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ANAIS DO 8° CONGRESSO MUNDIAL DA SOCIEDADE TEOSÓFICA

RUMO A UMA MENTE SABIA


E UMA SOCIEDADE NOBRE

EDITORA TEOSÓFICA

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RUMO A UMA MENTE SÁBIA E UMA SOCIEDADE NOBRE
Anais do VIII Congresso Mundial da Sociedade Teosófica

Capa: Fernando Lopes e Francisco Amaral


Editoração/Diagramação: Marcelo Tutida,
João Batista Martins da Silva
Equipe de Tradução: Pedro Oliveira,
Ísis Resende, Alfredo Puig e Margrit de Marez Oyenz
Equipe de Revisão: Ísis Resende, Alfredo Puig,
Regina V. Ruzzante e Zeneida Cereja da Silva

SUMÁRIO

Prefácio 004
Rumo a uma mente sábia e uma sociedade nobre 006
Este momento crucial 012
A sabedoria da mente 017
Conhecimento e sabedoria – I 021
Conhecimento e sabedoria – II 025
Conhecimento e sabedoria – III 028
Correta aspiração 031
“Noblesse Oblige” 035
Despertando para o relacionamento e para a responsabilidade 040
Inteligência, a base para o reto viver 048
Uma sociedade nobre: de Platão a Krishnamurti 054
O caminho para a sabedoria - I 061
O caminho para a sabedoria – II 065
O caminho para a sabedoria - III 068
A natureza extraordinária da mente comum 071
Alguns passos em direção a uma mente sábia e uma sociedade nobre 080
A construção de uma sociedade nobre - I 087
A construção de uma sociedade nobre - II 092
A criação de uma sociedade nobre 096
Uma visão teosófica do meio ambiente 099
Estendendo a mão do companheirismo 109
O que é sabedoria? 116
Virtude, o portal da sabedoria 125
Teosofia e ciência moderna 131
Vida meditativa 136

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PREFÁCIO
É enorme a satisfação e a honra de apresentar esta obra, esta coletânea de palestras
proferidas no VIII Congresso Mundial da Sociedade Teosófica, que ocorreu de 24 a 31 de julho de
1993, no Centro de Convenções em Brasília, cidade onde a Sociedade Teosófica no Brasil, e a
Federação Teosófica Interamericana têm sua atual sede.
Este Congresso teve por tema básico o título deste livro: Rumo a uma Mente Sábia e uma
Sociedade Nobre. O mundo atualmente passa por situações muito difíceis, de grande sofrimento e
grande injustiça social. Várias correntes filosóficas buscam encontrar respostas para resolver estes
problemas atuais. Os movimentos de caráter filosófico-espiritual, quando se deparam com os
problemas do mundo, tendem a uma atuação assistencialista, que podem no máximo ajudar
momentaneamente. A Sociedade Teosófica também é um movimento de caráter filosófico-
espiritual, um movimento internacional, ativo em mais de 50 países do mundo, com sua sede
mundial localizada na cidade de Madras, Índia e tem como seu primeiro objetivo a realização
prática da Fraternidade Universal, o que necessariamente implica uma preocupação com a
felicidade humana e com o tipo de relações que se estabelecem na sociedade como um todo.
Porém o tipo de contribuição que a Sociedade Teosófica procura apresentar aos problemas
mundiais não é de caráter assistencialista, embora respeite, dê o seu aplauso e incentivo para que
seus membros desenvolvam este tipo de trabalho, mas sim de um caráter de investigação que
procura compreender ás raízes dos problemas, propiciando uma mudança através da
transformação de cada um de nós. Esta transformação termina, necessariamente, sendo um fator
de transformação social. Os sofrimentos do mundo estão muito relacionados com uma escolha
inadequada de prioridades, com valores que permitem que absurdos ainda existam no limiar do
terceiro milênio e com a falta de sensibilidade à dor humana. A escolha deste tema para um
Congresso Mundial reflete a preocupação com estes problemas sociais e foi uma tentativa de
desencadear mundialmente uma reflexão a este respeito, em todos os países nos quais a Sociedade
é ativa. Esta escolha também é um reflexo da compreensão que o estudo espiritual, de uma forma
geral, não deve estar desconectado da vida social e deverá servir efetivamente para ajudar a criar
uma ordem social mais justa, mais nobre. É dado internacionalmente conhecido que as verbas
gastas no mundo com armamentos seriam muito mais do que suficientes para que não houvesse
miséria em todo o planeta. Em todos os países muitas vezes ocorre de verbas públicas serem
desviadas para a obtenção de privilégios pessoais. A informação, especialmente através da mídia, é
utilizada como forma de manipulação da opinião pública. Antigamente, os três fatores
fundamentais de uma sociedade eram terra, capital e trabalho. Hoje, a informação é
considerada um quarto fator, pois quem detém este poder é realmente capaz de atingir as
pessoas, através de veicular informações úteis para um melhor viver, como também de
manipular. O que vai determinar se a informação é utilizada como um fator instrutivo ou
como manipulação é o caráter, o discernimento e a sensibilidade daqueles que detém este
poder. Se as autoridades mundiais que determinam que as verbas sejam utilizadas para a
compra de armamentos e não para saciar a miséria humana tivessem a sensibilidade e o
discernimento necessários para aplicar estas verbas de maneira mais apropriada, não
teríamos grande parte dos problemas que hoje nos defrontamos. Se todas as verbas
públicas fossem utilizadas cumprindo a sua função essencial, que é a de criar melhores
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condições para o povo, sem que parte dela fosse destinada a criar privilégios pessoais, as
condições do mundo seriam outras. A mídia tem utilizado de situações dramáticas, vividas
pelas pessoas, para moldar a mentalidade do povo em relação à aceitação da pena de
morte, o que é um completo desrespeito ao direito à vida, que é sagrado, não deve ser
decidido pelos homens, especialmente quando os grandes crimes que acontecem são
exatamente reflexos da tremenda injustiça social que vivemos e é um completo
desrespeito ao princípio da Fraternidade Universal. A conclusão lógica é que se os homens
que deliberam sobre armas pensassem diferente, se outros tivessem caráter ou se as
distorções ideológicas não fossem propiciadas, o mundo seria outro. A verdadeira mudança
começa no nível das ideias, continua com a efetiva modificação do caráter e termina com o
sentido de responsabilidade em relação ao todo. A transformação do mundo depende da
transformação de cada um de nós, de cada indivíduo que compõe a sociedade. Não
vivemos em uma sociedade nobre porque esta não é composta de indivíduos sábios. Esta
Sabedoria deve ser buscada através de um questionamento profundo, que
necessariamente alterará nossos valores e, se levada adiante, nos transformará. Esta
transformação nos tornará sensíveis aos problemas do mundo, tornando-nos pessoas mais
atuantes na sociedade como um todo, prestando-lhe efetivo serviço, para que as relações
sociais possam se estabelecer em bases mais justas e nobres, onde as pessoas possam ser
mais felizes.
Os textos aqui apresentados representam reflexões individuais sobre este tema,
oriundas de pessoas provenientes das mais diferentes partes do planeta, de diferentes
culturas e vivências.
Que estas reflexões possam nos ajudar a pôr em prática o mais alto ideal da vida, que
é servir, servir ao próximo em suas dificuldades, em suas dores, em seus problemas e
contradições, convertendo-nos em agentes transformadores para um mundo melhor. Paz,
Amor e Sabedoria a todos os seres.

