por isso é importante, ao referir-se a ela, ter em vista também a
conjuntura histórico-política do país naquele momento (Dunker e Kyrillos, 2015).
Em relação ao contexto histórico-político brasileiro, na década de 70, surge um forte
movimento que ansiava por mudanças em oposição ao Estado autoritário e em busca da
redemocratização. É neste contexto que surgem as primeiras críticas ao modelo vigente no país
no que tange ao tratamento em saúde mental. De acordo com Kyrillos (2003),

naquele momento, surgem as primeiras críticas à ineficiência da


assistência pública em saúde adotada pela administração federal,
através do Ministério da Saúde. Também surgem denúncias de
fraudes no sistema de financiamento dos serviços e, o que é mais
significativo para o movimento da reforma, denúncias de abandono
e maus tratos a que eram submetidos os pacientes internados em
diversos hospícios do país (p. 72).

Simultaneamente a isso, ocorria um forte processo de privatização da saúde, em que o


governo se conveniou a diversos hospitais psiquiátricos, processo que ficou conhecido como a
indústria da loucura. É, então, especificamente em 1978, que é criado o Movimento dos
Trabalhadores em Saúde Mental (MTSM), que se baseava em uma visão humanitária e
propunha melhorias trabalhistas, de forma que ganhou grande destaque (Tenório, 2002).
O MTSM foi um dos principais protagonistas na luta pelas reformas no campo da saúde
mental, tendo em vista que denunciou abusos e apontou críticas ao modelo psiquiátrico
tradicional que atuava nos asilos manicomiais. Sendo assim, partindo-se de suas reflexões e
ações, constrói uma linha de pensamento crítico que visa promover reformas no campo da saúde
mental a fim de se chegar à desinstitucionalização (Amarante, 1995).
É em busca desta desinstitucionalização que se inicia mais concretamente, no final da
década de 70 e início de 80, a Reforma Psiquiátrica no Brasil. De acordo com Amarante (1998),
considera-se como reforma psiquiátrica “um processo histórico de formulação crítica e prática,
que tem como objetivos e estratégias o questionamento e elaboração de propostas de
transformação do modelo clássico e do paradigma da psiquiatria” (p. 87).
Em 1987, ocorrem a 1ª Conferência Nacional de Saúde Mental e o 2º Congresso
Nacional dos Trabalhadores de Saúde Mental, na cidade de Bauru, e esses acontecimentos
ganham grande destaque no que diz respeito à trajetória da Reforma Psiquiátrica Brasileira. No
2º Congresso Nacional dos Trabalhadores de Saúde Mental, funda-se o Movimento Nacional
de Luta Antimanicomial (MNLA), organizado pelo Movimento dos Trabalhadores em Saúde
25

Mental, e que reuniu profissionais, estudantes, técnicos, pessoas com transtornos mentais e seus
familiares em prol da luta por condições melhores de trabalho e pelo direito de atenção à saúde
mental, utilizando-se, para isso, do lema “Por uma Sociedade sem Manicômios” (Dalla Vecchia
& Martins, 2009).
Os eventos supracitados corroboraram para que a Reforma Psiquiátrica ganhasse mais
atenção publicamente, de forma que as denúncias em relação à ineficácia da estrutura
manicomial, no que tange aos cuidados com o sujeito em sofrimento psíquico, não ficassem
apenas restritas ao campo técnico-assistencial (Dalla Vecchia & Martins, 2009). E, em meio a
isso, como uma resposta às aspirações da Reforma Psiquiátrica Brasileira, surgem os serviços
substitutivos em saúde mental, dentre eles, o CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) e o NAPS
(Núcleo de Atenção Psicossocial). Esses serviços seguem a mesma linha de crítica ao modelo
asilar que predominava e se dava até então por meio de hospitais e clínicas privatizadas
(Kyrillos, 2009).
Cabe, nesse contexto, apresentar brevemente o NAPS, como um serviço substitutivo
aberto 24 horas, todos os dias da semana, cujo objetivo é prestar acolhimento a sujeitos em
crise. Já o CAPS, serviço substitutivo que é foco desta pesquisa, traz em sua base a proposta
central de proporcionar autonomia e a reinserção social dos usuários.
Em 1989, outro acontecimento teve grande repercussão, consolidando a implantação
dos CAPS. Trata-se da intervenção, pela prefeitura de Santos, na Casa de Saúde Anchieta, uma
instituição privada que fora denunciada por não oferecer um tratamento digno aos seus mais de
500 internos. Com isso, houve o fechamento da mencionada instituição e sua substituição pelo
CAPS (Amarante, 1995).
Ainda no ano de 1989, o projeto de lei Paulo Delgado deu entrada no Congresso
Nacional. Tal projeto de lei visava garantir os direitos das pessoas com transtornos mentais,
assim como a extinção dos manicômios no país. Cabe ressaltar que, mesmo que tal projeto,
denominado Lei 10.216, só tenha sido aprovado em 2001, na época em que foi apresentado teve
grande efeito sobre as discussões concernentes à saúde mental, logo, à reforma psiquiátrica, que
já começava a se expandir. A discussão que girou em torno desse projeto ocasionou na
formulação e consequente aprovação de leis estaduais em oito estados que, em seus limites de
competência, instituíam regularmente a assistência por meio de serviços substitutivos. Os
efeitos oriundos da apresentação do projeto fizeram com que o movimento da reforma
avançasse e se fortalecesse (Tenório, 2002).
Em 1991 e 1992, foram aprovadas as portarias 189/91 e 224/92, ambas do Ministério da
Saúde. A portaria 189 regulamenta e institui nacionalmente os CAPS/NAPS no âmbito de
26

procedimentos e dispositivos de atenção em saúde mental. Já a portaria 224 faz um


aperfeiçoamento no que tange à regulamentação dos CAPS e NAPS, apresentando uma
tipificação das unidades fundamentais que compõem a rede (Tenório, 2002).
Nesse sentido, a Portaria 224/92 apresenta as seguintes diretrizes:

Organização de serviços baseada nos princípios de universalidade,


hierarquização, regionalização e integralidade de ações; diversidade
de métodos e técnicas terapêuticas nos vários níveis de complexidade
assistencial; garantia da continuidade da atenção em vários níveis;
multiprofissionalidade na prestação de serviços; ênfase na
participação social desde a formulação das políticas de saúde mental
até o controle de sua execução; definição dos órgãos gestores locais
como responsáveis pela complementação da presente portaria
normativa e pelo controle e avaliação dos serviços prestados (Portaria
n.º 224, 1992).

No que tange aos avanços relativos aos serviços substitutivos, no ano 2000, com a
portaria nº 106/2000, foram criadas as Residências Terapêuticas, que são entendidas como
“moradias ou casas inseridas, preferencialmente, na comunidade, destinadas a cuidar dos
portadores de transtornos mentais, egressos de internações psiquiátricas de longa permanência,
que não possuam suporte social e laços familiares e, que viabilizem sua inserção social”
(Portaria nº 106, 2000, para. #8 ).
Desse modo, as residências terapêuticas constituem-se enquanto equipamentos da saúde,
de forma a serem necessariamente aptas a assegurarem que os sujeitos egressos de hospitais
psiquiátricos tenham direito à moradia e recebam ajuda em seu processo de reintegração na
sociedade. Cada residência terapêutica deve conter no máximo oito moradores e estar
referenciada a um Centro de Atenção Psicossocial, operando rente à rede de atenção à saúde
mental, frente à lógica do território (Brasil, 2005).
Esse progresso na implantação dos serviços substitutivos e a até então não aprovação
do projeto de lei da reforma psiquiátrica (Projeto de Lei Paulo Delgado) tiveram como efeito
uma intensificação no que diz respeito ao movimento dos profissionais de saúde e às
manifestações sociais (Barroso & Silva, 2011). Com isso, no dia 6 de abril de 2001, após 12
anos de tramitação no Congresso Nacional, a lei 10.216 (conhecida como Lei Paulo Delgado)
foi aprovada.
A lei 10.216 oficializa o atendimento psiquiátrico comunitário no país e garante os
direitos e a proteção de todas as pessoas acometidas por transtornos mentais. Dentre suas
funcionalidades, cabe destacar que tal lei veda a internação de pacientes portadores de
transtornos mentais em instituições com características asilares, assim como estabelece que o
27

tratamento tenha, como finalidade permanente, a reinserção social do paciente em seu meio.
Além disso, estabelece a preferência pelos serviços comunitários em detrimento da internação,
assegura o estabelecimento de serviços substitutivos ao longo de todo o Brasil e regulamenta
as internações compulsórias (Brasil, 2001; Barroso & Silva, 2011). E é logo após a aprovação
da Lei Paulo Delgado que ocorre a III Conferência Nacional de Saúde Mental, que consolida a
Reforma Psiquiátrica como política de governo.
Ainda nesta perspectiva de estabelecimento de leis e portarias que se mostraram
relevantes para o avanço da Reforma Psiquiátrica no Brasil e para o desenvolvimento dos
serviços substitutivos, torna-se ainda necessário apontar a criação da portaria de nº 336 no ano
de 2002. Esta reestrutura as portarias 189/91 e 224/92, apresentando definições e diretrizes
referentes ao funcionamento dos Centros de Atenção Psicossocial.
De acordo com Brasil (2011), a fim de promover uma redução gradual e planejada dos
leitos psiquiátricos, visando assim, também fortalecer a implantação dos serviços substitutivos,
o governo utilizou-se de dois mecanismos:

1. Programa Nacional de Avaliação dos Serviços Hospitalares, instituído em 2002 a


partir da PT GM 251, que estabelece a obrigatoriedade de vistorias em todos os hospitais
psiquiátricos públicos e conveniados ao SUS.

2. Programa Anual de Reestruturação da Assistência Psiquiátrica Hospitalar no SUS


(PRH), instituído em 2004 a partir da PT GM 52, o qual apresenta como objetivo
fundamental a redução progressiva e pactuada de leitos a partir dos macro-hospitais
(hospitais com mais de 600 leitos) e hospitais de grande porte (com 400 a 600 leitos
psiquiátricos).

Ainda neste contexto de melhorias, o Ministério da Saúde instituiu linhas específicas de


financiamento para os serviços abertos e substitutivos ao modelo hospitalocêntrico, assim como
fundou novos instrumentos para fiscalizar, gerir e reduzir leitos psiquiátricos. Então, em 2003,
a partir da lei 10.708, a qual fora encaminhada pelo presidente da República Luís Inácio Lula
da Silva, criou-se o Programa “De Volta para Casa”. Elaborou-se também uma política de
recursos humanos para a Reforma Psiquiátrica e foi traçada a política para o álcool e outras
drogas, por meio do método denominado de redução de danos (Brasil, 2005).
O Programa De Volta para Casa apresenta como objetivo
28

contribuir efetivamente para o processo de inserção social das


pessoas com longa história de internações em hospitais psiquiátricos,
através do pagamento mensal de um auxílio-reabilitação [...] aos seus
beneficiários (Brasil, 2005, p. 16).

Assim, o programa aposta na expansão da rede social dos usuários, em busca do bem-
estar do indivíduo, gerando uma contribuição para com o exercício dos seus direitos civis,
políticos e de cidadania. Isso porque conta com o pagamento mensal do auxílio-reabilitação,
recebido pelo próprio usuário devido ao convênio estabelecido entre o Ministério da Saúde e a
Caixa Econômica Federal. Desse modo, cada indivíduo beneficiário tem acesso a um cartão
magnético que permite saques e o movimento de tais recursos (Brasil, 2005).
Posteriormente, um acontecimento que merece ser destacado, considerando-se o
histórico da Reforma Psiquiátrica, foi a “Marcha pela Reforma Psiquiátrica Antimanicomial”
que aconteceu em 2009 cuja finalidade era reajustar as Políticas de Saúde Mental do Ministério
da Saúde. Outra finalidade da marcha foi solicitar melhorias e/ou provocar expansão referentes
ao Programa Volta Para Casa, dar subsídios para maior protagonismo tanto dos sujeitos em
sofrimento quanto dos trabalhadores da Saúde Mental, além de expandir os benefícios, tal como
a LOAS (Lei Orgânica de Assistência Social), de modo a haver também um maior
desenvolvimento da Economia Solidária na Saúde Mental, bem como dar força e visibilidade
para a IV Conferência Nacional de Saúde Mental (CNSM) (Pereira e Costa-Rosa, 2012).
Em resumo, conforme o parágrafo acima, pode-se dizer que a Marcha pela Reforma
Psiquiátrica Antimanicomial tinha como intuito “resgatar os princípios já obsoletos da Reforma
Psiquiátrica ou repactuar até onde se “reformou” de fato a institui­ção da loucura” (Pereira e
Costa-Rosa, 2012, p.1041). A mencionada marcha e os atores do campo da saúde mental, em
2010, obtiveram êxito ao terem solicitado a realização da IV Conferência Nacional da Saúde
Mental. A Conferência ocorreu de maneira memorável, já que se constituiu intersetorialmente,
avaliando um estágio de quase 9 anos de “construção e consolidação da Política Nacional de
Saúde Mental no SUS, tendo como fundamento seus avanços e desafios para a próxima década”
(Brasil, 2011, p.12).
O relatório originário da IV Conferência Nacional da Saúde Mental ganhou grande
destaque no que diz respeito à conjuntura de mudanças e ganhos referentes às políticas de saúde
mental no Brasil, pois reafirmou

De forma unívoca e incondicional os princípios mais gerais da


reforma psiquiátrica em curso no país, como a superação do modelo
asilar, com construção de uma rede substitutiva diversificada, e
29

garantia dos direitos de cidadania das pessoas com transtorno mental


e seus familiares. A Conferência se manifestou contrária a todas as
propostas de privatização e terceirização de serviços, na direção de
um sistema estritamente público e estatal de serviços de saúde
mental. Finalmente, reafirmou a necessidade da presença e
participação ativa dos usuários na rede de serviços, na produção do
próprio cuidado em saúde mental, e no ativismo junto aos serviços e
aos dispositivos de controle social (Brasil, 2010, p.10).

Nos anos que se sucederam podem ser observados avanços no que compete à Legislação
Básica de Saúde Mental. Como exemplo, podemos destacar duas importantes portarias
relacionadas à Rede de Atenção Psicossocial (RAPS):
A Portaria nº 3.088, que

Institui a Rede de Atenção Psicossocial para pessoas com sofrimento


ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack,
álcool e outras drogas, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS)
(Brasil, 2011b).

