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EDITORA TEOSÓFICA
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RUMO A UMA MENTE SÁBIA E UMA SOCIEDADE NOBRE
Anais do VIII Congresso Mundial da Sociedade Teosófica
SUMÁRIO
Prefácio 004
Rumo a uma mente sábia e uma sociedade nobre 006
Este momento crucial 012
A sabedoria da mente 017
Conhecimento e sabedoria – I 021
Conhecimento e sabedoria – II 025
Conhecimento e sabedoria – III 028
Correta aspiração 031
“Noblesse Oblige” 035
Despertando para o relacionamento e para a responsabilidade 040
Inteligência, a base para o reto viver 048
Uma sociedade nobre: de Platão a Krishnamurti 054
O caminho para a sabedoria - I 061
O caminho para a sabedoria – II 065
O caminho para a sabedoria - III 068
A natureza extraordinária da mente comum 071
Alguns passos em direção a uma mente sábia e uma sociedade nobre 080
A construção de uma sociedade nobre - I 087
A construção de uma sociedade nobre - II 092
A criação de uma sociedade nobre 096
Uma visão teosófica do meio ambiente 099
Estendendo a mão do companheirismo 109
O que é sabedoria? 116
Virtude, o portal da sabedoria 125
Teosofia e ciência moderna 131
Vida meditativa 136
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PREFÁCIO
É enorme a satisfação e a honra de apresentar esta obra, esta coletânea de palestras
proferidas no VIII Congresso Mundial da Sociedade Teosófica, que ocorreu de 24 a 31 de julho de
1993, no Centro de Convenções em Brasília, cidade onde a Sociedade Teosófica no Brasil, e a
Federação Teosófica Interamericana têm sua atual sede.
Este Congresso teve por tema básico o título deste livro: Rumo a uma Mente Sábia e uma
Sociedade Nobre. O mundo atualmente passa por situações muito difíceis, de grande sofrimento e
grande injustiça social. Várias correntes filosóficas buscam encontrar respostas para resolver estes
problemas atuais. Os movimentos de caráter filosófico-espiritual, quando se deparam com os
problemas do mundo, tendem a uma atuação assistencialista, que podem no máximo ajudar
momentaneamente. A Sociedade Teosófica também é um movimento de caráter filosófico-
espiritual, um movimento internacional, ativo em mais de 50 países do mundo, com sua sede
mundial localizada na cidade de Madras, Índia e tem como seu primeiro objetivo a realização
prática da Fraternidade Universal, o que necessariamente implica uma preocupação com a
felicidade humana e com o tipo de relações que se estabelecem na sociedade como um todo.
Porém o tipo de contribuição que a Sociedade Teosófica procura apresentar aos problemas
mundiais não é de caráter assistencialista, embora respeite, dê o seu aplauso e incentivo para que
seus membros desenvolvam este tipo de trabalho, mas sim de um caráter de investigação que
procura compreender ás raízes dos problemas, propiciando uma mudança através da
transformação de cada um de nós. Esta transformação termina, necessariamente, sendo um fator
de transformação social. Os sofrimentos do mundo estão muito relacionados com uma escolha
inadequada de prioridades, com valores que permitem que absurdos ainda existam no limiar do
terceiro milênio e com a falta de sensibilidade à dor humana. A escolha deste tema para um
Congresso Mundial reflete a preocupação com estes problemas sociais e foi uma tentativa de
desencadear mundialmente uma reflexão a este respeito, em todos os países nos quais a Sociedade
é ativa. Esta escolha também é um reflexo da compreensão que o estudo espiritual, de uma forma
geral, não deve estar desconectado da vida social e deverá servir efetivamente para ajudar a criar
uma ordem social mais justa, mais nobre. É dado internacionalmente conhecido que as verbas
gastas no mundo com armamentos seriam muito mais do que suficientes para que não houvesse
miséria em todo o planeta. Em todos os países muitas vezes ocorre de verbas públicas serem
desviadas para a obtenção de privilégios pessoais. A informação, especialmente através da mídia, é
utilizada como forma de manipulação da opinião pública. Antigamente, os três fatores
fundamentais de uma sociedade eram terra, capital e trabalho. Hoje, a informação é
considerada um quarto fator, pois quem detém este poder é realmente capaz de atingir as
pessoas, através de veicular informações úteis para um melhor viver, como também de
manipular. O que vai determinar se a informação é utilizada como um fator instrutivo ou
como manipulação é o caráter, o discernimento e a sensibilidade daqueles que detém este
poder. Se as autoridades mundiais que determinam que as verbas sejam utilizadas para a
compra de armamentos e não para saciar a miséria humana tivessem a sensibilidade e o
discernimento necessários para aplicar estas verbas de maneira mais apropriada, não
teríamos grande parte dos problemas que hoje nos defrontamos. Se todas as verbas
públicas fossem utilizadas cumprindo a sua função essencial, que é a de criar melhores
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condições para o povo, sem que parte dela fosse destinada a criar privilégios pessoais, as
condições do mundo seriam outras. A mídia tem utilizado de situações dramáticas, vividas
pelas pessoas, para moldar a mentalidade do povo em relação à aceitação da pena de
morte, o que é um completo desrespeito ao direito à vida, que é sagrado, não deve ser
decidido pelos homens, especialmente quando os grandes crimes que acontecem são
exatamente reflexos da tremenda injustiça social que vivemos e é um completo
desrespeito ao princípio da Fraternidade Universal. A conclusão lógica é que se os homens
que deliberam sobre armas pensassem diferente, se outros tivessem caráter ou se as
distorções ideológicas não fossem propiciadas, o mundo seria outro. A verdadeira mudança
começa no nível das ideias, continua com a efetiva modificação do caráter e termina com o
sentido de responsabilidade em relação ao todo. A transformação do mundo depende da
transformação de cada um de nós, de cada indivíduo que compõe a sociedade. Não
vivemos em uma sociedade nobre porque esta não é composta de indivíduos sábios. Esta
Sabedoria deve ser buscada através de um questionamento profundo, que
necessariamente alterará nossos valores e, se levada adiante, nos transformará. Esta
transformação nos tornará sensíveis aos problemas do mundo, tornando-nos pessoas mais
atuantes na sociedade como um todo, prestando-lhe efetivo serviço, para que as relações
sociais possam se estabelecer em bases mais justas e nobres, onde as pessoas possam ser
mais felizes.
Os textos aqui apresentados representam reflexões individuais sobre este tema,
oriundas de pessoas provenientes das mais diferentes partes do planeta, de diferentes
culturas e vivências.
Que estas reflexões possam nos ajudar a pôr em prática o mais alto ideal da vida, que
é servir, servir ao próximo em suas dificuldades, em suas dores, em seus problemas e
contradições, convertendo-nos em agentes transformadores para um mundo melhor. Paz,
Amor e Sabedoria a todos os seres.
Os Editores
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RUMO A UMA MENTE SÁBIA E UMA SOCIEDADE NOBRE
Radha Burnier (Índia)
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"Nenhuma elevada Sabedoria descende sobre qualquer pessoa que não
esteja na condição de abandonar cada átomo de egoísmo ou desejo de
benefícios ou propósitos pessoais. A Natureza outorga os seus segredos mais
íntimos e compartilha a verdadeira Sabedoria somente com aqueles que
procuram a Verdade pela Verdade mesma e que anseiam pelo conhecimento
para beneficiar os outros, não a sua pouco importante personalidade."
Mas os benefícios os quais ela refere-se não devem ser identificados com crescimento
econômico ou prosperidade material. Estes são espúrios, coexistem, como podemos
constatar, com muito mal e sofrimento. Os reais benefícios estão no nível moral e
espiritual: são o crescimento da bondade, da paciência, da compreensão, do amor.
Portanto, o Conhecimento que o mundo precisa é aquele que ajudará o crescimento do
inegoísmo e da virtude.
Teosofia, se adequadamente compreendida, é este Conhecimento. Não é uma Teologia
estéril, uma Filosofia não relacionada com a vida diária ou com as relações. É o
Ensinamento que vem através dos tempos para guiar os seres humanos em relação à
compreensão do plano e do propósito da vida, não apenas as suas vidas pessoais, mas as
suas vidas no vasto contexto do todo único e dinâmico. Todo real instrutor espiritual
ensinou Teosofia, encarando-a nesse sentido. Nenhum deles deu instruções a respeito de
como construir a sociedade através de um planejamento econômico ou debates políticos e
sociais. Eles ensinaram sobre a pureza e virtude porque todo sistema é deteriorado pela
corrupção, se as pessoas que fazem parte dele não são nobres, puras e inegoístas.
O Sr. Buda chamou o Caminho para a Sabedoria que purifica de Nobre Caminho
(também conhecido como As Oito Nobres Verdades - N. E.). Pensamento e palavra, esforço
e percepção, devem estar limpos do eu separado, em suas variadas e sutis formas. Então
haverá nobreza na pessoa, como também harmonia e gentileza em suas relações. Este é o
Ensinamento essencial de todos os instrutores iluminados.
A sociedade é uma consequência do que as pessoas são. Infelizmente uma quantidade
enorme de pessoas acredita na mera conformidade, na imitação de outras pessoas e na
aceitação das crenças que estão à sua volta, em vez de questioná-las ou de adotar uma
forma de vida que transformaria a sociedade, pelo menos um pouco, em direção à nobreza
e bondade. Há uma aceitação generalizada do modo de vida autocentrado, e mesmo as
crianças são ensinadas a se ajustar a este padrão. Elas escutam: "Se você não se ajustar,
não terá sucesso. Portanto, faça o que os outros fazem". Não conformidade não diz
respeito a usar um vestido diferente, ou ser sujo se outras pessoas são limpas. Estas coisas
não têm maiores consequências e podem ser até bobas. A real não conformidade tem a ver
com o questionamento das atitudes prevalecentes, com o exame dos nossos próprios
pensamentos e desejos e a percepção do que realmente é sábio e representa um
progresso, sob o ponto de vista espiritual.
A Sociedade Teosófica encoraja este tipo de questionamento e investigação que
conduzem à Sabedoria. Esta é a tarefa primordial da Sociedade. Como disse Madame
Blavatsky:
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"Os teosofistas são necessariamente amigos de todos os movimentos no
mundo que, intelectual ou praticamente, estejam em prol do aprimoramento
das condições da humanidade... Nós somos amigos daqueles que exercitam a
caridade prática, que procuram elevar um pouco o tremendo peso que oprime
os pobres. Mas, na qualidade de teosofistas, não podemos engajar-nos em
nenhum destes grande trabalhos em particular. Como indivíduos podemos
fazê-lo, mas como teosofistas temos um trabalho maior, mais importante e
mais difícil a realizar. A função do teosofista é abrir o coração e o
entendimento humano em relação à caridade e justiça, atributos que
pertencem especificamente ao reino humano e são naturais no homem quando
ele desenvolveu as qualidades de um ser humano. A Teosofia ensina ao animal
humano a ser um ser humano; e quando as pessoas tiverem aprendido a
verdadeiramente pensar e sentir como os seres humanos deveriam pensar e
sentir, elas atuarão humanamente, e trabalhos de caridade, justiça e
generosidade serão espontaneamente realizados por todos."
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métodos não foram bem sucedidos, tendo apenas produzido o caos. Um questionamento
profundo também precisa ser feito a respeito da fonte da qual brotam ideias e teorias. Esta
fonte é o ser separado, que existe para se autopromover e assegurar-se do seu próprio
conforto, segurança e prazer.
Para construir uma sociedade nobre, o que significa correta relação entre os seres
humanos e também entre o homem e o resto da Natureza, os devas, incluindo os
elementais, uma real mudança precisa ocorrer dentro dos indivíduos. Eles precisam sacudir
suas estruturas, para que se desfaçam da negra ignorância, que faz com que as ideias e
desejos do eu pessoal pareçam ser bons e úteis. Eles precisam sair desta perspectiva para
que possam se integrar ao espírito sem limites, que está sempre sem muros ou barreiras. A
mente sábia é aquela que experimenta uma unidade não ambígua. Quando a Sabedoria
inspirar a ação humana, uma nova era de ouro, de nobreza se desenvolverá. A sociedade
humana será tal que cada forma de vida poderá revelar, mais e mais, a sua glória original. A
Realidade Divina está em toda parte. Sua glória é ilimitada. Como Sri Krishna, símbolo desta
Realidade, diz no Bhagavad Gita:
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ESTE MOMENTO CRUCIAL
Gabriel Burgos (Colômbia)
Há épocas na história em que os valores morais que têm engrandecido homens, povos
e nações parecem decair até o seu nível mais baixo, arrastando tudo. Valores que regiam a
conduta humana e que destacavam a nobreza daqueles que os utilizavam, chegam, em
épocas de crise, a parecer inúteis e obsoletos. O importante é o sucesso que dá o dinheiro
e tudo o que se pode adquirir com ele: luxos, prazeres, satisfação de instintos e desejos,
que anulam a vontade e estabelecem a desordem nos hábitos, comportamento e
relacionamento com outros seres humanos, com os diferentes reinos da Natureza, com o
mundo e com a vida. Para alcançar isso, afasta-se tudo, muitas vezes com uma máscara de
prestígio e respeitabilidade. Não há nenhum sentido de honra, palavra empenhada,
honestidade, virtude, grandes ideais, para o homem sem princípios que apenas busca
satisfazer seus mais baixos instintos.
Quando há poucos indivíduos corruptos, como exceção dentro de uma sociedade que
se rege por princípios eternos de ética e moral, a sociedade os rechaça, e a falta de
nobreza em seu comportamento é exemplo do que não se deve praticar, por ser nocivo a
todos. Pouco a pouco, porém, o sucesso material que exigem, induz outros seres
ambiciosos a seguirem seus passos. E assim o vírus do materialismo vai infectando outros
seres, aos quais parecem claros, tangíveis e reais os lucros materiais que os deslumbram, e
longínquos e obscuros, talvez apenas vãs promessas, os prêmios espirituais que lhes são
oferecidos em um céu bastante monótono, após a morte.
Quando os valores morais são simplesmente um freio e não uma convicção, facilmente
muitos seres se deixam deslumbrar pelo poder, pelo dinheiro, pela posição social e
econômica e, para obtê-los, vão derrubando aqueles que se opõem ao seu propósito.
E assim nos encontramos em um mundo como o atual, com assombrosas descobertas
científicas e tecnológicas, e indivíduos cuja meta é desfrutar o quanto possam de todas as
vantagens materiais que se lhes oferecem, e que, ao mesmo tempo, se encontram vazios,
enquanto a felicidade se lhes escapa das mãos, no meio do luxo e da pompa.
Esta época atual é, sem dúvida, uma época de crise de valores, como tantas outras que
se têm apresentado no passado, porém mais cruel e violenta pelos mesmos avanços
tecnológicos que se empregam com egoísmo, e pelo enorme aumento da população
mundial.
Quando uma situação gera crise, buscam-se corretivos para que a ordem seja
restabelecida, ou para se impor uma nova ordem, se a tentativa anterior redundou num
fracasso. Em todo caso, afluem às pessoas sentimentos, pensamentos e valores que
pareciam perdidos, em meio a uma decadência e degradação de anos e mesmo de séculos.
Tomemos alguns exemplos dos últimos duzentos anos. A corrupção da nobreza da
França levou as classes pobres a condições de opróbrio, que foram suportadas e sofridas
por muitas gerações. Os excessos chegaram a tal ponto que, certo dia, o povo rebelou-se
através de um ato que marca um acontecimento na história da humanidade: a "Revolução
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Francesa". Valores que pareciam perdidos surgiram, junto com novos valores de liberdade,
igualdade, Fraternidade, que pareciam negados para a grande massa, e que continuam
animando os corações dos homens.
É verdade que isso se conseguiu de forma sangrenta e de maneira cruel. Desejar-se-ia
que os benefícios tivessem sido obtidos por meio do altruísmo, do diálogo, da
compreensão, de nobres sentimentos e motivação justa. O fato fundamental, porém, é
que, quando parecem perdidas todas as esperanças, e os valores jazem derrotados pela
corrupção, há um grito que surge do mais profundo das almas, clamando por paz, respeito,
justiça, ordem, liberdade, e os seres humanos estão dispostos aos maiores sacrifícios, a fim
de terem esses valores para si, para seus entes queridos, para seu país. Isto prova que o
sofrimento nos desperta, ainda que, por ignorância, busquemos soluções parciais,
temporais, as quais, por não serem totais, conduzirão a novas injustiças e a mais dores, em
um círculo vicioso, aparentemente interminável.
Situações semelhantes se apresentaram com abusos cruéis de países colonialistas
sobre suas colônias, que se libertaram, e sentimentos de igualdade e liberdade se
estabeleceram entre opressores e oprimidos.
Governos escravocratas deram liberdade aos escravos, mesmo à custa de tremendos
conflitos e lutas internas, onde o princípio da igualdade entre todos os seres humanos, sem
importar a cor da pele, triunfou sobre os interesses daqueles que se beneficiavam com um
sistema que, hoje em dia, as maiorias repugnam e é considerado inaceitável nas relações
entre os homens.
Políticas como as do apartheid causam indignação em quase todo o mundo, e muito se
tem feito para que os princípios de justiça se estabeleçam onde houver discriminação por
razões de sexo, credo, raça, casta ou cor.
Exemplos como os anteriores podem multiplicar-se. A visão das mudanças ocorridas
no mundo, através dos últimos séculos, mostra-nos como, no mais profundo dos corações
humanos, há um sentido do que é reto, do que é bom, do que é nobre.
Em todas as partes há protestos contra políticos corruptos, e busca-se honestidade na
administração de governos e empresas comerciais.
Em países como a Colômbia, meu país, que tanto tem sofrido por causa de uma
poderosa minoria de narcotraficantes e guerrilheiros, há urna constante adesão de
estudantes, de grêmios, de cidadãos comuns, de jornalistas, de políticos, aos esforços que
o Governo faz para derrotar esses maus filhos e consolidar a paz.
Por que, poderíamos nos perguntar, se nós, seres humanos, podemos reconhecer o
que é bom e justo e desejável, e queremos que isso se estabeleça no mundo, este
continua cheio de conflitos, de dor, de angústia? Buscam-se soluções, e a situação
melhora um pouco. Há mudanças favoráveis e frequentemente há regozijo pelos
benefícios obtidos. Depois, alguma coisa, ou muita coisa, ou mesmo tudo, decai, e novos
vícios, injustiças e crueldade aparecem. Apresenta-se como motivo o fato de que essa é a
natureza humana; é como estivéssemos condenados a passar por uma eterna cadeia de
infortúnios.
Não é assim, contudo. A bendita Teosofia, que tudo explica e ilumina, mostra-nos que,
para curar a enfermidade, é necessário que se vá à causa e ali se apliquem os corretivos.
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Pouco lucramos se corrigimos apenas os efeitos mais visíveis. A causa permanece, e os
efeitos perniciosos voltam a surgir, como as cem cabeças do monstro fabuloso da
mitologia grega, que tudo devoram, a hidra, a que não podia morrer, porque, quando lhe
cortavam uma cabeça, surgia outra imediatamente, com um instinto feroz de destruição.
Foi necessário que um herói, Hércules, descobrisse a causa. As cem cabeças eram os
cabelos de uma cabeça principal que os alimentava, e, para acabar com o monstro, cortou
e enterrou sob uma imensa rocha a cabeça causadora de todos os males.
De maneira semelhante, vêm-se erradicando parcialmente os problemas do mundo,
através de séculos e milênios. Atacam-se os efeitos visíveis como se fossem a causa
principal, e corretivos limitados são aplicados, os quais têm a ver com a dor imediata,
aquilo que incomoda e faz sofrer naquele momento, mas ignora-se a causa real, que
permanece ativa.
É certo que, para se construir um mundo melhor, vêm-se invocando os sentimentos
mais nobres de honra, justiça, liberdade, igualdade. Talvez, porém, aqueles que
apresentem soluções não tenham percebido que, por trás desses ideais, oculta-se um
egoísmo que apenas cuida de que não haja dor em nossas próprias vidas, e que tudo
continue de modo alegre e prazenteiro.
O que precisamos compreender com clareza é que a causa de todos os males do
mundo reside no fato de que ignoramos quem somos, ignoramos nossa real natureza
espiritual, una e indivisível, por todos compartilhada. Não vemos a unidade da vida.
Identificamo-nos com a aparente diversidade das formas e buscamos soluções que
satisfaçam os anseios do que cremos que somos: eus separados.
Creio que estamos atravessando um momento crucial da humanidade. Por um lado.
uma tremenda crise de valores, fruto da exaltação do lado maternal do mundo; por outro
lado, um clamor que se escuta em todas as partes, procurando restabelecer a ordem, a fim
de que reinem a paz, a justiça e tudo aquilo que é nobre.
Nós, membros da Sociedade Teosófica, de alguma forma e em circunstâncias
diferentes, encontramos os benditos ensinamentos teosóficos,·por conseguinte, efetuou-
se uma modificação positiva em nossas vidas: Somos outros. E ainda assim, com tudo de
bom e belo que temos recebido, sabemos bem quanto nos falta para vivermos
plenamente na Unidade. Talvez, antes de encontrarmos a Teosofia, ansiássemos já por um
mundo melhor. Do fundo do coração, buscávamos uma sociedade mais justa, mais reta.
mais nobre, e acreditávamos, sinceramente, que o que se precisava era de novos sistemas
de governo, novas leis, novas relações diplomáticas e comerciais. Possivelmente.
colocamos nosso grãozinho de areia para construirmos uma humanidade melhor. Talvez
fôssemos idealistas, mas desconhecíamos que estávamos trabalhando sobre bases
deslizáveis, efêmeras, e que assim seriam também os resultados. Desconhecíamos o
propósito da vida e que existe um Plano Divino para o qual fomos convidados a colaborar,
como o ignoram, hoje em dia, tantos seres generosos e altruístas, que buscam um mundo
melhor.
O mundo está passando por um momento crucial. Talvez nunca antes se haja visto
uma busca tão grande da verdade por todas as partes. Temos que presumir que muitos são
buscadores sinceros, como fomos nós, quando chegamos à Sociedade Teosófica. Ali
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compreendemos que o mundo exterior é um reflexo do mundo interior que se oculta por
trás das formas. Que pouco ou nada se ganha modificando o exterior, se não há um
despertar do que é interior. Que as formas perecem, enquanto que a vida que as anima é
eterna. Que não há senão uma única vida que anima todo o Universo e a qual todos
compartilhamos. Que o único bem que devemos desejar é aquele que abarque todos os
seres. Que sentir a unidade da vida é uma expansão da consciência, que não há diferença
entre você e eu, eles e nós, os quais se fundem em um todo integral. Que, portanto, as
únicas soluções que devemos buscar são as que incluam todas as criaturas, sem exceção.
Uma visão teosófica é necessária, urgentemente, a todo ser altruísta e generoso, para
ajudar a construir permanentemente um mundo melhor. Nossa ajuda, porém, será pouca,
se apenas basear-se em conceitos intelectuais, por mais belos que pareçam. Precisamos
sentir que somos um, para colaborar eficazmente na transformação de que o mundo
necessita, onde reinem a paz, a justiça, o amor, como uma bênção natural para todos.
Não é uma mente sábia a que apenas compreende, e sim aquela que se identifica com
todos os que sofrem, não apenas para aliviar seu sofrimento, mas também para auxiliar-
lhes a descobrir sua causa real. Por isso, é necessário que se leve a mensagem teosófica a
todas as partes.
Talvez os Mestres, ao fundarem a Sociedade Teosófica, já vislumbrassem este
momento, em que há uma sede infinita pela verdade. Coube-nos viver nesta época, na
qual o nosso compromisso, responsabilidade e privilégio é continuar sua obra e levar sua
mensagem inspiradora a todas as partes. Hoje não temos tantas dificuldades, como as que
tiveram os pioneiros do movimento teosófico. A Sra. Blavatsk:y, o Coronel Olcott e outros
poucos, abriram caminho e, sob a direção de lideres extraordinários, a Sociedade Teosófica
veio desempenhando um trabalho brilhante até o momento atual.
O panorama que a Teosofia apresenta à razão é deslumbrante. Vemos como se está
desenvolvendo o Plano Divino, e que tudo conduz à construção de um mundo pleno de
beleza e perfeição. Esse mundo, porém, tem que ser construído com nossa colaboração
consciente e para isso, temos que entregar-nos a essa obra desde já. Temos de estar
alertas, despertos, pois a tarefa é tão urgente quanto bela. Trabalhar com esta visão,
impulsionados pela contemplação de uma meta de perfeição para toda a humanidade,
meta que parece longínqua, mas da qual podemos nos aproximar, de alguma forma, com
nossa colaboração consciente, trará Sabedoria a nossas mentes.
Para que haja um mundo melhor, é preciso que a mente seja sábia. Que se sinta parte
de um todo, e não um fragmento separado. Enquanto nos acreditarmos separados,
diferentes uns dos outros, haverá conflitos e dor no mundo. Os Grandes Seres têm nos dito
que devemos amar-nos uns aos outros, porque o grande unificador da humanidade é o
amor. Santo Agostinho afirma-o categoricamente, quando diz: "Ama, e faze o que
quiseres", porque, tudo quanto faça, aquele que ama será bom, benéfico, amável,
generoso, terno, compassivo, para o amado, cujo bem é mais importante do que o seu
bem pessoal. Aquele que realmente ama se esquece de si mesmo. O bem do ser amado é
sua própria felicidade e recompensa. Se não sentimos isso, é porque não aprendemos a
amar. Mas se o tivermos sentido de algum modo, intuiremos que no amor está o segredo e
a salvação do mundo.
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O amor é uma expressão da mente iluminada pela intuição, é mente e sentimento
unificados, é mente sábia. Nossa tarefa consiste em ampliar o círculo do amor, hoje tão
estreito e limitado, até que um dia envolva todas as criaturas.
Creio que no tema deste Congresso "Rumo a uma Mente Sábia e uma Sociedade
Nobre", devemos colocar ênfase em criar as condições para que, na mente de cada um de
nós aflore a Sabedoria que está oculta no mais profundo de nossa natureza. Isso está em
nossas mãos, e para isso estamos no mundo. Se nossa mente tornar-se sábia, tudo quanto
pensarmos, sentirmos e fizermos, levará à construção de uma sociedade nobre.
