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Percursos em Psicanálise

Clínica, Escrita, Transmissão e Estilo

Iagor Brum Leitão


Como ensinar aquilo que a Psicanálise nos ensina? Essa é uma das questões que
Jacques Lacan buscou desenvolver. Nessa empreitada, ele retorna a Freud, e diz
que é apenas pela via do estilo que se pode transmitir algo para aqueles que dese-
jam se ocupar do ofício de psicanalista. Temos aí, portanto, distinções entre En-
sino e Transmissão. O ensino está muito mais ligado à formalidade da teoria e dos
conceitos, enquanto a transmissão nos apresenta a pura falta diante o saber e a ver-
dade. Se na transmissão há alguma experiência, nela haverá a transferência. Como
já dizia Freud, o que se vive sob a forma de uma transferência jamais se esquece.
Além disso, o efeito que daí se produz é o estilo. Mas o estilo exige protagonismo; ele
implica no exercício de uma autoria de um percurso; requer uma singularidade.

Neste livro, o leitor encontrará discussões em torno do ensino, pesquisa, forma-


ção e transmissão da Psicanálise, nos mais diversos espaços que ela se faz presen-
te e que se despõe a ensinar, especialmente no contexto Universitário. Além disso,
aqui se discute pontos teóricos e técnicos fundamentais para a área, como o mé-
todo de pesquisa psicanalítico, o Estudo de Caso, e o lugar da Escrita na formação
do psicanalista. Também é feita uma visita aos conceitos de Inconsciente, Trans-
ferência, Repetição e Pulsão, de forma que se aponte o reposicionamento destes
conceitos para uma leitura no campo da linguagem inaugurada por Jacques Lacan.

Dessa forma, este livro é destinado tanto ao principiante, que se aventura nas
literaturas psicanalíticas, quanto ao profissional experiente, que tem um per-
curso teórico e experiencia a prática clínica de ambos os lados: psicanalista e
psicanalisando.

Iagor Brum Leitão é Psicanalista. Graduado em


Psicologia pela Faculdade Multivix - Nova Vené-
cia, Espírito Santo. É Mestre em Psicologia pela
Universidade Federal do Espírito Santo (PPGP/
UFES), com atuação na linha de Pesquisa “Proces-
sos Psicossociais e Saúde” e com os temas: “Saúde
Mental da Criança e do Adolescente” e “Centro
de Atenção Psicossocial Infanto-Juvenil (CAPSi)”.
Tem experiência em Psicanálise, Clínica e Saú-
de Mental. É Professor do Curso de Psicologia da
Faculdade Mutivix de São Mateus, Espírito Santo.
Iagor Brum Leitão
Percursos em Psicanálise: Clínica, Escrita, Transmissão e Estilo
Iagor Brum Leitão

1ª Edição - Copyright© 2018 Iagor Brum Leitão


Todos os Direitos Reservados.
Revisão ortográfica e gramatical de responsabilidade do autor.

Editor Chefe: Vanderlei Cruz - editorchefe@editoraprismas.com.br


Diagramação, Capa e Projeto Gráfico: Fabricio Correia
Elemento de capa: Daybed do apartamento do príncipe herdeiro Ferdinand em Viena Hofburg, Viena,
1831 - Disponível em: Wikimedia.com

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Elaborado por: Isabel Schiavon Kinasz
Bibliotecária CRB 9-626

Leitão, Iagor Brum


L533 Percursos em psicanálise: clínica, escrita, transmissão e estilo / Iagor Brum Leitão

146p.; 21cm

1. Psicanálise. I. Título.

CDD 616.89 (22.ed)

Coleção Psicanálise Clínica


Diretora Científica
Marcia Müller Garcez - UFF

Consultores científicos
Ana Lydia Santiago – UFMG Maria José Gontijo Salum - PUC-MG
Angelica Bastos - UFRJ Maria Lidia Alencar – UFF
Carlos Alberto Ribeiro Costa – UFF Nohemí Brown - PUC-PR
Cássio Eduardo Soares Miranda – UFPI Paulo Vidal – UFF
Luis Moreira de Barros - UFF Ruth Helena Pinto Cohen - UFRJ
Marcelo Veras – UFBA Vera Lopes Besset – UFRJ

Editora Prismas Ltda.


Fone: (41) 3030-1962
Rua Morretes, 500 - Portão 80610-150 - Curitiba, PR
www.editoraprismas.com.br
para Marcella, que,
dentre todos os percursos,
o junto com o seu é o mais instigante.
O importante e bonito é isso: que as pessoas não estão sempre
iguais, ainda não foram terminadas, mas que elas vão sempre
mudando.

Afinam e desafinam.

Guimarães Rosa, O Grande Sertão: Veredas

[4]
SUMÁRIO

Prefácio, por Flávio Mendes .............................................. 6

Apresentação, pelo autor .................................................... 9

O que é Psicanálise? ..........................................................14


Psicanálise e Ciência Natural ............................................................... 15
Psicanálise, Psicologia e Universidade: Encontros e Desencontros
.................................................................................................................. 22
Psicanálise na formação do Psicólogo e Psicologia na formação do
Psicanalista .............................................................................................. 28
Interseções entre Psicanálise e Psicologia na Pesquisa e em Pós-
Graduações ............................................................................................. 31
A Escrita em Psicanálise .................................................. 39
O estudo de caso como o método de pesquisa psicanalítico ......... 41
Escreve-se para quem? ......................................................................... 43
A construção do relato clínico............................................................. 53
Construção do caso x estudo de caso: dispositivos de elaboração 55
A singularidade do caso e o seu caráter ficcional ............................. 60
Recomendações... .................................................................................. 63
De que se trata ser freudiano pela psicanálise lacaniana?66
Por que fundamentais? O retorno a Freud, de Lacan ..................... 67
Inconsciente ........................................................................................... 71
Repetição................................................................................................. 99
Transferência ........................................................................................ 115
Pulsão .................................................................................................... 126
Para concluir: ........................................................................................ 133
Bibliografia ...................................................................... 135
IAGOR BRUM LEITÃO

PREFÁCIO, POR FLÁVIO MENDES1

O título “Percursos em Psicanálise: Clínica, Escrita,


Transmissão e Ensino” enuncia de forma clara a proposta do
colega e psicanalista capixaba, Iagor Brum Leitão, de dar corpo
a um trabalho em andamento, tomando seu percurso de
formação e de prática como objeto de sua atividade de
elaboração.
Na apresentação da obra, Iagor diz que a escrita foi o
dispositivo que encontrou para organizar sua experiência, que
não é uma experiência qualquer, mas sim a singular caminhada
de um psicólogo, um clínico, um pesquisador e um professor que
se aventura pelo campo da Psicanálise. Não há caminho dado ou
prescrito nas terras freudianas e cada um constrói o seu a partir
das coordenadas simbólicas deixadas pelos anteriores e na
interlocução com os pares.
Parece-me grande o valor da escolha do autor pelos três
capítulos propostos no livro, “O que é Psicanálise?”, “A Escrita
em Psicanálise” e “De que se trata ser freudiano pela psicanálise
lacaniana?”, que podem ser entendidos pelo leitor como as
demarcações das trilhas de seu caminho. É por meio desses
títulos-balizes que Iagor toca em assuntos caros àqueles que
realizam sua formação em Psicanálise.
No primeiro capítulo, ele define o que é a Psicanálise e expõe
sua relação com a Ciência e, mais particularmente, com a
1Flávio Mendes é Psicólogo pela Faculdade Multivix, Vitória, Espírito Santo.
É Mestre em Psicologia pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).
É participante da Escola Lacaniana de Psicanálise de Vitória/ES. Atua em
consultório particular como Psicólogo Psicanalista, estabelecendo suas ações
nos campos da Psicologia, da Psicanálise e da Saúde.

[6]
PERCURSOS EM PSICANÁLISE

Psicologia. Após discutir a posição de Freud em relação à


Ciência, ele desdobra sua exposição para pensar o campo
psicanalítico, alcançando questões que considero fundamentais:
Como a Psicologia e a Psicanálise se relacionam para aqueles que
são formados em uma e se interessam pela outra? Como a
Psicologia e a Psicanálise se articulam no contexto universitário,
seja nos programas de graduação ou de pós-graduação?
Longe de encerrar o assunto – não é sua intenção –, Iagor
propõe o convite para, diante desses possíveis encontros e
desencontros, analisar os efeitos produzidos, o que entendo
como uma aposta na experiência e na reflexão. Estas são,
inclusive, suas posturas a cada novo desafio, a saber, a abertura
ao que emerge como possibilidade de experiência e o trabalho
crítico.
No segundo capítulo, ao discutir sobre a escrita em
Psicanálise, ele parece sugerir que a finalidade última de toda
escrita no campo psicanalítico está relacionada à clínica e às suas
singularidades, independentemente do conteúdo do texto. A
Psicanálise, para o autor – com quem concordo –, nasceu da
práxis, a partir da qual elabora seu modus operandi e sua teorização,
ou seja, ela é sempre elaboração da experiência clínica e a escrita
seguirá o mesmo processo. Acredito que neste apontamento é
possível ler o termo “estilo”, fundamental nas elaborações
lacanianas.
Em seu último capítulo, quando se pergunta sobre o que é ser
freudiano pela psicanálise lacaniana, o autor apresenta os quatro
conceitos fundamentais situados e reelaborados por Lacan em
seu Seminário 11, de 1963-64, e articula as definições de Freud e
de Lacan, mostrando a amplitude de cada conceito e os desafios
em sua compreensão e manejo. É valioso notar que os conceitos
não são tratados como abstrações, mas como conceitos-
fenômenos, pois se manifestam na experiência da clínica.
Tanto a abertura para colher e analisar os efeitos provenientes
da experiência quanto a marcação do valor clínico da escrita e
dos conceitos psicanalíticos denotam o interesse de Iagor pelo

[7]
IAGOR BRUM LEITÃO

contexto prático da Psicanálise. Esse é um traço distinto que se


destaca em sua produção, que entendo fazer uma guinada para a
reflexão sobre a experiência e seus efeitos.
É possível encontrar sua posição entre o psicanalista e o
pesquisador ao se preocupar em articular e tornar algo dessa
experiência com o Inconsciente e com a Psicanálise transmissível
para os demais; ao sugerir a abertura da Psicanálise ao contato
com outros campos, tornando suas construções dialogáveis para
o leitor; ao propor a interlocução visando o refinamento da
discussão e do debate, proveniente da interferência de elementos
na troca com o outro. A obra é, portanto, um estímulo ao
trabalho.
Essa leitura é importante para o leitor interessado e para o
praticante que faz seu percurso em Psicanálise, lidando com as
questões relativas tanto à passagem de analisante quanto de
psicólogo, médico, filósofo etc., a de Psicanalista.

Flávio Martins de Souza Mendes.


Vitória, 16 de janeiro de 2018.

[8]
PERCURSOS EM PSICANÁLISE

APRESENTAÇÃO, PELO AUTOR

A teoria psicanalítica é um saber recheado de conceitos,


símbolos, siglas e formulações, nos quais podem se perder tanto
o principiante, que se aventura em suas literaturas, quanto o
profissional experiente, que tem algum percurso teórico e
experiencia a prática clínica de ambos os lados: psicanalista e
psicanalisando.
Assim como na Psicologia existem “várias psicologias” – as
ditas abordagens teóricas, dentre as quais o saber psicanalítico
vem somar e implicar como +1 – a Psicanálise também é
composta por “várias psicanálises”. Ela começa a ser construída
por Sigmund Freud e a ser consolidada junto à Sociedade das
Quartas-Feiras 2. Posteriormente, é conduzida adiante em
inúmeras direções, por diferentes autores, como Melanie Klein,
Donald Winnicott, Wilfred Bion e, entre outros, Jacques Lacan.
Esses autores criaram novas correntes, ampliando,
transformando e inserindo mais conceitos e formulações, frutos
de suas experiências clínicas e reflexões acerca da estrutura e do
funcionamento do Inconsciente, assim como da técnica
psicanalítica e, portanto, do que se trata esse saber, método e
ciência chamada Psicanálise.
Acompanhando o ensino do psicanalista francês, Jacques
Lacan, encontramos a formulação de que O inconsciente é
estruturado como uma linguagem. Seguindo essa lógica, é possível
pensarmos que a Psicanálise também é estruturada pela
2De 1902 a 1907 Freud fundou um círculo de estudos psicanalíticos em sua
casa que, inicialmente, denominou de “Círculo Psicológico das Quartas-Feiras à
Noite”. Era para ser um grupo pequeno de discípulos ligados a Freud, mas o
número foi aumentando e, em 1906, já se contava 17 membros. Em 1906, o
grupo mudou o nome para “Sociedade Psicológica das Quartas-Feiras”.

[9]
IAGOR BRUM LEITÃO

linguagem; ela é – assim como todas as ciências – uma ficção


simbólica e imaginária para demonstrar o Real 3, fazendo-se
reconhecer um objeto através do uso da escrita, imagens,
conceitos e formulações que, importante ressaltar, entretanto, o
fato destes existirem não constituem por si só uma ciência,
compreendendo a advertência de Lacan (1964/2008, p. 18):
“Uma falsa ciência, assim como uma verdadeira, pode ser posta
em fórmulas”. Há de se acrescentar, ainda, que, diferentemente
da ciência, o objeto da psicanálise é um objeto perdido, faltoso,
causa do desejo – não sendo, portanto, um objeto apreensível
objetivamente (Leitão & Mendes, 2018).
Immanuel Kant (1781/2007), por sua vez, na elaboração da
sua filosofia crítica sobre o conhecimento, nos diz que é
impossível conhecer o que ele chamou de “númeno” (do grego
νοούμενo, a coisa-em-si), mas apenas o que esse “númeno” nos
apresenta, ou seja, seus fenômenos. A linguagem seria, então, a
forma de tentar apreender a coisa em si, proposta que se
diferencia da psicanálise de Lacan, que compreende que não
haveria a coisa em si, mas a articulação dos três registros, Real,
Simbólico e Imaginário. Enquanto para Kant a coisa em si teria
existência própria apesar da linguagem, para Lacan não há
existência própria senão enquanto ex-sistência à existência da
linguagem, ou seja, é como resto à operação da linguagem que a
coisa se articula enquanto Real. Nesse sentido, embora se possa
supor que os conceitos psicanalíticos permitem construir um
tipo de conhecimento e, portanto, apreensão da coisa em si, eles
só adquirem valor se orientados à experiência clínica, quando são
mobilizados em função da práxis singular. Isso significa dizer que
eles não são dados empíricos, de observação, mas condições para
um método do qual decorre uma experiência que, por sua vez,
estabelece seu devido valor no caso a caso. Assim, na psicanálise,
3 O Real não deve ser confundido como a realidade propriamente dita, mas
com aquilo que escapa a ela. São os registros do Imaginário – o mundo das
formas, imagens, objetos da percepção – e do Simbólico que constituem a
realidade para o sujeito, sobre a qual o Real exerce efeito.

[10]
PERCURSOS EM PSICANÁLISE

não se trata de conhecer ou demonstrar o Real com os conceitos,


mas mostrá-lo (Leitão & Mendes, 2018).
O trabalho da psicanálise é justamente isso, fazer falar sobre
a coisa. Cabe ao analista, decantar deste palavrear não apenas
como a coisa se mostra, mas como como ela se esconde, resiste e
se camufla, se repete e se atua.
Esse livro é uma tentativa de articular alguns pontos
psicanalíticos a partir de minha experiência com a Psicanálise, do
percurso que tenho realizado até aqui. Percurso enquanto aluno
de um Curso de Psicologia, onde tive meu primeiro contato com
a Teoria Psicanalítica; posteriormente como estagiário na clínica-
escola do Curso de Psicologia, atendendo por meio da
Psicanálise; depois como Psicólogo formado, também
atendendo na clínica por meio da Psicanálise; também como
analisando, experimentando o outro lado da cadeira, isto é, o
divã; como aluno de mestrado, utilizando pontos da Psicanálise
para fundamentação de pesquisa em saúde mental infanto-
juvenil; e, mais recentemente, como Professor de disciplinas
psicanalíticas em um Curso de Psicologia. Percurso que,
importante lembrar, compreendeu a participação de diversos
agentes: professores, colegas de sala, colegas de trabalho,
orientadores, supervisores, analistas, autores e pareceristas
anônimos. Em alguns momentos, esses agentes ocuparam um
lugar de +1 4.

4 Referência à função do Mais-Um no dispositivo “Cartel”, proposto por

Lacan (1964) para as instituições de formação em Psicanálise. O Cartel é um


trabalho de um pequeno grupo, de uma Escola de Psicanálise, que tem como
objetivo saber algo a mais sobre algum tema. Entretanto, Lacan adverte: O
produto dessa operação é de cada um; cada um apreenderá um ponto.
Geralmente o Cartel é composto por quatro ou cinco membros; um deles é
convidado a ocupar o lugar de +1. Ao +1 é atribuído, de entrada, um valor a-
galmático. Ele também estará movido por um interesse de saber sobre o tema
proposto, mas será o responsável por empuxar a todos à tarefa que os reúne;
isto é, o saber. O conjunto significante “+1” ao ser tomado como uma
metáfora, compreende vários significantes. O analista que ocupa a função de
“+1” tem algo a-mais (+), mas não é muito, por isso o um (1). Na verdade,

[ 11 ]
IAGOR BRUM LEITÃO

No meu caso, o dispositivo que acompanhou e atravessou


todos esses momentos foi a escrita. Obviamente, minha escrita
também foi atravessada pelos agentes descritos acima. Nunca
escrevo e nem escrevi sozinho. Sempre há algo que veio de
alguém, uma história, uma explicação, uma crítica, uma forma de
se escrever que se inscreve na escrita e, portanto, em meu
percurso. Ela tem possibilitado fazer a coisa falar, colocando em
palavras a coisa em si; quer dizer, uma tentativa de colocar em
palavras, de ir ao encontro do Real – que não cessa de não se
escrever.
Dar sentido ao Real é a função do Simbólico, mas também se
sabe que, em contrapartida, o sentido é sempre Imaginário. Vejo,
agora, que a escrita tem sido um de meus “pontos de amarração”.
Por ela tenho organizado meu percurso, e isso se tem se dado no
a posteriori, mas também, paradoxalmente, por ela tenho-o
vetorizado. Percebo que é por este ponto que tenho dado início
da construção de um estilo próprio. Estilo que produz efeitos em
minha prática clínica, isto é, nas formas de escuta e intervenção,
assim como na construção identitária.
O estilo em Psicanálise é fundamental. Lacan já dizia que todo
psicanalista deverá construir seu próprio estilo. Para Lacan, o
estilo é ratificado por uma singularidade, é uma marca do sujeito do
discurso. Trata-se de uma posição estética assumida por um sujeito
que reconhece que a ordem simbólica é marcada pela falta, e, por
isso, posiciona-se de forma a bem-dizer 5 aquilo que não se pode
dizer por completo: o Desejo (FERREIRA, SILVA & CARRIJO, 2014).

ele é só mais-um (+1) do grupo; mas, tem a função de gerar um “+1” em cada
um: um saber pela experiência, na transferência. Ora, não seria essa a função
do analista em uma análise?
5 Segundo Jacques-Alain Miller (genro de Lacan e herdeiro de sua obra), em

uma de suas conferências no Brasil, Lacan nos propôs que no final da análise
seria possível conseguir o bem-dizer. No entanto, não se trataria de dizer o
desejo, pois isso não é possível. “É dizer, levando em conta que o desejo não
pode ser dito diretamente, mas que é dito sempre entre as palavras (...) o bem-

[12]
PERCURSOS EM PSICANÁLISE

Lacan, em seu retorno a Freud, dirá que é apenas pela via do


estilo que se pode transmitir algo para aqueles que desejam ser
psicanalistas. Em “O Avesso da psicanálise”, ele afirma que o estilo
é a única coisa cabível de se transmitir em uma experiência
psicanalítica. É por ele que se suporta a impossibilidade da
compreensão totalitária. Dito de outra forma, a construção do
estilo aponta para uma passagem para o Discurso do Analista. Que
fique claro, no entanto, que formar um estilo é uma tarefa para-
sempre inacabada. Cabe, assim, àquele que deseja ingressar na
arte do bem-dizer a sublimação de um estilo, uma via de se fazer
ouvir na impossibilidade de dizer. Nas palavras de Ferreira, Silva
e Carrijo (2014, p. 75):
“O que se impõe ao psicanalista é fazer da via do estilo a
singularidade de seu ato, implicando que todo ato analítico é
um ato criativo, ou seja, trata-se de cada um encontrar sua via,
sua poesia, a maneira mais singular de saber fazer com a
metonímia; encontrar esse caminho é ser psicanalista”.

dizer é saber fazer-se responsável, de maneira segundo a qual, o outro vai


entender o que é dito”. (MILLER, 1993/1997, p. 450)

[ 13 ]
IAGOR BRUM LEITÃO

O QUE É PSICANÁLISE?

Em um momento muito oportuno, Freud autoriza-se a


definir o que é Psicanálise. Momento este, vale lembrar, em que
a “sua criação” já havia abalado o status quo da moralidade sexual;
atravessado as ciências médicas, sociais e humanas, subvertido o
pragmatismo científico e implicado a cultura e as artes,
espalhando-se pelo mundo ocidental. Daí, em termos
freudianos, a Psicanálise teria se tornado uma Peste 6. Entretanto,
é importante notarmos que Freud define a Psicanálise a partir de
três importantes campos que sempre estiveram interligados:
Pesquisa, Método de Intervenção e Área de Conhecimento. É em Dois
verbetes de enciclopédia, artigo de 1923, que o psicanalista vienense
propõe o que podemos chamar de funções e áreas de
concentração da Psicanálise. Neste texto, Freud afirma:
“1) Um procedimento para a investigação de processos mentais
que são quase inacessíveis por qualquer outro modo, (2) um
método (baseado nessa investigação) para o tratamento de
distúrbios neuróticos e (3) uma coleção de informações psicológicas
obtidas ao longo dessas linhas, e que gradualmente se acumula
uma nova disciplina científica”. (FREUD, 1923/2006, p. 247)
O surgimento da Psicanálise se deu através das experiências
clínicas de Freud. Dessas experiências, o médico se deparou com
elementos não-sabidos – tanto para ele quanto para seus
pacientes, mas que compareciam e eram escutados de alguma
forma – e que exerciam efeitos e sustentavam os sentidos dos
6 A história conta que em uma conferência nos Estados Unidos, em 1909,
Freud teria comentado, chistosamente, com o seu então discípulo, Carl
Gustav Jung (fundador da Psicologia Analítica ou Psicologia Junguiana): “Eles
não sabem que lhes estamos trazendo a peste?”.

[14]
PERCURSOS EM PSICANÁLISE

sintomas de seus pacientes. Daí ele descobre uma “camada”


oculta na mente: o Inconsciente. Diante deste “achado”, o
psicanalista vienense desenvolve um vasto campo de pesquisa
que objetiva explicar o funcionamento dessa “camada” e sua
relação com o que ele vai chamar de Aparelho Psíquico, na aposta
de que, ao estruturar esse aparelho e entender o seu
funcionamento, seria possível entender e tratar o sofrimento
humano; inaugurando, assim, um novo modo de entender o
homem e, portanto, um novo método de investigação,
tratamento e também uma disciplina: a Psicanálise 7 (Leitão,
2018).
A Psicanálise vem a se constituir, então, como uma práxis
essencialmente fundada na fala. Enquanto ato, é um tratamento.
Este é baseado em um método de investigação que é resultado
da experiência clínica, e que produziu uma nova disciplina
científica. Em pouco tempo ela alcançou grande parte do
mundo, conseguindo responder perfeitamente bem a alguns
importantes critérios das ciências modernas. Ela está presente
nas Universidades, seja nos currículos acadêmicos ou nas linhas
de pesquisas em Pós-Graduações, assim como nas revistas
científicas e eventos científicos específicos e interdisciplinares.
Em síntese, a Psicanálise é uma prática que surgiu da prática – e
que se consolida constantemente por ela e nela – e que resultou
em uma disciplina científica. Trata-se de uma roda que nunca
para de girar, que está em constante provação e pulsação.

Psicanálise e Ciência Natural

“Uma falsa ciência, assim como uma verdadeira, pode ser posta em
fórmulas”. (LACAN, 1964/2008, p. 18)

7O termo “psicanálise” apareceu pela primeira vez na obra de Freud em 1896,


no artigo A hereditariedade e a etiologia das neuroses.

[ 15 ]
IAGOR BRUM LEITÃO

Ao descobrir o Inconsciente e inventar a Psicanálise, Freud


criou ao mesmo tempo um novo campo do saber e uma nova
modalidade de laço social, causando grande impacto na
sociedade, na cultura e no meio científico. Ele era um homem da
ciência, em especial da ciência médica. Neurologista por
formação, sofreu a vida toda a contradição de sua formação
científica, já que se tornou o pai de um novo e obscuro saber,
que embora mantém conexões com a ciência moderna, com ela
não se confunde (RIBEIRO, 2011). Não à toa, um dos seus
primeiros e polêmicos artigos, de 1895, foi intitulado de “Projeto
para uma psicologia científica” 8, no qual objetivou claramente
construir uma fisiologia da mente, descrevendo-a em termos
neurofisiológicos. O que Freud conseguiu foi, na verdade,
construir uma metáfora biológica para a lógica do
funcionamento do aparelho psíquico que, inclusive, foi
reformulada inúmeras vezes ao longo de sua obra, de forma que
aos poucos a Psicanálise foi se consolidando e se distanciando
dos moldes da ciência moderna.
Na verdade, a afirmação da independência da Psicanálise da
ciência moderna, se deve ao psiquiatra e psicanalista francês,
Jacques Lacan (1901-1981), tido como o intérprete
contemporâneo da Psicanálise, conhecido pelo seu famoso
“retorno a Freud” (RIBEIRO, 2011). Lacan, ao se apropriar do saber
psicanalítico, portanto, do inconsciente, recorre, entre outros, ao
filósofo René Descartes, no famoso Cogito ergo sum (penso logo
existo), e ao aporte linguístico de Ferdinand Saussure (significado
antecede o significante), subvertendo-os ao acrescentar, em
ambos, um Outro sujeito, incógnito, o sujeito do inconsciente:
8 Muito embora tenha sido restado inédito até a morte de Freud. Logo no

início do Projeto, Freud explica o seu objetivo: “A finalidade deste projeto é


estruturar uma psicologia que seja uma ciência natural, isto é, representar em
processos psíquicos como estados quantitativamente determinados de
partículas materiais especificáveis, dando assim a esses processos um caráter
concreto e inequívoco”. (FREUD, 1895/2006b, p. 355)

[16]
PERCURSOS EM PSICANÁLISE

1) “Penso onde não sou, logo sou onde não penso” (LACAN
1957/1998, p. 518); 2) “O significante é aquilo que representa
um sujeito para outro significante” (LACAN, 1960/1988, p. 833),
e formalizando que o significante é que antecede o significado.
Antonio Quinet (2003), psiquiatra e psicanalista brasileiro,
acompanhando a Psicanálise freudiana e lacaniana, adverte que
sustentar a existência do saber inconsciente através da
convocação da subjetividade como desejo é um “dever ético que
a Psicanálise propõe ao mundo” (p. 20), e que, embora o discurso
científico se estabeleça em métricas, rejeitando o inconsciente,
isto não quer dizer que ele “não cesse de se manifestar”. Não à
toa, a “ciência do inconsciente” se tornou uma das fontes
retomada e reposicionada pela e para psiquiatria e a
psicopatologia, utilizada, inicialmente, para fundamentar os
grandes manuais de diagnósticos da “loucura”, como o Capítulo
V da CID-10 (Classificação Internacional de Doenças -
Transtornos Mentais e Comportamentais) e o DSM (Diagnostic
and Statistical Manual of Mental Disorders), atualmente em sua quinta
versão.
Aqui, é interessante abrirmos um pequeno parêntese sobre a
loucura. A primeira conceituação de “loucura” aparece na
Antiguidade grega com Homero, autor do poema épico “A
Ilíada”. Homero entendia a loucura como um efeito da ação dos
Deuses sobre os homens. Para ele, as pessoas não passavam de
“bonecos” manipulados por eles. Quando os Deuses quisessem
brincar com algum de seus bonecos, produzir-se-ia o efeito ou
aparência de estarem possuídos, loucos, em estado de mania –
em grego, μανία, estado de loucura.
Bom, é verdade que as significações da loucura mudaram ao
longo da história, sendo esta entendida e desentendida de muitas
formas. De lá pra cá, mudaram-se os nomes. Um dia já
foi insensatez, 9 em outro sinônimo de (des)razão. Hoje, a loucura
9 Referência ao poema alegórico “Nau dos Insensatos” (1494), de Sebastian
Brant – humorista e satirista germânico. O poema descreve uma “fictícia”
viagem por mar, de 112 insensatos, cada um representando um tipo de

[ 17 ]
IAGOR BRUM LEITÃO

é nomeada em seus diversos quadros psicopatológicos obtidos por


meio de uma descrição, enquanto fenômeno, passando a ser
observada e descrita com o máximo de detalhes. Essas
observações passam a privilegiar as regularidades e repetições
dos ditos sintomas – do grego sin (junção) e tomo (pedaços) –, ou
seja, no sentido de juntar todos os pedaços e fenômenos
observáveis, orgânicos e/ou psíquicos, classificando-os e
nomeando-os.
Esse novo saber se baseia na observação, estando, portanto,
o diagnóstico muito mais associado às atentas e detalhadas
observações dos sintomas do que às causas, sendo essas “muito
mais ignoradas e obscuras, muitas vezes camufladas por estes
sintomas então observáveis” (CROMBERG, 2002, p. 22). Assim
nasce o modelo atual da classificação da loucura em suas diversas
manifestações psicopatológicas, centrada segundo os critérios
dos Manuais de Diagnóstico. Portanto, pouco se ocupam das
experiências e narrativas de Sofrimento Psíquico 10.
A Reforma Psiquiátrica brasileira, em sua dimensão cultural,
ainda está longe de atingir seu objetivo, que é a transformação
do lugar social da loucura, que ainda ocupa um lugar altamente
estigmatizado. No entanto, engana-se quem acha que a lógica
manicomial ainda só se faz presente para pessoas acometidas por

conduta humana. Michel Foucault, filósofo e teórico social francês, recorre à


Narrenschiff (Nau dos Insensatos, em alemão) em seu livro célebre, “A História
da Loucura”, de 1964, relatando a existência real desses barcos, os quais
levavam sua carga “insana” de uma cidade para a outra, onde os ditos loucos
viviam uma existência errante.
10 Compartilhando dos princípios da Reforma Psiquiátrica, a literatura passou

a utilizar o termo “Sofrimento Psíquico” ao invés de “Doença Mental” ou


“Transtorno Mental”. A mudança de nome adquire grande valor simbólico,
na medida em que todo sofrimento merece atenção e cuidado. Isso implica o
empreendimento de práticas que extrapolem o sentido meramente técnico do
“tratar”, de forma que se inclua nesse espectro “técnico” as ações de cuidar,
acolher, escutar e potencializar a qualidade de vida das pessoas. Dito de outro
modo, o objeto clínico não será exclusivamente a psicopatologia, mas qualquer
sofrimento psíquico e a forma como o sujeito se relaciona com ele.

[18]
PERCURSOS EM PSICANÁLISE

“transtornos mentais graves e severos”, principalmente nos


casos graves de psicoses (o que historicamente aprendemos a
chamar de loucura). Está presente, também, quando uma pessoa
não se permite procurar ajuda profissional de um Psicólogo ou
um Psiquiatra; acha que falar sobre sentimentos, angústias ou
preocupações são besteiras; que depressão e suicídio são
sinônimos de fraqueza, e muitas outras.
É verdade que temos avançado em alguns aspectos, que vão
desde as práticas profissionais de atenção, cuidado e intervenção
– que não coloquem o sujeito que se queixa/sofre como um
objeto clínico, portanto, como um sujeito passivo e sem
protagonismo –, às representações sociais da loucura. Contudo,
o caminho ainda é árduo, e talvez o maior obstáculo seja o
preconceito e a falta de empatia para com o outro e a dificuldade
em acolher a diferença. Prestar cuidados e atenção às questões
de Saúde Mental requer um exercício tremendo de alteridade.
É preciso destacar, no entanto, que a Psicanálise não trabalha
com as categorias diagnósticas instituídas – no sentido forte desse
termo – pelos manuais, os quais listam mais de trezentos (!)
transtornos, doenças, distúrbios, perturbações e/ou desordens
mentais. Ela compreende e trabalha com três grandes categorias,
as quais, de certo modo, agrupam a maioria destes diagnósticos
– salvo os referentes às questões essencialmente orgânicas, como
algumas síndromes, lesões cerebrais e degenerativas, entre
outras. As “categorias” em Psicanálise, são chamadas de
Estruturas Clínicas – Neurose, Psicose e Perversão.
Vejam bem, tratam-se de estruturas, termo que sugere uma
conotação não-patologizante, embora elas também se mostrem
passíveis de experimentarem sofrimento psíquico, angústia e,
portanto, disfunções patológicas – daí a parte “clínica” 11, no
11A etimologia do termo “Clínica” reforça o sentido do ato a que o termo se
refere. Do grego “Kliniké”, refere-se à pratica do médico atender o paciente
no leito – “prática à beira do leito”. É preciso estar ao lado do paciente e mais:
Inclinar-se a ele. Não o contrário! Inclinar-se implica em escutar, em prestar
suporte, e, especialmente, reconhecer que ali há um sujeito, não um objeto.