E a Portaria nº 615, que

dispõe sobre o incentivo financeiro de investimento para construção


de Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) e Unidades de
Acolhimento, em conformidade com a Rede de Atenção Psicossocial
para pessoas com sofrimento ou transtorno mental incluindo aquelas
com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas
no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) (Brasil, 2013).

De acordo com Shimoguiri (2016), a RAPS tem como objetivo viabilizar o acesso da
população à atenção psicossocial, de modo a propor a criação de espaços que permitam a
convivência e sustentação das diferenças presentes na comunidade. Tais características
propiciaram um movimento para além da clinica tradicional, de sorte que a RAPS constitui-se
por diversos estabelecimentos como as Unidades Básicas de Saúde (UBS); equipes de atenção
básica para populações específicas; Centros de Convivência; CAPS nas suas variadas
modalidades; enfermaria especializada em Hospital Geral; Residências Terapêuticas, entre
outros. Esses estabelecimentos, nas suas mais variadas especialidades, desenvolveram-se a fim
de constituírem-se como uma nova clínica – ainda apresentando o CAPS como sua peça central
– que possibilitaria que o sujeito usuário do serviço pudesse protagonizar o seu tratamento de
forma autônoma e responsável.
30

A partir da 12ª edição, publicada em 2015, do informativo eletrônico de dados sobre a


Política Nacional de Saúde Mental, que é denominado Saúde Mental em Dados, é que se pôde
visualizar que há um crescimento anual constante no tocante ao número de CAPS criados por
ano no país. Em 1998, havia 148 CAPS no país, já em 2008 havia 1326, e em 2014 havia 2209.
Tal informativo mostra-se importante na construção de estratégias para viabilizarem a
acessibilidade e garantirem o bom funcionamento das atividades desenvolvidas pela RAPS,
além de mostrarem a evolução e os déficits referentes às estratégias adotadas.
Tendo em vista a evolução presente nos dados mais recentes apresentados pelo
informativo “Saúde Mental em Dados”4 e todas as políticas públicas que foram desenvolvidas
desde o início da Reforma Psiquiátrica no Brasil, fica notável o progresso correspondente ao
processo de redução dos manicômios e, por conseguinte, aumento na implantação e nas
melhorias dos serviços substitutivos. Apesar disso, não se pode afirmar que há total estabilidade
no que refere à política de saúde mental no Brasil, já que alguns fatos apontam para o contrário.
Por exemplo, em 2015, o psiquiatra Valencius Wurch Duarte Filho foi nomeado como
coordenador geral da área de saúde mental. Tal nomeação foi alvo de protestos por inúmeros
movimentos ligados à Reforma Psiquiátrica, pois o psiquiatra foi diretor técnico da Casa de
Saúde Dr. Eiras de Paracambi, o maior hospital psiquiátrico privado da América Latina. O
manicômio era conhecido como “casa dos horrores” e foi fechado em 2012, em decorrência de
denúncias que envolviam violação dos direitos humanos (Cambricoli, 2015).
Duarte Filho foi despedido alguns meses depois, frente à persistência dos protestos
advindos dos defensores da Reforma Psiquiátrica. Entretanto, em 2017, o Coordenador e
Ministro de Saúde Mental do Brasil, Quirino Cordeiro Júnior, propõe que seja instituída uma
nova política de saúde mental. O coordenador afirma que deve haver uma reestruturação, já que
as vagas para saúde mental disponibilizadas nos hospitais gerais têm sido pouco ocupadas,
entretanto, a verba repassada tem sido para a ocupação total das mesmas. Dessa forma, defende
uma redução no financiamento à área, o que gera preocupação nos especialistas. As
preocupações se dão no sentido de que os números reduzidos de ocupação nos hospitais gerais
que foram apresentados podem servir para incentivar a abertura de vagas nos hospitais
psiquiátricos, colocando-os novamente no centro da política de saúde mental (Martins, 2017).

4
] O Saúde Mental em Dados é uma publicação da Coordenação Geral de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas
do Ministério da Saúde, que, desde 2006, apresenta um quadro geral sobre os principais dados da Política Nacional
de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas do SUS.
31

Já em novembro de 2018, de acordo com o site de notícias G1 foram, de fato, suspensos


78 milhões de reais em verbas para atendimento na Saúde Mental. E no mesmo mês, de acordo
com o site de notícias O Globo, o deputado Luiz Henrique Mandetta, na época já indicado
como futuro ministro de Saúde Mental do agora Presidente Jair Bolsonaro, afirma que pretende
buscar auxílio de especialistas para substituir a metodologia do CAPS. O deputado ainda sobre
esta discussão acerca de possíveis novas metodologias destacou o trabalho com esporte
realizado na Jamaica e enfatizou o trabalho realizado por igrejas na recuperação dos
dependentes5, o qual, para ele, deverá ser levado em consideração, embora o Estado seja laico.
Dessa maneira, podemos visualizar com base em tais notícias, a instabilidade do campo da
Saúde Mental no Brasil e muitos retrocessos preocupantes, de forma a questionar até mesmo a
permanência dos serviços CAPS.
Apesar das instabilidades, França Neto (2009) afirma que a Reforma Psiquiátrica está
atualmente passando por uma segunda etapa, dado que a primeira, que se tratava do abandono
ao modelo manicomial, está sendo realizada, cabendo então pensar para além das conquistas
que foram concretizadas. Entretanto, é válido refletir sobre a necessidade, nesta segunda etapa,
de lidar com os efeitos e implicações da inclusão que foi imposta ao tratamento do louco via
CAPS e qual seria a maneira de garantir que o louco, mesmo incluído, tenha sua própria
exclusão resguardada, de maneira a não se constituir enquanto uma existência assujeitada. Ou
seja, mostra-se pertinente pensar o tratamento do louco para além de camisas de forças que
amarrem e/ou restrinjam o seu desejo a um ideal de inclusão, prezando-se assim por atentar-se
ao seu modo individual de gozo.
Ainda nesse sentido, vimos ao longo deste tópico que a Reforma Psiquiátrica surgiu
apresentando como foco uma busca pela reeducação social do louco e pelo seu direito à
cidadania, de modo a contrapor-se à consciência social que predominava anteriormente e tinha
o louco como juridicamente incapaz e perturbador da ordem social. No entanto, a partir disso é
válido questionar se esta “reeducação social” não seria uma tentativa de adequação do psicótico
aos “moldes” que são aceitos e, de certa forma, exigidos socialmente. Caberia perguntar-nos
sobre qual demanda a Reforma estaria respondendo, se seria à do desejo do sujeito que enquanto
autônomo decide se quer ou não ser incluído, ou à própria sociedade, que demanda um sujeito
que responda aos seus padrões, e que agora não pode mais trancafiá-lo e fechar os olhos para
sua existência e diferença (Castro & Palma, 2010).

5
O Conselho Regional de Psicologia de São Paulo (CRP - SP, 2016), em um dossiê referente aos anos de 2013
até 2015, fez uma atuação sobre as comunidades terapêuticas denunciando os maus tratos e as técnicas nada
terapêuticas utilizadas por entidades religiosas.
32

3.1.1 - Os CAPS

Dados que os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) são peças-chave na realização


desta pesquisa, é importante descrever melhor, ainda que brevemente, o que eles são. O CAPS
atua como principal estratégia da reforma psiquiátrica em processo no Brasil, já que visa se
desviar das internações, oferecendo alternativas mais humanas e pautadas na busca pelo
exercício da cidadania e inclusão social dos pacientes. Conta com o objetivo de prestar
atendimento diuturno às pessoas acometidas por transtornos mentais severos e persistentes em
um determinado território, de modo a conceder cuidados de âmbito clínico e de reabilitação
psicossocial (Ministério da Saúde, 2004).
De acordo com o Manual do Ministério da Saúde (2004), denominado como “Saúde
Mental no SUS: Os Centros de Atenção Psicossocial”, os CAPS visam:

Prestar atendimento em regime de atenção diária; gerenciar os


projetos terapêuticos oferecendo cuidado clínico eficiente e
personalizado; promover a inserção social dos usuários através de
ações intersetoriais que envolvam educação, trabalho, esporte,
cultura e lazer, montando estratégias conjuntas de enfrentamento dos
problemas. Os CAPS também têm a responsabilidade de organizar a
rede de serviços de saúde mental de seu território; dar suporte e
supervisionar a atenção à saúde mental na rede básica, PSF
(Programa de Saúde da Família), PACS (Programa de Agentes
Comunitários de Saúde); regular a porta de entrada da rede de
assistência em saúde mental de sua área; coordenar junto com o
gestor local as atividades de supervisão de unidades hospitalares
psiquiátricas que atuem no seu território; manter atualizada a
listagem dos pacientes de sua região que utilizam medicamentos para
a saúde mental (p. 13).

Sendo assim, o CAPS constitui-se como um serviço aberto e comunitário pertencente


ao SUS (Sistema Único de Saúde). Ele é um centro de referência dedicado a atender pessoas
com transtornos mentais graves, psicoses, neuroses graves e afins, que estejam em sua área de
abrangência, de forma a proporcionar-lhes acompanhamento clínico e médico e promover a
reinserção social dos usuários. Sua característica central, em relação aos seus pacientes, seria a
de “buscar integrá-los a um ambiente social e cultural concreto, designado como seu
“território”, o espaço da cidade onde se desenvolve a vida quotidiana de usuários e familiares”
(Ministério da Saúde, 2004, p. 9).
Tenório (2002) explica que o CAPS se trata de um serviço de atendimento-dia, ou seja,
o paciente permanece nele durante o dia e retorna para sua casa à noite. Este modelo de
33

atendimento-dia possibilita que o paciente compareça ao CAPS todos os dias, se houver


necessidade. Além do mais, nesses centros estão disponíveis diferentes atividades terapêuticas,
bem como uma equipe multidisciplinar.
Em relação à assistência aos pacientes do NAPS/CAPS, a Portaria 224/92 traz
regulamentações sobre o que os CAPS devem incluir:

Atendimento individual (medicamentoso, psicoterápico, de


orientação, entre outros); atendimento em grupos (psicoterapia,
grupo operativo, atendimento em oficina terapêutica, atividades
socioterápicas, dentre outras); visitas domiciliares; atendimento à
família; atividades comunitárias enfocando a integração do doente
mental na comunidade e sua inserção social; os pacientes que
freqüentam o serviço por 4 horas (um turno) terão direito a duas
refeições; os que freqüentam por um período de 8 horas (dois turnos)
terão direito a três refeições (Portaria nº 224, 1992).

A multidisciplinaridade no CAPS é garantida também pela mesma portaria, que


apresenta que a equipe mínima de funcionários, por turno de 4 horas e para 30 pacientes-dia
constituída por um médico psiquiatra, um enfermeiro, quatro outros profissionais de nível
superior (psicólogo, enfermeiro, assistente social, terapeuta ocupacional e/ou outro profissional
necessário à realização dos trabalhos) e profissionais de níveis médio e elementar necessários
ao desenvolvimento das atividades (Portaria nº 224, 1992).
Os CAPS dividem-se em modalidades distintas, de acordo com o porte/complexidade e
abrangência populacional, além de apresentar serviços específicos para álcool e drogas e
adolescência e infância. Tais modalidades são: CAPS I – 20.000 a 70.000 habitantes, CAPS II
- 70.000 a 200.000 habitantes, CAPS III - acima de 200.000 habitantes, CAPSi
(Infanto/Juvenil) - acima de 200.000 habitantes e CAPSad (Álcool e outras drogas) - acima de
100.000 habitantes (Portaria nº 336, 2002).
Neste capítulo, fizemos uma breve apresentação sobre a Reforma Psiquiátrica e o seu
dispositivo de cuidado, o CAPS. No entanto, neste cenário em que há a proposição de inclusão
social da loucura por meio da Reforma Psiquiátrica e da criação dos CAPS, como podemos
definir a psicose? Essa é uma questão central, pois apenas a definição social não é suficiente
para orientar propriamente um trabalho com uma estrutura subjetiva bastante específica. Defini-
la levando em consideração tanto as contribuições clássicas da psicanálise quanto as
contribuições contemporâneas é importante para tentar entender essa interação entre a inserção
daquele que, como podemos definir, encontra-se preso do lado de fora em função de sua
34

modalidade específica de defesa, a saber: a foraclusão. No próximo capítulo ampliaremos tal


discussão.
35

4 – As Psicoses

4. 1 – Foraclusão: o conceito

Considerando que esta dissertação gira em torno da problemática referente à inclusão


social do psicótico, e considerando as possibilidades e os limites que dizem respeito a esta
inclusão, delimitaremos o conceito da foraclusão. Tal delimitação se deve ao fato de que, na
teoria psicanalítica lacaniana, na qual se baseia este trabalho, foraclusão é o mecanismo
específico da psicose, o qual atuará como conceito-chave nas discussões que permeiam o tema
da inclusão social do psicótico.
Foraclusão, na verdade, apenas se torna um conceito operatório da psicose quando
Lacan traduz o termo Verwerfung, já utilizado por Freud, de maneira não muito sistemática.
Antes disso, esta era apenas uma palavra da língua alemã, que podia ser traduzida como
“barreira”, “rejeição” e “abolição simbólica”. Tanto em alemão quanto em francês, Verwerfung
e foraclusão advêm da área jurídica (Rabinovitch, 2001). Na área jurídica, então, o termo
foraclusão é utilizado para se referir a um processo ao qual se é impedido de recorrer, dado não
haver se cumprido o prazo, por haver sido prescrito (Rodrigues, 2014).
O termo foraclusão na língua francesa inclui em si, de forma inerente, um alto valor de
negação. Adentrando mais a língua de forma a pensar este efeito de negação, segundo
Rabinovitch (2001), uma negação gramatical em francês constitui-se em duas partes, sendo
elas: ne (não discordancial)... pas (nunca, foraclusivo). A segunda parte da negação, que vem
após o ne discordancial, que já é suficientemente negativo em si próprio, é chamada de
foraclusivo. Dessa maneira:

A força de uma tal negação, que afeta o momento posterior, destrói


o momento anterior, do qual ele dependia estreitamente. Se nomear
uma coisa a faz existir, o modo de negação “foraclusivo” que reforça
a primeira negação frástica, a discordancial, destrói a coisa no
momento mesmo em que a faz existir; mas ele destrói ao mesmo
tempo no futuro e no passado. Não só exclui as possibilidades
vindouras e fere o futuro, mas também expressa um desejo que lesa
o passado; diz o desejo de que uma coisa nunca tivesse existido. É,
na verdade, a marca de uma não existência. Marca de uma não
existência, ele fratura a memória e amputa gravemente o futuro
(Rabinovitch, 2001, p. 19).