Cada época representa um desafio, e o despertar de tantas almas que buscam a
verdade para que o mundo que seus filhos um dia herdarão seja mais justo e mais belo,
implica uma imensa responsabilidade para os membros da Sociedade Teosófica. Temos que
chegar a elas e dar-lhes a luz que ilumine seu caminho, da mesma forma na qual, num dia
inesquecível, talvez o mais significativo de nossa existência, outros teósofos assim fizeram
conosco.
Estamos reunidos hoje, aqui, membros de todas as partes do mundo, porque nos
apercebemos da importância e da magnitude de nossa tarefa. Sabemos que, desta reunião,
sairão valiosas iniciativas para que nossa tarefa eterna se cumpra da maneira mais eficiente
possível, de acordo com as exigências do mundo moderno. Ficamos agradecidos à nossa
querida Presidenta, senhora Radha Burnier, e às pessoas que, com tanto amor e dedicação,
prepararam este Congresso Mundial, porque sabemos que nos tornaremos inspirados para
levar Sabedoria as nossas mentes e contribuiremos com isso para a construção de uma
sociedade nobre.
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A SABEDORIA DA MENTE
Alfredo Puig (Cuba)
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CONHECIMENTO E SABEDORIA -I
Kirsti Elo (Finlândia)
Hoje vamos falar sobre fluxo de conhecimento. Há tantos conhecimentos de fatos, que
não é mais possível se ter um controle sobre os mesmos. A maioria das informações estão
sendo produzidas todo o tempo e são utilizadas para formular teorias, preparar estatísticas
e tomar decisões, que direcionam as vidas das pessoas e sua cultura. Este fluxo de
conhecimento fragmentou a vida. Conhecimentos de um certo setor são explorados, sem
que seja avaliado que efeitos terão sobre o todo. Estas informações são então utilizadas
mesmo em certas áreas da vida onde não são aplicáveis, áreas que não podem ser medidas
pelos atuais métodos científicos.
A despeito de todo este fluxo de conhecimento, a condição de nosso mundo é causa
de preocupação, e a aflição e os sofrimentos das pessoas parecem estar sempre
aumentando.
Este fluxo de conhecimento de fatos tem criado algo que se pode chamar de "nova
ignorância". Enterrou sob si mesmo algo, que, sem o qual a humanidade não se recuperará
de seus problemas. Enterrou a Sabedoria. As pessoas têm muita confiança na palavra da
ciência e não ousam tirar suas próprias conclusões de fatos bem claros. Isto, sem falar no
fato de que cientistas têm que reverter suas opiniões seguidas vezes, quando um novo
conhecimento demonstra que as deduções anteriores estavam erradas. A ciência se tornou
uma moderna religião para muitos. Esta massa de "crentes" está sendo explorada por
muitos grupos oportunistas, que querem atingir seus próprios fins.
O conhecimento, por si mesmo, não é um mal. O modo como este conhecimento é
utilizado é que revela se uma pessoa tem ou não Sabedoria.
O que é a Sabedoria e como podemos obtê-la?
N. Sri Ram, um presidente anterior de nossa Sociedade, aborda este tema da seguinte
forma: "Sabedoria não é o conjunto de mais e mais conhecimentos e informações, e sim a
realização do que é certo e a utilização do conhecimento da maneira correta."
Do ponto de vista da espécie humana, é uma questão percebermos o que é certo e,
além disso, de nos tornarmos capazes de usar o conhecimento de uma maneira correta.
Estas duas capacidades, juntas, são condições para erradicar a guerra e a violência no
mundo; só depois de conseguir estas capacidades é que a espécie humana começará a
viver de acordo com o propósito da humanidade.
No livro Aos Pés do Mestre há a seguinte afirmação: "Há apenas duas espécies de
pessoas neste mundo, aquelas que sabem e aquelas que não sabem". Saber aqui, se refere
ao conhecimento do Plano de Deus para o homem, que é desenvolvimento.
Este é o conhecimento do propósito da espécie humana - o conhecimento do Plano -
que é Sabedoria. Mas não é suficiente compreendê-lo apenas com a ajuda do seu intelecto,
como uma probabilidade teórica. Ela tem que se tornar una com esta Realidade, em um
nível mais profundo. Realidade esta que é a própria razão de ser da pessoa. Ela existe
apenas para revelar esta fonte divina, em seu interior. O caminho para este Conhecimento
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exige muito, mas não há outra maneira.
Em A Voz do Silêncio, o discípulo pergunta ao Mestre: "Ó Mestre, que farei eu para
alcançar a Sabedoria? Ó Sábio, que farei eu para conseguir a perfeição". E a resposta é:
"Procura as Sendas". A pessoa, o Discípulo, chegou a um ponto de sua vida em que passou
a ansiar por Sabedoria. Ele compreendeu também que alcançar a Sabedoria é condição
para a perfeição. Todos os homens chegam a esta condição, em algum momento no
processo de seu desenvolvimento, percebem que têm de adquirir Sabedoria, porque o
conhecimento, por si só, não é suficiente. O homem começa a se perguntar, a buscar, um
novo modo de viver, para compreender o que é certo e para ter uma habilidade de utilizar
o conhecimento de maneira correta. Nesta fase do seu desenvolvimento, a pessoa se
entusiasma e tem uma voluntária disposição para aceitar um novo modo de viver.
O conselho do Mestre, "Procura as Sendas" transfere a responsabilidade para o próprio
aspirante. Ele tem que encontrar o Caminho para a fonte da Sabedoria por si mesmo. O
Mestre pode, contudo, aconselhá-lo, pois Ele já encontrou a Sabedoria. Ele já se tornou
perfeito.
Em primeiro lugar aquele que busca a Sabedoria deve sondar seu próprio coração. Há
egoísmo, procura de vantagem pessoais, violência? Ter coração puro é o verdadeiro
altruísmo, um compromisso de aliviar a aflição do mundo, no seu ambiente, na sua vida.
Significa um compromisso de serviço espiritual, de se submeter a treinamento, a fim de se
tornar um canal adequado para forças do bem. Por conseguinte, significa ser responsável
pela sua própria personalidade e, ao mesmo tempo, pelo todo. Desta forma os princípios
de FRATERNIDADE se tornarão uma viva realidade na vida das pessoas.
O Mestre Jesus disse: "Bem aventurados os limpos de coração, porque eles verão a
Deus". "Ver a Deus" significa, na minha opinião, uma experiência profunda do mistério da
Unicidade, da Unidade vivencia! Em todos os homens há aquela Santa Presença, a
Realidade, da qual todos e tudo somos uma parte. Esta experiência deveria ser de Amor
profundo, porque Deus é Amor, é Ananda, bem aventurança, onde termina a ilusão da
separatividade.
No livro Luz no Caminho há uma recomendação de que se mantenha muita
concentração na Senda. O Mestre diz:
Estas qualidades podem fazer o Discípulo dar um passo à frente, mas não são
suficientes. Diz o Instrutor: "A natureza toda do homem deve ser sabiamente empregada
por aquele que deseja entrar no caminho. É uma questão de crescente compreensão da
Sabedoria, Sabedoria significa compreensão, compreensão profunda e relacionamento
intenso entre a parte e o todo.
É dito, também, em Luz no Caminho, que a prática da devoção, por exemplo, pode
trazer ao aspirante o conhecimento que ele tinha em suas vidas passadas. Isso dificilmente
significa a lembrança de detalhes de suas vidas passadas, mas sim a Sabedoria que veio das
experiências, aquelas habilidades espirituais que ele tem em sua alma como um resultado
de vidas anteriores, sua Sabedoria oculta. Ele deve encontrar uma nova maneira de
trabalhar espiritualmente, nesta vida, que inclua aquele conhecimento que está em sua
alma.
Estas características espirituais são descritas no livro poeticamente como "a aguçada
visão da águia da montanha" e "o ouvido da tímida corça". Está claro que isso não significa
clarividência ou clariaudiência, que são formas inferiores de poderes psíquicos buscadas
por muita gente hoje em dia. Elas também não significam os sentidos exteriores.
O estudante, alcançando a Sabedoria, deve atuar como aquela águia. Deve aprender a
usar o conhecimento dos fatos sabiamente, sem desperdiçar sua energia em coisas não
essenciais. Isso somente é possível se ele atuar a partir do INTERIOR, das alturas espirituais.
Por isso "a aguçada visão da águia da montanha" significa uma verdadeira percepção
espiritual, um definido passo na Senda.
O que significa "o ouvido da tímida corça", que o estudante também tem que
conseguir? Se tivermos visto este animal se movimentando na Natureza, mais facilmente
entenderemos o ensinamento desta parábola: Este animal selvagem se movimenta com
prudência e se detém muitas vezes, para escutar. Deter todo o movimento, parar é uma
condição para que verdadeiramente possamos escutar.
Encontramos também em Luz do Caminho:
24
CONHECIMENTO E SABEDORIA - II
Fay van Ierlant (Holanda)
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"Na medida em que cresce a nossa compreensão, começamos
lentamente a olhar o mundo a partir da perspectiva teosófica, a ver os seus
princípios operando sob a superfície das coisas, encontrando evidência de ciclos,
evolução, planos mais elevados - tudo ao redor. Com clareza cada vez maior,
podemos também vislumbrar modos através dos quais estas ideias se
relacionam com as nossas vidas diárias. Podem, também, começar a refletir-se
nas nossas emoções, sob a forma de novos níveis de amor e de compaixão e do
desejo de servir. Assim, baseamos estes princípios na experiência e na nossa vida
interna, de modo que nos afetam em todos os níveis. À medida que este
processo se aprofunda, verificamos que a nossa atitude para com a vida está
mudando. Podemos adquirir maior capacidade de afastamento das limitações
de nossa situação imediata e ver o seu significado a partir de uma perspectiva
mais ampla, desde uma visão de alcance mais longo, à proporção que
consideramos objetivos maiores. Assim, este processo de transformar ideias em
experiência envolve todo o nosso ser. O que começa como compreensão
intelectual transforma-se em discernimento intuitivo e se torna embasado na
praticidade. As nossas faculdades em todos os níveis se focalizam na busca e
ficamos envolvidos em um processo interminável de crescimento,
continuamente criativo e novo, que continuará ano após ano. Descobrimos, por
nós próprios, que um verdadeiro encontro de nós mesmos com a visão esotérica
encerra em si o poder de nos transformar."
Esta transformação tem a ver com a descoberta da fonte de Sabedoria que está em nós
mesmos e não pode vir de fora. Nós somos parte da Verdade que estamos tentando captar,
expressões das leis da Natureza que investigamos. Esta descoberta conduz à visão do que
realmente é. Com o conhecimento, vemos o que pensamos, com a Sabedoria vemos o que
realmente é.
Sobre um antigo templo na Grécia foram escritas as seguintes palavras:
Este tipo de conhecimento vem do interior, pode surgir a cada minuto, se estivermos
abertos para isso, se estivermos cientes disso, se pudermos realmente direcionar toda
nossa atenção à observação e mesmo à visão do que acontece em nós e ao nosso redor,
em vez de deixarmos nossas mentes decidirem por nós.
O conhecimento de nossas mentes, que é sempre do passado, é necessário para nossa
experiência, mas se esse conhecimento obscurece a nossa atuação diária, ele nos restringe
em relação a vivenciar a realidade a ver as coisas como elas são e a alcançar a Sabedoria.
Assim, há o conhecimento resultante do estudo ou da experiência do passado e há a
Sabedoria adquirida através da visão interior, da compreensão, da observação e da
condição de estar atento.
26
Necessitamos de ambos, mas dependerá inteiramente de nós se um levará ao outro, se
deixarmos o conhecimento e a Sabedoria chegarem a um correto equilíbrio na realização
de nossa vida diária, o que também significa sermos sérios em relação às responsabilidades
que nossa interiorização profunda e nossa visão ampliada, sem dúvida, nos irão mostrar.
27
CONHECIMENTO E SABEDORIA - III
Hein van Beusekon (EUA)
O Sr. Sri Ram nos disse que para compreendermos o mundo que conhecemos, onde
vivemos e para nos compreendermos de uma maneira correta, precisamos ver todas as
coisas incluindo o ponto de vista destes mundos invisíveis e não somente do mundo visível.
A Teosofia ensina que nós, "a humanidade órfã", temos nossas raízes no Mundo
Espiritual. Annie Besant nos recordou, repetidamente, que temos que lembrar-nos de onde
viemos, que temos nossas raízes neste mundo e que esquecemos delas durante a Senda
involutiva. Se podemos estar conscientes de nossa origem enquanto trilhamos o caminho
ascendente, da evolução, isso nos ajudará muito a perceber a nossa jornada com a correta
perspectiva; nos manterá dentro do caminho espiritual, sem desvios e nos prevenirá de
ficarmos perdidos no mundo material. A única Luz que podemos projetar no caminho, o
caminho do progresso interno, é a Luz que brilha em nosso interior. O resplendor desta
Luz, opaca e difusa no começo, brilhará mais quando nos tornarmos menos autocentrados
e mais conscientes da Fraternidade Humana.
Para seguir o conselho de Annie Besant e ser consciente das nossas raízes no Mundo
Espiritual, podemos ver a imagem que os chineses oferecem como o símbolo da árvore.
Este símbolo mostra uma árvore ao contrário, com o tronco e talo celestes e os ramos
terrestres. Assim como na terra, as raízes das árvores são invisíveis aos olhos humanos, a
árvore celeste tem as suas raízes ocultas no Mundo Espiritual, invisível para nós
inicialmente. De igual maneira, assim como a árvore traz sua vitalidade para os seus ramos
e folhas, e reteria a força vital no inverno, similarmente nossa vida se origina nesse elevado
reino, onde temos nossas raízes. O homem, assim, desce ao mundo físico e depois retorna
à sua Fonte.
Atenção plena é a virtude fundamental para ajudar ao peregrino a ser consciente da
Luz latente em seu interior. O irmão Jinarajadasa e o professor Van Der Stok sugerem que
investiguemos a interação entre o homem, o experimentador, o peregrino e as criaturas do
Mundo do Fogo, o Mundo da Mente. Menciona-se que é função desta Hierarquia, algumas
vezes chamada de Hierarquia dos Bons Demônios, o cumprimento da "Boa Lei", da Lei
Cósmica. Os Senhores do Karma fazem parte desta Hierarquia e ocupam níveis elevados
nela. É dever desta Hierarquia manter e sustentar a Lei. Diz-se que o Dharma destes Seres é
28
aprender a manter a Lei, e sua palavra-chave é compaixão.
Devemos reconhecer a enorme compaixão destes Seres ao compreendermos que
recebemos apenas uma pequena porção, de cada vez, de nosso "Karma de aprendizagem"
e desta maneira temos a oportunidade de restaurar pouco a pouco o equilíbrio de todas as
nossas ações conflitivas do passado. Talvez H. P. B. estivesse referindo-se a este fato
quando disse que a compaixão é a Lei das Leis.
No Gradual, como aparece na liturgia da Igreja Católica Liberal, lê- se:
“Aquele que ama a Sabedoria ama a vida; e os que procuram seus princípios
ficam repletos de alegria.
Ensina-me Oh Senhor o caminho dos Teus preceitos; e o guardarei até o fim.
Dá-me o entendimento e eu guardarei a Tua Lei; sim, e eu a guardarei de todo
o coração.
O caminho do justo é como a Luz Radiante: brilhando cada vez mais até o dia
perfeito."
A palavra "Gradual" vem da palavra latina gradus, que significa degrau ou algo que
ocorre por graus, de nível em nível. Nele nos é dito que quando compreendermos a Lei,
atingiremos, passo a passo, essa Luz Brilhante. Antes que possamos compreender os
preceitos e o funcionamento da Lei, registramos as correções que nos foram impostas e
que as vivenciamos como desagradáveis, como se aqueles seres que cumprem a Lei
estivessem contra nós. Ao mesmo tempo estes agentes da Lei não compreendem porque
nós, humanos, estamos constantemente violando a Lei Cósmica. Quando tivermos
entendido o funcionamento da Lei e pudermos mantê-la com todo o nosso coração,
quando formos capazes de trabalhar em completa harmonia com a Lei, então estaremos
em paz e cooperando harmoniosamente com aqueles Seres do Fogo, que vivem no Reino
da Mente.
Então o peregrino compreenderá que o conhecimento tem a sua função específica.
Aprende que com o conhecimento é capaz de criar, mas não tem Sabedoria para aplicá-lo
de maneira correta. Ele desenvolve a paciência. Gradualmente compreende que não está
separado do mundo que o rodeia, não é o único a ser afetado por suas ações. Ele começa a
ter um sentido de responsabilidade, de amor e gradualmente vai se tornando consciente
de que terá de abandonar sua atitude autocentrada. Se torna consciente, de forma
gradual, da Unidade de toda Vida. Desenvolve em si próprio uma reverência pela Vida.
Com este compreensão e visão interior desenvolve um forte impulso para seguir adiante.
Sabe agora que cada erro o levará mais próximo ao dia em que terá a capacidade de tomar
a decisão correta. É neste momento que o peregrino entra no Mundo da Luz, o Reino da
Sabedoria. Aqui entra em contato com os Anjos, os Devas do Mundo da Luz. Então pode
cantar bem alto: "O caminho do justo é como a Luz Radiante; brilhando cada vez mais até
o dia perfeito". Adquire a consciência, como disse o irmão Raja, que a Sabedoria pode
conter no seu Universo todo o conhecimento possível, mas que todo o conhecimento não
representa a Sabedoria.
29
As criaturas que atuam no mundo da Luz são algumas vezes chamadas de Seres
Brilhantes e têm como lema o "Serviço". Estes seres não compreendem que os seres
humanos possam não aceitar sua permanente ajuda, o que ocorre na maioria das vezes
porque não estão conscientes da presença deles. É dito que no trabalho cerimonial estes
seres gostam de estar servindo e não entendem que a maioria de nós não esteja
familiarizada com o trabalho interno dos rituais. Desta maneira deixamos estes Seres "de
mãos vazias", porque isso acontece apenas devido a nossa ignorância.
É dito que estes Seres não deixam sombra, não piscam o olho e não suam. O que isso
significa?
Estes Seres Brilhantes são tão puros, sem nenhum "eu" que não há nada que os faça
refletir ou refratar a Luz. Também é dito que diferentes ordens neste grupo de Seres
representa a Luz da Luz e a Luz do Fogo. Eles nunca piscam o olho porque têm plena
atenção, um estado de alerta no seu mais alto grau. Eles não suam porque as suas ações
não têm esforço e estão em harmonia com a Grande Lei.
O esforço sem esforço é conhecido pela ideia chinesa Wu-Wei que quer dizer "fazendo
nada". Isto não é sinônimo de "não fazer nada". Não é inação, mas ação impessoal, ação
pura, em plena harmonia com a Lei Cósmica.
O homem, olhando para o Reino da Sabedoria, o Mundo da Luz relacionou a safira com
a Sabedoria. O azul se relaciona com a água profunda, por um lado, e com a imensa altitude
do céu, por outro. Nas profundezas das águas, ela absolve todos os pecados e destas
profundezas nascem as virtudes. Entre o azul do céu e o azul da água, no horizonte, o
amanhecer que nunca termina e sempre existe, refletindo o nascimento da Luz. E aqui que
a transição para o mundo transcendental pode ser feita, onde o homem pode encontrar
suas raízes. E neste reino do espírito que o homem tem que aprender a dar, é aqui que ele
encontrará a sua senha. (1)
No Novo Testamento se conta uma história de um rapaz que perguntou ao Senhor
como ganhar a vida eterna. Foi-lhe dito que vendesse tudo o que tinha e desse aos pobres
"e você terá tesouros no céu: venha e me siga". Este rapaz foi embora muito triste porque
ele tinha muitas posses. Então Jesus disse aos seus discípulos "E mais fácil para um camelo
passar pelo buraco de um agulha, do que um homem rico entrar no Reino de Deus".
A jornada do Caminho ascendente se torna profunda, existem momentos em que a
visão do peregrino se abre, nos quais ele pode olhar para o pico da montanha. Conhece
intuitivamente que deve perder o eu. Torna-se consciente do sacrifício que tem que fazer, a
última dádiva que pode oferecer. A "via dolorosa" que serpenteia montanha acima. O
peregrino, de alguma maneira, sabe que deve abdicar de tudo que possui. Somente aqueles
que podem fazer este sacrifício final, conhecerão o que há além. Tudo que sabemos, é que
não existe outro caminho a ser seguido.
30
CORRETA ASPIRAÇÃO
Dolores Gago de Fuerte (Uruguai)
Façamos uma pausa para definir nossas aspirações. A escolha está em cada um de nós
e a derrota ou a vitória dependerá da Sabedoria expressa através de nossas mentes
conjuntamente com sentimentos verdadeiramente compassivos brotando de nossos
corações.
34
"NOBLESSE OBLIGE" (2)
36
"eu" essencial por emanação, evolução, ou seja, aquilo que por impulso interior desenvolve
as potencialidades latentes em sua natureza, em si mesmo.
Nós, o mundo, o Universo, tudo - nos tornaremos o que realmente somos, ou o que
vamos ser através de nós mesmos. Nós construímos a nós mesmos, originamos de nós
mesmos, tornamo-nos nossos próprios filhos, temos feito sempre assim e continuaremos a
fazê-lo.
Somos responsáveis por nossos próprios atos, por cada pensamento que temos, por
cada palavra que pronunciamos. Construímos nossos próprios corpos, nossas próprias
vidas, nossos próprios destinos.
Não podemos colocar nossas responsabilidades sobre os ombros de outros, seja Deus,
anjos, homens ou demônios.
A palavra chave é: tornar-nos conscientes, autoconscientes da Divindade em nós,
dirigir-nos conscientemente, através da possibilidade de nos tornarmo-nos aquilo que
realmente somos em nosso mais íntimo ser.
Existe apenas um "mas": só pode ser feito "voluntariamente". Embora o Sendeiro seja
uma Senda real, não há favoritos que o percorram. Somente aqueles que fazem um esforço
voluntário, podem trilhá-lo. Mas diz H. P. B.: "nada é impossível para aqueles que querem".
Podemos nos tornar sábios se quisermos, quem sabe deuses. Temos apenas que escolher
"voluntariamente" entre nossas mais elevadas capacidades ou as mais inferiores. Podemos
conduzir a nós e ao mundo em direção a uma mente sábia e uma sociedade nobre, se
assim quisermos.
Isso significa que devemos praticar a unidade de propósito, de todo coração, de
maneira que nada possa nos afastar dela. Em A Voz do Silêncio está escrito: "Tens de
alcançar aquela fixidez mental em que nenhuma brisa, embora forte, possa insuflar-lhe no
interior qualquer pensamento terreno".
A iniciativa deverá vir de nós. Primeiramente, devemos tornar-nos conscientes de
nossos pensamentos, emoções, palavras. Apercebemo-nos que através de todas as
palavras que pronunciamos, todas as emoções que temos, modelamos o mundo?
Apercebemo-nos que estamos acostumados a desperdiçar palavras e ainda assim somos
incapazes de dizer aquilo que realmente queremos?
Estamos conscientes disso?
Por que estamos fazendo isso? Usamos muitas palavras para ser gentis ou desejamos
tornar-nos importantes? Queremos que nos vejam como pessoas inteligentes?
Consideramos que estamos mais perto da Verdade falando em demasia? As palavras
supérfluas nos conduzem a um degrau superior de nossa natureza mais pura?
Quanto mais abertos, corretos e diretos formos, mais construiremos um mundo
aberto, correto e direto, com maior clareza e honestidade.
Quando vivemos com simplicidade, há espaço para a realidade! Quando utilizamos
palavras fúteis existe uma névoa de irrealidade. Necessitamos, figurativamente falando, de
céu claro, de céu azul, da luz do Sol; então podemos ter uma visão clara, brilhante e ampla.
Estamos construindo um mundo envolto em névoas e devemos removê-las, porque
nós, como seres humanos, estamos destinados a ser conscientes. A Arte de Viver é tornar-
se consciente de nosso mais íntimo Ser. Dentro desta consciência se encontram todos os
37
poderes da Natureza.
Como o pensamento precede tudo, temos que ser conscientes dos mesmos, para
conhecer os seus poderes. Após esta etapa, sabemos que temos que ser senhores dos
nossos pensamentos. Antes de tornar-nos senhores de nossos pensamentos, devemos
conhecê-los. Temos que aprender a discernir entre os pensamentos que nos dispersam e
aqueles que brotam do interior. Em síntese, poderíamos dizer que temos que ser
conscientes, reflexivos, meditativos, cuidadosos.
Aqui entramos no palco do silêncio.
O silêncio é o transcender das palavras ou mais alguma coisa? Há momentos em que
estar harmoniosamente juntos em silêncio é mais significativo do que utilizar palavras? No
silêncio nós podemos nos comunicar com mais profundidade? Se deixamos de utilizar
palavras fúteis, descobrimos que podemos falar de coração para coração, de alma para
alma, do Ser para o Ser.
Enquanto damos ênfase às palavras que podem produzir discussões, incompreensões,
nunca atingiremos o objetivo de unir-nos dentro da S.T. e do mundo. As palavras são meios
de expressão que temos que utilizar apropriadamente, cuidadosamente. As palavras não
deverão afastar-nos da sua essência.
O silêncio não significa manter a boca fechada. Existem tipos diferentes de silêncio.
Quando mantemos a boca fechada, não estamos produzindo som, mas podemos estar em
silêncio e expressar-nos profundamente. Ousamos encontrar este silêncio?
O silêncio é o portal do mundo interno. Além deste portal poderíamos encontrar a voz
do nosso ser interno, geralmente denominada A Voz do Silêncio. Se escutamos esta voz e a
seguimos até a sua origem, então encontramos o Pensamento Divino, Todo Pensamento.
No livro A Voz do Silêncio se diz: “... tens de te sentir TODO-PENSAMENTO e contudo
exilar de tua Alma todos os pensamentos".
Pensamentos significam evolução! Cada pensamento pressiona para expressar-se, seja
em palavras, emoções ou ações. Eis o porque da importância de poder tornar-se consciente
do pensamento. Sabemos que pensamentos hostis produzem discussões e coletivamente,
o que é pior, guerras. Algumas vezes dizemos que sim, que criamos guerras por nós
mesmos. Mas eu me pergunto se sabemos o que estamos dizendo. Não é suficiente admitir
que criamos guerras. Temos que dar um passo adiante, sermos conscientes de nossos
pensamentos e, novamente mais um passo, para tornar-nos senhores de nossos
pensamentos com o propósito de "não" criarmos guerras.
