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UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO

GRANDE DO SUL - UNIJUÍ


DHE - DEPARTAMENTO DE HUMANIDADES E EDUCAÇÃO
CURSO DE PSICOLOGIA

JANI SCHACH DE CARVALHO

O ÉDIPO E SUA INCIDÊNCIA NAS ESTRUTURAS CLÍNICAS

IJUÍ/RS
2019
JANI SCHACH DE CARVALHO

O ÉDIPO E SUA INCIDÊNCIA NAS ESTRUTURAS CLÍNICAS

Trabalho de conclusão de curso apresentado ao


Curso de Psicologia da Universidade Regional
do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul –
UNIJUI, como requisito parcial à obtenção do
título de Bacharel em Psicologia.

Orientadora: Ana Maria de Souza Dias

IJUÍ/RS
2019
O ÉDIPO E SUA INCIDÊNCIA NAS ESTRUTURAS CLÍNICAS

BANCA EXAMINADORA

__________________________________________
Profª Mestre Ana Maria de Souza Dias

__________________________________________
Profª Mestre Tania Maria de Souza
AGRADECIMENTOS

A Deus porque de modo “especial e admirável” me fez e porque os seus


“pensamentos são mais altos do que os meus”.
Aos meus pais Belmiro e Ilse, porque buscaram ofertar o melhor de suas
vidas, proporcionando às filhas possibilidades que eles mesmos não tiveram.
Ao meu esposo Luciano, pelo suporte emocional e funcional nas atividades
diárias e especialmente no cuidado com as nossas filhas.
As minhas filhas Laís e Alana, pelo amor e carinho incondicional, pelos
abraços e sorrisos revigorantes e por cederem do seu tempo com a mamãe.
À professora Ana, orientadora deste trabalho de conclusão de curso, que
além de me inspirar a aprofundar o estudo do tema, com paciência e empenho, no
bom uso do “dom de transmitir”, compartilhou conhecimento e desejo.
Às universidades, UNOESC e UNIJUI, que me oportunizaram,
respectivamente, iniciar e concluir o curso de graduação em psicologia,
possibilitando a apreensão da teoria psicológica em diversas perspectivas.
À psicóloga Kênia que me acompanhou boa parte da formação, e foi
fundamental para que esta experiência, se tornasse também uma transformação.
À colega Deise, que se tornou uma grande amiga, sempre pronta a me
acolher e auxiliar nas dificuldades.
Às colegas Aline, Ester, Vera e Ângela pelas conversas e amizade
compartilhadas.
Aos demais familiares e amigos que de uma forma ou de outra, incentivaram
e colaboraram para que esta formação fosse possível.

MUITO OBRIGADA !!!


“O complexo de Édipo, contudo, é uma
coisa tão importante que o modo por que o
indivíduo nele se introduz e o abandona não
pode deixar de ter seus efeitos.”
Sigmund Freud, 1925
RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo retomar a leitura do complexo do


Édipo, como conceito fundamental na constituição do sujeito na teoria psicanalítica.
Para isso faz-se uma abordagem do percurso histórico que levou Freud ao mito do
Édipo e os três tempos lógicos do Édipo trabalhados por Lacan. Em seguida,
avança-se para a explanação da resolução psíquica edípica que vai produzir
diferentes formações de estruturas clínicas nos sujeitos e seus sintomas. Conta-se
com as contribuições de alguns autores mais contemporâneos, como Garcia-Roza,
Nasio, Calligaris, entre outros. Busca-se, a partir dessas considerações, ressaltar a
fundamentalidade da trajetória psíquica do Édipo na constituição das estruturas
clínicas: neurose, psicose e perversão, que comparecem na clínica psicanalítica.

Palavras chave: Psicanálise; Édipo; castração; desejo; estruturas clínicas.


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO............................................................................................................. 8
1 O ÉDIPO DE FREUD E OS TRÊS TEMPOS EDÍPICOS DE LACAN....................10
1.1 A leitura de Freud.....................................................................................10
1.2 A releitura de Lacan.................................................................................14
1.2.1 Primeiro tempo do Édipo.........................................................15
1.2.2 Segundo tempo do Édipo........................................................17
1.2.3 Terceiro tempo do Édipo.........................................................19
2 O ÉDIPO E AS ESTRUTURAS CLÍNICAS.............................................................23
2.1 Psicose.....................................................................................................24
2.2 Perversão..................................................................................................26
2.3 Neurose.....................................................................................................27
2.3.1 Neurose Obsessiva....................................................................29
2.3.2 Neurose Histérica.......................................................................30
CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................33
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..........................................................................35
8

INTRODUÇÃO

A psicanálise, além de ser uma teoria psicológica, constitui-se também em


uma prática clínica. Freud, em sua investigação a respeito dos sintomas
apresentados na clínica com adultos, chegou à conclusão de que muitos dos
sintomas que ali se apresentavam eram provenientes do infantil que se mantinha no
adulto. Voltou-se, então, a buscar desvendar o que havia na raiz das neuroses.
Para isso recorreu ao mito do Édipo, a partir do qual trabalhou o complexo do
Édipo e sua importância fundamental na estruturação subjetiva da criança, que é
parte intrínseca da constituição do sujeito.
Partindo desse pressuposto psicanalítico e um interesse pessoal na
compreensão do complexo edípico, e seu papel determinante na estruturação do
sujeito, do qual “nenhuma criança escapa”, buscou-se fazer esse percurso de estudo
pela teoria psicanalítica de Freud, bem como contando com a contribuição teórica de
outros psicanalistas pós-freudianos que seguiram nesse caminho.
Dentre eles, Lacan, que associando seus conhecimentos em linguística,
teorizou sobre o complexo do Édipo, esquematizando-o em três tempos lógicos da
constituição do sujeito, e o papel da linguagem no processo de significação. Além
de apontar aspectos fundamentais dessa passagem, como o lugar da Mãe e o do
Nome-do-Pai, os quais vão determinar as continuidades e descontinuidades no
processo de constituição psíquica relativo ao posicionamento do sujeito frente ao
desejo e a lei.
O estudo também conta com autores contemporâneos, dentre eles, Garcia-
Roza, Nasio e Calligaris, que retomam esses conceitos associando-os à pratica da
clínica psicanalítica e reforçando a intensidade na qual os aspectos e resoluções
edipianas comparecem na clínica psicanalítica. Por isso, sendo determinantes na
vida dos sujeitos no que diz respeito à estruturação psíquica e seus sintomas.
Ancorado pelas ideias desses autores, o trabalho está estruturado em dois
capítulos, sendo o primeiro o Édipo de Freud e os três tempos edípicos de Lacan, no
qual se faz uma abordagem a respeito do percurso de Freud no que tange à
construção da teoria da estruturação pelo Édipo e seus desdobramentos na teoria
lacaniana, bem como sua esquematização nos três tempos lógicos.
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No segundo capítulo, o Édipo e as estruturas clínicas, expõe-se a respeito


das estruturas clínicas decorrentes das elaborações edipianas, e sua implicação na
clínica psicanalítica, no que diz respeito ao posicionamento psíquico e à formação
dos sintomas clínicos.
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1 O ÉDIPO DE FREUD E OS TRÊS TEMPOS EDÍPICOS DE LACAN