Assim, a foraclusão implica a não inclusão, para sempre, da história de vida do sujeito,
do significante primordial Nome-do-Pai, e seria este mecanismo de não inclusão que guiaria a
36

elaboração do diagnóstico e, por conseguinte, o tratamento das psicoses. Segundo Lacan


(1958/1998), a psicose diz então de uma “circunstância da posição subjetiva em que o apelo do
Nome-do-Pai corresponda [...] à carência do próprio significante” (p. 563). Ou seja, a psicose
estrutura-se a partir de um furo que corresponde à carência do significante Nome-do-Pai, o que
acarretará diretamente em consequências na consistência do discurso do sujeito, em função de
uma cadeia significante desenfreada e, logo, de um gozo que o invade.
A fim de entender mais profundamente como se dá a foraclusão e, consequentemente, a
estruturação psicótica, passaremos por um tópico de apresentação dos três tempos lógicos do
Édipo. Isso se mostra necessário para que possamos apresentar a fórmula da metáfora paterna,
uma vez que a psicose é resultado de uma falha nesta operação, falha esta decorrente da
foraclusão do significante Nome-do-Pai.

4.2 – Os três tempos lógicos do Édipo

Lacan propõe que a estrutura do sujeito relaciona-se diretamente ao que acontece no


Outro, porque o indivíduo é precedido pela linguagem e será por meio dela que ele se colocará
no mundo, uma vez que a estrutura do sujeito corresponde a uma estrutura de linguagem. Logo,
o que acontece no Outro se constitui enquanto discurso, tendo-se em vista que o inconsciente
trata-se do discurso do Outro (Lacan, 1955-56).
O inconsciente, então, estrutura-se como linguagem, de forma que é apreendido por
lapsos, sonhos e chistes. Lacan, a partir da teoria dos signos linguísticos, que são divididos entre
significante e significado, apresenta que o Outro é o lugar dos significantes e o sujeito só poderia
dar significação aos seus significados, logo, a tudo que se constitui enquanto humano, podendo
adentrar o simbólico (Quinet, 1990). O Édipo seria, então, o divisor de águas, pois seria por
meio dele que o sujeito poderia, ou não, adentrar o mundo simbólico.
Vemos, então, que Lacan fez uma releitura do Complexo de Édipo freudiano construída
“pela via da racionalização em termos de linguagem e significantes operativos: o pai é reduzido
ao nome, ao significante do Nome-do-Pai (NP), e a mãe à função desejo, representada pelo
significante do desejo da mãe (DM)” (Pontes, 2017, p.29). Essa releitura aparece em “As
formações do Inconsciente” (1958/1999), em que Lacan propõe três tempos para a compreensão
do Complexo de Édipo. Passaremos por cada tempo, a fim de então chegarmos à operação da
metáfora paterna.
É por intermédio da mãe que a criança tem a sua primeira experiência da realidade, que
ela se relaciona inicialmente com o mundo vivo. A partir disso, no primeiro tempo lógico do
37

Édipo, a criança encontra-se identificada especularmente ao objeto de desejo da mãe (Lacan,


1958/1999).
Essa relação de interdependência entre o do desejo da criança e da mãe apenas mostra-
se possível devido à existência de uma falta, já que a mãe percebida faltante implica na
necessidade de ser imaginariamente preenchida. O objeto imaginário que poderia lhe preencher
a falta é denominado falo (Dor, 1995). Dessa forma, a criança procura satisfazer o desejo da
mãe, o que Lacan coloca por meio da indagação: “to be or not to be”, o seu objeto de desejo.
Sendo assim, esta seria a etapa fálica primitiva, em que a criança, buscando agradar a mãe, vê
como necessário e suficiente ser o seu falo (Lacan, 1958/1999).
Neste momento, evidencia-se a incidência de três elementos primordiais: a mãe, a
criança e o falo. De acordo com Lacan (1958/1999), é pela mãe, um ser falante e já introduzido
em um mundo repleto de símbolos, que chega a Lei à criança. Entretanto, esta lei chega à
criança de uma maneira absoluta e bruta, a partir da realidade do discurso da mãe, cabendo à
criança apenas responder como o seu objeto de desejo.
Ainda nesta etapa do Édipo, ocorre o que é denominado como o Estádio do Espelho, em
que há a constituição do eu a partir da imagem do outro. Ou, tomando as palavras de Lacan, o
Estádio do Espelho é “o encontro do sujeito com aquilo que é propriamente uma realidade e,
ao mesmo tempo, não o é, ou seja, com uma imagem virtual, que desempenha urn papel decisivo
numa certa cristalização do sujeito a qual dou o nome de sua Urbild” (1958/1999, p. 233).
Sendo assim, o sujeito projeta a sua imagem que refletirá no outro, o que permitirá a ele
reconhecer de forma ilusória o seu eu enquanto unificado (e não mais esfacelado), visto que a
unidade do eu ocorre no âmbito imaginário. Como nesse momento o sujeito ainda não está
submetido às leis simbólicas, a sua identificação com o outro dá-se de maneira direta, fazendo
com que o outro se apresente concomitantemente como igual e rival. É, nesse sentido, que se
dá a sua alienação constitutiva do eu, que está ligada à imagem do outro ao qual se identifica e
ao mesmo se rivaliza (Quinet, 2006).
O segundo tempo lógico do Édipo é marcado pela estreia da simbolização. Freud (1923)
ilustra esta primeira simbolização por meio do jogo do Fort! Da!, em que a criança, ao jogar e
trazer para si repetidamente o carretel, evidencia a simbolização da ausência e da presença da
mãe. Logo, a representação da mãe por meio do carretel e dos fonemas fort (longe) e da (perto)
remeteriam à simbolização da mãe e à sua entrada no meio simbólico (Quinet, 2006). Em
consequência disso, a mãe “já não é mais um objeto puro e simples, mas um objeto-símbolo,
transforma-se naquilo que o desejo da presença faz dele” (Lacan, 1958/1999, p. 342).
38

Entretanto, para que essa simbolização seja possível é necessário que algo venha a
intervir na relação entre mãe e criança, barrando a reintegração da criança pela mãe. Esta, que
num primeiro momento aparece para aquela como Outro absoluto, agora vem ser barrada pelo
significante Nome-do-Pai, que exerce a função simbólica da lei, e que se trata de um significante
que age como ordenador do conjunto de significantes. Desse modo, conforme Lacan
(1958/1999):

Chamamos de lei aquilo que se articula propriamente no nível do


significante, ou seja, o texto da lei. Não é a mesma coisa dizer que
uma pessoa deve estar presente para sustentar a autenticidade da fala
e dizer que há alguma coisa que autoriza o texto da lei. Com efeito,
o que autoriza o texto da lei se basta por estar, ele mesmo, no nível
do significante. Trata-se do que chamo de Nome-do-Pai, isto e, o pai
simbóIico. Esse é urn termo que subsiste no nível do significante,
que, no Outro como sede da lei, representa o Outro. É o significante
que dá esteio à lei, que promulga a lei. Esse é o Outro no Outro
(p.152).

Ou seja, é por intermédio do significante Nome-do-Pai que a criança metaforiza a


ausência da mãe. É neste tempo do Édipo que o pai age efetivamente no terreno imaginário
como privador da mãe, resultando na castração simbólica (Lacan, 1958/1999), porque, quando
há a irrupção do significante do Nome-do-Pai no Outro, a identificação da criança com o falo
da mãe se desfaz. O objeto imaginário do desejo da mãe, denominado falo, transfere-se para a
ordem significante do desejo do Outro. Dá-se, então, a inscrição da castração no Outro,
resultando no inconsciente barrado para o sujeito, e logo, na inauguração da cadeia significante
do Inconsciente (Quinet, 2006). Em outras palavras, é por meio da intervenção do significante
Nome-do-Pai que ocorre a estruturação do plano simbólico, impedindo que a cadeia de
significantes deslize.
A ocorrência da castração simbólica implica a significação do falo e, logo, o seu
desaparecimento. O falo, de acordo com Lacan (1958/1999) consistiria no “significante da falta,
o significante da distância entre a demanda do sujeito e seu desejo” (p.296). Ou seja, enquanto
o falo desaparece como resultado da castração simbólica, a falta é introduzida no imaginário.
De acordo com Quinet (2006) como significante do desejo do Outro, o falo articula-se
à linguagem a partir da sua condição mesma de significante. E é o falo enquanto significante
“que permitirá ao sujeito atribuir significações a seus significantes, e o significante que, por
excelência, permite ao sujeito situar-se na ordem simbólica e na partilha dos sexos como homem
ou mulher” (p. 12).
39

É, então, no terceiro tempo que haverá a queda do Complexo de Édipo. Neste tempo,
segundo Lacan (1958/1999), o pai intervém não como aquele que é o falo, e sim como aquele
que o tem, fazendo assim com que o falo apareça como o objeto desejado da mãe, e não mais
somente como o objeto o qual o pai pode privá-la. O pai aqui se insere enquanto real e potente,
intervindo como aquele que tem o falo, e é por meio disso que surgirá a possibilidade de
identificação. O menino poderá utilizar o pai como sua base identificatória do Ideal do Eu,
significando a sua virilidade. Já a menina se identificará à mãe, que não tem o falo, porém sabe
onde buscá-lo, e é junto ao pai. A partir disso é que ocorre o declínio do Complexo de Édipo.
Lacan irá tratar da questão do Édipo de maneira mais formalizada ao traçar o conceito de
Metáfora Paterna, importante para articularmos com o conceito de foraclusão como mecanismo
central na estruturação psicótica.

4.3 – A Metáfora Paterna

Lacan faz uma sintetização do Édipo no que ele apresenta como a fórmula da metáfora
paterna, ou da substituição significante:

Figura 1. Algoritmo geral da fórmula da metáfora paterna


Fonte: Lacan (1958/1998, p.563).

“onde os S são significantes, x é a significação desconhecida e s é o significado induzido pela


metáfora, que consiste na substituição, na cadeia significante, de S’ por S. A elisão de S’, aqui
representada por seu risco, é a condição do sucesso da metáfora” (Lacan, 1958/1999, p.563). A
metáfora situa-se no inconsciente e seria da ordem de um significante que aparece em
substituição a outro significante. Sendo assim, essa fórmula dá-se enquanto metáfora do Nome-
do-Pai, que vem instaurar este Nome, substituindo o que fora inicialmente simbolizado como
operação de ausência da mãe.
40

Figura 2. Fórmula da metáfora paterna


Fonte: Lacan (1958/1998, p.563).

A fórmula apresenta o processo metafórico pelo qual o x, como significado do Desejo


da Mãe, responsável pelas suas idas e vindas para a criança, passa a ser significantizado pela
significação fálica. A significação fálica só é evocada pelo o que chamamos de metáfora,
precisamente a metáfora paterna (Lacan, 1958/1999, p. 561). Assim, a metáfora é o que
viabiliza a inscrição do significante Nome-do-Pai no Outro, significante da Lei e da significação
fálica, que resulta no falo como significante do desejo do Outro. Essa introdução do falo no
campo do Outro funciona como um ponto de basta ao transbordamento do gozo (Quinet, 2006;
Lacan, 1958/1999).
Todavia, é possível que haja uma falha na operação da metáfora paterna, que seria da
ordem de uma foraclusão do significante Nome-do-Pai. Esta foraclusão seria o mecanismo
responsável pela entrada do sujeito na psicose. Quando há esta falha na operação da metáfora
paterna, não há inscrição do falo como significante no Outro, ou seja, não há castração
simbólica. Não havendo castração simbólica, não há significação fálica. O sujeito permanece
como objeto de gozo do Outro, submetido ao seu Desejo, o que dificulta seu laço com o Outro,
uma vez que a condição de haver laço é o sujeito se reconhecer faltoso.
Conforme afirma Lacan (1955-56), “assim pode acontecer que alguma coisa de
primordial quanto ao ser do sujeito não entre na simbolização, e seja, não recalcado, mas
rejeitado” (p.97). Essa rejeição seria da ordem de uma foraclusão (mecanismo responsável pela
entrada do sujeito na psicose). Em outras palavras, falar em psicose é falar, necessariamente,
em foraclusão, em rejeição de algo que é primordial, a saber, a falta como desejo, condição para
que um laço menos invasivo possa se realizar. Ou, em outros termos: o laço com o Outro deve
ser pensado com base nas características dessa estrutura. Não levar essa questão em
consideração em um tratamento substitutivo, é poder incorrer em equívocos que podem mais
cronificar o caso - por não ter em conta as especificidades de suas invenções para lidar com
esse Outro, que pode se tornar invasivo - em vez de se tornar um tratamento que dê suporte para
suas respostas.
41

4.4 – Psicose, linguagem e corpo

No Seminário 3 – As Psicoses, Lacan (1955-1956) estabelece o significante Nome-do-


Pai como conceito base e ao mesmo tempo decisivo no que diz respeito à delimitação de um
diagnóstico estrutural. Na neurose, apresenta-se o mecanismo de recalcamento, havendo um
retorno do que se é recusado por meio do sintoma. Na perversão, a partir do mecanismo do
desmentido, o retorno vem pelo fetiche. E na psicose, tendo-se em vista a foraclusão, o que
retorna vem como delírios e alucinações. Dessa maneira, enquanto na neurose a verdade é da
ordem de uma decifração, na psicose, ela aparece de forma evidente.
Nessa perspectiva, Lacan, em O Seminário 3 (1955-1956) e De Uma Questão Preliminar
a Todo Tratamento Possível na Psicose (1958) apresenta a psicose sob a noção de duas
condições centrais à sua constituição, sendo elas a foraclusão do Nome-do-Pai (P0) e a ausência
de significação fálica (Φ0). A foraclusão do Nome-do-Pai (P0) encontra-se associada aos
fenômenos ligados ao Simbólico e à ausência de significação fálica aos fenômenos do
Imaginário (Φ0). P0 diz respeito, então, aos transtornos de linguagem – e suas diferentes
maneiras de automatismo mental – e às alucinações. Além disso, relaciona-se também aos
transtornos da palavra e da enunciação, as alucinações verbais e os fenômenos de pensamento
imposto (Lacan, 1955-56).
Φ0, entretanto, faz referência aos fenômenos da ordem da sexualidade e do corpo, tendo
em vista que é por meio da significação fálica que o sujeito se localiza na ordem da sexuação
entre homem ou mulher. Logo, na psicose em que não há significação fálica, o sujeito apresenta
noções delirantes concernentes à sexualidade e ao corpo. Além disso, estaria ligado também à
mortificação do gozo e à perda enigmática do sentimento de vida (Pontes, 2017; Miller et. al,
1999/2005).
Com base nisso, fica claro que pensar um diagnóstico em psicose implicaria pensar
também nos fenômenos elementares que servem de base para a caracterização da estrutura em
questão. A psicose se mostra a partir dos seus efeitos. Fenômenos elementares seriam aqueles
que poderiam ser apresentados pelo sujeito antes mesmo de haver um desencadeamento da
psicose. Em vista disso, designam-se três tipos de fenômenos psicóticos, sendo eles:

a) fenômenos chamados de "automatismo mental" - conceito de G.