O que pensamos, nos tornamos. Nós moldamos o mundo. O pensamento significa
evolução! Toda criação procede de pensamentos e ainda assim nós continuamos...
Esta é a diferença em relação aos Adeptos, dos quais se presume que os teosofistas
sejam instrumentos. Eles, os Adeptos, desenvolvem a forma dos pensamentos
conscientemente, enquanto os homens os projetam inconscientemente.
Se os verdadeiros teosofistas podem se tornar instrumentos dos Adeptos, então temos
que aprender também a utilizar nossos pensamentos como fazem Eles, conscientemente.
Pensamento é poder e o grau de intensidade torna este poder mais ou menos poderoso.
Quanto maior a intensidade, maior o poder. Podemos avaliar conscientemente se usamos
este poder como benevolente, curativo ou de maneira egoísta e, além disso, conhecermos
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a diferença?
Acaso a história humana não é um registro desta grande luta? Estamos
verdadeiramente conscientes? Sejamos honestos e inegoístas! Todo pensamento tem que
ser esgotado...
Como foi mencionado antes, existe o pensamento divino (D. S. Vol. I, p. 380 Adyar ed. -
em inglês). Existe o Plano Divino. Existem os Logos, os quais após as Trevas desapareceram
em seus próprios domínios de Luz Eterna, abriram sua compreensão e veem o mundo ideal
(até agora oculto no pensamento divino) as formas arquetípicas das quais todas as coisas
procedem para copiar e construir formas fugazes e transcendentes".
Os Logos são considerados a expressão externa da causa que está oculta. Assim, são a
expressão externa do pensamento. Eles, os Logos Criativos, abriram sua compreensão. Não
seríamos também, em essência, como os Logos, podendo abrir nossa compreensão e, ao
fazer isso, tornar-nos colaboradores do Plano Divino?
Sabendo que somos a própria evolução capaz de criar o mundo e os mundos, e que,
em essência, estamos destinados a ser nobres deuses para criar um mundo nobre, nada
podemos dizer além de: Tal Nobreza Obriga!
(2). Expressão francesa consagrada que significa: obrigações ou deveres da dignidade ou nobreza.
(N. E.)
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DESPERTANDO PARA O RELACIONAMENTO E PARA A RESPONSABILIDADE
Surenda Narayan (Índia)
Como todos sabemos, o tema para este Congresso Mundial da Sociedade Teosófica é
"Rumo a Uma Mente Sábia e Uma Sociedade Nobre". Dentro do âmbito deste tema tão
importante e tão atual, escolhi compartilhar alguns pensamentos com vocês esta noite
sobre "Despertando para o Relacionamento e a Responsabilidade".
Devemos notar que o tema não trata de uma situação estática, ou de uma situação
passiva, negativa e desencorajante. A abordagem é positiva, otimista, dinâmica, exigindo
que nos movimentemos em direção à bondade e à glória.
Para mim, o ponto crucial é o despertar ou o acordar, pois, se estivermos realmente
despertos, muitos problemas ficarão solucionados, obstáculos serão ultrapassados, e um
estado de pura consciência começará a prevalecer como consequência disso. Quando
despertamos do sono da noite, o que acontece? Despertamos para nossa consciência
natural e normal, a que tínhamos antes de ir dormir. A única diferença é que o corpo e o
cérebro se sentem renovados. O mesmo acontece com relação ao despertar do qual
estamos falando. Despertamos para aquele mais profundo nível de consciência ou
conhecimento, que é o estado real do Ser - ver, pensar, sentir e agir. Despertamos para o
que nós realmente somos. Aquele estado de despertar para aquilo que realmente somos
foi também referido de outra maneira - o da recordação. Conhecimento é simplesmente
recordação, disse Platão. E como um santo sufi colocou sucintamente: "A recordação
verdadeira consiste em esquecer tudo, exceto o Uno recordado - a Vida Universal que nos
abarca e todos os demais seres".
A metáfora do despertar ou de manter-se desperto tem sido amplamente usada na
Filosofia e na religião. Na Bíblia, por exemplo, na Epístola de Paulo aos Efésios, há uma
exortação: "Desperta, ó tu que dormes". (3) E depois acrescenta: "Cuidai, pois, para que
andem atentos, não como tolos e sim corno sábios.” (4) Uma metáfora algo similar
encontra-se na Primeira Epístola de Paulo aos Tessalonicenses (6), na qual ele também diz:
"Todos vós sois filhos da luz. Não durmamos, pois, como os outros, mas vigiemos e
sejamos sóbrios – revestindo-nos da fé e do amor, e como um elmo, a esperança de
salvação". Uma canção hindu sabiamente coloca isso assim:
"Meu sono foi interrompido. como poderia dormir uma vez mais? Porque agora
estou bastante desperto na vigília da Yoga."
Como todos sabemos, para a maior parte das pessoas, a condição de estar desperto
significa uma vida imersa nos desejos do mundo, a persegui-los interminavelmente, numa
vida que pensa apenas em termos de "mim" e "meus" desejos, minhas ambições e não
pensa nem sente nada pelos outros. Representa um estado de consciência no qual,
geralmente, a posse das coisas materiais é tudo que importa - dinheiro, bens de várias
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espécies, poder e a sensação de gozo físico e emocional. É uma vida de atividade
autocentrada, auto-sustentada e autoprojetada, e, então, realmente, uma vida isolada ou
mesmo alienada. Leva-se uma vida dessas na crença e na esperança aficionada de que a
felicidade é encontrada deste modo. Uma certa felicidade passageira, sem dúvida,
acontece, mas nessa jornada há mais dor e infelicidade do que alegria, pois a alegria,
quando procurada, frequentemente ilude o buscador, escorrega muito cedo de suas mãos
ou se transforma em cinzas. A alegria permanente não reside nas coisas sujeitas a
mudanças. A alegria não perdura se é conseguida com egoísmo, com insensatez de privar
os outros de tê-la, e com o sofrimento causado aos outros na sua busca.
No caso daquele que está desperto em um nível mais profundo de consciência, a vida.
é vivida em uma dimensão diferente, mesmo que seja uma vida em família, ou conduzindo
um negócio, ou exercendo uma profissão etc. O conteúdo básico, se se pode usar este
termo, de tal estado de pleno despertar, é a percepção - nublada inicialmente - de que
toda a vida é intrinsecamente una e que ela não pode ser vivida nem aproveitada de
maneira Isolada. Uma percepção de tal unidade naturalmente leva a um senso de
harmonia, para compartilhar e servir - não para agarrar e possuir. Não é de admirar que
esta unicidade ou unidade da vida tenha sido ressaltada nos ensinamentos de todos os
grandes benfeitores da humanidade. Na tradição oriental, exemplos usualmente citados
são aqueles de vários potes, todos feitos do mesmo barro; de diversos vasos vazios, todos
contendo o mesmo espaço ou ar e do inteiro e imenso oceano, que tem apenas um sabor -
o sal. A unidade, inevitavelmente, leva ao amor - os dois andam juntos. "Conhecendo o
Supremo como sendo todos os seres, o sábio expande o amor a todas as criaturas
indiscriminadamente" diz o Yishnu Purana da Índia. Uma expressão inspiradora da mesma
verdade encontra abrigo em um poema de uma poetisa mística alemã do século treze -
Mechthild of Magdeburg - quando ela diz:
Essas coisas, para mim, não parecem simplesmente voos da fantasia, e sim visões de
um futuro que está destinado a chegar, e pode ter sua chegada abreviada se
demonstrarmos vontade e determinação no auxílio ao despertar para o amor e a harmonia.
Por vezes, ao virmos a condição do mundo como está hoje, tendemos a perder as
esperanças e, muitas vezes, começamos a perguntar-nos o que podemos fazer, como
indivíduos sós. O mundo, porém, consiste apenas de indivíduos, e o mundo é e será como
os indivíduos são e tentam ser. Quando alguém perguntava a J. Krishnamurti como a
transformação de uma pessoa poderia afetar o mundo, ele simplesmente respondia:
"Transforme-se e veja o que acontece!"
Cada um de nós possui a capacidade e o poder de afetar, influenciar e despertar muitas
vezes, imperceptivelmente, muitas outras pessoas através de nossos pensamentos,
sentimentos, palavras, escritos, ações e modo de viver. Como um sábio colocou, o correto
não é necessariamente a força, mas tem a tendência de reunir a força ao seu redor. A
História traz para isso um vasto testemunho, e tivemos alguns vislumbres deste fenômeno
recentemente, quando mudanças repentinas sobrevieram à antigamente chamada União
Soviética e Europa Oriental. Quem poderia imaginar, dez anos atrás, que o inexpugnável
46
Muro de Berlim seria tão cedo derrubado? Alguém disse que um grito nas montanhas,
algumas vezes, provoca uma avalanche!
Estamos, cada um de nós, como seres humanos individuais, prontos e desejosos de
contribuir com nossa força, exercer nossa responsabilidade, não importando quão
insignificante ou desimportante isso possa parecer exteriormente? À medida que
pudermos, cada um de nós continuará respondendo afirmativamente a esta pergunta?:
estamos ajudando a aurora de um futuro mais brilhante de relacionamentos corretos, boa
vontade e paz? Não nos esqueçamos da inspiração, como um legado deixado para nós há
séculos, pela Sabedoria grega e pelo filósofo Pitágoras, quando disse: "Tenham coragem, a
raça humana é divina". A isso posso acrescentar outra parte do Evangelho Segundo Mateus,
que lembra o desejoso e devoto o seguinte:
O futuro está em nossas mãos. Procuremos atuar sabiamente e ajudar a construir uma
sociedade gloriosa.
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INTELIGÊNCIA, A BASE PARA O RETO VIVER
Tran-Thi-Kim-Diêu (França)
A maioria de nós concordaria que o mundo atual necessita de um reto modo de vida
para que possamos evoluir rumo a uma sociedade que mereça ser chamada de "nobre". Ao
se refletir como uma tal sociedade nobre pode ser estabelecida, poderíamos perguntar: O
que é reto? O que é retidão? O que é virtude? Será que uma difere da outra? Qual é a base
do reto viver?
Para um observador atento, a vida é uma rede de relacionamentos entre indivíduos.
Não podemos fazer muito para alterar certos aspectos desses relacionamentos porque eles
são o resultado do passado. Mas há outros aspectos do relacionamento onde as condições
podem ser mudadas e onde até mesmo a qualidade e o desenrolar dos eventos podem ser
determinados. O reto viver pode ser considerado como a maneira correta de agir com
relação a esses outros aspectos do relacionamento de forma a elucidar e simplificar as
coisas ao diminuir a influência dos aspectos anteriormente citados - aqueles que surgem do
passado. Então, o reto viver conduzirá inevitavelmente as pessoas que entram em contato
umas com as outras a relacionamentos harmoniosos, nos quais os conflitos - quando e
onde quer que possam ocasionalmente ocorrer - seriam resolvidos com afeição, atenção e
auto-esquecimento.
Assim, o reto viver não tem nada a ver com o que é chamado de moralidade social. A
moralidade social é um conjunto de regras convencionais que, sancionadas pela lei e
aceitas pela maioria numa comunidade, visa introduzir alguma ordem na vida comunitária.
Esta ordem é meramente uma forma de acordo mútuo entre as pessoas. Ela torna possível
preservar os interesses da comunidade e dos indivíduos, desde que aquela tenha
precedência sobre estes.
Embora a lei e as regras possam produzir uma certa ordem necessária numa
comunidade ao codificar os relacionamentos entre as pessoas, uma tal ordem é superficial.
Regras e leis cegamente aplicadas podem esmagar os indivíduos. A verdadeira harmonia
dentro dos relacionamentos está então totalmente ausente, embora uma ordem aparente
possa ser produzida e mantida.
Parece que a necessidade de regras e leis para assegurar o bom funcionamento de uma
comunidade contém dentro de si suas desvantagens. Na verdade, no momento em que se
48
torna necessário resolver disputas entre uma comunidade e indivíduos, a ideia ou conceito
de uma diferença fundamental entre ambos é admitida. Dessa forma, as leis e regras
evoluíram da ideia básica de que uma comunidade e os indivíduos que a compõem são dois
parceiros completamente diferentes. Esta ideia é completamente errônea, uma vez que
toda comunidade é composta de indivíduos, e cada indivíduo, sem exceção, constitui uma
parte estrutural de uma comunidade. Além do mais, não há diferença entre os dois, cada
indivíduo sendo fundamentalmente idêntico à comunidade, seja ela um grupo, uma
sociedade ou a humanidade como um todo. Uma vez que a ideia básica que deu origem às
regras e leis que definem e mantêm a moralidade social é errônea, esta nunca é suficiente
para gerar um reto viver e criar harmonia entre os seres humanos.
Talvez possamos ser tentados a vincular O reto viver a uma certa moralidade religiosa,
uma vez que, tradicionalmente, a religião existe para assegurar que seus crentes ou
seguidores sejam educados na retidão. Mas vincular o reto viver à moralidade religiosa não
parece ser um modo de pensar estritamente correto. As religiões organizadas em geral
contêm inegavelmente conjuntos de dogmas, crenças, credos e práticas supersticiosas que
nada têm a ver com a essência da espiritualidade, que é Religião em seu sentido mais
elevado. Embora a aplicação da moralidade religiosa à nossa vida possa conduzir, em
alguma medida, a uma certa ordem dentro da comunidade, esta ordem permanece
artificial.
Além disso, a religião frequentemente cobra um preço elevado de seus crentes, pois
seu impacto é quase sempre baseado em última análise em dogmas rígidos, de forma que
os mais obedientes dentre os seus seguidores são privilegiados - ou pelo menos lhe
prometem uma recompensa - na forma de vantagens materiais durante a vida e o paraíso
após a morte. Algumas religiões conferem até mesmo mais privilégios aos homens do que
às mulheres, causando, assim, uma clara separação entre os dois sexos da humanidade,
abertamente permitindo, isto é, legitimando, a exploração das mulheres pelos homens.
Mas o maior preço que os crentes têm de pagar é obviamente a perda da liberdade de
pensamento. Confinados nos limites de dogmas estabelecidos, o pensar rapidamente
torna-se um conjunto de padrões de pensamento, ideias preconcebidas e valores baseados
em dogmas. Estes padrões sufocam as verdadeiras faculdades espirituais nos crentes, de
forma que, cedo ou tarde, esses seres humanos são privados da possibilidade do
verdadeiro florescimento espiritual. Uma mente fechada torna-se tão rígida quanto uma
estrutura de ferro. Uma tal mente nunca pode perceber o que está além. E o que está
além, sendo mais inclusivo, está mais próximo da verdade e, portanto, do que é correto.
Dessa forma, a religião não pode dotar os seres humanos com uma reta visão que poderia
gerar um reto viver.
Assim, embora a moralidade social aplicada possa produzir a ordem requerida para
tornar possível uma vida comunitária factível entre os seres humanos, seu conceito básico
é completamente errôneo e, embora a moralidade religiosa seja a base do reto viver,
produz uma mente fechada, impermeável ao que é verdadeiramente reto.
Além do mais, na maior parte ao tempo, uma retidão que é rígida aprisiona o indivíduo
que pensa ser reto em sua imaginação. Não há orgulho mais sutil e pior do que o de se
acreditar ser reto e virtuoso. Isso atua como uma barreira que separa o indivíduo dos
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demais. Ao reforçar a ideia do "meu", do "eu"- mesmo crendo-se virtuoso - ele reforça as
diferenças entre o indivíduo e os demais, intensificando assim a separatividade.
Em última análise, parece que o que é reto não depende de códigos, regras ou leis
feitas pela mente humana, e que a maneira como de hábito pensamos sobre o que é reto,
frequentemente difere muito do que é verdadeiramente reto. Portanto podemos
perguntar: "Com que base podemos garantir que esta ou aquela coisa é reta?", "Qual é o
significado do que é reto?".
Dissemos anteriormente que o reto viver deve necessariamente conduzir a
relacionamentos harmoniosos entre as pessoas e que os conflitos, como e onde quer que
possam ocasionalmente ocorrer, seriam então resolvidos com afeição, atenção e auto-
esquecimento. Uma vez que os relacionamentos harmoniosos podem ser definidos como
aqueles nos quais os conflitos estão ausentes, sua solução necessita ser examinada bem
como sua ocorrência.
O que acontece quando surge um conflito entre dois indivíduos? Na maior parte das
vezes os interesses de um - ou suas opiniões ou o que quer que considere como seu - são
opostos aos do outro. Poder-se-ia argumentar, dando várias razões e motivos. Entretanto,
se há sinceridade e honestidade para consigo mesmo, pode-se claramente ver que todos
os argumentos e motivos são superficiais e baseados na autopreservação. A raiz das
opiniões, interesses etc. de um indivíduo é aquela com a qual ele se identifica e segundo a
qual ele age.
E, então, óbvio que o problema do conflito como um todo está enraizado nesta falsa
ideia de que "eu sou eu, separado, distinto dos outros". Esta falsa ideia básica dá
surgimento a um ponto de partida distorcido, por assim dizer, ao fornecer uma visão
truncada de toda a situação que de fato existe. Tendo como base esta visão distorcida, o
reto viver não pode ser descoberto.
O problema do conflito está naquilo com o que cada indivíduo identifica-se. Não se
pode agir baseado no que não pensamos ser. A qualidade do ser com o qual nos
identificamos inevitavelmente definirá e determinará não apenas as condições e a
qualidade de nossa ação como também sua própria natureza.
Há uma história de um bebê-tigre que se perde de sua família numa idade muito tenra
e cresce entre as ovelhas. Dessa forma, ele caminha como uma ovelha e berra como uma
ovelha. É claro que ele pensa ser uma ovelha até que um dia sua mãe o encontra e vem até
ele. Mas o jovem animal está tão assustado de ver um tigre aproximando-se dele que foge
e se esconde atrás de uma rocha. A mamãe-tigre grita para ele: "Por que você está com
medo? Você também é um tigre". Não é preciso dizer que o jovem tigre tem sérias dúvidas
sobre sua verdadeira identidade. Tremendo de medo, ele pensa: "Não é verdade: ela vai
me despedaçar e me comer como aos meus companheiros". Mas sua mãe lhe diz para ir
até um lago e olhar seu reflexo na água. Diante de sua insistência, ele finalmente concorda
em ir. Tão logo ele olha para a superfície do lago, fica impressionado pela sua semelhança
com a mamãe-tigre! Ela então ruge para ele, mostrando-lhe sua linguagem comum. E o
jovem tigre ruge para ela. Nunca mais irá se identificar com uma ovelha. Ele agora sabe
que é um tigre.
Estamos - assim como o jovem tigre na história - inseguros de nossa Identidade? Ou
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não conhecemos nossa verdadeira natureza? Estamos berrando como as ovelhas? Fazendo
o papel da mamãe-tigre, gerações de videntes têm incessantemente rugido para nossas
almas. Talvez estejamos com medo e, com medo, estamos ainda fugindo e nos
escondendo atrás da rocha do "eu", protegendo-nos contra nossa verdadeira natureza.
O reto viver não pode ser encontrado a menos que o indivíduo cesse de se identificar
com qualquer parte superficial e externa de seu ser. Como os valores pelos quais um
indivíduo age e se esforça são aqueles que pertencem ao nível de sua identificação, o reto
viver - colocando a questão de forma simples - não é diferente da entrega incondicional do
eu pessoal, com seu conjunto de valores, aos valores da verdade, quando se encontra face
a face com eles.
Uma vez que os valores da verdade não são diferentes da ética universal, o reto viver
origina-se necessariamente de uma visão oni-abrangente que inclui todos os seres e não
exclui nada nem ninguém, nem animais, plantas, minerais nem outras categorias de seres
até agora desconhecidas para nós. É muito mais do que virtude moral e, contudo, não se
reconhece como tal. Seu fundamento está na percepção da Existência Una, na qual cada
ser em cada reino, ao preencher seu próprio destino a seu modo, tem seu próprio lugar
integrado na totalidade única. Naquele nível, o bom não é o oposto do ruim e não há uma
tal coisa como mal.
Poder-se-ia dizer que tudo está bem, e a bondade, que é o florescimento natural do
reto viver, é de fato a qualidade intrínseca da Unidade.
Este reto viver deveria estar refletido nos relacionamentos entre as pessoas, onde a
afeição, sendo uma expressão do amor compassivo universal, não é maculada pelo apego
ou pela predileção apaixonada. A percepção atenta, que subjaz aos relacionamentos e lhes
infunde vida, deveria estar ativa tanto externa como internamente, de modo que tão logo
o eu pessoal reivindique os seus direitos egoístas - e ilegítimos - ele seja afastado como um
intruso do processo amoroso da comunhão.
Quando a percepção atenta torna-se ativa, ela testemunha a emergência deste
processo amoroso que coloca em movimento uma energia refinada, sutil e, contudo,
poderosa. A percepção está ativa, a energia circulando, a vida sendo compartilhada,
entretanto nenhuma entidade existe. Um tal processo amoroso é simplesmente um
movimento de desabrochar de algo a partir do invisível, sem nenhuma qualificação,
nenhum nome. Ele não pode ser agarrado. Não pode ser tocado. Mas há a percepção
dele.
Começamos a nos perguntar: Afinal de contas, não somos, cada um de nós, apenas a
consciência passando através do mundo das aparências a fim de experimentar e
testemunhar? Se assim é, por que deveríamos queixar-nos de qualquer coisa, qualquer
que seja? Por que adoecemos com a pressa, tentando obter e possuir? Pois um andarilho
que passa através do mundo das aparências nem pertence àquele mundo nem coisa
alguma do que nele está lhe pertence. O seu modo de comunicação com o mundo das
aparências não está baseado no obter e possuir, mas no experimentar e largar.
Sempre que houver a atitude de obter e possuir, a experiência cessa para o andarilho
que passa. A consciência fica aprisionada numa expressão limitada na forma de uma
astúcia que se autopreserva. Obter e possuir dão nascimento a vários tormentos, sendo os
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mais temíveis e mais conhecidos dentre eles a ganância, a luxúria e a ira. O andarilho cessa
de ser um passante no momento em que se torna preso à armadilha da auto-identificação
no nível em que ele estava experimentando.
Perplexo pela falta de percepção, o indivíduo apenas tornará as coisas piores pela
ação baseada na identificação. De agora em diante, ele está preso nos emaranhados dos
resultados de sua ação passada. Ele é tentado a ceder aos tormentos que acabamos de
mencionar.
Assim como uma aranha se debate em sua própria teia, o indivíduo é aprisionado em
sua própria rede. Enquanto isso, muito sofrimento é gerado. O indivíduo, ao se identificar,
pensa que ele é o sofredor. Mas o fato é que embora haja sofrimento, não há sofredor e o
autoproclamado sofredor pode apenas tornar a situação pior. Ou ele se torna detido neste
nível ou torna as coisas ainda mais difíceis para si próprio, pelo menos até que haja um
novo avanço de parte da consciência.
Por outro lado, sempre que há o experimentar, isto é, a percepção atenta, e o largar,
isto é, o seguir em frente, a consciência flui através do indivíduo. Ele perdeu então seu
sentido de separatividade, sendo apanhado e enriquecido por este movimento único que
o carrega e o envolve como uma parte intrínseca de si mesmo. O processo inteiro ocorre
sem nenhuma entidade ou identificação. Há apenas a consciência a presenciar o interior
de um movimento vasto e aberto. Estar cônscio deste tremendo processo é inteligência.
A inteligência age como a base para o reto viver porque traz consigo a capacidade de
resolver conflitos ocasionais, de se viver livre de imagens e da necessidade de
autopreservação, ao fazer com que o indivíduo não sinta que ele é mais merecedor de
privilégios do que outros. Além disso, ela conduz o indivíduo em direção ao auto-sacrificio.
Em outras palavras, o reto viver é o caminho da inteligência, a dissolução do ego e,
portanto, a dissolução da dor, guiando o indivíduo alegremente em direção à sua
verdadeira natureza enraizando completamente e para sempre na Unidade da qual tudo
provém, para a qual tudo retoma, na qual tudo vive. Dessa forma, o reto viver é virtude per
si, e é a expressão da inteligência por excelência.
Como consequência disso, os relacionamentos com as pessoas se tornam mais fáceis,
sem artifícios, francos, naturais e simples porque estão livres da esperança, da
expectativa, das exigências e do desespero. Isso acontece porque o indivíduo abandonou o
seu maior fardo, isto é, a imagem que construiu de si mesmo junto com seu movimento de
autopreenchimento.
Este alívio não o liberta de encarar os resultados de suas ações e pensamentos
passados. No entanto, estando esclarecido, ele pode aproximar-se das situações de forma
reta, sem acrescentar nem subtrair nada daquilo que de fato acontece. Desse modo, ele
não sofre, embora as circunstâncias possam ser difíceis e não se engrandece quando elas
se mostram favoráveis.
Mas, ao aprender de cada situação como se fosse uma oportunidade que lhe é
oferecida, ele pode verificar por si mesmo sua própria compreensão. E, ao assim fazer,
pode na verdade tornar a mente mais aguda, como um escultor que corta, apara as
arestas e ao final dá o polimento. Apesar de toda ação, ele não é o ator, porque é a
inteligência que está em atividade.
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Para que a inteligência funcione, a mente deve ser arquitetada, livre dos barulhos
internos causados pela tendência de se obter e possuir que cristalizou a inteligência numa
astúcia que se autopreserva. Uma mente sábia é uma mente pela qual a inteligência pode
operar sem impedimentos, através da qual a consciência pode fluir naturalmente e
expressar-se livremente. Quando isso de fato acontece há a percepção da maneira
surpreendente e alegre pela qual a inteligência se expressa. Inesperada e imprevisível,
esta expressão comunica aos relacionamentos aquele frescor que é vida.
Ao escutar a inteligência, o indivíduo naturalmente leva uma vida reta. Pelo reto viver
na ação presente, ele, em alguma medida, purifica os resultados que surgem da ação
passada. O futuro, por ser o desabrochar do passado e do presente, este presente que
será o passado para o futuro - será alterado pela ação no presente de forma reta e na
direção reta. Isso produzirá, como uma consequência natural, uma comunidade na qual
cada indivíduo, sem exceção, é reconhecido pelos demais como uma parte fundamental e
intrínseca do todo, uma comunidade na qual os valores da verdade prevalecem.