[ 19 ]
IAGOR BRUM LEITÃO

sentido de serem passíveis de cuidado. Dessa forma, ao falarmos


de Estruturas Clínicas, falamos um modo de ser,
especificadamente de um modo de organização, que tem como
ponto central o Inconsciente.
A Psicanálise, ao se apropriar do cogito Cartesiano, sustenta
que o sujeito de que se trata, o sujeito do pensamento, é também
o sujeito do inconsciente.
“Trata-se aqui do sujeito não da desrazão e sim da razão
inconsciente, cuja lógica é também aprendida através de um
método – método psicanalítico. Essa herança da filosofia
cartesiana conserva o ideal do cientificismo da Psicanálise
cujos efeitos da sua prática devem ser verificados, cujo modo
de operação pode ser explicado e cujos conceitos podem ser
transmitidos, justificando assim o ensino da Psicanálise,
inclusive na Universidade”. (QUINET, 2003, p. 10)
Dito de outra forma, a “ciência do inconsciente” está dentro
e fora da ciência moderna, de forma que, embora aponte para
um objeto ou variáveis imensuráveis e não passíveis de serem
medidas pelos parâmetros das ciências naturais, ela aponta sim
um método de investigação, de estruturação e escuta de um
sujeito-objeto 12 (o inconsciente e seus “fenômenos”), além de
também apresentar parâmetros teóricos e conceituais rígidos,
que são passíveis de serem aprendidos e transmitidos, inclusive
nas Universidades – assim como qualquer ciência natural. Mas, o
que é uma ciência natural?
William James, um dos grandes fundadores da Psicologia
Moderna, que defendia que a Psicologia deveria ser tratada como
12 Para a psicanálise, o objeto de pesquisa não está dado. Diferentemente das
ciências naturais, cujo objeto existiria independente do pesquisador, isto é,
como um dado natural, o objeto da psicanálise é atravessado pelo pesquisador
assim como este é atravessado pelo objeto, na medida em que o pesquisador
se entrega ao objeto. Mais sobre essa questão, ver Figueiredo e Minerbo
(2006), em artigo intitulado “Pesquisa em psicanálise: algumas ideias e um
exemplo”.

[20]
PERCURSOS EM PSICANÁLISE

uma ciência natural – e assim ela chegaria perto de se tornar uma


– responde criticamente a esta pergunta: “[A ciência natural] é
um mero fragmento de verdade extraído de sua massa total em
benefício exclusivamente de efetividade prática” (JAMES, 2009,
p. 318). Efetividade prática que a Psicanálise também objetiva,
mas que, nestes moldes de ciência, por ela padece.
Nessa perspectiva, compreende-se que a Psicanálise se
enuncia como uma ciência inacabada, faltosa, incompleta e para
sempre impossível de findar os fenômenos ao quais se dedica,
embora sempre se reinvente e se atualiza para escutá-los, sempre
orientada à experiência clínica, na transferência.
“Os estados mentais são eventos de tão grande importância
prática que, para nós, o controle do resto da natureza física
chega a parecer insignificante, se comparado à proeza do
controle daquelas condições [mentais] em larga escala. Todas
as ciências naturais visam predição e controle práticos e, em
nenhuma outra, isso é mais o caso do que na psicologia atual.
Vivemos cercados por um enorme número de pessoas
definitivamente interessadas no controle dos estados mentais e
incessantemente ansiosas por um tipo de ciência psicológica
que as ensine a agir. O que todo educador, todo diretor de
presídio, todo médico, todo sacerdote e todo superintendente
de asilo pedem à psicologia são regras práticas”. (JAMES, 2009,
p. 319, grifos meu)
Uma análise se faz com palavras; logo, orientações, opiniões
profissionais e “ensinamentos” comporão parte do processo.
Mas, para que haja mudanças verdadeiras, a palavra deverá
adquirir estrutura de ato, no sentido de implicar o sujeito em sua
demanda. O que se aprende sob a forma de transferência nunca se esquece,
já descobrira Freud.
O fato é que “Predição e controles práticos”; “controle dos
estados mentais”; “ensinar a agir” e “regras práticas” são
demandas que a Psicanálise se nega de antemão a satisfazer, pois

[ 21 ]
IAGOR BRUM LEITÃO

se formula diante à existência de uma Outra cena, do sujeito do


inconsciente, que, afinal, possuí outros tipos de demandas e que
se apresenta em uma linguagem também fundamentalmente
sintomática – o que faz com que não saibamos o que estamos
pedindo naquilo que estamos pedindo 13 –, o que a coloca fora
das ciências naturais e mais ainda: fazendo dela uma profissão
impossível.

Psicanálise, Psicologia e Universidade: Encontros


e Desencontros

Não é de hoje que se discute a possível transmissão da


Psicanálise dentro da Universidade. Embora ainda não exista
unanimidade sobre sua possibilidade, o fato é que, aí, a
Psicanálise ocupa (e se dispõe à ocupar) algum lugar;
frequentemente, contudo, pela via da Psicologia. Dessa forma, o
presente tópico coloca em pauta as relações entre Psicanálise,
Psicologia e Universidade. Ora elas estão próximas, ora estão
distantes; seja no ensino, nas pesquisas e nos modos de atuação.
É pertinente e necessário levantar novas discussões sobre as
implicações, positivas e negativas, que cada uma produz na outra,
mas que por vezes são negligenciadas. Para dar ensejo ao debate,
são dois os pontos que aqui se discute: 1) Os atravessamentos da
Psicanálise na formação do Psicólogo, e vice-versa; e 2) a
participação da Psicanálise nos diversos campos e linhas de
pesquisa e Programas de Pós-Graduação em Psicologia no
Brasil.
Em uma colocação chistosa, Freud (1925/2016d) afirma que
existem três profissões impossíveis: governar, curar e educar. Afinal,
são profissões que lidam diretamente com um atravessamento de
demandas alheias; elas são fundamentalmente sintomáticas na
13 “… te peço que recuses o que eu te ofereço, pois não é isso” (LACAN, 1982,

p. 152).

[22]
PERCURSOS EM PSICANÁLISE

medida em que nunca irão satisfazer por completo a demanda,


sempre deixando algo a desejar. Mais tarde, em Análise terminável
e interminável, Freud (1937/2006e) acrescenta uma quarta: a
Psicanálise. Sua impossibilidade estaria relacionada ao fato de
que a ela também se estabelece alguma demanda de cura,
deixando sempre a desejar.
Por sua vez, Lacan (1969-70/1992) agrega mais uma
impossibilidade à prática da Psicanálise: o fazer desejar. Para o
autor, a psicanálise instituiu uma nova modalidade de discurso, o
do analista. Esse discurso implica na sustentação da posição de
objeto a, causa de desejo, em transferência para o paciente, o que
faz com que o psicanalista deva abdicar de sua expressão de
sujeito dentro do setting analítico. Psicanalisar, portanto, implica
em sustentar uma árdua posição que sempre instigue o outro a
desejar.
Trazendo a discussão das profissões impossíveis à questão do
ensino e transmissão da Psicanálise nas Universidades, como
podemos pensar sua possibilidade na medida em que, aí, a
Psicanálise também ocupa alguma posição de educar? Além
disso, no que tange à Graduação em Psicologia, como se daria a
transmissão da Psicanálise tendo vista que a teoria psicanalítica está
ali para agregar na formação de psicólogos, e não para formar
psicanalistas?
A psicanalista Miriam Debieux Rosa (2001) trabalha essa
questão tendo como ponto central a diferenciação entre ensino e
transmissão da psicanálise. Para a autora, enquanto o ensino da
Psicanálise nos Cursos de Psicologia se sustenta pela via dos
conceitos, em um debate teórico, e que são sustentados pela
argumentação e a persuasão do professor – psicanalista ou não –,
pode ser transmitido um caráter de plenitude assim como a
impressão de uma Psicanálise capaz de explicar e resolver todas
as questões. “A transmissão, por sua vez, opõe o saber e a
verdade; o saber como o que se deve superar rumo à verdade
própria” (ROSA, 2001, p. 193).

[ 23 ]
IAGOR BRUM LEITÃO

Posição similar é defendida Posição similar é defendida no


artigo das psicanalistas Rosane Lustoza e Nadja Pinheiro (2014).
Ao se apoiarem na teoria lacaniana dos Quatros Discursos 14,
defendem que apesar das limitações da universidade, onde
impera um discurso que é o da avaliação, e com um enfoque
maior pela repercussão quantitativa do que a qualitativa, ela
também se apresenta como um dos espaços possíveis para a
presentificação da psicanálise, inclusive, na cultura. Não se trata
do professor atuar como um psicanalista na sala de aula, mas de
impulsionar uma construção de um percurso pela inscrição da
falta, de forma que possibilite uma abertura para um outro
discurso, em que a pergunta do sujeito não seja apressadamente
respondida e, portanto, calada; mas que impulsione um encontro
com o saber; que o “mal-estar sirva como impulsionador de uma
nova posição” (p. 13).
Nesse sentido, apontam o estágio na clínica-escola como um
dispositivo capaz de abrir espaço para esse impulsionamento o
qual elas se referem. O estágio na clínica-escola pode se tornar
um dispositivo importante e capaz de abrir espaço para a falta.
Os impasses da clínica colocam em cena as limitações daquilo
que o aluno aprendeu nas aulas, condição que possibilita o
estagiário refletir sobre a necessidade de fazer ele mesmo seu
percurso analítico.
O próprio Freud, inclusive, já antecipava essa questão, na
medida em que argumentava em que o ensino da teoria apenas
14 Da Histérica, que é dominado pelo sujeito da interrogação, tal qual as
pacientes histéricas de Freud, mobilizando o psicanalista a produzir um saber
sobre o sofrimento, sobre a angústia; do Mestre, que foi empregado por Lacan
como o Avesso da psicanálise, uma vez que neste discurso o sujeito não supõe
um saber, pois ele já o sabe e faz disso uma modalidade de gozo, um laço
abusivo da transferência; do Universitário, em que o outro é tomado como
objeto, isto é, há uma propensão em objetificar o outro a partir do saber; e o
do discurso do Analista, em que o analista faz laço social de semblante de
objeto a, causa de desejo, silenciando-se enquanto sujeito no setting analítico,
o saber deste discurso é um “saber fazer com isso”, com a produção
inconsciente.

[24]
PERCURSOS EM PSICANÁLISE

possibilitaria aprender algo sobre a psicanálise, e que seria a


experiência advinda dos atendimentos clínicos e da análise
pessoal que proporcionaria a integralidade do saber e as
condições inerentes do ato analítico. No entanto, uma questão
que merece ênfase é que, nessa época, as considerações
freudianas acercam das relações entre psicanálise e Universidade
tinham como eixo central o ensino.
A consolidação da psicanálise como um método verdadeiro
de tratamento e uma nova modalidade de “disciplina científica-
teórica” fez com que ela fosse também transportada para o
campo das pesquisas. Isto é, a psicanálise também passou a fazer
parte das Pós-Graduações strictu sensu, fundamentando novas
pesquisas como lente metodológica, teórica e até mesmo como
objeto de estudo. Daí novas questões fizerem continuar debates
sobre as possibilidades de ensino e transmissão da Psicanálise
nos contextos universitários.
Coutinho e colaboradores (2011) defendem os cursos de Pós-
Graduação strictu sensu como espaços capazes da transmissão e,
portanto, de um percurso em Psicanálise nas Universidades. Os
autores também destacam que a transmissão da psicanálise
ocorre de formas diferentes nos diversos níveis da Universidade,
e que na graduação só é possível ensinar um saber sobre ela, e
comumente pela via do discurso universitário, que é o da
objetificação do outro pelo saber, da citação; isto é, da não
responsabilização pelo discurso. Já os cursos de Pós-Graduação
strictu sensu requerem do aluno a produção de um conhecimento
(as pesquisas, artigos, dissertações e teses), exigindo deste algum
protagonismo; o que implica numa autoria, a partir da psicanálise,
do percurso e da experiência de cada um, possibilitando traçar
um estilo e uma passagem para o discurso do analista (COUTINHO
e cols., 2013; FIGUEIREDO, 2008).
Desse modo, há de alguma forma dentro da Universidade a
possibilidade tanto da transmissão quanto da construção de um
percurso em Psicanálise. Para isso, Harari (1990, in ROSA, 2001)
defende que a experiência e a argumentação entre teoria e prática

[ 25 ]
IAGOR BRUM LEITÃO

devem sempre se dar pela construção e do trabalho pelos


conceitos. Se eles são uma construção, nunca irão acabar de se
formar, pois uma vez cristalizados, perdem suas potencialidades.
Foi com essa perspectiva, inclusive, que se deu o início de um
dos seminários mais importantes de Lacan (1964/2008), “Os
quatro conceitos fundamentais da psicanálise”. Neste Seminário, Lacan
se dedicou em debater os principais conceitos da Psicanálise (por
ele considerado) com a finalidade de limpar os exageros e os
desvios imaginários, refinando os quatro conceitos freudianos ao
orientá-los para o campo da linguagem. A possibilidade deste
seminário, no entanto, se deu também com a mudança de Lacan
para a Escola Normal Superior, tendo substituído os seminários
“O Nome do Pai” que aconteceria em 1963 na IPA, pelos
seminários dos conceitos fundamentais.
“Levar a Psicanálise para fora dos Institutos de Psicanálise,
para a Universidade, mereceu as reflexões de Jacques Lacan e
Jean Laplanche. Afastado das fileiras da IPA, Lacan passa a
ministrar os seus seminários na Escola Normal Superior, em
1964, a convite de Louis Althusser, e comenta, na quarta capa
da edição francesa do Seminário 11, que a hospitalidade
recebida e o auditório ampliado haviam-no levado a uma
mudança na linha de frente no seu discurso”. (ROSA, 2001, p.
189-90)
É sabido, também, que nos escritos de Freud (1919/2006),
desde 1919, em seu artigo “Sobre o ensino da psicanálise nas
universidades’, eram feitas referências quanto à natureza do ensino
dessa nova vertente nas instituições de formação acadêmica.
Contudo, o que se discutia na época era se a Psicanálise poderia
passar a fazer parte do currículo universitário, de forma a
complementar a formação do médico, assim como se a
Psicanálise deveria ser ensinada ou não na Universidade; se ela
seria um dispositivo interessante capaz também de formar
psicanalistas. Como sabido, Freud conclui neste texto que não.

[26]
PERCURSOS EM PSICANÁLISE

A discussão que se pretende levantar aqui, entretanto, é outra,


uma vez compreendido que, embora haja um grande em/debate
sobre a formação, a prática e o ofício do psicanalista, é fato que
este já conquistou e solidificou seu espaço nestas três esferas
(mesmo que de uma forma independente e que ainda deixe algo
a desejar): (a) na formação, através das Escolas de Psicanálise, às
quais seguem a rigor o tripé proposto por Freud, muitas vezes
associadas à prática de Cartel, defendida por Lacan; (b) na prática,
já que a Psicanálise se garante nas diversas formas de clínica
(privada, pública, individual, em grupo etc.), como um método
verdadeiro de investigação e tratamento de distúrbios da psique; e
(c) no ofício, já que é uma práxis reconhecida.
Trataremos aqui, portanto, das aproximações entre
Universidade, Psicologia e Psicanálise, uma vez que há uma
importante interseção entre as três, e que a Psicologia
comumente se torna uma ponte que liga as outras duas, tanto na
questão da formação do Psicólogo, uma vez que esta se dá na e
pela Universidade, e a Psicanálise comparece nessa relação como
um eixo teórico, através, como já dito, das disciplinas específicas
(como as Teorias Psicanalíticas, o estágio e supervisão em clínica,
entre outras) e também nas disciplinas temáticas (como as
Teorias da Personalidade, Psicopatologia, Saúde Mental etc.),
assim como nos campos de pesquisa, uma vez que a Psicanálise
comumente atravessa essas produções de conhecimento,
enquanto lente teórica, metodológica e de intervenção, e também
como objeto de estudo.
Em outras palavras, assim como a Psicanálise está dentro e
fora da Psicologia, ela também está dentro e fora da
Universidade; quando dentro, é comumente pela via da
Psicologia. Embora isso seja uma realidade para sempre
estabelecida, mesmo que se admita picos e declínios nessas
aproximações, é extremamente importante levantarmos novas
discussões sobre as implicações, positivas e negativas – que por
vezes são negligenciadas –, que cada uma produz na outra.

[ 27 ]
IAGOR BRUM LEITÃO

Psicanálise na formação do Psicólogo e Psicologia


na formação do Psicanalista

A Psicologia, enquanto ciência, surge nos meandros iniciais


do século XIX. Não sem causar polêmicas, citaria, juntamente
com Goodwin (2005), três marcos importantes para sua
consolidação: o lançamento do livro “Elementos de Psicofísica” de
Gustav Theodor Fechner, em 1860; a fundação do primeiro
laboratório de Psicologia proposto por Wilhelm Wundt, em
1879, em Leipzig na Alemanha; e a célebre obra de Sigmund
Freud: Die Traumdeutung – “A interpretação dos sonhos”, escrita em
1898 e publicada, a pedido de Freud, em 1900. A Psicologia
científica nasce, então, junto às influências da psicologia
experimental e da própria Psicanálise. A partir daí ela começa a
se consolidar como um campo teórico e de atuação
caracterizados por sua multiplicidade de vertentes.
Bock, Furtado e Teixeira (1999), em “Psicologias: uma introdução
ao estudo de psicologia” (livro clássico e extremamente presente na
Graduação em Psicologia no Brasil), destacam quatro grandes
teorias que sustentariam o arcabouço da formação do Psicólogo:
o Behaviorismo, a Gestalt, a Psicanálise e a então Psicologia Sócio-
Histórica. Dessa forma, não é só a Psicanálise uma vertente que
estaria dentro e fora da Psicologia. Assim como ela, também
estão a Análise do Comportamento, a Gestalt, a Cognitivo-
Comportamental, a Esquizoanálise e inúmeras outras abordagens
que também atravessam a formação do psicólogo e implicam os
modos de se fazer Psicologia. É de se compreender, portanto, os
inúmeros impasses e dilemas experimentados pelos estudantes
de psicologia, na medida em que são apresentados às diversas
abordagens – que muitas vezes se contrapõem –, assim como
diversas áreas de atuação (Clínica, Escolar, Hospitalar,
Assistência etc.).
Segundo um levantamento encomendado pelo Conselho
Federal de Psicologia (CFP), que objetivou identificar o perfil do

[28]
PERCURSOS EM PSICANÁLISE

psicólogo brasileiro (CRP 6ª região, 2004), Freud foi apontado


como autor mais admirado e utilizado em trabalhos e pesquisas
acadêmicas. Em outra pesquisa, realizada em 2012 (CFP, 2013),
que objetivou traçar o perfil das mulheres psicólogas brasileiras,
visto que elas representam uma parcela de quase 90% do quadro
de profissionais, Freud também foi apontado como o autor mais
lembrado, seguido por Skinner, Jung e Lacan. A Psicologia
Clínica apareceu em primeiro lugar nos investimentos atuais em
formação profissional complementar, seguida pela Psicologia
Organizacional e do Trabalho e pela própria Psicanálise.
Em outra pesquisa nacional do psicólogo no Brasil (GODIM,
BASTOS & PEIXOTO, 2010), a Psicanálise foi apontada como a
abordagem teórica mais utilizada pelos psicólogos brasileiros,
seguida da Cognitivo-Comportamental, Humanista-Existencial,
a Sócio-Histórica e a Psicodramatista. Por sua vez, Souza e Souza
(2010), em um estudo que objetivou conhecer como ocorre o
processo da escolha da área de atuação e orientação teórico-
metodológica por graduandos de Psicologia de uma instituição
de Ensino Superior da região metropolitana do Vale do Aço, por
meio de entrevistas com roteiros semi-estruturado com
estudantes do nono período, identificaram a Psicanálise e a
Comportamental como as abordagens mais visadas.
Diante do exposto, é evidente os atravessamentos da
Psicanálise na formação e atuação do Psicólogo. São inúmeros,
também, os estudos e artigos que discutem esta temática (ver:
FERREIRA NETO & PENNA, 2006; SILVA & GARCIA, 2011).
Entretanto, os dados também sugerem uma expressiva presença
do Psicólogo dentro da Psicanálise, além de uma transformação,
por parte da demanda, da formação do então psicanalista, tendo,
frequentemente, seu ponto de partida a graduação em Psicologia.
Eis, aí, uma questão então negligenciada: assim como a
Psicanálise está dentro e fora da Psicologia, o Psicólogo está
dentro e fora da Psicanálise. É zero o número de estudos e
pesquisas que discutem a atual influência do psicólogo e,
portanto, da Psicologia na formação de psicanalistas, uma vez

[ 29 ]
IAGOR BRUM LEITÃO

que é plausível que ela exista. Não há dados publicados que


permitem estimar e acompanhar o perfil do candidato à
psicanalista, embora seja explicitado que a formação psicanalítica
é oferecida a médicos e psicólogos graduados e registrados em
seus respectivos conselhos – mesmo que também aceitem
demais profissionais graduados em outras áreas do
conhecimento.
Dessa forma, instauram-se outras questões: 1) O psicólogo
(leia-se aqui também o médico, o psiquiatra etc.) que fez uma
formação psicanalítica, ele deixa de ser Psicólogo?; 2) De que
maneira sua formação inicial produz efeitos na sua escuta então
psicanalítica?; 3) Poderia a sua formação em Psicologia (assim
como médica e afins) produzir efeitos na Psicanálise (leia-se aqui
a prática de psicanalisar, a formação, a transmissão e o ensino)?
Essas são questões demasiadamente importantes, mas que
parecem que ainda não despertaram o interesse dos psicanalistas
– e também dos outros profissionais – em discutirem e
publicarem sobre tal temática de forma mais ampla e consistente,
com pesquisas, levantamentos, análises embasadas etc. O que
nos resta, portanto, é disparar breves conjecturas e reflexões
sobre possíveis direções para responder estas perguntas.
É interessante notarmos as notas sobre os autores nas
publicações em revistas especializadas. Muitos deles possuem
diversas outras formações iniciais (psicólogos, psiquiatras, entre
outras), mas, muitas das vezes, apresentam-se exclusivamente
como Psicanalistas, o que supõe que a Psicanálise se sobrepôs à
formação inicial – pelo menos ali. Por outro lado, não é raro,
também, notarmos divulgações de profissionais do tipo
“Psicólogo Psicanalista”, o que é passível de supor que se trate
de um psicólogo que utiliza a Psicanálise como abordagem
teórica para sua prática clínica, que pode ou não ter feito alguma
formação em Psicanálise, mas que optou por divulgar seus
serviços dessa maneira.
Além disso, é possível que essa interseção se deva ao fato de
que comumente nos deparamos com inúmeras dificuldades

[30]
PERCURSOS EM PSICANÁLISE

enfrentadas pela clientela e por outros profissionais em


diferenciar o psicólogo do psicanalista. Não só eles, aliás, pois
são diversos os nomes que referenciam os “clínicos da psique”,
tais como: psicólogo, psicoterapeuta, terapeuta, psicanalista,
analista, psicoterapeuta-psicanalista, terapeuta comportamental,
acompanhante terapêutico, analista do comportamento,
gestalterapeuta, entre outros.
Acredito, entretanto, que o melhor caminho não seja somente
pela via da diferenciação, como têm sido feito – Psicologia é isso,
Psicanálise é aquilo; prós, contras; melhor ou pior. Defendo que
seja mais vantajoso estudarmos os efeitos de suas interseções,
positivos e negativos, para ambas as linhas, visto que elas estão
aí cada vez mais presentes, em que ora uma está dentro e ora
uma está fora da outra, tanto nas dimensões acadêmicas (ensino
e pesquisa) quanto nas dimensões práticas, ou seja, nas
referências que sustentam os modos de atuação, de escuta e de
intervenção.

Interseções entre Psicanálise e Psicologia na


Pesquisa e em Pós-Graduações

A Psicanálise possui instituições sérias de formação,


fundamentadas na rigorosa Ética da Psicanálise, por meio das ditas
Sociedades de Psicanálise em várias partes do mundo, como
exemplos: a International Psychoanalytical Association (IPA) fundada
pelo próprio Freud, tendo como o primeiro presidente Carl
Gustav Jung; a Federação Brasileira de Psicanálise (associada à
primeira), e as Escolas de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano
(EPFCL), assim como inúmeras outras espalhadas pelo Brasil.
Como já antecipado, um curso universitário – assim como
outros dispositivos deste lugar – não assegura a existência de um
analista. A formação do analista se dá especialmente do lado de
fora, na ex-sistência. De fato, tal formação se ancora em um tripé

[ 31 ]
IAGOR BRUM LEITÃO

constituído por: i) análise pessoal; ii) estudo teórico permanente


e iii) supervisão. Essa noção de tripé da formação do analista já
era defendida por Freud, em 1919. Contudo, isso não significa
dizer que a Psicanálise está excluída das Universidades, ao
contrário, ela se faz presente e sustenta seu discurso integrando
as disciplinas curriculares e a prática clínica nas clínicas-escolas.
Aliás, para Freud, a Universidade só teria a ganhar com a inclusão
do ensino da Psicanálise em seus currículos – antes a escola
Médica e hoje, em especial, Psicológica. Além disso, Freud já
antecipava que a oferta da psicanálise no contexto universitário
não deveria se restringir somente aos “distúrbios da psique”,
mas, sim, estender-se a outros campos, como o da arte, da
literatura, filosofia, antropologia, política, entre outros. De fato,
isso aconteceu.
Em pouco tempo ela alcançou grande parte do mundo,
conseguindo responder perfeitamente bem alguns importantes
critérios das ditas ciências modernas. Ela está presente nas
universidades, seja nos currículos acadêmicos ou nas linhas de
pesquisas em Pós-Graduações. Nesta última ela está de forma
explícita nos Programas de Pós-Graduação em Psicanálise, e
implícita em outros Programas de outras áreas do conhecimento,
como Medicina, Enfermagem, Psicologia, Terapia Ocupacional,
Letras, Educação, entre outras. Do mesmo modo nos campos de
atuação (Psicologia Clínica, Psicologia Hospitalar,
Psicopatologia, Saúde Coletiva, Saúde Mental, Psicologia
Jurídica, etc.); nas revistas científicas, e eventos científicos
específicos e interdisciplinares. Atualmente, no contexto
brasileiro, existem quatro Programas de Pós-Graduação stricto
sensu que se dedicam exclusivamente à Psicanálise 15, e mais de
oitenta Programas de Pós-Graduação stricto sensu em Psicologia
15 São eles: Programa de Pós-Graduação em Psicanálise (PPGPSA/UERJ);

Programa de Pós-Graduação em Psicanálise: Clínica e Cultura


(PPGCLIC/UFRGS); Programa de Pós-Graduação em Teorias Psicanalíticas
(PPGTP/UFRJ); Programa de Pós-Graduação em Psicanálise, Saúde e
Sociedade (PPGPSS/UVA).

[32]
PERCURSOS EM PSICANÁLISE

que, como sabido, possuem linhas de pesquisas atravessadas pela


vertente psicanalítica. O mesmo vale para os campos de atuação
(Psicologia Clínica, Psicologia Hospitalar, Psicopatologia, Saúde
Mental, etc.).
É válido lembrar, ainda, que no Brasil existem 10 periódicos
científicos com escopos voltados exclusivamente para a
Psicanálise e que estão atualmente correntes 16 nas plataformas
online, PePSIC (Periódicos Eletrônicos em Psicologia) e SciELO
(Scientific Electronic Library Online). Dentre estes periódicos, as
avaliações da CAPES 17 (Classificação de Periódicos 2015) se
distribuem em: B4 (n=2); B2 (n=5); B1 (n=1); e A2 (n=2). Cabe
ressaltar que essas avaliações são voltadas para a área da
Psicologia, o que sinaliza mais um ponto de intercessão entre as
áreas – embora existam algumas revistas psicanalíticas que
também são avaliadas na área de educação, saúde coletiva,
medicina e interdisciplinar. Portanto, não é exagero afirmarmos
que no âmbito da apreensão e compreensão dos processos e
fenômenos humanos, a Psicanálise comparece como +1.
Aqui, no Brasil, no que diz respeito à Graduação em
Psicologia, existem atualmente 708 Cursos de Bacharelado
16 Foi definido como critério revistas que mencionam em seu escopo a
exclusividade de publicação de artigos voltados à teoria psicanalítica, e que
publicaram algum volume ou número nas bases PePSIC ou SciELO no ano
de 2016. São elas: Ágora: Estudos em Teoria Psicanalítica, Analytica: Revista de
Psicanálise, Estilos da Clínica, Estudos de Psicanálise, Ide (São Paulo), Jornal de
Psicanálise, Natureza humana, Stylus (Rio J.), Tempo Psicanalítico, Trivium - Estudos
Interdisciplinares.
17 Qualis é o conjunto de procedimentos utilizados pela Coordenação de

Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) para estratificação


da qualidade da produção intelectual dos programas de pós-graduação. A
estratificação da qualidade dessa produção é realizada de forma indireta.
Dessa forma, o Qualis afere a qualidade dos artigos e de outros tipos de
produção, a partir da análise da qualidade dos veículos de divulgação, ou seja,
periódicos científicos. A classificação de periódicos é realizada pelas áreas de
avaliação e passa por processo anual de atualização. Esses veículos são
enquadrados em estratos indicativos da qualidade, em A1, A2, B1, B2, B3, B4
e C, sendo A1 o estrato mais elevado e C o menor.

[ 33 ]
IAGOR BRUM LEITÃO

regularizados e em atividade em todo o Brasil (BRASIL, Ministério


da Educação, 2017). Do outro lado, existem 25 Instituições
Federadas no Brasil filiadas à IPA, conforme disponibilizado no
site da Federação Brasileira de Psicanálise (FEBRAPSI, 2017),
além de 13 Instituições de Formações Clínicas do Campo
Lacaniano (EPFCL-Brasil, 2017), sem contar as diversas outras
escolas, que também propõem formação em Psicanálise,
espalhadas pelo Brasil. À guisa de curiosidade, aqui, em nosso
estado, o Espírito Santo, existem como boas referências a Escola
Lacaniana de Psicanálise de Vitória (ELPV); a Escola Brasileira de
Psicanálise - Delegação Espírito Santo (EBP); e a Escola Freudiana de
Psicanálise de Vitória (EFPV). Me parece que estes dados
corroboram a afirmação da psicanalista e professora da
Universidade de São Paulo, Eva Maria Migliavacca (2001, p.
121): “A Universidade independe da Psicanálise para sobreviver
e o inverso também vale”. É fato que a Universidade sobrevive
sem a Psicanálise, mas será que o inverso também é verdadeiro?
Eis, aí, uma questão que me parece demasiadamente importante
pensarmos.
O psicanalista e também pesquisador da Fundação Oswaldo
Cruz, Octavio Souza, observa que cada vez mais a Universidade
tem formado analistas, e que o ponto de partida para tal percurso
se dá, inicialmente, pela via da Psicologia, na graduação. Segundo
o autor,
“cada vez mais alunos, principalmente dos cursos de
graduação de psicologia, fazem sua análise pessoal sem
nenhum vínculo com qualquer instituição psicanalítica,
prosseguem seus estudos cursando o mestrado e o doutorado
e complementam sua formação com supervisões mais ou
menos sistematizadas, grupos de estudos e trocas informais”.
(SOUZA, 2001, p. 07)
Outros autores corroboram esta percepção. O psicanalista
Bernado Tanis (2006) analisa em seu estudo alguns aspectos da
formação do psicanalista e as relações destes com a

[34]
PERCURSOS EM PSICANÁLISE

Universidade. A partir de sua experiência dentro de um


Programa de Pós-Graduação, o autor ressalta pontos
importantes que perpassam a experiência. Segundo ele, passar
por um desses Programas contribuiu não somente para a
ampliação de conhecimentos e reflexões epistemológicas da
Psicanálise, mas se configurou como uma via indireta na sua
formação como analista, “na desidealização de certos modelos e
na percepção dos fundamentos filosóficos que sustentam
implicitamente as teorias e a modalidade de conceber a técnica
psicanalítica” (p. 321).
Essas afirmações sinalizam, portanto, que esta percepção de
uma Psicanálise exterior e independente à Universidade possa
estar cada vez mais equivocada. Vejamos: A psicanalise ex-siste
fora da Universidade. Mas, sua ex-sistência não implica dizer que
esse “fora” seja um “não-dentro”, mas que, de certa maneira, é
um “em-volta”, que circunda – às vezes mais, às vezes menos.
Para o psicanalista Renato Mezan (2006), há implicações
vantajosas para a Psicanálise ocupar a Universidade com suas
“pesquisas psicanalíticas” por uma razão bastante simples:
“Para escrever dissertações e teses em Psicanálise e de
Psicanálise, é necessário pesquisar no sentido forte deste
termo. E a prova de que tais trabalhos são úteis para o
psicanalista não-acadêmico está no fato de que hoje se tornou
comum estudar em livros gestados nas incubadoras da Pós-
Graduação”. (MEZAN, 2006, p. 232)
Daí, talvez, pode-se entender a observação da historiadora e
psicanalista francesa, Elisabeth Roudinesco (2000), de que no
Brasil, seriam nas Universidades, especialmente nos
departamentos de Psicologia, que tem sido preservado a
vanguarda do freudismo, mais do que as instituições
psicanalíticas. Todavia, uma vez que é maior a oferta de Pós-
Graduações em Psicologia, e que nelas há linhas de pesquisa que
comportam e utilizam a psicanálise para se produzir novos
saberes, e que isso produz efeitos em ambas as áreas, há de

[ 35 ]
IAGOR BRUM LEITÃO

convir que é necessário avaliarmos os efeitos dessa interrelação


para ambas as partes.
Do lado da Psicanálise: como o pesquisador não psicanalista
pode colaborar para a linha quando produz um conhecimento
que foi embasado pela lente teórica e/ou metodológica da
psicanálise? Do lado da Psicologia: como referenciar a psicanálise
de uma forma eficiente para sua área de conhecimento?
Colocado de outro modo: como essas interrelações podem se
constituir como uma parceria produtiva e eficiente para ambas as
áreas?
Embora não tenhamos uma resposta sólida e unânime para
essa questão, a relação entre as áreas é cada vez mais nítida nas
publicações acadêmicas. Lustoza, Oliveira e Mello (2010)
objetivaram analisar a produção científica em Psicanálise no
contexto brasileiro, entre os anos de 2002 e 2009. Nesse estudo,
foram identificados 229 artigos em 5 revistas indexadas na
plataforma SciELO que focaram na Psicanálise. Os autores
privilegiaram revistas indexadas na SciELO que fossem
classificadas com Qualis A1 ou A2. Dentre as cinco revistas
científicas que atendiam este critério eles selecionaram as revistas
Psicologia: Reflexão e Crítica, Psicologia: Teoria e Pesquisa, Psicologia em
Estudo, Psico-USF, Estudos em Psicologia (Natal) e a Ágora: Estudos
em Teoria Psicanalítica (Rio J.). Destas, somente a Ágora possui
escopo voltado exclusivamente à teoria psicanalítica. As demais
possuem escopos voltados a estudos no âmbito da Psicologia, e
com enfoque maior para estudos com dados empíricos,
qualitativos, quantitativos ou mistos. Na verdade, essa revisão
identificou estudos “psicanalíticos” diversos, que vão desde a
estudos de casos e articulações da Psicanálise com outros
saberes, a estudos de/com testes psicológicos (LUSTOZA,
OLIVERIA & MELLO, 2010).
Resultado similar é encontrado no estudo de Fonteles,
Coutinho e Hoffman (2018). Estes autores caracterizaram teses
sobre e em psicanálise produzidas no Brasil entre os anos de 1987
e 2012. A partir das análises, os autores se indagam se uma

[36]
PERCURSOS EM PSICANÁLISE

pesquisa com aplicação e análise de entrevistas, por exemplo,


seria, de fato, uma pesquisa psicanalítica. Segundo os autores, as
respostas a essas indagações dependem muito, também, do que
se pode considerar pesquisa em psicanálise.
Para Gomes e Aguiar (2018), o que legitima uma pesquisa
como “psicanalítica” não é a prática clínica em si, mas a escuta
clínica. Esse tipo de escuta, em uma dimensão psicanalítica,
valoriza o significante e o discurso. Partindo do pressuposto
lacaniano de que se pode depreender o inconsciente do discurso,
torna-se possível produzi-lo e, então, pensá-lo em “qualquer
lugar”, uma vez que o inconsciente é (e)feito da interpretação
(GOMES & AGUIAR, 2018, p. 18). Nesse sentido, Gilberto Safra
(2001), quem orientou diversas dissertações e teses em
Psicanálise dentro da Universidade de São Paulo (USP), afirma
que a investigação acadêmica em Psicanálise “é um modo de
produção de conhecimento legítimo, com uma grande
quantidade de trabalhos produzidos nos diferentes níveis de
titulação acadêmica; muitos deles realizados com o apoio das
instituições de fomento à pesquisa” (p. 175).
É notório, portanto, que a interseção entre os campos dentro
do contexto universitário é cada vez mais recorrente, e de alguma
forma funcional, embora adquiria – como alerta o psicanalista
Luiz Carlos Nogueira (2004) – vestes de pesquisa experimental:
“Se tomarmos a teoria psicanalítica e tentarmos aplicá-la fora da
relação analítica, fora do tratamento analítico, não estaremos
fazendo Psicanálise, mas sim pesquisa experimental” (p. 87).
Compartilho com outros autores que defendem que essa
disseminação de um grande número de publicações que
apresentam “um campo psicanalítico atravessado por escolas que
defendem posições divergentes”, tornam difícil para alunos e
profissionais de ambas as áreas a formulação de uma perspectiva
própria (ROSA, 2001, p. 190); e que é preciso pensar a pesquisa
em Psicanálise de modo a evitar algumas ingenuidades dos dois
lados, por exemplo: 1) que o método clínico é para sempre
superior, e que só entende seu valor é quem já fez ou

[ 37 ]
IAGOR BRUM LEITÃO

experimentou os benefícios de uma análise, e 2) é preciso realizar


pesquisas empíricas, de forma a validar a prática psicanalítica a
qualquer custo (MEZAN, 2006).
Nesse sentido, coloca-se em pauta, aqui, a pertinência de
avaliarmos os efeitos dessas interrelações, Psicanálise e
Psicologia (e também outras áreas do conhecimento) nos campo
da pesquisa e do ensino (que se dão dentro da Universidade), e
também na prática, uma vez que são muitas as combinações e
apropriações que uma pode fazer com a outra, e que os
resultados dessas combinações geram novas produções de
conhecimentos (artigos, livros, dissertações e teses), que então
produzem efeitos na teoria, no ensino, na transmissão e no
percurso de cada área, assim como nos modos de atuação; e que,
como visto, muitas vezes o primeiro contato com a Psicanálise
se dá na formação em outra área de conhecimento, de modo
especial nos Cursos de Psicologia.
Nesse sentido, penso que um importante passo para
avaliarmos tais questões seria traçar um primeiro perfil dos
psicanalistas, dos candidatos à psicanalistas, das pesquisas
psicanalíticas e dos pesquisadores psicanalistas, e assim
produziremos dados para avaliarmos quem são os atuais sujeitos
da construção do conhecimento psicanalítico e quais as marcas e
os traços deixados por eles na Psicanálise e por ela recebidos.