G. De Clérambault que permite agrupar na sintomatologia do
paciente tudo o que é vivido como proveniente do exterior:
pensamentos, ordens, vozes vividos como alheios, impostos de fora
e que decidem a conduta do sujeito; b) fenômenos que concernem ao
42

corpo, tais como experiências de decomposição corporal, de


despedaçamento, de estranheza em relação ao próprio corpo; c)
relatos de experiências inefáveis, a saber, vivências místicas de
certeza absoluta, de comunhão com o todo (Zbrun, 2010, p. 4).

Como já vimos, a foraclusão do significante Nome-do-Pai trata-se da condição essencial


para a entrada no campo da psicose. Considerando-se que a foraclusão implica diretamente uma
falha simbólica estrutural, conclui-se também que um diagnóstico em psicose só pode ser
formulado mediante a apresentação de distúrbios na ordem da linguagem. Como aponta
Rabinovitch (2001), “foracluir consiste pois, afinal, em expulsar alguém para fora das leis da
linguagem” (p.17).
O sujeito é um ser marcado pela linguagem e pelo inconsciente, ou seja, o sujeito é efeito
da linguagem. Contudo, essa relação com a linguagem pode se configurar de maneiras
diferentes. Por exemplo, enquanto o neurótico habita a linguagem, o psicótico é habitado,
invadido por ela, porque o psicótico apresenta uma exterioridade no que diz respeito ao conjunto
do aparelho da linguagem. Dessa forma, não se mostra possível que o psicótico adentre o jogo
dos significantes, mas apenas apresente uma maneira de imitação exterior (Lacan, 1955-56).
Ele não deixa de ser efeito do significante, assim como qualquer sujeito, todavia, o é do
significante que falta (Pontes, 2017).
Assim, tratando-se de psicose não há ponto de basta no que se refere ao deslizamento
dos significados perante os significantes, resultando no real em um gozo desenfreado. Portanto,
a ausência de significação fálica faz surgir no discurso

conseqüências avassaladoras para o sujeito, que fica sem rumo frente


a uma enxurrada de significações que não lhe bastam: os significantes
correm fora da cadeia, o sujeito permanece na errância, sem o arrimo
do significante; as leis de simbolização (verdichtung, verdrängung e
verneinung) não operam na psicose [...] (Lacet, 2004, p.247)

Freud, em 1915, já afirmava que na psicose não há valor de símbolo, isto é, não há
diferenciação entre palavra e coisa como acontece na neurose. A palavra vem do Outro como
algo absoluto, não passível de metaforização. Diante desta ausência de metaforização, em que
o Nome-do-Pai não se inscreve no significante, surge um furo no significado, furo este que
substituirá a significação fálica. E é como uma tentativa de lidar com este furo, com esta
ausência de simbolização e com a relação direta com o real (que ganha voz com as alucinações)
que virão os delírios. O sujeito psicótico irá metaforizar seu delírio de maneira singular, criando
43

formas particulares de lidar com esta invasão do gozo do Outro que lhe aparece como absoluto
e ameaçador, como um real que lhe atravessa.
A falta de enodamento na cadeia significante acarreta em particularidades no uso da
linguagem, como em relação à temporalidade, que decorre em falhas na sucessividade do
discurso, em um uso próprio de pontuação na escrita, além de uma ordem sintática diferenciada,
resultando também em frases interrompidas (que demonstram as quebras na cadeia
significante). Trata-se de um discurso passível de falhas na coerência interna, apresentando
problemas nas conexões de sentido, além de maneirismos no decorrer da escrita. Na psicose,
não há uma separação entre palavra e coisa, no sentido de que a palavra perde a função de
símbolo, de forma que a linguagem (palavras, vozes) vem invadir o corpo (Lacet, 2004).
Essa invasão que o psicótico sofre do Outro é na medida em que o que o emudeceria
tratar-se-ia da inclusão do significante da castração. Entretanto, como na psicose este
significante encontra-se foracluído não ocorre a clivagem do Outro, que então aparece ao sujeito
como aquele que fala e que o invade. Não estar barrado significa que o Outro carece do
significante da Lei e, por isso, apresenta-se ao sujeito como absoluto, submetendo-o a ser seu
objeto de gozo. Sendo assim, o que diferencia a neurose e a psicose seria a relação que se
estabelece junto ao significante, ou seja, a sua relação com o Outro. Na neurose, a inscrição do
Nome-do-Pai permite ao sujeito fantasiar, o que funcionaria como um escudo, de forma a
impedir o impacto junto ao real. Já na psicose, a ausência de tal significante incide em uma
realidade psíquica que se estrutura a partir de um real que o domina e que resulta nos delírios e
alucinações. Isso implicaria um discurso desorganizado ao ver neurótico com uma
temporalidade particular e condizente à uma realidade própria (Calado, 2016). É um discurso
que está fora (cluído) e que não deve ser alvo de tentativas de compreensão e/ou organização
tradicional, assim como de adequação a uma realidade castrada.
Consoante Lacan (1955-56), o inconsciente do psicótico encontra-se a céu aberto. Nesta
lógica, o teto seria construído somente por meio do mecanismo do recalque, no caso da neurose.
As vozes, as palavras e o comando de um Outro gozador chegam o tempo todo a partir deste
céu que está escancarado, invadindo diretamente o sujeito. O psicótico ouve, ao pé da letra, a
voz imperativa de um Outro ao qual é submisso.
Além da relação particular com a linguagem, como afirmado anteriormente, na psicose
há uma relação diferenciada também em relação ao próprio corpo, devido à ausência de
significação fálica que incide diretamente sob os fenômenos do Imaginário. O psicótico diz de
um estranhamento e uma maior fragilização em relação ao próprio corpo, como se este não o
pertencesse.
44

A ausência de tal significante não permite ao psicótico dar unidade ao próprio corpo,
como se este estivesse fragmentado e alheio a si. Lacan, em O Seminário III (1955-56/1985)
afirma que

o eu humano é o outro, e que no começo o sujeito está mais próximo


da forma do outro do que do surgimento de sua própria tendência.
Ele é originalmente coleção incoerente de desejos – aí está o
verdadeiro sentido da expressão corpo espedaçado – e a primeira
síntese do ego é essencialmente alter ego, ela é alienada. O sujeito
humano desejante se constitui em torno de um centro que é o outro
na medida em que ele lhe dá a sua unidade, e o primeiro acesso que
ele tem do objeto, é o objeto enquanto objeto do desejo do outro
(p.50).

Ou seja, o sujeito constitui-se por meio da relação com o outro, com o seu desejo.
Entretanto, na neurose há algo que barra essa relação, possibilitando uma simbolização. Já na
psicose, essa relação alienante ao outro não é barrada. A partir desta alienação em relação ao
outro, então é que resultaria a fragmentação da representação do próprio corpo na psicose, uma
vez que não há diferenciação entre o eu e outro. Pensando-se sobre esta indiferenciação na
psicose entre o que é do sujeito e o que é do outro e a ausência de simbolização, quando chega
ao psicótico um discurso que diz sobre a necessidade da inclusão, mostra-se importante e
totalmente ético perceber e atentar-se em até que ponto esse discurso não pode ser simplesmente
sugado pelo indivíduo sem ter realmente algo do sujeito envolvido no próprio sujeito.
A alienação em relação ao outro mostra-se evidente em um caso trazido por Maleval
(2014), em que Norbert, no estágio juntamente a um aluno de sua classe, sente-se como uma
“esponja”, porque acaba por perceber que repete os gestos e as palavras do seu amigo. O sujeito
se vê sem personalidade e percebe que, ao pensar, também imita a entonação do colega. Diz ser
algo que o incomoda e que se repete.
Em se tratando, mais especificamente de uma relação de desprendimento do próprio
corpo, podemos trazer o exemplo do escritor Joyce (1882-1941), estudado por Lacan, em O
Sinthoma (1975-76/2007). Neste, Lacan apresenta um episódio retratado por Joyce em que ele
toma uma surra.

Ele encontrou colegas para prendê-lo contra uma cerca de arame


farpado e dar nele, James Joyce, uma surra. (...) Depois dessa
aventura, Joyce se interroga sobre o que fez com que passada a coisa,
ele não guardasse rancor. Exprime-se, então, de um modo muito
pertinente, tal como se pode esperar dele, pois quero dizer que ele
metaforiza sua relação com seu corpo. Constata que todo o negócio
se esvaiu, como uma casca, diz ele (Lacan, 1975-76/2007, p. 145).
45

No exemplo, percebemos claramente um modo particular de vivenciar tal experiência,


havendo uma relação de exterioridade de Joyce em relação ao próprio corpo, como se este fosse
destacável. Além disso, caberia destacar, como trazido por Maleval (2014), que Joyce morreu
prematuramente devido a uma úlcera, da qual praticamente não cuidou e teve também um olho
calcificado, ambos por ausência de cuidado com o próprio corpo.
Vimos, então, ao longo deste tópico, que a foraclusão do Nome-do-Pai envolve
consequências diretas na relação do psicótico com o Outro. O psicótico apresenta uma maneira
totalmente particular de relacionar-se com o mundo, e entender suas particularidades é
fundamental para se pensar em qualquer possibilidade de estabelecimento de um laço social.
Afinal, como pensar uma inclusão sem saber quem está sendo incluído? Por isso, visando
complementar uma discussão mais contemporânea em torno das psicoses, é que consideramos
urgente abordar, nos próximos tópicos, as psicoses ordinárias. Uma vez que o Outro se atualiza,
as relações com ele também.

4.5 – Psicose e Contemporaneidade: As Psicoses Ordinárias

Jacques Alain-Miller, em 1998, desenvolve a noção de psicose ordinária, tendo em vista


que as manifestações clínicas na contemporaneidade têm passado por transformações as quais
não podemos ignorar. O autor ressalta que criou não um conceito, mas um significante, de forma
a apresentar apenas um rascunho de definição, para que, diante de seu impacto no cotidiano
clínico, fossem-lhe atribuídos sentidos, abrindo um novo campo de discussão (Miller, 2010).
Miller (2010) explica que essa urgência em criar tal significante originou de sua crítica
à existência de uma clínica binária, de modo que objetivava fugir de uma repartição absoluta
entre neurose e psicose, dado que o perverso genuíno não é realmente analisado, falando-se
assim, na clínica, apenas em traços perversos.
No decorrer dos anos, mostrou-se cada vez maior a dificuldade recorrente dos analistas
em discernir se seus pacientes se tratavam de neuróticos ou psicóticos. E mesmo considerando
a conceituação lacaniana de foraclusão do Nome-do-Pai, separadora de águas entre neurose e
psicose, os clínicos lidavam cada vez mais com casos que, para eles, causavam imensa dúvida
ao serem enquadrados entre uma estrutura ou outra (Miller, 2010).
A psicose ordinária seria aquela que, ao contrário das extraordinárias, mostra-se velada.
Seus sinais não são explícitos e objetivos, assim como deveriam ser caso se tratasse de uma
neurose, visto que a neurose mantém uma estabilidade, permanecendo a repetição e a constância
46

(Miller, 2010). Já a psicose ordinária apresenta-se de uma maneira mais sutil, podendo ser
percebida por meio de pequenos e específicos indícios, que são possíveis de se passarem por
despercebidos e exigem uma maior atenção do analista ao realizar o diagnóstico diferencial. Ou
seja, vemos aí a necessidade de se pensar um tratamento para a psicose que não necessariamente
se desencadeia.
Considerando-se a crítica de Miller a uma clínica binária, mostra-se importante também
reconhecer a relevância de se estabelecer o diagnóstico estrutural do sujeito em análise, visto
que, é somente com base neste que se poderá delimitar o rumo do tratamento. As formas de
atuação do analista deverão diferenciar-se frente ao gozo desenfreado na psicose ou frente à
análise do recalcado na neurose (Maleval, 2014).
Nesse trabalho de análise, que envolve uma busca pela identificação da estrutura do
sujeito, surge a dificuldade do analista quando este se depara com sujeitos que não possuem
histórico de psiquiatrização, e nem mesmo de delírios, alucinações e melancolia, mas que,
entretanto, ainda assim apresentam indícios de psicose. Isso poderia ser pensado então com base
no significante de psicose ordinária. E cabe destacar que esta não seria uma nova estrutura de
psicose, mas se encaixaria na já existente, diferenciando-se da psicose clínica pelo modo pelo
qual se manifesta e originalmente se estabiliza (Maleval, 2014).
Chegar à formalização conceitual acerca da psicose ordinária implicou ir além dos
primeiros ensinamentos de Lacan sobre a psicose, tal qual De Uma Questão Preliminar a Todo
Tratamento Possível da Psicose (1957-1958) e O Seminário III (1955-1956), em que o autor
trabalha com o conceito de desencadeamento e define os sintomas clássicos psicóticos –
delírios, alucinações e transtornos de linguagem. O que vem amparar, então, uma ideia
atualizada da clínica psicose e o que será futuramente desenvolvido por Miller por meio da
denominação de psicose ordinária trata-se do que é chamado como o segundo ensino de Lacan,
e conhecido como “clínica borromeana”. Esta é contemporânea aos Seminários RSI (1974-75)
e O Sinthoma (1975-76), e vem projetar a clínica psicanalítica para além de um divisionismo
simplista entre psicose e neurose, que se daria em função basicamente da presença ou ausência
da função Nome-do-Pai (Miller et. al, 1999).
Como já mencionado anteriormente, o termo psicose ordinária foi introduzido por
Miller em 1998 e, assim, o foi como um resultado de encontros anuais orientados por ele, que
ocorreram entre 1996 e 1998. Tratavam-se de Seções Clínicas francófonas que pertenciam ao
Campo Freudiano, sendo elas: O Conciliábulo de Angers, a Conversação de Arcachon e a
Convenção de Antibes.
47