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UMA SOCIEDADE NOBRE: DE PLATÃO A KRISHNAMURTI
Ricardo Lindemann
Desde tempos imemoriais, alguns seres humanos têm buscado uma sociedade justa,
nobre e digna. Contudo, de modo geral, os defensores desses grandes ideais de justiça e
nobreza humanas têm sido perseguidos, como Platão e São Paulo, levados à morte, como
Sócrates, ou mesmo torturados e barbaramente assassinados como Giordano Bruno e Jesus
Cristo. Pitágoras chegou a ter a sua escola de milhares de alunos, em Crotona, dizimada a
gume de espada. Dessa forma, os grandes ideais da humanidade têm sido mal
compreendidos, deformados, perseguidos, deturpados, condenados como heresias ou
ridicularizados como utopias...
Platão, por exemplo, propôs um sistema de governo a partir de uma seleção natural dos
melhores, em grego: Oi aristoi, donde deriva o termo aristocracia. Esse termo foi de tal
forma deturpado que ele, hoje em dia, praticamente significa um governo de elite
privilegiada e pretensamente superior ao povo.
Uma breve leitura no capítulo terceiro de A República nos convenceria de que essa é uma
grosseira inversão dos conceitos, à medida que Platão ali afirma que os governantes não
deveriam ter direito a posses pessoais, fato que quase caracteriza um voto de pobreza
sacerdotal.
Uma vez recuperado o conceito original, que é semelhante ao conselho de Jesus Cristo:
"O maior dentre vós será aquele que vos serve", a genuína proposta platônica passa de uma
sumária classificação de elitista e degradante subitamente para o outro extremo, como
idealista, utópica e fantasiosa.
Deformações similares receberam os nobres ideais da Revolução Francesa: liberdade,
igualdade e Fraternidade.
O liberalismo, que é uma das formas do capitalismo, pretende defender basicamente o
ideal da liberdade, porque sem liberdade a vida humana carece de sentido. Passa a ser
semelhante a de animais sendo engordados para o abate. Porém, o capitalismo geralmente
degenera numa ambiciosa corrida consumista que atropela a igualdade e a Fraternidade,
podendo mesmo chegar à selvageria da miséria e da morte por inanição.
O comunismo pretendeu sempre defender a igualdade, porque parece-nos
inquestionável que todos os seres humanos têm o mesmo valor, de modo que todos devem
ter igualdade de oportunidades. Contudo, uma igualdade imposta pela força das armas terá
que ser também mantida da mesma forma, porque não surgiu de uma conscientização
interior ou de um natural amadurecimento humano. Assim, uma igualdade imposta à força
nega a Fraternidade e a liberdade. A obediência cega nega ao homem o uso da faculdade
que o distingue dos animais: a inteligência autoconsciente.
Por mais que um sistema possa alimentar-nos saudavelmente, sem liberdade seríamos
forçados a uma vida quase vegetativa.
Por outro lado, tanto o comunismo quanto o capitalismo, ao cobrirem de privilégios os
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seus governantes, estão estimulando a corrupção. Os indivíduos são, assim, facilmente
levados a buscar o poder pelos benefícios e privilégios que dele possam obter, e não pela
genuína preocupação de buscar o bem-estar geral. Eis por que tanto o comunismo como o
capitalismo têm fracassado na história da humanidade: eles têm estimulado a corrupção,
pecando contra a Fraternidade. Krishnarnurti, em A Primeira e última Liberdade, também
considera que: "A esquerda, afinal de contas, é a continuação da direita, sob forma
modificada. Se a direita tem seus fundamentos nos valores sensoriais, a esquerda não é
mais do que uma continuação dos mesmos valores com diferença apenas de grau ou de
expressão". Ambos os sistemas estão visivelmente fundados apenas em valores materiais,
o que parece insuficiente para uma civilização que já descobriu, pela evolução de sua
própria ciência, que a essência da matéria não é material, mas sim que a matéria não passa
de uma forma de condensação de energia.
Sendo um todo integrado, o ser humano, para que possa ser feliz, necessita do equilíbrio
entre o corpo, a mente e a consciência.
Encontra-se em As Cartas dos Mahatmas (Ed. Teosófica) que "a Fraternidade Universal é
o único fundamento seguro para a moralidade universal".
Radha Burnier, Presidente Internacional da Sociedade Teosófica, já afirmava que "não se
pode perguntar agora se a paz mundial é uma possibilidade, pois ela é uma absoluta
necessidade. Sem Fraternidade, cooperação e paz, a humanidade pode cessar de existir.
Temos hoje armamento para destruir o mundo 200 vezes!"
É fácil demonstrar que com o valor aproximado de um milhão de dólares por minuto, que
se gasta estupidamente em armas no mundo, seria possível resolver os problemas de
miséria e fome neste planeta. Somente isso já deveria nos levar a dar mais atenção à
importância da Fraternidade entre os povos, sem mencionar a repercussão que tal
cooperação fraternal produziria no campo ecológico. Talvez qualquer sistema político fosse
aceitável, se houvesse Fraternidade entre os homens.
O conceito de Fraternidade deriva da ideia de que todos somos irmãos, como se
fôssemos uma grande família. Aprofundando tal analogia, verifica-se que em uma família
há diferenças de idade, de maturidade, de inteligência, de desenvolvimento de habilidades
etc, sendo que o conceito de igualdade refere-se à igualdade de valor, mas não pretende
fugir do fato óbvio de que há diferenças de capacidades. Por exemplo, conforme
considerei, ninguém pretenderá que, numa família, o bebê recém-nascido tenha menos
valor que seu irmão de cinco ou que sua irmã de dez anos de idade. Antes pelo contrário,
há uma tendência a auxiliar mais o bebê porque ele é mais frágil e necessita totalmente de
nossos cuidados, amor e compaixão para que possa sobreviver. Ele não viverá se alguém
não alimentá-lo, porque ainda não desenvolveu capacidade para tal. Nesse sentido, e com
toda razão, dizia o XIV Dalai Lama que "todos nós somos frutos da compaixão, que essa é a origem
comum de todos os seres humanos. Se depois nos corrompemos pelo poder e pela guerra, isso
apenas demonstra que não sabemos quem somos nem qual foi nossa origem, sendo os primeiros a
sofrer por nossa própria ignorância."
Nesse sentido, o conceito de Fraternidade abrange a compaixão, porque trata como irmão tanto
o mais desenvolvido quanto o mais fraco, porque subentende a igualdade de origem e valor de
cada um.
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Uma boa síntese desse conceito de Fratemidade encontra-se no lema de um de nossos ex-
presidentes internacionais, George Arundale: 'Juntos diferentemente". A Fraternidade não ignora
as diferenças de desenvolvimento, mas considera-as com amor e compaixão, como em uma família
de muitos irmãos, onde as diferenças de capacidades estão a serviço do bem-estar de todos.
Platão, em A República, classifica didaticamente o amadurecimento e o desenvolvimento
da alma humana em quatro estágios sucessivos, a saber: ferro, bronze, prata e ouro.
Tal classificação da alma por analogia com diferentes metais sugere uma evolução similar
a uma transmutação alquímica em nosso interior, que culmina na pureza e Sabedoria da
alma de ouro. A ideia central é a de que todos nós somos almas de ouro em potencial, mas
podemos nos encontrar em um estágio atual em que esse ouro ainda está encoberto por
metais menos refinados, porque nossa transmutação alquímica interior ainda está em
processo, em evolução.
Contudo Platão alerta que: "A cidade perecerá no dia em que tiver à testa um guardião
de ferro ou de bronze". Ou seja, seguindo com nossa analogia, isso equivaleria a passar a
administração da família ao bebê, a alma mais imatura e menos desenvolvida da família. À
medida que sua mente começasse a desenvolver-se, talvez ele quisesse corromper seus
irmãos, oferecendo fatias mais gordas do bolo aos que fizessem a sua vontade, mas, por
consequência de sua própria imaturidade, é possível que não fosse muito sensível aos
outros, que poderiam ser a maioria, por não compreender as suas reais necessidades.
Assim, as ordens desse pequeno tirano poderiam ser suspender a compra de outros
alimentos e vender o automóvel e os livros para que com tal dinheiro se comprassem
toneladas de chocolate somente para ele. Em tal situação, os irmãos mais velhos e
responsáveis, preocupados com a harmonia e justiça na casa, e com a saúde e o preparo
educativo de todos perante as reais necessidades da vida, talvez tivessem pouco a fazer.
Platão considera que somente é justa uma sociedade governada pelo que há de melhor em
nós; os mais sábios e puros são os únicos que merecem realmente governar, porque
somente eles compreendem o propósito da vida e estão, verdadeiramente, preocupados
com o bem-estar de toda família, o Estado. Assim, o sistema de governo só seria
logicamente justo, se ele produzisse uma seleção natural dos governantes, de modo que
apenas as almas altruístas de ouro chegassem a governar. Mesmo as almas de prata
produziriam certos problemas, mas ceder o governo às ainda egoístas almas de bronze ou
ferro seria o desastre! Não porque tais almas imaturas sejam intrinsecamente más, todavia,
em virtude de sua própria imaturidade, o poder as seduz e corrompe muito facilmente; e
dessa corrupção deriva inevitavelmente injustiça e sofrimento para todo o Estado.
As almas de ferro e bronze ainda são predominantemente movidas por suas ambições
pessoais, e é em busca de privilégios para si, e ofertando privilégios também para os seus
cúmplices, que elas ambicionam conquistar cada vez mais poder. Se tais almas ainda
egoístas conquistarem o mando do Estado, o que poderemos esperar do bem-estar geral?
A Sabedoria de Platão não está apenas em perceber esse fato óbvio: que os seres
humanos em sua maioria ainda são muito imaturos e egoístas, mas ela está
particularmente em não tratá-los como almas essencialmente más, todavia como pouco
desenvolvidas em Sabedoria e pureza. Aliás, do ponto de vista platônico, a causa do mal é a
ignorância, porém não uma ignorância no sentido intelectual de falta de erudição, mas de
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falta de autoconhecimento ou compreensão de si mesmo e de suas reais necessidades, e
talvez fosse hoje melhor traduzido como inconsciência.
Uma das maiores falhas do comunismo está na ingenuidade com que ignora as
diferenças de desenvolvimento das diversas capacidades dos seres humanos,
principalmente do ponto de vista da inteligência e da maturidade psicológica"
Impor uma igualdade forçada é negar a diversidade humana. Pretender que o homem
pode ser forçado a tornar-se fraternal, ajustando-o a um padrão de igualdade é a maior de
todas as utopias.
Platão demonstra magistralmente sua Sabedoria ao compreender fraternalmente a
condição imatura da alma egoísta e ambiciosa, colocando-a num lugar onde sua ambição
seja produtiva para o Estado,
Esse é, aliás, o ponto forte do capitalismo. Ele comprovadamente estimula uma maior
produtividade porque usa a seu favor a ambição humana, atraindo-a para a iniciativa
privada, oferecendo a recompensa do lucro e do acúmulo de bens, tão atraente para as
almas de ferro e bronze.
Porém, o sistema de Platão seleciona naturalmente as almas de ouro, o que há de
melhor em nós, dando a elas o poder de governar, à medida que impede que os
governantes tenham direito a posses pessoais. Às almas de ouro corresponde uma espécie
de comunismo, um voto de pobreza sacerdotal.
Aliás, Platão já propõe esse tratamento desde o estágio de alma de prata, ao afirmar:
"Antes de mais nada, nenhum deles terá quaisquer bens próprios..., Viverão em comum,
participando regularmente das refeições coletivas... No que se refere ao ouro e à prata,
lhes diremos que já os receberam dos deuses em suas almas, e para sempre; portanto, não
têm nenhuma necessidade do vil metal terreno, nem é lícito que contaminem aquele dom
divino e puro aliando sua posse à do ouro material. que tantos e tão grandes crimes tem
provocado. Serão eles, pois. os únicos cidadãos a quem não se permitirá manusear ou tocar
o ouro e a prata, nem penetrar debaixo do mesmo teto que abrigue esses metais, nem
levá-los sobre si, nem beber de recipientes fabricado com eles. Se assim procederem,
salvarão a si mesmos e à cidade, mas se adquirirem casas, terras e dinheiro, deixarão de ser
guardiães para se tornarem proprietários e agricultores, e de amigos de seus concidadãos e
transformarão em detestáveis tirano . Passarão a vida inteira odiando e sendo odiados,
conspirando e sendo alvo de conspirações... e não virá longe a hora da derrocada final.
tanto para eles como para a cidade". Fica pois evidente que a aristocracia proposta por
Platão, significando o governo dos melhores, referia-se a um grupo de governantes sob
uma austeridade quase sacerdotal, e jamais a uma elite privilegiada com confortos ou
posses pessoais. Para Platão, essa é uma condição sine qua non para que o Estado não se
corrompa.
Em síntese, pode-se dizer que os governantes deveriam viver num regime algo
comunista, sem direitos a posses pessoais, sustentados austeramente pelo Estado,
enquanto, simultaneamente, os cidadãos comuns viveriam num certo capitalismo, tendo
direito a posses pessoais, e sendo naturalmente atraídos para uma maior produtividade em
favor do Estado. A um Estado assim governado pelos melhores, ou seja, pelas almas mais
sábias, puras e altruístas, corresponderia assegurar para os cidadãos a liberdade e a
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igualdade de oportunidades em alimentação, saúde e uma educação para todos, voltada
para o que há de melhor no homem: a Fraternidade, que subentende a compaixão.
Assim, o poder econômico concentrado nas mãos das almas mais imaturas e ambiciosas
seria equilibrado pelo poder político das almas mais sábias e altruístas, que, destituídas de
privilégios de posses pessoais, teriam poder moral para governar com justiça. O sistema de
Platão harmoniza, dessa forma, a produtividade do capitalismo com a justiça social do
comunismo, mas além disso corrige o grande pecado de ambos os sistemas: restringe os
privilégios pessoais dos governantes, submetendo-os a uma austeridade pouco atraente
para almas mais ambiciosas ou egoístas. Platão demonstra conhecer muito bem a psique
humana, apresentando assim uma proposta lógica e até mesmo psicológica com a qual se
pretende favorecer a ascensão ao poder do que há de melhor entre nós, por meio de uma
seleção natural que não acontece nos outros sistemas; antes pelo contrário, tanto o
comunismo quanto o capitalismo favorecem a corrupção. O primeiro porque, além de
tender a uma baixa produtividade, tende, também, a selecionar para o governo as almas
mais egoístas, que, por não terem como acumular riquezas num sistema de igualdade
forçada, convergem suas ambições pessoais para a busca de cargos e privilégios no
governo, que propende, assim, a tornar-se uma elite corrompida.
O capitalismo dispensa maiores comentários. Afinal, o que se pode esperar de um
sistema que converge o poder econômico e o poder político para as mesmas pessoas,
senão uma irresistível tendência à corrupção?
A grande dificuldade do sistema de Platão é a seleção das almas de ouro para o governo.
Tal dificuldade na verdade subdivide-se em duas, a saber: preservar a pureza do sistema
natural de seleção e criar condições educacionais adequadas para que o processo alquímico
de transformação interior possa gerar o maior desenvolvimento possível de almas de ouro.
Por isso o próprio Platão enfatiza: "Como procedeis todos da mesma origem, embora a
composição paterna seja geralmente conservada nos filhos, pode suceder que nasça um
filho de prata de um pai de ouro, ou um filho de ouro de um pai de prata e, da mesma
forma, nas demais classes. É esta a primeira e principal regra que a divindade impõe aos
magistrados: que, de todas as coisas das quais devem ser bons guardiães, a nenhuma
dediquem maior zelo que às combinações de metais de que estão compostas as almas das
crianças".
Platão alerta-nos quanto ao perigo de pretender-se que o nível de maturidade
psicológica, Sabedoria, pureza e altruísmo da pessoa pudesse ser hereditário. Antes pelo
contrário, ele afirma que tal nível é essencialmente individual e não é determinado pela
hereditariedade. Qualquer equívoco em relação a essa questão poderia degenerar na
terrível deformação de um sistema rígido de castas hereditárias, ou na corrupção da
política do Estado, oriundos do nepotismo, que a História tem constantemente registrado
nos interesses de dinastia e parentesco. Tais são, na verdade, outras formas de corrupção
onde os méritos do esforço individual são preteridos em favor de laços pessoais de
parentesco, ferindo, assim, o princípio da igualdade, e, às vezes, até o da liberdade, pela
rigidez de um sistema injusto. Eis por que Platão é tão enfático nesta questão.
Outro ponto de grande importância prática é o da implantação do sistema de Platão. A
História tem registrado que as revoluções políticas da humanidade tem degenerado na
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imposição de uma ideologia pelo uso da força. Deveria ser óbvio que tal procedimento é
absolutamente contrário ao espírito democrático, e que a humanidade já deveria ter
vencido o estágio das ditaduras e tiranias. A violência fere frontalmente os princípios de
liberdade e Fraternidade, tendo fracassado até mesmo em pretender impor uma igualdade
à força.
Talvez a grande contribuição de Krishnamurti esteja em alertar-nos para o fato de que,
sem liberdade, a genuína transformação da consciência não acontece, porque os fins não
justificam os meios, mas antes os meios determinam os fins que serão realmente colhidos.
Não podemos produzir Sabedoria ou altruísmo à força! Isso é um fato óbvio. Não podemos
educar uma alma de ouro sem liberdade. Por isso, a liberdade de pensamento é tão
fundamental em nosso trabalho.
A conscientização deve ocorrer por meio de uma transformação interior que é própria do
desenvolvimento natural do ser humano. Tudo o que podemos fazer é catalizar o processo
evolutivo da consciência, ou, como considerava Sócrates em sua maiêutica, auxiliar no
parto da própria luz da Sabedoria.
Como afirma Krishnamurti, num diálogo de A Questão do Impossível, respondendo à
seguinte pergunta de um interrogante:
"Nós somos uma minoria, um grupo insignificante. A grande maioria - na Índia, na Ásia,
em certa pane da Europa e da América - anda realmente faminta. Que influência pode ter
em toda essa gente o que se está dizendo aqui?
Krishnamurti: Isso depende de vós, do que fizerdes, mesmo como uma minoria
insignificante. Uma enorme revolução ocorrerá no mundo quando uma minoria de pessoas
tiver se transformado interiormente. Preocupado com as aflições do mundo - a pobreza, a
degradação, a fome -, perguntais: "Que posso fazer?". O que se pode fazer é, ou aderir
impensadamente a uma dada revolução externa, tentando despedaçar a atual estrutura
social para criar outra de nova espécie (com o que voltarão as mesmas aflições de antes),
ou considerar a possibilidade de uma revolução total - não parcial ou meramente física - na
qual a psique possa atuar, numa relação inteiramente diferente com a sociedade."
Assim, a verdadeira dificuldade está somente em atingir-se um número mínimo de
pessoas que possam desencadear uma reação de transformação em cadeia para o
surgimento de um novo mundo. Ou seja, nosso trabalho reside justamente em produzir
alquimicamente o genuíno ouro em nós mesmos, o ouro da Fraternidade em nossas
relações, a verdadeira regeneração humana. É evidente que, se não houver suficientes
almas de ouro, o próprio sistema de Platão, por lógico que seja, não poderá ser implantado.
De nada adiantará um sistema de seleção perfeito, se não houver almas sábias e altruístas
para serem selecionadas.
Esse trabalho de conscientização é a verdadeira responsabilidade que pesa sobre nós,
porque, como dizia Krishnamurti, nós somos o mundo. Portanto, quanto tempo demorará
para que tal transformação ocorra no mundo externo não deveria nos preocupar tanto
quanto a direção que nós mesmos estamos tomando enquanto indivíduos, uma vez que
qualquer intenção de se impor pela força resultará mais uma vez em fracasso. Por isso
mesmo, a conscientização de qual é verdadeiramente o nosso único problema é de
fundamental importância.
59
Qual a contribuição que estamos dando para criar condições educacionais apropriadas
em nosso meio e em nossas próprias vidas? Eis o nosso verdadeiro desafio. Sobre este
tema, referiu-se Radha Burnier, Ex-Presidente Internacional da Sociedade Teosófica: "Uma
sociedade nobre não pode ser construída, nem a Sabedoria pode ser encontrada, da noite
para o dia. O hábito tem poderosa influência sobre a mente humana, e por isso esta prefere
a confusão e a dor de viver sem Sabedoria ao trabalho de avançar até ela. Muitas pessoas
sentem que uma mudança fundamental é inalcançável e, assim, tornam-na impossível para
si mesmas. Uma nova energia varrerá para longe as 'teias de aranha' da sociedade se, pelo
menos, umas poucas pessoas forem suficientemente audazes para abrir caminho em uma
nova direção - a da Sabedoria - e viver de modo diferente. Então, outros verão que o que
eles consideravam impossível foi, de fato, alcançado e também irão seguir a nova direção".
Esse parece ser o nosso trabalho: "Anunciar o novo e convidativo caminho rumo a uma
mudança interior".
60
O CAMINHO PARA A SABEDORIA - I
Vicente Hao Chin Jr (Filipinas)
Este primeiro pensamento é um pré-requisito natural. Faz parte do propósito pelo qual
a Teosofia foi introduzida no mundo como um todo. É a necessidade de um mapa mais
preciso da realidade. A Sabedoria requer um mapa confiável da realidade que nos tornará
capazes de entender a natureza das coisas, o seu valor e lugar no Cosmos.
A maioria das pessoas é educada com uma visão de mundo que já provou ser
inadequada e prejudicial. Por causa destas visões de mundo tão limitadas, consideram que
muitas coisas destrutivas e separatistas são justificáveis, tais como guerras, astúcia,
manipulação etc. resultando na infelicidade humana.
Nosso trabalho na Sociedade Teosófica é de gradualmente demonstrar para as pessoas
a existência de um mapa mais coerente da realidade que possa ser a base para a nossa
maneira de viver. Não há necessidade de dizer mais a respeito disso porque é evidente para
todos nós.
"Assim como pode ser chamado de 'Audição Comum' aquela que distingue
apenas sons, pois aquela que distingue as notas musicais não é comum, mas
produzida através de treinamento; assim há certas coisas que os homens não
completamente pervertidos veem através dos princípios naturais comuns a
todas as coisas. Esta constituição da Mente é chamada de Bom Senso."
Bom senso é a capacidade de continuar a ver as coisas antes que elas tenham sido
influenciadas cultural, social ou psicologicamente. Estas influências estabelecem tendências
de percepção de algumas maneiras específicas. Muitos de nós já perdemos esta
capacidade. Faz-nos lembrar a história "As Novas Roupas do Imperador". Foi dito às
pessoas que a roupa do rei era tão bonita que todos concordaram apesar do fato de que o
rei não estava usando nada. Durante um desfile as pessoas se inclinavam para admirar as
roupas imaginárias do imperador até que uma criança gritou que o imperador estava sem
roupas. Então a auto-ilusão foi rompida e cada uma daquelas pessoas percebeu que estava
se enganando.
Bom senso é, na verdade, muito raro, porque perdemos esta capacidade de ver as
coisas como elas realmente são. Nós as vemos segundo nossas interpretações,
preconceitos, pintamos cores nas coisas quando elas são essencialmente neutras. Desta
forma nossos julgamentos tendem a estar de acordo com estas cores e tais julgamentos,
portanto, não têm Sabedoria porque estão baseados em valores adquiridos que mudam de
63
tempos em tempos.
Sabedoria envolve a capacidade de ver estes valores adquiridos assim como os valores
originais. Então a pessoa tem a liberdade de decidir atuar de acordo com um padrão ou
outro.
É esta qualidade de bom senso que pode ver além dos medos adquiridos sobre a
morte, doenças, carências, dor, prosperidade, progresso econômico, crença religiosa,
fundamentalismo e milhares de outras coisas. Passa através das complexidades teológicas a
respeito de que se Deus é um deus ciumento, ou se há inferno e eterna punição e daí por
diante.
Um dos mais interessantes escritores do século passado foi Mark Twain e eu encontro
em seus trabalhos muitos exemplos de bom senso. Durante a sua época quando o
fundamentalismo cristão prevalecia e o povo acreditava na eterna punição do inferno, ele
escreveu: "Se Deus fosse bom a metade do que é a minha mãe, ele jamais pensaria em me
mandar para o inferno". Esta afirmação aponta para frente e toca um sino de verdade em
nossos ouvidos, E mesmo assim para muitos de nós que crescemos com uma educação
cristã conservadora, há alguns que se recusam a reconhecer a simples verdade que está
nesta afirmação. É uma parede que foi construída através de anos de ser influenciado e
condicionado. É isso que nos faz perder o bom senso.
É comum considerarmos cada um de nós como brasileiros, americanos, filipinos,
australianos e daí por diante. Mas o bom senso nos lembra que não existe tal coisa como
americanos, filipinos ou chineses. Fizemos tais distinções somente por conveniência e
história política.
Ainda há algumas igrejas hoje que acreditam que ninguém fora daquele grupo será
salvo. O bom senso nos mostra que isso é ridículo.
O bom senso envolve a retenção de alguma inocência em nós que permanece não
afetada, não atingida pelas influências dos nossos anos de crescimento. Que está livre do
medo, do auto-interesse, dos desejos, dos objetivos e metas.
Esta busca em relação à Sabedoria seria tristemente inadequada sem esta capacidade
de ver as coisas como elas originalmente são. Esta capacidade tornará possível que vejamos
os valores ou a ausência de valores em coisas como levitação, clarividência, lembrança de
vidas passadas, ou progresso econômico, prosperidade, posição social, fama, bem como
crescimento, espiritualidade, sofrimento, dor e daí por diante. Isso nos tornará capazes de
ver as coisas que valem a pena, fará com que utilizemos nosso tempo com elas e com que
percebamos quais as buscas que não passam de jogos infantis.
Estes são os três aspectos destacados em nossa busca em relação à Sabedoria:
Que possamos com eles ser capazes de trilhar o caminho, através da floresta da vida,
com um claro senso de direção, com autoconfiança e tranquilidade.
64
O CAMINHO PARA A SABEDORIA-II
Alberto Brum (Brasil)
O título sugere-nos que há um caminho, uma via, que pode conduzir à Sabedoria. A
meta é a Sabedoria e a Verdade. E o caminho deve ser um processo real, vivencial,
existencial. A via é o ir em direção, o dirigir-se para, o movimento que segue o eterno Tao.