1.1 A leitura de Freud

Sigmund Freud (1856-1939) foi o criador da psicanálise. Iniciando sua carreira


como médico clínico, interessado no alívio do sofrimento humano, continuou seus
estudos na França, onde foi aluno do médico e cientista Jean Martin Charcot, com
quem aprendeu que o sofrimento psíquico poderia não ter sua origem no corpo,
mas, a mente poderia ser responsável por sintomas diversos, como era possível
observar pelas queixas histéricas. A histeria, na época, se colocava como um
enigma para a medicina e para a ciência.
Freud interessou-se pelo tratamento da histeria. Utilizou técnicas diversas
como massagens, hidroterapia, e eletroterapia, as quais percebeu que produziam
apenas alívio imediato, sem efeito duradouro. Passou a utilizar-se da sugestão
hipnótica, que consistia em sugestionar os pacientes por meio da hipnose e gerava
um efeito mais prolongado. Mais tarde, devido a dificuldades do método hipnótico, e
firmando parceria com o Dr. Josef Breuer, substituiu a hipnose pelo método
catártico.
Freud e Breuer acreditavam que os sintomas histéricos possuíam um
significado e a descoberta deste significado, desconhecido pelo paciente, era
acompanhada da remoção dos sintomas.
Porém, os dois logo desfizeram sua parceria devido a divergências em
relação à origem dos sintomas. Breuer acreditava que algumas ideias dos pacientes
se tornavam traumáticas por surgirem durante estados hipnoides. Freud, pela escuta
clínica dos pacientes, acreditava que os sintomas eram provenientes de ideias de
caráter eminentemente sexual, que se colocavam como ideias opostas a vida mental
do sujeito, das quais ele teria que se defender. Freud, então, cria psicanálise a partir
de sua clínica, na qual pedia aos pacientes que falassem livremente sobre tudo que
lhes viesse à cabeça, mesmo que fosse vergonhoso ou parecesse sem importância.
Assim, criou o método essencialmente psicanalítico, de associação livre.
Inicialmente a teoria de Freud pelo atendimento e escuta principalmente das
histéricas, consistia em que todas relatavam histórias de abusos referentes
principalmente aos relacionamentos com seus pais. Sua teoria “neurótica”, atribuía a
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traumática sedução da criança por um outro adulto, geralmente o pai, a causa dos
sintomas neuróticos.
Porém em 1897, Freud põe em questão a sua teoria quando escreve uma
carta a Fliess, revelando não mais acreditar nela. Paulo Vidal (2014) aponta algumas
razões que teriam levado Freud a essa dúvida, dentre elas, a de que seria loucura
generalizar todos os pais como perversos. Além disso, era impossível fazer emergir
as cenas inconscientes, pois mesmo o delírio não as revelava, e, a maioria dos
pacientes deixava o tratamento, antes de chegar às cenas infantis.
Freud recorre, então, à possibilidade de que as cenas de sedução infantil
relatadas pelos pacientes sejam fantasia1. A fantasia é uma ficção que tem sentido
na realidade de quem narra, porém na configuração da realidade impõe a falta do
referente, ou seja, onde se poderia verificar o fato, se encontra apenas o
fantasmático.
Após a morte de seu pai em 31/05/1897, Freud continua sua auto-análise.
Percebendo em si mesmo, sentimentos apaixonados pela sua mãe e certo ódio pelo
seu pai, constata que os impulsos hostis contra os pais são um elemento integrante
das neuroses. Reconhecendo estar no caminho certo em relação aos traumas
sexuais infantis, mas constatando que estes não eram verdadeiros e sim fantasia,
encontra no mito Edípico um ponto de apoio para efetivar sua teoria. Freud se serve
do Édipo para nomear o que conjectura estar no fundamento do recalcado2.
O Édipo, como mito, consiste na trama em que o rei chamado Laio, casado
com Jocasta tem um filho ao qual chama de Édipo. Tendo, porém Laio, sido
anteriormente advertido por um oráculo que, se esta criança crescesse, mataria o
próprio pai e desposaria sua mãe, resolve, logo após o nascimento, mandar um
criado levá-lo para ser morto na floresta. Este, porém, com pena da criança, resolve
pendurá-lo numa árvore amarrado pelos pés, sendo encontrado por um pastor de
ovelhas, que o levou para seus senhores em Corinto, onde fora criado como um
príncipe.
Édipo, já adulto, busca o oráculo para saber sobre sua origem e advertido por
este, que no futuro iria matar seu pai e casar com sua mãe, viaja para fugir do

1
A fantasia, para Freud, é uma representação, um argumento imaginário, que pode ser consciente, pré-
consciente ou inconsciente, que de forma disfarçada coloca em cena um desejo.
2
Lembranças ou representações que foram afastadas/rejeitadas da consciência, devido ao seu conteúdo
pulsional, e lançadas no inconsciente.
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cumprimento desta previsão em relação aos que acredita serem seus pais
verdadeiros. Porém, no caminho encontra-se com Laio, seu pai, e sem saber quem
é, o mata. Logo depois decifra o enigma da Esfinge, que estava assolando a cidade
de Tebas, libertando-a desta. Em gratidão a cidade o torna rei, e o regente lhe
oferece a rainha Jocasta como esposa, com a qual se casa, sem saber que ela é
sua mãe.
Após alguns anos, recai uma peste sobre a cidade De Tebas e Édipo mais
uma vez consulta o oráculo, que o adverte de que o assassino de Laio deve ser
expulso da cidade, também prevê que este, ficará cego e se tornará mendigo. Édipo
empreende uma busca na cidade e por fim descobre ser ele próprio o assassino e
filho de Laio.
Ao descobrir ser filho de Laio e Jocasta, Édipo fura os próprios olhos e foge
da cidade, cumprindo a predição do Oráculo.
Para Freud, esse mito retrata a realização dos nossos próprios desejos
infantis, no sentido de que dirigimos nosso primeiro impulso sexual para a mãe e o
primeiro ódio e desejo assassino para o pai. Este conflito, porém, é recalcado no
processo de constituição psíquica, no que tange a teoria psicanalítica, ou seja,
levando em conta o inconsciente.
Freud assim articula sua ideia:
...a lenda grega capta uma compulsão que todos reconhecem,
pois cada um pressente sua existência em si mesmo. Cada
pessoa da platéia foi, um dia, um Édipo em potencial na
fantasia, e cada uma recua, horrorizada, diante da realização de
sonho ali transplantada para a realidade, com toda a carga do
recalcamento que separa seu estado infantil do estado atual.
Passou-‐me fugazmente pela cabeça a idéia de que a mesma
coisa estaria também na base do Hamlet [...] Como explicar sua
hesitação em vingar o pai através do assassinato do tio – ele,
o mesmo homem que manda seus cortesãos para a morte sem
nenhum escrúpulo e que é positivamente precipitado ao assas-
sinar Laertes? Como explicá-‐lo senão pela tortura que ele sofre
em vista da obscura lembrança de que ele próprio havia
contemplado praticar a mesma ação contra o pai, por paixão pela
mãe? Sua consciência moral é seu sentimento inconsciente de culpa.
(FREUD, 1986 [1887-‐1904], p. 273).