[38]
PERCURSOS EM PSICANÁLISE

A ESCRITA EM PSICANÁLISE 18

Onde começa a obra freudiana? Seria nos seus trabalhos


chamados de “pré-psicanalíticos”? Seria em “A interpretação dos
sonhos”? Talvez nos textos como neurologista, “O Projeto”, por
exemplo? Ou, ainda, seria em sua correspondência “amorosa”
com Wilhelm Fliess (médico alemão que após assistir algumas
conferências de Freud formou fortes laços de amizade com ele,
tornando-se apoiador para o desenvolvimento da teoria e clínica
psicanalítica)? A verdade é que esse “início” pode ser sempre
questionável dependendo do ponto de vista utilizado. Sobre isso,
o psicanalista Marcio de Freitas Giovannetti nos diz:
“É impossível ler um trabalho de Freud sem se referir aos
anteriores e aos posteriores. Do mesmo modo, não há porta
de entrada para sua obra, pois cada texto é, ao mesmo tempo,
uma entrada ao novo texto e parte de todo o edifício. Da
mesma forma, não há saída”. (GIOVANNETTI, 1997, p. 97)
Para Giovannetti (2011), Freud é o tipo de narrador que vai
se constituindo enquanto narra. Fica evidente em sua obra que
ele nunca objetivou chegar a um conceito final ou definitivo.
Muito embora, também, fica claro o seu desejo em conceder à
Psicanálise algum estatuo de ciência – a qual ainda se concebe
nos dias atuais, por meio da descrição dos fenômenos,
agrupando-os, classificando-os e correlacionando-os.
Se na essência da Psicanálise está o desejo, que, afinal, atravessa
o discurso, é graças a forma como o próprio Freud discursou
sobre a Psicanálise – ou por meio dela. Isso significa dizer que
18 Este tópico é baseado em estudo publicado pela Revista “Contextos

Clínicos” (ISSN 1983-3482) da Universidade Vale do Sinos (UNISINOS),


intitulado “A Construção do estudo de caso em psicanálise: revisão de
literatura”, de minha autoria (LEITÃO, 2018).

[ 39 ]
IAGOR BRUM LEITÃO

Freud incluiu o Inconsciente no processo de produção de seu


conhecimento como um elemento indispensável ao pensamento.
“O Inconsciente media o acesso do sujeito aos dados da
realidade, permitindo a construção de uma tela, a fantasia, através
da qual o sujeito interpreta essa mesma realidade”, afirmam as
psicanalistas Andrea Máris Guerra e Jaqueline de Oliveira
Moreira (2007, p. 16).
Com essa perspectiva, a Psicanálise recolocou em cena a velha
questão sobre a neutralidade do pesquisador, reconhecendo que
“o sujeito que observa (epistêmico) não é exterior ao objeto
pesquisado (empírico). Ou ainda, o sujeito ‘observado’ é quem
inclui o ‘observador’ em ‘uma de suas séries psíquicas’, pela via
da transferência” (FIGUEIREDO, NOBRE & VIEIRA, 2001, p. 13).
Dito de outro modo: o conhecimento sempre será atravessado
por aquele que o produz, e este é atravessado pelo Inconsciente.
Amparado por essa perspectiva, Freud caminhou muito mais
em direção ao abandono, em um movimento constante de se
refazer – o que inclui os conceitos por ele forjados, a prática e o
método clínico e, portanto, a própria constituição da Psicanálise.
Considerando que a Psicanálise nasce da práxis, posteriormente
desenvolvendo a sua própria, isto é, a construção de um modus
operandi, a questão que objetivo desenvolver é que a produção
desse saber, especialmente por meio da escrita, também seguirá
a via da (re)construção, da repetição e da elaboração. Isto é, que
o processo dessa escrita também será atravessado pelo o
Inconsciente. Quer dizer, se a psicanálise fez surgir o
Inconsciente, o inverso também é verdadeiro, ou seja, o
Inconsciente fez nascer a Psicanálise.
Dessa forma, em um movimento constante de se refazer, a
escrita psicanalítica coloca em evidência o movimento constante
de reconstrução, visando à busca não da palavra exata, mas, sim,
do nome próprio. Em outras palavras, escreve-se para ir ao
encontro do Real, muito embora impossível de se escrever.
“A escrita psicanalítica, para merecer esse nome, deverá
atestar em sua própria tessitura que seu produtor está cônscio

[40]
PERCURSOS EM PSICANÁLISE

de que ninguém, em tempo ou lugar algum, terá a última


palavra 19 sobre a Psicanálise”. (GIOVANNETTI, 2011, p. 247)

O estudo de caso como o método de pesquisa


psicanalítico
É sabido que o estudo de caso é tido como fundamental para
a constituição clínica e teórica da Psicanálise. Entretanto,
destaca-se que a produção científica da área não indica
parâmetros para a construção e redação de um estudo de caso, o
que comumente produz críticas ao método de pesquisa
psicanalítico, colocando-o em uma posição inadequada ou
indiferente aos critérios considerados científicos. A esse respeito,
Val e Lima (2014, p. 100) afirmam:
“O método de pesquisa propriamente psicanalítico sempre
foi objeto de questionamento por não se adequar ao modelo
da ciência e, na atualidade, trava um debate especial com a
“Medicina Baseada em Evidências”, tão em voga.
Fundamentar um método clínico que valorize a transferência e a
abordagem das singularidades do caso se justifica pelas contribuições
lapidares que ele pode trazer para a condução de casos graves”. (grifos
meu)
Moura e Nikos (2010) argumentam que a maior contribuição
dos psicanalistas inseridos na comunidade acadêmica são as
pesquisas frutos de suas experiências clínicas. Estes autores
observam que os pesquisadores psicanalíticos, geralmente
inseridos na vertente das pesquisas qualitativas, reúnem
fragmentos de algum atendimento e realizam um estudo de caso;
ou seja, um relato sobre o que se passou no setting analítico
durante a situação psicanalítica de tratamento, mediante a
19 A título de curiosidade, não chamou o próprio Freud seu último texto de

Esboço da Psicanálise (escrito em 1938 e publicado em 1940)?

[ 41 ]
IAGOR BRUM LEITÃO

transferência, articulado à teoria e aos conceitos, com o objetivo


de desenvolver as questões que se propuseram a discutir.
A psicóloga e professora da Universidade Federal do Espírito
Santo, Luziane Avellar (2009), ao discutir as particularidades da
pesquisa em psicologia clínica, argumenta o quanto a prática
clínica pode se tornar um espaço privilegiado para um campo de
pesquisa. Ela afirma: “Trata-se de tomar a prática como
problema de pesquisa, com o intuito de melhorá-la em função
dos seus próprios resultados” (p. 16). Além disso, a questão que
aí também se coloca é a de como tornar transmissível a prática.
Nessa linha de reflexão, também vale a pena atentarmos à
observação de Leda Barone (2006, p. 223-24): “É sabido que
uma das exigências para o estabelecimento de qualquer ciência
diz respeito à comunicabilidade tanto dos meios de investigação
quanto dos resultados alcançados”. Isto é, deparamos aqui com
o dever científico do psicanalista, enquanto também
pesquisador, de escrever seus casos, e assim contribuir com a
constituição da Psicanálise, enquanto saber, ciência, método de
pesquisa e tratamento. Daí entendemos a observação das
psicanalistas Sandra Aparecida Serra Zanetti e Maria Cristina
Machado Kupfer (2006) de que é no relato clínico que se
fundamenta a constante construção teórica em Psicanálise, na
medida em que o caso permanece como uma marca característica
do método psicanalítico.
No âmbito da metodologia da pesquisa, o estudo de caso é
tido como um delineamento de pesquisa que valoriza o caráter
unitário de um fenômeno contemporâneo articulado ao seu
contexto. Ele possibilita a obtenção dos dados em maior
profundidade, o que permite formular hipóteses e/ou
desenvolver teorias (GIL, 2009).
Já segundo Robert Stake (1995), referência em investigações
com Estudos de Caso, aponta que o estudo de caso, como
estratégia metodológica em Pesquisa Clínica, é entendido como
o resultado do testemunho de uma experiência clínica. Segundo
o autor, para a condução de um estudo de caso o pesquisador

[42]
PERCURSOS EM PSICANÁLISE

deve considerar o tipo mais adequado para sua investigação. São


três os tipos: i) Intrínseco, onde o foco é a compreensão do caso
em si e dos elementos que interessam à investigação; ii)
Instrumental, em que se utiliza o caso para refletir sobre um
assunto, esclarecer um ponto teórico ou proporcionar
conhecimento sobre algo que não é exclusivamente o caso em si,
ou seja, quando o estudo do caso leva à compreensão de outro(s)
fenômeno(s); e iii) Coletivo, quando o caso instrumental se
estende a vários casos, através da comparação, tornando possível
um conhecimento mais amplo sobre o fenômeno.
Nessa perspectiva, nota-se que as pesquisas psicanalíticas que
envolvem estudos de caso se coadunam epistemologicamente
aos tipos Intrínseco e Instrumental, uma vez que nesta vertente não
é objetivo do estudo de caso desenvolver inferências de cunho
generalistas, e sim escutar e compreender a relação íntima do
sujeito com os seus sintomas, assim como a forma em que este
sujeito reorganiza o seu gozo. Dessa forma, destaca-se que, em
Psicanálise, o estudo de caso possui um lugar fundamental;
afinal, ela se constitui constantemente a partir do estudo dos
impasses impostos pela clínica, como bem o demonstrou Freud,
e que isso é singular.

Escreve-se para quem?


Em meu estudo de revisão sistemática (LEITÃO, 2018), que
teve como objetivo descrever como a literatura psicanalítica
(artigos científicos publicados nas Bases de Dados PePSIC e
SciELO) tem discutido e situado o estudo de caso, seja enquanto
lente metodológica ou objeto de estudo, através do método de
Análise de Conteúdo 20 – desenvolvido pela Psicóloga francesa
20A autora propõe que a análise de conteúdo seja realizada em três etapas: (1)
pré-análise; (2) exploração do material; e (3) tratamento dos resultados e
interpretação. O objetivo deste método é identificar e agrupar categoriais que
se dão em função do mesmo conteúdo semântico e significativo.

[ 43 ]
IAGOR BRUM LEITÃO

Laurence Bardin (1977/2006) –, percebi que a questão que é


comum aos artigos, independentemente do tipo e/ou objetivo, a
utilização do estudo de caso para a Transmissão não só da teoria
psicanalítica, mas também dos traços e Estilo dos autores
enquanto psicanalistas.
Não confundamos, no entanto, Transmissão com Ensino,
conforme já observado. De que se trata na transmissão é uma
experiência, que não é uma qualquer. Trata-se da experiência
clínica entre duas pessoas, psicanalista e analisando, marcadas
pela presença de um terceiro, que é a linguagem. Portanto, pensar
a teoria psicanalítica à luz de casos clínicos tem se mostrado
como uma boa via para o desenvolvimento e transmissão da
Psicanálise. A esse respeito, Tuckett (in LOWENKRON, 1999, p.
54) afirma:
“A comunicação dos fatos clínicos em Psicanálise é bastante
oportuna: tornar a experiência do analista o mais transparente
possível é o único modo de tentar concretizar o que pode ser
concretizado na situação irredutivelmente subjetiva que é o
setting psicanalítico”.
Para a psicanalista Ana Cristina Figueiredo (2004), a
transmissão dessa experiência, pela via do estudo de caso, exige
que os conceitos fundamentais da Psicanálise sejam postos em
questão a cada passo. Pode ser interessante, portanto, clarear
para o leitor o manejo e as intervenções realizadas, por meio, por
exemplo, de recortes dos diálogos entre psicanalista e analisando
articulados à teoria e aos conceitos, para que assim o estudo de
caso também atinja alguma função didática, que é, como
descreve o psicanalista francês, Juan-David Nasio (2001), a de
transmitir a Psicanálise e introduzir o leitor sutilmente no
universo de conceitos.
Entretanto, a questão que percebi através da análise textual
dos artigos é que a forma como os autores expuseram o caso e o
articularam com a teoria se deu no registro do estilo, que pôde ser
observado não só pelo manejo e a evolução clínica, mas pelo
relato da experiência. Portanto, podemos apontar que a
[44]
PERCURSOS EM PSICANÁLISE

transmissão da Psicanálise, por meio do estudo de caso


possibilita, mediante a escrita, a inscrição e a transmissão do
estilo do psicanalista.
Em Psicanálise, a escrita ocupa um lugar fundamental,
conforme já observado. A escrita psicanalítica não é uma escrita
qualquer. Ela pode se apresentar como um interessante
dispositivo para a sempre inacabada formação do Psicanalista,
não só pela questão da articulação e elaboração da teoria, mas na
questão da construção do seu estilo. A escrita em Psicanálise
mostra como quem escreve – o Psicanalista, no caso – apreende
e transmite a Psicanálise; mostra a sua relação com a linguagem,
como o expõe seus traços por meio da sua experiência clínica. A
escolha das palavras, a forma como se escreve se inscreve; marca,
elabora.
Ângela Vorcaro, psicanalista e professora da Universidade
Federal de Minas Gerais, afirma que “por mais que se queira um
exercício de saber, a escrita do caso mostra que o analista está
submetido à clínica, sendo falado pelo seu escrito muito mais do
que saberia dizer” (VORCARO, 2003, p. 111). Além disso, Doris
Rinaldi (2006), psicanalista e professor da Universidade Estadual
do Rio de Janeiro, argumenta que a escrita introduz uma
novidade para a experiência analítica, isso porque traz “ao lado
da dimensão da escuta, uma outra dimensão: a da leitura” (p. 78).
A questão que se coloca é: escreve-se para quem? Quem é o
Outro da leitura?
Na clínica, a regra fundamental da Associação Livre desencadeia
o palavrear. Sugere-se 21 ao analisando que procure falar o que lhe
vier à cabeça; qualquer coisa – o que não significa que seja de
21 Em Sobre o início do tratamento Freud sugere uma forma de explicar ao
paciente sobre a regra fundamental: “Diga, pois, tudo que lhe passa pela mente.
Comporte-se como faria, por exemplo, um passageiro sentado no trem ao
lado da janela que descreve para seu vizinho de passeio como cambia a
paisagem em sua vista. Por último, nunca se esqueça que prometeu
sinceridade absoluta, e nunca omita algo alegando que, por algum motivo,
você ache desagradável comunicá-lo”. (FREUD, 1913/2006, p. 136)

[ 45 ]
IAGOR BRUM LEITÃO

qualquer jeito e muito menos para um qualquer. Fala-se perante


a um outro, que não é um qualquer justamente devido à
Suposição do Saber, à Transferência 22 – fio condutor que
também autoriza uma análise. Portanto, a fala que é endereçada
a um outro, mediante à Transferência, não é uma fala qualquer.
É uma fala significante, que é letrada, semi-dita, repetida,
articulada, escutada, pontuada, acentuada, cortada, ressoada,
manejada, reposicionada, significada e elaborada. O mesmo vale
para a escrita. A escrita é um processo; está em constante
(re)construção, para sempre inacabada, findada. Escreve, apaga;
corrige, lê, relê. Elabora-se produzindo significações.
Desse modo, a escrita que aqui se trata, não é uma escrita
qualquer, uma vez que quando escrevemos buscamos alguma
elaboração – portanto, uma inscrição de um saber. Se há
demanda de saber, há transferência, portanto, há o amor: o amor
ao saber. É justamente o amor ao saber que permite conduzirmos
uma boa Psicanálise. Não confundamos, também, amor ao saber
com demanda de amor. Lacan foi claro em seu ensino. A
demanda de amor afasta o analisando do saber, interrompe suas
associações. Analogamente, seria o que o campo das pesquisas
qualitativas delineadas por meio de entrevistas chama de
desejabilidade social das respostas. Isto é, quando o entrevistado se
afasta da produção de uma resposta real para uma resposta ideal,
que seria, em tese, socialmente mais aceita. Porque queremos
transmitir uma determinada imagem, temos tendência a dar
respostas socialmente aceitáveis ou consideradas “corretas”.
Na clínica, a resposta ideal, digamos assim, é efeito da demanda
de amor, que, afinal, tem como fundamento a própria
22 No ensino de Lacan, a noção de Transferência passa a ser também
entendida como uma suposição de saber. Só se procura uma análise porque
se supõe que ela vai ajudar a resolver algumas questões, isto é, ajudar o
paciente a chegar a algum lugar de avença. Do mesmo modo, só se endereça
uma fala ao psicanalista porque se supõe que ele saberá a verdade sobre o
sintoma, assim como sobre o que se passa com o paciente. Isso significa dizer
que, na clínica, é atribuído ao psicanalista um valor algamático, tornando-o
um Sujeito Suposição do Saber para o analisando (LACAN, 1964/2008).

[46]
PERCURSOS EM PSICANÁLISE

transferência. Mas, sejamos francos: uma análise também mostra


o que há de mais podre em nós; escancara nosso narcisismo,
infantilidades e egoísmos. Dessa forma, assim como não é
simples dizermos o nosso desejo, não é simples, também,
dizermos nosso narcisismo, nossas impotências, principalmente
escutá-las. Como dizê-las para um outro que ali nos vê e nos
escuta? Um outro, volto a dizer, que não é um qualquer. É um
outro que supomos um saber, e que o escutamos a partir de um
lugar transferencial, de um lugar do qual o sujeito é falado.
“O amor é dar aquilo que não se tem”, frase célebre de Lacan. Mas,
como é possível “dar” ao outro algo que falta a si mesmo? A
resposta se encontra nas entrelinhas, num jogo de posições. O
amor transforma imediatamente aquele que era objeto amado em
um sujeito amante e vice-versa. Dito de outra forma, o amante
projeta sobre o outro sua falta e demanda dele sua completude.
Amor demanda amor.
Pensando assim, talvez exista algo de suplência no amor.
“Suplência”, como a etiologia do termo nos mostra, diz de algo
que completa o que falta. É aquele a-mais, e que está ali para
equilibrar o jogo, que comparece, enquanto falta, para preencher
o vazio. Dar a falta significa preencher o vazio. Tudo isso implica
em pensarmos que o discurso do amor se dá, no mínimo, em
uma relação tríade. Falar de amor supõe um sujeito, um objeto
(de amor) e algo mais-além do próprio laço amoroso. Um brilho,
um agalma. Um furo que une. Uma falta que preenche.
À guisa de curiosidade, “Agalma”, do grego, significa
ornamento, tesouro, joia; ou, também: brilho, encanto, fascínio.
Mas afinal, o que nos causa fascínio? O que, no outro, nos causa
um fascínio ou encantamento? Lembro que uma pessoa
fascinante me disse que o Encanto é o resultado da equação:
Surpresa + Algo Positivo (qualitativamente)
Decepção, entretanto, seria o resultado da equação:
Surpresa + Algo Negativo (qualitativamente).

[ 47 ]
IAGOR BRUM LEITÃO

Trazendo esta discussão para um viés psicanalítico, entramos


na implicação do conceito do objeto que Move e que
é Causa de Desejo: o que o psiquiatra e psicanalista francês,
Jacques Lacan, intitulou de objeto a. O objeto a é um objeto
vazio, faltoso, por isso é passível de ser representado por
qualquer objeto. Lembro, ainda, que o termo “Agalma”
representa um ponto de partida de Lacan para a conceituação do
objeto a. E é disso mesmo que se trata! O fascínio, o
encantamento, surgem quando a, causa de desejo, se aloja em
outro objeto – se aloja no outro! (a-galma).
Lembro, também, que Freud designava o termo fascínio, ou
“fascinação”, relacionando-o ao Narcisismo. Dizemos, hoje, que
uma pessoa é narcisista quando só pensa em si mesmo, que é
“fascinada” consigo mesmo, tal qual o mito grego do jovem
Narciso, fascinado pela sua imagem especular. Ora, então o que
no outro nos fascina? O Eu! Mas não qualquer Eu, é claro, é o
Eu-Ideal. É a possibilidade de nos vermos no outro e o que nos
tornamos junto dele que nos fascina – ver no outro o que parece
que nos falta. É ver no outro o que ilusoriamente perdemos e o
que ilusoriamente achamos, o objeto perdido, a coisa, o objeto a!
Bom, enquanto vemos “a” no outro temos o Encantamento. E
se deixamos de ver? Decepção. Cabe lembrar que esse outro (escrito
com “o” minúsculo) para Lacan, ou seja, o pequeno outro,
significa o igual, o semelhante. Dessa forma, tanto o fascínio
quanto a decepção também o estão em nós, vem de nós. Uma
pena que para vermos precisamos encarná-los no outro... Ou não?
Reformulando: Se não vemos mais a coisa, é porque ela deixou de
existir? Posso apostar que ela está sempre por aí, deslocando-se,
pulando metaforicamente de galho em galho e deslizando
metonimicamente entre as palavras, se alojando em objetos, e
antes de tudo, vindo do fascínio que é seu, que é você!
Voltemos à clínica. O fato é que o psicanalista pode ser
colocado pelo analisando em um lugar que pode ser um
qualquer. Por isso Lacan já dizia que o psicanalista paga no setting
analítico com sua presença, com seu corpo. Isto é, o analisando

[48]
PERCURSOS EM PSICANÁLISE

pode capturar do psicanalista (e projetar ao) qualquer traço, e


sobre isso o psicanalista não tem controle. Tem manejo – manejo
da transferência. Como se sabe, é a partir do lugar transferencial
que se poderá lançar as interpretações e dirigir o tratamento.
Está, aí, outro pagamento do analista: a interpretação. Ele paga
com seu corpo e com suas palavras. Lacan, ainda acrescenta
outro pagamento: o seu ser. Para o psicanalista francês, o analista
também paga na análise com o ato de anular-se como sujeito, ao
fazer-se semblante de objeto a para o paciente.
Em um seminário, uma colega contou-nos um caso que
ilustra muito bem a questão do “não-controle” inicial sobre a
transferência. Seu telefone tocou, era uma paciente querendo
saber informações sobre consulta (valores, horários disponíveis
etc.). No meio da conversa pelo telefone, a “pré-paciente” diz:
— “Nossa, gostei de você, quero agendar uma consulta!”. No dia da
consulta, a paciente logo revela: — “Sabe, antes de ligar para você já
havia ligado para muitos outros psicólogos, mas não gostei de nenhum”. A
psicanalista questiona como ela chegou a essa conclusão, visto
que fora apenas um primeiro contato por telefone, e ainda com
poucas palavras. Ela responde: — “É que eu sou Fonoaudióloga, sem
querer, presto atenção na voz das pessoas. A sua, logo que ouvi, me cativou”.
Nesse exemplo, à psicanalista foi atribuído um saber logo de
saída, ao passo que a outros psicólogos/psicanalistas não. É
evidente que o elemento transferencial foi a voz. Todos os
profissionais foram “capturados” por este ponto, embora
somente uma possibilitou significantes (sua voz) que iam de
encontro com os significantes da transferência 23 da “pré-
paciente”: transferência positiva. Pela voz, atribuiu-se um saber.
Pela voz uma psicanalista foi “positivamente” capturada. E, pela
voz, uma paciente iniciou sua análise.

23 Na fórmula da transferência, Lacan define que um significante do


analisando (S) se dirige a um significante qualquer do analista (Sq), para, por
meio deste, endereçar-se ao analista (LACAN, 1964/2008).

[ 49 ]
IAGOR BRUM LEITÃO

Considerando que o psicanalista ocupa uma posição


transferencial, encarnando um outro repetido, o olhar do
psicanalista é o olhar que nos espelha. Se é difícil dizermos nossas
fraquezas é por medo de julgamento, que, em transferência, é
“nosso” julgamento (julgamento do Outro que nos atravessa e
nos vetoriza). Em outros termos: é angustiante dizer pois é
angustiante ouvir e lidar com isso. Contudo, isso que não se quer
pensar insiste em retornar, insiste em vir “à cabeça”, ao
pensamento. “Ao insistir o médico, consulte o sintoma”, diz
Antonio Quinet. Por que, então, não falar?
questão é que toda palavra, ao ser proferida, assume uma
questão, e uma questão exige, necessariamente, uma resposta. Se
tem medo da palavra é porque se tem medo da resposta, das
consequências. Mas, acalme-se, a resposta não é uma afirmativa-
totalitária, ela não deve exigir uma super-ação, uma super-
mudança, uma ruptura. A resposta é um trabalho, um pequeno
trabalho, que é sempre cotidiano. A resposta, na verdade, deve
vir vestida de curiosidade, de quem quer escutar-se naquilo que
fala (e não fala) – “O que isso quer dizer? O que isso quer me
dizer? A que isso serve? A que isso me serve?”Logo, percebemos
que a resposta é, na verdade, uma escuta, que é a escuta do “isso”,
o sintoma, a voz do Inconsciente. Operar com a consequência
da palavra é operar com uma escuta atenta. Operar com uma
escuta atenta é operar o sintoma: trabalho psicanalítico.
É como se o psicanalista exercesse uma função de espelho, de
modo que o que ele “vê” nas entrelinhas do discurso do sujeito,
seja o desejo ou o gozo, o paciente também vê; isto é, escuta.
Aliás, escuta atualizado, com um plus, que é a interpretação, pois,
afinal, é em função disso que se fala para um psicanalista. É aí
que deve operar o que Lacan chamou de Desejo do Analista – que
de maneira nenhuma se trata da pessoa do analista, e sim da
função do analista, como suporte para o desejo. É o Desejo do
Analista que irá “driblar” a demanda de amor do analisando; que
permitirá conduzir a transferência a uma demanda, às palavras e
ao trabalho psicanalítico, que é, afinal, o amor ao saber. “Faz com

[50]
PERCURSOS EM PSICANÁLISE

que os sintomas se dirijam a um interlocutor privilegiado”,


afirma Nasio (1999, p. 48); quer dizer, um Outro que nada quer
do paciente.
No que diz respeito à escrita psicanalítica, ela também busca
produzir um saber que ainda é não-sabido; há uma demanda às
palavras. Considerando a teoria lacaniana dos Quatro Discursos, a
escrita psicanalítica se colocaria pela via do Discurso Histérico 24,
isto é, quando o psicanalista se vê impulsionando a estudar e a
escrever para produzir um saber, que, por exemplo, pode ser
provocado por um caso atendido. Tal qual na clínica, em que o
paciente precisa delegar imaginariamente o saber ao psicanalista,
recebendo-o atualizado via interpretação, para que se chegue a
algum lugar não-sabido, o escritor também faz algum
endereçamento para também chegar a algum lugar.
A escrita se dá diante a uma alteridade, entre
psicanalista/escritor e um Outro; um Outro com o qual quem
escreve pode se “transferenciar”. É o caso, por exemplo, dos
pesquisadores psicanalíticos, isto é, psicanalistas submetidos à
situação de pesquisa psicanalítica, na construção de estudos de
casos clínicos.
“Uma vez inserido em uma situação de transferência, o
pesquisador psicanalítico dá um testemunho de sua
investigação a um outro, a uma alteridade com a qual também
irá se transferenciar”. (IRIBARRY, 2003, p. 122)
Posição similar é defendida por Ferreira e Szuchmache (2006,
p. 03). Esses autores afirmam que
“a questão do ensino ou da transmissão envolve a própria
ideia da construção do caso clínico, onde além de elementos
do quadro psicopatológico e da organização da história
clínica, constitui-se um esforço de transformar em saber uma
24 Histeria, aqui, não se refere à neurose do mesmo nome. Com o Discurso

Histérico, Lacan faz referência ao desejo das histéricas, que, afinal, fizeram
Freud trabalhar e “inventar” a associação livre e o dispositivo analítico.

[ 51 ]
IAGOR BRUM LEITÃO

experiência cujo fim é o outro, o destinatário, que poderá ou


não acolhê-lo e tornar-se testemunha desta aventura”.
Desse modo, se o relato clínico é uma construção que é
endereçada ao Outro, é justamente por isso que ele é forjado.
Mas, vejamos bem: é preciso que o analista também esteja
afastado da demanda de amor; isto é, de um “outro” que
supostamente iria acolhê-lo em sua escrita (em seu saber),
reconhecendo-o como autor produtor de um saber totalitário
sobre o caso e, portanto, sobre a teoria psicanalítica. Caso ceda à
essa demanda inconsciente, de amor narcísico, o psicanalista que
ocupar a posição de pesquisador colocará em seu escrito muito
mais seu do que poderia dizer. Isto é, o caso clínico será
demasiadamente atravessado por seu Inconsciente, por seu
sintoma. A publicação do “caso” seria, mais do que o necessário,
a publicação do psicanalista.
A publicação de um caso geralmente se dá em um formato de
um artigo, em que há a articulação do caso aos conceitos e à
teoria, o que exige a fundamentação concisa das ideias. No
entanto, como todo caso é singular, espera-se que com o seu
estudo algo novo surja daí: uma contribuição que permita um
novo olhar não só para as discussões do caso em questão, mas
também para o desenvolvimento da teoria e da prática clínica, e
isso só se pode conseguir a partir da experiência de quem o narra
e o articula. Dessa produção, tanto a psicanálise quanto o
psicanalista devem sair transformados.
Isso quer dizer que a construção do relato clínico abre a
possibilidade tanto de alguma transmissão quanto de algum
percurso em Psicanálise, e mais: o “outro” a quem o psicanalista
se endereça também é “composto” por ele mesmo. É um outro
idealizado, ao final de um percurso e possuindo o saber.
Entretanto, o sentido Imaginário produzido pelo estudo de caso
será sempre cortado pelo Real-do-caso. Em outros termos,
sempre restará algo a ser atingido, um umbigo, tal qual Freud
dizia-nos sobre o Umbigo dos Sonhos; isto é, um ou mais pontos

[52]
PERCURSOS EM PSICANÁLISE

impossíveis de interpretação e decifração – impossíveis de se


escreverem.
Em outros termos: se na busca pelo conhecimento Immanuel
Kant nos adverte da impossibilidade de apreendermos a coisa-em-
si, o método de pesquisa psicanalítico, apoiado pelo estudo de
caso, também estará submetido à impossibilidade da
compreensão totalitária, sobrando sempre um resto, o caso-em-si.
Não por restar algo a ser falado ou significado, mas por sobrar
um resto que é resto à operação da linguagem. Isso significa
destacar que todo saber produzido pelo caso será, também,
marcado pela falta, será não-todo – incompletude da linguagem.