Como, no entanto, chegarmos a Sabedoria? Na Grécia antiga, Pitágoras enfatizou a
necessidade de existir amor e paixão na busca da Sabedoria. É um requisito essencial a
presença de uma forte aspiração, um forte pulsar da Alma.
O aspirante deve buscar a sintonia e almejar ardentemente a visão do início do
Caminho, pois, como nos diz Rohit Mehta, em Procura o Caminho, certamente não
podemos seguir a Senda antes de descobri-la. E a descoberta se dá em nós mesmos, na
câmara do coração. Deves tornar-te o próprio Caminho, pois "a chave, em cada passo, é o
próprio aspirante".
Em A Voz do Silêncio, é dito: ''Tu és a Senda", "tu próprio és o objeto de tua busca".
Nas notas aos aforismos de Luz no Caminho um amigo dos peregrinos acrescentou:
O Caminho para a Sabedoria desvela-se ante nós quando o "fogo. da mente" queima o
nó da ilusão criado pelo pensamento autocentrado: a ilusão do "eu" autônomo e
independente. Sem uma mente transformada, não haverá conexão com a Sabedoria. A
chama do coração, a aspiração metafísica da alma, precisa tornar a mente uma "espada
flamejante, com o poder de cortar, na origem. a causa-raiz dos equívocos cognitivos, das
distorções da percepção. dos falsos valores e do egoísmo - que é o que a Yoga e o Budismo
mahayana chamam de avidya.
Avidya é o engano de acreditar na existência de um ego-identidade com existência
própria. Enquanto o "eu" for o centro da existência não haverá espaço para a sabedoria,
que é impessoal. A mente sábia é aquela que eliminou o conceito de um "eu"
independente, criado pelo hábito de fragmentação do pensamento. Quando avidya cessa,
ocorre uma alquimia mística. Os Sábios realizaram esta transmutação e tornaram-se a
personificação do altruísmo - e a TheoSophia é altruísmo.
Sankara, o grande sábio da Filosofia Vedanta Advaita, no Viveka-Chudamani (7)
realçou que o conceito do "eu", solidificado pelo pensamento, é a causa básica das ilusões
e o grande impedimento para a presença da Sabedoria. Sankara disse: "Abandona
imediatamente a noção de "eu"... , que é o destruidor da paz existente no nosso próprio
65
Ser real". O egoísmo (alyamkara) é a semente do "ego" que se expande, mantendo o seu
império. E o trapaceiro pensamento, que separa e discrimina, chegando a criar o conceito
de "eu espiritual".
Só quando o ciclo experiência-conhecimento-memória já não é suficiente, quando há
uma crescente insatisfação com a rotina da existência e o mundo ilusório da razão entra em
crise, é que a solidez do "eu" começa a ser abalada. Quando o "eu" sai do centro do círculo,
criando um espaço vazio e silêncio, há um fluxo de inspiração.
A Sabedoria manifesta-se, na mente pura e sensível, quando há um processo vivo de
Kenosis - o esvaziar-se de si mesmo, o cessar a atitude de centrar-se no eu pessoal. Isso é
aquilo que Mestre Eckhart indica como a mística do despojamento, o desnudar-se. Retirar
os acúmulos, um total desprendimento e desapego. Tornar-se disponível e receptivo, dar
espaço para o Todo.
A partir da experiência de Kenosis é possível a vivência da Gnosis e da visão Prajna - a
clara percepção, a compreensão e o discernimento penetrante, que elimina as distorções
cognitivas responsáveis pelas aflições psicológicas (Kleshas). A via para a Gnosis, a Senda
para a Sabedoria, é a busca crucial da experiência direta do que é. No entanto, como lemos
no artigo "O Caminho da Sabedoria", de Radha Burnier: "É difícil trilhar o caminho da
Sabedoria. Nós necessitamos do auxílio de livros, até certo ponto, e das palavras daqueles
que já encontraram a Sabedoria os Sábios".
Se há um caminho para a Sabedoria, devemos adquirir uma maior sensibilidade para
recebermos a silenciosa inspiração e estímulo dos genuínos Sábios - pois eles já trilharam
este caminho e podem dar sugestões para os aspirantes. Ninguém está só. Os Sacros
invisíveis percebem o esforço daqueles que buscam trilhar a via da Luz e da Sabedoria.
Mesmo que o Caminho seja uma vivência individual, na qual o aspirante à Sabedoria
deve tornar-se o próprio caminho, devemos ter a humildade e a atitude genuína de um
aprendiz, para assimilarmos as instruções dos Sábios, que nos planos sutis sempre estão
disponíveis. O ideal da Senda e a reflexão sobre as fases que conduzem ao estágio dos
Sábios, devem, agora e no futuro, ser estudados com atenção. Isso é vital para a mudança
interior e para o serviço no mundo.
Quando o fogo da mente (a espada que corta avidya) e o fogo do coração (a chama
que abastece o altruísmo) eliminam o obstáculo central - a ilusão do "eu" separado - é
possível termos uma real visualização do Caminho. E é só a partir desta percepção que a
busca de Sabedoria tem algum significado, pois será um impulso que vem da caverna do
coração e não da ilusão e projeção do pensamento egoísta e ambicioso.
É essencial, também, não esquecermos que os Sábios e os Mestres da Sabedoria já
passaram pela alquimia da Senda, e que faz parte fundamental, do seu serviço à
humanidade auxiliar seus irmãos na jornada em direção à Verdade. Os verdadeiros Sábios
nos ensinam como seguir a via que leva à Sabedoria. O caminho para a Sabedoria não é
diferente do caminho que leva ao mundo sutil dos Sábios.
Os Sábios, os Irmãos da Luz, ajudam os sinceros aspirantes - aqueles que estão
tentando seguir o Caminho da Sabedoria. Estimulam que deixemos de viver em função do
eu pessoal e que tenhamos uma reta motivação nas nossas ações.
66
Não desista, persista.
Busque a Luz! Tome-se a Luz!
Ajude os Filhos da Luz.
67
O CAMINHO PARA A SABEDORIA-III
Silvia R. Blajer (Argentina)
70
A NATUREZA EXTRAORDINÁRIA DA MENTE COMUM
Joy Mills (Austrália)
Onze séculos atrás, o sábio chinês Huang Po foi perguntado sobre a natureza do Buda.
Ele respondeu: "O Buda é a mente comum". No segundo capítulo do Bhagavad Gita, Arjuna
questiona Sri Krishna: "Qual é a marca daquele que possui uma mente estável"? Arjuna,
como indivíduo comum, deparado com um sério problema, está ávido para saber como
uma tal pessoa, o yogue, o sábio, fala e senta-se, caminha e come, e conduz todas as
atividades normais da vida diária. A resposta de Sri Krishna é um pouco mais detalhada do
que a de Huang Po: "Quando um homem abandonou todos os desejos do coração e está
satisfeito no EU pelo EU, então ele é chamado aquele que tem mente estável. Aquele cuja
mente está livre da ansiedade em meio às dores, indiferente em meio aos prazeres, livre da
paixão, do medo e da raiva, é chamado um sábio de mente estável. "Seguramente, de uma
tal pessoa, o "sábio de mente estável" pode-se dizer que ele tem a natureza de um Buda.
Enquanto que muitos estudantes têm denegrido a mente, citando a bem conhecida
passagem em A Voz do Silêncio "A mente é o grande assassino do real", poucos
aperceberam-se dos muitos aspectos da mente referidos naquele belo clássico teosófico. É
verdade que, logo no início do texto de H. P. B., somos avisados a "buscar o raja dos
sentidos, o produtor de pensamentos, aquele que desperta a ilusão". Mais tarde,
entretanto, no Terceiro Fragmento da Voz. lemos: ''Tens de alcançar aquela fixidez mental
em que nenhuma brisa, embora forte, possa insuflar-lhe no interior qualquer pensamento
terreno". E sobre aquele que trilha a Senda dos Bodhisattvas, como definida em A Voz do
Silêncio, nos é dito: "Ele se ergue agora qual uma coluna branca no Ocidente, sobre cuja
face o nascente sol do pensamento eterno verte suas primeiras e mais gloriosas ondas. Sua
mente, como um oceano calmo e ilimitado, estende-se no espaço sem praias. Ele detém a
vida e a morte em sua potente mão.
O Buda... a mente comum... o sábio de mente estável, o "produtor de pensamentos",
"Assassino do Real", uma "fixidez mental". O que, na verdade, é a mente? Onde, em todas
estas descrições, está a própria mente? E a mente comum? De onde ela surge e qual é sua
natureza essencial? Podemos viver sem a mente? A mente e o coração são opostos tais que
se deve escolher entre ser insensato ou sem coração? Devemos cessar de pensar porque o
próprio pensamento pode nos prender na ilusão? Estas são algumas das perguntas que
devem ser levantadas à medida que procuramos compreender a natureza da "mente
sábia", da mente iluminada, da mente que é Buda, da mente do verdadeiro yogue, o sábio,
o Mestre de Sabedoria.
A mente comum deve ser a mente em sua condição original. Talvez ela seja a mente
original em si mesma. Com certeza é a mente que está estabelecida na ordem, que surge
daquela ordem essencial, intrínseca a todos os processos universais, pois a visão teosófica
propõe que a consciência é algo primordial. É a mente, então, cuja própria natureza é
beleza e harmonia. É a mente purificada de todos os impedimentos, todas as obstruções,
tudo o que poderia obscurecer a clara visão, aquilo que H. P. B. chamou de "uma
71
contemplação direta" do número que subjaz a todos os fenômenos. Se "o Buda é a mente
comum", como o sábio chinês informou ao seu interlocutor, por conseguinte a mente
comum deve ser a mente que está desperta, que é sábia, que está estabelecida em um
verdadeiro conhecer.
Em virtude de termos, por muito tempo, particularmente no mundo ocidental,
identificado a mente comum com os aspectos analítico, científico e lógico do pensar,
falhamos em conhecer o potencial pleno da mente e sua impressionante natureza
extraordinária. Dividindo a mente em duas partes, menosprezamos a que foi chamada de
"inferior", atribuindo valor apenas àquele aspecto que chamamos de "superior".
Entretanto, inferior e superior não são localidades espaciais. Ao invés disso descrevem
funções de um único princípio, manas, a mente, o princípio cognitivo, e nenhum dos
termos - inferior ou superior - deveria ser usado em qualquer sentido pejorativo.
Em seu livro Life's Deeper Aspects, o Sr. N. Sri Ram faz alguns comentários muito úteis,
que são diretamente relevantes para a nossa presente investigação. Ao fazer a pergunta "é
o homem, então, a sua mente, e, neste caso, qual a natureza desta mente?" o Sr. Sri Ram
sugere:
"É óbvio que a mente é uma energia que a cada ponto de sua ação exibe consciência
com todas as suas capacidades implícitas em um grau ou outro. No processo do
pensar, esta energia move-se tão rapidamente, mudando de direção tão prontamente,
é tão sensível e influenciada por cada circunstância e fator, que desenvolve uma
extraordinária complexidade na maneira em que opera... "
"... a chave está na consciência dupla de nossa mente, e também na natureza dual do
'princípio' mental. Há uma consciência espiritual, a mente manásica iluminada pela
luz de Buddhi, aquela que percebe abstrações subjetivamente; e a consciência
senciente (a luz manásica inferior), inseparável de nosso cérebro e sentidos físicos."
Que a mente é essencial ao nosso estado humano, é muito claro em A Doutrina Secreta:
"Os dois princípios superiores não podem ter individualidade sobre a Terra, não
podem tornar-se homem a menos que haja. .. a Mente, o Manas-Ego, para tornar-se
consciente de si mesmo..."
Além disso, deve haver o que H. P. B. chamou de "o corpo dos desejos egoístas e a
Vontade pessoal", mesmo que embora seja desse "corpo" que surjam as aflições
psicológicas que obscurecem ou contaminam a mente. Para completar o quadro, H. P. B.
indicou que são estes dois princípios, o Quinto (Manas) e o Quarto (Kama) que "cimentam o
73
todo, como em torno de um eixo... para a forma física do homem".
Considerando ainda mais o quinto princípio, Manas, devemos prestar atenção à sua
singularidade, pois é a própria singularidade de sua origem que empresta à mente sua
natureza verdadeiramente extraordinária. Duas citações de H. P. B. auxiliar-nos-ão a
compreender este assunto. A primeira, de A Chave para a Teosofia, novamente da seção que
discorre sobre a "Natureza do Princípio Pensante":
Elaborando sobre este ponto, ela indicou que esta "entidade" encarnou-se na
humanidade nascente num certo estágio de desenvolvimento para despertar Manas à plena
atividade. Esta "entidade" é "chamada em sua pluralidade Manasaputras, 'os Filhos da
Mente (Universal)...'" Segue-se, então uma afirmação muito significativa.
"... uma vez aprisionados ou encarnados, sua essência torna-se dual: o que significa
dizer que os raios da Mente divina eterna, considerados como entidades individuais,
assumem um duplo atributo que é (a) sua característica essencial, a mente que aspira
aos céus... e (b) a qualidade humana do pensar ou a cogitação animal... Manas
inferior, que tende para Kama."
Mas não somos chamados à criatividade simplesmente, mas sim a uma criatividade
que esteja a serviço da compaixão, pois a compaixão é a meta da jornada espiritual, como
está claramente destacado em A Voz do Silêncio:
79
ALGUNS PASSOS EM DIREÇÃO A UMA MENTE SÁBIA E UMA SOCIEDADE NOBRE
Ravi Ravindra (Canadá)
86
A CONSTRUÇÃO DE UMA SOCIEDADE NOBRE -I
Ulisses Riedel (Brasil)
"Ouçam, meus filhos, o que o Estado deveria ser para o bom cidadão. É
mais do que pai e mãe e mais do que filho ou amigo. O Estado é o pai e a mãe
de todos; é o protetor de todos, sem o qual o lar seria assolado e destruído. É
do Estado que promana tudo quanto torna nossa vida próspera e vos
proporciona beleza e segurança. Se o homem bravo morre de boa vontade em
defesa do que é seu, com maior boa vontade deveria morrer em defesa do Estado."
Pitágoras foi uma das expressões mais vivas do ideal do cidadão perfeito como base
para a construção de um Estado perfeito.
Em nossos dias, Krishnamurti enunciou o conceito de que "o problema coletivo é o
problema individual." Esse ideal do cidadão é que deveríamos nos sentir como partícipes
de nossa sociedade, com uma visão abrangente, alcançando toda a humanidade, todos os
povos, todo o planeta.
87
Mas nenhum Estado é verdadeiramente civilizado se nele a cultura de uns poucos se
baseia na miséria e ignorância de outros.
É preciso fazer que se transforme numa realidade em nossas vidas a famosa frase de
Annie Besant:
"Quanto mais elevadas forem as aspirações nacionais, mais poderosa se torna a Nação."
Enunciou a Dra. Annie Besant um novo conceito de liberdade que, por assim dizer,
resume e sintetiza este ideal, como meta a ser buscada pela humanidade, assim se
expressando:
88
''Ninguém é realmente livre, nem pode realmente exercer plenamente o seu
direito à liberdade, nem ajudar a criar ambiente social adequado para essa mesma
liberdade. dentro da coletividade, se não souber subordinar as suas tendências
inferiores às suas aspirações mais altas. Se não adquirir a necessária paz e equilíbrio
interior, irradiando ao seu redor e através de seu lar e de sua ação no mundo, essa
mesma paz e esse mesmo equilíbrio. Só assim podem ser removidos, a ambição, a
cobiça, os desregramentos, a sede insaciável de sensações e de prazeres, de poder e de
mando, de conforto e indolência, que são as causas da exploração e do sofrimento
humano. São ainda a origem de todas as limitações e entraves que o ambiente social
de hoje apresenta à liberdade plena de cada um e de todos. A realização desse ideal
exige a eliminação gradual de todos os preconceitos, fanatismos e odiosidades que
impliquem qualquer restrição à igualdade de oportunidade e à Fraternidade humana"
92
princípio que, segundo ressaltou H. P. B. "é parte da essência da Mente Universal". A
mente está relacionada igualmente com o Espírito e a Matéria, com a unidade e a
diversidade.
O Dhammapada adverte-nos sobre a mente, e como ela molda toda a nossa vida: "Se
nossa mente é perversa, a desgraça a segue como as rodas de uma carreta seguem os
passos do boi" e "se nossa mente é pura, a felicidade a segue como sua sombra, que nunca
a abandona".
A mente, tal como acontece no ser humano médio, apresenta-nos uma realidade
demasiado distorcida, faz-nos atuar segundo nossos próprios condicionamentos e desejos,
e, sem nos darmos conta disso, não podemos perceber a realidade tal como ela é. A
realidade, ao parecer modificada, da mesma forma que se altera o reflexo de uma
montanha em um tanque com ondas, faz com que não percebamos os fatos de cada
momento com clareza, e todas as nossas ações também se veem afetadas.
Isso ocorre em cada pequeno detalhe e ação diários, ocasionando desarmonia e dor na
maioria dos casos. Se nossas ações são impulsionadas por uma força centrípeta, cujo
centro é a personalidade, causamos danos a todos os reinos da Natureza.
O grau de contaminação atual, o problema da camada de ozônio, o temor da radiação,
de estarem o solo, a água e o ar envenenados, são apenas o efeito de uma atividade
egoísta, que está estabelecendo seus próprios limites. Temos sido avisados de que se os
recursos do planeta continuarem sendo explorados desse modo, e se as porcentagens de
contaminação continuarem, a Natureza enviar-nos-á em breve a conta. O homem deteriora
os reinos mineral e vegetal, porém estes reinos nos advertem, de maneira direta, que
nossa sobrevivência está em jogo.
Lamentavelmente, não ocorre o mesmo com o reino animal. A dor e a crueldade
podem ser observadas por toda parte. Diariamente, milhares de animais convertem-se em
quilos de carne para encher os supermercados e açougues - e, na maioria dos casos, são
eliminados sem piedade; os laboratórios de produtos alopatas, ou de beleza, as
universidades de bioquímica, medicina ou veterinária praticam neles experimentos
terríveis, e em muitos casos, evitáveis ou inúteis; a eliminação de animais silvestres ou de
criação para se obter objetos de moda ou beleza; divertimentos mantidos em nome dos
costumes ou da tradição - como a caça esportiva, as corridas de touros etc., são alguns
exemplos de como o homem destrói sem piedade este reino que não pode clamar por
justiça.
Digno de menção é o trabalho realizado em uma ampla, moderna e científica
apresentação destes males na série de documentários do S. O. S. Vida, da conhecida atriz
Brigite Bardot.
No reino humano, o princípio kama-manâsico, ou seja, a mente a serviço da matéria ou
da busca do prazer, parece não conhecer limites. Desde as guerras, nas quais "nada se
ganha e tudo se perde", segundo expressa J. B. Priestly, e que são, além disso, o maior
absurdo do ser humano, até uma constante agressão pessoal a todo tipo de seres humanos
- crianças, adolescentes, homens ou mulheres, sem importar o mal ou a degradação física e
psíquica dela decorrente, tudo isso para alcançar finalidades egoístas. Mefistófeles, em
Fausto, diz: "O homem viveria um pouco melhor se não lhe houvessem dado esse
93
vislumbre da luz celeste, à qual se dá o nome de Razão, e que ele não utiliza a não ser para
ser mais bestial do que toda besta".
Estes dois ensinamentos básicos, tanto da Unidade de toda Vida, como da natureza
dual da mente, têm seu aspecto prático: o serviço e o estado de constante atenção e auto-
observação.
O estado de alerta e vigilância de nós mesmos apresenta-se no Dhamapada como "o
caminho até a imortalidade", e a negligência como o "caminho até a morte".
A constante auto-observação permite-nos ser honestos ao observarmos nosso
comportamento. Fazemo-nos perguntas tais como: o quanto a moda ainda nos engana,
seja roupa, aparelhos elétricos etc., quão intenso é nosso desejo de comodidade ou de
preencher necessidades imaginárias, de sermos profissionais reconhecidos, de ocupar a
primeira fila ou cargos de poder; de fazer comentários maliciosos sobre pessoas que se
sobressaem mais que nós etc.?
Nesta auto-observação, pensamos por que não escutamos aos demais. Na Escola de
Pitágoras, uma das etapas iniciais era a do Ouvinte. A prática de escutar é muito útil e
frutífera. É indispensável no campo educativo e no familiar. Não tanto o escutar por parte
dos jovens, mas sim dos adultos. Muitas vezes consideramos que, por havermos vivido
vários anos, ou por sermos membros da Sociedade Teosófica há muito tempo, isso nos
capacita a fazer uso da palavra com autoridade, e que os demais devem limitar-se a
escutar, sejam nossos filhos, nossos alunos, ou o público numa sede teosófica. De igual
modo, se os adultos que rodeiam um jovem não sabem escutá-lo, é esse jovem quem deve
romper o círculo vicioso, deve tentar escutar e ensinar aos adultos com o exemplo. Existem
perguntas mágicas de grande ajuda, tais como: que lhe parece? você está de acordo? tem
alguma sugestão? qual é a sua opinião?
A direção de nossa energia, ou da energia que se expressa em nós, quando muda de
centrípeta para a centrífuga, expressa-se imediatamente como serviço; isso ocorre porque
o mais importante que havia para nós, que éramos nós mesmos, deixa de sê-lo, e o mundo
que nos rodeia adquire uma valiosa significação. O Sr. Sri Ram expressou: "O sentimento de
Unidade é a chave do verdadeiro serviço".
O Mestre disse: "Lembra-te de que o tempo que não usas para o serviço ou em
preparar-te para o serviço é, para nós, tempo perdido". A forma mais simples de apreciar o
serviço é no nível físico; na Bíblia lemos: "Por seus frutos o conhecereis", e um exemplo
vivo é Madre Teresa de Calcutá. Não de menor importância, até mesmo mais difícil de se
apreciar, é o serviço no nível emocional e mental, trabalho esse com o qual todo teosofista
deve estar seriamente comprometido.
Ideias tais como inofensividade, serviço, participação anônima, auto-observação sobre
os condicionamentos que nos dominam, saber escutar etc. são fáceis de enumerar, mas
não de praticar.
Para ajudar na construção de um mundo melhor, todos estes aspectos são necessários,
indispensáveis. A prática de qualquer virtude tem a força de Atman - a Vontade em ação.
Podemos falar sobre muitos temas a diferentes pessoas e escutá-las, mas os pequenos
detalhes, aqueles que são exemplos de vida, ficam marcados com fogo no observador
silencioso e têm a virtude de ser contagiosos.
94
H. P. B. enfatizou a necessidade de nós, teosofistas, estarmos "unidos em propósito e
sentimentos". Esta união não deve ser unicamente o resultado de conceitos teóricos que se
manipulam entre os membros, e sim de uma aspiração e esforços compartilhados. Ela
também disse: "Um grupo no qual todos os membros, ainda que não se conheçam entre si,
trabalham para o bem recíproco, e trabalhando para todos, trabalham para si mesmos".
Com toda certeza penso que muitos seres humanos, dentro e fora da S. T., têm
questionamentos, lutas e metas similares que compartilhamos, apesar da distância. Porém
essa distância é relativa, porque estamos unidos pelo esforço e pelo trabalho. Quanto mais
sérios e honestos somos, neste esforço e trabalho, mais nos aproximamos e mais nos
conhecemos.
Richard Bach expressou em Uno: "Os que amam a mesma coisa, se conhecem mesmo
que nunca se encontrem".
Este Congresso é uma linda oportunidade para encontrarmos os que já conhecíamos.
Bem-vindos. Obrigada.
95
A CRIAÇÃO DE UMA SOCIEDADE NOBRE
Miguel A. Chameco (Porto Rico)
98
UMA VISÃO TEOSÓFICA DO MEIO AMBIENTE
Murillo Nunes de Azevedo (Brasil)
O fato inconteste é a violência e o conflito que permeiam nossa época. Não vamos
cair no velho chavão de que ''vivemos uma época de transição". Como bem acentua o
filósofo hindu S. Radhakrishnan, a transição é a marca do tempo. Sempre houve, há e
haverá. A explicação da atual situação, a Física nos dá. A chamada lei de Vant Hoff
estabelece o relacionamento da pressão com o volume e temperatura de um gás. Se, num
pistão, temos acumulada uma certa quantidade de ar ocupando um determinado volume, a
pressão será de p atmosferas e a temperatura de t graus centígrados. Quando
comprimimos esse pistão, logicamente, o volume diminui enquanto a pressão no interior
aumenta e, com ela, a temperatura. Esse aumento decorre do incremento do choque entre
as moléculas do gás. No campo social, o mesmo fenômeno ocorre com o aumento da
população e a tendência à urbanização. Dos duzentos milhões de habitantes que a Terra
possuía na época de Cristo, passamos hoje para a faixa dos cinco bilhões. A possibilidade do
choque das partículas, portanto, aumentou significativamente. Paralelamente, a revolução
tecnológica no setor dos transportes e das comunicações acentuou ainda mais o processo.
A aldeia global de Mac Luhan já é hoje uma realidade. Todo esse processo reflete-se no
meio ambiente. As modificações são sensíveis e espelham-se na qualidade da vida. Nesse
meio ambiente, incluímos o mundo mental, onde todos estamos mergulhados, Na época
das chamadas civilizações tradicionais, essas trocas eram muito lentas. O contato entre
pessoas era muito difícil, o afastamento, uma constante. Daí advém a experiência
acumulada durante milênios pelas civilizações ditas tradicionais, que hoje se afiguram
extremamente modernas do ponto de vista da ciência de vanguarda.
Carl Gustav Jung foi o grande redescobridor de um antigo mundo, muito conhecido
pelas civilizações tradicionais: o mundo mental. O seu conceito de inconsciente coletivo
nada mais é do que a "modernização" do conceito de plano manâsico dos hindus, onde
estamos constantemente mergulhados, influenciando e sendo influenciados. Jung, na sua
vasta obra, revela vários casos que servem de base à sua teoria da existência de um
repositório, que ele chamou inconsciente coletivo. São, por exemplo, os relatos advindos
da sua vasta clínica, quando crianças e adultos foram contaminados pelas tensões e
conflitos daqueles que os rodeavam. E vai mais além, ao detectar as "infecções psíquicas" a
que estão sujeitos os terapeutas, ao lidarem com os problemas que infeccionam seus
pacientes. Daí nasceu a hipótese de serviço que iremos detalhar ao longo deste trabalho,
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da necessidade de uma assepsia psíquica para aqueles que, lidam com o material
contaminado das neuroses e psicoses.