O primeiro encontro deu-se em 1996, foi nomeado como Efeitos de Surpresa nas
Psicoses e ocorreu no Conciliábulo de Angers (Miller et al 1996-97). Tal encontro destinou-se
a discutir sobre os elementos surpresas que os analistas, de forma recorrente, encontravam no
cotidiano da clínica das psicoses. Examinaram e discorreram, então, sobre casos clínicos que
se mostravam fora do que até então seria considerado padrão e que eram cada vez mais
recorrentes, de forma que os modos de interpretação clássicos da psicose já não sustentavam a
sua clínica atual (Guedes & Luchina, 2016).
O segundo encontro, em 1997, teve como temática “Casos raros e inclassificáveis da
clínica psicanalítica” e se deu na Convenção de Arcachon (Miller et al, 1997-98). Neste,
discutiu-se acerca da ideia de continuidade e descontinuidade das estruturas clínicas lacanianas,
problematizando-se a respeito dos casos que fugiam às clássicas classificações estruturais, de
maneira que se apresentavam como “inclassificáveis”. Os casos clínicos em questão
manifestavam uma sintomatologia oscilante, de modo que o diagnóstico permutava
frequentemente entre neurose e psicose. Além disso, problematizou-se a respeito dos novos
modos de suplência psicótica. Dessa forma, foi colocada a necessidade de uma maior discussão
sobre as formulações teóricas acerca da clínica das psicoses, que se mostravam insuficientes
naquele momento.
E o terceiro momento, que foi considerado como o “momento de concluir” realizou-se
com a denominação de “A Psicose Ordinária – A Convenção de Antibes”. Esse encontro visou
dar um fechamento e formalização conceitual ao que fora apreendido das discussões colocadas
até então. Miller (2010) aponta que aquilo que no início aparece sob a perspectiva de surpresa,
em um segundo momento já passa a ser analisado enquanto casos raros para então, nesse
terceiro tempo, adquirir o estatuto de casos frequentes. E é a partir desse momento que se
começa a falar especificamente sob a terminologia de psicose ordinária.
A psicose ordinária mostra-nos que é possível pensar um tratamento da psicose sem que
esta necessariamente apresente um desencadeamento clássico com delírios e alucinações, logo,
pensar em uma nova concepção de clínica. Ou seja, a clínica mostra-nos que se levarmos em
consideração esse saber do sujeito com base em sua estrutura podemos encontrar modos de
estarmos na reforma psiquiátrica a partir de um saber também elaborado na clínica que pode se
conjugar com o saber vindo da militância social.

4.5.1 Os índices da psicose ordinária: externalidade social, externalidade corporal e


externalidade subjetiva
48

Miller (2010) apresenta que na psicose ordinária os sujeitos apresentam uma desordem
no seu sentimento de vida e essa desordem mostra-se no modo como “experimentam o mundo
que os cerca, na maneira como experimentam seu corpo e no modo de se relacionarem com
suas próprias ideias” (p.14). E é então que o autor situa essa desordem, baseando-se em uma
tripla externalidade, sendo elas: externalidade social, externalidade corporal e externalidade
subjetiva.
A externalidade social pode se mostrar como uma identificação social negativa às
funções sociais, como quando o sujeito não se ajusta. Dessa forma, haveria sucessivos
desligamentos sociais, seja em relação ao trabalho, à família, constando como uma barreira, um
distanciamento do Outro. Uma identificação social negativa poderia ser exemplificada por meio
do caso clínico de uma mulher chamada Apollinaire, que

Tentava, em vão, representar papéis “normais”, responder ao que se


esperava dela, fazer o que era conveniente fazer. Mas fracassava
sempre quando percebia que esses papéis eram perfeitos
empréstimos, que não os endossava senão como roupas estranhas a
ela, puros semblantes. A identificação comum a abandonava então,
como sendo imprópria, quer ela tentasse ser “esposa, irmã, amante,
mãe”, como diria Apollinaire (Maleval, 2014).

A externalidade social poderia se mostrar também como uma identificação social


positiva, em que o sujeito se identifica de forma extrema à sua posição social, ao seu trabalho.
De acordo com Campos, Gonçalves e Amaral (2008), em uma psicose ordinária, por exemplo,
perder o emprego poderia ser experimentado como um trauma psíquico. Tal trauma geraria
como consequência uma nova forma de desencadeamento psicótico, tendo em vista que esse
trabalho/emprego constaria como um Nome-do-Pai. E, quando isso cai por terra,

Essa experiência pode ser vivida como um encontro com o real,


impossível de ser acomodado pelo simbólico. Os efeitos desse
acontecimento podem promover a insuficiência no laço que se
estabelecia do ponto de vista imaginário com o Outro simbólico.
Destarte, a impossibilidade de produzir uma significação fálica para
dar conta da situação vivenciada como desamparo confronta o sujeito
com o real (p. 78-79).

Quanto à externalidade corporal, esta diz respeito à relação do corpo enquanto Outro
para o sujeito, já que na psicose ordinária há um desfalecimento do corpo, de forma que “o
sujeito é levado a inventar para si laços artificiais para apropriar-se de seu corpo, para “prender”
(serrer) seu corpo a ele mesmo” (Miller, 2010, p. 17). É como se ele utilizasse de uma presilha
que tivesse o poder de manter seu corpo junto a si. Para isso, o sujeito poderia se tornar
49

musculoso, passar por diversos tipos de cirurgias de modificação corporal, tatuar-se, colocar
piercings e etc., tudo isso de forma a produzir uma demarcação corporal, ou seja, uma
demarcação de gozo. Sendo assim, essas demarcações poderiam ocupar o lugar de Nome-do-
Pai na relação que o sujeito estabelece com seu corpo (Guedes & Luchina, 2016).
Poderíamos citar como exemplo o caso clínico de Sylvie, uma mulher de 28 anos com
histórico de tentativas de suicídio, que desde os quinze anos escarifica o próprio rosto e os
antebraços com lâminas de barbear. Ela não tem explicações sobre o motivo pelo qual o faz,
entretanto, sabe dizer sobre a primeira vez que se deu a passagem ao ato. Esta ocorreu após ter
sido reprovada em um exame de admissão, tendo sido zombada por um menino de sua sala que
lhe dizia que ela era uma fracassada. Relata que tal experiência teria sido da ordem do
insuportável. Dessa forma, quando se corta Sylvie admite haver um alívio da angústia, que se
dá através do sangue que escorre. Ou seja, a partir disso, ela tem um corpo, o seu corpo (Miller
et. al. 1998). Seria então, por meio do corpo que Sylvie poderia dar vazão a este gozo que lhe
invade e que se mantém na ordem do insuportável.
Passando à externalidade subjetiva, de acordo com Miller (2010), esta poderia ser
identificada na psicose em relação ao sentimento de vazio, de vacuidade, daquilo que há de oco
na psicose ordinária. Mesmo na neurose, podemos falar dessa experiência oca, na psicose nota-
se que vai além, ao extremo. Haveria uma identificação com o objeto a, com a posição de dejeto.
E isso vai ao extremo, pois “a identificação não é simbólica, mas real, porque ultrapassa a
metáfora. O sujeito pode se transformar num rebotalho, negligenciando a si mesmo ao ponto
mais extremo” (p. 18).
Para exemplificar tal experiência de vacuidade na psicose, poderíamos citar o caso
clínico trazido por Maleval (2014), sobre o artista francês e psicótico Artaud, que se afirmava
vazio, de forma a precisar de outro alguém para pensar. Isso fica claro quando Artaud afirma
que

meu pensamento – precisa ele – apega-se ao que vive e reage de


acordo com as ideias que ele emite, ele não preenche o vazio (...)
Sozinho eu me entedio mortalmente, mas geralmente me encontro
num estado pior que o tédio, exterior a todo pensamento possível. Eu
não estou em parte alguma, e tudo o que me representa se esvai (...)
Quer dizer que às vezes eu afundo. O Nada e a vida, eis o que me
representa... (citação da citação, p.143).

Ao não dispor do significante fálico, Artaud utiliza da presença física dos outros para
apoiar os seus significantes. Dessa maneira, essa presença física lhe propicia fazer uma ligação
50

entre gozo e fala. Vê-se, assim, que Artaud usa a imagem do outro para ser capaz de enquadrar
o objeto a (Maleval, 2014).
A discussão em torno da Psicose Ordinária e seus índices de externalidade traz-nos a
reflexão sobre como o sujeito pode usar amplamente o seu social, o seu corpo e o seu subjetivo
para desenvolver as mais variadas maneiras para dar conta do gozo que o invade. Considerar
isso implicaria em também visualizar novas formas de pensar um tratamento que não se
limitasse apenas à sua questão de exclusão social, uma vez que, não necessariamente, haverá
desencadeamento, e, logo, exclusão. Por isso, destacamos a importância de se ter em vista as
especificidades da estrutura psicótica ao lidar com o Outro, de forma que isto poderia até mesmo
evitar um futuro desencadeamento. Nesse sentido, continuaremos a discussão acerca dos três
principais indícios de um diagnóstico em psicose ordinária.

4.5.2 – Os Neodesencadeamentos, As Neoconversões e a Neotransferência

Conforme exposto anteriormente, através do último dos três encontros organizados por
Miller acerca da psicose ordinária, denominado como a Convenção de Antibes, chegou-se a
uma formalização acerca de três principais indícios que devem ser considerados ao se pensar
um diagnóstico estrutural de psicose ordinária. Desenvolveremos então, sobre cada um deles,
buscando trazer exemplos de casos clínicos, a fim de caracterizar melhor a teoria.

4.5.2.1 – O neodesencadeamento

Lacan, em “De Uma Questão Preliminar...”, descreve que o desencadeamento clássico


da psicose, como em Schreber, ocorre de maneira estrondosa e completamente perceptível,
seguindo uma linha temporal fixa bem marcada que se divide entre o antes e o depois do
encontro com o Um-Pai no Real, o que traria consequências drásticas no Imaginário. Dessa
forma, o desencadeamento de uma psicose extraordinária não permite dúvidas em relação ao
estabelecimento de um diagnóstico estrutural. De acordo com Miller et. al (1998), “o que
domina o quadro no momento do desencadeamento é o encontro fortuito com um gozo – gozo
do Outro e/ou Outro gozo – e a impossibilidade com a qual o sujeito se encontra confrontado,
de simbolizá-lo e de encontrar para ele um modo de subjetivação” (p.24).
51

Em relação aos neodesencadeamentos, referentes à psicose ordinária, estes se


apresentam como uma forma de desligamento do Outro. Considerando esse sentido de
desligamento, poderíamos pensar também naquilo que permitia um ligamento e, logo na
possível ideia de religamento, que viria a dar um norte ao tratamento. Caberia situarmos aí a
teoria borromeana dos nós, no sentido de pensar para além apenas da foraclusão, naquilo que
viria a manter os três registros da estrutura Real, Simbólico e Imaginário (R, S e I) interligados
(Miller et. al, 1998). É como se aquilo que fizesse uma amarração não borromeana dos três
registros se soltasse. E nessa perspectiva, caberia dentro da clínica dos nós, a identificação
clínica da relação com o real e com o gozo, de forma a promover uma análise da maneira como
se dá o funcionamento próprio dos três registros – Real, Simbólico e Imaginário – para o sujeito
e como cada um deles age no enodamento sinthomático (Guedes & Luchina, 2016).
Um neodesencadeamento não se situaria apenas em volta da ideia de um
desencadeamento psicótico, mas nos abriria as portas para considerarmos as possíveis maneiras
pelas quais o sujeito se desligaria do laço social. Então, o sujeito “se desliga do laço social, caso
nos coloquemos na posição de outro, de alter ego, para se ligar - poderíamos dizer, reforçando
essa mesma metáfora de ligamento-desligamento - ao seu gozo” (Miller et. al, 1998, p.28). Ter
isso em vista é importante em toda e qualquer discussão sobre as políticas públicas de
tratamentos inclusivo da psicose.
Miller et. al (1998), visando exemplificar como se dariam os desligamentos do Outro na
psicose ordinária, trazem como exemplo o caso clínico de uma jovem anoréxica de 25 anos.
Essa jovem, ao longo da vivência de sua anorexia também desenvolve o sintoma de
cleptomania, o qual discute no tratamento.
A jovem assume roubar coisas, as quais estoca e que designa como inúteis ou
“substitutas de alimentos”, pois tem medo que falte. Ela relata o sentimento de que aquilo que
rouba “nunca é o suficiente”. Na ordem significante, fica claro o movimento entre o não comer
nada e o roubar substitutos de alimento, de forma a não faltar nada no estoque.
A anorexia seria para a jovem um sintoma-amigo, já que a paciente diz não se ver sem
seu sintoma. “Retirar o que encerra esse nada, nessa busca na qual ela se esforça em comer
nada, é encontrar-se confrontada ao real. A anorexia faz borda a esse buraco do real. Uma borda
em relação ao que se insere como pulsão de morte” (p. 30). E é então, em uma confissão
apresentada pela cliente, que se pode ter um panorama melhor sobre o que se encontra no jogo
do gozo. Ela assume ter uma fascinação pela violência direcionada a inocentes. Frente a isso,
ficaria evidente a problemática que envolve a relação da jovem para com o seu sintoma de
anorexia, já que ela experiencia nele o “nunca é o bastante”, concernente à pulsão de morte.
52

Destarte, vemos que ao mesmo tempo em que a jovem desliga-se do laço social, ela se liga à
pulsão.
Dessa forma, vemos que na psicose ordinária não há necessariamente desencadeamento,
podendo haver sucessivos desligamentos e religamentos ao Outro, de acordo com os mais
variados tipos de laço que o sujeito pode usar para se estabilizar. Percebemos também que,
muitas vezes, essas maneiras de fazer laço com o Outro não se relacionam com o social. Isso
não implica dizer que a ideia de tratamento via inclusão social seja descartável, mas sim que
ela pode ser complementada com a clínica, tendo-se em vista a abrangência desta sobre uma
discussão acerca da caracterização em torno da estrutura psicótica em sua mais essencial
particularidade.