Os Editores

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RUMO A UMA MENTE SÁBIA E UMA SOCIEDADE NOBRE
Radha Burnier (Índia)

Estamos vivendo uma era de grande produtividade. No mundo atual, o progresso se


mede pela capacidade produtiva, isto é, pelo produto nacional bruto, e não pela paz e
felicidade que vivenciam as pessoas. Mas a produtividade, que é o orgulho desta era, é uma
companheira "bondosa" da destruição. De fato, na medida em que se mais produz, a
humanidade mais rapidamente destrói: Quanto maior o número de armas, maior o número
de mortes, quanto maior a produção de produtos químicos, maior os danos ecológicos.
Esta estranha atividade de produzir e destruir avidamente é uma contradição, ou se
preferirem, um absurdo do mundo moderno. Também podemos perguntar: Estamos numa
era da comunicação ou especialização? Os seres humanos se tornam mais poderosos ou
mais desvalidos à medida que seguem o seu destino?
A comunicação também é uma especialidade desta era. Os meios de comunicação
estão cada vez mais sofisticados. Mesmo em lugares remotos de países não desenvolvidos,
encontramos impactos de ideias e de ideologias muito distantes, sejam elas de caráter fútil,
literário ou de utilidade geral. Alcançar milhões de pessoas significa também despertá-los
para o ódio, e condicioná-los a posturas que eles eram totalmente imunes. A comunicação
divide, o que é uma realidade paradóxica. O mundo se encontra terrivelmente dividido
apesar dos milagres da comunicação. Podemos antecipar que no futuro as pessoas não
precisarão encontrar-se em carne e osso, devido a mensagens visuais e auditivas que se
podem transmitir e receber em recintos fechados.
Existe agora um poder terrível nas mãos da humanidade, para destruir-se a si mesma e
ao seu meio ambiente por meios nucleares, químicos e de outras ordens: para invadir a
Natureza e a vida de outras pessoas; e para remodelar os corpos por manipulação genética.
A medida que a competência tecnológica e o conhecimento científico cresçam aumenta
também o poder da humanidade. Mas mesmo com tantos poderes nas mãos, os seres
humanos não são capazes de criar felicidade para si próprios e para outros, de fazer do
mundo um lugar melhor de se viver. O homem carece de Sabedoria para fazer coisas
simples como estar em paz, ou doar o que não precisa, ou aprender o que é um
relacionamento correto. Sabe como fazer exercícios complexos do intelecto, mas não sabe
ser gentil, inocente ou bondoso. Esta incapacidade ou aparente carência de poder surge da
confusão interna. Existem muitas anomalias do indivíduo, como há na sociedade da qual faz
parte. Observemos algumas das mais importantes.
Para a grande maioria das pessoas a vida sensorial - sensações, o prazer de ceder às
suas luxúrias e a busca de comodidades reais e imaginárias, é de importância primordial.
Geralmente se ganha dinheiro com este propósito e as relações são condicionadas para que
possam preencher desejos. Este caráter altamente materialista e consumista da sociedade
moderna é a representação da busca de sensações, conveniências desnecessárias e
confortos. Mas as pessoas, apesar de se identificarem com o corpo e seus desejos, também
gostam de pensar que têm um futuro além do corpo. Elas tem uma insegurança
profundamente arraigada e querem se assegurar de seu futuro voltando-se para algum tipo
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de agente super-humano. Quase ninguém quer deixar de existir depois da morte do corpo
e se tenta desesperadamente prolongar a vida deste. A mente destas pessoas ainda não
tentou resolver se existe para satisfazer às necessidades do corpo ou se as suas vidas têm
um papel espiritual a desempenhar e possibilidades desta natureza.
Paralelamente a esta contradição fundamental há a confusão a respeito do que é a
realidade. Uma bolsa repleta de diamantes altamente valiosos deixa de ser importante
quando o dono está em um barco que vai afundar. Todos os luxos e posses de uma pessoa
deixam de ser importantes quando a respiração está abandonando o corpo. Incidentes que
significaram uma dor muito profunda quando vividos se tornam triviais com o passar do
tempo. Quantas das coisas que acontecem neste mundo são realmente significativas? A
mente continuamente se desvia e confunde-se com a aparência de um significado que não
existe. As esperanças de encontrar significado em um homem ou uma mulher, poder,
posição social são continuamente destruídas. As pessoas estão competindo cega e
aleatoriamente de forma a encontrar um significado para as suas vidas, sem a menor ideia
de onde encontrá-lo.
Assim, tanto o indivíduo, como a sociedade humana como um todo estão sem rumo.
Não é de se admirar que o mundo esteja caótico, seja cruel e infeliz. Esforços gigantescos
estão sendo realizados para produzir aquilo que chamamos de progresso, mas nenhum
pensamento é dedicado à questão de tentar saber o que é o verdadeiro progresso ou se
nós nos conhecemos. Não nos damos ao trabalho de procurar explorar e descobrir o curso
da nossa própria evolução. Nós não percebemos que esta é uma questão crucial para saber
se o progresso pode ser atingido através da produção de mais objetos e diversões ou, se
devemos trabalhar para o florescimento do espírito, da consciência interna. A resposta se
torna convincente apenas para aquele que olha para si próprio, cuidadosa e
profundamente, percebendo o que é o seu ser essencial e o que é o imaginário sentido de
eu.
A humanidade já fez os esforços necessários explorando o externo. Isso produziu uma
expansão do conhecimento. Mas, para alcançar a Sabedoria e construir um relacionamento
mútuo, nobremente estruturado em forma de "sociedade" humana, precisa olhar para
dentro profundamente e descobrir a dimensão na qual não existem contradições e
somente integração e iluminação.
A metodologia da ciência, que teve um sucesso surpreendente na investigação externa,
é necessária para que a busca de si mesmo frutifique. Talvez este seja o propósito da era
científica - dotar a mente com o poder de buscar, sem que se confunda ou se decepcione,
até que chegue a conhecer os fatos como eles são, sem disfarces ou distorções psicológicas
(ou de níveis mais sutis), não somente ao nível físico. Todas as outras conquistas desta era
podem ser consideradas como de menor importância caso se obtenha sucesso em ensinar
aos seres humanos a verdadeiramente investigar e ver.
O lema da Sociedade Teosófica, "Não há religião superior à Verdade" é altamente
científico. O teosofista que o segue é mais cientista do que qualquer cientista, porque
aplica este lema para entender a si próprio, a realidade, mesmo para compreender suas
próprias percepções de uma outra maneira e não apenas para examinar os processos e a
estrutura do mundo material externo. Autoconhecimento é a base da Sabedoria Divina,
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que é Teosofia, e será a salvação da humanidade. Implica em colocar de lado os nossos
próprios preconceitos, sejam os acumulados, bem como aqueles com os quais nós
nascemos e manter a mente aberta.
"Vida limpa, mente aberta, coração puro" são os primeiros degraus para alcançar a
Sabedoria Divina. Uma vida limpa é necessária para que a mente possa permanecer alerta,
tenha a clareza e a sensibilidade necessária para observar o seu mundo interior. Uma vida
de indulgência, drogas e decepções, álcool e excitação, seriamente obstrui a auto-
observação porque o instrumento da observação (corpo e mente) não funciona eficiente-
mente.
Uma mente aberta não tem conclusões prévias sobre a verdade. Nacionalidade, raça,
religião, experiências anteriores, ambição, desejo e muitas outras coisas condicionam a
mente e criam nela uma propensão a desviar-se dos fatos. Então a pessoa olha através das
lentes de sua própria nação, vê a partir de um ângulo que distorce o quadro. Por esta razão
o primeiro objetivo da Sociedade Teosófica é uma indicação que se refere não apenas a
como nos relacionarmos, mas também a como chegar à Verdade. Somente quando todas
as percepções parciais e ideias pertencentes à raça, à religião e daí por diante são
eliminadas da mente é que ela pode realmente ver. Um homem pobre e um rico não veem
as coisas da mesma maneira. O subordinado e o chefe têm pontos de vista contrários. A
visão masculina sobre a vida da mulher é destorcida. Mas quando olhamos a vida, incluindo
a nós mesmos e as nossas relações, não como japoneses ou americanos, indianos ou
muçulmanos, pobres ou ricos, subordinados ou chefes, homens ou mulheres, com uma
visão imparcial, um quadro verdadeiro começa a surgir.
A mente aberta não é somente livre de identificações ofuscantes, mas também é
sensível e portanto, capta o que esta implícito e não meramente as projeções. Pode ver
através da superfície até a natureza oculta da existência. Não toma nada como ponto
pacífico, mas questiona e põe a prova, observa uma e outra vez, como o cientista faz. Isso é
importante no processo de auto-entendimento porque há uma distorção, um cenário
sombreado dentro de nós que devemos transpor até que alcancemos o centro profundo.
A sensação de eu ou "egoidade" é um conjunto de forças extremamente arraigadas e é
a responsável por uma grande variedade de ilusões. Um coração puro implica em limpar a
nossa consciência desta sensação de ser uma entidade separada, cujos desejos são
prioritários em relação aos outros. Um cientista não pode chegar perto da verdade se ele
permite que os seus desejos pessoais, expectativas e esperanças interfiram na sua
pesquisa. Um buscador da Verdade, que é verdadeiramente uma pessoa religiosa, pode
menos ainda deixar que os seus desejos pessoais estejam no caminho da sua busca, sejam
um obstáculo para a sua busca.
A sensação de eu é o maior obstáculo para a Sabedoria e é a fonte de corrupção na
sociedade. É o orgulho, a agressão, a avareza, o isolamento, a pena de si mesmo - uma
espécie de caixa de Pandora da imoralidade. O mundo moderno está, na sua busca de
conhecimento, sem a vontade ou a coragem de se posicionar contra uma maneira de vida
agressiva e ambiciosa, esta é a razão pela qual há tanto sofrimento e crueldade nele.
Madame Blavatsky escreveu a este respeito:

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"Nenhuma elevada Sabedoria descende sobre qualquer pessoa que não
esteja na condição de abandonar cada átomo de egoísmo ou desejo de
benefícios ou propósitos pessoais. A Natureza outorga os seus segredos mais
íntimos e compartilha a verdadeira Sabedoria somente com aqueles que
procuram a Verdade pela Verdade mesma e que anseiam pelo conhecimento
para beneficiar os outros, não a sua pouco importante personalidade."