Para os hindus, o Universo é composto de sete planos, com diferentes densidades que,
como Universos , paralelos, se interpenetram e se complementam. Temos assim na visão
teosófica, os planos físico, emocional (kamásico), mental (manásico), intuicional (búdico),
iluminação (nirvânico), além da iluminação (paranirvânico) e o supremo (maha
paranirvãnico). Em última análise, esses planos possuem uma constituição atômica com
características próprias, e estão estruturados do mais sutil ao mais denso. O inconsciente
de Jung é o plano manásico que, segundo os hindus, é composto de duas camadas. A
concreta (rupa) e a abstrata (arupa). Os seres humanos, normalmente, são conscientes dos
planos físico, emocional e mental concreto. Raramente excursionam nos domínios do
mental abstrato e, ainda muito menos, nos planos superiores. Essa visão septenária é
simplificada em três grandes regiões ou lokas, que são o Bhur loka - mundo físico ou a
Terra -, Bhuvar loka - o mundo do "vir a ser", que é intermediário entre o físico e o mundo
celestial - Svarga loka. Para cada uma dessas lokas, há um estado de consciência que
permite a apreensão de uma realidade completamente diferente da física. Em outras
apresentações, os hindus falam de sthula serira, o corpo sólido, também chamado Anna
Maya Kosha, que é feito de matéria sólida, líquida e gasosa. O corpo sólido possui um
corpo sutil, chamado Prana Maya Kosha (corpo da vida) e um Mano Maya Kosha (corpo
mental). Além desses, há um corpo mais sutil, chamado Vijnana Maya Kosha (o corpo
conhecido superior).
A visão de um Todo Supremo que engloba em seu seio todas as coisas é nítida no
pensamento tradicional. Essa mesma consciência que hoje nasce foi no passado
pressentida por muitos filósofos e místicos. Entre eles, podemos alinhar Hermes
Trimegistros, há 6000 anos, os pré-socráticos da Grécia, Platão, os neoplatônicos em
Alexandria, no século III da nossa era, quando nasceu a palavra TEOSOFIA; Giordano Bruno,
Jacob Boehme, entre outros, na Idade Média. Essa mesma visão de totalidade está
nitidamente manifestada no Taoísmo da China, no Budismo de várias escolas, nos
Upanishades da Índia. Pode-se afirmar que essa ideia-raiz subjaz em todas as culturas e
épocas. É algo associado ao pensamento arcaico da humanidade. Jung detectou a presença
dessa ''totalidade'' em mandalas pintados por seus pacientes, que nada mais são do que
reproduções inconscientes de iguais representações encontradas em todas as épocas.
O Conceito de Adhistana
A Força do Pensamento
As Vibrações Mentais
Este é um campo inexplorado, no qual não apareceram ainda os seus Listers e Pasteurs.
Podemos, entretanto, imaginar esse extraordinário mental onde vivemos. E podemos
caracterizar o ser que pensa, cada qual na sua escala, emitindo vibrações constantes à sua
volta. Estão, de certa forma, como que "fumegando". Expelindo a "fumaça" dos seus
pensamentos no inconsciente coletivo ou no plano manásico, como os hindus o
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cognominam. Hoje, quando os homens tanto se preocupam com a atmosfera
sobrecarregada de poluentes em suas cidades, ainda não há a consciência dos efeitos
nefastos da poluição mental. As cidades do México, Los Angeles, Nova York e São Paulo,
entre tantas outras, mantêm um alerta permanente em relação .ao estado do ar. Medidas
são constantemente tomadas, filtros obrigatoriamente instalados, multas aplicadas e uma
legislação vigente cada vez mais rígida. Com isso, a situação melhora, como é o caso do
Japão, que já foi um dos locais mais poluídos do mundo e cujas cidades, hoje, desfrutam de
uma atmosfera perfeitamente aceitável e cujos rios já se tornaram novamente piscosos. Tal
fato acontece em várias partes do mundo. Enquanto essa benéfica preocupação crescente
ocorre em relação à terra, à água e ao ar, o mundo mental continua cada vez mais poluído.
E seus efeitos são cada vez mais sentidos sob a forma de conflitos, violências, deturpações
morais de todas as ordens. O problema é: como neutralizar os "dejetos" mentais? Essa é a
ideia que pretendemos trazer aos participantes deste Congresso, apesar de todas as
limitações da terra desconhecida para o explorador que a penetra pela primeira vez.
A higiene era muito precária na cidade antiga. As noções de limpeza são muito
modernas na civilização ocidental; datam de pouco mais de cem anos de existência. A
assepsia, na sua forma mais ampla, ainda engatinha, conforme se pode deduzir do elevado
índice de doenças infecto-contagiosas. O uso do banho diário ainda não é uma prática
corrente em muitos locais. A tradicional perfumaria desenvolveu-se para neutralizar os
cheiros agressivos do corpo humano. O esplendor dos palácios antigos é questionado pelo
primarismo de suas instalações sanitárias. As descrições dos historiadores sobre a higiene
das cidades antigas são chocantes diante de tanta imundície que se acumulava nas ruas
estreitas. Essa situação contrastava com a higiene dos povos indígenas e de muitos povos
do Extremo Oriente. Os hindus têm, em relação à higiene, ideias muito avançadas. O
conceito de Saucha, por exemplo, merece ser estudado com cuidado. Ele é muito mais
amplo, e engloba não só a higiene física como a hiperfísica. Um antigo texto afirma: "O
corpo é purificado pela água, a mente pela verdade, a alma pelo conhecimento e pela
austeridade, a razão pela Sabedoria". Verdadeiramente, não há purificador mais
importante no mundo que a Sabedoria. A limpeza, na Índia, deverá ser feita,
simultaneamente, em todos os corpos sutis do homem. A limpeza superficial do banho, que
caracteriza a visão ocidental, é um dos aspectos mais insignificantes dessa profilaxia que o
homem deve almejar.
Estações de Tratamento
Para fazer face à poluição, o homem criou estações de tratamento de diversos tipos.
O sistema de esgoto, a filtragem do ar e da água, as proteções contra ruídos etc. Por meio
delas, os "dejetos" são detectados, devidamente tratados, antes de voltarem a integrar a
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Natureza. A falta de instalações apropriadas é a causa de uma série de moléstias que
podem adquirir características de verdadeiras epidemias. Os grandes complexos industriais,
produzindo uma sorte inimaginável de refugos, que se incorporam nefastamente ao meio
ambiente, sob a forma de matéria sólida, líquida ou gasosa, constituem outra fonte de
poluição. Os veículos automotores contribuem de forma relevante para o incremento da
poluição ambiental. O derramamento de óleo e de produtos tóxicos procedentes de navios
nas águas é constante na época moderna e reflete o lado negativo de uma sofisticada
tecnologia. Já a energia nuclear incorporou-se de uma forma altamente nefasta ao meio
ambiente, ocasionando problemas de várias ordens, conforme atestam ocorrências em
várias partes do mundo.
A Purificação Mental
Enquanto toda essa série de incidentes ocorre em relação à terra, à água e ao ar, no
mundo da mente o fato ocorre sem qualquer tratamento. As poucas estações de
tratamento são representadas pelas diversas igrejas de todas as religiões, mosteiros,
asrahms e clínicas para tratamento psicoterápico. Nesses locais, o homem aprende a
trabalhar pelo bem comum, a controlar a sua mente e as suas emoções, a dominar os seus
instintos. Pelo menos são esses os motivos que levam as pessoas a frequentar estes locais.
No Budismo, por exemplo, a escola Shingon (da verdadeira Palavra), tem como objetivo
principal atuar no meio ambiente como um neutralizador dos efeitos negativos dos
pensamentos. Em Koyasan, no Japão, são realizados, ao correr das horas, os rituais do fogo,
com o objetivo de melhorar as condições do meio psíquico. Isso ocorre no Tibete, através
da incessante operação das "rodas de oração" e da repetição constante de certas palavras,
os mantras, que são agentes altamente purificadores.
"Eu sou um elo da cadeia de ouro do amor do Buda Amida que se estende pelo
mundo.
Devo conservar o meu elo brilhante e forte. Tentarei ter belos e puros
pensamentos, dizer belas e puras palavras, praticar belas e puras ações.
Sabendo que de tudo que agora faço depende a minha felicidade ou infelicidade.
bem como a de todos os outros.
Possa todo elo da Cadeia de Ouro do amor do Buda Amida tornar-se brilhante e
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forte e possamos todos nós alcançar a Paz Perfeita. Namu Amido Butsu"
Essa última expressão Namu Amida Butsu, é um mantra, uma fórmula recordatória
que significa: eu me refugio, ou eu me torno no Buda Amida. Amida significa a Vida Eterna
e Luz Infinita.
Técnicas de Saneamento
Há um grande número de técnicas através das quais pode o homem sanear o ambiente
em que vive. Já as mencionamos quando, nos referimos às estações de tratamento. Vamos
considerar agora as técnicas para o saneamento emocional e mental. Entre elas podemos
citar a oração, meditação, asanas (posturas físicas e psíquicas), mantras, mudras (gestos
significativos feitos com os dedos das mãos), o relax. Uma série de exercícios é executada
nas diversas escolas que se dedicam a esse objetivo. Pode-se citar o Aikidô, Tai-chi, Yoga e
outros. Todos eles são altamente eficazes quando feitos com a devida técnica e total
atenção.
Quanto à meditação, que constitui uma das formas mais eficientes, há várias escolas:
hindus, budistas,. chinesas, cristãs, sufis, teosóficas. Constituem todas elas um maravilhoso
instrumento de purificação mental, de autocontrole. Pode-se afirmar que quando alguém
mergulha numa meditação profunda, o mundo está sendo beneficiado com a sua ação.
Ocorre algo parecido com o efeito da vegetação na purificação do ar.
A Visão Sufi
"Se tiveres maus pensamentos para os outros, farás mal não só a eles mas
também a ti mesmo, pois os pensamentos são muito potentes. Nada é bom ou mau
no mundo, mas os nossos pensamentos os fazem assim."
Um outro pensamento:
Já um homem santo chamado Chaik Sharf-u-din Maneri, que viveu no século XV, cujas
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cartas foram parcialmente traduzidas por nós, afirmava, sobre a importância da purificação:
"Deves tentar esquecer tudo acerca de tua mente e ego. É devido a estares constantemente
ligado a ela, alimentando o teu ego, pensando nele, que te perturbas. Tens que saber que a
meditação regular substitui as viciosas qualidades da mente por qualidades virtuosas e que,
gradualmente, culminam em nos elevar acima do vício e da virtude. Vai placidamente entre o
ruído e a pressa e lembra que uma serena paz e harmonia espera por ti durante as
meditações."
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e seus "miasmas" neutralizados. Então, as grandes epidemias do ódio, violência, perversões
de todos os tipos poderão ser neutralizadas cientificamente, pois, conhecendo-se as
causas, talvez, algum dia, as "vacinas" possam ser obtidas para a neutralização dos seus
efeitos. E o "estrume" mental resultante do despejo de toda espécie de "dejetos" poderá
ser reciclado de uma maneira benéfica para o florescimento de uma nova consciência.
Já abordamos no livro O Outro Lado da Comunicação de Massas que uma das marcas
da atual civilização tecnológica é a implosão da mediocridade, que destrói e prostitui as
raízes da criatividade. A maioria do que é falado ou escrito não tem a menor importância.
São meras repetições, "chavões", de conceitos pensados e repensados por bilhões de seres.
É muito difícil encontrar nessa enxurrada algo que seja autêntico, puro e que reflita a
essencialidade das coisas. Essa enorme massa de pensamentos de segunda mão bloqueia a
criatividade, impedindo a visão da Sabedoria. Todos os modismos passageiros, atos
irrefletidos, violência, nascem dessa sujeira psíquica acumulada na atmosfera mental. A
imitação é um fato. O seguir o rebanho, uma atitude condicionada pela absurda repetição
de modelos. Como por exemplo, podemos citar a verdadeira epidemia de grafites que
enxovalham os muros das cidades, causando uma verdadeira poluição visual que se
espalha, como uma praga, mesmo nos menores vilarejos. Outros exemplos são as modas
das roupas, atitudes, palavras, músicas e gestos de violência, deturpações sexuais, "ideais
políticos" etc. Todo esse material é jogado na psicoatmosfera através dos veículos de
comunicação de massas sem qualquer tratamento prévio. Esse tratamento não seria uma
mera censura policialesca feita pelos pseudo-senhores da moral e dos bons costumes, mas
um verdadeiro ato de profilaxia, que terá que ser adotado mais cedo ou mais tarde pelo
organismo social como uma forma de autoproteção. Lembramos que uma das causas da
peste negra na Idade Média era o lixo acumulado nas estreitas vielas da época. E esse o
estágio existente no campo mental onde estamos mergulhados.
São inúmeros os pensadores, que nas mais diferentes épocas, falaram de um novo
futuro. Dentre eles, destacam-se Sri Aurobindo, na Índia, que começou a manifestar-se nos
anos 30 do nosso século; Teilhard de Chardin, o filósofo cristão, com a sua noosfera, um
verdadeiro corpo crístico que envolverá a futura humanidade. No antigo budismo,
menciona-se o corpo búdico que está acima da mente e se manifesta no homem iluminado.
Recentemente, temos Alvin Tofler em seu livro Choque do Futuro, Fritjof Capra com O Ponto
de Mutação e o Tao da Física e outros. A consciência de uma nova Renascença está no ar,
uma época onde os antigos padrões serão ultrapassados e um novo paradigma
estabelecido. A Física Einsteiniana será ultrapassada, e a velocidade da luz deixará de ser
uma barreira intransponível. O avanço tecnológico abrirá novas janelas para o mundo
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invisível, de que tanto falam as civilizações tradicionais. A Ecologia mental nascerá com as
suas estações de tratamento, e a assepsia do mundo mental será uma realidade.
O Aprender a Aprender
Conclusões
Essa realidade suprema pode ser chamada como quiserem. Preferimos chamá-la de
TEOSOFIA, a Sabedoria Eterna. Nela nos movemos e temos o Ser, mesmo que não
queiramos. Este Congresso Internacional da Sociedade Teosófica é uma prova concreta
dessa nova ordem em florescimento. Mais uma vez é uma aurora onde renasce um
admirável e esquecido mundo tradicional em novas roupagens.
Todos nós aqui reunidos para este Congresso, encontrando amigos e companheiros da
ST (membros) de todas as partes do mundo, estamos, desde o momento que colocamos o
pé em solo brasileiro, praticando aquilo que está implícito no título da minha palestra: em
outras palavras "estendendo a mão do companheirismo". Essa é uma frase da chamada
"Carta Única do Maha Chohan", na verdade, uma versão condensada da visão do Maha
Chohan (sobre a S. T.), escrita pelo mestre K. H. e recebida em 1881.
De acordo com o comentário de C. Jinarajadasa, é certamente a carta mais importante
recebida dos Instrutores Adeptos, pois contém praticamente o conteúdo para o trabalho (o
caráter do trabalho) e o desenvolvimento da Sociedade Teosófica através dos tempos; são
fundamentais os seus Ensinamentos, bem como a visão do Chohan sobre a situação da
Sociedade (ST) naquela época.
Não será que existe a real necessidade interna de "apertar as mãos", mesmo que por
poucos segundos, quando encontramos um companheiro ou um amigo? Este gesto é a
primeira confirmação da nossa amizade e boas intenções; nossa simpatia e vontade de
cooperar com uma boa causa. No nosso caso, a Grande Causa: a Teosofia. Nossas
saudações serão acompanhadas com um sorriso, talvez, mesmo com algumas lágrimas de
alegria, e finalmente com algumas palavras cordiais e sinceras de boas-vindas. Se esta é a
primeira vez que nos encontramos, de alguma forma, talvez, nos sintamos sem jeito, não
sabendo exatamente o que dizer. Mas após esta insegurança inicial, teremos certeza de
que tudo está bem. Fazer amigos e renovar os laços da amizade mexe com os nossos
corações e nos faz felizes.
Vivendo no plano físico, estes sinais de amizade e simpatia são muito apreciados por
nós, e talvez fosse impossível nos relacionarmos sem eles. Nós nos sentiríamos
desapontados se fosse de outro modo. Nossos sentidos físicos servem como meios,
instrumentos, para sentimentos interiores. Enquanto isto, esperamos, obviamente, que
esta saudação calorosa seja o começo de um período feliz que viveremos juntos, que
durante os próximos dias haja um aprofundamento das nossas relações quando nos
encontrarmos para debates, meditações e consultas. Uma calorosa mensagem de boas-
vindas desperta nossas expectativas de que o Congresso seja frutífero e bem-sucedido.
Além do aspecto físico de estarmos juntos com companheiro da S. T., há uma razão,
um objetivo que temos de ter em mente; os assuntos que queremos debater, as decisões
que devem ser tomadas para ações que esperamos que deem bons resultados. Podem ser
inúmeros os motivos para estarmos juntos. Penso que o Maha Chohan, em sua Carta, quis
dizer isto e muito mais quando usou a frase "estenda a mão do companheirismo". Ele
explicou que as nossas mãos devem ser estendidas em relação a todas as nações, sem
distinção de raça, credo, casta, sexo ou cor, como declara o nosso Primeiro Objetivo. Além
disto, o Maha Chohan estava falando em um tom firme.
E quando chega a ocasião, estamos com vontade e preparados para "estender a mão
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em companheirismo?" Se nós esperamos, pode ser tarde demais. Apoio efetivo, cuidado e
amor nós somente podemos dar quando o outro ainda está vivo e possa responder a um
real e enriquecedor relacionamento. Por que deveríamos perder esta chance? Assim como
cada momento na vida é decisivamente único, a mesma oportunidade nunca se repetirá.
Quando não estivermos mais neste mundo, as possibilidades de ajudar tornar-se-ão, pelo
menos, duvidosas, se não impossíveis. Além disto, podemos nos frustar ao verificar que é
tarde demais para estender o nosso amor. Muitas vezes as percepções chegam muito tarde
para que possamos atuar segundo elas. Nossa intenção deveria ser atuar a tempo, quando
o momento está presente.
Quando tivermos feito tudo que somos capazes de fazer, a morte de um amigo ou um
parente não perturbará o nosso equilíbrio em enormes proporções, e o nosso sentimento
de tristeza será menor.
Nossas motivações e desculpas para não "estender a mão do companheirismo" podem
ser muitas. Diz A Voz do Silêncio: "A inação num ato de misericórdia converte-se num
pecado mortal... Doces são os frutos do repouso e da libertação por amor ao eu; porém
mais doces ainda são os frutos do longo e penoso dever. Sim, a renúncia por amor aos
outros, aos semelhantes que sofrem.
O Mestre K. H. deixou claro que sob a ótica do Maha Chohan, o futuro da S. T. estava
como uma página em branco. Penso que este fato torna esta carta ainda mais relevante,
mesmo tendo sido escrita há mais de cem anos. A sua posição foi comparada a alguém que
se senta no topo de uma montanha, olhando para o apressado mundo abaixo; um mundo
que está excessivamente preocupado com as suas próprias coisas; que tem uma visão
muito estreita para olhar adiante; que é excessivamente materialista para importar-se com
os aspectos mais espirituais da vida. Esta é a razão pela qual o Maha Chohan referiu-se à
"luta pela vida" como a real e mais prolífica matriz da grande maioria das aflições,
sofrimentos e todos os crimes.
Citando Jinarajadasa novamente: "Como algum grande farol no alto, movendo o seu
raio de luz, penetrando na escuridão, assim a mente do Maha Chohan penetra nos nossos
problemas e prontamente nos fala da verdade acerca de nós mesmos, nossa civilização e
como os nossos esforços para alcançar a felicidade nunca serão bem sucedidos enquanto
não aprendermos que a Fraternidade é a lei, a única lei em cujo funcionamento nós
podemos confiar totalmente. Nossa é a tarefa de descobrir as soluções, não apenas de
nossos males, mas dos males da humanidade como coletividade e revelar, nas palavras do
Maha Chohan "a verdadeira Filosofia, a verdadeira Religião, a verdadeira Luz, que contém a
Verdade e nada mais que a Verdade".
No começo da sua Carta, o Maha Chohan enfatiza o lado prático da vida teosófica e
critica "o homem que escolhe como sua meta a gratificação da sua ardente aspiração pelo
conhecimento oculto".
Um pouco depois Ele analisa esta expressão e diz: "O que constitui o verdadeiro
teosofista não é o propósito determinado e individual de atingir o Nirvana (culminação de
todo Conhecimento e Sabedoria absoluta) o qual, no final, não passa de um egoísmo
exaltado e glorioso, mas sim a busca, com auto-sacrifício, dos melhores meios de conduzir
o próximo ao reto caminho, e fazer com que o maior número de pessoas dele se beneficie.
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Esta perspectiva talvez não sorria a todos, mas não será teósofo aquele que tiver objeções
a este princípio".
É evidente que os Mahatmas nunca deram ênfase ao estudo da literatura pelo estudo
em si, mas somente como meios para um maior entendimento das grandes Verdades e
Princípios, que são a base de uma "Sociedade Nobre"; Verdades e Princípios estes que
devem ser subsequentemente aplicados, postos em prática. Se seguirmos este conselho,
possivelmente evitaremos um desenvolvimento assimétrico, irregular. Um
desenvolvimento equilibrado, simétrico e regular da nossa estatura espiritual é o que nós
precisamos. A parcialidade, a assimetria, o desenvolvimento de apenas um aspecto da
nossa natureza deve ser evitado, pois nos leva, ao engano. Deveremos escolher o Dourado
Caminho do Meio.
Estas Cartas (dos Mahatmas) contêm inúmeros conselhos, pistas e indicações com o
propósito de persuadir aqueles que os recebem a alterar suas vidas, trabalhar pela
Sociedade Teosófica e levar uma vida mais espiritual. Com uma incomparável paciência e
muito humor, frequentemente usando metáforas, os Mahatmas trataram de questões
propostas pelo Sr. Sinnett e alguns outros. Da grande quantidade de literatura teosófica
disponível para todos os estudantes sérios, a correspondência entre os Instrutores
Espirituais de Madame Blavatsky e alguns membros dos primeiros tempos da S. T. é ainda a
leitura mais interessante. Algumas passagens podem estar desatualizadas, como aquelas
relativas às pessoas e às situações da época em que estas Cartas formam escritas;
precipitadas parece ser uma palavra mais adequada. Mas muitas delas ainda são
testemunhas de que os Autores, os Mahatmas, tinham percepções e conhecimentos
estupendos sobre a natureza humana e chegaram a altos níveis de consciência espiritual.
Estes Iniciados, que chamavam a si próprios de "Irmãos", formam juntos o que é
chamado de Governo Interno do Mundo, e protegem a sofredora humanidade de maior
degradação e total aniquilação. Dos seus desconhecidos recônditos, Eles irradiam suas
benéficas influências para todo o mundo.
É dito que Eles trabalham anonimamente, "sem nome e silenciosamente", para o bem-
estar do homem - o progresso espiritual do ser humano é o único objetivo d'Eles. Muitos
membros se perguntam se estes Irmãos mais Velhos ainda estão em contato com a
Sociedade Teosófica, Sociedade esta da qual Eles próprios foram os Fundadores Internos.
Em uma curta Carta recebida do Mestre M., ele disse: ''Tendes ainda de aprender que
enquanto houver na S. T. três homens dignos da bênção do Nosso Senhor, ela jamais
poderá ser destruída".
Pelo que eu sei, a última Carta foi recebida por Annie Besant em 1900, nove anos após
a morte de Madame Blavatsky. A última frase desta Carta é muito intrigante. Diz: "Nós vos
observamos, mas tendes de empregar toda a vossa força". Não seria esta uma pista de que
os Grandes Seres realmente têm a intenção de observar o desenvolvimento da Sociedade,
mesmo durante o século em que vivemos? A promessa contida nesta frase parece
inquestionável.
A mesma Carta coloca: "A crista da onda do desenvolvimento intelectual deve ser
assumida e guiada para a Espiritualidade. Não se pode forçá-la a adotar crenças ou
adorações emocionais. Nunca tentamos sujeitar a vontade dos outros à nossa. Em períodos
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favoráveis, liberamos influências soerguedoras que impressionam várias pessoas de
diferentes maneiras. É o aspecto coletivo de muitos pensamentos como esses que pode
dar o caráter correto da ação".
Na virada do século, esta Carta foi a última prova da correspondência entre membros
da Grande Fraternidade Branca e alguns destacados membros da Sociedade Teosófica, uma
correspondência que é única na história da humanidade.
Como foi colocado por um Adepto em Sua Carta, Eles podem exercer Sua influência
sobre as situações e pessoas em qualquer tempo que Eles entendam favorável. A Sabedoria
e o Conhecimento d'Eles podem ser realmente estupendos, mas o poder para isso é
limitado, e a vontade D'Eles no sentido de forçar os acontecimentos é inexistente. No fim
de uma de suas primeiras Cartas, o Mahatma M. declara: "Nós fazemos o melhor que
podemos". Mesmo os Mahatmas têm de fazer o melhor que podem. Pelas Suas regras, não
Lhes é permitido usar os Seus poderes ocultos mais do que o estritamente necessário.
Por exemplo, caso especial em que Eles alertaram H. P. B. para não usar o seu
conhecimento premonitório quando ela tinha que lidar com uma situação. O Karma,
chamado por H. P. B. de "a lei da restauração do equilíbrio", tem que seguir o seu próprio
curso e não deve haver interferências, a não ser em circunstâncias excepcionais. Exemplos
disto são as curas realizadas em Madame Blavatsky quando escrevia A Doutrina Secreta.
Doente, com real perigo de falecer, o Mestre aproximou-se dela, e somente depois da sua
concordância, o Mestre curou-a. O término de A Doutrina Secreta, Magnun Opus - Obra
Magna de H. P. B. - era importante o suficiente para que houvesse tal intervenção.
Na obra H. P. B. Teaches, Madame Blavatsky levanta a seguinte questão: O que é
Teosofia? O que é a Sociedade Teosófica? Quem são os teosofistas?
Sendo H. P. B. um expoente do conhecimento esotérico, quem melhor poderia ter
respondido a estas questões do que ela própria?