4.5.2.2 – As neoconversões

Ao longo de todos os casos discutidos referentes às conversações, fica evidente o quanto


seria comum a relação com o corpo na psicose. Considerando-se a noção borromeana, vemos
que é por meio do registro do Imaginário que podemos acreditar que temos um corpo, o que
permite então a enodação de todos os registros, fazendo com que o corpo subsista.
Direcionando-nos para a psicose, haveria então a invenção de uma amarração nodal dos
registros, em que “essa particular localização do gozo no corpo acaba por fazer uma função de
amarração para o sujeito, permitindo que este não se perca na deriva de um gozo sem molde”
(Pontes, 2017, p.114). O caso a seguir, trazido por Miller et. al (1998), pode ser um bom
exemplo do que estamos situando aqui.
Senhorita Anna apresenta-se à análise denunciando crise de angústia aguda com choros.
Anna interessa-se muito pelo seu histórico familiar e busca informações a respeito desse
histórico. Seu avô paterno, que advinha de uma ótima família prejudicou-se em um mau negócio
e sua avó havia ficado cega, de forma a não conseguir cuidar do filho, dando-lhe à assistência
pública. Ao longo da análise, Anna começa a desenvolver diversas gesticulações, similares às
histéricas cuidadas por Charcot. Tais gestos logo ficam desconexos de suas falas, de forma a
não podermos dizer de um deciframento inconsciente.
Com tais gestos, Anna traz referência à avó paterna cega. As cenas demonstram que a
avó fura os próprios olhos. A partir desse momento, o tratamento ganha um novo rumo, já que
Anna tem sua psicose confirmada, e então avança em uma erotomania típica.
53

A erotomania de Anna estabiliza-se após um acontecimento ocorrido em uma sessão,


em que ela relembra um filme que viu em sua infância e o qual a apavorava. Nesse filme, uma
moça tem o rosto todo queimado em um incêndio, restando-lhe apenas os olhos. Na ficção, o
pai da jovem assassinava moças para roubar-lhes os rostos e enxerta-los em sua filha. Desde
esse momento, Anna passa a gesticular nas sessões como um cirurgião praticando uma cirurgia
para enxertar rosto sobre rosto. Seus gestos eram sempre os mesmos, independentemente do
que trazia na palavra.
Concluímos que Anna não traz uma tradução sobre seu sintoma, que fica apenas na
ordem do visual. Sendo assim, a cena da senhorita Anna “constitui um enodamento sintomático,
já que reúne um pedaço simbólico de sua história, a imagem de seu corpo que se presta a dar
corpo a essa história e o real não simbolizável do olhar de sua avó” (p. 108). Ou seja, seria a
imagem da cena que Anna imita que lhe restitui um corpo.
Uma vez trazidas à discussão, as neoconversões, isto é, as relações singulares que o
psicótico ordinário pode estabelecer com o próprio corpo, a fim de promover uma forjada
amarração entre os registros R,S e I, torna-se clara mais uma vez a necessidade de uma
abordagem clínica do sujeito. Assim, no próprio caso da jovem Anna podemos visualizar a
importância de haver uma dimensão clínica em seu tratamento, já que foi ao longo de uma
sessão que ela pôde produzir uma maneira particular de enodar os três registros R, S e I,
realizando assim, um modo de estabilização do gozo do Outro.

4.5.2.3 – A Neotransferência

Lacan apostava em um modo particular de transferência na psicose, já que,


diferentemente da neurose, o Sujeito Suposto Saber não funcionaria como o que motiva a
transferência/análise, uma vez que o saber, na psicose, encontra-se junto ao psicótico (Miller,
1996/1998). Na Convenção de Antibes, a partir das discussões realizadas nas convenções
anteriores, aparece a necessidade de desenvolvimento de uma nova hipótese acerca do
funcionamento da transferência na psicose, chamado de neotransferência.
Na neotransferência, a transferência se daria pela via da criação e do uso da lalíngua de
transferência. A lalíngua diz de algo que antecede a própria linguagem. Dessa forma, a lalíngua
diz de um afeto que é anterior à formação da cadeia de significantes, - que não é formada na
psicose, onde os significantes deslizam - ou seja, anterior ao efeito de sentido (Guedes &
Luchina, 2016). Ou seja, a lalíngua vai para muito além daquilo pelo qual a fala seria capaz de
54

representar. Desse modo, segundo Lacan (1985), a linguagem é aquilo que o discurso científico
elabora, visando dar conta da lalíngua.
De acordo com Miller et. al (1999), “o que motiva a neo-transferência não é o sujeito
suposto saber, mas a lalíngua de transferência, enquanto o que permite que um significante
possa fazer sinais de algo que está fora do sentido: onomatopéia, cifra, marca" (p. 150).
Destarte, um tratamento via lalíngua aposta no significante como a via que permite fazer signo,
e não como via de busca por sentido.
Como afirma Lacan (1985), há diferença entre um saber sobre a lalíngua, que seria da
ordem da linguagem e um saber fazer com a lalíngua, que é da ordem do inconsciente. Assim,
o saber fazer com a lalíngua vai para muito além dos limites da linguagem, já que esta “nos
afeta primeiro por tudo que ela comporta como efeitos que são afetos. Se se pode dizer que o
inconsciente é estruturado como uma linguagem, e no qual os efeitos de lalíngua, que já estão
lá como saber, vão bem além de tudo que o ser que fala e suscetível de enunciar” (Lacan, 1985,
p.190). Ou seja, um dos primeiros efeitos da lalíngua diz do afeto.
Segundo Guedes e Luchina (2016), enquanto a linguagem se constitui como
comunicação direcionada ao Outro, a lalíngua encontra-se separada da estrutura da linguagem,
de modo a operar como gozo. Isto é, lalíngua e gozo andam juntos e são anteriores à estrutura
de linguagem. A lalíngua vem antes da articulação entre S1 e S2, que resulta na significação, o
que implica que a lalíngua forma uma cadeia significante sem efeito de sentido. E será com
base nisso que o analista deverá operar, de maneira a saber fazer com a lalíngua.
Como exemplo de um analista que opera a partir da lalíngua, poderíamos citar um caso
clínico que é apresentado na Seção Clínica de Angers (1996-1997) e depois apresentado
novamente, em prol desta discussão acerca da neotransferência, na Convenção de Antibes
(1999):

Você sabe falar em Donald, perguntou a garotinha. “Não!”,


respondeu ele. Cuspindo e babando cada vez mais, ela começou,
então, a matraquear: “Quack! quack-quack! quack-quack-quack!”.
“O que tenho que escutar?”, perguntava-se ele, desapontado.
Continuando a matraquear, a criança apontava o relógio de pulso com
o dedo. “São quacktro e dez”, surpreendeu-se ele ao dizer,
matraqueando por sua vez. Isso fez com que ela risse. A língua
Donald acabava de ser inventada. Desde essa sessão, raros eram os
momentos não consagrados à prática e à aprendizagem dessa língua.
O Donald tornara-se a língua da transferência. Seu uso ultrapassava,
aliás, o âmbito das sessões, invadindo a casa da família e a instituição
onde a garotinha crescia (p.158).
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O caso supracitado tratava-se de psicose disfarçada por uma deficiência intelectual leve.
Por meio da ação do analista de compreender a lalíngua da paciente e operar através dela, no
caso criando a língua Donald, vemos como funcionaria um caso de neotransferência. O analista
usa a lalíngua da transferência para inventar um laço social. Desse modo, a neotransferência
dá-se em função de que o analista opere a partir da lalíngua, de forma a buscar compreendê-la
na sua singularidade, facilitando a invenção de um laço social que se daria em função da
elaboração de um saber.
Assim, mais uma vez, percebe-se a relevância da dimensão clínica no cuidado do
psicótico, de forma que a lalíngua de transferência possibilita a produção de um saber que pode
resultar no estabelecimento de um laço. Isso nos permite pensar no desenvolvimento de uma
clínica que possa, em si, conjugar as questões sociais que decorrem de um período muito grande
de exclusão social à uma clínica focada no sujeito, pois é só por meio dele que o psicótico
poderá criar maneiras singulares de fazer laço com o Outro e estabilizar-se.
A relação do psicótico com o social dá-se de uma maneira muito delicada e singular.
Uma vez que o Outro já lhe invade o tempo todo, é muito fácil que um discurso inclusivo, que
vem de fora, chegue a ele como também uma invasão e/ou exigência de adequação, o que
poderia resultar em uma cronificação do caso, ou até mesmo no próprio motivo de
desencadeamento, já que o seu enodamento é forjado e frágil. Daí entra a necessidade da clínica,
uma vez que esta está focada no sujeito e nas suas formas mais singulares de lidar com o Outro.
É sempre relevante, ao se pensar na psicose e sua relação com a inclusão social, lembrar que o
psicótico se faz sujeito por meio da sua foraclusão, contendo assim, algo de muito delicado
nesse processo, mas que não o impossibilita de ser desenvolvido. Por isso, caberia, no capítulo
seguinte uma discussão mais a fundo sobre a relação que se estabelece entre ambas perspectivas,
de cunho social e cunho clínica, mais especificamente psicanalítica, de forma a pensar sobre
um enlace coerente e possível entre elas.
56

5 - Psicanálise e Reforma Psiquiátrica

Tendo em vista o capítulo anterior, fica evidente toda a transformação em torno das
psicoses, o que resultou no conceito contemporâneo de psicoses ordinárias. É indispensável ao
se trazer um diálogo atual sobre a psicose, reconhecer que a cultura e o Outro contemporâneo
incidem diretamente no modo como as estruturas podem se apresentar, seja na neurose por meio
dos novos sintomas, seja na psicose por meio das psicoses ordinárias. Como coloca Garcia
(2002), o interesse da Psicanálise, que antes era debruçado sobre a psicose extraordinária
(modelo Schreberiano), agora se volta para as psicoses mais discretas: “a psicose compensada,
a psicose suplementada, a psicose não-desencadeada, a psicose medicada, a psicose em terapia,
a psicose em análise, a psicose que evolui, a psicose sistemática” (p.81). Ou seja, diante das
diversas formas como a psicose ordinária pode se apresentar, é clara a dificuldade que se
apresenta de distinção entre neurose e psicose.
Poderíamos situar aqui mais um argumento a ser usado pela psicanálise quanto a esta
não compactuar com o regime manicomial (além das razões que dizem respeito ao tratamento
desumano que era destinado aos loucos). Tal argumento diz respeito ao fato de que frente às
tamanhas possibilidades que uma psicose ordinária poderia apresentar-se e frente a tamanho
emaranhamento entre as estruturas, como propor então um aprisionamento para os indivíduos?
Ou ainda, mesmo em psicoses desencadeadas, não poderíamos pensar outros modos de
acompanhamento em que as produções dos loucos seriam maneiras de responder a um
insuportável e meios de cura, tal como Freud (1914) fala sobre os delírios dos psicóticos?
Dessa maneira, não há dúvidas quanto ao posicionamento contrário da psicanálise em
relação à estrutura manicomial. A psicanálise caminha junto à Reforma Psiquiátrica, no
contexto atual da Saúde Mental, e reconhece totalmente a sua importância, tendo em vista o
movimento em torno da desospitalização do louco. É visível que há um estranhamento em
relação aos seus objetivos, porém, a intenção mesma deste trabalho seria a de apresentar
discussões acerca de um diálogo entre ambas as perspectivas. Afinal, a própria Reforma
Psiquiátrica, com a criação dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), vem inaugurar e
ressaltar a possibilidade de diálogo entre diferentes disciplinas.
De acordo com França Neto (2013), a Reforma Psiquiátrica aliada à perspectiva
psicanalítica vê-se diante de um impasse referente aos seus objetivos. Isso porque, mediante ao
primeiro passo dado, relativo à desospitalização e quebra do regime manicomial, seus esforços
deveriam estar direcionados fortemente ao desenvolvimento de medidas inclusivas no que tange
57

ao louco na sociedade. Entretanto, o louco enquanto inerentemente foracluído do simbólico,


mostra-se resistente a qualquer tentativa de absorção, de forma que se absorvido, abriria mão
de existir enquanto sujeito. O louco, mesmo incluído diante de uma forçada inclusão, conserva-
se excluído. Ou seja, estamos aí diante de um embaraço, visto que ambos os propósitos não são
passíveis de serem conciliados, dizendo de um impasse irredutível, o qual a falsa universalidade
da razão, que paira sobre a sociedade, não dá conta de esconder.
No fim da Idade Média, o discurso sobre a loucura permanecia disseminado entre três
áreas: medicina, direito e teologia. Nenhuma destas vinha destinar ao louco quaisquer
participações sobre seus atos, e nem mesmo lhe davam direito à palavra. O médico não tinha o
discurso do louco como algo que possuísse um sentido, que pudesse ser decifrado. O teólogo
acreditava que o demônio usava o louco para falar, o louco era tido como possuído. E o jurista
colocava o louco enquanto incapaz de responder pelos seus atos, desqualificando também o seu
discurso. Frente a isso, vemos que, desde os primórdios, o louco não é escutado, mas escondido,
desconsiderado (Garcia, 2002). Quando a Reforma Psiquiátrica coloca, por intermédio do
CAPS, a sua inclusão social como um ideal a ser cumprido no tratamento do louco, não seria
mais uma forma, porém atual, de desconsiderar a voz do louco?
Outra questão a ser pensada, nesse sentido de uma voz a ser calada, seria o uso
efetivo/excessivo dos psicotrópicos, condição cotidiana de tratamento do louco em muitos
CAPS. Se não levarmos em consideração que há sujeito na loucura, corremos o risco de
transformar os CAPS em meros administradores de medicamentos em um regime de assistência
social, sem tratamento das produções desses sujeitos. De acordo com Canabarro e Alves
(2009),

Não é sem razão que a neurobiologia e a psicofarmacologia ganham


um espaço cada vez mais abrangente na sociedade atual. Atenuando
aquilo que mais poderia caracterizá-lo enquanto ser único e singular
- o sujeito de seu inconsciente -, o homem pós-moderno vê-se em
meio a um discurso que procura homogeneizá-lo e tratar de seus
sintomas de forma universal, sem que suas possíveis significações
sejam buscadas (p. 847).