Mas os benefícios os quais ela refere-se não devem ser identificados com crescimento
econômico ou prosperidade material. Estes são espúrios, coexistem, como podemos
constatar, com muito mal e sofrimento. Os reais benefícios estão no nível moral e
espiritual: são o crescimento da bondade, da paciência, da compreensão, do amor.
Portanto, o Conhecimento que o mundo precisa é aquele que ajudará o crescimento do
inegoísmo e da virtude.
Teosofia, se adequadamente compreendida, é este Conhecimento. Não é uma Teologia
estéril, uma Filosofia não relacionada com a vida diária ou com as relações. É o
Ensinamento que vem através dos tempos para guiar os seres humanos em relação à
compreensão do plano e do propósito da vida, não apenas as suas vidas pessoais, mas as
suas vidas no vasto contexto do todo único e dinâmico. Todo real instrutor espiritual
ensinou Teosofia, encarando-a nesse sentido. Nenhum deles deu instruções a respeito de
como construir a sociedade através de um planejamento econômico ou debates políticos e
sociais. Eles ensinaram sobre a pureza e virtude porque todo sistema é deteriorado pela
corrupção, se as pessoas que fazem parte dele não são nobres, puras e inegoístas.
O Sr. Buda chamou o Caminho para a Sabedoria que purifica de Nobre Caminho
(também conhecido como As Oito Nobres Verdades - N. E.). Pensamento e palavra, esforço
e percepção, devem estar limpos do eu separado, em suas variadas e sutis formas. Então
haverá nobreza na pessoa, como também harmonia e gentileza em suas relações. Este é o
Ensinamento essencial de todos os instrutores iluminados.
A sociedade é uma consequência do que as pessoas são. Infelizmente uma quantidade
enorme de pessoas acredita na mera conformidade, na imitação de outras pessoas e na
aceitação das crenças que estão à sua volta, em vez de questioná-las ou de adotar uma
forma de vida que transformaria a sociedade, pelo menos um pouco, em direção à nobreza
e bondade. Há uma aceitação generalizada do modo de vida autocentrado, e mesmo as
crianças são ensinadas a se ajustar a este padrão. Elas escutam: "Se você não se ajustar,
não terá sucesso. Portanto, faça o que os outros fazem". Não conformidade não diz
respeito a usar um vestido diferente, ou ser sujo se outras pessoas são limpas. Estas coisas
não têm maiores consequências e podem ser até bobas. A real não conformidade tem a ver
com o questionamento das atitudes prevalecentes, com o exame dos nossos próprios
pensamentos e desejos e a percepção do que realmente é sábio e representa um
progresso, sob o ponto de vista espiritual.
A Sociedade Teosófica encoraja este tipo de questionamento e investigação que
conduzem à Sabedoria. Esta é a tarefa primordial da Sociedade. Como disse Madame
Blavatsky:

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"Os teosofistas são necessariamente amigos de todos os movimentos no
mundo que, intelectual ou praticamente, estejam em prol do aprimoramento
das condições da humanidade... Nós somos amigos daqueles que exercitam a
caridade prática, que procuram elevar um pouco o tremendo peso que oprime
os pobres. Mas, na qualidade de teosofistas, não podemos engajar-nos em
nenhum destes grande trabalhos em particular. Como indivíduos podemos
fazê-lo, mas como teosofistas temos um trabalho maior, mais importante e
mais difícil a realizar. A função do teosofista é abrir o coração e o
entendimento humano em relação à caridade e justiça, atributos que
pertencem especificamente ao reino humano e são naturais no homem quando
ele desenvolveu as qualidades de um ser humano. A Teosofia ensina ao animal
humano a ser um ser humano; e quando as pessoas tiverem aprendido a
verdadeiramente pensar e sentir como os seres humanos deveriam pensar e
sentir, elas atuarão humanamente, e trabalhos de caridade, justiça e
generosidade serão espontaneamente realizados por todos."

Os animais se enfrentam entre si por causa de território. Um range os dentes e o outro


também. Então o primeiro deles mostra os dentes, o que torna o segundo igualmente
agressivo. Olho por olho, dente por dente prevalece neste reino animal e o animal humano
se comporta da mesma maneira. Ele retalia, briga pelo seu território, e, infelizmente, nutre
permanentes ódios, coisa que os animais não fazem.
O homem humano, por outro lado, deveria perceber que os grandes elementos - terra,
céu, vento, água - não pertencem a ninguém. Eles são para todos, uma bênção comum,
compartilhada por todos. Mesmo a mente não pertence a ninguém. É como o céu, algo
vasto, profundo e imensurável. As ideias que brotam em mentes particulares não podem
ser igualadas à fonte criativa da existência manifestada, que é a mente universal, onde seus
planos e projetos, na medida em que tomam forma nos mundos físico e sutis, revelam
simbolicamente eterna beleza, verdade e amor.
Somente quando os nossos pensamentos e percepções refletirem o que existe na
Grande Mente é que nós veremos a Verdade. É uma triste ilusão acreditar que o conjunto
de ideias e pensamentos limitados que brotam dos nossos atuais cérebros - que mesmo
nos seus melhores momentos apenas funcionam parcialmente - são importantes porque
são considerados como "meus" e juntos compõem a "minha mente". Quando as pessoas
compreenderem que só existe uma única Grande Mente, e que, como os elementos,
pertence a ninguém, não haverá razão para disputas entre opiniões e ideias. A conduta
virtuosa emerge espontaneamente do homem humano porque ele está saindo do ponto de
vista pessoal e limitado, porque ele não imita a ninguém nem é possessivo.
A maioria das pessoas têm medo de abandonar suas posses mentais, mais até do que
as suas posses materiais. Em consequência, a humanidade está detida em um atoleiro de
ignorância a respeito de como criar uma sociedade que traga felicidade para todos. É hora
de revermos todas as ideias sobre o que é progresso e os métodos até agora empregados
para realizá-lo, os reexaminarmos a partir da sua base, percebendo que estas ideias e

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métodos não foram bem sucedidos, tendo apenas produzido o caos. Um questionamento
profundo também precisa ser feito a respeito da fonte da qual brotam ideias e teorias. Esta
fonte é o ser separado, que existe para se autopromover e assegurar-se do seu próprio
conforto, segurança e prazer.
Para construir uma sociedade nobre, o que significa correta relação entre os seres
humanos e também entre o homem e o resto da Natureza, os devas, incluindo os
elementais, uma real mudança precisa ocorrer dentro dos indivíduos. Eles precisam sacudir
suas estruturas, para que se desfaçam da negra ignorância, que faz com que as ideias e
desejos do eu pessoal pareçam ser bons e úteis. Eles precisam sair desta perspectiva para
que possam se integrar ao espírito sem limites, que está sempre sem muros ou barreiras. A
mente sábia é aquela que experimenta uma unidade não ambígua. Quando a Sabedoria
inspirar a ação humana, uma nova era de ouro, de nobreza se desenvolverá. A sociedade
humana será tal que cada forma de vida poderá revelar, mais e mais, a sua glória original. A
Realidade Divina está em toda parte. Sua glória é ilimitada. Como Sri Krishna, símbolo desta
Realidade, diz no Bhagavad Gita:

"Eu (se referindo aquela Suprema Realidade) sou o resplendor da Lua e


do Sol; a Palavra de Poder na verdade verbalizada; sou o som no éter, a
vitalidade nos homens; a pura fragrância da terra e o brilho do fogo sou eu; sou
a vida em todos os seres e a austeridade nos ascetas."

A sociedade nobre precisa imparcialmente prover a atmosfera e a oportunidade para


que "a vida em todos os seres" floresça em um esplendor até agora desconhecido,
espalhando perfume em tudo. Nós precisamos começar a construir esta sociedade,
alcançando a Sabedoria que é pura, um coração aberto e inegoísta, uma mente sensível,
fundindo-nos na unidade. Uma nova sociedade humana como esta estará composta de
pessoas que passaram do estágio de animal humano para homem humano, que estão
começando a jornada de homens humanos para homens divinos.