A construção do relato clínico


O relato clínico é tido como uma parte importante do estudo
de caso, não se constituindo por si só como um. Há que se
destacar o termo “relato”, o qual refere-se a uma narrativa; um
testemunho de uma experiência. Entretanto, tal narrativa não é
uma qualquer, e sim uma narrativa clínica. Sobre esse aspecto, a
psicanalista Ana Cristina Figueiredo (2004) nos diz:
“O relato clínico que se apresenta rico em detalhes, cenas e
conteúdo é a história. O caso é produto do que se extrai das
intervenções do analista na condução do tratamento e do que
é decantado de seu relato. Portanto, a história pode ser
fatigante, se muito detalhada, e o caso será morto se for
reduzido apenas a uma fórmula” (p. 79).
Dessa forma, observa-se que no relato clínico estão os pontos
necessários que são tomados como dados de pesquisa que são
examinados e articulados à teoria (MOURA & NIKOS, 2000).
Apreende-se que o relato do caso clínico não é uma novela. As
informações devem ser reduzidas ao mínimo necessário para o
que se quer demonstrar. Além disso, o excesso de informações
prejudica o sigilo necessário à exposição do caso, uma vez que

[ 53 ]
IAGOR BRUM LEITÃO

com tantas informações não será difícil encontrar as pessoas ali


mencionadas, mesmo com a alteração dos nomes. A esse
respeito Leda Barone (2006) afirma que:
“Para o psicanalista uma questão importante de sua
investigação relaciona-se à manutenção de um espaço de
intimidade, de confiança e de sigilo. Assim, um desafio
constante para o psicanalista na construção de sua “ciência”,
ou na produção de seu conhecimento, diz respeito à
necessidade de, por um lado, comunicar suas descobertas, e,
por outro lado, preservar o espaço de intimidade que a clínica
lhe exige”. (p. 224)
Outro ponto importante é no que diz respeito ao próprio
tratamento analítico. Freud recomenda ao psicanalista escrever
somente após o término do tratamento, para que o interesse
científico não atrapalhe a relação transferencial. As
interpretações de cunho científico sobre o que se passa no
analisando durante a situação psicanalítica de tratamento são
delicadas justamente por serem interessadas, podendo atrapalhar
a escuta do psicanalista e a direção do tratamento, uma vez que
o discurso científico se dá pela via da compreensão da verdade
dos fatos. O importante, durante este momento, é privilegiar a
escuta do analisando, uma escuta que abra espaço para o
significante. Alertando de outro modo: quanto mais se busca
compreender, menos se escuta. Não à toa dá-se o nome de relato
de caso, em que o termo “caso” refere-se a uma ação que já
aconteceu.
Agora, a questão que se observa é que a experiência do relato
e, portanto, do estudo de caso, é de outra ordem, e pode assumir
outra função. Se as construções do relato e do estudo de caso
são feitas a posteriori, isso os tornam dispositivos capazes de
alguma elaboração teórica e técnica sobre o que se passou no
setting analítico. Além disso, sua revisão e publicação permitiria
de alguma forma o que a psicanalista argentina, Haydée Faimberg
(2010), chama de “escuta da escuta”; isto é, a escuta do que o

[54]
PERCURSOS EM PSICANÁLISE

outro escutou sobre o relato e o caso clínico apresentado, em


uma espécie de supervisão – daí a importância da revisão por
pares 25, também.

Construção do caso x estudo de caso: dispositivos


de elaboração

Durante o processo analítico, o psicanalista constrói uma


visão geral do tratamento, elaborando hipóteses que orientarão
as intervenções clínicas. Dessa forma, há que se diferenciar a
Construção do Caso do Estudo de Caso. O primeiro diz respeito à
situação de tratamento psicanalítico, em que a construção
permitiria ao analista “localizar o seu lugar na transferência em
função do qual lançará suas interpretações” (VAL & LIMA, 2014,
p. 109). O segundo, por sua vez, refere-se à situação de pesquisa
psicanalítica, em que o psicanalista irá construir uma
retrospectiva sobre o caso, articulando com alguma questão que
mereça ser desenvolvida cientificamente.
A Psicanálise, seja no campo clínico ou no investigativo, “não
opera com a lógica causal, nem com a dedução ou com a indução
e ainda menos com a dialética”, afirma a psicanalista Andrea
Máris Guerra (2010, p. 141). Para a autora, a Psicanálise se
estabelece como uma ciência do a posteriori, na medida em que
procura menos compreender e mais escutar, e que somente em
25 Nos meios acadêmicos, a Revisão por Pares, é um processo utilizado na
publicação de artigos. Consiste em submeter o trabalho científico a uma
Revista Científica. Essa, por sua vez, escolherá outros autores que sejam
reconhecidos na temática proposta para avaliarem o manuscrito. Na maioria
das vezes se mantêm anônimos. Esses revisores anônimos frequentemente
fazem comentários ou sugerem a edição do trabalho analisado, contribuindo
para a qualidade do mesmo ou até mesmo recomendando a rejeição do
trabalho, isto é, pela não publicação. É importante lembrar que trabalhos
publicados que não passaram pela revisão por pares tendem a ser vistos com
desconfiança pelos acadêmicos e profissionais de várias áreas.

[ 55 ]
IAGOR BRUM LEITÃO

um próximo movimento que pode comparecer a verdade (ainda


que semi-dita) da questão que está em jogo na investigação. Isso
não quer dizer, no entanto, que o psicanalista estará isento de
formular hipóteses e questões que necessitam de investigação,
como já observado. Toda análise tem uma direção. Portanto,
sabe-se para onde levá-la. O que não se sabe são os detalhes deste
caminho relativos à particularidade de cada caso, mas que aos
poucos vão comparecendo, mediante a associação livre e a
transferência.
Essa noção de “construção do caso” é desenvolvida pelo
teórico e psicanalista italiano, Carlos Viganò, a partir de suas
experiências em instituições de saúde mental na Itália. Para o
autor, a prática de apresentar e discutir os casos é um meio de
avaliar a qualidade de uma equipe e de estimular a melhoria do
serviço, mostrando-se, também, como um instrumento capaz de
demonstrar que é possível uma avaliação que inclua a
transferência como eixo da clínica. Compartilhando dos
princípios da Reforma Psiquiátrica Italiana, Viganò defende que
a construção do caso clínico em serviços de saúde mental deve
ser sempre democrática:
“Cada um dos protagonistas do caso (os operadores, os
familiares, as instituições) traz a sua contribuição[...] Na
realidade, trata-se de juntar as narrativas dos protagonistas
dessa rede social e de encontrar o seu ponto cego, encontrar
aquilo que eles não viram, cegos pelo seu saber e pelo medo
da ignorância. Este ponto comum, a falta de saber, é o lugar
do sujeito e da doença que o acometeu”. (VIGANÒ, 2010, p.
02)
Nessa linha de pensamento, a diferença fundamental entre os
dois (Construção do caso e Estudo de caso) é que no primeiro não há
interpretação, uma vez que a finalidade da construção é a de
partilhar determinados elementos de cada caso em um trabalho
conjunto, o que seria impossível pela via da interpretação, em
que esta é pontual e visa um sentido (FIGUEIREDO, 2004). Por

[56]
PERCURSOS EM PSICANÁLISE

outro lado, o estudo de caso é constituído por um conjunto de


interpretações. Na clínica, a interpretação é ela mesmo uma
construção; ela é sempre inacabada, pois nunca alcança (e nem
quer) a verdade como um todo, mas objetiva novas associações
e novas verdades – que um significante remeta a outro
significante e que novos significados sejam produzidos. A
questão é que aqui se coloca é que, embora o estudo de caso vise
produzir um sentido sobre o que se passou no setting analítico,
assim como a construção do caso ele também estará fadado a não
findar todas as questões que se propôs a discutir, e, o mais
importante, sua publicação também permitiria partilhar a
experiência, colocando-a em prova.
Nesse sentido, a questão que se coloca em ambos é que, uma
vez compreendido que não há um saber que explique por
completo o que está em causa no processo de adoecimento,
tanto a construção como o estudo do caso permitem chegar a um
melhor entendimento sobre as questões que necessitam
constantemente de investigação, apreensão e compreensão: um
para guiar o trabalho clínico, e o outro para elaborar e produzir
algum sentido sobre este trabalho, o que possibilita “avançar”
com a teoria.
Nessa perspectiva, é válido notarmos que o material
produzido pelo estudo do caso se constitui como um
instrumento de organização da experiência. Trata-se de um
material valioso, em que, segundo Conti e Sperb (2010, p. 307),
“o autor pode recorrer, quando quiser, para interrogar, avaliar e
até mesmo ressignificar a sua ação” – daí a noção de que a
compreensão total do caso e uma atuação “perfeita” do
psicanalista são impossíveis, portanto, retomamos a importância
de se pensar as singularidades de cada caso.
O fato da Psicanálise produzir um saber no caso a caso, isto
é, um saber singular sobre um caso, sobre a vida psíquica de um
paciente, faz com que a maior contribuição dessa teoria e clinica
seja uma posição ética, de uma não generalização e, portanto,
prescrição. Quinet (1991), em “4 +1 Condições de Análise”, já

[ 57 ]
IAGOR BRUM LEITÃO

afirmava algo similar, argumentando que o psicanalista, de início,


nada sabe do inconsciente do analisando, logo, todo paciente
novo implica a constituição da própria psicanálise: “o saber sobre
outros casos não é vale de nada, não pode ser transposto para
aquele caso. Cada caso é, portanto, um caso novo e como tal,
deve ser abordado (p. 28). Isso não quer dizer, no entanto, que
essa posição, que é sobretudo ética, não enfrente seus impasses.
Por exemplo, é muito comum escutarmos pacientes, logo no
início do tratamento, angustiados com a duração do tratamento:
— “Quantas sessões serão necessárias para resolver o meu problema?”;
“Tem que vir toda semana?”; “Para tratar depressão [leia-se ansiedade,
pânico, fobias, e demais quadros sintomáticos] é quanto tempo?”;
“Quando sentirei os efeitos do tratamento?”. Apaziguar um sujeito
angustiado com o não-saber sobre o tempo de seu tratamento
não é fácil. Pode ser tentador ceder à demanda, confortando o
sujeito pela via de um discurso métrico, quiçá capitalista: —
“Para resolver seu problema será preciso 3 meses”. Essa, vale ressaltar,
não é a melhor via. É preciso contornar essa demanda apressada,
de alívio de um não-saber sobre o tratamento, para a demanda
de um não-saber sobre si, sobre seus sintomas, sobre o que se
passa consigo mesmo.
Em “Sobre o início do tratamento”, artigo de 1913, Freud nos
dava deixas sobre a dificuldade de se precisar um final de análise.
Ele próprio recomendava ao paciente, que questionava sobre a
duração do tratamento, que caminhe. Justamente por não saber
o tamanho de cada passo, torna-se impossível precisar o tempo
da caminhada. Que fique claro, no entanto, que Freud não se
esquivava do final de análise. Com essa afirmação, ele apenas
deixava claro que prever a duração de um tratamento estaria no
registro do impossível, e não que não haveria um fim adequado
para ele.
Lembro-me de um paciente que, na primeira sessão, quando
lhe perguntei o que o trouxe à clínica, logo questionou sobre o
tempo do tratamento, quantas sessões seriam necessárias, e
outras perguntas. Em nenhum momento disse o que lhe fez

[58]
PERCURSOS EM PSICANÁLISE

procurar atendimento. A questão que percebi foi que essas


perguntas apontavam, no seu caso, para uma angústia própria.
Então, devolvi essa minha impressão para ele: — “O que tem
acontecido com você que está te deixando assim, tão ansioso e angustiado?”.
Ao tomar para análise a inquietação do sujeito para com o
tratamento, a pergunta deslocou a inquietação para si. Em outros
termos, transformou-se uma queixa em uma demanda –
demanda de análise. Feito isso, o paciente se acomodou melhor
na cadeira e passou a falar sobre o que lhe trouxe para análise.
Quem faz análise experimenta na pele o que é pensar melhor
sobre suas queixas e demandas – os abismos entre o que se
pensa, o que se quer dizer e o que se diz. Quer dizer, diferente
de outras abordagens, a Psicanálise propõe escutar um pouco
mais sobre as demandas que são colocadas. Se tivesse atendido a
demanda sobre o tempo de análise, que, afinal, não foi isso que
o levou à clínica, possivelmente teria vetorizado ou até mesmo
calado a demanda analítica.
Em “Análise terminável e interminável”, Freud destaca que, em
uma perspectiva prática, o término de uma análise estaria
associado à satisfação de duas condições: i) que o paciente não
mais esteja sofrendo de seus sintomas, tendo-o superado suas
inibições e resistências; ii) que o analista julgue que foi tornado
consciente tanto material reprimido de forma que não credita-se
a possibilidade de repetições dos processos patológicos.
Portanto, se o paciente for impedido por dificuldades externas,
de alcançar seu objetivo, é melhor falarmos de análise incompleta.
Um ponto demasiadamente importante que a Psicanálise
coloca para qualquer tipo de atendimento em saúde mental
(psicológico, psiquiátrico etc.), é que embora tenhamos pacientes
com quadros sintomáticos similares (depressão, ansiedade,
distúrbios alimentares, fobias etc.), a relação que cada sujeito
constitui com o quadro é única. Cada paciente, cada história,
cada fenômeno psíquico, cada sintoma é singular. Dessa forma,
cada tratamento terá um manejo e, principalmente, o seu tempo.
Aqui, funciona mais do que nunca a lógica do caso a caso. Mas

[ 59 ]
IAGOR BRUM LEITÃO

então, o que se propõe com uma (psico)análise, qual a promessa


de “cura”?
Em primeiro lugar: a cura de um sofrimento particular. A
clínica psicanalítica propõe tratar o sujeito com o seu sintoma,
não o sintoma desconexo do sujeito. Propõe eliminar sintomas e
reduzir o sofrimento psíquico operando exclusivamente com a
palavra. Tem como política a criação de condições para que o
sujeito vislumbre a possibilidade de trocar a sua posição passiva
de desejo de reconhecimento para uma posição ativa de
reconhecimento do desejo.
Além disso, a clínica psicanalítica privilegia a escuta de um
ordenamento de sintomas, de uma certa lógica, o que faz com
que a singularidade do caso se constitua sempre como um
enigma. Logo, o singular do caso é destacado quando o
psicanalista questiona por que determinadas “coisas” acontecem
como acontecem — Por que determinado sujeito sofre de um
problema de sono, depois de um problema de constipação, daí
experimenta um quadro de ansiedade, e “entra” em depressão?
Em “O Grande Sertão: Veredas”, o escritor brasileiro,
Guimarães Rosa, nos diz: “O importante e bonito é isso: que as
pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas,
mas que elas vão sempre mudando. Afinam e desafinam”. Desse
modo, talvez poderíamos dizer que o término de análise estaria
no momento em que o sujeito inaugura uma nova relação com
seus sintomas, de forma que nunca mais se desafine por causa
deles ou por eles.

A singularidade do caso e o seu caráter ficcional

A pesquisa psicanalítica, inaugurada por Freud, propõe um


método singular de investigação e que difere
epistemologicamente e metodologicamente do estudo de caso
clínico concebido pelas ciências médicas. Pierre Fédida,

[60]
PERCURSOS EM PSICANÁLISE

psicanalista francês, trabalhou em torno disso e propôs, a partir


da leitura minuciosa de Freud e de seus relatos clínicos, a ideia
de construção de caso clínico. A diferenciação reside, sobretudo,
nos achados freudianos relativos à Metapsicologia 26, ou seja, a ideia
de Inconsciente e de suas formações, especialmente, a
Transferência, argumentando que o relato clínico sempre será
atravessado por aquele que está na posição de analista.
Alves-Mazzoti (2006), em um estudo que objetivou examinar
a utilização do estudo de caso como método de pesquisa
qualitativa no campo da educação, aponta que muitos estudos
intitulados como estudo de caso, na verdade, não se caracterizam
como tal. Segundo o autor, não o são porque apoiam-se no
simples fato de serem desenvolvidos em uma única unidade (uma
escola, por exemplo), ou incluírem um número reduzido de
sujeitos. Além disso, não explicitam o porquê de uma escola ter
sido escolhida e não outra, “deixando a impressão de que poderia
ser qualquer uma; ou seja, a escola escolhida não é um ‘caso’, não
apresenta qualquer interesse em si, é apenas um local disponível
para a coleta de dados” (p. 639).
Nesse sentido, apreende-se que a singularidade do caso e o
interesse que ele desperta são pontos importantes que
caracterizam um estudo de caso legítimo, independente do
campo em que ele for aplicado. Cabe ao pesquisador, portanto,
26O termo “Metapsicologia” refere-se às teorias sobre as funções e estruturas
mentais – teorias que a chamada “psicologia empírica” não dá conta e não se
propõe a estudar, justamente por não serem “acessíveis” ao conhecimento
pela experiência material, e que não pode ser provado pelo método científico
proposto pelo positivismo. É válido lembrar que a Metapsicologia é um campo
de pesquisa inaugurado por Freud, daí o termo ser associado especialmente à
Psicanálise. A grosso modo, para tratar o sintoma, Freud precisava
compreender como ele se originou, como se desenvolvia e com o que ele se
articulava, tanto do ponto de vista dinâmico, quanto tópico e econômico. A
elaboração da teorização que surge dessa compreensão das manifestações do
inconsciente Freud chamou de Metapsicologia. Dessa forma, a Metapsicologia
freudiana embarca diversos conceitos por ele desenvolvidos (1ª Tópica:
Inconsciente, Pré-Consciente e Consciente; 2ª Tópica: Id, Ego e Supergeto;
assim como os conceitos de Pulsão, Transferência, Recalque, etc.).

[ 61 ]
IAGOR BRUM LEITÃO

indagar-se o que há de singular em seu objeto de pesquisa, isto é,


o que torna seus fenômenos singulares. Questão: quando um
psicanalista realiza um estudo de um caso clínico, seu objeto de
estudo seriam os fenômenos inconscientes do analisando ou a
experiência clínica?
A partir das ideias de Fédida (1991), apreende-se que o objeto
de estudo do psicanalista que inserido na situação de pesquisa é
a própria experiência clínica. Logo, quem torna a situação
psicanalítica de tratamento em um “caso” é o psicanalista que
ocupa a posição de pesquisador. A construção realizada por ele
proporciona a inteligibilidade da trama, em que esta é narrada e
construída conforme sua escolha. Desse modo, é possível inferir
que a singularidade do caso clínico e o interesse que ele desperta
são apreendidos e, também, de alguma forma, projetados pelo
próprio psicanalista.
Acompanhando essa perspectiva, Moura e Nikos (2000)
destacam que a singularidade de cada caso parte não somente da
experiência do analisando, mas também pela posição de
pesquisador do psicanalista. “O olhar do pesquisador seleciona,
de alguma forma, o dispositivo que irá canalizar um aspecto que
o caso permite desenvolver” (p. 72). A partir dessa afirmação,
podemos destacar que a permissão parte de três níveis: i) da
permissão do caso em si, isto é, o conjunto de informações e
linguagem fornecidos pelo sujeito, via transferência; ii) da
permissão do analista para ocupar o lugar de pesquisador,
selecionando e localizando pontos desta experiência a serem
tidos como objeto de estudo ou gatilhos para alguma discussão
posterior; e iii) a permissão da teoria, possibilitando uma
amarração desta discussão e, portanto, da experiência.
Frayze-Pereira (2004), psicanalista e professor da
Universidade de São Paulo, argumenta que o singular de um caso
não reside na trama de acontecimentos nem na vinheta que daria
dimensão clínica ao escrito, mas sim “na lógica discursiva, o
encadeamento, a ordem que arranja os elementos de um
tratamento numa estrutura, a condição que faz dele um caso” (p.

[62]
PERCURSOS EM PSICANÁLISE

34). O fato da clínica psicanalítica não privilegiar os sintomas em


específico, e sim o ordenamento destes, faz com que a
singularidade do caso se constitua como Enigma. Para Fédida
(1991), este enigma deve ser entendido como o enigma da vida
psíquica do analisando que só pode ser formulado a partir da
escuta oferecida por aquele que se ocupa do ofício de analista.
Dessa forma, esse psicanalista francês nos convida a pensar que
o caso não está dado e pronto antes do advento da relação
transferencial, e que o enigma que constituiria o singular do caso
é efeito da escuta do psicanalista.
Agora, se no setting analítico o enigma é formulado via
transferência e com a escuta do psicanalista, no estudo de caso
ele é respondido como uma construção narrativa deste
psicanalista munido da teoria e dos conceitos. Daí a famosa
formulação de Fédida (1991) de que o caso é uma metapsicologia em
gérmen. Desse modo, a construção de caso clínico pode ser
entendida como uma narrativa ficcional, por estar submetida aos
processos inconscientes do analisando e do analista. Uma
narrativa cuja escrita também contém elementos de linguagem
do psicanalista e que, como formula Viganò (1999), apresenta-se
como uma tentativa deste de ir ao encontro do Real.

Recomendações...

Diante de todo o exposto, conclui-se que o que se propõe


com o estudo de caso é a possibilidade de pesquisar e transmitir
a singularidade de cada experiência clínica, através dos
desdobramentos de uma análise e seu acompanhamento pelo
analista, e assim contribuir para a constituição teórica e técnica
não só da Psicanálise, mas também das diversas áreas da clínica,
no sentido mais amplo dessa palavra. Mais do que qualquer outra
produção de conhecimento, o estudo de caso, como método de
pesquisa clínica, coloca em cena a noção tão fundamental para a
construção efetiva do fazer clínico, em que, tomando as palavras

[ 63 ]
IAGOR BRUM LEITÃO

de minha orientadora de Mestrado, Luziane Avellar (2009), “a


prática desafia a teoria e a convoca constantemente para a sua
reformulação” (p. 12). Nesse sentido, a partir das leituras e
análises dos artigos que envolveram estudos de caso em
Psicanálise levantados por minha revisão (LEITÃO, 2018),
tornou-se possível estabelecer alguns pontos que podem ser
levados em conta para a construção e escrita de um estudo de
caso. São eles:
1) O autor deve situar a função do caso clínico a ser
apresentado, que pode ser: para um recurso de sustentação da
discussão a que se propõe, como uma espécie de prova da
possibilidade de tal articulação, ou para clarear para o leitor o
desenvolvimento e as articulações teóricas e conceituais
defendidas, de preferência em estilo didático;
2) O relato clínico deve ser claro e objetivo, fornecendo dados
relativos à queixa e à forma como é enunciada pelo analisando,
e, quando necessário, os seus antecedentes clínicos;
3) Entretanto, deve-se ter cautela ao relatar os antecedentes
clínicos do paciente, no que diz respeito aos profissionais que já
prestaram algum cuidado. Afirmações do tipo “veio à clínica
depois de ter passado pelo neurologista, psiquiatra,
fonoaudiólogo, sem ter resolvido o seu problema” podem soar
uma prepotência do profissional/autor e, portanto, da
Psicanálise;
4) Para isso, em alguns casos, pode ser interessante
apontarmos as limitações e/ou variáveis importantes para a
evolução clínica, como a duração do tratamento, interrupções, as
frequências semanais, participação de outros profissionais, entre
outras;
4) Sabe-se que o campo psicanalítico é atravessado por
escolas que defendem, muitas vezes, posições divergentes. Deve-
se ter cautela com a utilização de diversos autores, sobretudo os
clássicos. Não se sustenta um trabalho utilizando Lacan,

[64]
PERCURSOS EM PSICANÁLISE

posteriormente Winnicott, depois Bion e Melanie Klein, por


exemplo;
5) Tomar como referência, preferencialmente, comentadores
da Psicanálise não é de bom tom para um artigo de estudo de
caso. Deve-se ter cautela com a utilização majoritária de
comentadores para as definições conceituais que estruturam a
teoria, uma vez que tais teses são dos autores clássicos;
6) No que diz respeito ao sigilo, por mais que se utilize nomes
fictícios, a publicação de um caso clínico é sempre delicada,
como já advertia Freud no caso Dora. Neste sentido, mostra-se
mais adequado a publicação de casos que já foram finalizados.
Numa situação prévia de pesquisa, no entanto, mantém-se as
recomendações da Resolução 510/2016 do Conselho Nacional
de Saúde;
7) Por fim, cabe lembrar que não são todos os estudos de
casos que são pertinentes para publicação científica. Relatar
experiências clínicas por si só não basta. É preciso que se
estabeleça uma ou mais questões que mereçam ser
desenvolvidas, e, sempre que possível, definir as contribuições
do estudo caso para o campo epistemológico, conceitual e/ou
prático não apenas para a Psicanálise, mas para outros campos,
também.

[ 65 ]
IAGOR BRUM LEITÃO

DE QUE SE TRATA SER FREUDIANO


PELA PSICANÁLISE LACANIANA? 27

O objetivo deste tópico é retomarmos os “Os quatros conceitos


fundamentais da Psicanálise” – título do décimo primeiro Seminário
de Jacques Lacan, proferido em 1963-1964. Não se trata, no
entanto, de reeditar o que foi dito e muito menos de dizer a
mesma coisa. Do que se trata é, a partir da crítica lacaniana sobre
os quatro conceitos fundamentais da psicanálise, Inconsciente,
Repetição, Transferência e Pulsão, extrair uma discussão que aponte
para o reposicionamento destes conceitos para uma leitura no
campo da linguagem, marca do ensino de Lacan. Aliás, daí já se
pode interpretar algo: É muito comum vermos na literatura
psicanalítica referências do tipo “Obra de Freud” e “Ensino de
Lacan”. Será por acaso essa distinção? O que daí podemos extrair
é que, como sabido, Freud foi quem inaugurou a Psicanálise.
Lacan, ao operar o famoso “Retorno a Freud”, tema que também
é questão neste tópico, propõe ler Freud de uma maneira
“correta”, de modo que, para o psicanalista francês, a Psicanálise
estaria sofrendo desvios e concessões com relação ao que fora legado
pela experiência inaugural de Freud. É sabido que Lacan
designou, em seus primeiros Seminários intensas críticas ao que
nomeou como Psicanálise Pós-Freudiana, especialmente à então
corrente que também ganhava muitos adeptos, a Psicologia do Ego
– corrente que surgiu em torno de 1920, nos Estados Unidos, e
que desenvolveu uma concepção particular da psicanálise. Essa
27 Esse tópico é baseado em artigo publicado em coautoria com o Psicólogo
Psicanalista Flávio Martins de Souza Mendes pela Revista Estilos da Clínica
(ISSN 1981-1624). Leitão, I. B., & Mendes, F. M. S. (2018). De que se trata
ser freudiano pela psicanálise lacaniana? Os quatro conceitos fundamentais da
psicanálise em Freud e Lacan. Estilos da Clinica, 23(2), 381-405. doi:
10.11606/issn.1981-1624.v23i2p381-405.

[66]
PERCURSOS EM PSICANÁLISE

empreitada, nomeada de "retorno a Freud", mostrar-se-ia como


uma proposta de restituir/restaurar a verdade que a obra
freudiana transmite. Dessa forma, ao distinguirmos “Obra de
Freud” e “Ensino de Lacan”, de certo modo estamos inferindo
e concordando, também, que uma das marcas fundamentais de
Lacan seria ler e transmitir a obra de Freud, de extrair a verdade
com a qual compactuamos. Lacan, antes de tudo, um freudiano...
Será?
Enfim, essas discussões, penso eu, tornam-se especialmente
interessantes quando pensamos nas implicações da Psicanálise
Lacaniana sobre a Freudiana, e vice-versa. Daí surge a questão
que norteia todo este tópico: De que se trata ser freudiano pela
psicanálise lacaniana? Para responder a questão, privilegia-se um
Lacan menos hermético em seu retorno a Freud, comparando e
discutindo o estado da arte dos fundamentos em ambos os
autores.

Por que fundamentais? O retorno a Freud, de


Lacan

Primeiramente, é importante destacar que estes quatros


conceitos, principalmente, não se limitam somente em ideias ou
noções demarcadas por palavras, não são apenas conceitos. A
transferência e a repetição, por exemplo, são em última instância
fenômenos inconscientes. O inconsciente, como veremos, é
sobretudo uma instância, um lugar. A pulsão, por sua vez, que
talvez seja o conceito mais difícil da Psicanálise, trata-se
essencialmente de uma força motriz, uma engrenagem que
implica todos os outros, colocando-os em movimento. O que
veremos é que a grande jogada de Lacan, ao retornar a Freud –
quem primeiramente nomeou estes fenômenos, instâncias e
“forças” em palavras e em conceitos para descrever e explicar
processos psíquicos que acontecem nos impasses da clínica,

[ 67 ]
IAGOR BRUM LEITÃO

entre psicanalisando e psicanalista – será articular todos eles ao


campo da linguagem e demarcando-os como fundamentais dessa
teoria que os forjaram.
Perante às formulações do saber inaugurado pela Psicanálise,
e suas possíveis direções, Lacan (1964/2008), logo no início de
um de seus Seminários, “Os quatro conceitos fundamentais da
psicanálise”, traz importantes questionamentos: “A que dizem
respeito as fórmulas da Psicanálise? Existem conceitos analíticos
uma vez por todas formulados? [...] Serão conceitos em
formação? Serão conceitos em evolução, em movimento, a
serem revistos?” (p. 18).
Jacques Lacan (1901-1981), psiquiatra e psicanalista francês, é
conhecido por operar o famoso Retorno a Freud. É muito comum
ouvir grandes psicanalistas dizendo: – “Se você é lacaniano, antes de
tudo você é freudiano”. De fato, o próprio Lacan se intitulou como
freudiano. Mas, do que se trata ser freudiano pela Psicanálise
lacaniana? A psicanalista Maria Lúcia Coimbra (2007) nos lembra
que não se trata de nos tornarmos uma encarnação de Lacan, do
mesmo modo que este não é a encarnação de Freud. No entanto,
a mesma autora adverte que a construção que é feita por Lacan,
através dos caminhos deixados por Freud, muda o rumo da
teoria e da prática psicanalítica sem abandonar o campo
freudiano (COIMBRA 2007), diferentemente – não sem causar
polêmicas – de outros autores neopsicanalistas. Nas palavras de
Lacan:
“O que eu tento fazer é restituir aos termos freudianos sua
função. Do que se trata nestes termos é de uma perturbação
dos próprios princípios de questionamento. Dito de outra
forma, o que não quer dizer: dizer a mesma coisa – dito de
outra forma, o que aí está penhorado é a exigência mínima de
passagem a este questionamento renovado. A exigência
mínima é esta: Trata-se de fazer psicanalistas”. (LACAN in
COIMBRA, 2007, p. 32 – tradução do francês feita pela própria
autora)

[68]
PERCURSOS EM PSICANÁLISE

A Psicanálise opera evidentemente por uma linha retroativa,


em que o passado, historiado na narrativa do paciente no
presente, pode ser restituído e, mais, reconstruído via suas
elaborações em análise (LACAN, 1953/2009). Afinal, são
somente as experiências atuais que podem dar sentido às do
passado. Se o passado é falado ele não é tão passado assim, pois
é através do seu retorno que ele se faz presente na realidade
psíquica, operando qualitativamente sobre seu estado “atual”.
Ora, é disso que se trata quando Lacan opera o retorno a
Freud! O psicanalista francês parte de um hiato deixado pelo
psicanalista vienense, numa tentativa de reposicioná-lo por meio
de seu acesso a outros campos, sobretudo do ponto de vista da
linguagem, advertindo do poder das palavras. Ele retorna a Freud
em uma posição concomitante de leitor e de autor da Psicanálise,
na tentativa de limpar os exageros e os desvios imaginários,
chegando ao ponto de refinar os quatro conceitos freudianos e
nomeá-los como os quatro conceitos fundamentais da
Psicanálise. Ao longo de seus 30 anos de seminários, Lacan opera
muito mais com um bisturi do que com um enxerto.
Em “Função e campo da fala e da linguagem”, artigo de 1953 –
momento em que Lacan deixa de ser um pós-freudiano e
inaugura uma nova fase teórica ao se inserir no campo da
linguagem –, ele observa que a técnica psicanalítica não pode ser
corretamente aplicada quando se desconhecem os conceitos que
a fundamentam. Ele se refere sobretudo aos conceitos
freudianos. Entretanto, ele vai além ao propor uma leitura destes
conceitos no campo da linguagem. Ele afirma: “Nossa tarefa será
demonstrar que esses conceitos só adquirem pleno sentido ao se
orientarem num campo de linguagem, ao se ordenarem na
função da fala” (LACAN, 1953/1998, p. 247).
Para Tiago Nunes (2015), a proposta enunciada por Lacan era
clara: “Renovar na Psicanálise seu fundamento linguístico” (p.
423). De fato, como nos mostra o psicanalista e professor da
Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Marco Antonio
Coutinho Jorge (2005), Lacan privilegiava, ao longo dos

[ 69 ]
IAGOR BRUM LEITÃO

Seminários e dos Escritos, textos freudianos como “A interpretação


dos sonhos”, de 1900, “Sobre a psicopatologia da vida cotidiana”, de
1901, e “Os chistes e sua relação com inconsciente”, de 1905, pois
permitem estudar como Freud apresenta o inconsciente em sua
relação com a linguagem sob um ponto privilegiado de
enunciação do inconsciente na obra freudiana.
Embora Lacan também tenha introduzido na – ou retirado da
– Psicanálise conceitos como Real, Simbólico e Imaginário,
objeto a, gozo, entre outros, assim como matemas e topologias
– diga-se de passagem, são demasiadamente difíceis de serem
compreendidos –, ele considera como os quatro conceitos
fundamentais da teoria psicanalítica os já propostos e
demarcados por Freud: Inconsciente, Repetição, Transferência e
Pulsão. O que ele vem a fazer, por conseguinte, não é repetir ou
sintetizar o que já foi dito, mas avançar com a teoria sem
transgredir a Psicanálise freudiana – novamente, não sem causar
polêmicas –, numa leitura crítica, no sentido de diferenciá-la e
realçá-la; neste realce, acrescenta-se um novo sentido, uma nova
formalização.
Se recorrermos ao aporte linguístico apropriado por Lacan
(1960/1998), que inverte e altera a formalização de Ferdinand
Saussure, acrescentando aí um sujeito inconsciente, encontramos
a máxima sobre a teoria dos significantes: “Um significante é
aquilo que representa um sujeito para outro significante” (p.
833). Lacan, ao operar seu retorno a Freud, põe sua teoria dos
significantes em prática, sendo inserido e representado nesta
cadeia de significantes que compõe o arcabouço da Psicanálise.
Nessa perspectiva, compreendemos como fundamental o seu
retorno a Freud, principalmente no que diz respeito à crítica e
aos estudos dos quatro conceitos fundamentais por ele
considerados, o que acreditamos que é a partir deles que é
possível entender como opera o saber da Psicanálise e sua
prática. Dito de outra forma, é a partir destes quatro conceitos
que é possível compreender muitos dos demais conceitos
psicanalíticos, assim como, formar psicanalistas.