Freud também se utiliza de outro clássico da literatura ocidental, que é Hamlet


de Shakespeare. Diferente da lenda do Édipo, na qual o filho é assassino do pai,
Hamlet se apresenta como vingador do pai assassinado. Nas duas peças, é como
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morto, que o pai desempenha seu papel, e Freud as considera como declinações
possíveis do que passaria a chamar de complexo de Édipo.
Édipo é vítima do trágico, paga o preço de uma falta que cometeu sem saber.
Para Freud, o trágico, na sociedade moderna, surge quando o sujeito que acredita
ser livre, autônomo, percebe que com suas escolhas adotou o caminho que queria
evitar. É nesse sentido que o mito do Édipo ainda nos atinge, mostrando que as
ações humanas são, muitas vezes, determinadas e regidas desde outra cena, o
inconsciente. Estas seguem os circuitos do desejo, os quais são motores do
aparelho psíquico e procuram restabelecer a experiência de satisfação primeira
(originária). Esse desejo do inconsciente é indestrutível e proveniente do tempo do
Édipo.
Para Freud, porém, apesar do desejo perfazer um circuito repetitivo e
independente da consciência, isso não significa que somos objetos de um
automatismo. Mas, a tragédia grega coloca o agente, o Édipo, no lugar de
ambiguidade: o herói trágico é objeto e sujeito, determinado e responsável,
constituindo-se assim, um circuito que inclui o sujeito.
O desejo incestuoso em relação à mãe, o ódio do pai como rival e o posterior
medo da castração, uma vez recalcados, por seu caráter ambivalente produzem no
sujeito, o que Freud denomina de Ética do inconsciente. Na qual, ao passo que as
pulsões impõem a busca por satisfação, a fantasia em torno destas questões impõe
limites.
Édipo, para Freud, é o que está no fundamento do recalcado, ao passo que a
vacilação de Hamlet se mostra como um sintoma, “um escrúpulo de consciência
derivado do desejo edípico recalcado - Édipo é a verdade de Hamlet, do neurótico.”
(Vidal, 2014, p. 80).
Conforme Vidal (2014), Freud coloca o Édipo como pré-condição na qual todo
sujeito humano deve se situar, e da qual precisa se separar, pelos efeitos da
intervenção paterna, possibilitando a inscrição na linha de gerações e o acesso a um
objeto não incestuoso. Situa, assim, o Édipo do lado das respostas aos problemas
com que a criança se defronta, e que lhe causam curiosidade, vontade de saber. De
forma que a criança busca produzir teorias para questões como: de onde vêm as
crianças? Qual a origem da diferença entre meninos e meninas?
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Para dar conta dessas questões sobre as origens a criança elabora fantasias.
Dentre estas, a fantasia da cena primária 3, que procura dar conta da origem do
sujeito e o desejo parental que a originou; a fantasia de sedução, para dar conta do
caráter traumático do encontro com a sexualidade e o desejo do outro; e a fantasia
da castração, como resposta a diferença entre sexos, articulada pela ameaça
paterna de castração.
É frente ao complexo de castração que o Édipo sofre o recalque, ou seja, as
teorias sexuais infantis naufragam, sucumbem a amnésia, produzindo a divisão das
instâncias psíquicas em inconsciente e pré-consciente/consciente. Teoria que coloca
o inconsciente fora do consciente pela ação do recalque, não podendo emergir sem
sofrer distorções.
Ao utilizar-se do mito do Édipo, Freud pôde superar a descontinuidade com a
qual sua teoria havia se deparado - a impossibilidade de acesso a exatidão
(verdade) dos fatos pela via da narrativa dos sujeitos - compreendendo-a pela via da
ficção. Portanto, a leitura freudiana coloca um saber (mítico) no lugar da verdade.

1.2 A releitura de Lacan

Jacques-Marie Emile Lacan (1901-1981), médico psiquiatra e psicanalista


francês, retoma as elaborações teóricas de Freud, associando-as a elementos da
linguística, da filosofia e da ciência. Em suas elaborações teóricas, propõe o
inconsciente estruturado como linguagem, no qual divergindo da linguística - que
estabelece a prevalência do significado em relação ao significante - acredita que no
inconsciente, o significado é dado pela relação de um significante com outro
significante.
Para Lacan, o Édipo freudiano articula três elementos: o assassinato do pai, o
gozo4 da mãe, e o desejo de saber a verdade. O mito do Édipo, ao fazer da morte do
pai uma condição ao gozo, o designa como representante da Lei, interditor e agente
da castração, e lhe dá um lugar privilegiado no inconsciente. Desta forma, “o pai é

3
Cena, que pode ser fantasmática ou real, na qual a criança testemunha o coito de seus pais.
4
Refere-se às diferentes relações com a satisfação que um sujeito desejante pode experimentar e esperar, no
uso de um objeto desejado. Para psicanálise o gozo se refere ao desejo inconsciente, o qual está constituído
pela nossa relação com linguagem. Para Lacan, o gozo não pode ser concebido de uma necessidade que pode
ser preenchida por um objeto, mas ele “é inter-dito, ou seja, é feito do próprio tecido da linguagem, onde o
desejo encontra seu impacto e suas regras.” (Chemama, 1995, p. 91)
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uma metáfora” ele é o significante que vem no lugar de outro significante, ou seja, o
“pai”, vem no lugar do “desejo da mãe”. Assim, o Édipo aparece com a introdução do
elemento pai (nome-do-pai)5.
O Édipo significa para o sujeito um “enunciado do Impossível”. (Lacan, 1992).
Há um limite de estrutura inerente ao campo do simbólico, em que há sempre na
palavra uma verdade que lhe escapa, e toda vez que se tenta dizer aquilo que é
impossível de dizer, é ao mito, à ficção que se recorre. Outra impossibilidade que
Lacan aponta, é de que as palavras não conseguem abarcar de todo o gozo, assim,
aquilo que escapa do real, pode ser articulado no irreal do mito, da ficção (fantasia).
Lacan divide o Édipo em três tempos lógicos, que correspondem a uma
sequência lógica, relativa à passagem do Imaginário para o simbólico. Os quais são
base da continuação deste estudo.

1.2.1 Primeiro tempo do Édipo

Para Garcia-Roza (1985) a experiência do nascimento se constitui a primeira


divisão que o ser humano sofre. No qual, com o corte do cordão umbilical, não é
apenas separado de sua mãe, mas também perde uma parte de si mesmo. A partir
disso ele passa a ser incompleto, sendo o nascimento como uma primeira castração,
cuja experiência será revivida em outros momentos posteriores da vida.
A criança, então, passa a buscar preencher sua falta com objetos exteriores.
O seio da mãe se constitui como o primeiro objeto de satisfação. Num primeiro
momento, essa satisfação, ligada a auto-conservação, se dá pela ingestão do leite
materno. Para posteriormente, pela excitação dos lábios e da língua no exercício da
sucção, produzir o prazer no sugar, marcando a emergência da pulsão6.
A pulsão, cuja satisfação é acompanhada de um prazer que tem apoio na
necessidade, mas não é redutível a ela, está ligada a alguma zona erógena e resulta
sempre na satisfação parcial, sendo regida pelo princípio do prazer. Na medida em

5
O termo foi criado por Jaques Lacan, para designar o significante da função paterna. Constitui-se produto da
metáfora paterna, atribuindo a função paterna ao efeito simbólico de um puro significante, e designando
“aquilo que rege toda a dinâmica subjetiva, ao inscrever o desejo no registro da dívida simbólica”. (Chemama,
1995, p. 148).
6
Pulsão, como conceito da teoria psicanalítica, conforme Roudinesco (1998, p. 628) é “a carga energética que
se encontra na origem da atividade motora do organismo e do funcionamento psíquico inconsciente do
homem”. Nesse sentido, se constitui a energia fundamental do sujeito, a força necessária ao seu
funcionamento.
16

que os objetos são apresentados à criança são introjetados pelo ego, que os toma
para si ao passo que expele o que lhe causa desprazer. Essa passagem do exterior
para o interior é fantasmática, imaginária. Marca o tempo do autoerotismo que
posteriormente se transformará em narcisismo, no qual as pulsões auto-eróticas que
coexistiam de forma desorganizada e sem objeto específico, se juntam numa
unidade e investem num objeto: o ego.
O ego começa a ser esboçado na relação especular imaginária, sendo
conforme Lacan concretizado na experiência da criança ao perceber sua própria
imagem no espelho. A fase do espelho inicia-se por volta dos 6 meses de idade com
extensão até por volta dos 18 meses. Sendo que a terceira fase do espelho,
conforme Lacan, coincide com o primeiro tempo do Édipo, e designa um tempo em
que a criança forma uma representação de sua unidade corporal, identificando-se
com a imagem do outro. Nesse tempo, produz-se um ego especular, no qual a
criança consegue fazer uma demarcação da totalidade do seu corpo. A devolução
da imagem do espelho, pela mãe ou pelo outro, tem função de estruturação do
sujeito, na qual substitui a vivência do corpo despedaçado da fase anterior, pela
primeira demarcação de si, por um processo de identificação ao outro.
O estágio do espelho não diz respeito à experiência concreta da criança
frente ao espelho, mas sim, de um tipo de relação especular com outro. Lacan
chama essa relação mãe e filho, que caracteriza o imaginário, de dual. Essa fase por
não ser ainda mediada pela linguagem se esgota nesse jogo especular, em que a
primeira consciência se perde, pois ao procurar a realidade de si, a criança encontra
apenas a imagem do outro com a qual se identifica ou na qual se aliena.
O que caracteriza essa relação dual, portanto, é muito mais uma indistinção
entre o si e o outro, por mais que haja certa demarcação do próprio corpo, ainda não
há uma individualidade como sujeito. Ser o desejo do desejo do outro é o que
caracteriza a criança nessa fase. A criança ocupa um lugar de falo, de completude
da mãe, no qual se identifica especularmente com aquilo que é objeto do desejo da
sua mãe. A relação entre ambos é, portanto, marcada pela falta.
Conforme Garcia-Roza (1985), “nas sociedades patriarcais do Ocidente o falo
foi transformado num símbolo de poder e completude.” O órgão sexual masculino
(pênis) é considerado o representante do falo. Não podendo, porém, ser reduzido a
este órgão de forma concreta, pois ninguém é possuidor do falo. É, portanto, uma
17