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ESTE MOMENTO CRUCIAL
Gabriel Burgos (Colômbia)

Há épocas na história em que os valores morais que têm engrandecido homens, povos
e nações parecem decair até o seu nível mais baixo, arrastando tudo. Valores que regiam a
conduta humana e que destacavam a nobreza daqueles que os utilizavam, chegam, em
épocas de crise, a parecer inúteis e obsoletos. O importante é o sucesso que dá o dinheiro
e tudo o que se pode adquirir com ele: luxos, prazeres, satisfação de instintos e desejos,
que anulam a vontade e estabelecem a desordem nos hábitos, comportamento e
relacionamento com outros seres humanos, com os diferentes reinos da Natureza, com o
mundo e com a vida. Para alcançar isso, afasta-se tudo, muitas vezes com uma máscara de
prestígio e respeitabilidade. Não há nenhum sentido de honra, palavra empenhada,
honestidade, virtude, grandes ideais, para o homem sem princípios que apenas busca
satisfazer seus mais baixos instintos.
Quando há poucos indivíduos corruptos, como exceção dentro de uma sociedade que
se rege por princípios eternos de ética e moral, a sociedade os rechaça, e a falta de
nobreza em seu comportamento é exemplo do que não se deve praticar, por ser nocivo a
todos. Pouco a pouco, porém, o sucesso material que exigem, induz outros seres
ambiciosos a seguirem seus passos. E assim o vírus do materialismo vai infectando outros
seres, aos quais parecem claros, tangíveis e reais os lucros materiais que os deslumbram, e
longínquos e obscuros, talvez apenas vãs promessas, os prêmios espirituais que lhes são
oferecidos em um céu bastante monótono, após a morte.
Quando os valores morais são simplesmente um freio e não uma convicção, facilmente
muitos seres se deixam deslumbrar pelo poder, pelo dinheiro, pela posição social e
econômica e, para obtê-los, vão derrubando aqueles que se opõem ao seu propósito.
E assim nos encontramos em um mundo como o atual, com assombrosas descobertas
científicas e tecnológicas, e indivíduos cuja meta é desfrutar o quanto possam de todas as
vantagens materiais que se lhes oferecem, e que, ao mesmo tempo, se encontram vazios,
enquanto a felicidade se lhes escapa das mãos, no meio do luxo e da pompa.
Esta época atual é, sem dúvida, uma época de crise de valores, como tantas outras que
se têm apresentado no passado, porém mais cruel e violenta pelos mesmos avanços
tecnológicos que se empregam com egoísmo, e pelo enorme aumento da população
mundial.
Quando uma situação gera crise, buscam-se corretivos para que a ordem seja
restabelecida, ou para se impor uma nova ordem, se a tentativa anterior redundou num
fracasso. Em todo caso, afluem às pessoas sentimentos, pensamentos e valores que
pareciam perdidos, em meio a uma decadência e degradação de anos e mesmo de séculos.
Tomemos alguns exemplos dos últimos duzentos anos. A corrupção da nobreza da
França levou as classes pobres a condições de opróbrio, que foram suportadas e sofridas
por muitas gerações. Os excessos chegaram a tal ponto que, certo dia, o povo rebelou-se
através de um ato que marca um acontecimento na história da humanidade: a "Revolução
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Francesa". Valores que pareciam perdidos surgiram, junto com novos valores de liberdade,
igualdade, Fraternidade, que pareciam negados para a grande massa, e que continuam
animando os corações dos homens.
É verdade que isso se conseguiu de forma sangrenta e de maneira cruel. Desejar-se-ia
que os benefícios tivessem sido obtidos por meio do altruísmo, do diálogo, da
compreensão, de nobres sentimentos e motivação justa. O fato fundamental, porém, é
que, quando parecem perdidas todas as esperanças, e os valores jazem derrotados pela
corrupção, há um grito que surge do mais profundo das almas, clamando por paz, respeito,
justiça, ordem, liberdade, e os seres humanos estão dispostos aos maiores sacrifícios, a fim
de terem esses valores para si, para seus entes queridos, para seu país. Isto prova que o
sofrimento nos desperta, ainda que, por ignorância, busquemos soluções parciais,
temporais, as quais, por não serem totais, conduzirão a novas injustiças e a mais dores, em
um círculo vicioso, aparentemente interminável.
Situações semelhantes se apresentaram com abusos cruéis de países colonialistas
sobre suas colônias, que se libertaram, e sentimentos de igualdade e liberdade se
estabeleceram entre opressores e oprimidos.
Governos escravocratas deram liberdade aos escravos, mesmo à custa de tremendos
conflitos e lutas internas, onde o princípio da igualdade entre todos os seres humanos, sem
importar a cor da pele, triunfou sobre os interesses daqueles que se beneficiavam com um
sistema que, hoje em dia, as maiorias repugnam e é considerado inaceitável nas relações
entre os homens.
Políticas como as do apartheid causam indignação em quase todo o mundo, e muito se
tem feito para que os princípios de justiça se estabeleçam onde houver discriminação por
razões de sexo, credo, raça, casta ou cor.
Exemplos como os anteriores podem multiplicar-se. A visão das mudanças ocorridas
no mundo, através dos últimos séculos, mostra-nos como, no mais profundo dos corações
humanos, há um sentido do que é reto, do que é bom, do que é nobre.
Em todas as partes há protestos contra políticos corruptos, e busca-se honestidade na
administração de governos e empresas comerciais.
Em países como a Colômbia, meu país, que tanto tem sofrido por causa de uma
poderosa minoria de narcotraficantes e guerrilheiros, há urna constante adesão de
estudantes, de grêmios, de cidadãos comuns, de jornalistas, de políticos, aos esforços que
o Governo faz para derrotar esses maus filhos e consolidar a paz.
Por que, poderíamos nos perguntar, se nós, seres humanos, podemos reconhecer o
que é bom e justo e desejável, e queremos que isso se estabeleça no mundo, este
continua cheio de conflitos, de dor, de angústia? Buscam-se soluções, e a situação
melhora um pouco. Há mudanças favoráveis e frequentemente há regozijo pelos
benefícios obtidos. Depois, alguma coisa, ou muita coisa, ou mesmo tudo, decai, e novos
vícios, injustiças e crueldade aparecem. Apresenta-se como motivo o fato de que essa é a
natureza humana; é como estivéssemos condenados a passar por uma eterna cadeia de
infortúnios.
Não é assim, contudo. A bendita Teosofia, que tudo explica e ilumina, mostra-nos que,
para curar a enfermidade, é necessário que se vá à causa e ali se apliquem os corretivos.
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Pouco lucramos se corrigimos apenas os efeitos mais visíveis. A causa permanece, e os
efeitos perniciosos voltam a surgir, como as cem cabeças do monstro fabuloso da
mitologia grega, que tudo devoram, a hidra, a que não podia morrer, porque, quando lhe
cortavam uma cabeça, surgia outra imediatamente, com um instinto feroz de destruição.
Foi necessário que um herói, Hércules, descobrisse a causa. As cem cabeças eram os
cabelos de uma cabeça principal que os alimentava, e, para acabar com o monstro, cortou
e enterrou sob uma imensa rocha a cabeça causadora de todos os males.
De maneira semelhante, vêm-se erradicando parcialmente os problemas do mundo,
através de séculos e milênios. Atacam-se os efeitos visíveis como se fossem a causa
principal, e corretivos limitados são aplicados, os quais têm a ver com a dor imediata,
aquilo que incomoda e faz sofrer naquele momento, mas ignora-se a causa real, que
permanece ativa.
É certo que, para se construir um mundo melhor, vêm-se invocando os sentimentos