[70]
PERCURSOS EM PSICANÁLISE

Inconsciente

Aqui, é interessante destacarmos três definições de Lacan


sobre o que é o inconsciente: 1) “O inconsciente é o capítulo de
minha história que é marcado por um branco ou ocupado por
uma mentira: é o capítulo censurado” (LACAN, 1953/1998, p.
260); 2) “O inconsciente, a partir de Freud, é uma cadeia de
significantes que em algum lugar se repete e insiste” (LACAN,
1960/1998, p. 813); e 3) “O inconsciente é a soma dos efeitos da
fala, sobre um sujeito, nesse nível que o sujeito se constitui pelos
efeitos do significante” (LACAN, 1964/2008, p. 122). A partir
destas três definições é possível afirmar que o inconsciente é
sobretudo um lugar. O que ambos os autores, Freud e Lacan,
têm em comum é a perspectiva de um inconsciente não como
um lugar físico, mas sim de um lugar de um sistema dinâmico.
Como todo sistema, ele possui formações, estruturas e conteúdo,
embora cada autor tenha um entendimento particular de como
funcionam. Para Freud é, grosseiramente, o lugar onde “estão”
os conteúdos recalcados, um lugar psíquico. Para Lacan, é um
lugar de uma linguagem, um lugar que advém a cadeia de
significantes: o que ele chama de grande Outro.
O grande Outro – ou só Outro, com “O” maiúsculo – é, em
suma, um lugar de alteridade, simbólico, é o lugar do
inconsciente. Para Lacan, o inconsciente seria um lugar formado
pela soma dos efeitos da fala de todos os “outros” que ocuparam
um lugar importante na infância, que marcaram o sujeito com
suas palavras e seus significantes (QUINET, 2012). Quer dizer,
através da noção de Outro como um ponto de origem, Lacan
aponta que a linguagem é determinante na constituição do
sujeito, lembrando que o sujeito já é falado antes mesmo de seu
nascimento, ocupando um lugar simbólico antes mesmo de
nascer. Dito de outro modo, pré-existe algum sujeito, enquanto
elemento de uma linguagem, e advém um sujeito ao ser cortado
pela mesma.

[ 71 ]
IAGOR BRUM LEITÃO

É muito comum vermos futuros pais e mães, ao se depararem


com a notícia de uma gravidez, pensarem (fantasiarem) sobre
como será seu(sua) filho(a). Como veremos ao longo deste
capítulo, essas “marcas” linguísticas, carregadas de expectativas
e afetos, irão produzir referências para um bebê, para um futuro
“ser”. Além disso, em uma leitura lacaniana, essas marcas podem
ser lidas do campo da metáfora (condensação, em Freud) e da
metonímia (deslocamento, em Freud).
Exemplifiquemos: “Meu filho irá torcer para o flamengo; vai ser o
terror das meninas ou dos meninos; vai ser um dengoso; vai passar por tudo
que eu passei; vai ter tudo o que eu tive [inclusive o não-ter, diga-se de
passagem]”. Essas são frases comuns ditas por aqueles que
desejam se tornar pais/mães. Embora esses discursos
referenciam o mesmo desejo, presentificando a metáfora – isto
é, que o “ser” seja a partir de outro “ser”, logo, o desejo de que
um “você” parta de um “eu” –, há uma lógica implícita nestas
sentenças que também remeteria ao campo da metonímia, que é
a incompletude da linguagem, portanto, do desejo.
Se analisarmos bem, existe um conectivo de ligação entre as
sentenças. Há sempre um elemento que sugere a existência de
algo a-mais. Nunca é só “meu filho vai ser isso.”. É sempre um
“isso” seguido de outro “isso” – um significante que remete a
outro significante. Quer dizer, nunca se é o bastante. Mais ainda:
o que vem a ser, é atravessado por quem espera que seja, e esse
“quem”, o sujeito que enuncia, não sabe ao bem o que se espera
(o que quer); isto é, seu desejo de “que seja” é, também,
fundamentalmente sintomático, impossível de se dizer por
completo. Daí a concepção lacaniana do sujeito estar situado no
campo do desejo do Outro.
Quinet (2003, p. 33) diz: “Assim como o ser da coisa nunca é
atingido pelo significante, o desejo está no próprio deslizamento
do significante que busca se realizar de significante em
significante”. Para o autor, é isso que atribui ao desejo o seu
caráter enigmático: “Você acha que é aquilo e já não é” (p. 33).
O “isso”, na verdade, é um ideal que, na fantasia, parece bastante.

[72]
PERCURSOS EM PSICANÁLISE

Mas o Real está aí para isso: Mostrar a falta, o furo, a ex-


sistência 28, o impossível, que não cessa de não se escrever.
Em termos gerais, isso tudo implica pensarmos que o
encontro de um ser com a linguagem, que aí estava antes dele
existir e com a qual o sujeito não teve nenhum papel em sua
constituição, seja entendido como um processo de alienação. Esse
processo de alienação, que é resultante do encontro do indivíduo
com a linguagem, produz dois efeitos opostos, porém,
importantes. Se por um lado apaga o sujeito, tornando-o
essencialmente barrado e divido, por outro lhe fornece uma
referência que produz um sentido. Quer dizer, o sujeito pode
endossar ou não as referências. Pode, inclusive, rebelar-se contra
elas, e, claro, pode formalizar o seu sentido para elas.
Embora devemos reconhecer que o sujeito é assujeitado pela
linguagem que o precede, ele não é reduzido por ela. Nesse
raciocínio, podemos afirmar que a forma pela qual se exprime a
linguagem, define, por si só, a subjetividade. Vejam bem:
“exprime”. Isto é, como o sujeito se relaciona com ela, o que ele
extrai de suas referências e como as transmite. Essa é a “Lei
Natural dos Encontros” 29, como cantam os Novos Baianos.
“Para o bebê, se não há algo que o precede, se não há alguém
que lhe diz o que dele se espera, ele não se tornará sujeito”,
lembram a psicanalista Andrea Ferrari e o psicanalista Cesar
Piccinni (2010, p. 244). Assim, é o inconsciente o outro do
tempo, portanto, o que está fora do tempo, sendo condição de
28 O termo “existência” vem do latim ex (fora) + sistere (estar). Existência
significa, pois, estar fora. Isso implica pensarmos na impossibilidade da
linguagem dar conta ou de traduzir os modos de ser, que também inclui algo
que está fora, fora do padrão, fora da linguagem.
29 Eis um trecho da letra “Mistério do Planeta”, que nos serve muito bem para

pensarmos a constituição do sujeito a partir da sua relação com a linguagem –


relação de alteridade: “Vou mostrando como sou, e vou sendo como posso;
jogando meu corpo no mundo, andando por todos os cantos e, pela lei natural
dos encontros, eu deixo e recebo um tanto [...]”.

[ 73 ]
IAGOR BRUM LEITÃO

possibilidade para que o sujeito se constitua no tempo, a saber,


para que se constitua como sujeito histórico (GUELLER, 2005).
Mas a história se escreve de várias formas, e deve ser assim
mesmo. Veja bem, não é dos fatos que estou falando aqui, mas
sim da história, das narrativas, do sujeito do discurso. Se
pararmos para pensar, porém, veremos que algumas narrativas
são ou estão cristalizadas, solidificadas. Quer dizer, o passado se
repete, nós o repetimos, gostamos de contá-lo de novo e de
novo. A cena que evocamos daquele aniversário é sempre a
mesma. De um dia inteiro de surpresas, de altos e baixos,
pinçamos sempre o mesmo momento – que muitas vezes não
sabemos como ou por quem foi escolhido. Às vezes somos
capturados pelo relato de nossa reação diante de algum evento,
e, de tanto ouvi-lo o repassamos como se fosse nosso por
excelência – mesmo que, de fato, não nos lembramos da cena.
Muito provavelmente você deve se “lembrar” de histórias
contadas sobre sua infância, que você fez ou fazia algo; histórias
sobre você. Quando, por exemplo, seus pais diziam – “Nossa, você
era assim: encapetado, vivia fazendo arte por aí”. Será que tempos
depois você já passou o relato adiante? Isto é, narrou para alguém
que você era arteiro quando criança? Mas era mesmo? Bom, o
que se era, ou não, não é a questão. Mas que aí houve um
reconhecimento, houve. Quando há o reconhecimento, há uma
inscrição: uma marca no sujeito do discurso. Pensemos assim:
você caminhando em uma avenida, junto de dezenas de pessoas.
Alguém grita: — “Ei! Você aí!”. Se olhas, há reconhecimento,
pertença. Um “você”, que era incógnito, virou um Eu, um
sujeito 30 (re)conhecido.

30 Aqui é interessante apontarmos a similaridade deste exemplo com a lógica


do Estádio do Espelho proposto por Lacan (1966/1988). Lacan preferiu o termo
“estádio” ao invés de “estágio” justamente para representar um momento
inaugural. Não é uma fase, “não passa”. O Estádio do Espelho se refere ao
momento em que a criança se reconhece frente à sua imagem; reconhece-se
como dona de uma unidade corporal, de uma Gestalt. Entretanto a percepção
da imagem do espelho não é por si só formador do Eu, enquanto também

[74]
PERCURSOS EM PSICANÁLISE

Não raro, na clínica, escuta-se sujeitos que parecem partir do


princípio de que a própria fala é supérflua: “Sou depressivo”,
“sou bipolar”, “sou TDAH”. Essas são falas que, não raro,
inauguram uma primeira entrevista. É comum, ainda, esses
sujeitos mostrarem-se pouco interessados em qualquer fala do
analista que não confirme a resposta que já têm sobre si. Ora,
para uma análise isso não é problema algum, posto que aí se pode
notar uma implicação pulsional que pede uma participação do
outro, do analista. Inclusive, é sobre essa aposta que o analista
pode partir, na medida em que se pode, no tempo de cada um,
promover e perseguir uma enunciação com espessura
subjetivante; isto é, uma implicação subjetiva para com o
enunciado “sou isso”.
Aqui, vale-nos o entendimento do filósofo e psiquiatra
alemão, Karl Jaspers: “quanto mais conceitualiza, quanto mais
reconhece e caracteriza o típico, o que se acha de acordo com os
princípios, tanto mais reconhece que, em todo indivíduo, oculta-
se algo que não pode conhecer”. Dito de outra forma, não se
pode compreender ou explicar tudo que existe em uma pessoa
por meio de conceitos psicopatológicos. Afinal, sempre restará
algo que transcende à psicopatologia e/ou a ciência. É neste
lugar, no devir, por exemplo, que se pode localizar e chamar o
sujeito: direção de tratamento.
Assim caminha as nossas histórias, em um entrelaçamento de
narrativas. Os relatos de outras pessoas, familiares, amigos, sobre
nossa infância, por exemplo, viram nossa história e, portanto,
nossa narrativa. Assim o olhar para trás parece acontecer por
meio de retrovisores: fotos, cartas, vídeos, os mais diversos.

instância simbólica. É preciso que alguém confirme a imagem, atribua um


sentido a ela – atribua uma palavra à imagem. É comum vermos uma criança
de dois a três anos, ao ver-se na imagem refletida no espelho,
espontaneamente girar a cabeça em direção a quem a segura (um adulto, os
pais, um Outro), demandando a confirmação de sua imagem: — “Tu és isso”.
Daí a noção psicanalítica de que a constituição do sujeito depende do Outro;
de que o sujeito é referenciado a partir do desejo do Outro.

[ 75 ]
IAGOR BRUM LEITÃO

Olhamos o reflexo do passado nos rastros que ficaram, aí


conseguimos produzir algum entendimento sobre o que se
passou, ou que se diz que se passou. É assim que nos
constituímos como sujeitos históricos. Em uma exposição no
Museu de Arte Moderna de São Paulo (MASP) havia um escrito
marcante: “Assim se escreve algumas histórias: menos com a
memória e mais por meio do esquecimento” (CARLA
ZACCAGNINI, “O Gigante egoísta”, 1975-2015).
Uma Psicanálise se interessa muito por narrativas. O que se
faz numa Psicanálise é historiar o passado na narrativa do
presente, oferecendo ao sujeito a possibilidade de (re)escrever
suas histórias ao aproximar o passado por meio de novos
reflexos, novas pistas que estavam em algum lugar, esquecidas,
recalcadas. Como se, em análise, procurássemos aqueles
documentos, fotos, escritos, que estão guardados sem cuidado,
empoeirados, que foram ficando no baú, se transformando às
escondidas. Aqueles que existiram mas que, pelo acaso [será?],
foram deixados de lado.
Uma Psicanálise provoca o encontro com o novo, mesmo
que, muitas vezes, seja através da repetição. Conta-se a história
várias vezes. A clínica nos mostra que sempre escapa algo e,
portanto, sempre comparece algo. Às vezes com um elemento a
mais, numa cadeia associativa, ou com um elemento a menos,
nos lapsos, nos brancos. É aí, então, que a Psicanálise se serve.
É aí que os nós são desatados, as lacunas são preenchidas, e a
história pode finalmente mudar de rumo. Quem sabe, nascer
uma nova história, autêntica e livre do peso das palavras do
Outro.
No pensamento lacaniano, à mãe pode ser atribuída o lugar
de Outro primordial – primordial para a constituição psíquica do
infans, já que é ela que dispensa os primeiros cuidados ao bebê. É
que ao interpretar as demandas do bebê (choro, grito etc.) em
um sentido (fome, sono, colo etc.), a mãe oferece a ele suporte à
entrada da linguagem. A psicanalista Michele Roman Faria
(2016) adverte-nos que o lugar do Outro, que, afinal, a mãe dá

[76]
PERCURSOS EM PSICANÁLISE

suporte, tem uma relação fálica que a criança ocupa em seu


desejo, um enlace que é fundamental para ambos: a mãe
possuindo aquilo que lhe falta, o falo; a criança possuindo suporte
à linguagem através desta investida. É disso de que se trata
quando Lacan diz que um significante é aquilo que representa um sujeito
para outro significante, o que, em termos freudianos, significaria que
um aparelho psíquico é constituído na relação com outro
aparelho psíquico, uma relação de alteridade.
Acompanhando a teoria dos significantes em Lacan, torna-se
possível compreendermos que a criança, enquanto efeitos de
linguagem e sistema simbólico, advém como um sujeito
representado por significantes, que passa a ocupar o lugar de
objeto a no fantasma do par parental. Nesse raciocínio, vale a pena
atentarmos às observações do psicanalista Alain Vanier (2017, p.
138):
“Lacan acabará por situar a criança, em todos os casos, como
objeto a da mãe, o que é uma forma de contrapeso ao
pensamento dominante da época, que é o de considerar a
criança como sujeito. O que não quer dizer que ela não o seja,
mas que o analista não deve desconsiderar o lugar de objeto
que terá sido, fundamentalmente, o dela. Criança-falo para
Freud; criança-objeto a para Lacan”.
Quando Lacan diz que o sujeito se constitui na relação com o
Outro, ele se refere, portanto, aos efeitos de linguagem e sistema
simbólico; não está falando da criança em si, pois nisso também
estão presentes o Imaginário e o Real. Daí entendemos o porquê
de a criança ser tida como objeto a da mãe, uma vez que é o
objeto pequeno a o ponto de amarração dos três registros, Real,
Simbólico e Imaginário (RSI), proposto por Lacan 31.

31 No Imaginário o objeto a tem a função de objeto parcial, no Simbólico é

representado por significantes, e, no Real, é o objeto vazio, miticamente


perdido (LACAN, 1974-1975).

[ 77 ]
IAGOR BRUM LEITÃO

A questão que aí se coloca é que a criança só pode se tornar


objeto a da mãe a partir do momento em que ela supõe algum
sujeito na criança – via linguagem. Esta, por sua vez, só virá advir
como sujeito na medida em que o significante materno (o desejo
da mãe) produzir um enigma. Esse enigma é formulado à criança
a partir da alternância da presença e da ausência da mãe. É a partir
de suas ausências que a criança é sinalizada da existência de
outros objetos de satisfação, e que o objeto de desejo da mãe, o
falo, está para-além dela, a criança. A partir daí, há a possibilidade
da criança interrogar-se sobre seu lugar nesse desejo, e assim
emitir sua resposta frente à perda da posição de objeto a; essa
resposta será seu sinthoma (FARIA, 2016; VANIER, 2017).
Acompanhando essa lógica, é possível entender como o
simbólico se instaura pela falta, ponto de partida tão fundamental
para a psicanálise. A falta é condição estruturante para o sujeito:
falta fálica, para Freud. Na leitura lacaniana, entretanto, a
castração não é do sujeito, mas do Outro. Logo, o sujeito está
alienado aos significantes do desejo do Outro. Porque o Outro é
castrado, o sujeito responderá a partir do lugar do objeto (de
desejo) que completaria o Outro.
Conforme observado, para Lacan (1964/2008), o jogo de
presença/ausência da mãe introduz a criança à simbolização,
possuindo função essencial na constituição do psiquismo.
Entretanto, por a criança ainda estar em uma relação de
dependência com o Outro materno – tal qual Freud (1985/2006)
já formulava no Projeto, por meio da noção de desamparo –,
entende-se que ela estará em um momento “curto-circuito”, e
que é ao final deste que o sujeito irá advir. Isto é, esse estado
originário de desamparo psíquico e motor resultaria na inscrição
da alteridade no registro da dependência do Outro.
Para Santos e Fortes (2011) essa seria a condição inicial para
o surgimento do sujeito psíquico. Mas o sujeito não é só um
alienado ao Outro, ele também é separado do Outro. Para
evidenciar essa separação, a função do Pai surge na engrenagem
edípica. O Pai, ao ocupar uma posição essencialmente simbólica

[78]
PERCURSOS EM PSICANÁLISE

no lugar do desejo mãe, representa a resposta para o enigma da


criança – “o que mais a minha mãe deseja?”.
Tendo em vista o ensino de Lacan, observamos que não se
trata do pai propriamente dito ou da pessoa do pai. De que se
trata é o significante, algo muito mais primordial e anterior
(FARIA, 2016). Nas palavras de Lacan (1995/1957, p. 209):
“O que é um pai? Essa pergunta é uma maneira de abordar o
problema do significante pai, mas não nos esqueçamos que
também está em jogo que os sujeitos, ao fim das contas, se
tornam pais. Formular a questão o que é ser um pai? é algo
diverso de ser-se um pai, aceder-se à posição paterna”.
Com o aporte da linguística, Lacan argumentará que a função
do Pai (definida por ele como Nome-do-Pai) no triângulo edípico
(mãe, criança, pai) é definida como uma metáfora. A metáfora
do Nome-do-Pai consistiria em uma substituição do significante
materno pelo paterno, o que produziria um novo sentido para o
qual o desejo será vetorizado – a Lei simbólica.
“Trata-se de que a criança assuma o falo como significante, e
de uma maneira que faça dele instrumento da ordem
simbólica das trocas, na medida em que ele preside à
constituição das linhagens. Trata-se, em suma, de que ela se
confronte com esta ordem que fará da função do pai o pivô
do drama”. (LACAN, 1995/1957, p. 204).
Lacan utiliza o termo “Nome-do-Pai” 32 para confirmar sua
função significante. É um nome que a homofonia em francês
(Nom/Non= “Nome” e “Não”) permite representar duas
32 Tendemos a explicar a função do pai como uma metáfora, mas em termos
psicanalíticos não se trata de uma metáfora qualquer. É que na língua
portuguesa a metáfora é uma figura de linguagem, onde se usa uma palavra
(ou expressão) para substituir uma outra em uma relação de analogia - palavras
que isoladamente possuem sentidos totalmente distintos. Já na psicanálise
lacaniana, a metáfora consistiria em uma substituição de significante, a qual
produz um novo sentido. Isto é, articula-se o desejo à Lei, à Castração.

[ 79 ]
IAGOR BRUM LEITÃO

funções importantes: a de transmitir o Não da interdição edipiana


– a satisfação plena da mãe por meio da criança, e vice-versa – e
a de nomeação do filho que o introduz na série de gerações.
Portanto, o que vemos no Édipo é uma trama que é estruturante,
em que há a introdução à dialética do desejo e à lei.
Avancemos na leitura de Inconsciente efetuada por Lacan
que, ao relacionar o inconsciente com uma linguagem, adverte-
nos dos poderes das palavras. As palavras exercem um lugar de
marcação, produzindo um efeito cortante na constituição do
sujeito. A leitura lacaniana, que vem da trilha de Freud, aponta
que a gêneses do sofrimento humano 33 vem das palavras. Mas
não são quaisquer palavras. São as palavras dos pais; isto é, do
grande Outro, o lugar do inconsciente.
Já foi dito que a psicanálise, no seu fazer, cria junto ao
analisando a possibilidade de realidades diferentes, de novas
invenções de si mesmo. Podemos, no entanto, dizer isso de
diferentes formas. O poema de Pedro Bandeira, escritor
brasileiro, é uma delas (e bem melhor).
“Por que é que eu me chamo isso e não me chamo aquilo?
Por que é que o jacaré não se chama crocodilo? Eu não gosto
do meu nome, não fui eu quem escolheu. Porque se metem
com um nome que é só meu! O nenê que vai nascer vai
chamar como o padrinho vai chamar como o vovô, mas
ninguém vai perguntar o que pensa o coitadinho. Foi meu pai
quem decidiu que o meu nome fosse aquele. Isso só seria justo
se eu escolhesse o nome dele! Quando eu tiver um filho, não
33 Embora para Freud, o sofrimento pode ser entendido de outra forma. Em

o Mal-estar da civilização, texto de 1930, Freud diz:“O sofrimento nos ameaça


a partir de três direções: do nosso próprio corpo, condenado à decadência e
à dissolução, e que nem mesmo pode dispensar o sofrimento e a angústia
como sinais de advertência; do mundo externo que pode voltar-se contra nós
com forças de destruição esmagadoras e impiedosas; e, finalmente, de nossos
relacionamentos com outros seres humanos”.

[80]
PERCURSOS EM PSICANÁLISE

vou por nome nenhum. Quando ele for grande, ele que
procure um!” (BANDEIRA, 1984, p. 12-13)

É importante notarmos que o encontro de um ser com a


linguagem, que aí estava antes dele existir e com a qual o sujeito
não teve nenhum papel em sua constituição, seja entendido
como um processo de alienação. Mas esse processo de alienação
produz efeitos importantes. Se por um lado apaga o sujeito,
tornando-o essencialmente barrado e divido, por outro lhe
fornece uma referência que produz um sentido. Quer dizer, o
sujeito pode endossar ou não suas referências. Pode, como já
dito, rebelar-se contra elas. Isso significa dizer que, embora o
sujeito seja assujeitado pela linguagem, ele não é reduzido por
ela. Isso significa afirmarmos que é sempre possível nos
reinventarmos; deixar nossa marca, nossas referências singulares,
nosso estilo.
Muitas vezes necessitamos da palavra poética para falar do
inefável, para dar contornos ao indizível. A partir do Poema de
Bandeira, podemos dizer: uma Psicanálise deve visar ao
analisando não a palavra exata, mas, sim, o nome próprio.
As palavras dos pais, ou de quem ocupa tal posição, têm o
poder de implicar e até mesmo aniquilar a vida de uma criança.
Nas palavras do psicanalista José Nazar (2015): “Elas podem
desenhar uma trajetória para o melhor ou para o pior. Algumas palavras
são vividas e sentidas como extremamente traumatizantes. O interessante é
que pode acontecer de não ser somente uma palavra má. Pode ser também
uma boa palavra, dita com boas intenções. O problema é a sua tenacidade,
o teor de uma exigência que vem carregada do forte peso de certos ideais. Isso
sim pode levar uma criança a sucumbir e a fracassar na vida”. Daí,
entendemos a formulação de Lacan tão fundamental para a
escuta na clínica com crianças: A criança é a verdade ou o sintoma do
casal parental (LACAN, 1969/2003).
Na língua portuguesa, classificamos as “vozes do verbo” em
ativa, passiva e reflexiva. A atividade da pulsão, por exemplo,
reside na voz reflexiva do verbo, está no fazer-se. Uma vez, em

[ 81 ]
IAGOR BRUM LEITÃO

um Congresso sobre Análise do Comportamento [pois é...], ouvi


que o Suicídio pode ser tido como uma espécie de
comportamento verbal. Quer dizer, o ato suicida comunica algo
– uma passagem ao ato que diz algo. Partindo dessa premissa,
talvez possamos dizer que o suicídio cala um silêncio. Isto é, a
calada da vida do corpo surge como uma possibilidade infeliz
para irromper o silêncio da voz em que se é falado.... Ou, para
fazer-se falado! Bom, o cogito cartesiano propõe: “Penso, logo
existo”. Aqui, entretanto, pensar não é o bastante. Bastante é ser
falado, desejado. Desejamos sermos lembrados, bem-falados.
Para sermos lembrados, basta sermos falados! Bastante é ser
falado? Basta sermos falados? Basta! Quero ser falado! Passagem
ao ato.
Reflitamos: Em que voz somos falados? Em que voz nos
falamos? E o outro, falamos dele? Falamos para ele? E em que
voz? Lembro que calar-se ou fazer-se calado já diz algo. Não
responder algo, é uma resposta. As palavras são cortantes. A falta
delas também são – às vezes muito mais.
Até aqui, o leitor já deve ter reparado na importância da
palavra para a Psicanálise. É que as palavras são referências
simbólicas. Na clínica, abre-se espaço para a fala o sujeito, que,
afinal, vem atravessada pela fala de outros – tanto para excesso
de palavras quanto para a falta delas; isto é, a palavra rígida e a
palavra vazia. Dessa forma, a Psicanálise aposta que o sujeito, ao
falar, pode se escutar naquilo que está dizendo, encontrar as
razões de suas angústias, seu mal-estar, suas inibições, separar o
que é seu e o que é do outro, e assim sentir-se mais livre em suas
emoções.
No consultório, o analista ocupa a posição de um Outro que
nada quer do paciente, mas que aposta em sua condição de sujeito;
que a coisa toda possa ser diferente, não estando, portanto, o
sujeito condenado a uma herança mal-dita. O próprio discurso do
analista, tal como formulado por Lacan, exige que aquele a quem
o psicanalista se dirige no tratamento que sustenta é,
necessariamente, um sujeito. “Por nossa posição de sujeito somos

[82]
PERCURSOS EM PSICANÁLISE

sempre responsáveis” frase célebre de Lacan (1965/1998, p. 873),


registrada em “A ciência e a verdade”. Isto quer dizer que o conceito
de sujeito corresponde a uma certa posição que implica a
extração de um objeto, pelo qual o sujeito é sempre responsável.
Em tese, penso que essa noção também já era articulada no
Seminário “A relação de objeto”. Neste seminário, Lacan
(1956/1995, p. 55) diz: “Cada sujeito é como uma aranha que
deve tirar de si mesma todo fio de sua teia, lá está ele se
envolvendo em seda no seu casulo, e toda sua concepção de
mundo deve ser extraída de si mesmo e de suas imagens”.
Até aqui é importante destacar que apenas falamos da
responsabilidade de um sujeito que se submete a uma análise.
Mas, e o “sujeito” que analisa, isto é, o psicanalista? Quais suas
responsabilidades?
Primeiro, torna-se demasiadamente importante destacarmos
que a posição de psicanalista não é uma posição de sujeito por
excelência. Quer dizer, o psicanalista não entra na operação
analítica com seu inconsciente, com seus ideais e muito menos
com seus valores – ele não entra com sua pessoa. Ele ocupa um
lugar transferencial – que diz respeito à dimensão psíquica do
sujeito – que se presentifica em uma análise. No entanto, isso
não significa que o analista não paga com algo nessa operação,
como dizemos. Ele paga com sua presença, com seu corpo, para,
afinal, ser capturado e “colocado” em algum lugar que, embora
não se saiba, a priori, qual é, sabe-se que é um lugar transferencial,
e que é daí que se dirigirá o tratamento. Além disso, também não
significa dizer que não há desejo no lado do psicanalista. Ele tem
desejo sim, mas um desejo que remete a uma aposta, que é uma
aposta nas palavras, no comparecimento da verdade, na busca
pelo saber. Sustentar essa posição em uma análise é, em última
instância, um ato pelo qual o psicanalista é sempre responsável.
Considerando que o analisando captura traços do psicanalista
para que, afinal, se presentifique a transferência, torna-se
pertinente colocarmos, aqui, uma questão: Quais são os traços
que transmitimos aos nossos analisandos?