Destarte, a medicação psicotrópica por si só não é suficiente para incitar o sujeito na


criação das suas significações, que seria a via do apaziguamento do seu sofrimento. Assim,
vemos a importância no serviço da aposta psicanalítica, que é baseada em uma escuta
diferenciada, focada naquilo que é da ordem do insuportável para o sujeito, tão insuportável,
que pode, muitas vezes, acarretar na passagem ao ato, resultado da subtração da palavra. A
58

escuta objetivaria suscitar o compromisso do sujeito quanto ao seu sofrimento, de maneira que,
a partir da sua própria palavra, surjam questões a serem decifradas e as quais sustentariam uma
demanda para se manter a análise. Em suma, investe-se na abertura de um espaço em que o
sujeito possa criar uma maneira singular de lidar com o insuportável, contornando aquele real
devastador com o qual se deparou (Calazans & Bastos, 2008).
Desse modo, pelo uso dos psicotrópicos busca-se silenciar os delírios e alucinações do
louco em uma época em que não se lida com a falta, de forma a conter o que é excesso (que
antes era contido através dos manicômios). Freud (1911/1996), entretanto, apresenta-nos que
“a formação delirante, que presumimos ser o produto patológico, é, na realidade, uma tentativa
de restabelecimento, um processo de reconstrução” (p.44). Sendo assim, a psicanálise parte da
ideia de se “resgatar a possibilidade do delírio, sua dimensão de verdade do sujeito, ajudando-
o a construir respostas para os enigmas que o perseguem” (Kyrillos, 2010, p. 64).
Como os sujeitos, então, poderiam construir suas significações se elas são impedidas de
serem desenvolvidas pelos psicotrópicos? Não seria esta uma forma de apagamento do sujeito,
já que suas produções subjetivas são inibidas, impedindo a própria organização particular do
seu gozo desenfreado? Então, o uso de uma medicalização que o normatiza o sujeito, tirando-
lhe o que lhe é mais subjetivo, juntamente à inclusão social enquanto um ideal pro seu
tratamento, não poderiam ser pensadas enquanto formas de padronização?
Essa adesão ao uso de medicação psicotrópica e a própria inclusão poderiam ser
analisadas por meio da ideia lacaniana de discurso do mestre. O significante mestre (S1) é o
ponto do discurso que sustenta a sua significação. Quando um discurso tem o S1 como seu
agente de discurso, ou seja, como aquilo a partir do qual se tem toda a base e origem, e que tem
o poder de justificação sobre tudo, encontramos aí o discurso do mestre (Dunker & Kyrillos,
2004).
A relação clássica entre médico e paciente é marcada pelo discurso do mestre, em que
o médico é que tem o domínio sobre o saber sobre o paciente. No contexto da saúde mental
atual, entretanto, podemos ver a transição entre esse discurso, que era predominante do médico
psiquiatra sobre o paciente, deslocar-se para um discurso que vem do trabalhador em saúde
mental (que engloba toda a multidisciplinaridade do CAPS) sobre o usuário de saúde mental.
Diante disso, caberia questionar se houve também um deslocamento do discurso do mestre entre
médico-paciente para o de trabalhador de saúde mental- usuário (Dunker & Kyrillos, 2004).
A inclusão social, quando colocada enquanto uma base central de tratamento do louco
pelo CAPS, aparece mais como uma necessidade do que como uma possibilidade. Isso torna-
se evidente ao observarmos os próprios fundamentos políticos da instituição, uma vez que a
59

inclusão social aparece como um dos fatores cruciais no seu funcionamento. E essa colocação
do CAPS como um eixo central resultaria no que Dunker e Kyrillos (2004) chamam imperativo
da inclusão.
De acordo com os mesmos autores, o movimento de exclusão do louco, reforçado pelo
regime manicomial, gerou, em contrapartida, os fundamentos reformistas da inclusão, ou seja,
o imperativo de recusa à exclusão resultou no imperativo da inclusão, o que acaba por manter
um discurso do mestre, pois o que antes aparecia como recomendações de cunho médico, agora
aparece como recomendações pautadas em ações sociais e políticas: o paciente torna-se usuário
de saúde mental. Verifica-se, dessa maneira, que ainda se mantém um discurso que sabe sobre
o louco, porém, o que vem do sujeito do louco nesse discurso? Até que ponto essa inclusão é
uma demanda advinda dele mesmo, e não algo que ele apenas reproduz e toma para si?
Certos pacientes mantêm-se à margem desse ideal da inclusão, mantendo-se centrados
à sua própria produção delirante. Outros, em contrapartida, aderem facilmente ao discurso
inclusivo, ajustando a sua demanda ao significante mestre em questão. O discurso, de acordo
com a teoria lacaniana, se forma por meio do laço social, laço este que é inexistente na psicose.
Assim, conforme vimos anteriormente, não há produção de cadeia significante regulada
pelo falo na psicose. Entretanto, há possibilidade de criação de laço social por meio de uma
amarração forjada entre significante mestre (metáfora delirante e suplência) e saber, uma vez
que o psicótico usa da linguagem, porém sem a intenção primeira de se comunicar. Visualiza-
se, desse modo, a possibilidade de estabilização dos pacientes que se engajam no ideal da
inclusão, de forma que criam esse laço artificial entre o significante mestre oferecido pelo
modelo de saúde mental e o seu saber (sua produção delirante). E uma vez incorporado este
significante mestre que parte do modelo atual de saúde mental, vê-se que, muitas vezes, também
se incorpora a demanda dos psicotrópicos, uma vez considerada a sua inter-relação (Dunker &
Kyrillos, 2004).
A medicalização vem agir como uma maneira de correção do sujeito, já que visa a
eliminação dos seus sintomas, aquilo que os diferem. Uma das grandes contribuições da
Psicanálise, no contexto da Reforma Psiquiátrica, diz respeito à maneira como encara o
sofrimento mental, percebendo-o não como uma doença ou déficit, ou seja, algo a ser corrigido,
e sim como condizente a um registro da diferença. A loucura incomoda e isso se dá pelo fato
de ela não se deixar ser instrumentalizada pelo “conhecimento sábio” que padroniza os nossos
laços sociais. Em outras palavras, a loucura se mantém marginalizada a qualquer tentativa de
institucionalização (França Neto, 2013). É um excesso impossível de ser apropriado, por isso a
psicanálise aponta para a insuficiência da lógica manicomial.
60

Desse modo, pensar a inclusão social do psicótico e a sua consequente tentativa de


adequação social implica, em si, uma grande delicadeza no processo. Enquanto a Reforma
Psiquiátrica vem apostar em uma mudança que é da ordem do social, a psicanálise aposta
naquilo que é, antes de mais nada, da ordem do sujeito, apreendendo-o de maneira singular para
então fazer frente às demandas sociais. Diante disso, não devemos esquecer a relação particular
que envolve a questão do Outro na psicose, o que resulta diretamente em implicações para o
laço social. Como já vimos, o Outro na psicose não é barrado pelo significante Nome-do-Pai,
dizendo de um Outro absoluto e ameaçador. O psicótico, nesse caso, não lida com o social da
mesma maneira que na neurose em que o Outro é barrado, sofrendo constantemente esta invasão
que lhe perpassa. Portanto, a inclusão como uma forma ideal de tratamento não seria mais uma
forma de invasão? Até que ponto esta inclusão chega ao sujeito como uma imposição
generalizada que parte dos técnicos e não dele mesmo?

5.1 – Como incluir o que está foracluído? A clínica do Social

Como vimos nos tópicos anteriores, há um tensionamento entre os objetivos


concernentes aos serviços substitutivos, que estão ligados à um viés social e político, e os
objetivos de uma abordagem psicanalítica, essencialmente clínico. Este tensionamento, muitas
vezes, acaba caindo em uma equivocada contraposição entre ações clínicas e ações de cunho
social. A clínica surge como uma estratégia trazida pela Medicina, Psicanálise, diante de outros
métodos de cunho “macro” oferecidos por uma perspectiva social. Entretanto, tal
estremecimento não impede de se pensar em um movimento de junção entre ambas propostas,
de forma que torna-se válido considerar uma nova clínica que agiria com base em um método
de ação associado às questões de ordem coletiva e política, as quais se evidenciam por meio
dos novos serviços que atuam no espaço urbano da cidade (Garcia, 2000).
Pensar essa interligação entre clínica e social envolveria pensar também sobre as noções
de cidadão, sujeito e comunidade. Tendo-se em vista que um cidadão compreende facetas de
âmbito biológico, psíquico, político e social, não podemos delimitar suas questões como sendo
apenas decorrentes de um problema social (Garcia, 2000).
A cidadania constitui-se, de certa forma, como algo global, todavia, um cidadão não é
necessariamente um sujeito. Segundo Garcia (2000),

O sujeito não é o cidadão. Um e outro representam duas posturas,


emergência ou constituição de um sentido. O cidadão é, de início,
61

um, qualquer um; o sujeito é singularidade que se afirma por ocasião


de um acontecimento a que ele passa a dever fidelidade (p.23).

Ou seja, a cidade seria um espaço que deveria apenas ter em comum as relações
exteriores dos cidadãos, sendo apenas onde estes se esbarram. O sujeito político seria aquele
que se apropria da exterioridade constitutiva da cidade. Uma vez que a soberania do sujeito
surge, não há contentamento em permanecer resumido no âmbito jurídico-formal, no âmbito
dos direitos. O cidadão se constitui sujeito a partir do momento em que este representa/apresenta
um acontecimento. Enquanto isso, um sujeito se faz cidadão a partir do momento em que este
espaço cívico, em comum, se desenvolve, adentrando as suas particularidades subjetivas
(Garcia, 2000).
Em meio a isso, tendo-se em vista a existência de uma tensão entre cidadão e sujeito,
seria então possível pensar em uma clínica que articule o que é da ordem do desenvolvimento
do sujeito e aquilo que é da ordem do desempenho da cidadania? Poderíamos pensar tal questão
com base na constatação da existência de um novo laço social que seria gerado por meio da
tensão existente entre sujeito e cidadão. Esse laço social mostra-se de natureza política, uma
vez que é marcado pela soberania do sujeito (Garcia, 2000).
Uma forma de abordar tal tensão seria pensar sobre qual seria a fronteira entre o humano
e o desumano. Sabe-se que, ao considerar o estatuto teórico e o valor na prática atribuído ao
conceito de angústia, pode-se considerar também que ela é uma função humana, no sentido de
que ela é o que movimenta o humano a experienciar o real, atravessá-lo. Em contraponto,
enquanto há essa dificuldade em se nomear o que é propriamente humano, dado que a
humanidade se renova a cada travessia do real, há também um conhecimento imediato sobre o
desumano (Garcia, 2002).
Sendo assim,

os princípios éticos inspiradores de movimentos de “defesa do


cidadão”, certamente movimentos responsáveis, seriam
necessariamente negativos, pois seu fundamento é capaz de discernir
o que é desumano, mas incapaz de definir o que seja humano. Se
assim é, o mal acaba sendo a grande preocupação da Ética; o
imperativo ético se exerceria cada vez que o mal despontasse no
horizonte da experiência humana (Garcia, 2000, p.24-25).

Em outras palavras, identifica-se o humano de uma forma sobretudo negativa, de forma


a quantificar os males que lhe afligem. Podemos ver aí uma semelhança até mesmo com o
discurso imperativo da inclusão, que aparece como aquele que vem negar o imperativo da
exclusão, mas somente a inclusão seria a solução para tratar um sujeito que está de fora (cluído)?
62

Da mesma forma, se o humano classifica-se como a negativa do desumano, isso seria suficiente
para se pensar em um tratamento da loucura, uma vez que o louco se restringe a um campo
onde o humano não pode ser reconhecido?
Nesse sentido, segundo Garcia (2000), caberia situar em qual relação seria possível de
se articular entre as fronteiras do humano e do desumano, pensando-se em qual seria o limiar
ideal de tratamento elaborado diante dessa não-humanidade. Diante de tal questão, poderíamos
nos basear em uma outra perspectiva que lidasse com uma definição positiva do homem e suas
implicações éticas, incluindo, assim, o não-humano. Para isso, mostra-se necessária uma quebra
em relação a atual e comum visão do homem enquanto vítima, uma vez que “os direitos desse
homem-vítima serão, consequentemente, os direitos de uma vítima e o tratamento a ele
reservado será aquele reservado a uma vítima” (p.25). Reduzir um homem à vítima, é reduzi-
lo também à sua condição animal. Contudo, mesmo diante do fato de que o homem é uma
espécie animal, cruel e mortal, a singularidade humana é impossível de ser apreendida enquanto
mortalidade e crueldade.
Um homem-vítima é um homem reduzido às suas condições biológicas, isento de
singularidade. A Ética, entretanto, visa atentar-se ao que é do sujeito, ao que ele pode e o que
ele pode querer a partir desse poder. Dessa forma, uma Clínica do Social teria como inimigo a
ideia de um homem-vítima que se mantém escondido sob a proteção do sistema, não deixando
emergir o que é da ordem do sujeito. Sendo assim, a Clínica do Social debruça-se sobre o intuito
de fazer surgir o sujeito que se posiciona, de modo a denunciar qualquer tentativa de relação
unívoca com um Outro absoluto e ameaçador (Garcia, 2000).
Nesse sentido, quando situamos o psicótico como uma vítima de exclusão pela
sociedade, propondo-lhe apenas a inclusão, como estaríamos facilitando aí a imersão do sujeito?
Apenas incluí-lo no social fará com que este se depare de frente com o Outro gozador, sem,
todavia, criar maneiras singulares de lidar com este. Por isso, vemos a importância de uma
Clínica do Social que venha trabalhar não só com alternativas de lidar com a exclusão, mas
também com um auxílio junto às criações subjetivas que o sujeito poderá desenvolver para
também lidar com o sofrimento que uma inclusão e, logo, um embate com o Outro, pode lhe
causar.
Mas como poderíamos, então, definir uma Clínica do Social? “Uma Clínica do Social
deve avaliar a atividade, o interesse e atenção da clínica à subjetividade de cada um, articulando
esses procedimentos com um programa de ação política como prática no dia-a-dia do cidadão”
(Garcia, 2000, p.7).
63