representação de algo da ordem simbólica capaz de preencher a falta, o vazio da


incompletude humana, a nível imaginário.
Mesmo sendo essa fase imaginária, ou seja, anterior ao acesso ao simbólico
(linguagem por parte do infans7), este não está ausente, pois, ainda que não fale,
desde antes do seu nascimento a criança já é falada pelos outros, surgindo já num
lugar marcado simbolicamente.
Lacan, apud Garcia-Roza(1985), nos apresenta três registros, real, imaginário
e simbólico, dos quais, o real é o impossível de ser definido, é a pulsão freudiana. O
simbólico é a lei, a ordem, o que diferencia o homem do animal, funda o
inconsciente, é transindividual, na medida em que precede o sujeito, e determinante
para a constituição deste. O imaginário constitui-se no interior do simbólico e é,
caracterizado justamente por essa relação da imagem especular que o infans tem de
si e o objeto que a reflete (mãe, espelho).
A relação dual criança-mãe, só é rompida pela entrada da criança na
linguagem, na cultura, o que corresponde também à entrada do pai em cena. Sendo
substituída então, por um tipo de “relação triádica”, na qual a entrada do pai marca
uma distância entre a criança e seu duplo.

1.2.2 Segundo tempo do Édipo

A concepção do ser humano como um ser incompleto e a eleição do pênis,


como sendo representante do falo, cuja função simbólica é de preenchimento da
falta, nos leva a teoria de Freud sobre o Complexo de castração. Na qual a criança
pequena acredita que todo adulto possui um pênis, até que descobre que sua mãe
ou irmã não o tem. Então ela passa acreditar que estas foram castradas e que ela
própria sofre ameaça de castração, da qual o agente é o pai.
A percepção da criança em relação à presença ou ausência de um pênis, ou
seja, da diferença de sexos, faz emergir a consciência dessa realidade em seu
próprio corpo. É nesse tempo que aparece a manipulação dos órgãos sexuais pela
criança, a masturbação.
Como falo da mãe a criança tenta se moldar, se integrar aquilo que ela é para
o amor da mãe. Porém, a partir do momento que intervém sua própria pulsão, ocorre

7
Infans: designa a criança num tempo em que ainda não fala, anterior à aquisição da linguagem (simbolização).
18

um descolamento, no qual o que ela tem a oferecer lhe parece insuficiente. É nesse
encontro do jogo imaginário do engodo fálico e a pulsão real, que o complexo de
castração se apresenta como saída para criança.
A intervenção do pai introduz a ordem simbólica, a lei, ou seja, o assunto sai
das mãos da criança para ser resolvido em outro lugar. Lacan (1999, p. 233)
escreve: “O pai é aquele com quem não há mais chance de ganhar, senão aceitando
tal e qual a divisão das apostas”. Para Lacan, a castração é o signo e também o pivô
do drama do Édipo. Quando a criança faz a apreensão da ausência de um pênis na
mulher, isso se constitui para ela como uma privação. Noção que causa certa
angústia e faz um furo no real. É um momento de despertar, no qual emerge no
sujeito, um temor de ver extinguir-se nele o desejo.
A angústia gerada nesse processo surge a cada vez que o sujeito sente a
ameaça de ser descolado de sua existência, em que se percebe prestes a ser
capturado pela imagem do outro, pela tentação. Lacan, (1999, p. 231) considera
que: “... a angústia é correlativa do momento em que o sujeito está suspenso entre
um tempo em que ele não sabe mais onde está, em direção a um tempo onde ele
será alguma coisa na qual jamais se poderá reencontrar.”
A castração não se aplica de fato no real, mas sobre um objeto imaginário, de
forma que a castração implica na simbolização do objeto (pênis), ao que Lacan
(1999, p.224) afirma: “Indicar que alguma coisa não está ali, é supor sua presença
possível, isto é, introduzir no real, para recobri-lo, perfurá-lo, a simples ordem
simbólica”.
Neste segundo momento do Édipo, conforme Garcia-Roza (1985), o pai
intervém como privador, tanto da criança, quanto da mãe. Priva a criança do seu
objeto de desejo e a mãe do objeto fálico. A entrada do Pai em cena é mediada pelo
discurso da mãe, a qual precisa reconhecê-lo como homem e como representante
da lei. A mãe, portanto, precisa mostrar-se castrada, ou seja, em falta, e apontar o
seu desejo não unicamente para o filho, mas também para outro lugar (o Pai).
O pai desse tempo é o imaginário, é o pai terrível, interditor, onipotente. Que
ao ser aceito e reconhecido pelo discurso da mãe, passa a ser aquele que limita o
poder da mãe, produzindo a disjunção mãe-fálica/ criança-falo. Essa privação
permite a criança superar a perfeição narcisista do tempo anterior e ter acesso à lei
do pai.
19

Lacan (1999, p. 192) diz que nesse tempo se coloca para o sujeito uma
questão que é “nodal” no Édipo. Ele precisa posicionar-se frente a essa privação da
qual a mãe revela-se objeto, no sentido de “dar valor de significação, de aceitar, de
registrar, de simbolizar”. Para atravessar essa fase nodal, a criança precisa, no
plano imaginário, escolher entre ser ou não ser o falo. A não aceitação da privação
do falo, efetuada na mãe pelo pai, retém a criança numa posição de identificação
com o objeto da mãe, podendo essa estagnação, apresentar-se através de fobia,
neurose ou perversão.
Partindo do princípio de que não há sujeito sem que haja um significante
que o funde, é essencial que a mãe funde o pai como mediador daquilo que está
para além da sua própria lei, dos seus caprichos. É nisso que ele será ou não aceito
pela criança como aquele que priva ou não priva a mãe do objeto do seu desejo. O
que faz diferença é que a mãe faça valer a palavra do pai.
Conforme, Garcia-Roza (1985), pela linguagem o desejo é nomeado, surgindo
em seu lugar o símbolo. Esta simbolização produz a clivagem da subjetividade
infantil em Consciente/Inconsciente. Ao passo que a castração exercida pela função
paterna (Nome-do-Pai), produz o recalque do desejo de união com a mãe.
O acesso à linguagem pela criança possibilita a esta produzir um
afastamento da sua própria vivência e substituir o ser pelo ter, ou seja, sair da
posição de ser o falo da mãe, para ter um desejo limitado, satisfação parcial. A mãe
deixa de ser a lei para a criança, a qual, agora se submete ao pai como sendo, não
apenas representante, mas a própria lei. O pai passa a ser para a criança o falo, e é
vivido por esta como um outro singular, sendo, ainda representado no nível
imaginário.
A castração (simbólica) incide sobre um objeto imaginário, o falo, e é através
dela, que a criança pode constituir-se sujeito. Pois lhe dá a possibilidade de sair da
condição de assujeitamento, de objeto de satisfação do outro, para uma condição de
ser desejante.