mais nobres de honra, justiça, liberdade, igualdade. Talvez, porém, aqueles que
apresentem soluções não tenham percebido que, por trás desses ideais, oculta-se um
egoísmo que apenas cuida de que não haja dor em nossas próprias vidas, e que tudo
continue de modo alegre e prazenteiro.
O que precisamos compreender com clareza é que a causa de todos os males do
mundo reside no fato de que ignoramos quem somos, ignoramos nossa real natureza
espiritual, una e indivisível, por todos compartilhada. Não vemos a unidade da vida.
Identificamo-nos com a aparente diversidade das formas e buscamos soluções que
satisfaçam os anseios do que cremos que somos: eus separados.
Creio que estamos atravessando um momento crucial da humanidade. Por um lado.
uma tremenda crise de valores, fruto da exaltação do lado maternal do mundo; por outro
lado, um clamor que se escuta em todas as partes, procurando restabelecer a ordem, a fim
de que reinem a paz, a justiça e tudo aquilo que é nobre.
Nós, membros da Sociedade Teosófica, de alguma forma e em circunstâncias
diferentes, encontramos os benditos ensinamentos teosóficos,·por conseguinte, efetuou-
se uma modificação positiva em nossas vidas: Somos outros. E ainda assim, com tudo de
bom e belo que temos recebido, sabemos bem quanto nos falta para vivermos
plenamente na Unidade. Talvez, antes de encontrarmos a Teosofia, ansiássemos já por um
mundo melhor. Do fundo do coração, buscávamos uma sociedade mais justa, mais reta.
mais nobre, e acreditávamos, sinceramente, que o que se precisava era de novos sistemas
de governo, novas leis, novas relações diplomáticas e comerciais. Possivelmente.
colocamos nosso grãozinho de areia para construirmos uma humanidade melhor. Talvez
fôssemos idealistas, mas desconhecíamos que estávamos trabalhando sobre bases
deslizáveis, efêmeras, e que assim seriam também os resultados. Desconhecíamos o
propósito da vida e que existe um Plano Divino para o qual fomos convidados a colaborar,
como o ignoram, hoje em dia, tantos seres generosos e altruístas, que buscam um mundo
melhor.
O mundo está passando por um momento crucial. Talvez nunca antes se haja visto
uma busca tão grande da verdade por todas as partes. Temos que presumir que muitos são
buscadores sinceros, como fomos nós, quando chegamos à Sociedade Teosófica. Ali
14
compreendemos que o mundo exterior é um reflexo do mundo interior que se oculta por
trás das formas. Que pouco ou nada se ganha modificando o exterior, se não há um
despertar do que é interior. Que as formas perecem, enquanto que a vida que as anima é
eterna. Que não há senão uma única vida que anima todo o Universo e a qual todos
compartilhamos. Que o único bem que devemos desejar é aquele que abarque todos os
seres. Que sentir a unidade da vida é uma expansão da consciência, que não há diferença
entre você e eu, eles e nós, os quais se fundem em um todo integral. Que, portanto, as
únicas soluções que devemos buscar são as que incluam todas as criaturas, sem exceção.
Uma visão teosófica é necessária, urgentemente, a todo ser altruísta e generoso, para
ajudar a construir permanentemente um mundo melhor. Nossa ajuda, porém, será pouca,
se apenas basear-se em conceitos intelectuais, por mais belos que pareçam. Precisamos
sentir que somos um, para colaborar eficazmente na transformação de que o mundo
necessita, onde reinem a paz, a justiça, o amor, como uma bênção natural para todos.
Não é uma mente sábia a que apenas compreende, e sim aquela que se identifica com
todos os que sofrem, não apenas para aliviar seu sofrimento, mas também para auxiliar-
lhes a descobrir sua causa real. Por isso, é necessário que se leve a mensagem teosófica a
todas as partes.
Talvez os Mestres, ao fundarem a Sociedade Teosófica, já vislumbrassem este
momento, em que há uma sede infinita pela verdade. Coube-nos viver nesta época, na
qual o nosso compromisso, responsabilidade e privilégio é continuar sua obra e levar sua
mensagem inspiradora a todas as partes. Hoje não temos tantas dificuldades, como as que
tiveram os pioneiros do movimento teosófico. A Sra. Blavatsk:y, o Coronel Olcott e outros
poucos, abriram caminho e, sob a direção de lideres extraordinários, a Sociedade Teosófica
veio desempenhando um trabalho brilhante até o momento atual.
O panorama que a Teosofia apresenta à razão é deslumbrante. Vemos como se está
desenvolvendo o Plano Divino, e que tudo conduz à construção de um mundo pleno de
beleza e perfeição. Esse mundo, porém, tem que ser construído com nossa colaboração
consciente e para isso, temos que entregar-nos a essa obra desde já. Temos de estar
alertas, despertos, pois a tarefa é tão urgente quanto bela. Trabalhar com esta visão,
impulsionados pela contemplação de uma meta de perfeição para toda a humanidade,
meta que parece longínqua, mas da qual podemos nos aproximar, de alguma forma, com
nossa colaboração consciente, trará Sabedoria a nossas mentes.
Para que haja um mundo melhor, é preciso que a mente seja sábia. Que se sinta parte
de um todo, e não um fragmento separado. Enquanto nos acreditarmos separados,
diferentes uns dos outros, haverá conflitos e dor no mundo. Os Grandes Seres têm nos dito
que devemos amar-nos uns aos outros, porque o grande unificador da humanidade é o
amor. Santo Agostinho afirma-o categoricamente, quando diz: "Ama, e faze o que
quiseres", porque, tudo quanto faça, aquele que ama será bom, benéfico, amável,
generoso, terno, compassivo, para o amado, cujo bem é mais importante do que o seu
bem pessoal. Aquele que realmente ama se esquece de si mesmo. O bem do ser amado é
sua própria felicidade e recompensa. Se não sentimos isso, é porque não aprendemos a
amar. Mas se o tivermos sentido de algum modo, intuiremos que no amor está o segredo e
a salvação do mundo.
15
O amor é uma expressão da mente iluminada pela intuição, é mente e sentimento
unificados, é mente sábia. Nossa tarefa consiste em ampliar o círculo do amor, hoje tão
estreito e limitado, até que um dia envolva todas as criaturas.
Creio que no tema deste Congresso "Rumo a uma Mente Sábia e uma Sociedade
Nobre", devemos colocar ênfase em criar as condições para que, na mente de cada um de
nós aflore a Sabedoria que está oculta no mais profundo de nossa natureza. Isso está em
nossas mãos, e para isso estamos no mundo. Se nossa mente tornar-se sábia, tudo quanto
pensarmos, sentirmos e fizermos, levará à construção de uma sociedade nobre.
Cada época representa um desafio, e o despertar de tantas almas que buscam a
verdade para que o mundo que seus filhos um dia herdarão seja mais justo e mais belo,
implica uma imensa responsabilidade para os membros da Sociedade Teosófica. Temos que
chegar a elas e dar-lhes a luz que ilumine seu caminho, da mesma forma na qual, num dia
inesquecível, talvez o mais significativo de nossa existência, outros teósofos assim fizeram
conosco.
Estamos reunidos hoje, aqui, membros de todas as partes do mundo, porque nos
apercebemos da importância e da magnitude de nossa tarefa. Sabemos que, desta reunião,
sairão valiosas iniciativas para que nossa tarefa eterna se cumpra da maneira mais eficiente
possível, de acordo com as exigências do mundo moderno. Ficamos agradecidos à nossa
querida Presidenta, senhora Radha Burnier, e às pessoas que, com tanto amor e dedicação,
prepararam este Congresso Mundial, porque sabemos que nos tornaremos inspirados para
levar Sabedoria as nossas mentes e contribuiremos com isso para a construção de uma
sociedade nobre.