Na Clínica do Social, Garcia (2000) trabalha com a ideia de um pro-jeto. Tal palavra
tem as sílabas separadas com o intuito de dar destaque ao termo “jeto” (lançar-se), como
também ao prefixo “pro” (pra frente). Um pro-jeto tratar-se-ia de “um impulso que lança e
relança uma pessoa, a cada dia, em sua labuta diária” (p.55).
Nesse sentido, de acordo com Garcia (2000) um pro-jeto de vida não seria constituído
de representações habituais, de forma que não corresponderia a um projeto pronto e
anteriormente estruturado, mas totalmente singular, construído com base na história de vida de
cada um. Sendo assim, a noção de pro-jeto defenderia a apreensão de cada caso, atentando-se
ao que há de mais singular, ou seja, não há manual ou direção de tratamento já estabelecido.
Deverá considerar-se não só a individualidade do sujeito, como também da comunidade na qual
está inserido. Além disso, observamos a importância também de se inserir o sujeito-alvo na
própria criação das estratégias que visam atingi-lo, de modo que haja nelas o que é ordem da
sua subjetividade. Dessa forma, o pro-jeto lida com as saídas e os impasses pelos quais o sujeito
se depara, buscando não somente incluir as questões sociais, como também possibilitar uma
relação que estabeleça uma defesa frente ao real do gozo invasivo na psicose.
Uma Clínica do Social, então, é aquela que prioriza o sujeito; sujeito este que poderá,
ou não, inserir-se no meio social, colocando algo de si na sua apreensão do meio, podendo
tornar-se, não apenas um cidadão, mas um sujeito-cidadão, uma vez que o sujeito-cidadão é
aquele que é capaz de habitar a cidade e representá-la com base em questões próprias, imprimir
algo da sua subjetividade na cidade para, diante disso, poder exercer sua cidadania. E aplicando
isso ao tratamento do psicótico via CAPS, envolveria um trabalho da psicanálise em conjunto
com os propósitos sociais que fundamentam a Instituição, de forma a construírem juntos com
o sujeito uma possibilidade de laço, apoiados na escuta pela qual se constitui uma clínica
individual.
Dessa maneira, havendo uma interseção entre os saberes da Psiquiatria, que junto a
outros saberes permeiam a instituição CAPS e a Psicanálise, percebemos que a Psiquiatria deixa
de servir somente ao seu propósito social, utilizando-se também das críticas referentes às
respostas que ela mesma oferece, interessando-se pelo sujeito que diz do saber que a sustenta
(Garcia, 2002). Observamos assim, a possibilidade de construção de um saber em conjunto e
uma visão crítica, que valoriza o que vem do próprio sujeito-alvo e onde a psicanálise se inserirá
ao “se tratar de assuntos que dizem respeito ao ser falante, à palavra e ao discurso desse mesmo
ser falante” (p.21).
Nesse sentido, vemos que a atuação da psicanálise visaria também operar de forma a
diminuir a relevância que se coloca diante do suposto saber, que predomina sob a instituição e
64

seus “mestres”, contribuindo para um novo olhar sobre o saber que vem do sujeito (Garcia,
2002).
Sobre esse movimento de desapego em relação ao sujeito e ao suposto saber, França
Neto (2013) propõe que o acompanhamento terapêutico dos ditos loucos consistiria em “uma
prática em que a ação envolvida exige o assentimento de uma destituição. É buscando libertar-
se dos técnicos que os pacientes poderão resistir enquanto sujeitos” (p. 10). Ou seja, o louco
garantiria a sua existência enquanto sujeito por meio de um fracasso das intervenções que
visariam a sua absorção ou, em outras palavras, inclusão, absorção, padronização. Intervenções
estas que lhe seriam estrangeiras, intrusivas, já que esse sujeito, ao contrário, está fora(cluído).
E a função dos técnicos, em meio a isso, seria a de constantemente ultrapassar e recriar diante
do fracasso que é pertinente ao processo
Sendo assim, é notável que, mesmo diante de objetivos diferentes, é possível pensar em
uma interseção entre o âmbito social e político de tratamento do louco via CAPS e o âmbito
clínico, por meio da psicanálise. E ao pensar sobre tal interseção, de acordo com Tenório (2002),

Deve-se levar em conta tudo o que diga respeito à existência da


pessoa doente, uma vez que a condição psicótica abarca a totalidade
da experiência do sujeito, desde questões objetivas, como trabalhar,
manter moradia etc., até a dimensão subjetiva (relações interpessoais,
vivências subjetivas etc.). Assim, recusa-se uma abordagem
exclusivamente sintomatológica da doença mental, em benefício da
criação de uma clínica psiquiátrica renovada, deslocando o processo
do tratamento da figura da doença para a pessoa doente (p.40).

Então, pensar um tratamento inclusivo para o psicótico implica pensar, inicialmente, em


como atingi-lo enquanto um sujeito que se posicionará frente a essa inclusão, querendo-a ou
não. As implicações sociais que circundam a condição psicótica são nítidas e diversas, porém,
é necessário que emerja antes um sujeito que a partir de suas construções subjetivas as possa
apreender à sua realidade. Outras questões que se mostram importantes de serem discutidas ao
estarmos em um debate sobre a inclusão são: Em qual social se dará esta inclusão e como ele
se depara com aquele que vem de fora? Em qual discurso pretende-se inclui-lo? Mas essas
questões trabalharemos em uma futura pesquisa.
65

6 – Conclusão

Há uma discussão em torno da ideia de loucura e da forma com que atualmente lidamos
com ela e a tratamos, que parte do que chamamos de Saúde Mental. Com base em tal discussão,
vemos que a loucura, ou sofrimento mental, passou por diversas transformações ao longo do
tempo e isso poderia ser pensado por meio de três paradigmas propostos por Lantéri-Laura
(2000), e um quarto, que poderíamos propor através das questões analisadas a partir desses
paradigmas: da alienação mental, da doença mental, das estruturas psicopatológicas e da saúde
mental.
Essas transformações, de um paradigma para outro, implicaram um primeiro momento
de mudança da visão sobre o louco, até então caracterizado por uma desrazão, alterando-se para
um sujeito que diz de uma alienação mental. Quando Pinel coloca a loucura no âmbito da
alienação mental, sugere dizer que se trata de algo que é pertencente à esfera do sujeito, sujeito
este que pode ser resgatado. Em outras palavras, o louco passa a ser visto como um sujeito
passível de obter cuidados, tratamento.
Essa nova percepção do louco enquanto um sujeito acarretaria em um novo paradigma
que viria a buscar de forma mais biológica os motivos da loucura, pensando-se na alienação
mental enquanto uma doença mental. Nesse paradigma, a psiquiatria torna-se a área de
especialização médica responsável pela doença mental. Já no terceiro paradigma, há uma busca
mais fenomenológica, no sentido de uma preocupação com o modo pelo qual o sofrimento
mental se mostraria na vida individual do sujeito. Decorre daí a própria fundamentação do
pensamento lacaniano, que é a perspectiva teórica na qual baseamos esta dissertação.
E o último e atual paradigma seria concernente ao da Saúde Mental, que também
perpassa o tema desta dissertação. O atual paradigma associou-se, devido ao seu caráter
antimacomial, aos ideais de um movimento que se denominou Reforma Psiquiátrica e que
trouxe consigo uma nova visão sobre o tratamento do louco. A Reforma Psiquiátrica vem se
posicionar contra o regime asilar, partindo do princípio de que tal regime poderia até mesmo se
classificar como uma das causas e/ou prolongamento do sofrimento psíquico.
O processo de Reforma Psiquiátrica inicia-se no Brasil no fim da década de 70 e início
de 80, e contou com a implementação de serviços que vieram substituir os manicômios, como
uma nova alternativa de cuidado. Dentre tais serviços, é que surgem os Centros de Atenção
Psicossociais (CAPS), que contam em sua base de tratamento com a proposta de inclusão social
do louco, que é outra via de pensamento pela qual partiremos para pensar o nosso problema de
66

pesquisa, sendo ele: Quais as possibilidades e limites da inclusão social do psicótico no CAPS,
considerando-se que este é um sujeito foracluído?
Diante de tal problema de pesquisa, coube a necessidade de se definir o que seria então
a foraclusão e porque esta traria consequências para um tratamento inclusivo do psicótico.
Lacan vem traduzir o termo Verwerfung, anteriormente utilizado de maneira não sistemática
por Freud, por foraclusão. Foraclusão seria então delimitado na teoria lacaniana como o
conceito referente ao mecanismo operatório específico da psicose na primeira clínica e traria
implicações diretas no modo pelo qual o psicótico relaciona-se com o Outro.
A foraclusão envolve-se em uma falha na operação da metáfora paterna, falha esta que
se dá pela não inscrição do significante Nome-do-Pai. Essa foraclusão vem delimitar a entrada
do sujeito na psicose. A partir do momento em que não há inscrição do falo como significante
no Outro, não há também castração simbólica. Não havendo castração simbólica, não há
significação fálica, resultando em Outro que não será barrado, mantendo o sujeito como o seu
objeto de gozo.
Dessa forma, a relação que o psicótico estabelece com o Outro é de cunho muito
delicado, uma vez que permanece enquanto seu objeto de gozo. Tendo-se em vista que o que
condiciona a existência de um laço com o Outro é o sujeito reconhecer-se faltante, vemos aí a
condição-problema deste laço. E diante desse Outro absoluto e gozador, é que inserimos o
questionamento: Como trabalhar com um ideal de tratamento baseado na inclusão social do
psicótico mediante um laço problemático com um Outro que o invade constantemente? A
clínica psicanalítica vem, nesse sentido, facilitar que o sujeito crie, por meio das suas produções
subjetivas, maneiras particulares e o menos invasivas possíveis de laço com esse Outro invasor,
lidando com o real que o invade.
Buscando trazer mais conteúdo e atualizar a presente discussão que parte de uma
abordagem psicanalítica acerca das possibilidades concernentes ao tratamento do psicótico a
partir da sua inclusão social, coube delimitarmos a noção de Psicose Ordinária. Miller et. al
(1999/2005), na Convenção de Antibes, concluindo as elaborações obtidas ao longo da
realização de três convenções, vem delimitar o que chama de Psicose Ordinária. A Psicose
Ordinária aparece como uma forma atual de se pensar as manifestações clínicas psicóticas que,
com o decorrer do tempo, foram se modificando e mostrando-se de diferentes maneiras. Esta
aparece de uma forma muito sutil e discreta, dificultando muitas vezes o estabelecimento de
um diagnóstico entre neurose e psicose, o que trouxe a urgência de um estudo mais detalhado
sobre tais causas.
67

As psicoses ordinárias dizem de neodesencadeamentos, ou seja, de formas de


desligamento do Outro que, entretanto, são possíveis de haver religamentos, e estes podem se
dar das formas mais variadas possíveis. Considerar essas possibilidades de ligamento e
religamento com o Outro é fundamental diante de uma discussão em torno da problemática da
inclusão social do psicótico, uma vez que, diante disso, vemos que o sujeito pode fazer laço
com o Outro de diferentes maneiras, que não se reduzem simplesmente ao social. Dessa forma,
visualizamos aí mais uma vez, a necessidade de um tratamento que venha a trabalhar
conjuntamente com a clínica e o social, lançando e relançando o sujeito nos seus afazeres
diários.
Vemos então a emergência de uma discussão atual que englobe ambas as perspectivas,
de cunho social e de cunho psicanalítico, de forma a contemplar o contexto que perpassa o
tratamento do psicótico via CAPS. Manter uma discussão atual e contínua mostra-se
fundamental, visto que não existe sujeito sem cultura, isto é, a psicanálise deve manter-se
sempre buscando apreender o social sobre o qual pretende dizer e atuar. Uma vez que a política
de Saúde Mental no Brasil conta com o funcionamento dos dispositivos CAPS, e o tratamento
do psicótico é realizado neles, a psicanálise deverá, assim, reinventar-se e adaptar-se de forma
a inserir-se em tal serviço, sem entretanto, contrapor-se às reivindicações sociais, mas de modo
a buscar uma ação em conjunto, visando, acima de tudo, uma clínica que venha contemplar o
sujeito.
Entretanto, incorporar uma clínica do sujeito não é algo tão simples, de forma que

não basta afirmar que dentro dos novos dispositivos há uma escuta,
ou “alguém” que escuta, para que ali se favoreça a emergência de um
sujeito. A “escuta” psicanalítica parte de uma posição ética (ética do
desejo por diferença à ética do bem) e não se alinha a qualquer intento
do que é “bom” para o paciente. É uma clínica que opera sobre o real,
que considera as modalidades de gozo, que se coloca como aprendiz
em relação à psicose, que se dispõe a secretariá-la na difícil operação
de recobrir o real, que não compreende a psicose como déficit, mas
como posição subjetiva (Figueiredo & Frare, 2008, p.90).

Podemos concluir que uma interseção da psicanálise com as reivindicações sociais que
perpassam a noção de tratamento via inclusão social no CAPS viria a trabalhar com o real da
loucura no local onde ela se apresenta, no caso, a cidade (Figueiredo & Frare, 2008). Ou seja,
poderíamos pensar uma Clínica do Social, que fizesse emergir um sujeito-cidadão, ou seja,
fizesse emergir um sujeito que, a partir das suas produções subjetivas pudesse apreender o
social, tomando parte, assim, das suas reivindicações e direitos (Garcia, 2000). Deve-se
lembrar, sempre, que a priorização do sujeito é fundamental, pois o seu tratamento e possível
68

inclusão social virão em detrimento das particularidades que envolvem a sua relação com o
Outro, atentando-se sempre para que, este se torne o menos invasivo possível ao sujeito que
com ele se relaciona.
69

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