1.2.3 Terceiro tempo do Édipo

Em relação ao terceiro tempo do Édipo Garcia-Roza (1985, p. 222) explica:


“Nele, o pai deixa de ser a lei e passa a ser representante dela. A castração não é,
20

portanto, apenas dupla (da criança e da mãe), mas também do pai. Ninguém é mais
o falo, assim como também ninguém é mais a lei. Tanto um como outro estão para
além de qualquer pessoa singular.”
Ocorre então, a substituição da identificação da criança com o eu ideal
narcisista, equivalente ao falo, pela identificação com o ideal do eu, ideal de
perfeição, encarnado pelo pai. O pai passa a ser o representante desse ideal, e a
criança não se identifica com o pai, mas com o que o pai representa. Conforme
Freud, apud Garcia-Roza, a criança se identifica com o superego do pai, e o
superego da criança é o efeito dessa identificação com o ideal do eu.
A interiorização da lei possibilita a criança constituir-se sujeito. Ao ser,
separada da mãe pelo interdito paterno, a criança, toma consciência de si como um
ser distinto, e então como sujeito, é introduzida na ordem da Cultura.
Conforme Lacan (1999, p. 200), é desta terceira etapa que depende à saída
do complexo de Édipo. Nesta, o pai intervém como aquele que tem o falo e não que
o é. Por isso, pode não apenas privar do objeto desejado (castração), mas pode dar
à mãe o que ela deseja, pois o possui. Com isso reinstaura a instância do falo como
objeto desejado da mãe.
Neste tempo o pai intervém como real e potente. Aquele que além de ser
castrador, aponta ao filho possibilidades. O qual por ser o detentor do falo, é
internalizado no sujeito como o ideal do eu, e, a partir daí começa o declínio do
complexo de Édipo.
Este desfecho, porém, é diferente para o menino e para a menina. O menino
passa por um processo de identificação metafórica com o pai, a qual lhe “dá o direito
de ser homem”, instituindo algo da ordem do significante que fica guardada de
reserva, e cuja significação se desenvolverá mais tarde. Já a menina, não precisa
passar por essa identificação, nem guardar o título de direito à virilidade, mas
sabendo onde está (no pai) e onde deve buscá-lo, vai em direção àquele que o tem.
O terceiro tempo do Édipo, então, é transposto à medida que se dá essa
identificação, na qual o menino se identifica com o pai como possuidor do pênis, e a
menina por reconhecer o homem como aquele que o possui.
Para a psicanálise só há sujeito a partir da clivagem da subjetividade nos dois
sistemas: inconsciente e pré-consciente/consciente, produzida pelo recalque. Antes
disso, o psiquismo infantil é dotado de representações que tem sua fonte na pulsão,
21

é somente retroativamente, através da entrada da criança no simbólico, que essa


subjetividade ganha realidade. Desta forma, podemos dizer que, o Édipo é o
estruturador fundamental e determinante do sujeito psicanalítico.
“O Édipo é a dolorosa e iniciática passagem de um desejo selvagem para um
desejo socializado, e a aceitação igualmente dolorosa de que nossos desejos jamais
serão capazes de se satisfazer totalmente”, considera (Nasio 2007, p. 12). A entrada
de um terceiro na relação instaurando a lei e castrando a criança, possibilita a esta,
reconhecer a realidade externa. De forma que o complexo de Édipo tem a função de
inserir o sujeito no convívio social, impondo-lhe limites. Exigindo deste, a renúncia
da satisfação pulsional e o controle dos instintos. Ele não pode tudo. Há um
reconhecimento da falta e impotência.
Portanto, sendo o simbólico o campo da lei e o complexo de Édipo a
passagem para essa ordem simbólica, ele possui o efeito de estabelecer uma
função normativa em relação às estruturas clínicas e ao posicionamento sexual.
Ninguém sai ileso do Édipo, a maneira singular com que cada um atravessa o Édipo,
afetará seu posicionamento enquanto sujeito sexuado e suas escolhas de objeto.
Em relação a essa passagem pelo Édipo, Nasio (2007, p. 10) escreve: “A
crise edipiana é um insuportável conflito entre o prazer erótico e o medo, entre a
exaltação de desejar e o medo de se consumir nas chamas do desejo.” O Édipo é o
que faz regra às pulsões. Permite a organização e a socialização a partir da
parcialização do gozo da criança, no que diz respeito à satisfação do desejo
(pulsão). O Édipo, para Freud, esboça o retrato de todo sujeito referente à
voracidade e desejo, ao medo das consequências de sua avidez, ao ciúme e
proteção em relação ao falo, e a culpa por desejar. Assim, Freud recorreu ao mito,
utilizando-o como metáfora do inconsciente para falar dos desejos e proibições. E,
como consequência, o complexo de Édipo evoca a formação de sintomas como
substituições do proibido e do esquecido, ou seja, do recalcado.
As múltiplas vivências com seu par parental (mãe e pai) e a forma da
inscrição do Nome-do-pai (ou da falta dessa inscrição) na dinâmica edipiana, pela
qual toda criança passa, são momentos determinantes para o sujeito e o seu desejo.
Assim, são fundadores da cristalização de organizações estruturais, no enlaçamento
entre real, simbólico e imaginário, instâncias que são amarradas no tempo lógico da
constituição psíquica.
22

Se Freud localizava a raiz das psicopatologias nas experiências da passagem


pelo Édipo, Lacan situa também nesse complexo, a origem das estruturas clínicas,
com seus sintomas e patologias.
23

2 O ÉDIPO E AS ESTRUTURAS CLÍNICAS

Dunker (2006) defende que a psicanálise é essencialmente uma clínica, pois


se orienta conforme os termos que orientam qualquer clínica clássica: semiologia,
diagnóstica, etiologia e terapêutica. E a noção de estrutura clínica - para a
psicanálise de orientação lacaniana - representa um princípio reorganizador desses
quatro elementos ordenadores de qualquer clínica. Nesse sentido, conforme o autor:
A semiologia, é uma semiologia da linguagem, a etiologia é uma etiologia
baseada na causalidade do desejo, a terapêutica baseia-se na intervenção,
de linguagem, sobre o sujeito e o desejo e, finalmente, a diagnóstica
psicanalítica é imanente à transferência. (Dunker 2006, p. 121)

Propondo “pensar a clínica da estrutura com a estrutura da clínica”, Dunker


(2006, p. 123) afirma que os sintomas da estrutura clínica implicam na estrutura da
clínica. Para ele, a constituição do sujeito inclui a estrutura clínica, sendo que, a
estrutura não é o sujeito, mas este se apoia na estrutura. Desta forma, a teoria da
constituição do sujeito passa pela teoria das estruturas clínicas (enodamentos), e
pela teoria da construção do fantasma8 (suplência). Há um enlaçamento entre estas,
de forma que nenhuma pode ser excluída.
Para Medeiros e Mariotto (2006, p. 53), a estruturação subjetiva ocorre num
tempo lógico, e depende da transformação do desejo em demanda9, da produção de
significação e da apropriação dessa operação pelo sujeito. Desta forma, escrevem:
“a estrutura requer um tempo de instalação tanto de um sujeito, quanto no sujeito”.
Nessa trajetória de estruturação, o sujeito se vê confrontado com algumas
“encruzilhadas”, como: “o Estádio do espelho e o complexo de Édipo”, que lhe
exigem a construção de um fantasma fundamental, referenciando seu
posicionamento frente ao desejo.
Desta forma, o Complexo de Édipo tem um papel fundamental na formação e
origem das estruturas clínicas, as quais, segundo a leitura psicanalítica, podem ser
psicose, perversão ou neurose. A formação de cada uma delas depende de diversos
fatores, como: o que cada sujeito faz com as representações reprimidas do Édipo,
como ele internalizou, se internalizou a Lei Paterna (interdição do incesto e

8
O fantasma “é o efeito do desejo arcaico inconsciente e matriz dos desejos atuais conscientes e
inconscientes”. (Chemama, 1995, p. 71)
9
Forma de expressar um desejo quando se quer obter alguma coisa de alguém, na qual, desejo é diferente de
necessidade. Na concepção lacaniana é o “desejo no sentido de desejo de um desejo”. (Roudinesco, 1998,
p.146)
24

castração), se a figura materna possibilitou a entrada de um terceiro (pai) na relação