[ 83 ]
IAGOR BRUM LEITÃO

Se um sujeito que se pretende psicanalista acha que


determinada ação ou condição é pecado, ainda que não expresse
diretamente às pessoas que atende, muito provavelmente será o
que transmitirá a elas; logo, sua clínica não será a do desejo, mas
a do bem-querer, e esse “bem” é do (e para o) “psicanalista”.
Por isso, se pode dizer que a experiência da análise pessoal
vem a ser maior soma para aquele que pretende se ocupar do
ofício de analista. Um analista não se forma na Universidade,
como já alertava Freud em 1919. Sua formação, importante
frisar, é contínua, e só se eleva a partir da experiência da análise
pessoal. Um psicanalista é aquele que, além de ter realizado uma
boa formação teórica, se deitou no divã, e, diante de seu ou sua
analista, enfrentou seus monstros, atravessou a fantasia que lhe
oferecia um complemento de ser e encontrou irredutível em si,
sem recuar diante disso. Afinal, nenhuma análise, intervenção ou
prática terapêutica vacina para as vicissitudes do sujeito.
Sintetizemos: se por um lado a experiência de análise mostra-
se como a maior soma para a formação de um psicanalista, há
que se destacar, no entanto, que essa experiência é, para esse
sujeito – então analisado –, uma operação de dissolução,
portanto, de subtração. Menos é mais, como diz o dito popular.
De uma forma geral, toda ação clínica (seja psicológica,
psiquiátrica, médica, etc.) que se dispõe ao cuidado com a saúde
ou em saúde mental (nosso caso), procura atuar sobre os
seguintes pontos: bem-estar, reabilitação, cidadania e autonomia,
visando sobretudo ampliar as relações sociais do sujeito e fazer
proliferar suas possibilidades. Para a psicanalista Ana Cristina
Figueiredo (2004), a reabilitação e autonomia só pode ser bem-
sucedida na condição de seguir o estilo do sujeito, o que implica
irmos em busca de boas perguntas.
Para a autora, em vez de perguntarmos “O que podemos fazer por
ele?”, devemos perguntar: “O que ele pode fazer para sair de
determinada situação com nosso suporte?”. Essa mudança no discurso,
que não é nada sutil, implica na mudança de posição, sendo que
esta deve ser a de suportar, no sentido mais radical da palavra, as

[84]
PERCURSOS EM PSICANÁLISE

ações do sujeito e convoca-lo à sua responsabilidade a cada vez


e a cada ato – “fazer o sujeito se perguntar o que faço aqui? O que
torna minha vida [ou meu sintoma] tão insuportável? O que posso fazer
para encontrar uma solução?”, diz Figueiredo (2004, p. 82).
Tomemos como exemplo uma equipe de um serviço de saúde
mental, o Centro de Atenção Psicossocial Infanto-Juvenil
(CAPSi). Quando uma equipe suporta determinada condição, ela
a faz com uma função, geralmente numa função de aposta de
algo em outro lugar (seja no usuário, na família, ou em outro
serviço) pode, posteriormente, vir a funcionar de outra forma.
Portanto, a ação de suportar, quando precedida de uma aposta
como essa, adquire valor de ato clínico.
A experiência tem mostrado que quando se trata de usuários
marcados pela vulnerabilidade social, experiências de vida nos
contextos de rua, de tráfico e uso de álcool e outras drogas, o
serviço do CAPSi precisa constituir-se, de algum modo, um lugar
possível para que estes sujeitos encontrem algo para
endereçarem e fazerem disso uma passagem para outra coisa –
leia-se, aqui, o sentido último de “intervenção”. Cabe, em alguns
casos, o serviço valer-se do ato de suportar determinada
condição para que seja possível essa passagem a que aqui nos
referimos – leia-se, aqui, o que a psicanálise chama de manejo da
transferência.
Em muitos casos, especialmente no que se refere à usuários
que vivem na rua, o CAPSi acaba figurando um lugar de cuidado
básico para com esses sujeitos. Para muitos destes usuários, o
CAPSi constitui um lugar para tomar banho, de alimentação,
para conversar sobre o cotidiano, brincar e sentirem-se seguros
e protegidos. Nestes casos, é comum surgirem tensionamentos
acerca de certa função de “tutela” ou de “assistencialismo” por
parte do CAPSi, o que iria de desencontro com a função clínica
em saúde mental de serviço um serviço de média complexidade.
No entanto é preciso destacar que a função clínica não está dada
a priori. Ela se constitui no curso de seu ato, na medida em que
se produz um olhar analítico para o sujeito que dá sentido à sua

[ 85 ]
IAGOR BRUM LEITÃO

estrutura, ao seu desenvolvimento strictu e às suas condições de


vida, e um olhar analítico para o que está se desdobrando nas
relações de cuidado. Isto é, que tipo de relação transferencial está
se constituindo entre usuário e serviço, quais as funções
subjetivas que o CAPSi está ocupando e atualizando. Em suma,
o que está subjetivamente sendo demandado ao serviço e aos
profissionais.
Nessa perspectiva, entendemos que dizer que não há ato
clínico do CAPSi ao figurar um espaço de cuidados básicos
(alimentação, higiene, lazer etc.) só se torna possível se o próprio
serviço não reconhecer que ações como essas possuem potencial
clínico. Pois, se as necessidades básicas do indivíduo não forem de
alguma forma supridas, como esperar que as demandas do sujeito
compareçam?
Nesse sentido, retoma-se que para o CAPSi conseguir
suportar esse lugar então “assistencial”, deve, ele, situar uma
função clínica, que é, em meu entendimento, a de apostar de que
toda condição possa ser diferente com o suporte do CAPSi. Isto
é, que o CAPSi pode promover uma passagem de uma condição
para outra, alinhada à dimensão do sujeito. Deve-se fazer deste
momento de atender as necessidades, um momento de escuta
clínica, também. Pode ser possível que algo ali se enderece, algo
do nível da subjetividade, do nível da demanda. Lembremos:
“Antes e primeiro que tudo é preciso adotar como princípio a
ideia de que a criança ou o adolescente a cuidar é um sujeito”
(MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2005, p. 11). À condição de sujeito
acrescentamos: sujeito de direito e sujeito de desejo.
Portanto, dizer que “por nossa posição de sujeito somos
sempre responsáveis” (aforismo muitas vezes lançados ao vento
pelos lacanianos), não significa que quem preste atendimento
deva lavar as mãos, tendo as dificuldades de todo o processo
localizadas no paciente; muito pelo contrário! Por nossa posição
de profissionais da saúde, somos sempre responsáveis em
oferecer suporte, em sustentar a posição de que a vida é sempre
uma escolha, que sempre é possível se reinventar sem recuarmos

[86]
PERCURSOS EM PSICANÁLISE

diante à incompletude disso. Em termos lacanianos: devemos


ocupar na clínica uma posição de objeto a, causa de desejo, em
transferência, para nossos pacientes.
Vejamos um exemplo clínico. Em seu primeiro atendimento,
o paciente reclama que não se sente escutado pelos outros, que
suas opiniões não são valorizadas, e que seus assuntos não
“rendem”. Bum!, o silêncio toma conta do consultório. Bom, de
fato, seu assunto não rendeu, pois ele mesmo parou de falar.
Lembro que pensei em questionar quando que isso costuma
acontecer, com quem, como, onde etc., questões básicas. Mas
não precisava questionar isso; afinal, aconteceu ali, no
consultório, e comigo! Ficou claro que a demanda que paciente
trouxe foi: “Tenho algo a dizer, quero que me escutem”. Em
contrapartida, também ficou claro sua dificuldade em fazer-se
ouvido, em assumir a posição de quem fala, de elocução.
Dessa forma, me pareceu mais eficaz endossar minha posição
de escuta. Disse-lhe: — “E o que é que você tem para dizer?”. Nesse
momento, ele esboçou uma afeição de assustado. Se deu conta
de que, agora, terá que falar. E não é falar sobre sua queixa – que
terceiriza o seu desejo e responsabiliza o outro pelo seu mal-estar
– mas, falar sobre que ele deseja falar, qualquer coisa. Em outras
palavras, convoquei-lhe à elocução. Novamente, o silêncio
ressoou no consultório. Reforcei: — “Leve o tempo que precisar,
estou interessado no que você tem a dizer”. Um minuto depois, ele
começou a falar sobre como foi o seu dia, e daí foi associando.
O que essa intervenção ofereceu foi a possibilidade de fazer
algo de novo, de sair da posição de repetição, de gozo com o
“ninguém me ouve” e ser protagonista da sua história. Em
termos freudianos, venceu-se a repetição e, portanto, a
resistência do paciente, por meio da interpretação,
possibilitando-o voltar a recordar, a associar. . Não se vence um
inimigo à distância, ensinou Freud, acerca das resistências que se
manifestam no setting.
Voltemos às leituras de Inconsciente freudianas e lacanianas.
Quanto ao inconsciente freudiano, é importante destacar como

[ 87 ]
IAGOR BRUM LEITÃO

ele opera: pela condensação e o deslocamento – conforme nos é


apresentado em uma de suas grandes obras, que marcou a virada
entre os séculos XIX e XX: A interpretação dos sonhos, publicada
em 1899 e datada, a pedido de Freud, de 1900. Neste texto o
inconsciente é apresentado como uma instância, com certa
ressonância jurídica quando se refere à censura, ou seja, uma
instância que regula os pensamentos e desejos recalcados que
buscam uma via de acesso à consciência (GARCIA-ROZA, 1995).
Não é à toa que ele discute estes elementos justamente na
“Ciência dos sonhos”, pois é esta formação, o sonho, que
permite “driblar” a ação da censura, por meio dos mecanismos
da condensação e do deslocamento. O primeiro, como o próprio
nome diz, produz uma síntese do conteúdo latente do sonho,
“sacrificando” e omitindo outros elementos ao se sobreporem.
O segundo, por sua vez, age de duas formas: substituindo um
elemento do conteúdo latente por outro, mantendo certa relação
de similaridade, e modificando um elemento importante por algo
aparentemente indiferente e sem importância (FREUD,
1900/1996). Lacan (1957/1998) ainda afirma que este último
mecanismo, o deslocamento, é o “meio mais adequado do
inconsciente para despistar a censura” (p. 515).
Neste ponto, é importante destacar como o inconsciente se
manifesta, para, em seguida, retornarmos para as questões
referentes à condensação e ao deslocamento do ponto de vista
da leitura feita por Lacan.
O Inconsciente, por mais que não esteja localizado em espaço
físico – a neurociência nunca o achou e nem deverá achar pois,
de fato, não é disso de que se trata –, aparece e se faz presente
ou, como o próprio Freud diz, ele insiste e não resiste. É em
“Sobre a psicopatologia da vida cotidiana” que Freud (1901/2006) nos
mostra e se aprofunda nos mecanismos pelos quais essa instância
se manifesta, a saber: o ato falho, os chistes, o próprio sintoma,
os lapsos, devaneios e, novamente, os sonhos. Estes mecanismos
são privilegiados na escuta psicanalítica, no qual o analista, ao se
valer da Atenção Flutuante, irá, sob a autorização da Transferência,

[88]
PERCURSOS EM PSICANÁLISE

interpretar estas questões, permitindo que o sujeito crie um


sentido ao discursar sobre sua história. Cabe lembrar que a
pontuação analítica, como adverte Lacan, é em suma “uma
pontuação oportuna que dá sentido ao discurso do sujeito”
(LACAN, 1953/1998, p. 253).
Sobre a função da análise, é necessária aqui uma ressalva: não
se trata em simplesmente apontar para o analisando os aspectos
latentes ou, em outras palavras, tornar consciente o inconsciente
a todo custo, pois, conforme Freud adverte, essa premissa seria
uma manifestação de uma “ambição terapêutica” por parte do
analista. Nesse aspecto, a interpretação é desinteressada, ela é
pertencente ao próprio analisando que afinal fez todo o percurso
associativo até ali, mas que teve que apelar para a boca do
analista; caso contrário, trata-se do que Freud chamou de
Psicanálise Selvagem.
Uma das minhas músicas preferidas da banda californiana,
The Doors, chama-se “Hyacinth House”. Seu refrão sempre me
chamou a atenção. Veja só:
“Eu preciso de um novo amigo que não me incomode. Eu
preciso de um novo amigo que não me atrapalhe. Eu preciso
de alguém que não precise de mim”. (THE DOORS, 1971)
“Eu preciso de alguém que não precise de mim...” Interessante, não?
Refletindo aqui, uma boa clínica parte por este viés. Não se trata
de uma ética do bem-querer, pois há muito interesse em um
“bem”, por melhor que ele seja. “Eu te quero bem”. Ok, mas que
bem? O seu ou o meu? Há algo de moral no bem, e neste aspecto
o psicanalista é desinteressado. Ele tem interesse sim, mas é no
comparecimento do desejo, em dar suporte para ele. Esse é o
discurso do analista, a ética do desejo, não a do bem-querer.
Nesse sentido, vale esclarecer que o psicanalista não entra na
operação como sujeito. Ele paga com sua presença, é verdade,
mas não como pessoa, com sua subjetividade, e sim como
suporte, como um agente potencializador. É alguém que não
quer te colocar em algum lugar, embora instigue você a ir para

[ 89 ]
IAGOR BRUM LEITÃO

algum lugar. O seu lugar, e no seu tempo. Todos nós em algum


momento, às vezes mais, às vezes menos, precisamos de alguém
desinteressado, que não precise da gente, de alguém que nos
aceite de forma legítima. Que nos acolha, e não nos colha.
Aqui, torna-se importante entendermos um pouco mais sobre
esse importante instrumento clínico: a Interpretação. Sabe-se que
o material de trabalho para um psicanalista são as palavras – não
a suas, mas de seus pacientes. O que é dele mesmo é a escuta,
seu instrumento de trabalho. A interpretação, conceitualmente,
ocupa um lugar paradoxal, pois ela é dada pelo psicanalista, mas
é construída com as palavras do paciente. Bom, talvez aí esteja
um ponto para sairmos desse paradoxo e pensarmos a
interpretação: a construção.
A grosso modo, a interpretação é uma informação que é
revelada ao paciente. Informação que ele ainda não sabia,
embora ele mesmo tenha “construído”. Ela tem origem no
paciente, mas que foi (re)organizada pelo psicanalista, como uma
espécie de devolutiva. Pode ser em forma de pergunta, de
explicação, de sublinhação, ou até mesmo em forma de
expressão facial ou pelo próprio silêncio, importantíssimo dentro
da clínica.
Como já dito, a interpretação é ela mesmo uma construção,
sinalizando que ela é sempre inacabada, pois ela nunca alcança (e
nem quer) a verdade como um todo, mas objetivar novas
associações e novas verdades. Ela, quando eficiente, esbarra no
recalque e vence a resistência. No entanto, quando um analista
interpreta algo para o paciente, ele pode concordar ou não com
a interpretação. Mas não é a confirmação positiva ou negativa
que se objetiva, é a construção, a possibilidade de emergir mais
elementos na cadeia associativa, conhecendo esses significados e
gerando outros. O “sim” não deve bastar, como se exercesse
uma função de legitimar o que foi dito anteriormente. Pelo
contrário, o “sim” deve vir acompanhando de um elemento a
mais, deve ser considerado um início de uma nova sentença –
“Sim... pensando aqui; lembrei-me de algo; igual àquela vez...”.

[90]
PERCURSOS EM PSICANÁLISE

O “não”, embora aparente ser mais incisivo e amedrontador,


também caminha neste sentido, isto é, também expressando algo
que não é conclusivo. Ao emitir um “não”, mais do que expressar
uma resistência do paciente, surge a confirmação de que aquilo
que revelamos a ele é um fragmento, algo inacabado. O que não
significa que o “não” não teve efeito. Por meio do “não”,
determinado conteúdo recalcado pode se direcionar à
consciência, tendo como condição o fato de ser, no momento da
enunciação, negado.
O que deve ficar claro, como bem ressaltado, é que a
interpretação não deve ser interessada, de forma a objetivar o
acerto e confirmar as conjecturas que o analista formulou sobre
o que se passa com o paciente. Para os psicanalistas Diego
Alonso Dias e Oswaldo França Neto (2016), isso implica
considerar que o analista possui a tarefa de coletar os elementos
deixados pelos pacientes em uma sessão e organizá-los,
submetendo-os, a seguir, ao paciente, para que assim se dê a
sequência do trabalho, em constantes (re)construções. Dessa
forma, podemos dizer que a interpretação é uma construção em
que ambos, analista e analisando, colocam e deixam algo. Já a
interpretação que objetiva o acerto, de forma a escancarar o
conteúdo inconsciente para o paciente é chamada de Interpretação
Selvagem.
Lembro-me de um adolescente que dizia, em análise, que não
“suportava” o fato de não possuir a chave do seu quarto e do seu
banheiro. Questionei-lhe se seus pais o proibiam de ter a chave.
Segundo o adolescente, seus pais costumavam ser “invasivos”,
mas só proibiam de ter as chaves quando era mais novo. Fazia
algum tempo que prometeram fazer uma cópia das chaves para
ele, mas sempre se esquecem – quanto “acaso”.
Antes de lançar alguma interpretação que aponte para a
possibilidade de ele mesmo fazer a chave, reconheci que ele não
estaria tendo a privacidade respeitada, e que provavelmente ainda
estaria se sentindo invadido – ou seja, realizei um acolhimento. É
nítido, no entanto, que há algo aí que é dele. Quer dizer, ele tem

[ 91 ]
IAGOR BRUM LEITÃO

dificuldades em tomar iniciativa, fala que os pais não o fazem,


mas também assume a posição de espera, de terceirização da
responsabilidade sobre o seu mal-estar e da saída dele, inclusive.
Esse seria o conteúdo da interpretação que deveria ser assimilado
pelo paciente. No entanto, após acolhê-lo reconhecendo sua falta
de privacidade, perguntei-lhe se já pensou em fazer ele mesmo
as cópias.
Vejam bem: “você já pensou?”. Essa simples pergunta
(obviamente com um leve viés) ofereceu ao sujeito a possibilidade de
uma nova atitude frente ao seu mal-estar. Lembremos que o
significante trazido pelo paciente foi “invasão”. Se eu
escancarasse que ele não tem a chave porque não quer, e que se
ele quer “liberdade” ele deve agir prontamente, poderia ter
corrido o risco de ter sido invasivo para ele, mostrando de
alguma forma que ele não é forte o bastante para chamar um
chaveiro – e pode mesmo não ser! Como resposta, ele disse: —
“Eu não, meus pais que tem que fazer isso!”. Foi nítido que ainda não
é o momento de ele enxergar que também tem alguma
responsabilidade nisso. Isso mostra que ele ainda precisa
reclamar um pouco mais sobre os pais para perceber a sua
parcela naquilo que se queixa – “Qual a sua responsabilidade naquilo
que se queixa?”, máxima freudiana. Portanto, o analista deve
recuar, não “forçando a barra” para que ele perceba isso. Isso
certamente seria o que Freud, em “Recomendações aos Médicos que
Exercem a Psicanálisei”, chamava de Ambição Terapêutica por parte
do analista. A transferência, nesse manejo equivocado,
funcionaria a serviço da sugestão. Que fique claro, no entanto,
que o conteúdo da interpretação ficou ali, germinado. O trabalho
de análise é esse, a construção. Seus resultados levam um tempo,
e só temos como enxergá-los em um tempo “só-depois”. Só é
possível verificar se ali houve “análise” no a posteriori, pelo efeito
de um ato que se apresentou de modo evanescente.
A psicanalista Geselda Baratto (2009) afirma que ao proceder
de modo selvagem, forçando a interpretação ou lançando-a sem
uma base constituída, “o analista não estará fazendo nada mais

[92]
PERCURSOS EM PSICANÁLISE

do que inculcar no paciente as suas próprias concepções e


desejos, fazendo um uso abusivo do laço transferencial ao
colocá-lo a serviço da sugestão” (p. 85).
Muitas pessoas consultam analistas em busca de algum
conselho que lhes permita tratar determinada problemática. Não
raro, mais do que conselhos, buscam receitas ou fórmulas que
solucionem os conflitos, o mal-estar e a angústia. Dar uma
resposta direta a essas perguntas e, portanto, satisfazer de forma
absoluta, implica em obstruir um espaço de reflexão e escuta
sobre o que verdadeiramente está se passando (ou o que pode a
vir se passar, a partir da reflexão).
Por outro lado, não responder essa demanda, também pode
ser prejudicial para o continente da terapia, pois a transferência
com o analista pode ser transbordada por sentimentos de
abandono e impotência ao processo terapêutico. A situação fica
ainda mais complexa quando consideramos, a partir da
experiência clínica (ao menos da minha), que quando o analista
arrisca alguns conselhos, estes não são seguidos como tal pelos
pacientes. Quando o são, geralmente por um sentimento
masoquista pela figura do analista (o paciente que obedece) ou,
também, por sentimentos que giram em torno de um pseudo-
cuidado, quando o paciente não “se permite” sentir raiva do
analista, e aí o mantém intocável, sempre cego aos seus erros e
equívocos que possam ser cometidos pelo profissional.
Pedir a qualquer paciente uma troca de atitude de um
determinado problema, sem elaboração alguma, é uma receita
mais próxima do discurso médico e, portanto, uma atuação
pouco terapêutica do ponto de vista da psicanálise. A
transferência, quando à serviço da sugestão, constitui terreno
fértil para a psicanálise selvagem.
Vejamos as palavras de Freud:
“Não é difícil para um analista treinado ler claramente os
desejos secretos do paciente nas entrelinhas de suas queixas e
da história de sua doença; mas quanta vaidade e falta de

[ 93 ]
IAGOR BRUM LEITÃO

reflexão deve possuir aquele que, com o mais breve


conhecimento, pode informar a um estranho inteiramente
ignorante de todos os princípios de análise, que ele se acha
ligado à mãe por laços incestuosos, que abriga desejos de
morte da esposa, a quem parece amar, que oculta uma
intenção de trair seu superior, e assim por diante!”. (FREUD,
1913/2006, p.155)
Do que se trata o manejo e em que ele se fundamenta? A
resposta é muito bem elaborada por Baratto (2009) ao analisar
os conceitos de representação de coisa (Sachvorstellung) e
representação de palavra (Wortvorstellung) em Freud. A autora nos
lembra que o psicanalista vienense, ao introduzir a distinção
entre estes dois conceitos, esclarecendo que no inconsciente
subsistem as representações de coisa sem as representações de
palavra correspondentes, ele já marcaria uma importante função
da linguagem e sua estrutura como o caminho da análise
(BARATTO, 2009), que Lacan, como supracitado, vem percorrer.
Nas palavras de Freud:
“Agora já sabemos qual a diferença entre uma representação
consciente e uma inconsciente. A representação consciente
abrange a representação da coisa mais a representação da
palavra que pertence a ela, ao passo que a representação
inconsciente é a representação da coisa apenas” (FREUD,
1915/2006, p. 206)
O caminho seria, portanto, abrir espaço para as
representações inconscientes, através da regra fundamental, a
Associação Livre, fazendo emergir as palavras vazias e inscrevê-
las em uma representação palavra, em um significado. Afinal,
como sujeitos inscritos numa linguagem, é através dela que
expressamos nossas dores, desamparos e angústias, e elas surgem
a priori como não-sabido, não representado, como coisa-em-si,
e o pa-la-vre-ar permitiria bem-dizer o sintoma, este último sendo
bem apontado por Lacan como “o mutismo do sujeito suposto

[94]
PERCURSOS EM PSICANÁLISE

falante” (LACAN, 1964/2008, p. 19). “A palavra é a morte da coisa”,


dizia Lacan.
Na clínica, escutamos constantemente pacientes relatarem
não conseguirem colocar em palavras o que estão sentindo, não
conseguirem expressar o que se passa com eles. Palavras como
“coisa”, “troço”, “mal-estar”, “negócio”, “trem” (para os
mineiros e capixabas), tentam suprir a lacuna linguística que
representa o(s) seu(s) sintoma(s), ou melhor para angústia: afeto
que não engana, diz Lacan. “Aja de acordo com o coração”,
aconselha os manuais de auto-ajuda ao homem entediado pela
constância da vida prática e que sacrificou suas paixões. “Foi
mais forte que eu”, confessa o sujeito ao terapeuta, atordoado
pela paixão que o conduziu a decisões impensadas, impulsivas e
que geraram rumos “imprevistos” [será?]. “Mas ele me disse isso
chorando”, replica a amante frente ao olhar do amigo incrédulo,
convencido de que as coisas passaram sim do limite. “O coração
tem razões que a própria razão desconhece”, formula o Blaise, o
filósofo.
Cada uma dessas frases parece expressar, ao seu modo, a
crença de que o transbordamento do afeto estaria mais próximo
da verdade íntima do sujeito, que o Eu e a consciência e buscam,
afinal, racionalizar. Para a Psicanálise, à exceção da Angústia,
nenhum outro afeto é incontestavelmente verdadeiro. O afeto
pode ser fonte de engano. O afeto, longe de ser um dado
primordial, é antes um efeito contingente secretado pelo discurso
(VIEIRA, BASTOS, & TEIXEIRA, 2017).
Como sujeitos inscritos numa linguagem, é através dela que
expressamos nossas dores, desamparos e angústias, e elas surgem
a priori como não-sabido, não representado, como uma coisa.
Com a prática, percebemos que não é somente difícil nomear a
angústia, mas também o desejo. Dessa forma, a linguagem se
apresenta como fundamentalmente sintomática, pois há sempre
um hiato entre o que se diz e o que se quer: — “O que eu quero
naquilo que eu peço?”. E isso não é problema algum. Aliás, volto a

[ 95 ]
IAGOR BRUM LEITÃO

dizer: é aí que entra em cena a regra fundamental da Psicanálise,


a Associação Livre!
No que se refere à técnica da psicanálise, Freud foi claro ao
instituir apenas uma regra, considerada como “fundamental”. A
todo resto ele chamou de “recomendações”. A Associação Livre
consiste em sugerir ao paciente/analisando que procure falar o
que lhe vier à cabeça, sem censuras. Mas, por que faz sentido dar
liberdade para a fala do paciente e esperar em troca um alívio de
seus sintomas?
Palavras são referências simbólicas. Na clínica, abre-se espaço
para a fala o sujeito, que, afinal, vem atravessada pela fala de
outros – tanto para excesso de palavras quanto para a falta delas;
isto é, a palavra rígida e a palavra vazia. É nos momentos de fala
livre que o sujeito advém, o verdadeiro sujeito, o verdadeiro
“Eu”.
Pede-se para o analisando se colocar para falar livremente,
dizer o que vier em sua cabeça, sem censuras. Nesse palavrear
livre, emergem um emaranhado de palavras, que escutadas com
atenção vão sendo reorganizadas. Não à toa as constantes
imagens caricatas do psicanalista desenrolando e desatando um
emaranhado de fios que saem da boca do paciente; ou então
montando um quebra-cabeça com as peças “aleatórias” que
também saem da boca do paciente. O interessante é que, com
frequência, vemos os pacientes ficando impressionados com o
que saem de suas bocas, muitas vezes até estranhados, ou ainda
não perceberem o valor daquilo que eles estão falando.
É que assim caminha uma Psicanálise, palavreando, fazendo a
coisa falar! Muitas vezes sobre o mesmo ponto, mas buscando
novas palavras, novas associações e, portanto, novos significados
e significações. E assim, como se “sem mais nem menos”, vão
se movendo os sentidos inconscientes que sustentam o sintoma.
Se o sujeito se dispõe a falar, seu sintoma pode ser recriado. Seu
desejo pode ser escutado.

[96]
PERCURSOS EM PSICANÁLISE

A escuta clínica abre espaço para que apareçam significantes


com novos significados – apontados pelo corte, a pontuação e a
interpretação, por exemplo – o que possibilita efetuar o
movimento dos sentidos inconscientes que sustentam o sintoma
(RAMOS, 2003). Somente a transferência pode autorizar as
interpretações do analista sobre a linguagem do paciente.
Questão: Como é que o analista lacaniano opera a linguagem do
paciente? A resposta, como dito anteriormente, vem da Die
traumdeutung de Freud, através dos conceitos de condensação e
deslocamento.
No vocabulário lacaniano, o primeiro está para a metáfora
assim como o segundo está para a metonímia. Para o psicanalista
Jurandir Costa (1989), “através da assimilação do deslocamento
e condensações freudianas às figuras retóricas da metáfora e
metonímia, Lacan criou 34 o célebre aforismo do 'inconsciente
estruturado como uma linguagem'. O salto estava dado; a virada
linguística na Psicanálise tinha acontecido” (p. 75).
Para clarearmos melhor, em termos psicanalíticos, a metáfora
consistiria em designar uma coisa por meio de outra, ou seja,
substituir uma palavra por outra, numa relação de similaridade, a
qual é manifestada unicamente pela posição: uma substituição de
significante. A metonímia, como a etimologia do termo nos
mostra, significa mudança de nome. Trata-se da transferência de
uma denominação efetuada por um deslizamento de palavras:
quando uma parte é tomada pelo todo em uma conexão de
significantes ou por contiguidade, havendo, entretanto, de fato
uma substituição.
Aqui, é importante realizar algumas ressalvas: a metáfora
também constitui uma mudança de nome. O próprio Lacan, em
34 Cabe lembrar que essa assimilação só fora possível a partir dos recursos à

antropologia estruturalista de Lévi-Strauss, à linguística de Saussure revisitada,


além dos recursos aos conceitos de metáfora e metonímia de Roman
Jakobson. Lacan, portanto, não criou esse aforismo necessariamente dessa
assimilação, mas de um conjunto de referências.

[ 97 ]
IAGOR BRUM LEITÃO

uma passagem no Seminário Sobre as formações do inconsciente,


adverte da dificuldade de se distinguir a metáfora da metonímia:
“Já faz algum tempo que venho sabendo, periodicamente, que
um certo número de vocês, nos meandros de sua vida
cotidiana, de repente é surpreendido pelo encontro com
alguma coisa que já não sabem de jeito nenhum como
classificar, se na metáfora ou na metonímia”. (LACAN, 1957-
58/1999, p. 78)
Para incrementar um pouco nossa discussão, atentemos a um
recorte clínico: A paciente se queixava constantemente de sua
relação com seu filho mais velho, dizendo que ele era “igual ao
pai” (ela costumava chamá-lo de “o outro”) e que era um “garoto-
problema”. O filho mais novo, entretanto, era nomeado como
“cara-metade”. Em uma sessão, ela relata que quando estava
grávida do filho mais velho, “o outro” (seu marido), recebeu a
notícia dando-lhe apenas um “tapinha nas costas”, e foi trabalhar.
Ela relata que neste momento sentiu passar “algo de ruim” para o
filho em sua barriga.
Se o sujeito existe como um elemento de linguagem antes
mesmo de nascer, podemos partir da hipótese de que o filho mais
velho pré-existiu em um lugar referenciado pelo significante da
recusa. Será, por acaso, que ele tenha virado um “garoto-problema”,
ou referenciado como tal? A paciente explica que o filho mais
velho “não teve um ninho bem formado, igual o mais novo”, e que se
sente culpada por isso. Logo em seguida diz: — “Talvez esteja
colocando minhocas na minha cabeça”. Pontuei: “Na sua cabeça e na boca
do seu filho!”. Como efeito, ela associa “minhocas” com “neura”.
O silêncio sublinhou sua associação. De repente, ela se assusta e
diz: — “Nossa, alimentei meu filho da minha neura!”.
Esse exemplo é interesse pois mostra que a intervenção se
apropriou dos significantes da paciente seguindo com eles e
caminhando no nível da metonímia (ninho, minhoca, alimentação
etc.), embora ela tenha construído uma metáfora “minhocas na

[98]
PERCURSOS EM PSICANÁLISE

cabeça”, o que permitiu sua associação com o significante


“neura”.
Acompanhando o ensino de Lacan, é possível entender que o
desejo é o trabalho metonímico do significante, que, no ato da
fala, estaria em um constante deslocamento das palavras que
representam parcialmente o todo, o desejo – sempre há algo de
um resto, nas entrelinhas, a mais ou a menos. Quer dizer, o
desejo, no campo da palavra, jamais pode ser dito. Se o
inconsciente é estruturado como uma linguagem, o desejo se faz
presente através de seus significantes.
A palavra sempre tem a mais a dizer. Isso significa que o
discurso é sempre fundamentalmente sintomático, na medida em
que sempre há um hiato entre o que se diz e o que se quer; “e a
significação se produz, em última instância, no Outro”
(FIGUEIREDO, 1997, p. 23). Essa característica marca a
autonomia e supremacia do significante em relação ao
significado, conforme a subversão da linguística de Saussure
operada por Lacan (1957/1998). Falar de metáfora e metonímia
em Psicanálise é falar das leis da linguagem e, portanto, das leis
do inconsciente – material de trabalho para o psicanalista.
Contudo, o fato é que nem tudo é possível ser posto em palavras,
pelo menos não alguns momentos.

Repetição

A repetição é considerada por Lacan (1964/2008) como um


dos “Quatro conceitos fundamentais da psicanálise”, mostrando-se
crucial na clínica psicanalítica. A repetição é um ato que abre
caminho à atuação (acting out), e que, de modo geral, se apresenta
na análise como uma força que atualiza componentes psíquicos,
quando o analisando repete ou atua – daí o termo acting out – o
que “não pode” ser recordado

[ 99 ]
IAGOR BRUM LEITÃO

Em um dos artigos sobre a técnica da Psicanálise, Freud


(1914/2006) discute sobre o movimento do paciente em uma
análise: “Recordar, repetir e elaborar”. Neste texto, ele assinala que
muitas vezes “o paciente não recorda coisa alguma do que
esqueceu ou reprimiu, mas expressa-o pela atuação ou atua-o.
Ele o reproduz não como lembrança, mas como ação; repete-o,
sem, naturalmente saber o que está repetindo” (p. 165). No
entanto, é em 1920 que ele reposiciona o conceito de repetição,
entendendo-o como um mecanismo que é efeito de um prazer
de outra ordem, de algo para Além do princípio do prazer, texto em
que Freud (1920/2006) deixa subjacente a noção de Pulsão de
Morte ao nos apresentar sua encarnação: a Compulsão à
Repetição.
Antes de avançarmos, no entanto, retomemos a questão da
repetição desenvolvida por Freud em 1914, em “Recordar, Repetir
e Elaborar”. Este a meu ver, é um dos textos técnicos mais
importantes de Freud, pois é neste texto que ele sintetiza a tarefa
psicanalítica, que seria a de atravessar o elemento da repetição ir
à elaboração. Mas, como assim?
Freud, a partir de suas experiências clínicas, desenvolve uma
relação entre três fenômenos: Transferência, Repetição e Resistência.
Essa ligação pode ser resumida assim: i) a Transferência seria um
fragmento de uma Repetição; ii) a Repetição seria a transferência
de um passado esquecido; iii) esse passado esquecido aparece
como ato (repetição) devido à magnitude da resistência. Freud
percebe no cotidiano de sua prática que muitos pacientes, em
determinado momento do processo analítico, passam a enfrentar
dificuldades em “recordar” determinados conteúdos, como se
esse processo de lembrança tenha se tornado mais penoso do
que antes. Logo, o mecanismo de recordar passa a ser evitado.
Na prática, seria quando as associações do paciente se
interrompem inesperadamente.
A experiência clínica nos mostra que toda vez que nos
aproximamos de um conteúdo mais recalcado, a tendência a
repetir se impõe. Isto é, o paciente “abandona” o mecanismo de

[100]
PERCURSOS EM PSICANÁLISE

recordar e em vez disso repete determinado conteúdo em forma


de ação, em um acting. O paciente está em associação livre, de
repente dá-lhe um branco e diz: — “Nossa! Agora que eu vi a hora,
tenho que ir”. Isso nos faz pensar que ele se aproximou de um
conteúdo mais recalcado e, devido à resistência, cedeu a uma
atuação. Dito de outra forma: algum processo mental, fantasia
inconsciente, ideia ou pensamento, ao invés de ser verbalizado,
foi atuado devido à magnitude da resistência, como se o fato de
se dar conta dessa ideia ou pensamento fosse sentido como
extremamente penoso para a consciência. Mas, não seria esse o
trabalho analítico, vencer as resistências, descobrir o porquê que
é difícil recordar algo, dizer algo, se dar conta de algo?
Podemos dizer que, em análise, a repetição se torna uma força
que se opõe ao saber; desvia o analisando do saber sobre si, do
saber sobre o recalcado, do trabalho analítico. Vejam bem: do
saber do recalcado, não de atuá-lo. A repetição seria, neste texto
freudiano, uma manifestação plena da resistência. Obviamente,
essa “troca” entre o recordar pela atuação ou repetição, acontece
a nível Inconsciente. O paciente não se percebe fazendo isso, e
é, aí, então, que entra a interpretação do psicanalista, aí que entra
o manejo.
Nesse primeiro momento, Freud entende que haveria uma
resistência do Inconsciente em deixar ir à tona o recalcado. Mas
ele veio! No entanto, como ato e não como recordação e,
portanto, verbalização. Daí a compreensão freudiana em “Além
do Princípio do Prazer” de o que Inconsciente insiste e não resiste.
Quer dizer, quem não quer saber do recalcado é o Eu, enquanto
instância consciente. Logo, “quem” resiste é o Eu, a parte
consciente. Quando o Eu “presta contas” ao recalcado, põe de
lado a resistência e, por tabela, a repetição. Nesse sentido, o
paciente volta a recordar e a produzir associações. É isso o que
geraria, segundo Freud, a elaboração.
A grande questão que fez Freud retomar a questão da
repetição é o fato dela não acontecer somente em análise, em um
setting analítico, mas vida à fora. Já parou para pensar que

[ 101 ]
IAGOR BRUM LEITÃO

repetimos e repetimos diversas ações que sempre produzem


angústia, arrependimento, vergonha ou desprazer? “Por que isso
acontece?”, se perguntou Freud em 1920.
No cotidiano, a repetição é uma compulsão de comportamentos
que dão errado. Alguma coisa está insistindo, forçando aquela ação
e, portanto, aquele resultado, a serem repetitivos. O indivíduo
tem um pai completamente grosseiro, agressivo e o rebaixa o
tempo todo. Parece que o filho fica eternamente querendo
daquele pai um comportamento diferente (ou será, na verdade,
que se espera sempre o mesmo comportamento?). São esses
tipos de questões que fizeram Freud retomar a questão da
repetição, partindo da seguinte hipótese: Será que essa insistência
dessa repetição, de atos que dão errado, que são desprazerosos,
acontece porque temos certo apego a repetir? Isto é, gostamos de
repetir e, por tabela, gostamos do desprazer?
A repetição está na gênese do mal-estar, na ambivalência do
prazer. Se perguntarmos a qualquer pessoa o que a faz sofrer,
provavelmente ela dirá algo do tipo: “É esse filme que se repete
em minha vida, os mesmos (des)encontros amorosos, os
mesmos erros que muitas vezes eu sei quais são mas não consigo
evitá-los”. Edmund Burke, filósofo irlandês que viveu no século
dezoito, formulou um aforismo que ressoa até os dias de hoje:
“Aqueles que não conhecem a história estão fadados a repeti-la”. Com essa
frase, Burke advertia da importância de uma civilização conhecer
sua história, para que não cometa os mesmos erros políticos e
sociais que outrora foram cometidos. Não seria essa a tarefa
analítica proposta por Freud em “Repetir, Recordar e Elaborar” –
historiar a vida psíquica de um sujeito, na transferência, com o
intuito de reencontrar o que outrora foi reprimido, mas que ainda
insiste e se faz presente em forma de ações, e assim vencer a
repete-a-ação; uma herança mal-dita?
Comentando um poema de Carlos Drummond de Andrade –
aquele que diz “no meio do caminho tinha uma pedra” – Miller,
psicanalista francês, aproxima esta imagem ao caminho da
análise, que é o caminho da fala.