Como um dos mais importantes objetivos da Teosofia, ela considerava aqueles que
provavelmente conduziam ao alivio do sofrimento humano sob qualquer forma, tanto
moral como físico, tendo o primeiro como muito mais importante que o segundo; assim a
Teosofia deve inculcar a ética e purificar a alma. A divulgação da ideia da Fraternidade deve
ser de uma forma prática e não teórica.
Segundo H. P. B., somente o fato de uma pessoa se aproximar da Sociedade Teosófica
prova que ela está em busca da verdade última, bem como da verdadeira essência das
coisas. Uma vez que o estudante abandone os velhos e trilhados caminhos da rotina e entre
na solitária Senda do pensamento independente, ele é um teosofista, um pensador original,
um buscador da verdade eterna, com inspiração própria para resolver os problemas
universais.
Estamos preparados para trilhar esta Senda real para o conhecimento e visão das
coisas como elas realmente são?
H. P. B. também nos dá uma pista sobre a diferença entre um teosofista e um ocultista
e adverte-nos em relação a lidarmos com as Artes Ocultas, explicando que é impossível
empregar forças espirituais se ainda houver uma tênue sombra de egoísmo no praticante.
Âtma-Vidya ou Conhecimento da Alma é o único tipo de Ocultismo que o teosofista
deveria esforçar-se para obter.
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Não é pelo estudo do Ocultismo com propósitos egoístas, para a gratificação de
ambições pessoais, orgulho ou vaidade, que se pode, em algum momento, atingir a meta
verdadeira: aquela de ajudar a humanidade sofredora. Nem é pelo estudo de um único
aspecto da Filosofia esotérica que o homem torna-se um ocultista, mas através do estudo
deles todos e do desenvolvimento da habilidade de lidar com eles.
O desejo pelo Ocultismo é em si uma contradição, pois a atitude correta pode ser
descrita como sendo à prova de "paixão e verdadeiramente inegoísta".
H. P. B. continua: "Os Siddhis ou os Poderes dos Arhats são apenas para aqueles que
são capazes de "governar a vida", cumprindo os terríveis sacrifícios requeridos para este
treinamento e cumpri-los ao pé da letra. O Verdadeiro Ocultismo é a "Grande Renúncia do
Eu", incondicional e absoluta, em pensamento, como em ação. É Altruísmo, e o leva a
praticá-lo de maneira impensável para os padrões de vida comum. "Não para si próprio,
mas para o mundo ele vive", tão logo ele tenha se prontificado para o trabalho.
É sob a influência do Kali Yuga, a Época das Trevas, que os homens se iludem com a
ideia de que podem transpor o "Portal", entrando na Senda do Ocultismo sem nenhum
grande sacrifício, inspirados pelo desejo de poder e egoísmo pessoal. É melhor que aquele
que não tenha sido iniciado por um Mestre deixe de lado o estudo considerado perigoso",
conclui H. P. B.
Como já foi dito "Estreita é a porta, e reta é a Senda que leva à vida eterna, poucos
serão os que a encontrarão".
Mais tarde alguém formulou a seguinte pergunta: Como outras pessoas podem
reconhecer que eu sou um teosofista? Será que sempre é necessário que as outras pessoas
reconheçam o fato de sermos teosofistas? Será que isto mexe com a nossa honra? Será que
esbarra na nossa vaidade? Será que isso tem alguma importância?
Talvez nos sentíssemos mais livres se pudéssemos viver sem qualquer rótulo, até
mesmo o de teosofista. Não seria suficiente praticar a Teosofia com o melhor da nossa
capacidade e deixar todos os resultados do karma com a Providência Divina? Haverá
resultados, quer os notemos ou não.
Uma real atitude teosófica em relação à vida é observada pelos outros, mesmo se não
for mencionada a palavra Teosofia. Sem incluir o fato de que a maioria de nós é
vegetariana, não fumante e totalmente abstêmia, os outros nos veem como diferentes;
nossos pontos de vista, respostas, interesses e como vemos a vida, tudo isto tem uma
qualidade diferente. Chama atenção, sem que tenhamos vontade de que seja assim. Nossa
identidade real "se trai" de muitas maneiras. Nossa aparência física, nosso comportamento
e o que dizemos é o nosso cartão de visita.
Além do que eu me pergunto se existe alguma coisa como a imagem do que seja o
teosofista. A liberdade é o mais importante dentro desta Sociedade, e cada membro tem o
direito de expressar e viver a Teosofia à sua própria maneira. Assim sendo, há tantos tipos
de teosofistas quanto o número de membros da Sociedade, sem mencionar os muitos
teosofistas fora dela.
Uma bem trabalhada e precisa definição de Teosofia pode trazer clareza; mas, ao
mesmo tempo, frequentemente, limita aquilo que tenta descrever. A Teosofia, na sua real
dimensão, é muito vasta, universal, abraça tudo para que possa estar contida em qualquer
113
definição.
O que o futuro reserva para nós? Estamos no caminho certo para dias melhores? "A
Sociedade Teosófica foi escolhida como a pedra angular, o alicerce das futuras religiões da
humanidade", assim lemos na Carta do Mestre K. H. a Annie Besant. Está em formação uma
nova religião mundial, uma nova doutrina de caráter universal, da qual a Teosofia será a
pedra angular? Talvez ajudada por muitos componentes mais presentes do movimento da
Nova Era, bem como pela vanguarda da ciência moderna? Quem pode responder? Há um
século um Mahatma previu que a ciência moderna do século XX viria a ser a melhor aliada
dos ensinamentos que Eles estavam promulgando. Nossa atitude deveria ser de plena
atenção, um completo estado de alerta. As mudanças estão no ar hoje em dia. Todavia,
nem toda mudança é uma mudança para melhor.
Quando percebemos a influência que a Teosofia teve desde o momento em que a
Sociedade foi fundada, quantos grupos e pessoas foram e ainda são inspiradas por ela,
pessoas comuns, assim como destacados cientistas e artistas, apesar dos muitos altos e
baixos pelos quais a Sociedade passou, penso que não há razão para que os membros se
sintam confusos ou desconfortáveis sob qualquer aspecto.
Quase não há uma semana que se passe, sem que haja programas na televisão e no
rádio, bem como artigos nos jornais, que tratam de assuntos iniciados pela Sociedade
Teosófica e seus líderes há muito tempo atrás. Em círculos mais conservadores, é verdade,
ainda há hesitação, mas os indícios de uma maior abertura e receptividade em relação à
influência benéfica da espiritualidade e da abrangente visão teosófica são inegáveis.
Qual será a direção da nossa ação no começo da última sétima parte deste século? Que
cenário temos em mente para o próximo século? Por que não fazemos um tosco esboço e
mapeamos um programa experimental? Vamos escolher o dourado meio entre aferrar-se
às velhas tradições e seguir cegamente sonhos ideais em relação ao futuro, ou mesmo
alguns esquemas um tanto utópicos. Talvez possamos realizar uma mudança gradual - uma
volta inteira seria ainda melhor - da degeneração para a regeneração; da fragmentação
para a integração, totalidade e Unidade da Vida; da mediocridade para a excelência; do
egoísmo para a compaixão; do desinteresse para a participação; da indiferença para um
senso de responsabilidade e real cuidado; da escravidão de qualquer tipo para a liberdade;
do individualismo para a cooperação, amizade e Fraternidade; de uma vida de
prodigalidade, opulência para uma vida sóbria; da teoria para a prática; do ódio e
animosidade para a tolerância, receptividade e amor; do vulgar para o sublime; da
estagnação para a transformação; dos prazeres mundanos para a real alegria; da avareza
para o altruísmo; do conhecimento para a Theo-Sofia, Sabedoria Divina; da exploração da
Natureza para uma reverência em relação à vida e à Terra como um todo integrado.
Esta descrição poderia, obviamente, ser alterada, melhorada, ampliada, mais completa
e pertinente. Vamos adequar a ação ao mundo.
Nossos membros estão de acordo com o trabalho em unidade, usando uma expressão
do Mestre K. H., "soldados voluntários de uma causa desesperada."
Uma última, desesperada e ousada tentativa de estancar o fluxo do materialismo e da
cristalização religiosa que já estavam imperando no último quarto do século XIX.
Somos todos responsáveis pela herança espiritual e cultural desde os primórdios, e
114
cada indivíduo é um elo desta infinita corrente de Tradição da Sabedoria. Todos temos que
nos tornar um fio da vida, elevar-nos, tornando-nos fortes e juntando-nos aos outros fios
da humanidade. Juntos podemos suportar esta pesada responsabilidade de levar adiante
este gigantesco processo chamado evolução de acordo com o Plano Divino.
Vamos nos lembrar das últimas palavras de H. P. B.: "Mantenham o elo inquebrável;
não deixem que minha última encarnação seja um fracasso."
Que melhor exemplo do que H. P. B. podemos imaginar? E quem está disposto a seguir
os seus passos?
Nossa razão deixa claro para nós ser inútil tentarmos alcançar o impossível. Mas pelo
menos poderíamos mostrar nossa boa vontade e compaixão em relação a um número
inimaginável de pessoas que sofrem em um mundo aterrorizado pelos sentimentos de
raiva, ciúmes e egoísmo e sem disposição para ouvir "a quieta e fraca voz interior".
Estamos realmente conscientes da situação atual? Ou será que pensamos que temos
muito tempo pela frente? E evidente que temos que fazer alguma coisa agora, antes que
seja tarde demais. Quanto mais esperarmos, mais difícil será ajustar o nosso curso (como
humanidade).
Vamos expressar a Teosofia de inúmeras formas, especialmente em maneiras práticas,
e descobrir o que cada um de nós pode fazer em nossas vidas. Poderíamos viver de uma
maneira mais sóbria, dar mais e receber menos? Menos de cada coisa que pensamos
necessitar tanto?
O Sermão da Montanha começa dizendo "Abençoados sejam os pobres de espírito,
pois deles é o Reino dos Céus".
Mais de uma vez os Mahatmas fizeram um fervoroso, quase desesperado apelo para os
membros da S. T., para que os ajudassem em Seu trabalho de elevação da humanidade.
Na sua Carta o Maha Chohan assinala: "Oh, que o homem nobre e desprovido de
egoísmo nos ajude efetivamente na Índia, naquela divina tarefa! Todo nosso conhecimento,
passado e presente, não seria suficiente para recompensá-lo".
Não estamos nós, como teosofistas, em uma posição favorável para enfrentar as
necessidades espirituais do mundo? Estamos preparados para esta estupenda tarefa?
Por que não nos engajamos neste grupo de ativos trabalhadores e nos convertemos em
voluntários trabalhadores por um mundo melhor, fazendo da Sociedade uma força real em
direção à evolução?
Vamos refletir em algumas linhas escritas pelo Sr. Edwin Arnold em The Celestial Music,
a sua versão poética do Bhagavad Gita:
115
O QUE É SABEDORIA?
Hugh Dixon (Nova Zelândia)
Sabemos que a palavra Sabedoria é um substantivo, um nome para alguma coisa. Mas
quando nos empenhamos em defini-la, verificamos que a explicação não é nem simples,
nem direta. Num sentido racional, Sabedoria é conhecimento e bom julgamento baseado
na experiência.
Contudo, é a Sabedoria realmente conhecimento? Sim, mas tem de ser
qualificada! Daí a descrição:
"O oráculo de Delfos disse que eu sou o mais sábio de todos os gregos. É porque
só eu, dentre todos os gregos, reconheço que nada sei".
116
Este acréscimo do adjetivo "verdadeiro" é significativo.
Verdadeiro significa também real!
Pode ser que estejamos mais perto de uma definição, quando dizemos:
"Sabedoria é conhecimento real"!
Talvez a qualidade da Sabedoria seja difícil de se definir porque seu verdadeiro "lar"
está em algum ponto além do alcance da mente racional.
Em sua descrição da Sabedoria Perfeita, Platão sugere uma resposta ao nosso dilema:
Gaskell também ressalta que temos de lutar contra "as teorias errôneas da mente
inferior", e que estas "não serão descartadas até que a intuição seja recuperada pela
memória interior".
E também deve haver um esforço voluntário "feito pelo eu inferior para elevar a
consciência à compreensão espiritual".
O que vem à mente aqui, em relação "às teorias errôneas da mente inferior" é aquela
citação maravilhosa de H. P. B.:
"A Taça é a Taça oferecida pela Deidade às almas, na qual bebem o vinho da
Sabedoria". G. R.S . Mead, Orpheus p. 43.
"Um poder mais alto traz uma Taça cheia de intuição e Sabedoria, e também
prudência, e a entrega à alma". - Pistis Sophia.
Durante a pesquisa para esta palestra, a alegoria de Lázaro no Novo Testamento
apareceu surpreendentemente.
"O que tem a ver isto com o assunto?" Foi meu primeiro pensamento. Como vocês
sabem, a história está registrada no Evangelho de João, Cap.XI.
Consideremos o Evangelho no versículo 41:
"Tiraram pois, a pedra. Jesus, levantando os olhos ao céu, disse: Pai, dou-
te graças, porque me tens ouvido" etc... (aqui Jesus continuou a falar, para
benefício das pessoas que "aguardavam").
Tendo dito estas palavras, bradou em alta voz: Lázaro, sai para fora. E saiu
o que estivera morto, enfaixado nos pés, nas mãos, e o seu rosto envolto num
sudário. Jesus disse-lhes: Desatai-o e deixai-o ir".
120
Então seguiu-se o redespertar do corpo causal" - (porque o nome Lázaro
pode ser considerado simbólico do corpo causal).
Nós todos, vez por outra, experimentamos momentos nos quais a intuição nos fala.
Pode ser apenas um lampejo de alguma coisa que ocorre a nossas mentes, a qual
frequentemente descartamos, como aparentemente ilógica, desnecessária mesmo. Isso
ocorre porque começamos a analisar o que surgiu em nossas mentes.
Ouvir nossa intuição é algo que pode ser cultivado e, naturalmente, nos é muito
vantajoso. Um número crescente de pessoas está fazendo isso. Os homens esforçando-se
duramente para alcançar as mulheres!
"Para os gnósticos, Sophia era o Logos feminino, a Mente Universal, a Sabedoria
encarnada", diz o Glossário da A Doutrina Secreta. Comparem também estes verbetes no
Glossário: Athena, Sarasvati, Deusas da Sabedoria e da Expressão Artística; Teosofia,
Ildabaotb (filho de Sophia), Pistis Sophia, Sophia Achamoth (filha de Sophia - o reflexo de
Sophia na Luz Astral ou plano inferior do Ether).
Uma palestra inteira sobre a natureza feminina de Sabedoria poderia seguir estas
linhas de investigação. Como sabemos, a palavra Teosofia é um composto das duas
palavras gregas Theos e Sophia. Theos significando o Deus manifestado e Sophia, cuja
significação geral e primária é ofício, destreza, habilidade artística, especialmente nas Belas
Artes, Medicina, Esportes etc. "Disto", diz H. P. B., "surgiu o significado secundário de
habilidade no viver, julgamento prudente e seguro, Sabedoria política, conhecimento das
Ciências, Sabedoria, Filosofia.
Para Aristóteles, Sophia foi a Ciência Suprema, a Ciência das Causas.
Para os gnósticos (como mencionei antes) Sophia era a Sabedoria encarnada.
Mais sobre a palavra Theosophia por H. P. B.:
"Na verdade e na natureza", diz A Doutrina Secreta, "as duas Mentes, a espiritual
e a física ou animal, são uma só, mas separadas em duas na reencarnação".
Aqui está, então, algo mais que aprendemos sobre Sabedoria - ela é imortal.
A Filosofia Esotérica define Homem como "aquele ser no qual o Espírito mais elevado e
a matéria mais inferior são unidos pelo intelecto".
Para o Eu Superior obter domínio sobre o inferior pareceria que a "ponte", o
antahkarana, o canal ou qualquer que seja o nome que se queira dar ao "mecanismo de
comunicação", devesse estar desobstruída e fortalecida.
Sim, isso acontecerá no curso lento da evolução humana. Temos, contudo, a
oportunidade, nesta época presente, de acelerar o processo, não temos? E o que se chama,
frequentemente, de viver a vida espiritual! A medida que a mente inferior se torna mais
purificada, o pensamento torna-se mais elevado.
Bem recentemente, o editor da revista The Quest referiu-se a evidência de uma
"mudança de paradigmas" no pensamento do mundo de hoje. Ele escreveu: "as Nações
Unidas literalmente renasceram, e um nível inteiramente novo de interesse global comum
começou a tomar forma... a frase "mudança de paradigmas" nunca expressou tão
precisamente o que está acontecendo nesta época da História. Uma mudança de
paradigma no pensamento militar está mesmo começando a ocorrer. Imaginem, se
puderem, um militar se remodelando como um genuíno "empreendimento pacificador".
Isso é o que está sendo tentado em várias áreas de conflito e de fome atualmente".
Desejamos ser sábios? Ou expresso de forma levemente diferente: Desejamos ter
Sabedoria? Isto é perigoso, não é? Os desejos são atendidos nesta vida ou na outra. Mas,
quando são preenchidos, frequentemente trazem consigo um leve "revés" ou condição.
O grande filósofo americano, poeta e ensaísta, Ralph Waldo Emerson, uma vez
escreveu:
"O mundo é um armazém, e você pode obter qualquer coisa que possa alcançar
nas prateleiras. Não há um só artigo na loja que não tenha nele um preço afixado, Mas
o que quer que você pegue, você tem de pagar o preço".
Então, à nossa primeira pergunta: "Desejamos ser sábios"?, pode agora ser
acrescentado: Por que desejamos ser sábios? O motivo, para todos na jornada espiritual é
de suma importância. Desejamos Sabedoria a fim de parecermos sábios, ou genuinamente
desejamos ajudar as pessoas? Em outras palavras, o motivo é altruísta? O orgulho pode ser
muito sutil; sempre visto nos demais, e nunca em nós mesmos. Não é assim?
123
Um escritor anônimo uma vez descreveu "a presunção como uma doença estranha.
Deixa muitas pessoas doentes, exceto a pessoa que dela padece".
Então, estamos mais sábios em relação à Sabedoria depois de termos ouvido esta
palestra?
Concluindo, escutemos algo da antiga Sabedoria chinesa de Lao Tzé no Guia Clássico
para a Liderança, Influência e Excelência - o Tao do Poder - o Tao Te King - traduzido por R.
L. Wing:
O CAMINHO EVOLUÍDO
E finalmente - duas das mais famosas linhas de Lao Tzé sobre "Obtendo a Unidade":
124
VIRTUDE, O PORTAL DA SABEDORIA
Pedro Oliveira (Índia)
As religiões do mundo têm mostrado que um preço deve ser pago para que se alcance
125
a verdadeira Sabedoria. E este consiste num modo de vida que esteja completamente
impregnado pela virtude. Mas aqui, mais uma vez, o peso morto da tradição e as
interpretações mecânicas retrataram a vida virtuosa como uma forma de aderência a
códigos externos de conduta. Assim, uma pergunta importante a ser feita é: "O que é
virtude?" Plotino disse que "a virtude é algo inerente à alma", o que significa que ela é uma
qualidade intrínseca que existe na consciência em seu estado natural. É somente através
do processo da experiência que a consciência é alienada de sua própria natureza pura
porque ela é projetada para o exterior. Ela se torna identificada com coisas outras que não
são ela própria e, portanto, perde aquela claridade e insight que são uma parte essencial
da virtude. A palavra sânscrita dharma, que possui múltiplos significados, denota não
apenas retidão ou lei mas também a natureza essencial de um ser ou coisa, o que mais
uma vez mostra que a integridade e a excelência moral devem ser encontradas dentro de
nós.
Santo Agostinho definiu virtude como "amor retamente ordenado" o que parece
implicar que, ao depender de nossos caprichos e interesse pessoal, o amor nunca gera
virtude. Para muitas pessoas os relacionamentos são meramente oportunidades para se
extrair vantagens. Elas quase nunca estão dispostas a escutar o ponto de vista do outro, a
mostrar boa vontade ou afeição, mas apenas mantêm aquele relacionamento enquanto
puderem obter dele algum benefício. Por outro lado, se há a reta atitude interior, todos os
relacionamentos tornam-se oportunidades de serviço. Uma pessoa virtuosa é aquela que
compreende profundamente que a vida é dar e não procurar sempre obter coisas para si.
O que é usualmente chamado de amor humano é basicamente um acordo inconsciente
baseado no dar e receber, o que significa manter um relacionamento enquanto a outra
pessoa está dando algo, quer seja na forma de afeto, prazer ou atenção. Mas a visão de
Agostinho sobre a virtude deixa claro que o verdadeiro amor deve surgir de uma condição
de ordem interior, a qual parece indicar um estado em que se está livre do interesse
pessoal em suas múltiplas formas.
Platão, em seu diálogo chamado Protágoras, faz uma afirmação sobre a virtude que
merece profunda reflexão em todas as suas implicações. Ele diz que "a virtude não pode
ser ensinada", o que significa que, embora possamos nos beneficiar com o exemplo de
nobres personagens, temos de chegar a virtude por nós mesmos. Uma das causas do
declínio da vida religiosa em muitas culturas é que as pessoas colocaram suas esperanças
de redenção espiritual em agentes externos tais como sacerdotes, Escrituras e rituais. Mas
quando olhamos para o ensinamento central das religiões do mundo não podemos deixar
de perceber que todas elas deixam bem claro que temos de conquistar nossa salvação com
diligência. A erva daninha do egoísmo, que lançou suas raízes profundamente dentro da
consciência humana, tem de ser arrancada por nossos próprios esforços. Escrituras,
instrutores e rituais podem proporcionar indicações de um propósito mais profundo na
vida, podem apontar uma Senda de transformação, mas nenhum deles pode trilhar a
Senda por nós.
De acordo com Platão, o verdadeiro conhecimento é um processo de recordação, o
que significa que a fonte da compreensão espiritual está profundamente oculta em nós.
Cegos pela ignorância, perseguimos afoitamente todas as formas de experiências,
126
sensações e conhecimento fragmentado. Mas o conhecimento que é realmente necessário
para transformar nossas vidas, para fazer com que o Espírito incriado brilhe em toda a sua
glória, já está dentro de nós. Portanto a questão importante é: como podemos encarar as
experiências e usá-las como um processo de modo a aprender mais acerca de nós mesmos?
Em primeiro lugar, deve haver uma clara compreensão de que podemos aprender com a
vida. Podemos começar a discernir entre o que é transitório, efêmero e aquilo que é de
valor perene. O verdadeiro discernimento é certamente o começo do movimento em
direção ao conhecimento autêntico. O resultado natural do discernimento é equanimidade
e contentamento. Ao invés de sermos controlados pelas situações, se há essa condição de
equilíbrio interior, não importa qual a situação na qual estejamos envolvidos, poderemos
exercer claridade, reto julgamento e resposta sensata.
O contentamento é a descoberta de um sentido de ordem e equilíbrio dentro de nós
de forma que não se é perturbado nem pelos eventos externos nem pela agitação interna.
Ele resulta naturalmente de uma compreensão de que, na vida, a lei é oniabarcante; o que
quer que nos aconteça assim o faz como uma operação da lei oniabrangente que é
suprema harmonia. Assim, se a mente compreende, mesmo que parcialmente, a natureza
do verdadeiro contentamento, ela não se abalará ou perderá seu equilíbrio. Ela deixará que
a lei siga seu próprio curso.
Uma outra virtude fundamental é a humildade. Ela é considerada uma virtude
essencial, a base da qual surgem todas as outras virtudes. Ela significa ausência de
autopresunção, que é pretender possuir um conhecimento que realmente não possuímos.
Também significa deslocar o centro de importância de nós mesmos para a vida ao nosso
redor, reconhecendo como já dissemos, que estamos aqui para aprender, mas aprender
corno ser útil aos outros, como prestar serviço significativo àqueles que encontramos. A
humildade implica contínua vigilância sobre nossos motivos pois o eu pessoal é uma
criatura traiçoeira e pode frequentemente nos levar a uma certa ação que é
aparentemente boa mas que, num exame mais detido, revela a existência do desejo
dissimulado de auto-engrandecimento. A verdadeira humildade é um elemento importante
no autoconhecimento, pois ela traz simplicidade e pureza à mente e, portanto, abre o
caminho para a manifestação daquela consciência que, em sua plenitude e harmonia,
revela-se como a própria base do nosso ser.
Quando as pessoas veem o mundo e sua dor, pobreza e violência estarrecedoras, a
reação comum é a noção de que uma mudança tem de ocorrer, mas, ao mesmo tempo,
sentem-se impotentes para efetuar tal mudança, pois os problemas parecem ser enormes,
quase infinitos e complexos. Aqueles que são realmente grandes nunca se permitem deter-
se em tais situações e dúvidas autocriadas pelo simples fato de que foram capazes de
comungar profundamente com a dor do mundo, porque foram capazes de fazer cessar suas
misérias e carências pessoais. Ao se tornarem livres delas através de sua própria
inteligência espiritual, eles foram capazes de reunir coragem suficiente para manifestar em
suas vidas uma tremenda claridade e determinação que tocou milhares.
Há, no mundo de hoje, grupos e indivíduos que acreditam firmemente termos
ingressado numa nova era, que coisas extraordinárias vão ocorrer e que a humanidade
como um todo dará um passo significativo em sua Jornada evolutiva, mas o mundo fornece
127
ampla evidência de que a brutalidade, a ação bárbara e as divisões nacionalistas são ainda
a ordem do dia. A essência da compreensão teosófica referente à ética é resumida no
princípio da auto-responsabilidade. Ninguém pode nos dar força, ninguém pode nos
conceder Sabedoria. É uma lei fundamental da existência humana a de que devemos
caminhar com nossos próprios pés, devemos ver com nossos próprios olhos. O progresso
real para os seres humanos começa a ser compreendido pelo que a virtude é.