(inscrição da falta), e a forma como o Pai interviu nessa relação.
Qualquer tipo de estruturação do sujeito é uma estruturação de defesa, no
sentido freudiano, no sentido em que Freud fala de psiconeurose de defesa.
É uma estruturação de defesa na medida em que se subjetivar, existir como
sujeito, – barrado pela castração, como na neurose, ou não, como na
psicose – obter algum estatuto simbólico e alguma significação, é
necessário que o sujeito seja algo distinto do Real do seu corpo, algo Outro
e mais do que alguns quilos de carne. Por isso, o sujeito se estrutura em
uma operação de defesa. Calligaris ( 1989, p.13)

Defender-se do quê? Conforme Calligaris (1989), o sujeito se defende de ser,


imaginariamente, objeto da demanda imaginária do Outro 10 , de perder-se como
objeto de gozo do Outro. Essa operação implica uma metáfora - que a significação
prevaleça sobre o significante - ou seja, que o pedaço de carne seja substituído por
uma significação subjetiva. Desta forma, para nos constituirmos sujeito é necessário
que haja uma demanda, mas, se permanecermos referidos à demanda somos objeto
de gozo; se, porém, estivermos referidos a um saber sobre a demanda, temos uma
significação que nos mantém defendidos como sujeitos. Essa operação ocorre em
todos os sujeitos, o que muda, porém, é que o saber com o qual o sujeito se
defende, na neurose e na psicose, não é o mesmo. O que diferencia essa
construção de saber, referenciada ao Édipo, é, principalmente, a posição que o
sujeito toma frente ao significante Nome-do-Pai.

2.1 Psicose

Na formação da psicose ocorre a forclusão ou rejeição completa do Nome-do-


Pai, ou seja, a não inscrição deste, no inconsciente. Desta forma, a posição do
psicótico permanece sendo a narcísica, na qual, não ocorrendo a entrada de um
terceiro, ele não entra na relação de objeto, nem no complexo de Édipo. Seu objeto,
com o qual se funde e se confunde, continua sendo a mãe, e ele o seu falo. Pela
falha do Nome-do-Pai, a criança fica colada ao desejo da mãe, seu outro primordial,
sem possibilidade de passagem para um Outro, o Pai.

10
“Outro” escrito com letra maiúscula, “designa um lugar simbólico - o significante, a lei, a linguagem, o
inconsciente, Deus - que determina o sujeito, ora de maneira externa a ele, ora intra-subjetiva na sua relação
com o desejo”. Enquanto “outro” com letra minúscula refere-se ao “outro imaginário ou lugar da alteridade
especular”. (Roudinesco, 1998, p. 558)
25

Para que ocorra a metáfora paterna, na qual, o Nome-do-Pai (Lei) deve ficar
no lugar do significante desejo da mãe, a mãe precisa fundar pela palavra, o lugar
de um Outro, equivalente a Lei. Caso contrário, a criança fica aderida ao real, sem
abertura para o Nome-do-Pai, que é o significante-mestre na constituição da cadeia
de significantes.
Conforme Nasio (1997, p. 159): “A forclusão é a não resposta a uma
mensagem ou a uma demanda proveniente de uma pessoa em posição terceira em
referência à relação dual e imaginária entre o sujeito, futuro psicótico, e um
semelhante apaixonadamente amado ou odiado.”
A forclusão é, portanto, o nome que a psicanálise dá à falta de inscrição no
inconsciente do Nome-do-Pai (castração), que é uma experiência crucial, a qual, na
medida em que é simbolizada, permite a criança assumir seu próprio sexo e tornar-
se capaz de reconhecer seus limites. A falta de simbolização da castração acarreta
ao psicótico a incerteza da sua identidade sexual e uma perda de sentido da
realidade. Chaves (2018, p. 57) cita: “Na psicose, não há dívida, não há erros, não
há culpa. O que há na psicose fora da crise é errância, é um andar repetidamente a
ermo, cujo fim é a defesa face à angústia”.
A defesa na psicose, apesar de eficiente no momento, lança a pessoa num
estado grave de confusão alucinatória. A representação repudiada ou abolida
retornará inevitavelmente do exterior para o eu, acarretando diversas manifestações
clínicas e sintomáticas próprias da psicose. Assim, os significantes forcluídos
retornam de fora, pela via do real, podendo apresentar-se através de alucinações,
delírios e outras manifestações. Estes, conforme Nasio (2001), equivalem aos
sonhos, atos falhos e outras manifestações do inconsciente para o neurótico, nas
quais o sujeito se vê surpreendido por algo (desejos) que lhe escapa à consciência.
A diferença, porém, se coloca na vivência, enquanto o neurótico sabe que é seu
próprio inconsciente que se apresenta ali, o psicótico tem a certeza inabalável de
que é vítima de uma voz tirânica, externa ao sujeito, que o aliena. Sendo, porém,
justamente a parte renegada 11 da realidade que se apresenta por meio de
alucinações e/ou delírios, como uma realidade substitutiva, na tentativa de uma
organização psíquica. Calligaris (1989, p. 22) explica: “Um delírio é isso: o trabalho

11
Termo usado por Freud para designar o mecanismo de defesa pelo qual o sujeito se recusa a reconhecer a
realidade de uma representação negativa.
26

de constituir uma metáfora paterna, então uma filiação e a sua relativa significação,
lidando com uma função paterna não simbolizada, mas sim no real”.

2.2 Perversão

Outra saída possível de estrutura de defesa, frente às questões paradoxais do


Édipo, é a perversão. Quanto à passagem edípica, conforme os tempos trabalhados
por Lacan, quando a criança percebe que não é o único desejo da mãe, ela passa
para o segundo tempo do Édipo, possibilitando a entrada de um terceiro (pai) na
relação e fazendo aparecer a falta na criança. É esta entrada (da Lei paterna) que
não ocorre na perversão. Então permanece valendo a lei da mãe, como se fosse
detentora do falo, a mãe não convoca a figura paterna para que este faça ruptura na
relação entre mãe e filho.
O perverso reconhece a falta, mas a denega12, age como se o falo existisse
de fato no corpo da mãe, e não aceita não ser o objeto de desejo da mãe.
Permanece no nível de gozo, sem conseguir ascender ao desejo. Coloca-se acima
da lei, não sente culpa, não lhe importa o desejo do outro, apenas o seu. Percebe-se
não castrado.
Portanto, na estrutura perversa, ocorre a inscrição do Nome-do-Pai (castração
simbólica, falta) no inconsciente, sendo, porém, recusada, renegada ou desmentida,
e seu afeto (angústia) transformado em um constante desafio e transgressão à lei do
pai. Há um gozo na fantasia firmada na busca em renegar, ao mesmo tempo em
que, reafirma a realidade da castração simbólica, na tentativa de reproduzir a
satisfação pulsional completa. Conforme Chaves (2018, p. 58), “o futuro perverso
joga com o pai a realidade de uma lei outra”. Para o sujeito perverso, o Pai não é
castrado, mas é um pai fantasiado como completo, então, para fazer valer sua
defesa, a criança desmente, nega e renega o Nome-do-Pai, apostando no gozo da
usurpação do lugar paterno e da sua Lei.
Para Calligaris (1986), o perverso encontrou uma forma de reunir no fantasma
(demanda do Outro), a posição fálica 13 e a posição objetal14. O objeto para ele é na

12
Termo proposto por Freud, para nomear um mecanismo de defesa em que o sujeito exterioriza
negativamente um desejo ou ideia que ele recalcou.
13
Lugar em que se supõe um saber, lugar do Pai na neurose, na qual, se supõe que haja ao menos um (o Pai)
que pode domar o gozo do Outro. Corresponde também a linguagem.
27

verdade, instrumento, pela apropriação do saber do pai (um que saiba domar o gozo
do Outro). Assim, ele não supõe o saber a um suposto sujeito, mas julga ele próprio
ter o saber sobre como dominar o gozo, e também, como utilizar o objeto para fazer
o outro gozar. Calligaris (1986, p.12) complementa: “...o perverso é ao mesmo
tempo, o objeto que se tornou instrumento, ...e também o sujeito do saber sobre o
bom uso desse instrumento.”
A perversão configura-se uma renegação ou um desmentido da castração,
com uma fixação na sexualidade infantil. Restringe-se à pulsão, não reconhece nem
a proibição do incesto, nem o recalque e nem a sublimação. O uso do fetiche, bem
como outros mecanismos de satisfação, funciona como tentativa de encobrir a falta,
porém, à medida que a recobre também a reafirma.