[102]
PERCURSOS EM PSICANÁLISE

“Alguém vem à análise, o acolhemos sem preconceitos, sem


pressupostos, sem saber, sem memória, o acolhemos no início
do seu caminho de fala conosco. No entanto, ele veio porque
tropeçou no seu caminho, porque há para ele um osso, uma
pedra no seu caminho. Nós o convidamos a falar, e o que nos
orienta em nossa escuta é que há, no caminho da sua fala, um
osso. Antecipamos – talvez seja a única antecipação a que
possamos nos permitir – que sua fala vai girar em torno desse
osso, em espiral, circunscrevendo cada vez mais perto, até, se
posso dizer, esculpir o osso” (MILLER, 1998, p. 39).
O paciente vem à análise pois achou um obstáculo no seu
caminho. Nas entrelinhas, ele nos diz: — “Meu modo de ser, que até
hoje funcionou muito bem, malogrou quando tropecei nesta pedra. Como
sofro, tudo por causa de uma pedra!”. Esse tropeção produziu uma
inquietação, para não dizer angústia, que o impulsionou a
procurar tratamento.
No entanto, a experiência nos mostra que é preciso que se vá
além da queixa sobre essa pedra. O trabalho inicial do paciente
consiste em transformar essa queixa em uma demanda; que não
é uma qualquer, é claro, mas em uma demanda analítica, isto é, uma
demanda sintomal (QUINET, 1991). Como se o sujeito pudesse
finalmente dizer: — “Sinto-me-mal com esse osso, não o aguento mais
em meu caminho. De fato, não aguento mais caminhar junto dele”. Logo,
percebemos que a angústia também tem seu valor, afinal, ela
também pode ser tida como um motor de mudança, da mesma
forma em que as repetições abrem a espaço para o novo.
Ainda tomando esse exemplo para análise, é importante
termos em mente que se no caminho da vida o sujeito malogrou
ao tropeçar em uma pedra, o caminho de sua fala vai se deparar
constantemente com ela, com aquilo que o faz constantemente
tropeçar. Logo, percebemos que a “repetição” está intimamente
ligada a essa pedra, a esse osso (que, de fato, sempre esteve no
caminho). Ao repetir a pedra e, portanto, os tropeços em análise,
ainda que os fazendo como obstáculos frente ao tratamento, o

[ 103 ]
IAGOR BRUM LEITÃO

sujeito pode se deparar com a chance de largar o osso, de largar


a repetição (ALMEIDA & ATALLAH, 2008).
Mas, até aí podemos nos perguntar: Se o osso (a repetição) é
tão angustiante para o sujeito, por que, então, é difícil larga-lo?
Por que se repete? Ou ainda: Por que é difícil “largar” o sintoma?
Foram esses tipos de questionamentos que fizeram Freud
reformular o Princípio do Prazer e chegar à conclusão de que
repetir é uma condição humana – em suas palavras: uma
compulsão humana.
Essas questões, vale lembrar, também são desenvolvidas por
Jacques Lacan. Na Conferência XXIII, em “Os caminhos da formação
dos sintomas”, Freud (1917/2006) afirma que os sintomas
neuróticos são resultado de um conflito, “e que este [o sintoma]
surge em virtude de um novo método de satisfazer a libido” (p.
361). Estes textos abrem um caminho para Lacan introduzir e
discutir o conceito de gozo, ao dizer que este é uma satisfação
inconsciente que exprime uma relação na transição entre prazer
e desprazer, efeito do prazer e dor.
Em síntese, a repetição é o mecanismo pelo qual Lacan
articula a noção de gozo ao prazer de uma outra ordem, de forma
que até o próprio conceito de satisfação possa ser colocado em
cheque, quer dizer, uma satisfação desprazerosa?
Para pensarmos nos efeitos destes questionamentos,
voltemos para o “Além do princípio do prazer”, de Freud. Neste
texto, o autor analisa a brincadeira do seu neto, Fort-Da, e conclui
que as crianças repetem experiências desagradáveis subvertendo-
as de um modo muito mais ativo do que poderiam experimentar
passivamente. Freud também acaba abrindo espaço para estudos
sobre a função do brincar das crianças, além de começar a
solidificar a noção de pulsão de morte, marcando uma virada na
teoria das pulsões e, portanto, na Teoria do Prazer.
Aqui, é necessário explicar um pouco melhor sobre o “Fort-
Da”. Esse é o nome do jogo “criado” pelo neto de Freud, de
aproximadamente três anos de idade. A brincadeira consistia em

[104]
PERCURSOS EM PSICANÁLISE

jogar um carretel para debaixo da cortina, segurando a ponta do


barbante. Quando jogava ele dizia “Fort” (traduzindo do alemão,
seria algo perto de “vai”). Em seguida, o garoto puxava o carretel
pelo barbante e, quando o “brinquedo” aparecia, ele dizia “Da!”
(“ali!”).
A história conta que a mãe do garoto trabalhava fora,
portanto, ausentava-se diariamente da casa e do garoto. Freud
analisa a brincadeira e percebe que ela possuía um significado
muito particular para seu neto. O psicanalista passou a entender
que, nesse brincar, o garoto expressava e elaborava a angústia pela
falta de sua mãe. O psicanalista vienense interpreta a brincadeira
como uma encenação – atuação, portanto, repetição – do
desaparecimento e da volta de sua mãe. Dito de outro modo, a
brincadeira se mostrava como uma forma de produzir prazer em
uma situação de desprazer (causado pela inevitável ausência
materna), compensando a perda do objeto (a mãe) por meio do jogo
e da fantasia.
No entanto, o jogo do carretel criado por seu neto leva a
Freud repensar o princípio do prazer bem como a lógica do
funcionamento do aparelho psíquico. Ele percebe que o ato da
partida do carretel (objeto que representaria a partida da mãe),
que seria sentido na qualidade psíquica de desprazer, é
privilegiado na cena da brincadeira. Embora o segundo ato da
brincadeira (o retorno do carretel) era realizado com mais
entusiasmo, era o primeiro ato que se repetia mais (a partida do
carretel). Ora, seguindo o modelo anterior em que o prazer seria
a meta (por isso “Princípio do Prazer”), por que a cena do retorno
do carretel (o retorno da mãe), que seria sentido como prazerosa,
não foi privilegiada? A partir daí, Freud “descobre” a existência
da Pulsão de Morte que, junto da Pulsão de Vida, passam a dirigir o
funcionamento psíquico (LEITÃO, FÁVARO, FIGUEIREDO &
KIRMSE, 2017). Seria como se, ao repetir a cena desprazerosa (a
partida da mãe) o garoto alcançasse alguma satisfação da Pulsão
de Morte, que é uma força que empuxa o sujeito a um estado

[ 105 ]
IAGOR BRUM LEITÃO

inorgânico, de baixa quantidade de excitação psíquica, o


desprazer.
“O mesmo inconsciente que nos impele a repetir com
serenidade comportamentos bem-sucedidos nos leva também a
repetir, compulsivamente, atitudes que conduzem ao fracasso”,
diz Juan-David Nasio (2014). Essa afirmação de Nasio traduz a
virada na teoria do prazer freudiana, formulando a teoria das
pulsões. A partir de 1920, Freud passada a entender que, na
verdade, o aparelho psíquico é regido por forças de vida (pulsão
de vida) e forças de morte (pulsão de morte). E a grande questão
que o pai da psicanálise coloca, após tomar para análise as
brincadeiras das crianças, as neuroses traumáticas de guerra,
entre outros fenômenos, é que ambas as pulsões exigem
satisfação, o que faz com que caminhemos entre o desejo e o
gozo, entre engajamento e a sabotagem, entre o prazer e o
desprazer.
Nesse sentido, é demasiadamente importante nos atentarmos
que a Pulsão de Morte é ligada diretamente com a Repetição. O
conceito-fenômeno de repetição ocupará um lugar de uma força
ou movimento pulsional, como uma (com)pulsão à repetição.
Isso não quer dizer, no entanto, que a repetição, como observado
por Freud em 1914, deixaria de estar ligado à resistência. No
setting analítico, a tendência a repetir ainda permanece ligado à
resistência. A questão que é acrescentada por Freud está no fato
que repetir seria uma tendência muito mais primordial; repetir é
uma condição humana, uma satisfação da pulsão de morte,
portanto (com)pulsão. “Existe realmente na mente uma
compulsão à repetição que sobrepuja o princípio do prazer”
(FREUD, 2006/1920, p. 33). Dessa forma, até o próprio conceito
de sintoma começa a ser reelaborado, sinalizando como uma
satisfação de uma pulsão que está recalcada, e, por estar
recalcada, retornaria como desprazer.
Por que será, então, que Lacan relaciona a repetição com a
noção de gozo? Ora, aquilo que foi “perdido” enquanto prazer é
recuperado e sustentado pelo gozo, ou também pelo caminho

[106]
PERCURSOS EM PSICANÁLISE

inverso, aquilo que foi experimentado como desprazer em uma


forma passiva pode ser experimentado como prazer em uma
forma ativa, em um acting out, que em outras palavras, para Freud,
seria um rearranjo da satisfação pulsional. Como se ao repetir
uma situação desprazerosa o sujeito extraísse dela algum gozo.
No primeiro caso, um exemplo simples recorrendo aos
chistes: a piada que ouvimos de um outro, em que obtemos um
prazer através do riso; recontá-lo seria um modo de tentar
retornar a este prazer uma vez conhecido, porém perdido, e, ao
provocarmos o olhar do outro e o fazermos rir, nos
identificamos com ele e recuperamos uma parte deste prazer.
Quanto à segunda possibilidade, temos na clínica o exemplo
do paciente repetir e atuar uma satisfação antes desprazerosa,
subvertendo-a de um modo passivo para um modo ativo. É o
caso do paciente que se queixa que sua mãe não lhe dá ouvidos,
é devoradora, nunca considera a sua opinião e lhe interrompe
todas as horas. Diante da transferência com o analista, ele o faz
de forma idêntica: é quando ele não ouve ou ironiza suas
interpretações, interrompe-o e o devora. Cabe ao analista,
portanto, manejar este acting out pela interpretação, para que o
paciente possa atualizar os componentes psíquicos, se dar conta
disso que apareceu como ato, ao invés de recordação.
Vencida essa repetição, o paciente pode ir à elaboração, isto
é, associar (recordar) que isso acontece vida à fora; que, na
verdade, ele está transferindo para o analista um mal-estar que se
repete com sua mãe. Curiosamente, é através da repetição que
surge o novo. Muitas vezes, no entanto, o novo não é tão “novo”
assim. Pode ser, inclusive, algo familiar, mas que ainda não foi
assimilado por completo: O retorno do recalcado 35, formulado por
35 A partir do estudo das neuroses, especialmente a histeria, Freud formulou

uma “teoria do sintoma” que teria como pedra angular o Recalque. Para a
psicanalista Maria Villela Dias (2006), as neuroses nos ensinam que os seus
sintomas são uma expressão de conflitos entre o Eu e as Pulsões, que, “por
serem incompatíveis com a integridade ou com padrões éticos do Eu, são
recalcadas, ou seja, são impedidas de se tornar conscientes, bem como são

[ 107 ]
IAGOR BRUM LEITÃO

Freud. A experiência clínica nos mostra que toda vez que o


sujeito se dá conta dessa repetição, ou ainda se “recorda” de algo
que parecia completamente esquecido, ele produz uma
elaboração desse tipo: — “Na verdade, eu sempre soube disso, apenas
não parava para pensar”. Logo, percebemos que o mecanismo de
recordar implica em re-acordar determinado conteúdo, que
estava latente. Feitos isso, o que fazer? Re-acordou o que estava
acordado, recalcado. Quais os efeitos disso?
Alguma vez você já se deparou com algo que era familiar e
que, em certo momento, tornou-se estranho? Mais ainda:
assustador? Para entendermos um pouco sobre isso, é
importante recorrermos ao texto freudiano “O estranho”, de 1919.
Na língua alemã, o termo Unheimlich significa “estrangeiro”,
“desconfortável”, “inquietante”, “estranho”. O curioso é que, no
alemão, Heimlich significa “familiar”. Linguisticamente falando,
portanto, há sempre algo de familiar no estranho (Un-heimilich).
E é isso mesmo o que acontece. Às vezes, nos casos mais
simples. Você já deve ter dito para alguém: — “Está me
estranhando?”; ou seja, “Não está me reconhecendo não?”. O que
deveria ser familiar, tornou-se estranho.
Essa experiência do “estranho” é justamente o contato com
aquilo que deveria ser secreto e oculto: o recalque. É o contato
com o que foi alguma vez já experimentado, que não é
genuinamente novo, mas que por algum motivo foi recalcado, e,
neste contato, aparece para o sujeito como um elemento “novo”
– temos uma expressão bastante oportuna para esse
acontecimento: “A ficha [resistência] caiu”.
Bom, é certo que o contato com o novo pode ser, muitas das
vezes, assustador. Mas algo tem de ser acrescentado ao novo para

afastadas, de início, da possibilidade de satisfação” (p. 400). O recalcamento,


entretanto, fracassa, e a libido represada encontra outras formas de saída,
outras vias de satisfação. Uma delas é o próprio sintoma, que pode ser
entendido como uma satisfação sexual substituta ao desejo sexual outrora
barrado, isto é, não realizado. Portanto, o sintoma também pode ser
entendido como o “Retorno do Recalcado”.

[108]
PERCURSOS EM PSICANÁLISE

torná-lo estranho. Este elemento, nada mais é do que um


elemento familiar. Seria, por exemplo, o caso do dêjà vu, que nos
causa uma sensação de estranhamento, de inquietude, pois há
justamente algo de familiar na experiência, mas que não é
revelada por completo.
Na clínica, o elemento estranho é extremamente produtivo.
Narra-se uma história e, de repente, comparece uma palavra
“estranha”, e daí vamos para Outra história – sucesso da
Associação Livre!. Ou ainda, em uma simples fala, nos
perguntamos: — “Por que diabos eu disse isso?”. Esse é o estranho.
A Outra cena, semi-dita. Subvertendo a música “Velha Roupa
Colorida”, do cantor e compositor brasileiro, Belchior: “Você não
sente nem vê, mas eu não posso deixar de dizer, meu amigo, que uma nova
mudança em breve vai acontecer. E o que há algum tempo era jovem, novo
[velho, antigo], hoje é antigo [novo]...”.
Até aí o leitor pode estar se perguntando: como se daria a
interpretação do acting out na clínica psicanalítica? Para responder
essa pergunta, tomemos como exemplo a clínica com crianças.
Esse tipo de “clínica” é interessante pois o trabalho psicanalítico
com crianças tem como elemento central a repetição, que é
encarnada no brincar.
Lembro-me de uma menina de nove anos de idade que
atendia. Ela vinha direto da escola para o consultório. A
brincadeira que ela mais gostava era “escolinha”. No entanto,
nessas vezes, ela que era a professora (eu virava o aluno). Ou
seja, ela subvertia a experiência que era sentida como passiva
(aluna) para ativa (professora). O interessante é que ela atuava
uma professora bastante rígida na brincadeira.
De cara, somos inclinados a pensar que sua professora
também fosse rígida com ela ou com os alunos; logo, a garota
estaria repetindo a professora. Mas o fenômeno de repetição
deve ser escutado com mais cautela. Lembramos que ele está
intimamente ligado com as pulsões, especialmente à pulsão de
morte. Logo, dizem muito mais respeito aos traços de satisfação
do sujeito, isto é, do inconsciente – não é mera imitação de

[ 109 ]
IAGOR BRUM LEITÃO

alguém. Neste caso, o acting out de uma professora rígida


apontava muito mais para um ganho de gozo que ela não tinha
enquanto aluna. Além disso, essa posição permitia vias acesso às
questões sádicas, presentes em qualquer indivíduo. Ela
costumava dar bastante broncas, fazer ameaças de castigo se eu
não fizesse o dever-de-casa direito ou se não fosse bem na prova.
Desse modo, as interpretações desse acting out, isto é, do
brincar, também foram “lançadas” pela via da brincadeira, do
ato. Na brincadeira, colocava muita ênfase no sofrimento dos
brinquedos causado pelo sadismo dela, fazendo-a sentir-se cada
vez mais culpabilizada. Foi muito importante sustentar esse
sadismo até o momento em que ela própria se deu conta desse
outro lado de si, e elaborou o conteúdo (nas entrelinhas) da
interpretação: “É terrível fazer isso com os alunos, com os outros, me sinto
mal por isso”.
Desse modo, é possível afirmarmos que a clínica psicanalítica
da criança é sobretudo uma clínica do ato, do acting out. É que,
diferentemente dos adultos, que repetem o que viveram, as
crianças repetem o que estão vivendo. Isso implica no fato de
que, para as crianças, a análise geralmente caminha pela via do
repetir e do elaborar, praticamente “pulando” a etapa do recordar,
e tendo o brincar como o acting out mediador deste processo
(LEITÃO & CACCIARI, 2017).
A interpretação na clínica com crianças deverá sempre
valorizar o que é dito, brincado e atuado pela criança; ou seja,
valoriza-se o significante, e não a significação, o comportamento
ou a ação. O que a experiência clínica nos mostra é que, por a
criança repetir o que está vivendo, as questões trazias por ela
dizem muito mais respeito ao seu momento presente. Logo, os
efeitos das intervenções podem ser percebidos com mais
agilidade do que na clínica com adultos. De repente, a criança
relata não sentir mais medo do escuro ou de dormir sozinha;
deixa de fazer xixi na cama; passa a estabelecer relações mais
confiantes; não apresenta mais dificuldades de evacuação
(constipação e/ou encoprese); isto é, seus sintomas

[110]
PERCURSOS EM PSICANÁLISE

desaparecem. Entretanto, isso não nos permite dizer que todas


as questões foram resolvidas. Na melhor das hipóteses, podemos
afirmar que as questões do presente estão em avença. Afinal, o
tempo ainda é de constituição. Experiência posteriores podem
mobilizar conteúdos latentes.
Agora, se na clínica o manejo do acting out é pela via da
interpretação, como se daria o “manejo do sintoma”? Para
entendermos essa questão, devemos traçar o percurso do
entendimento do sintoma na leitura lacaniana. No Seminário
sobre “A angústia”, Lacan (1962/2005, p. 140) nos adverte:
“O sintoma não está, como o acting-out, pedindo a
interpretação (...) o que descobrimos no sintoma, em sua
essência, não é um apelo ao Outro, não é o que mostra o
Outro; o sintoma em sua natureza é gozo (...) gozo encoberto
sem dúvida (...) O sintoma não precisa de vocês como o acting-
out, ele se basta. É da ordem do que lhes ensinei a distinguir
do desejo, como sendo o gozo, quer dizer, algo que vai em
direção à Coisa, tendo passado a barreira do Bem (...) quer
dizer, do princípio do prazer, e é por isto que este gozo pode
se traduzir por um desprazer”.
Lacan (1966/2001), em sua palestra sobre “O lugar da
psicanálise na medicina”, afirma, entre outras palavras, que o corpo
é feito de gozo e o que ele quer é gozar. O que ele faz é sublinhar
a força da pulsão de morte, na tentativa de aliviar o desconforto
da concepção do médico, preocupado com o bem-estar do
paciente e implicado em conceber um corpo harmonioso e
concebido para vida. Como efeito, Lacan, ao afirmar que há gozo
no corpo, aponta que há algo no corpo que quer morrer: um caos
pulsional. Dessa forma, é possível entender caminho lacaniano
para um novo entendido sobre o sintoma.
Importante lembrar que no caso Dora, por exemplo, Freud já
abria espaço sobre a questão simbólica do sintoma (como sendo
uma metáfora a ser decifrada), em que ele corresponderia
simultaneamente a diversos significados e que ele “também pode
[ 111 ]
IAGOR BRUM LEITÃO

expressar diversos significados sucessivamente” (FREUD, 1901-


1905/2006, p. 58). Entretanto, a partir da discussão sobre os
conceitos de gozo e sintoma, Lacan reposiciona sua teoria,
dizendo que neste último há algo que escapa ao Simbólico; há
um resto, e a este resto Lacan dará o nome de gozo, passando a
entender o sintoma não apenas como uma metáfora a ser
decifrada, mas como uma forma do sujeito reorganizar o seu
gozo (DIAS, 2006).
Em outros termos, o sintoma seria o efeito do Simbólico
sobre o Real, seria “o trabalho de todo sujeito para dar conta do
real” (MAIA, MEDEIROS & FONTES, 2012 p. 57). Questão que,
de certa forma, já era abordada por Freud, também durante o
caso Dora, em suas primeiras formulações a respeito do sintoma:
“A princípio, o sintoma é para a vida psíquica um hóspede
indesejável (...). No início, não tem nenhum emprego útil na
economia doméstica psíquica, porém com muita frequência
encontra serventia secundariamente. Uma ou outra corrente
psíquica acha cômodo servir-se do sintoma, que assim adquire uma
função secundária e fica como que ancorado na vida anímica”.
(FREUD, 1901-1905/2006, grifos nossos)
Logo, o sintoma se apresenta tanto como uma resposta à uma
ou mais questões não elaboradas, de difícil acesso, quanto uma
forma de lidar com estas questões, um reajuste. Embora também
produza angústia para o sujeito, o sintoma também adquire
função de suplência para ele. Por isso Lacan já dizia que o
sintoma é caro para o sujeito; isto é, é difícil para o paciente “se
livrar” do sintoma.
Voltemos à repetição. Na tentativa de contextualizarmos as
discussões sobre esse conceito-fenômeno, tomemos mais um
exemplo bastante curioso: trata-se de um analista que repete as
questões de seu analisando – o qual também repete na análise as
suas questões com seu pai – diante da transferência com sua
supervisora (AISENSTEIN, 2016). Em outras palavras, tratar-se-ia

[112]
PERCURSOS EM PSICANÁLISE

de um entrelaçamento das questões entre o analista e analisando,


ambos sustentadas pela via do gozo em um acting out.
A psicanalista Marília Aisenstein (2016) conta-nos sobre uma
supervisão de um caso de um analista em formação. Esse analista
relata que seu analisando costumava “queixar-se, durante várias
sessões, de ter-se apaixonado por um pequeno tapete turco de
orações, peça rara” (p. 49). Ele relata, na supervisão, que seu
analisando disse que infelizmente não pode adquiri-lo devido à
suas condições financeiras, dizendo a ele: “Não sou como você,
que tem Pollock e Malevitch na parede” (p. 49). Contudo, ele “se
explica” à sua supervisora: “No meu consultório, são pôsteres
emoldurados, não é como aqui no seu, onde estamos em meio a
telas de mestres...” (p.49).
Há algo em comum nas elaborações secundárias do paciente
para o analista e do analista para a supervisora. Eles estão
dirigindo uma fala livre para um terceiro, que não é um qualquer,
e em determinado momento de suas falas colocam uma vírgula.
Vejamos: o paciente estava em associação livre, dizendo o
quanto gostaria de ter o tapete turco, mas é compelido a
construir uma elaboração secundária, explicando, nas
entrelinhas, que o tapete seria “pouca coisa” em comparação aos
quadros de seu analista – notem, aqui, o lugar transferencial em
que o analista é colhido: um lugar de superioridade.
O interessante é que a mesma situação acontece com o
analista e sua supervisora. Ele está relatando o caso a ela, e
também é compelido a se explicar que seus quadros são “pouca
coisa”, se comparado aos dela. Logo, percebemos que ambos
cedem a um fragmento de uma repetição na transferência com
aquele que ocupa um lugar de Sujeito Suposto Saber para eles.
Por se tratar de uma transferência desencadeada em uma
análise (no caso do paciente) e em uma supervisão (no caso do
analista em formação,) isso indicaria que essa forma de relação é
repetida vida à fora. Conjecturemos: talvez, ambos construíram
alguma fantasia inconsciente a partir de relações passadas (laços
sociais muito mais primordiais), que remetem a um lugar de

[ 113 ]
IAGOR BRUM LEITÃO

inferioridade perante um Outro – nada que eles têm é bom o


bastante, para ser, é preciso do reconhecimento do Outro –
desejo do neurótico obsessivo por excelência. Ainda em um
terreno “para-lá” de generalista, podemos pensar que o pai ou a
mãe (alguém que ocupou, real ou fantasiosamente, o lugar de um
“Outro”) desses indivíduos fosse demasiadamente exigente, de
forma que aniquilam o desejo deles, tornando-o essencialmente
alienado. Logicamente isso se daria de uma forma singular para
cada sujeito, e isso só poderia ser confirmado em um só-depois
em suas análises.
O exemplo serve para mostrar como todos, enquanto
sujeitos, estamos suscetíveis à repetição, e quando há um
entrelaçamento de questões entre o analista e o analisando, a
supervisão pode se tornar um dispositivo fundamental para pô-
las em cena. Vejam bem: pô-las em cena; superar, somente na
análise pessoal.
Nesse sentido, poderia a supervisora colocar uma questão ao
analista em formação: — “Você reparou que está fazendo da mesma
forma que seu paciente fez com você?”. Não por acaso, o paciente se
queixou sobre o tapete durante várias sessões, tornando possível
considerarmos a hipótese de que esse impasse vivido pelo
analisando tocou em alguma questão pessoal do analista,
barrando sua escuta. Como o inconsciente insiste e não resiste, este
elemento tornou a comparecer, como se dissesse ao analisando
“tem coisa sua aí, é sintoma. Então, sim, toma!”. Por isso Freud
já dizia que todo analista deverá passar pela análise de seu
inconsciente, pois só assim estaria melhor capacitado para
oferecer uma escuta livre – assim como se espera uma fala livre
do analisando.
Lacan (1964/2008) acrescenta algo a mais sobre isso, ao
argumentar que o inconsciente não pode ser separado da
presença do analista. Miller (1987/1994) também caminha neste
sentido, formulando que “o analista, na medida que opera com a
cura psicanalítica, não é exterior ao inconsciente do paciente” (p.

[114]
PERCURSOS EM PSICANÁLISE

60). Neste ponto, entretanto, entramos nas implicações do


conceito de Transferência.

Transferência

O conceito de transferência é um dos pilares do campo


psicanalítico. De forma simples, mas não simplória, Lacan
apresenta algumas reflexões sobre esse conceito-fenômeno. O
paciente chega na clínica sofrendo de algo que ainda é não-
sabido, e sua demanda de tratamento parte do princípio que o
outro, o analista, sabe. Em outras palavras, o paciente supõe que
o analista sabe sobre seu sofrimento. Esse é o Sujeito Suposto Saber
(SSS), noção lacaniana sobre a transferência.
Para o Lacan, o Sujeito Suposto Saber não é a pessoa do
analista, mas é antes de tudo um lugar de um efeito do discurso,
um lugar inconsciente que o analista é convocado a ocupar, um
lugar de um Outro. Daí, Quinet (1991) adverte que, embora o
analista empreste sua pessoa para encarnar esse Sujeito Suposto
Saber, ele não deve de forma alguma se identificar com essa
posição de saber; isto é, de assumir para si esse saber absoluto.
Isso, mostra a experiência, é um erro, um equívoco. Para Quinet
(p. 26-27), “identificar-se com essa posição é transformar a
análise em uma prática baseada em uma teoria (ou uma teologia)
que não inclui a falta”;
Devemos, na verdade, ocupar um lugar de semblante de saber;
isto é, “fazer cara” de possuir o saber totalitário. Vejam bem, não
se trata de fingir um saber; muito menos afirmar que, na verdade,
não sabemos nada. O que não sabemos é da história do paciente
e do significado de seu sintoma – não sabemos sobre seu
inconsciente. Em contrapartida, o que sabemos é conduzir o
tratamento, que deve, afinal, ser marcado pela falta.
O saber do analista é o da ignorância – não a ignorância
ignara, como lembra Quinet (1991), mas de quem sabe seus

[ 115 ]
IAGOR BRUM LEITÃO

limites. Essa ignorância “douta” implica em prudência, em


operacionalizar uma posição que, afinal, fora endereçada pelo
analisante, e dela operar a análise – análise na e da transferência.
Colocar em questão para o sujeito o enigma que Lacan denomina
de “Che vuoi?” (Que queres?), isto é, a que isso [o sintoma] lhe serve?
Essa posição, que é sobretudo ética, implica no fato de que não
deve o sujeito ter sua pergunta, demanda ou queixa,
apressadamente respondida ou atendida e, portanto, calada pelo
saber totalitário do analista. Na prática, isso se expressa por meio
da sugestão, da orientação, do ato pedagógico sobre o sujeito.
Colocar a demanda, queixa e, portanto, o sintoma, em análise,
implica em impulsionar o sujeito a um encontro com o saber – que
o seu sintoma, antes significado, se torne um significante, e que
esse significante remeta a outro significante. Logo, o saber (o
significado) desliza sobre a cadeia de significante, sendo
produzido (ainda que parcialmente) nas associações. Aí está a
verdade do sujeito: na associação. Aí está a possibilidade da
reconstituição metafórica do sintoma e de sua ressignificação.
Entretanto, devemos reconhecer que essa terceirização de um
saber, isto é, de que a resposta está no analisa, marca o início de
uma análise. Essa condição é, na verdade, necessária para que
uma pessoa busque um tratamento, que inicie a busca por uma
resposta sobre o porquê de ter malogrado e, por efeito, como
sair disso. Logo, percebemos que o analista é tomado em uma
metonímia, símbolo (analista) pelo objeto simbolizado (demanda
de análise).
No Seminário 11, sobre Os conceitos fundamentais, Lacan diz que
cada vez que para o sujeito essa função do Sujeito Suposto Saber é
encarnada por quem quer que seja, analista ou não, isso significa
que a transferência já está estabelecida, é preciso fazer algo com
isso. Daí, portanto, a transferência (lugar de saber) marca o início
de uma análise. Operacionalizar a transferência... bom, aí
depende do analista.
Sintetizemos o que temos dito até aqui. Ao procurar uma
análise, o paciente supõe que o saber há em algum lugar. Esta

[116]
PERCURSOS EM PSICANÁLISE

possibilidade de um saber antecipado permite ao analista ser


passível de ser colocado neste lugar, que é transferencial e
podendo ser um lugar qualquer, e dele direcionar o tratamento.
Como no exemplo do paciente que atua a hostilidade de sua mãe
para com o analista, percebe-se que o que está em jogo é o lugar
que este (re)ocupa para a paciente, cabendo ao analista manejar
este lugar, sustentando-o e atualizando-o com a interpretação –
a que lugar o laço transferencial remete?. Este é o manejo da
transferência, chave do dispositivo analítico.
No texto em que se dedica especialmente ao conceito da
transferência, Freud (1912/2006) parte do achado clínico de que
cada paciente revela um método próprio de conduzir-se nas
relações. Argumenta que existem pré-condições muito
particulares em cada sujeito que definirão as relações amorosas
deste, a escolha pelas pessoas com quem ele se relaciona e os
objetivos que ele busca com essas relações. Este método próprio,
nomeado por Freud de “clichê estereotípico”, é constantemente
repetido, transferido e reeditado pelo sujeito a cada nova relação.
Nesse sentido, fica evidente que a Transferência não é apenas
um conceito; mais ainda: não está somente ligado à clínica e à
psicanálise. A transferência é, na verdade, uma espécie fenômeno
universal, estando-a presente em todas as relações humanas. O
humano, como se sabe, é um ser social. Isso significa dizer que
ele está sempre criando vínculos. Na medida em que vão se
estabelecendo as relações, vão se criando fantasias inconscientes
sobre as mesmas. A transferência sugere que essas fantasias
perpassam todas as relações; que algo esteja constantemente em
deslocamento, de uma relação para a outra. Como se todo novo
personagem fosse composto por um familiar. Logo, a
transferência diz respeito ao modo ao qual determinado sujeito
constituiu de se relacionar com o mundo, com o Outro a qual
todos os outros “outros” estarão submetidos.
Como se sabe, a infância, em especial, a tenra infância, é tida
como momento estrutural, quando se constitui as primeiras
representações sobre o mundo externo e, por conseguinte, um

[ 117 ]
IAGOR BRUM LEITÃO

mundo interno. A lógica da transferência diz respeito aos


padrões antigos, isto é, constituições fantasmáticas frutos das
primeiras relações vinculares, que, como sabemos, foram com os
nossos pais (leia-se, também, todo sujeito que marcou com
elementos de linguagem, que impactaram e produziram efeitos
na constituição psíquica de um bebê ou criança – o que
chamamos de “Outro”).
Essas primeiras relações despertam os primeiros afetos
(prazer e desprazer) que, depois, vão sendo simbolizados (amor,
ternura, carinho; ódio, agressividade, frieza) e articulados sob um
certo discurso. Essas modalidades de afetos serão transferidas
para toda e qualquer “nova” relação. Como se o sujeito buscasse
ou esperasse (re)encontrar esses afetos em todas as “novas”
relações. Isso significa dizer que, na perspectiva psicanalítica, a
relação do sujeito com o outro, o seu semelhante, é sempre
cortada pela relação com o Outro. O que quer que o outro diga,
será escutado a partir de um lugar pré-determinado.
Trans-ferência sugere, então, que algo se desloque de um
lugar Outro para o outro, de uma relação “Outra” para a “outra”.
Fica evidente, portanto, que há algo que acompanha e move o
indivíduo em seus laços sociais.
Para Christian Dunker, psicanalista e professor da
Universidade de São Paulo, também se produz na transferência
uma espécie de descompasso. “O indivíduo está repetindo modalidades
de afetos, demandas, afeições, que formavam nossas experiências de amor até
então, com alguém que é um novo personagem” (DUNKER, 2016). Há,
portanto, uma lógica implícita que permeia toda a questão da
transferência para a psicanálise: o indivíduo, de forma
inconsciente, tende a repetir as escolhas dos objetos amorosos ao
longo da vida; mais ainda: tende a levar consigo as
(in)completudes dessas (des)encontros amorosos, isto é, suas
neuroses.
Já perceberam que os objetos amorosos que muitas pessoas
elegem durante a vida são semelhantes entre si? Essa, com já
indicado, é uma das maneiras para ler a transferência, a partir dos

[118]
PERCURSOS EM PSICANÁLISE

caminhos que uma pessoa pode amor, extensamente discutido


por Freud, em “Uma introdução ao Narcisismo”, texto de 1914.
Segundo o psicanalista vienense, uma pessoa pode amar:
(1) Em conformidade com o tipo narcisista:
a) o que ela própria é (isto é, ela mesma),
b) o que ela própria foi,
c) o que ela própria gostaria de ser,
d) alguém que foi uma vez parte dela mesma.
(2) Em conformidade com o tipo anaclítico (de ligação):
a) a mulher que alimenta,
b) o homem que protege,
c) a sucessão de pessoas substitutivas que venham a ocupar o
seu lugar. (p. 97)

O psicanalista e professor da Universidade de São Paulo,


Nelson Ernesto Coelho Júnior (2001), aponta que, por meio
dessa sequência, fica claro o quanto as experiências amorosas
infantis determinam experiências posteriores. Para o autor, no
entanto, é preciso se atentar ao fato de que, embora a psicanálise
trabalhe em uma linha regressiva – em um movimento trás(z) pra
frente –, em que as experiências do passado explicam o presente,
ou seja, “as escolhas objetais passadas explicam as atuais ou
posteriores” (COELHO JÚNIOR, 2001, p. 40), há de se convir que
o caminho inverso também existe, afinal, “somente as
experiências posteriores podem fazer com que as passadas
ganhem sentido, ganhem significados” (COELHO JÚNIOR, 2001,
p. 40). Logo, não há causa e efeito final. Há construções que vão
se desvelando ao longo das relações.
No entanto, no campo do amor, como muito sabem, tudo
fica mais complexo. O amor é uma novela. Envolve ciúmes,
ódio, paixão, inveja, traição. O amor é uma metáfora para todos
esses significantes. Portanto, a transferência que fazemos para
toda e nova relação também é inclusa de neurose. De fato, a
transferência pode ser tida como a miniatura das neuroses, como já dizia
Freud em 1920.