George Grimm em seu livro A Doutrina do Buda diz:
"Sem virtude não há concentração real e por isso também não há a visão
penetrante e completa de nossa personalidade como anatta (irrealidade do
eu). Mas a meditação concentrada, isto é inteiramente objetiva, diretamente
perceptiva dos constituintes desta nossa personalidade somente é possível
quando a cognição não é mais perturbada por convulsões passionais de
nenhum tipo, quando as tempestades do querer pessoal que a obscurecem
foram acalmadas ou quando. como diz o Buda, "os movimentos corporais,
mentais e vocais mais grosseiros foram abrandados"; em suma, quando a
mente se tornou purificada de toda perturbação. E esta mesma pureza é o
resultado da moralidade: "Como então, amigo, é a Santa Vida vivida sob a
orientação do Abençoado em nome da pureza de conduta?" - "Não é por isso,
amigo... Mas a pureza de conduta leva à pureza da mente; a pureza da mente
à compreensão purificada; a compreensão purificada ao conhecimento
purificado, o conhecimento purificado à convicção purificada".
"Os homens não podem ser todos ocultistas, mas eles podem todos ser
teosofistas. Muitos dos que nunca ouviram falar da Sociedade são teosofistas
sem o saber; pois a essência da Teosofia é a perfeita harmonização do divino
com o humano no homem, o ajuste de suas qualidades e aspirações divinas, e
seu domínio sobre as paixões terrestres ou animais nele. Amabilidade,
ausência de todo mau sentimento ou egoísmo, caridade, boa vontade para
com todos os seres e perfeita justiça para com os outros bem como para
consigo mesmo são suas principais características. Aquele que ensina Teosofia
prega o evangelho da boa vontade; e o contrário disto também é verdadeiro -
aquele que prega o evangelho da boa vontade ensina Teosofia".
Portanto, aquele que estuda Teosofia num sentido real, não alimentará ideias
fantásticas, não acreditará em nenhuma forma de mudança supernatural e rápida na
humanidade causada por um agente externo. Por outro lado, ele consagrará sua vida,
energia, tempo e esforço se colocar em prática a ética sublime contida no Ensinamento-
Sabedoria, pois um verdadeiro estudo do ensinamento teosófico não pode falhar em nos
128
revelar o fato de que a encarnação humana é uma oportunidade preciosa bem como uma
tremenda responsabilidade.
Em A Voz do Silêncio é exposto o ensinamento teosófico central relativo à virtude - a
Senda Paramita, a Senda das virtudes transcendentais. Através de seu estudo podemos
ver claramente como uma vida virtuosa conduz naturalmente à Sabedoria. Quando
colocados em prática, esses preceitos podem nos transportar a uma nova dimensão em
nós mesmos, a uma compreensão dos segredos internos da vida como também ajudar a
cumprir o destino evolutivo da humanidade.
O primeiro passo na Senda Paramita é dana ou caridade, a qual enfatiza a
necessidade de nos doarmos completamente e sem reservas. O segundo é shila, viver
harmonioso, aproximando-se de cada contato e relacionamento de forma reta e sem
nenhum pensamento de recompensa, pois é a constante preocupação e desejo de
resultados que corrompem a mente.
O próximo passo é kshanti, paciência, a ser exercida em todas as circunstâncias, que
revela uma profunda fé na ordem intrínseca de todas as coisas. Segue-se viraga,
indiferença ao prazer e a dor bem como a percepção do elemento verdadeiro em tudo. A
presença desta qualidade na mente humana pode ser um dos segredos para se obter
energia espiritual, uma vez que todas as formas de apego consomem muito de nosso
poder mental.
A Senda prossegue com virya, "a intrépida energia que abre o seu caminho para a
verdade suprema, erguendo-se acima das mentiras terrenas". Ninguém pode trilhar a
Senda sem energia, mas de um ponto de vista espiritual a energia surge da reta visão e da
reta compreensão.
Quando a vida foi assim harmonizada, profundamente impregnada com amor, o doar
inegoísta e a indiferença ao que é ilusório, então há o próximo passo: dhyana, verdadeira
meditação, o abandono de tudo aquilo que foi acumulado, o que nos permite aproximar-
nos da vida em sua glória imaculada. É também silêncio. Jalaluddin Rumi descreveu de
forma bela a necessidade de silêncio na vida espiritual:
O última passo é Prajna, a Sabedoria que recria o homem com um filho de Deus, uma
força benéfica na Natureza, de forma que sua vida é totalmente empregada no
cumprimento da Vontade que está por detrás do plano evolutivo, que é o supremo bem de
todos os seres.
Não há dúvida de que este sublime ideal pode parecer muito difícil de ser alcançado
129
pelos diversos buscadores, mas ele representa a verdadeira meta da vida humana. Numa
afirmação extraordinária em A Doutrina Secreta H. P. B. disse que "tudo na Natureza tende
a tornar-se homem , o que parece indicar que o ser humano sintetiza em si a história
evolutiva deste globo e é, ao mesmo tempo, a porta através da qual os esplendores do
Espírito podem florescer em plena liberdade.
A singularidade da Teosofia está no fato de que ela provê diretrizes muito claras para
empreendermos a jornada de transformação interior, e ao avançarmos ao longo desta
Senda, estaremos prestado à humanidade o maior de todos os serviços. E aqueles que
vivem a vida que é um resultado natural de um sério e profundo estudo e compreensão
teosóficos finalmente alcançarão a Sabedoria e preencherão o mundo com sua fragrância,
que é compaixão, amor e eterna beleza.
130
TEOSOFIA E CIÊNCIA MODERNA
Eduardo Weaver (Brasil)
Quando lemos a Doutrina Secreta, constatamos a importância que Blavatsky dava para
a ciência de sua época. Ao longo de A Doutrina Secreta existem várias seções dedicadas aos
contrastes entre Teosofia e Ciência. Hoje, muitos dos seus comentários já se tomaram
anacrônicos em função da enorme mudança por que passaram os conceitos científicos
desde o século passado. No entanto, a essência de suas ideias é ainda um desafio para
nossas mentes e pode nos conduzir a novas alturas na compreensão das leis que governam
nosso mundo.
Há indicações de que os conceitos de Blavatsky influenciaram muitos cientistas de
renome. Diz-se, por exemplo, que Einstein foi bastante influenciado por Blavatsky. Suas
noções sobre o espaço têm muito em comum com os ensinamentos apresentados em A
Doutrina Secreta.
Einstein postulava que as propriedades do espaço eram determinadas pela matéria
nele contida. Além disso, o espaço era considerado por ele como idêntico ao Universo. De
acordo com a Teoria da Relatividade, o espaço não é tridimensional e o tempo não é uma
entidade separada. Ambos estão intimamente conectados e formam o que Einstein
chamava de um continuum. Se agora fizermos uma citação do que H. P. B. dizia sobre o
espaço, referindo-se a um Velho Catecismo, observamos muito em comum: "O que é que
sempre foi? - O Espaço... O que é que está sempre indo e vindo - O Grande Alento... Aquilo
que sempre é, é uno, aquilo que sempre foi é uno, aquilo que está sempre sendo e vindo à
existência é também uno; e isso é o Espaço... O Uno é um círculo que não é fragmentado e
não possui circunferência (uma excelente descrição do conceito de espaço curvo de
Einstein). "Ele procede de fora para dentro, quando está em toda parte, e de dentro para
fora, quando não está em parte alguma. Ele se expande e se contrai. Quando ele se
expande, a Mãe se difunde e se espalha; quando ele se contrai a Mãe se recolhe e se volta
para dentro".
Este trecho aponta não apenas para o conceito de espaço como um todo, mas mostra
que o espaço não é uma entidade independente de seu conteúdo. Muito pelo contrário, ele
não tem limites, e contrai-se e expande-se à medida que a matéria (a Mãe) desabrocha ou
se recolhe. Está clara também a noção de que o espaço é uno com a vida. O Grande Alento
é um símbolo da vida e do movimento numa escala cósmica. O espaço, portanto, é eterno e
permanece como uma realidade (embora num nível subjetivo) mesmo quando toda a
matéria desaparecer no nada (em um super buraco negro, por exemplo). Ele ressurge como
uma realidade objetiva quando o Universo se expande e a matéria brota. Conceitos
científicos estão nos ajudando a entender os postulados ocultos de Blavatsky. A Ciência
passou a lidar com abstrações, com o intangível, aproximando-se da visão teosófica.
Este Universo dinâmico descrito por H. P. B. e pelos sábios antigos está muito próximo
das teorias científicas mais modernas. Embora Einstein tenha demonstrado uma certa
relutância em aceitar inicialmente a ideia de um Universo em expansão, depois que Hubble,
131
em 1929, descobriu o efeito do deslocamento para o vermelho no espectro de estrelas
distantes, toda a comunidade científica passou a concordar que esta expansão era um fato.
Hoje as teorias do Big Bang e dos Buracos Negros são muito bem aceitas, e dão um
fundamento científico para os ensinamentos ocultos de um Universo vivo em expansão e
contração.
A expansão do Universo e a teoria do Big Bang dispõem hoje de bastante apoio
experimental, mas ainda não há atualmente prova de que esta expansão vai parar em
algum ponto e o Universo começará a se contrair. Apesar do fato de que a maioria dos
cientistas prefere conceber um Universo pulsante em vez de um Universo para sempre se
expandindo e se resfriando até a sua extinção, existe um problema perturbador que desafia
os astrofísicos. Para que seja possível reter a expansão do Universo, é necessário que haja
matéria suficiente nele de modo a criar um campo gravitacional poderoso o suficiente para
forçar o Universo a uma parada. No momento, a densidade média de matéria visível no
Universo é menos de 2 por cento do que seria necessário para reverter o processo de
expansão. Chega-se à conclusão de que ele só começará a se contrair se sua massa total for
feita em grande parte de algo diferente da matéria "visível".
O Dr. Ralph Hannon, em um artigo publicado no Theosophical Research Journal, em
1988, sugere que Blavatsky pode nos ter dado uma indicação com respeito à solução deste
problema quando escreveu:
132
Sabemos que a faixa da luz visível é uma pequena janela dentro do vasto espectro
eletromagnético. A cada momento estamos sujeitos a todo tipo de radiações, incluindo
ondas de rádio, raios-X, raios gama etc. Estas ondas estão lá, mas não somos capazes de
percebê-las. É razoável dar mais um passo e imaginar que o mundo que experimentamos
sensorialmente é também uno com uma série de mundos entrelaçados, além do alcance de
nossa percepção.
Blavatsky também afirmou em A D. S. que a matéria é eterna. "Portanto, o esoterista
mantém que não há matéria inorgânica ou 'morta' na Natureza". Esta noção contrasta com
o paradigma clássico, que prevaleceu até o início do século atual, segundo o qual a matéria
era composta de átomos indivisíveis, os quais eram considerados como pequenos tijolos
estacionários. O tempo provou que H. P. B. estava certa, e uma nova Física nasceu. Agora se
pode dizer que vida e inteligência estão presentes na matéria. As leis cegas da Natureza
foram substituídas pela noção de um Universo orgânico e dinâmico.
As implicações desta nova visão de mundo são fantásticas. Cientistas como Einstein,
Heisenberg, Max Planck e David Bohm balançaram o solo sobre o qual a Física clássica
estava apoiada. Hoje a maior parte dos cientistas acredita que partículas são uma
abstração, e que na realidade não existem, possuindo apenas uma probabilidade de
existirem. Os modelos quantum-relativísticos do Universo estão conduzindo a conceitos
que há alguns anos atrás seriam tidos como heréticos. A Física Quântica postula que um
elétron, movendo-se em uma determinada órbita, pode subitamente se desmaterializar e,
com a mesma rapidez, reaparecer em outro lugar. Esta teoria mostra que as partículas
subatômicas comportam-se de forma muito mais parecida com ondas do que com
entidades pontuais. A matéria pode ser vista como resultante de flutuações em um vasto
oceano de energia que chamamos de espaço. Quando vamos à essência da matéria, ao
invés de encontrarmos um mundo sólido, descobrimos apenas ondas em movimento. A
linha que divide a Física da metafísica não mais está clara. Os cientistas estão começando a
aprender a especular livremente. Eles alcançaram um ponto onde a experimentação no
sentido clássico não mais é possível, a não ser que as limitações impostas pelos sentidos
físicos sejam transcendidas.
Esta situação está bem retratada em uma história bem conhecida de dois cientistas
que estavam olhando para equações matemáticas no quadro-negro. Um deles disse para o
outro: "O mais deprimente é perceber que em tudo que acreditamos será provado falso
em poucos anos".
Entre todas as teorias que surgiram baseadas na nova visão quantum-relativística, a
teoria holográfica, desenvolvida principalmente pelo neurofisiologista Karl Pribram e pelo
físico David Bohm, trouxe uma contribuição substancial para o conhecimento do homem e
do Universo. Baseados em vários experimentos e principalmente na intuição, estes dois
respeitados cientistas trabalhando de forma independente chegaram à conclusão de que o
Universo se comporta como um holograma. Isto significa dizer que nosso mundo e tudo
nele contido - desde grãos de areia até estrelas gigantes e elétrons em revolução - é apenas
um conjunto de imagens fantasmagóricas, projetadas de um nível de realidade muito além
da nossa, além do espaço e do tempo.
Um holograma, como a maior parte de nós sabe, é produzido quando um único feixe
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de luz laser é dividido em dois feixes separados. O primeiro feixe incide no objeto a ser
fotografado e é refletido por ele. O segundo feixe colide com o raio refletido do primeiro
feixe. Quando isso ocorre, eles criam um padrão de interferência que é, então, registrado
em um pedaço de filme. Para o olho nu a imagem no filme não parece de maneira
nenhuma com o objeto fotografado. Mas logo que um outro raio laser é projetado através
do filme, uma imagem tridimensional do objeto reaparece.
A tridimensionalidade não é o único aspecto notável de um holograma. Se um filme
holográfico que contém uma imagem de uma pessoa é cortado em dois e então iluminado
por um laser, pode-se verificar que cada metade ainda contém a imagem inteira da pessoa!
Se as metades são divididas repetidamente, a imagem inteira da pessoa pode ainda ser
reproduzida a partir de cada porção do filme. À medida que a porção do filme fica menor,
há uma perda de resolução (as imagens tornam-se menos detalhadas e sua clareza fica
prejudicada). Mas, ao contrário das fotografias convencionais, cada parte de um filme
holográfico contém toda a informação gravada no todo.
O que está registrado em um filme holográfico é uma transformada de Fourier do
objeto original. A informação existente no domínio do espaço-tempo é transportada para o
domínio da frequência, onde os objetos são descritos não por suas coordenadas no espaço
tridimensional e por seu ordenamento no tempo, mas são descritos em termos de fase
relativa e espectro de frequência.
De acordo com o modelo holográfico, o Universo é um mar de ondas em movimento.
Este campo vibrante é percebido por nossos sentidos e, de alguma forma, o cérebro
transforma os padrões ondulatórios em imagens tridimensionais que são projetadas para o
exterior, criando a ilusão da existência de uma realidade concreta em torno de nós. A
mente tem a habilidade de criar imagens que parecem muito reais, mesmo quando os
olhos estão fechados. Quando sonhamos, estamos também projetando imagens que não
são baseadas em qualquer percepção sensorial, mas que nos parecem extremamente reais.
Isto é exatamente o que Blavatsky tentava expressar quando disse:
"O Universo com tudo nele contido é Maya, porque tudo nele é
temporário, desde a vida efêmera de um vaga-lume à do Sol. Quando
comparado com a eterna imutabilidade do Uno, e a invariabilidade deste
princípio, o Universo, com suas formas evanescentes e em constante mutação,
deve necessariamente ser na mente de um filósofo nada mais que um fogo-
fátuo. No entanto, o Universo é suficientemente real para os seres
conscientes que nele estão, que são tão irreais como ele próprio".
A verdade só pode ser captada através da experiência direta, à medida que vamos
mais fundo até as camadas internas do nosso ser. A Realidade pode ser compreendida à
medida que tentamos alcançar o númeno por detrás do mundo fenomenal, à medida que
nos voltamos para a ordem implícita que é a origem da ordem explícita, à medida que
vemos a unidade que está por trás da multiplicidade e diversidade do mundo, à medida que
vamos além do 'eu', rompendo as limitações do espaço e do tempo; à medida que sentimos
que toda a célula em nosso corpo abarca o Cosmos inteiro.
Este é o significado do famoso poema de William Blake:
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VIDA MEDITATIVA
Radha Burnier (Índia)
Assim como este Congresso está chegando ao seu final, há um novo começo que surge.
A luz da Teosofia deve brilhar mais ardentemente em todos os países em que está
representada; em todas as partes deve nascer um novo espírito de Fraternidade, em um
nível mais profundo, nossa busca pela Verdade deve ser a mais inegoísta e sincera possível.
O mundo está cheio de sofrimento. Violência, pobreza e desnutrição, drogas, solidão,
lares destruídos, assaltos a mulheres e crianças, torturas de prisioneiros, e outras formas de
sofrimento existem em todo o mundo. Milhões de animais são criados em condições
atrozes para a realização de experiências em laboratórios. Tudo isso é produto colateral de
um grande sofrimento, da falta de Sabedoria na mente humana. As trevas espirituais que
envolvem o mundo nas suas grandes tristezas.
Somos hoje cerca de 35.000 membros em todo o planeta; o que estamos fazendo para
criar um mundo diferente? Quantos de nós somos verdadeiros teosofistas? O mundo
rapidamente se modificaria se assim o fôssemos, pois não há poder maior do que a
Sabedoria. É importante considerar porque fracassamos em tornar-nos teosofistas,
segundo a definição de H. P. B. em sua obra Ocultismo Prático. Ela diz:
Creio que para nos convertermos em verdadeiros teosofistas temos que prestar
profunda atenção à condição humana. Estamos conscientes do caos, da tristeza e do
conflito no mundo, mas apenas superficialmente. Isso não é suficiente. É necessário
entregar nossos corações às necessidades da humanidade, sentir as suas dores. Antes de
sua iluminação, se diz que o Senhor Buda viveu em um palácio magnífico, com todos os
tipos de coisas agradáveis ao seu redor. Mas o clamor da humanidade o comoveu, e fez
com que ele abandonasse tudo em busca do caminho de libertação do sofrimento. Isso
simboliza o que deve acontecer a todo ser humano. Todo aquele que se sente afetado pelo
sofrimento, tende a buscar a Sabedoria e a tentar descobrir a resposta permanente para a
dor do mundo.
Nesta era de pressa, de inquietude e de prazer, é fácil perder a capacidade de ser
reflexivo. Um grande número de pessoas dizem que desejam meditar, mas estes desejos
são frequentemente pessoais. É o desejo de possuir uma nova habilidade, para uma maior
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satisfação que o mundo não pode oferecer. Mas, poderia ser mais importante, em uma era
de pressões, ir mais lentamente, pensar e sentir mais profundamente. Uma forma de vida
meditativa seria muito mais útil em direção à Sabedoria assim como aprender a prestar
serviços àqueles que sofrem, em lugar de uma meditação, de alguns minutos do dia, apesar
de que ela tenha alguma utilidade.
A Teosofia não pode ser assimilada sem que se viva de uma forma meditativa, porque
o simples conhecimento de fatos não se converte em compreensão, mesmo que seja nos
campos da Ciência, Política, Economia ou outros. O significado dos fatos deve ser
assimilado para que surja a compreensão. De modo similar, a experiência por si mesma não
torna a pessoa sábia. Pode ajudá-la a adquirir Sabedoria mundana, mas não compreensão
espiritual. Hoje em dia há uma busca muito grande de experiências de todo os tipos,
incluindo as transcendentais. As pessoas têm ânsias por sensações, viagens, ideias novas,
mais livros, estados alterados de consciência etc. Estas experiências deixam a maioria das
pessoas como elas são; e até mesmo podem deteriorá-las, de alguma maneira. Somente
quando a experiência é assimilada de forma correta, há crescimento em relação à
Sabedoria.
A assimilação é uma das funções da Natureza. Uma pessoa só pode comer uma certa
quantidade de cada vez, após o que, o alimento é absorvido pela corrente sanguínea. De
modo similar, depois de algumas experiências e atividades durante o dia, o sono é
necessário para por "ordem nas experiências", como diz Krishnamurti. A morte também é
um período belo de suspensão das experiências externas, proporcionando a oportunidade
de absorver o que aconteceu durante o período de vida física. Vivendo uma vida
meditativa, é possível assimilar experiências sem esperar morrer ou dormir.
A forma meditativa requer pausas na atividade e exige reflexão tranquila. Várias vezes,
na obra Luz no Caminho, há instruções neste sentido. Diz-se: "Estas regras foram escritas
para todos os discípulos: Ponha atenção nelas". Alguém pode perguntar: Leria eu este livro
se não quisesse prestar atenção? Talvez não façamos como se deveria. Talvez não
escutemos com uma mente tranquila o que o instrutor diz; não permitamos que os
ensinamentos se aprofundem em nossos corações. "A mente pode reconhecer a verdade,
mas o espírito não pode recebê-la". Algumas vezes se repete o conselho: "não a deixe
escapar", "reflita sobre ela"; "faça uma pausa e considere isto durante um tempo".
Podemos fazer o mesmo com relação as verdades da Teosofia? Devemos buscar e escutar
com um coração aberto e atento para compreender o que é essencial e aprender em
plenitude. Quando a mente é capaz de penetrar no coração de todas as coisas, desperta-se
para novas verdades, indicadas por Tennyson, em seu poema:
Pode ser que, na medida em que se observe com admiração e reverência, com
abertura necessária para ver, a vida seja portadora de um sublime significado, que não
ocorre quando nós ansiamos por obter este significado, contentamento ou algo mais. Olhar
para um ser humano, uma planta, um pássaro ou o que quer que seja, de maneira
meditativa e contemplativa, cria condições para perceber a verdade oculta e saber que a
vida é alegria. James Joyce disse:
"Como você sabe que cada pássaro que cruza os caminhos aéreos é um
imenso mundo de prazer, limitado por seus cinco sentidos?"
Neste grande fluxo da vida há, a todo momento e em cada lugar, um florescimento, um
desabrochar de um esplendor oculto, que normalmente nós não percebemos. Hoje em dia
temos a oportunidade de ver o movimento das ações em câmara lenta, vemos um botão
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desabrochar-se em flor. Normalmente só percebemos o esplendor no último momento,
quando o produto está pronto, na flor, mas a câmara lenta mostra a beleza extraordinária
que se revela em cada ponto, em cada estágio. Isso está acontecendo à nossa volta, mas
nós não percebemos este movimento de beleza. Quando a consciência humana flui,
desobstruída em relação às ideias, sem o tumulto da memória e coisas do gênero, pode
ocorrer a percepção de que cada e todo átomo na vida está fluindo em direção a um novo
estado de perfeição e percepção.
Se a consciência está embotada, vê inércia em qualquer lugar. Este embotamento
interior faz com que o cérebro imagine que não há vida, mesmo que esta esteja
radiantemente ascendendo a novos níveis de perfeição, a cada momento. Assim, o que tem
vida parece sem vida. Os antigos videntes não falavam da presença ou da ausência de vida,
mas apenas de móveis ou imóveis, porque todas as coisas são cheias de vida aos olhos
destes videntes iluminados. A inteligência universal, o amor onipresente se revelam, em
qualquer ponto do Universo, para uma mente que é serena e clara. Então esta aprende e se
modifica. Aprender é modificar-se e as relações se tornam muito diferentes quando a
beleza e o significado iluminam a mente.
Na relação correta há uma harmônica e mútua ação, que ajuda o desabrochar da
consciência para um estado de maior liberdade e perfeição. Será correto colocar pássaros
em gaiolas? Não. Porque um pássaro cumpre a sua missão de vida através de voar, mover-
se no espaço. A sua evolução está nesta experiência. Quando as pessoas colocam os
animais em cativeiro, os usam em circos de diversões, os estimulam ou amedrontam,
através de ações tolas, como forma de diversão, não compreendem o movimento da vida.
Os teosofistas deveriam se perguntar: É correto mutilar as plantas, preparando árvores em
miniatura, árvores Bonzai? Será que cada árvore não tem o seu desenvolvimento
específico, o seu desabrochar na evolução? Qual deveria ser a nossa atitude em relação às
pessoas que parecem ser menos evoluídas ou capazes? Será que não deveríamos ajudar
estas consciências a se desenvolverem em vez demonstrar intolerância ou impaciência? Luz
no Caminho coloca:
"Tem presente - ó discípulo! - que, por grande que seja o abismo que
existe entre o homem virtuoso e o pecador, é ainda maior entre o homem
virtuoso e aquele que obteve o conhecimento; e que é incomensurável entre o
homem virtuoso e aquele que se acha nos umbrais da divindade. Portanto,
guarda-te de imaginar, antes do tempo, que és alguma coisa distinta da
massa."
Não é nossa tarefa reformar outras pessoas, porque não sabemos como a divindade
interior de cada um, o ser interno, desenvolverá a sua própria beleza extraordinária. Vamos
ouvir o que disse Annie Besant:
Realizar a unidade da vida, praticar a Fraternidade universal significa tudo isso e muito
mais. Significa, por exemplo, não se sentir ferido ou ferir. Uma mente reflexiva e meditativa
perguntaria: Quem está ferindo a quem? Se há unidade, não há outro para ferir. Desta
maneira aquele que contempla varre do seu coração os sentimento de mágoa, orgulho,
desejo de posses, querer brilhar. Quem são os outros ante os quais queremos parecer
inteligentes, que achamos que podemos ensinar?
Se nós queremos tornar o mundo mais nobre, não é suficiente ler, falar, teorizar; é
extremamente importante fazermos uma pausa, deter-nos, olhar, sermos reflexivos,
assimilar o significado, a beleza e a verdade. Em outras palavras, aprendermos a ser
meditativos.
Como dissemos, se vemos um lindo pôr do Sol, o que devemos fazer? Nada. Somente
abrir-nos para a maravilha deste momento. Ou seja, - o que temos que fazer na vida - é
aprender a contemplar e a maravilhar-se, porque não há nada a ser atingido. Para aquele
que percebe isto a vida se torna muito simples. Ele pode dizer com Jesus; "Meu jugo é fácil
e a minha carga é leve". Nós temos demasiados alvos, demasiados objetivos para realizar. E
o resultado disto é uma desordem. Se déssemos mais atenção para que pudéssemos
compreender a grande maravilha que é a vida, em todas as suas complexidades,
profundidades, beleza e pureza, não haveria nada que pudesse nos tornar frustrados,
nenhuma razão para conflito. Sejamos todos então mensageiros da Paz e da Verdade e de
uma nova maneira de viver, que não é nenhuma conquista, mas é compreensão. Possa o
mundo todo ser abençoado através do trabalho dos verdadeiros teosofistas.
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