2.3 Neurose

Assim como a psicose e a perversão, a neurose também se constitui como


defesa frente a Demanda imaginária do Outro. Em relação a dinâmica edipiana, o
sujeito neurótico passa de “ser o falo” materno, num processo em que se identifica
com o falo imaginário da mãe, para, pela inscrição da falta (privação, castração), ir
em busca de “ter o falo” paterno, numa identificação simbólica com o pai, através da
vivência da castração simbólica. O sujeito então, se submete a lei do pai.

...a aposta do neurótico é que haja “ao menos um” que saiba lidar com a
Demanda do Outro, então o saber vai ter um sujeito suposto, e a
problemática de defesa vai se jogar na relação (dívida, geralmente) de cada
sujeito com o “ao menos um” que sabe. É nessa relação que o sujeito se
constitui e obtém uma significação. (Calligaris, 1989, p. 14)

A partir do segundo tempo do Édipo é que podemos falar da entrada do


Pai na relação mãe-criança, fazendo ruptura na relação dual. Esta função paterna
surge de forma abrupta na realidade da criança, inserindo-a na cultura. Nesse
momento ela sofre um corte, este que faz a clivagem entre inconsciente –
consciente/subconsciente e acarreta o recalcamento do desejo, passando a criança
do imaginário para o simbólico. No terceiro tempo, o pai, para a criança, passa de

14
Posição de resposta à demanda do Outro, de falo.
28

privador, para representante do falo e depois num processo de identificação, passa


a funcionar como um “ideal de eu” a ser alcançado.
Conforme Calligaris (1989), para o neurótico, o pai é quem sabe lidar com o
desejo materno, e por isso pode decidir a “significação sexuada dos filhos”. Este
saber, porém, sendo sexual, é também, parcial. Assim, o nome do pai introduz a
parcialidade da satisfação de desejo. O significante Nome-do-Pai é o significante
mestre na constituição da neurose, de modo que o mundo do neurótico é orientado e
organizado ao redor desse pólo central, pelo qual, são medidas todas as demais
significações. Na neurose, há o serviço da dívida simbólica ao pai, porque o
neurótico erra e se sente culpado e em dívida para com o pai.
Nasio (2007, p. 93) teoriza que a neurose “é um sofrimento psíquico
provocado pela coexistência de sentimentos contraditórios de amor, ódio, medo, e
desejos incestuosos para com quem se ama e de quem se depende.” Nessa direção
de pensamento, propõe que o próprio Édipo é uma neurose, já que é a vivência de
um eu infantil em formação, com um “afluxo pulsional transbordante”. Ou seja, o eu
da criança ainda não consegue dar conta do crescimento impetuoso de seus
desejos e esforça-se em contê-los e assimilá-los. Esse processo gera uma
ambivalência que perdurará e se tornará modelo das atitudes que adotará, mesmo
adulto, frente aqueles que despertarem nele o desejo de ser possuído pelo outro,
possuí-lo ou ainda destruí-lo.
A vivência do complexo de Édipo, ou crise edipiana, divide a criança entre
alegria e angústia e não lhe deixa outra saída, a não ser, esquecer tudo e apagar
tudo. A criança edipiana, seja menino ou menina, recalca suas fantasias e angústia,
renuncia aos desejos incestuosos, e torna-se então, apta a conquistar outros objetos
de desejo. Nesse processo, desenvolve o pudor, o sentimento de culpa, o senso
moral e estabelece sua identidade de homem ou de mulher.
A neurose, portanto, se produz, a partir do mecanismo de defesa, chamado
recalque. A inscrição do significante Nome-do-Pai, no inconsciente infantil, produz o
recalcamento e deslocamento da representação da vivência da castração simbólica,
no inconsciente, e transforma o afeto (angústia), em sintomas. Esses sintomas
podem ser fobias, fenômenos somáticos ou somatizações, ideias pulsivas, dúvidas,
remorsos persistentes, agressividade, ambivalência, medos, formações reativas,
e/ou mecanismos ritualísticos, entre outros.
29

Através da diferenciação dos sintomas pode-se ter notícia do tipo de neurose


com a qual o sujeito se defende. Assim temos a histeria, na qual os efeitos da
castração (falta) e a formação de sintomas se revelam geralmente no corpo e a
neurose obsessiva, em que esses efeitos se revelam preferencialmente no
pensamento. E ainda as manifestações fóbicas, nas quais os efeitos da castração e
a formação de sintomas se revelam pelo deslocamento do objeto de angústia para
um animal ou coisa. Chaves (2018, p.60) pondera: “nas neuroses, goza-se dos
sintomas e das fantasias ancoradas, fixadas, cristalizadas, enlaçadas aos sintomas.”
Ou seja, o neurótico se defende e consegue suportar a angústia da castração,
recalcando a ideia, e transformando esse afeto em outra coisa.
Desta forma, a inscrição do recalcamento do desejo no inconsciente produz
os deslocamentos e substituições do desejo, dos quais nos “falam” os sintomas.
Conforme Nasio (2007), a neurose é a substituição de “um gozo inconsciente,
perigoso e irredutível” por um “sofrimento consciente, suportável e em última
instância, redutível”.

2.3.1 Neurose obsessiva

A neurose obsessiva, conforme a teoria de Freud tem como pano de fundo,


uma experiência sexual prazerosa, ocorrida na infância (na passagem edipiana).
Esta, ocorrida num tempo não tão precoce, sendo relembrada mais tarde, gera
desprazer. Bem como, é originária de culpa e da dúvida existencial do neurótico
obsessivo: “Estou vivo ou morto?”
Nesse sentido, para o neurótico obsessivo, as primeiras relações, foram
marcadas pela anulação do desejo, nas quais ele se apreendeu como objeto de
desejo do Outro. Então, se vê convocado a ocupar o lugar de enigma do desejo da
mãe, instalando-se nele o dilema de saber se ele é ou não, aquilo que é o desejo do
Outro. Como o desejo do inconsciente (recalcado), é sempre incestuoso, o sujeito
vive a anulação de seu desejo, tenta evitá-lo, tamponando a sua falta. Ao apreender
o desejo do outro, isso lhe causa angústia, então como defesa recorre ao
recobrimento do desejo pela demanda do Outro.
Quanto a inscrição do Nome-do-Pai, a obsessão é conforme Násio (2007, p.
97): “o retorno da fantasia de angústia de ser maltratado e humilhado pelo pai rival”.
30

É como se adquirisse uma dívida para com o Pai, de um crime que ele ignora qual
seja. E o medo da morte, sintoma presente na neurose obsessiva, se configura em
última instância um retorno da angústia de castração.
O trabalho defensivo do eu, na neurose obsessiva, consiste em separar da
representação seu afeto, enfraquecendo-a. O afeto, porém, permanece na esfera
psíquica, ligando-se à “falsas” representações, que dão origem a pensamentos
obsessivos como: rituais, cerimoniais, precauções, desvios, e outros. Ao que diz
Freud (1894, p. 59) “mas seu afeto, tornado livre, liga-se a outras representações
que não são incompatíveis em si mesmas, e graças a essa “falsa ligação”, tais
representações se transformam em representações obsessivas.”
Para Nasio (1991, p. 20), a neurose obsessiva consiste, então, em sofrer
conscientemente no pensamento, ou seja, “deslocar o gozo inconsciente e
intolerável para um sofrimento do pensar”. Nesse caso, a carga pulsional abandona
a representação dolorosa, e superinveste uma idéia consciente, instalando-se no
pensamento e invadindo a vida do sujeito obsessivo.