[ 119 ]
IAGOR BRUM LEITÃO

A clínica psicanalítica nasceu da clínica da neurose,


especialmente na clínica da histeria. Não é por acaso que a
transferência ocupa lugar fundamental para essa teoria e práxis.
É importante notarmos que o que a psicanálise tem de particular
com a transferência, diferentemente de outras modalidades de
psicoterapia, as quais comumente associam a “transferência” ao
bom vínculo entre paciente/cliente e médico/terapeuta (rapport),
é o fato da Psicanálise propor operacionalizar a transferência na
clínica, de forma a utilizá-la em favor do tratamento. Melhor:
como um motor do tratamento. “A transferência não é,
portanto, uma função do analista, mas do analisante. A função
do analista é saber utilizá-la”, diz Antonio Quinet (1991, p. 26).
Avancemos, portanto, no conceito-fenômeno da
transferência desenvolvido e reposicionado pela psicanálise com
o intuito de entendermos como a transferência aparece na clínica
e o porquê dela ser tida como o motor do tratamento
psicanalítico.
Os psicanalistas argentinos, Carlos Blinder, Joseph Knobel e
Maria Siquier (2011) comentam a noção freudiana de que a
transferência é um processo que corresponde aos desejos
inconscientes que se atualizam e se apresentam sobre certos
objetos (e/ou pessoas, tomadas como objetos) “com os quais se
repetem as matrizes infantis” (p. 67). Na clínica, seria a própria
transferência uma repetição, no presente e com o analista, das
experiências sexuais infantis vividas no passado, as matrizes
infantis 36. Para Freud (1914/2006) a repetição das matrizes
infantis produziria um efeito de deslocamento de afeto de uma
representação para outra – e não somente para a figura do
analista, mas para todas as relações em geral. Na clínica, as
matrizes infantis se mostram como elementos fantasmáticos, e é
através da fantasia que o sujeito pode montar um cenário, que é,
36 Aqui, é importante ressaltar que as experiências sexuais infantis não
necessariamente são experiências factuais. Muitas delas, aliás, são elementos
fantasmáticos, isto é, fantasias sexuais infantis.

[120]
PERCURSOS EM PSICANÁLISE

afinal, repetido, e nele incluir o psicanalista em uma das


dinâmicas psíquicas já formadas.
Segundo o psicanalista francês, Juan-David Nasio (1999), é
preciso compreender a noção de transferência como “uma
atividade pulsional, como um traçado pulsional que sulca uma
terra deserta, uma terra que se tornará progressivamente um
lugar, um vínculo: o vínculo da analise (...) a transferência é,
afinal, a história fragmentária de uma pulsão particular” (p. 40).
Na transferência, advertem Blinder e colaboradores (2011), “se
manifesta o mais íntimo do sujeito: suas pulsões, sua infância,
seu narcisismo e seu Édipo” (p. 67).
Nesse sentimos, podemos pensar que o que se faz numa
análise é, sobretudo, uma análise na e da transferência: como ela
inclui e envolve o analista. Uma análise só é possível com a
presença do analista enquanto semblante, e dependerá de qual o
lugar que ele irá ocupar; o que lhe será demandado. É a partir
desse lugar, transferencial, que o analista irá lançar suas
interpretações, como uma espécie de pontuação sobre a
alteridade produzida pelo próprio sujeito. É como se fosse um
trabalho de carteiro: assegurar que as cartas cheguem, com o
devido tempo e cuidado, ao destinatário que, curiosamente, é o
próprio remetente.
Em “A dinâmica da transferência”, texto em que Freud se
aprofunda nesse conceito-fenômeno, ele afirma que a
transferência de que se trata é ocasionada, principalmente, no
tratamento analítico. O que ele nos mostra é que a transferência
também aparece em uma análise como uma forma de resistência
(FREUD, 1912/2006). Se a transferência é tida como o motor de
análise, é importante termos em mente que esse motor, assim
como qualquer outro, também engasga. Isto é, a transferência
tende a ser tornar, em certos momentos do tratamento, um
“empecilho” a ser vencido, tende a afastar o analisando do desejo
de saber, da demanda às palavras. Já vimos isso muito bem no
tópico sobre a “Repetição”, tomando como análise o texto

[ 121 ]
IAGOR BRUM LEITÃO

“Recordar, Repetir e Elaborar”, de Freud. Mas, avencemos um


pouco mais.
Vejamos um recorte clínico: a paciente vem para atendimento
por conta de uma compulsão por doces. Toda vez que se sente
insegura, desconta nos doces. Relata que tem dificuldades de se
“impor” para as pessoas, por ter medo de ser “avaliada”,
“julgada”, “reprovada”. Diz que isso vem desde à infância,
tempo em que buscava a aprovação da mãe, sem nunca obter.
Tudo que fazia era reprovado por ela. Diz que a mãe era
“amarga” demais. Assusta-se ao dizer isso, associando que talvez
seja por isso que ela adora um “docinho”, talvez para aliviar a
“amargura da reprovação”, diz ela.
No início do tratamento foi tudo flores, muitas associações,
insights e elaborações. Ela dizia que eu era um “doce”. Em
determinado momento, como nada nessa vida perdura, o doce
passou a ser amargo. Vinha para sessões dizendo que estava tudo
bem, que não tinha mais nada: estava tudo ótimo em sua vida.
Tudo melhorou após mágicas cinco ou seis sessões. Digo para
ela sobre o medo de ser avaliada, julgada, e que talvez isso
estivesse se repetindo nos atendimentos. Ela diz que não, pois
pode me “confessar” tudo, porque eu sou um “doce”, mas que
não tem nada mais a dizer mesmo. Interpreto para ela que, como
já disse, quando não consegue encarar determinadas situações,
desconta no doce, e que, talvez, ela estaria descontando em mim,
isto é, tomando-me como um “doce” para escapar dos
problemas. Ela começa a chorar e diz que “tem medo de que eu
conheça seu lado ruim”. Digo-lhe que existem doces meio
amargos, que eles podem coexistir, e que mesmo quando o
amargo é demais, não mata ninguém. Ela sorri e após alguns
minutos volta a associar livremente, contando-me sobre alguns
problemas que acontecera.
De fato, o exemplo clínico remonta a noção freudiana de que
a transferência deve aparecer como forma de resistência, pois é
disso que se trata de uma análise: vencer as resistências. Para
vencê-las, é preciso conhecê-las. Quer dizer, se a transferência

[122]
PERCURSOS EM PSICANÁLISE

funcionasse só como um facilitador em que o paciente, nas


palavras de Freud, pudesse dizer “na sua frente, não sinto
vergonha: posso dizer-lhe qualquer coisa” (FREUD, 1912/2006,
p. 116), e “confessasse” seus desejos e angústias, não ficaria claro
o porquê é difícil dizê-las; logo, não haveria “análise”.
Nesse sentido, podemos dizer que as mudanças mais
significativas são conseguidas quando conseguimos interpretar a
situação transferencial, utilizando-a a favor do tratamento. Freud
diz que “temos de nos resolver a distinguir uma transferência
positiva de uma negativa” (p. 116). Como visto, ele nos mostra
outra maneira de entendermos a transferência, através do
conceito identificação e dos caminhos que uma pessoa pode
amar pela via de seu narcisismo (FREUD, 1914/2006).
Diferentemente de Freud, que considerava a transferência como
uma transferência de amor, Lacan sustenta que, na verdade, seria
uma espécie de falso amor, de sobra de amor.
Acompanhando o ensino de Lacan, vemos que o amor da
transferência tem como fundamento a própria transferência.
Contudo, ele considera vago representar a transferência como
um afeto, qualificando-a como positiva ou negativa, além de ser
possível tender a correlação de: positiva está para transferência
de amor; negativa está para transferência de ódio. Nas palavras
dele: “Diremos, com mais justeza, que a transferência positiva é
quando aquele de quem se trata, o analista no caso, pois bem, a
gente o tem em boa consideração – negativo, está-se de olho
nele” (LACAN, 1964/2008, p. 124).
Jacques-Alain Miller (1987/1994) revela um “truque”
freudiano para os psicanalistas quando as associações do
paciente se interrompem, revelando que o analista pode dizer
“você está pensando em mim” (p. 62), que, nas palavras
supracitadas de Lacan, o paciente “está de olho nele”, no analista.
Portanto, do que se trata é a ambiguidade da transferência,
apontada já por Freud como forma de resistência, e que Lacan
(1964/2008) vem assimilar a transferência a um tempo de

[ 123 ]
IAGOR BRUM LEITÃO

fechamento do inconsciente, também, isto é, não somente a um


tempo de abertura.
Lacan diz, nos “Quatros conceitos fundamentais da psicanálise”, ao
falar da transferência e da pulsão: “Se a transferência é o que da
pulsão afasta a demanda, o desejo do analista é o que a reconduz a
ela” (p. 258). O que Lacan diz com esta afirmativa é que a
transferência tende a se manifestar como uma pulsão,
consequentemente expressar-se-ia como atos, repetição.
Todavia, o desejo do analista – que maneira nenhuma se trata da
pessoa do analista, e sim da função do analista, como suporte
para o desejar – é o que irá conduzir a transferência a uma
demanda às palavras, ao trabalho psicanalítico, que é, afinal, o
amor ao saber.
No Seminário sobre “A Transferência” Lacan (1991/1995) nos
mostra a relação da transferência com a regra fundamental da clínica
psicanalítica, a Associação Livre. Para Lacan, toda vez que nos
dirigimos ao outro, falamos para o outro espontaneamente, a
transferência tende a aparecer e se desenrolar. No entanto, é
possível notar que o retorno que o autor faz à transferência nos
conduz a pensá-la como uma via de acesso ao lugar inconsciente,
de um discurso de uma linguagem. Como Miller (1987/1994)
nos lembra, “o engatamento da transferência se dá muito mais
com um significante do que com uma pessoa” (p. 60), se dá com
o campo do Outro. Dito de outra forma, cabe ao analista deixar-
se ser tomado transferencialmente pelo paciente e, em
contrapartida, daí construir o caso clínico à medida que avançam
suas elaborações e descobertas. Isso significa dizer que, como
dito no início deste tópico, o objeto de pesquisa da psicanálise
não está dado a priori, posto que ele é faltoso, perdido. Ou seja,
o objeto de pesquisa, o inconsciente, é construído pelo analista
durante o decurso do tratamento. Construir este objeto é operar
o tratamento analítico, por excelência.
A definição de Outro dada por Lacan (1964/2008) nos auxilia
a entender o campo da transferência como “o lugar em que se
situa a cadeia do significante que comanda tudo que vai poder

[124]
PERCURSOS EM PSICANÁLISE

presentificar-se do sujeito” (p. 200), um lugar de marcação que,


na perspectiva freudiana, seria o lugar da “economia psíquica”
que o analista passa a ocupar. Essa seria, de certo modo, a noção
de “Neurose de Transferência”, formulada por Freud em 1920
em “A dinâmica da transferência”. A neurose de transferência se
refere à relação entre paciente e analista, onde também serão
transferidos e, portanto, repetidos, modalidades de afetos
infantis ao psicanalista. “Instalada” a neurose de transferência, os
sintomas tendem a se abrandarem, isso porque o que importa,
agora, é a relação paciente e analista.
“A transferência tem seu valor porque permite ver o
funcionamento de um mecanismo inconsciente na própria
atualidade da sessão. Por isso Freud pode aconselhar, a todo
terapeuta que esteja começando, que interprete somente
quando a transferência já teve início, pois a emergência da
transferência assinala que os processos inconscientes foram
ativados”. (MILLER, 1987/1994, p. 62)
Dito de outro modo, o estabelecimento da transferência
marca o início da análise. Ela implica em o analisando “esperar”
a interpretação do analista. Quer dizer, o analisando já sabe,
inconscientemente, que o analista irá interpretar; “ele só fala
porque supõe que isso o levará para a algum lugar ainda não-
sabido” (FIGUEIREDO, 1997, p. 26). Essa, como se pode
perceber, é a lógica da transferência como um lugar de saber.
Acompanhando o ensino de Lacan (1964/2008), o
inconsciente é o discurso do Outro. Para ele, o discurso do
Outro, a saber, do inconsciente, está do lado de fora, pois “é ele
que, pela boca do analista, apela à reabertura do postigo” (p. 130).
É disso de que se trata quando Lacan (1964/1998) afirma que é
“o desejo do analista que, em última instância, opera na
Psicanálise” (p. 868). O desejo do analista não vem dele mesmo,
“mas é a interpretação, por parte do analisando, do que disse o
analista; é o que o analisando interpreta daquilo que ouviu do
analista” (MILLER, 1993/1997, p. 450).

[ 125 ]
IAGOR BRUM LEITÃO

Pulsão

No primeiro capítulo do Seminário sobre os conceitos


fundamentais Lacan avisa que deixará o conceito de pulsão por
último, devido ele ser o mais difícil de se compreender, “de
acesso ainda tão difícil” (LACAN, 1964/2008, p. 27).
Pulsão, do alemão Trieb, como já é sabido, foi traduzido
erroneamente – beirando a um ato falho – por Instinto [do
inglês, Instikt]. No entanto, como o próprio Lacan nos mostra, o
ato falho é, na verdade, um ato bem-sucedido – os tropeços da
fala não são por acaso. Quer dizer, a tradução errada permitiu
uma crítica ao conceito, e ele justamente ganha um contorno
mais “palpável” na explicação do porquê não é o mesmo que o
instinto. A diferença entre os dois estaria justamente no primeiro
capítulo dos “Três ensaios sobre a teoria da sexualidade”, em que
Freud (1905/2006) apresenta a tese de que a sexualidade humana
seria essencialmente polimorfa, aberrante (LACAN, 1964/2008).
Freud já apontava o caráter polimorfo da sexualidade,
mostrando-nos que ela se manifesta e se inscreve por inúmeras
formas e vias, não somente pela genitalidade e não somente pela
junção do macho com a fêmea, não sendo regida, portanto, pela
meta da reprodução, mas sim pelo princípio do prazer (FREUD,
1905/2006). Pela via da sexualidade humana, polimorfa, vemos
que, diferentemente da sexualidade nos animais, a nossa não tem
objeto fixo e nem pré-determinado. Ela se satisfaz (mesmo que
parcialmente) pelo objeto da pulsão, como bem dito, por
inúmeras vias.
Sobre o objeto da pulsão, o qual seria aquilo pelo qual a pulsão
consegue atingir seu objetivo (satisfação), Freud (1915/2006)
nos diz:
“O objeto é o que há de mais variável numa pulsão e, originalmente,
não está ligado a ela, só lhe sendo destinada por ser
peculiarmente adequado a tornar possível a satisfação. O

[126]
PERCURSOS EM PSICANÁLISE

objeto não é necessariamente algo estranho: poderá igualmente ser


uma parte do próprio corpo do indivíduo. Pode ser modificado
quantas vezes for necessário no decorrer das vicissitudes que a pulsão sofre
durante sua existência, sendo que esse deslocamento da pulsão
desempenha papéis altamente importantes”. (p. 128, grifos
nossos)
Para entendermos melhor a diferença entre as duas noções,
pulsão e instinto, tomemos como exemplo a necessidade do
animal e o desejo no humano: a necessidade do animal é objeto
natural e da ordem do instinto, se lhe falta ele o encontra,
satisfazendo por inteiro sua necessidade. Se o animal tem sede,
tem-se a água. Já para o desejo no homem, o objeto é não-natural
e da ordem da pulsão, além de nunca ser encontrado em sua
plenitude, apenas parcialmente, nunca fornecendo a satisfação
completa das pulsões (LEITÃO, FÁVARO, FIGUEIREDO &
KIRMSE, 2017).
A sede pode vir a ser de água, de refrigerante, de cerveja, de
conhecimento, de vingança: uma sede sem fim. Essa infinita
possibilidade de variação de objetos se deve ao fato de que todo
objeto é um substituto do objeto perdido – de uma primeira e
suposta satisfação completa: o objeto que move e causa o desejo,
o que Lacan (1964/2008) intitulou de objeto a. Por isso pode-se
dizer que o desejo é metonímico, pois ele desliza de forma
ininterrupta e incessante sob a cadeia de significante, nunca
sendo capturado pela necessidade.
Em um primeiro parêntese, podemos argumentar que o
capitalismo compreende essa falsa plenitude e propõe alcança-la
por meio da obtenção de objetos (objetos de consumo, os gadjets,
por exemplo). O discurso capitalista se sustenta na ideia de que
quanto mais se tem, mais completo se é. Contudo, o trabalho
analítico propõe caminhar em outra direção, descascando o
sujeito e seus objetos, para sobrar somente seu caroço, sua
estrutura – seja qual for – na aposta de que algo de novo surja
dali: uma nova relação com o desejo e a falta, com o sintoma.

[ 127 ]
IAGOR BRUM LEITÃO

Em um segundo parênteses, podemos efetuar uma leitura


psicanalítica sobre o uso (com)pulsivo de drogas – se
considerarmos que o objeto tóxico, a droga, pode adquirir
estatuto de objeto a para muitos sujeitos, em que o objeto droga
substitui o objeto perdido. Em outros termos, para muitos sujeitos,
a droga estaria bem próxima de ser “O” objeto (a-droga), capaz
de satisfazer (ilusoriamente) por completo as pulsões. Ou seja,
ter-se-ia, aí, um objeto que proporciona uma saída para o Mal-
estar da civilização, entretanto, de forma mortificante. Mortificante
pois alcança o prazer por meio da fuga do desprazer, e ainda em
uma infeliz satisfação episódica, implicando o sujeito numa
(com)pulsão ininterrupta desse objeto. Por isso, devemos nos
atentar que a questão que está em jogo no toxicômano não é a
droga em si, mas sua relação com ela, com o objeto e suas
pulsões.
Dizendo de outro modo: não é o uso de drogas que faz com
que o sujeito seja toxicômano, mas sim o “toxicômano que faz a
droga”, como já dizia o psicanalista francês (referência nas
questões em toxicomania) Hugo Freda (1993, p. 02). O que
norteia o uso de drogas está relacionado com a singularidade de
cada sujeito, e não com o efeito químico que cada substância
propicia no organismo deste. Logo, a questão, que é ponto de
partida para a clínica da toxicomania, está intimamente
relacionada a “qual o lugar que essa ou aquela droga ocupa para
o sujeito?”, ou ainda: “O que este objeto (droga) satisfaz?”.
Avancemos agora nas considerações sobre o objeto da pulsão
feitas por Lacan:
“O objeto da pulsão deve ser situado no nível do que chamei
de metaforicamente uma subjetivação acéfala, uma
subjetivação sem sujeito, um osso, uma estrutura, um traçado
que representa uma face da topologia. A outra face é que se
faz com que um sujeito, por suas relações com o significante,
seja um sujeito furado. Esses furos, bem que eles vêm de
alguma parte”. (LACAN, 1964/2008, p. 180)

[128]
PERCURSOS EM PSICANÁLISE

Como já discutido ao longo deste livro, o objeto a de Lacan é


definido como objeto causa de desejo, que se aloja em outro objeto
e vem a ser formado pelo trajeto e as vicissitudes do desejo –
diferentemente do instinto, cujo objeto é fixo e tende a ser
capturado pela necessidade. Dito de outro modo, o objeto a é
um objeto faltoso, sendo passível de ser representado por
qualquer objeto.
Em Freud (1915/2006), a pulsão é definida como “um
conceito limítrofe, entre o psíquico e o somático” (p. 142). Nessa
perspectiva, se pensarmos o aparelho psíquico como um
mecanismo, uma estrutura, a pulsão seria suas engrenagens. A
pulsão diz respeito a um estado de tensão, de empuxo, que,
importante lembrar, busca por meio de um objeto, a supressão
desse estado (leia-se aqui a fonte, pressão, objeto e objetivo da pulsão).
Isto é, a pulsão representa um estado de tensão que coloca o
sujeito em movimento, paradoxalmente, com o intuito de aliviar
esse estado de tensão. Pulsão é movimento, é fluxo, e o que ela
objetiva é satisfação, e isso se pode dar de diversas formas. Já
dizia Freud nos Três Ensaios: a sexualidade humana é pulsional e,
por isso ela perverso polimorfa – isto é, satisfaz-se por diversos
objetos, por diversas formas.
Já em Lacan, como nos mostra a psicanalista francesa, Marie-
Christine Laznik-Penot (1997), a pulsão não é mais um conceito
limítrofe entre o biológico e o psíquico, “mas sobretudo um
conceito que articula o significante e o corpo” (p. 214). Para
Lacan, a pulsão tem um importante papel no funcionamento do
inconsciente, sendo considerado por ele como “tesouro dos
significantes” (LACAN, 1960/1998, p. 831). Ele isolará a própria
ação do significante sobre o organismo biológico, tendo, no
decorrer de sua teoria, colocado a pulsão no registro do real, pois
há algo nela que não pode ser apreendido pelo simbólico; há algo
na sua natureza que a impede de uma satisfação plena. Afinal,
para satisfazer a pulsão é necessário gozo, e este é um resto.
Freud (1905/2006) nos apresenta a tese de que a sexualidade
está também presente nas crianças – uma sexualidade pulsional, que

[ 129 ]
IAGOR BRUM LEITÃO

pode ser observada, por exemplo, no olhar da criança, nos gestos


e na boca. É aquilo que entra e sai da boca, o que ela escuta, o
que ela vê, ou seja, é uma sexualidade que diz respeito às trocas
que esse corpo realiza com o mundo, o que entra e o que sai. São
todos esses elementos sensoriais que escorrem pelo corpo, que
penetram por todos os furos e buracos. Esses “furos e buracos”
abrem precedentes para Lacan discutir sobre os “pontos cegos”
do corpo como passagem para um gozo absoluto. É neste ponto
que Lacan articula as pulsões parciais (sexuais) às quatro
modalidades de objeto a, relativas às pulsões oral, anal, escópica 37 e
invocante 38 (os dois últimos sendo acrescentados por Lacan); nas
quais se repartem de forma diferente em relação à demanda e ao
desejo.
Na língua portuguesa as vozes no verbo são classificadas em
ativa, passiva e reflexiva. Como já dito, a atividade da pulsão
reside na voz reflexiva do verbo – está no fazer-se, que indica o
gozo do sujeito na posição de objeto do Outro. Posteriormente,
Lacan articulará o conceito de fantasia, no Seminário 17 – “O avesso
da Psicanálise”, com a noção de mais-de-gozar do objeto a, daí sua
formulação de que “o sujeito recebe o seu próprio gozo sob a
forma de gozo do Outro” (LACAN, 1969-70/1992, p.62).
Na fantasia, o sujeito se encontra em relação com o objeto a,
nos dois polos da fantasia: ora como sujeito, tendo o outro como
seu objeto; ora como objeto do Outro, que aparece então no
lugar do sujeito (QUINET, 2012). Resumo: a fantasia mostra que
todos somos bipolares. Freud, de certa forma, já tratava dessa
37 “O olhar, objeto da pulsão escópica, é o objeto de desejo ao Outro, desejo
para o Outro. No âmbito da atividade da pulsão escópica está o fazer-se pelo
Outro, e assim o sujeito se dá a ver, se exibe para o Outro: ser olhado se
encontra no objetivo final da pulsão voyeurista-exibicionista. Daí tratar-se de
um desejo para o Outro, que convoca, portanto seu olhar”. (QUINET, 2012,
p. 39).
38 “A voz, como objeto da pulsão invocante, é o objeto do desejo do Outro. Não

se trata a voz do sujeito, e sim da voz que vem do Outro. Não é a voz que sai
da boca quando se fala, mas a voz na qual você é falado”. (QUINET, 2012, p.
40).

[130]
PERCURSOS EM PSICANÁLISE

questão ao analisar a questão do sadismo e do masoquismo. Ele


nos mostra que embora os dois sejam opostos, eles são
complementares. Isto é, todo sujeito também se faz de objeto, e,
fazer-se de objeto também é uma forma de ser, de se colocar
perante o Outro. Esta é a lógica do fazer-se. Logo, a lógica da
fantasia – questão que também atravessa “Uma criança é
espancada”, artigo 1919 de Freud.
A noção da fantasia é fundamental para a psicanálise.
Inclusive, Lacan, em seu Retorno a Freud, dirá que uma análise
só chegaria ao fim quando o analisando atravessar a fantasia. Para
Lacan, o sujeito adulto entra em análise pelo fracasso da fantasia,
enquanto o sujeito criança, um sujeito vir-a-ser, necessita da leitura
do significante a partir do futuro, logo de uma demanda do Ideal
do Eu. Em certa medida, ao final da análise com criança se espera
que surja uma sensibilidade para escutar seu próprio
inconsciente, enquanto ao final de análise com o adulto espera-
se uma desalienação do inconsciente. Continuemos sobre o fim
de análise. Importante dizer que, por “fim”, subentende-se tanto
quanto tempo final de uma análise, quanto a finalidade de uma
análise. Mas, afinal, quais são os tempos de uma análise?
De uma forma geral, Lacan (1966/1998) nos diz que uma
análise pode ser dividida em quatro: i) O tempo de ver e de
perguntar, que é tempo de elaboração de grandes perguntas
daquilo que é falado;
ii) O tempo de entender o que viu, que é o tempo de ensaio de
alguma resposta; iii) O tempo de concluir aquilo que se viu e
entendeu; e iv) O tempo em que o impossível é, de alguma
forma, legitimado.
Nesse quarto tempo, que é o último tempo de uma análise, o
sujeito passa a inaugurar uma nova relação consigo mesmo que,
importante ressaltar, ainda continua marcada pela falta (o
impossível). Essa nova relação, no entanto, consistiria em
autorizar-se a abrir mão de preencher algumas coisas de forma
que a falta, que sempre esteve presente, não seja mais tida como
sintoma, mas como causa de desejo – desejo não mais alienado

[ 131 ]
IAGOR BRUM LEITÃO

ao Outro. Portanto, são dos efeitos do impossível na


subjetividade que se trata em uma psicanálise, não dos
deciframentos do impossível.
Inclusive, eis, aí, a diferença entre a psicanálise de Freud, cujo
objetivo seria decifrar o saber metaforizado no sintoma, e a
psicanálise de Lacan, cujo objetivo seria produzir um saber sobre
ele. Dito de outro modo, para Freud há de se descobrir o
Inconsciente e para Lacan há de se produzir o Inconsciente. Essa
produção terá como efeito a transformação do objeto. Com Lacan,
o fazer analítico passa a se sustentar na aposta, por meio do
sintoma, que há uma relação entre sentido e Real. É nesses
termos que se entende que as representações e os sentidos
variam, mas o sintoma, enquanto Real, permanece (Leitão &
Mendes, 2018).
“Aonde entra a lógica da fantasia?”, o leitor deve estar se
perguntando. A fantasia é o que dá o dimensionamento da
relação do sujeito com a realidade – é a tela protetora, sua janela
para o mundo, lente de interpretação. Quinet (1991) nos lembra
que é dela, a fantasia, que o sujeito tira a segurança do que fazer
diante às infidelidades do meio, isto é, das situações que a vida
lhe apresenta. O sujeito, ao obedecer a regra fundamental da
análise, “fale tudo que vier à mente”, advém como falta de ser
aquilo tudo que é dito. É por meio dessa experiência que analista
e analisante podem questionar as fantasias, na medida em que ela
mesmo falta, vacila, fracassa no encontro com a realidade.
Obviamente, isso pode levar o sujeito que está em análise a uma
zona de incerteza, mas que é absolutamente necessária para que
o sujeito possa se liberar das amarras das identificações que
sustentavam sua realidade. No entanto, o sujeito, agora liberto,
poderá encontrar sua certeza em seu ser de objeto (QUINET,
1991).
A travessia da fantasia corresponde ao final de análise
justamente na medida em que: i) o sujeito legitima o impossível,
não mais apelando a construir um sentido para o seu desejo,
estruturalmente impossível de ser completamente satisfeito – na

[132]
PERCURSOS EM PSICANÁLISE

prática: não mais apelando para a boca do analista, destituindo-o


do lugar de saber, de causa de desejo e de intérprete do sintoma,
na medida em que foi possibilitado ao analisando decantar da
análise um presságio, consequência ou lição do seu sintoma; ii) o
sujeito pode, agora, fazer-se como objeto da pulsão, de forma
que a satisfação pulsional não esteja mais condicionada à
identificação com outros objetos externos que o complementam na
fantasia, mas em si, no Ser (sujeito).
Nesse sentido, podemos afirmar que a (final)idade de uma
análise é operar a queda de identificações; queda necessária
porque só complementam o sujeito na fantasia, fazendo-o vacilar
com a realidade, o que incide em frustração. De certo modo, o
sintoma é o meio pelo qual se pode sustentar o fracasso da
fantasia. Trata-se, em análise, de encontrar o irredutível-em-si, o
nome próprio, e não recuar diante disso.
Penso que a Análise constitui um processo de perda; perda,
esta, de complementos imaginários, aos quais nunca fomos
verdadeiramente donos – por isso perda de identificações. É a
partir desses movimentos, de ver, de compreender, de concluir
e, aí, inaugurar uma nova relação com àquilo que foi sentido
como perdido, que algo novo pode aparecer. Uma perda, mesmo
que dolorosa, pode constituir substrato tanto para a criação do
advento quanto para o reencontro com o essencial.

Para concluir:

Longe de esgotar as reflexões sobre os quatro conceitos


fundamentais, buscou-se aqui visitar as discussões sobre eles em
Freud e em Lacan numa perspectiva de um Lacan menos
hermético e mais transmissível, na aposta de que as discussões
aqui apresentadas apontem uma direção à resposta da pergunta
“Do que se trata ser freudiano pela psicanálise lacaniana?”.

[ 133 ]
IAGOR BRUM LEITÃO

Abordar os quatros conceitos fundamentais da Psicanálise


para Lacan em seu retorno a Freud mostra-se como uma boa via
para a transmissão da Psicanálise, permitindo uma
instrumentalização teórica-técnica, pois, como defendido, ao
discorrer sobre estes quatro conceitos, consequentemente
esbarramos nas questões técnicas, do ato analítico e nas
implicações da Psicanálise Lacaniana sobre a Psicanálise
Freudiana e vice-versa.
Implicado em traduzir a experiência psicanalítica, Lacan
buscou novas referências, construindo um novo campo na
Psicanálise, à sua maneira singular. Em I Congresso, de 1950, ele
afirmava:
“Recorramos, pois, para compreender nossa experiência, aos
conceitos que nela se formaram [...] e, se tivermos que buscar
apoio noutra ciência, que seja na linguística”. (LACAN,
1950/2003, p. 133)
Isso significa dizer que a forma em que Lacan conseguiu se
aproximar da Psicanálise, pelo menos da Psicanálise por ele
concebida, foi retornar a Freud a partir de leituras externas.
Quando falamos que Lacan reposicionou a teoria, significa dizer
que ele operou uma leitura da Psicanálise Freudiana com outros
campos, sobretudo com o campo da linguagem, porém, sem
transgredi-la. Manteve o fundamento de que o sujeito é
concebido como Sujeito do Inconsciente, formalizando,
entretanto, seu surgimento a partir de um efeito do significante, ou
seja, de uma linguagem, sendo que é por também esta via que o
Sujeito pode se fazer presente – nos sonhos, atos falhos,
sintomas, chistes –, advindo algo sobre si, e que o analista estará
atento para escutar e interpretar.
Nas interpretações de Quinet (2006) sobre a frase paradoxal
de Lacan (“Façam como eu, não me imitem”): “Façam como eu,
saibam lidar com seu sintoma (...) Ponham algo de si na Psicanálise, não se
identifiquem comigo (...) Tenham seu estilo próprio, pois tenho o meu” (p.
180). Estilo este, acrescento, que aparece inicialmente como não-

[134]
PERCURSOS EM PSICANÁLISE

sabido, como coisa-em-si, mas que, a posteriori, ele vem a se mostrar.


Basta escutá-lo.

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