16
A SABEDORIA DA MENTE
Alfredo Puig (Cuba)

Como estudante de Teosofia se compreende que o corpo físico do homem é o seu


veículo de consciência mais externo, e junto com esta consideração, também compreende-
se que interpenetrando este corpo físico há outros corpos que tornam possível ao ser
humano contatar os planos mais sutis do nosso sistema solar.
É verdade que, no começo, apenas se tem uma compreensão intelectual da existência
de um vasto mundo interno que nos rodeia, mas gradualmente, refletindo e meditando
sobre esta realidade maravilhosa, um despertar começa a abrir novos horizontes, e se pode
compreender lentamente que o homem é uma criatura que vive simultaneamente em três
níveis de consciência.
Um fato muito interessante, que nos sugere o Sr. I. K. Taimni, é que os diferentes
veículos do homem estão relacionados com cada um dos diferentes planos da Natureza,
que a expressão da consciência é diferente de plano em plano e parece funcionar em
grupos de três veículos.
A consciência atua em cada um dos grupos de três veículos como um todo,
constituindo assim uma unidade, embora cada unidade esteja subordinada e contida
dentro de uma unidade maior do próximo plano de manifestação mais elevado ou interno.
Consequentemente, para o assunto de hoje, se considerará o grupo de veículos nos
quais a personalidade se expressa como constituída pelos corpos físico, emocional e mental
inferior.
Como cada um destes três corpos está relacionado com cada um dos planos inferiores -
físico, emocional e mental inferior - é fácil chegar à conclusão de que cada um deles é
basicamente a fonte de todos os fenômenos de consciência. Chega-se a conclusão da
importância de estudar a maneira de regular as atividades destes corpos, tendo em vista o
propósito de desenvolver as suas qualidades espirituais latentes com um método bem
definido. Este propósito se expressa no Terceiro Objetivo da Sociedade Teosófica.
Poderíamos perguntar, por que se tem que considerar este propósito? Inegavelmente
este conhecimento de si mesmo, ainda que necessariamente limitado, será uma forma
muito definida para moldar uma ferramenta valiosa em nossos esforços para atingir uma
nobre meta espiritual. A única forma para poder efetuar uma ajuda definida para o mundo
é estar equipado plenamente, com todas as qualidades necessárias, para esta tarefa.
No livro Aos Pés do Mestre, de J. Krishnamurti, há orientações úteis e práticas de como
se deve tratar os corpos da personalidade, dando ênfase ao fato de que pode-se converter
em um instrumento útil "como uma pena nas mãos de Deus" da Natureza Superior.
Tudo que pertence ao corpo físico foi "descoberto" sistematicamente pela ciência,
mesmo se presumindo que ainda há um longo caminho a percorrer nas investigações que
estão ocorrendo.
Pode-se acrescentar que a ciência atual, que está indo além do meramente físico e
17
outras disciplinas - entre as quais a Psicologia, tem atuado amplamente neste campo,
tratando de encontrar uma resposta aos fenômenos claramente relacionados com os
planos emocional e mental inferior.
A propósito, é inevitável a surpresa de quanto tem aumentado o interesse da
Psicologia atual, nestes últimos anos, pelo tema da vida após a morte. Que surpresas
poderão encontrar nesta investigação, não podemos presumir.
Desde que todo este conhecimento, relacionado aos planos internos nos quais estamos
vivendo, somente se pode adquirir de uma maneira muito específica, isto é, por rigorosa
autodisciplina e, como tudo que se obtenha dependerá do poder para responder às
diferentes vibrações mais sutis, que correspondem a cada um dos planos internos, a
consequência óbvia é que não se pode comunicar este conhecimento a outras pessoas,
nem sequer formulá-lo por meio de um gráfico, como se faz usualmente com o
conhecimento científico comum, que são ensinados sobre matérias do plano físico.
O enfoque teosófico sugere, desde o começo, que cada homem deve desenvolver suas
próprias faculdades latentes e que tem de viver este conhecimento no centro do seu
próprio ser. Aqui, estamos interessados em apresentar um conhecimento apoiado em uma
explicação lógica e razoável, cujo único esforço será o de aceitá-lo via intelecto. Há algo
mais importante do que apresentar o ponto de vista de que cada homem deve descobrir
este segredo de ouro através da sua própria experiência pessoal?
A dificuldade que se tem de enfrentar é que parte do conhecimento dos mundos
internos é incompreensível ao intelecto humano, porque se está somente acostumado a
conceber fatos e ideias em um mundo tridimensional e, naturalmente, não se está
familiarizado com a forma na qual a consciência se comporta nos mundos mais sutis, que
têm um número crescente de dimensões.
É um fato muito claro que temos de aprender, por assim dizer, a "ir para dentro" ou "ir
para cima", sempre em direção a estes mundos internos e "ver" ou "perceber" com a nossa
própria consciência, por nós mesmos.
Disseram-nos que à medida que se "entra" ou "ascende" a estes mundos internos,
gradualmente a visão interior deles não ocorrerá em termos de conceitos mentais, e que
uma nova forma de consciência, que corresponderá ao desenvolvimento das faculdades
latentes da pessoa, se fará presente no processo de penetração nos mundos que formam
parte dos mistérios insondáveis de nosso Universo. Talvez esta etapa seja aquela que se
descreve quando os corpos estão subordinados à Ãtma.
Todas estas definições podem parecer uma meta demasiadamente elevada para que
se possa alcançar neste mundo físico. Você conheceu alguém que demonstrou estas
qualidades apontadas? Podemos responder afirmativamente referindo-se ao irmão N. Sri
Ram, que foi um verdadeiro santo sobre a Terra.
É pertinente mencionar aqui que nossa motivação deve ser verdadeiramente inegoísta
e que devemos nos aproximar deste objetivo com "Uma vida limpa, uma mente aberta, um
coração puro, um intelecto ardente ... ", como se expressou maravilhosamente H. P. B. em
A Escada de Ouro.
Sem dúvida o homem tem uma constituição muito complexa porque, como se
18
mencionou anteriormente, atua ou se expressa por meio dos seus vários veículos de
consciência.
Enquanto a consciência estiver confinada na esfera da personalidade, nos identificamos
normalmente com esta entidade ilusória que surge em cada encarnação para todos os
propósitos práticos, somos esta entidade e temos que compartilhar o seu destino.
Quando transferimos nosso centro de consciência para um corpo mais elevado ou
interno de nossa personalidade - o veículo mental inferior - então podemos descobrir que
este foi formado através de milhares de encarnações e que, fundamentalmente, é um
reflexo do passado, mesmo contendo a semente da entidade espiritual em si, que tem a
possibilidade de expressar por si mesma a beleza dos mundos espirituais que existem além.
Nosso centro de consciência está constantemente mudando-se de um veículo para
outro de nossa personalidade e, neste processo, nos identificamos a nós mesmos com cada
corpo durante este período, permanecendo sob a ilusão do "me" ou "meu".
É óbvio hoje em dia, como expressa a ciência, que toda matéria é una, jamais se
destrói, está sempre sofrendo uma transformação e também se regenera a si mesma para
ser "reutilizada" outra vez. Esta é uma lei da Natureza. Isso, claro, se aplica a cada um dos
corpos de nossa personalidade.
Quando isto é compreendido - não meramente através da crença ou sentimento -
então nos tornamos conscientes de que realmente nada é privado ou pessoal e que cada
um dos corpos da personalidade é parte do Um, da mesma Realidade. Então a
personalidade assume um novo papel na nossa vida.
Mesmo sabendo que o verdadeiro problema da vida espiritual consiste em
transferirmos o centro de consciência, que agora está localizado na personalidade, para a
Individualidade ou para a Natureza Superior em seu primeiro nível, chamado de corpo
causal, isso não diminui a importância dos corpos da personalidade, que têm um papel
fundamental a cumprir.
Já que a personalidade é um instrumento necessário, com o objetivo de relacionar-nos
com os planos inferiores da manifestação, é muito comum ver como algumas pessoas
vivem para as necessidades e indulgências do seu corpo físico; outras estão plenamente
identificadas com os seus desejos e outras ainda consideram alegremente suas ideias e
conceitos mentais como parte dos seus "eus".
Isso dá uma nova importância ao corpo mental inferior, devido ao fato de que a mente
pessoal é parte da Mente Universal ou Divina. "Como um homem em seu coração pensa,
assim ele é", diz a Bíblia. "O homem se converte no que ele pensa, pense portanto no
Eterno", é dito no livro A Voz do Silêncio.
Toda função realizada em quaisquer dos veículos de consciência pode ser melhorada e
aperfeiçoada pela prática e o corpo mental inferior não é uma exceção a esta regra.
Em síntese, se pode dizer que para desenvolver o corpo mental inferior é aconselhável
treiná-lo, com a inibição das modificações da mente, como se indica nos Yoga-Sütras de
Patanjati, (I - 2).
Podemos recordar também o Bhagavad Gita, no qual Arjuna expressa que a mente é
difícil de controlar como o vento, e Krishna, para ensinar-lhe a controlar a mente, lhe
19
recomenda "prática constante" (Abhyasa) e "ausência de desejos" (Vairagya).
Outro aspecto que se deve mencionar para o desenvolvimento do corpo mental
inferior é que ele é o meio da construção sistemática de nosso caráter, com a regularidade
na meditação e a prática das virtudes na vida diária.
Pode-se acrescentar também que o amor impessoal e inegoísta, a força mais poderosa
que é conhecida no mundo, não somente fará crescer em tamanho e beleza o corpo
mental inferior, como também se refletirá nas emoções e no corpo físico.
Então, o corpo mental inferior se converterá em uma mente sábia, tornando-se um
centro de amor, de júbilo e de paz no mundo e irradiará esta Luz sobre todas as criaturas
viventes, no mundo da manifestação, o que será, inegavelmente, um passo definitivo em
busca de uma sociedade nobre.
Por acaso, o nosso mundo, e cada criatura em particular não necessitam
profundamente de amor e paz?
Pode alguém conceber algo mais elevado do que este nobre ideal?

