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Texto de
Claude Lévi-Strauss
Tradução de
Miguel Aparicio
Universidade Federal do Oeste do Pará | Santarém – PA – Brasil
nesses mitos temos dois modelos diferentes de um ou dois milhões de anos, mas, ao mesmo tempo
relações de parentesco: o primeiro, que poderia que estamos prontos para conceder ao homem esta
ser chamado de modelo “paleolítico” (sem implicar grande antiguidade, não estamos prontos para
qualquer conotação histórica), mostra a redução conceder-lhe uma contínua capacidade de pensar
a elementos básicos e indispensáveis, de forma durante esse enorme período. Não vejo razão para
que as trocas matrimoniais possam ocorrer. No que a humanidade espere até tempos recentes
segundo, ou modelo “neolítico” (já que se encontra para produzir mentes do calibre de um Platão ou
nas referências às origens do cultivo), a composição um Einstein. Já mais de duzentos ou trezentos
da família torna-se aleatória, e há muitas pessoas mil anos atrás, provavelmente havia homens
para cumprir perfeitamente os requisitos da troca; com capacidade semelhante, que obviamente não
aparecem afins supranumerários que são inúteis na estavam aplicando sua inteligência para a solução
estrutura social, com uma função social geralmente dos mesmos problemas que esses pensadores mais
limitada à de potencial sedutor do cônjuge do recentes; em vez disso, eles estavam provavelmente
irmão/irmã. Aqui podemos ver que a distinção mais interessados em parentesco!
entre o que podemos chamar de afins paralelos O terceiro nível de ambiguidade penetrou em
e de afins cruzados não está apenas na mente do nossas discussões inesperadamente graças aos
antropólogo, mas profundamente enraizada nos nossos colegas australianos, que começaram a
princípios dos mitos. questionar velhos resultados sobre coisas que
Hiatt sugeriu duas explicações possíveis para a infelizmente não existem mais. A grande questão
discrepância entre modelo e realidade na sociedade que é assim levantada refere-se à natureza da
australiana; no entanto, há também uma terceira verdade na pesquisa antropológica. Quando nos
que vale a pena considerar – que, em seu momento, dizem que os fatos de cinquenta anos atrás (que
esta teoria completa foi claramente concebida e não podem ser reestudados) não são exatamente tal
inventada por sociólogos ou filósofos nativos. como o observador atual os descreve, somos levados
Assim, o que estamos fazendo não é construir a nos perguntar se são os objetos antropológicos
uma teoria com a qual interpretar os fatos, mas que mudaram ou se é a própria antropologia que
sim tentar retornar à mais antiga teoria nativa na mudou e, portanto, não pode mais satisfazer a si
origem dos fatos que estamos tentando explicar. própria com os mesmos tipos de respostas. O que
Afinal, sabemos que a humanidade tem cerca de é realmente “verdade” na antropologia? O que é
REFERÊNCIA
Lévi-Strauss, C. 1963. The concept of archaism in Anthropology, in Structural Anthropology, pp. 101-
129. New York: Basic Books.