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Darnton: O Grande Massacre

dos Gatos na Rua Saint-Severin

Prof.ª Dr.ª Dilza Porto Gonçalves


FACH/UFMS
O GRANDE MASSACRE DOS
GATOS e outros episódios da
História Cultural Francesa
 “O método de exegese pode variar mas, em cada
caso, a leitura é feita em busca do significado – o
significado inscrito pelos contemporâneos no que
quer que sobreviva de sua visão de mundo.

 Tentei, portanto, ir fazendo a minha leitura do


século XVIII e anexei todos os textos às minhas
interpretações, de maneira que meu próprio leitor
possa interpretar esses textos e discordar de mim”.
 Nãovejo porque a história cultural deva evitar
o excêntrico, ou abraçar a média, por que não
se pode calcular a média dos significados nem
reduzir os símbolos ao seu mínimo
denominador comum.

A confissão de não-sistematização não implica


que tudo entre na História Cultural porque
qualquer coisa possa passar como
antropologia. O método antropológico da
História tem um rigor próprio, mesmo quando
possa parecer, a um cientista social tarimbado,
supeitosamente próximo da literatura.
Ao historiador, portanto, deveria ser
possível descobrir a dimensão social
do pensamento e extrair a significação
dos documentos, passando do texto
ao contexto e voltando ao primeiro, até
abrir caminho através de um universo
mental estranho.
Esse tipo de História Cultural
pertence as ciências interpretativas.
(...) os historiadores deveriam ser
capazes de perceber como as
culturas formulam maneiras de
pensar, mesmo no caso de grandes
pensadores.
Percebo que existem riscos,
quando alguém se afasta dos
métodos estabelecidos da História. 
Algumas reflexões
Texto de Contat:
Trata da vida de trabalhadores das
gráficas de 1730, França.
Os gatos eram mais bem tratados que
os trabalhadores;
Dramatização e zombaria sobre o
Massacre dos gatos provocava
gargalhadas.
Qual a graça?
Não se percebe a piada devido a
distância que nos separa do contexto;
Narrativa foi escrita 20 anos após o
acontecimento; quase ficcional;
Não se pode encarar a narrativa
como reflexo do que realmente
aconteceu;
Deve ser lido como uma versão
Como toda narrativa coloca a ação
numa estrutura referencial, supõe
um certo repertório de associações e
respostas, da parte de sua audiência
e proporciona uma forma
significativa à matéria-prima da
experiência.
Explicação – por que gatos?
Ataque ao burguês e sua mulher;
Contexto da fabricação artesanal não era
familiar como descrito por alguns autores;
Condições de trabalho, comida e moradia
precárias;
Relato mostra o contraste dos modos de
vida do trabalhador e patrão.
Gatos carregados de simbolismo popular
Gatos associados ao charivaris –
julgamento de gatos - carnaval
(inversão de papeis sociais);
Vários rituais simbólicos que se
usavam gatos;
A narrativa desperta para a pesquisa
sobre as condições de trabalho e estilo
de vida dos tipógrafos.
Desde a antiguidade os gatos ao
mistério e ao fascínio.
Para entender o simbolismo de tortura
aos gatos Darton recorre aos contos
populares, superstições, provérbios e
medicina popular... Difíceis
Declara que os tipógrafos viviam numa
atmosfera de costumes e crenças
tradicionais;
Gatos sugeriam feitiçaria;
Gatos tinham poder oculto;
Gatos associados a fertilidade e
sexualidade feminina.
O ataque aos gatos representava o
ataque a casa e a patroa (la grise);
Simbolismo disfarçava o insulto ao seu
patrão e a sua esposa para não
sofrerem as consequências.
Mas o que era tão engraçado?
Não há maneira melhor de estragar
uma piada do que fazer comentários
sociais sobre ela;
Mas essa piada exige comentários
porque pode ajudar a ver como os
operários tornavam a sua experiência
significativa jogando com temas da
sua cultura.
A piada funcionou porque os operários
jogaram muito habilmente com um
repertório de cerimônias e símbolos.
Os gatos adequaram-se perfeitamente
aos seus objetivos:
Quebrando a espinha de la grise
chamaram a mulher do patrão de
feiticeira e prostituta e, ao mesmo
tempo, o patrão de corno e tolo.
Atingiu o objetivo porque os gatos
ocupavam em lugar privilegiado no
estilo de vida burguês.
Ter bicho de estimação era tão
estranho aos operários como para os
burgueses torturar animais.
Quando se percebe que não está
entendendo alguma coisa – uma piada,
um provérbio, uma cerimônia –
particularmente significativa para os
nativos, existe a possibilidade de se
descobrir onde captar um sistema
estranho de significação, a fim de
decifrá-lo (p.106).
(...) tratando a narrativa como ficção, ou
invenção significativa, podemos usá-la
para desenvolver uma explicação
etnológica do texto (p.107).
Alguns animais se prestam aos
xingamentos, da mesma maneira que são
bons para pensar, famosa fórmula de Levi-
Strauss.
(...) os gatos são bons para realização de
cerimônias. Têm valor ritual. Não se pode
fazer uma pândega com uma vaca (p.121).
Os franceses usaram nos tempos
modernos usaram muito os gatos em nível
simbólico: os gatos sugeriam feitiçaria
(p.125).
Realizar uma façanha dessas exigiu
grande destreza. Mostrou que os operários
podiam manipular os símbolos, em sua
linguagem própria, com a mesma eficácia
que os poetas, estes em letra impressa.
As fronteiras dentro das quais essa
brincadeira tinha que ser contida sugerem
os limites da militância da classe operária,
nos tempos do Antigo Regime. Os
tipógrafos identificavam-se com sua arte,
mais do que com sua classe (p.135).
Referências
DARNTON, Robert. O Grande Massacre de Gatos
e outros episódios da História Cultural Francesa.
Tradução de Sonia Coutinho.Ed. Graal: Rio de
Janeiro, 2ª ed., 1986.
Ler: Apresentação e Os trabalhadores se revoltam: o
grande massacre dos gatos na Rua Saint-Severin
p.130-140.

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