20
CONHECIMENTO E SABEDORIA -I
Kirsti Elo (Finlândia)

Hoje vamos falar sobre fluxo de conhecimento. Há tantos conhecimentos de fatos, que
não é mais possível se ter um controle sobre os mesmos. A maioria das informações estão
sendo produzidas todo o tempo e são utilizadas para formular teorias, preparar estatísticas
e tomar decisões, que direcionam as vidas das pessoas e sua cultura. Este fluxo de
conhecimento fragmentou a vida. Conhecimentos de um certo setor são explorados, sem
que seja avaliado que efeitos terão sobre o todo. Estas informações são então utilizadas
mesmo em certas áreas da vida onde não são aplicáveis, áreas que não podem ser medidas
pelos atuais métodos científicos.
A despeito de todo este fluxo de conhecimento, a condição de nosso mundo é causa
de preocupação, e a aflição e os sofrimentos das pessoas parecem estar sempre
aumentando.
Este fluxo de conhecimento de fatos tem criado algo que se pode chamar de "nova
ignorância". Enterrou sob si mesmo algo, que, sem o qual a humanidade não se recuperará
de seus problemas. Enterrou a Sabedoria. As pessoas têm muita confiança na palavra da
ciência e não ousam tirar suas próprias conclusões de fatos bem claros. Isto, sem falar no
fato de que cientistas têm que reverter suas opiniões seguidas vezes, quando um novo
conhecimento demonstra que as deduções anteriores estavam erradas. A ciência se tornou
uma moderna religião para muitos. Esta massa de "crentes" está sendo explorada por
muitos grupos oportunistas, que querem atingir seus próprios fins.
O conhecimento, por si mesmo, não é um mal. O modo como este conhecimento é
utilizado é que revela se uma pessoa tem ou não Sabedoria.
O que é a Sabedoria e como podemos obtê-la?
N. Sri Ram, um presidente anterior de nossa Sociedade, aborda este tema da seguinte
forma: "Sabedoria não é o conjunto de mais e mais conhecimentos e informações, e sim a
realização do que é certo e a utilização do conhecimento da maneira correta."
Do ponto de vista da espécie humana, é uma questão percebermos o que é certo e,
além disso, de nos tornarmos capazes de usar o conhecimento de uma maneira correta.
Estas duas capacidades, juntas, são condições para erradicar a guerra e a violência no
mundo; só depois de conseguir estas capacidades é que a espécie humana começará a
viver de acordo com o propósito da humanidade.
No livro Aos Pés do Mestre há a seguinte afirmação: "Há apenas duas espécies de
pessoas neste mundo, aquelas que sabem e aquelas que não sabem". Saber aqui, se refere
ao conhecimento do Plano de Deus para o homem, que é desenvolvimento.
Este é o conhecimento do propósito da espécie humana - o conhecimento do Plano -
que é Sabedoria. Mas não é suficiente compreendê-lo apenas com a ajuda do seu intelecto,
como uma probabilidade teórica. Ela tem que se tornar una com esta Realidade, em um
nível mais profundo. Realidade esta que é a própria razão de ser da pessoa. Ela existe
apenas para revelar esta fonte divina, em seu interior. O caminho para este Conhecimento
21
exige muito, mas não há outra maneira.
Em A Voz do Silêncio, o discípulo pergunta ao Mestre: "Ó Mestre, que farei eu para
alcançar a Sabedoria? Ó Sábio, que farei eu para conseguir a perfeição". E a resposta é:
"Procura as Sendas". A pessoa, o Discípulo, chegou a um ponto de sua vida em que passou
a ansiar por Sabedoria. Ele compreendeu também que alcançar a Sabedoria é condição
para a perfeição. Todos os homens chegam a esta condição, em algum momento no
processo de seu desenvolvimento, percebem que têm de adquirir Sabedoria, porque o
conhecimento, por si só, não é suficiente. O homem começa a se perguntar, a buscar, um
novo modo de viver, para compreender o que é certo e para ter uma habilidade de utilizar
o conhecimento de maneira correta. Nesta fase do seu desenvolvimento, a pessoa se
entusiasma e tem uma voluntária disposição para aceitar um novo modo de viver.
O conselho do Mestre, "Procura as Sendas" transfere a responsabilidade para o próprio
aspirante. Ele tem que encontrar o Caminho para a fonte da Sabedoria por si mesmo. O
Mestre pode, contudo, aconselhá-lo, pois Ele já encontrou a Sabedoria. Ele já se tornou
perfeito.

E assim o Mestre continua:

"... sê limpo de coração antes de empreenderes a viagem. Antes de dar o


primeiro passo, aprende a discernir o real do falso, o fugaz do permanente.
Aprende sobretudo a separar a erudição da cabeça da Sabedoria da Alma, a
doutrina do Olho da doutrina do Coração."

Em primeiro lugar aquele que busca a Sabedoria deve sondar seu próprio coração. Há
egoísmo, procura de vantagem pessoais, violência? Ter coração puro é o verdadeiro
altruísmo, um compromisso de aliviar a aflição do mundo, no seu ambiente, na sua vida.
Significa um compromisso de serviço espiritual, de se submeter a treinamento, a fim de se
tornar um canal adequado para forças do bem. Por conseguinte, significa ser responsável
pela sua própria personalidade e, ao mesmo tempo, pelo todo. Desta forma os princípios
de FRATERNIDADE se tornarão uma viva realidade na vida das pessoas.
O Mestre Jesus disse: "Bem aventurados os limpos de coração, porque eles verão a
Deus". "Ver a Deus" significa, na minha opinião, uma experiência profunda do mistério da
Unicidade, da Unidade vivencia! Em todos os homens há aquela Santa Presença, a
Realidade, da qual todos e tudo somos uma parte. Esta experiência deveria ser de Amor
profundo, porque Deus é Amor, é Ananda, bem aventurança, onde termina a ilusão da
separatividade.
No livro Luz no Caminho há uma recomendação de que se mantenha muita
concentração na Senda. O Mestre diz:

"Porém somente pela devoção não se encontra o caminho, nem pela


mera contemplação religiosa, nem pelo ardor de progresso, nem pelo laborioso
22
sacrifício de si mesmo, nem pela estudiosa observação da vida".

Estas qualidades podem fazer o Discípulo dar um passo à frente, mas não são
suficientes. Diz o Instrutor: "A natureza toda do homem deve ser sabiamente empregada
por aquele que deseja entrar no caminho. É uma questão de crescente compreensão da
Sabedoria, Sabedoria significa compreensão, compreensão profunda e relacionamento
intenso entre a parte e o todo.
É dito, também, em Luz no Caminho, que a prática da devoção, por exemplo, pode
trazer ao aspirante o conhecimento que ele tinha em suas vidas passadas. Isso dificilmente
significa a lembrança de detalhes de suas vidas passadas, mas sim a Sabedoria que veio das
experiências, aquelas habilidades espirituais que ele tem em sua alma como um resultado
de vidas anteriores, sua Sabedoria oculta. Ele deve encontrar uma nova maneira de
trabalhar espiritualmente, nesta vida, que inclua aquele conhecimento que está em sua
alma.
Estas características espirituais são descritas no livro poeticamente como "a aguçada
visão da águia da montanha" e "o ouvido da tímida corça". Está claro que isso não significa
clarividência ou clariaudiência, que são formas inferiores de poderes psíquicos buscadas
por muita gente hoje em dia. Elas também não significam os sentidos exteriores.
O estudante, alcançando a Sabedoria, deve atuar como aquela águia. Deve aprender a
usar o conhecimento dos fatos sabiamente, sem desperdiçar sua energia em coisas não
essenciais. Isso somente é possível se ele atuar a partir do INTERIOR, das alturas espirituais.
Por isso "a aguçada visão da águia da montanha" significa uma verdadeira percepção
espiritual, um definido passo na Senda.
O que significa "o ouvido da tímida corça", que o estudante também tem que
conseguir? Se tivermos visto este animal se movimentando na Natureza, mais facilmente
entenderemos o ensinamento desta parábola: Este animal selvagem se movimenta com
prudência e se detém muitas vezes, para escutar. Deter todo o movimento, parar é uma
condição para que verdadeiramente possamos escutar.
Encontramos também em Luz do Caminho:

"A pausa da alma é o momento de assombro, e o seguinte é o silêncio,


um momento de satisfação."