2.3.2 Neurose Histérica

A neurose histérica, conforme Nasio (1991), é um excesso de energia que -


quer seja um excedente de afeto resultante de um choque traumático (como de um
abuso sexual), conforme apontava a primeira teoria de Freud, quer seja, uma
angústia fantasística, proveniente do despertar espontâneo e prematuro da
sexualidade infantil (na qual a criança vive uma “experiência sexual” passiva),
conforme a segunda teoria ( a da fantasia) de Freud - tem sua causa principal na
atividade inconsciente de uma representação superinvestida.
Segundo Nasio (1991), para Freud, a fantasia equivale a um trauma, no
sentido de que, em seu núcleo há uma sexualidade excessiva, auto-erótica, e
submetida a pressão do recalcamento. E a sexualidade infantil é sempre um foco
inconsciente de sofrimento, pois é desproporcional aos meios limitados, físicos e
psíquicos da criança, ou seja, a criança não está preparada para a intensa tensão
libidinal que aflora em seu corpo, e por isso a sexualidade infantil se torna traumática
e por vezes patogênica, fonte de sintomas futuros.
31

Escreve Nasio (1991, p. 39): “Essas formações fantasísticas que se produzem


inconscientemente, isto é, sem que o sujeito saiba, constituem, portanto, a resposta
psíquica obrigatória para conter o excesso de energia que é o impulso do desejo.”
Nesse sentido, a fantasia dá forma à tensão desejante, a qual mesmo “temperada”
pela fantasia continua sendo igualmente insuportável, passando a ser chamada de
angústia fantasística. Para o autor (id/ib) “angústia é o nome que o desejo e o gozo
assumem ao serem inscritos no âmbito da fantasia”.
A neurose histérica, conforme a teoria de Freud, pode ter duas configurações
diferentes quanto aos sintomas, sendo histeria de conversão, quando o afeto é
transformado em expressão física, e histeria de angústia, quando o afeto é
transformado em angústia.
Na histeria de conversão, ocorre a conversão do gozo inconsciente intolerável
em um sofrimento corporal. Conforme Nasio (1991, p. 30) “consiste na
transformação da carga sexual excessiva, num influxo nervoso igualmente
excessivo, que, agindo como excitante ou como inibidor, provoca um sofrimento
somático.” A conversão é uma tentativa de economia libidinal, pois esse excesso de
energia que passa do psíquico para o físico permanece constante e desproporcional.
Para o autor citado acima (p. 60): “A angústia de castração se converte, de
um lado, num excesso de erotização do corpo não-genital, e de outro,
paradoxalmente, numa inibição da sexualidade genital.” O corpo não-genital se
torna o falo, no qual o próprio histérico se transforma, buscando ele mesmo ser
aquilo que faltava à mãe (Outro) na fantasia de castração. Assim, o histérico se
coloca uma questão sexual, a qual tenta exaustivamente responder: sou homem ou
mulher?
O corpo da histeria fica superinvestido narcisicamente e objeto de seduções,
é um corpo falicizado que, ao mesmo tempo em que, proporciona ao sujeito o
sentimento de existir, paga o preço de estar constantemente submetido às
solicitações do mundo externo, gerando múltiplos sofrimentos. A zona genital, por
outro lado, fica desinvestida de afeto para preservar essa parte fantasisticamente
investida, viver uma sexualidade genital satisfatória implicaria a desintegração do
corpo falicizado. Para Nasio (1991), os sintomas conversivos constituem a maneira
deturpada e neurótica que a histeria tem para viver sua sexualidade infantil.
32

Já a histeria de angústia consiste em projetar para fora, para o mundo


externo, o gozo inconsciente intolerável e cristalizá-lo num elemento do ambiente, de
forma que este se torna ameaçador para o sujeito (sintoma fóbico). A carga também
é deslocada da representação, ficando livre, flutuante até ser projetada para fora e
fixar-se num elemento externo, que pode ser a multidão, um animal, espaços
fechados, etc., transformando-se no “objeto do qual o sujeito fóbico precisa fugir
para evitar o aparecimento da angústia”, conforme Nasio (1991, p. 30). Assim, o
sintoma fóbico consiste num trabalho psíquico que tem o objetivo de ligar novamente
a angústia, que se tornou livre, ao psiquismo.
A fantasia angustiante da castração, que domina a vida psíquica na histeria, é
fonte e motivo de sofrimento, mas também, é o que protege e/ou defende o sujeito,
de qualquer aproximação do gozo máximo. O histérico prefere adoecer a gozar.
33

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os aspectos que constituem o que Freud nomeou de infantil na história de


cada um são justamente os aspectos que dizem respeito à estrutura psíquica. Freud,
a partir de seus achados no tratamento da histeria e de sua própria análise,
apresentou a teoria sexual como central na formação do homem, descobriu o
inconsciente, e realçou a antecedência dos aspectos relacionais nos diversos tipos
de estruturação psíquica, compondo assim a teoria psicanalítica.
O mito do Édipo é a trama que dá conta daquilo que está presente, e é pano
de fundo da estruturação dos sujeitos, mas é inomeável, foi recalcado por carregar
conteúdos sexuais incestuosos, libido em sua essência, de forma que foi rechaçado
pela não aceitação na cultura. É essa energia sexual, da qual num primeiro
momento a criança é alvo, pelos cuidados maternos e à qual é assim convocada a
responder, que no período edípico ela precisa canalizar e direcionar para gozos
(parciais) possíveis segundo a cultura, na qual, concomitantemente está e vai sendo
inserida pela linguagem. A constituição subjetiva depende da transmissão da
estrutura simbólica, no interior do ambiente familiar, através de palavras que deixam
suas marcas no inconsciente de cada um.
Os três tempos lógicos do complexo de Édipo propostos por Lacan, se
referem a um processo progressivo da constituição psíquica, na qual, a criança
passa de um período de assujeitamento no primeiro tempo, para a construção de um
eu especular no segundo, e finalmente pela ação do recalque, ocasionado pela
metáfora paterna, no terceiro tempo, tornar-se sujeito (castrado), separado do outro
(mãe), com possibilidade de desejar e conquistar seus próprios objetos.
Dependendo de como a criança vai vivenciar cada uma dessas etapas
concernentes à passagem edípica, é que ela vai se estruturar psiquicamente. A
problematização de algum aspecto dessa passagem pode ocasionar a fixação em
algum tempo dessa trajetória, determinando os sintomas estruturais.
As estruturas clínicas constituem-se, portanto, organizações psíquicas
decorrentes do período edípico, as quais permeiam e orientam a vida dos sujeitos,
no que diz respeito à forma de se posicionar frente ao desejo e a demanda. A
clínica psicanalítica tem demonstrado que a demanda do desejo de cada um se
manifesta conforme a estrutura psíquica em questão.
34

Assim, no que diz respeito às possíveis formações de estrutura clínica,


podemos ter a estrutura psicótica, na qual não há reconhecimento da castração, e
como defesa, para não se deparar com o desejo, o qual o ego não pode suportar,
ocorre a formação de alucinações e delírios. Temos também a estrutura perversa,
na qual ocorre a inscrição da castração, porém, o sujeito a denega, defendendo-se
com fetiches e outros desvios relacionados à satisfação sexual. E temos ainda a
neurose, na qual o sujeito reconhece a castração, porém recalca a representação,
deslocando a energia pulsional para outras representações, formando sintomas, que
equivalem a satisfações substitutivas.
A relevância em conhecer o processo de constituição/formação das estruturas
clínicas, através da travessia edípica, está no seu desencadeamento, ou seja,
naquilo que diz respeito e baseia a estrutura da clínica: a etiologia, a semiologia, a
diagnóstica e a terapêutica. Ao que justifica Dunker:

...não podemos simplesmente nos apoiarmos em uma estrutura sem


fenômeno ou em uma fenomenologia sem estrutura. ...há um antes e um
depois do sintoma, há um antes e um depois do surto. Um ponto que faz
convergir, portanto a historicidade e a a-historicidade da estrutura. (Dunker,
2006, p. 130)

Compreende-se que devido a abrangência de possibilidades e complexidade


na qual se efetiva a estruturação do sujeito, através do complexo de Édipo, e seus
infindáveis desencadeamentos clínicos, esta pesquisa se constitui uma abordagem
parcial e limitada, com inúmeras possibilidades de ampliação e aprofundamentos no
assunto.
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