Quando a turbulência da mente e o trabalho incessante com assuntos não essenciais


cessam, terá lugar um despertar. Uma percepção do significado da vida, a MARAVILHA que
é a vida. No silêncio temos a capacidade de ouvir "a canção da vida", um ensinamento
profundo de Sabedoria. Isso é seguido por uma Paz interior, porque o homem vivencia a
razão de ser da vida, a Lei universal da Compaixão.
É dito que a Paz vivenciada neste Silêncio traz ao estudante uma nova forma de
energia, de Poder, que é capaz de produzir uma transformação em sua vida, que também
deixa uma marca no todo. A "Satisfação" surge da certeza interior de que o estudante pode
23
produzir uma transformação em sua vida, e através dela, pode influenciar o mundo ao seu
redor, curá-lo ou ajudá-lo. Pode agora compreender "o mistério ao seu redor", o segredo
da vida.
"As vozes da vida pessoal" são aquelas do egoísmo e da ignorância. O Mestre é uma
pessoa que se tornou perfeito, alcançou a Sabedoria. Ele é Amor, porque Sabedoria e Amor
significam a mesma coisa. Ele está em contato com a fonte da vida, que continuamente se
doa para o bem do todo. Por isso a pessoa que ultrapassa o egoísmo abre um canal para
esta corrente de Amor, esta corrente de Sabedoria, que os Mestres canalizam para ajudar a
humanidade.
Quando um homem vence o seu egoísmo, só então é capaz de usar o conhecimento
dos fatos de acordo com a Lei da Vida, considerando o todo. Então ele troca "o
conhecimento da cabeça" pela "doutrina do coração". Então o conhecimento dos fatos faz
dele um servidor, auxiliando-o a criar uma Felicidade duradoura para si próprio e para toda
a humanidade.

24
CONHECIMENTO E SABEDORIA - II
Fay van Ierlant (Holanda)

Nossa busca da verdade normalmente começa com leituras e pesquisas, assistindo


palestras e cursos, buscando o conhecimento. Mas se formos realmente sérios e quisermos
encontrar a Verdade, nossa busca não deve terminar aí.
Se nossa motivação for além da erudição e do aprendizado de livros e quisermos
realmente descobrir a razão de ser da vida, necessitaremos de vontade e coragem para
romper com hábitos e condicionamentos, talvez mesmo de um estilo de vida que se
direcione às percepções interiores reveladoras, que vivenciemos nesse caminho que vai do
conhecimento à Verdade, do conhecimento à Sabedoria. Novas responsabilidades surgirão
do despertar e da expansão de nossa consciência.
Nas chamadas notas de Bowen, publicadas sob o título Como Estudar Teosofia, Robert
Bowen, um dos alunos de Blavatsky em Londres, se refere ao processo que pode se
desenvolver a partir de um sério estudo da Teosofia.
No prefácio dessa pequena obra consta a afirmação:

"O valor de qualquer apresentação da Teosofia está na profundidade


da experiência que pode conduzir o estudante que for forte e ousado o
suficiente para penetrar além da sua forma até a sua realidade oculta."

Bowen cita H. P. B. da seguinte maneira:

"Se alguém imaginar que irá obter um quadro satisfatório da


constituição do Universo em A Doutrina Secreta, se engana. pois, com este
propósito, apenas obterá um estado de confusão. Ele não está destinado a dar
nenhum veredicto final sobre a existência. e sim CONDUZIR EM DIREÇÃO À
VERDADE."

As notas de Bowen examinam com profundidade o processo que leva do


conhecimento à Sabedoria, por via de quadros mentais que se modificam, até que,
finalmente, a mente e seus quadros sejam transcendidos e o estudante entre e permaneça
no mundo da não-forma, do qual todas as formas são pálidos reflexos.
No seu livro Sabedoria Antiga e Visão Moderna, Shirley Nicholson descreve, de forma
bastante clara, que um começo apenas mental pode desencadear o processo dentro de
nós, se encararmos a Teosofia não como uma doutrina, mas como uma expressão da
Sabedoria Antiga. Nicholson escreve:

25
"Na medida em que cresce a nossa compreensão, começamos
lentamente a olhar o mundo a partir da perspectiva teosófica, a ver os seus
princípios operando sob a superfície das coisas, encontrando evidência de ciclos,
evolução, planos mais elevados - tudo ao redor. Com clareza cada vez maior,
podemos também vislumbrar modos através dos quais estas ideias se
relacionam com as nossas vidas diárias. Podem, também, começar a refletir-se
nas nossas emoções, sob a forma de novos níveis de amor e de compaixão e do
desejo de servir. Assim, baseamos estes princípios na experiência e na nossa vida
interna, de modo que nos afetam em todos os níveis. À medida que este
processo se aprofunda, verificamos que a nossa atitude para com a vida está
mudando. Podemos adquirir maior capacidade de afastamento das limitações
de nossa situação imediata e ver o seu significado a partir de uma perspectiva
mais ampla, desde uma visão de alcance mais longo, à proporção que
consideramos objetivos maiores. Assim, este processo de transformar ideias em
experiência envolve todo o nosso ser. O que começa como compreensão
intelectual transforma-se em discernimento intuitivo e se torna embasado na
praticidade. As nossas faculdades em todos os níveis se focalizam na busca e
ficamos envolvidos em um processo interminável de crescimento,
continuamente criativo e novo, que continuará ano após ano. Descobrimos, por
nós próprios, que um verdadeiro encontro de nós mesmos com a visão esotérica
encerra em si o poder de nos transformar."

Esta transformação tem a ver com a descoberta da fonte de Sabedoria que está em nós
mesmos e não pode vir de fora. Nós somos parte da Verdade que estamos tentando captar,
expressões das leis da Natureza que investigamos. Esta descoberta conduz à visão do que
realmente é. Com o conhecimento, vemos o que pensamos, com a Sabedoria vemos o que
realmente é.
Sobre um antigo templo na Grécia foram escritas as seguintes palavras:

"Homem conhece-te a ti mesmo e conhecerás o Universo e a Deus".

Este tipo de conhecimento vem do interior, pode surgir a cada minuto, se estivermos
abertos para isso, se estivermos cientes disso, se pudermos realmente direcionar toda
nossa atenção à observação e mesmo à visão do que acontece em nós e ao nosso redor,
em vez de deixarmos nossas mentes decidirem por nós.
O conhecimento de nossas mentes, que é sempre do passado, é necessário para nossa
experiência, mas se esse conhecimento obscurece a nossa atuação diária, ele nos restringe
em relação a vivenciar a realidade a ver as coisas como elas são e a alcançar a Sabedoria.
Assim, há o conhecimento resultante do estudo ou da experiência do passado e há a
Sabedoria adquirida através da visão interior, da compreensão, da observação e da
condição de estar atento.
26
Necessitamos de ambos, mas dependerá inteiramente de nós se um levará ao outro, se
deixarmos o conhecimento e a Sabedoria chegarem a um correto equilíbrio na realização
de nossa vida diária, o que também significa sermos sérios em relação às responsabilidades
que nossa interiorização profunda e nossa visão ampliada, sem dúvida, nos irão mostrar.

27
CONHECIMENTO E SABEDORIA - III
Hein van Beusekon (EUA)

Dentro do assunto "Conhecimento e Sabedoria", eu gostaria de chamar a atenção para


esses três mundos:

1.O Mundo Transcendente - O Reino dos Espíritos


2.O Mundo da Luz - O Reino da Sabedoria
3.O Mundo do Fogo - O Reino do Conhecimento

O Sr. Sri Ram nos disse que para compreendermos o mundo que conhecemos, onde
vivemos e para nos compreendermos de uma maneira correta, precisamos ver todas as
coisas incluindo o ponto de vista destes mundos invisíveis e não somente do mundo visível.
A Teosofia ensina que nós, "a humanidade órfã", temos nossas raízes no Mundo
Espiritual. Annie Besant nos recordou, repetidamente, que temos que lembrar-nos de onde
viemos, que temos nossas raízes neste mundo e que esquecemos delas durante a Senda
involutiva. Se podemos estar conscientes de nossa origem enquanto trilhamos o caminho
ascendente, da evolução, isso nos ajudará muito a perceber a nossa jornada com a correta
perspectiva; nos manterá dentro do caminho espiritual, sem desvios e nos prevenirá de
ficarmos perdidos no mundo material. A única Luz que podemos projetar no caminho, o
caminho do progresso interno, é a Luz que brilha em nosso interior. O resplendor desta
Luz, opaca e difusa no começo, brilhará mais quando nos tornarmos menos autocentrados
e mais conscientes da Fraternidade Humana.
Para seguir o conselho de Annie Besant e ser consciente das nossas raízes no Mundo
Espiritual, podemos ver a imagem que os chineses oferecem como o símbolo da árvore.
Este símbolo mostra uma árvore ao contrário, com o tronco e talo celestes e os ramos
terrestres. Assim como na terra, as raízes das árvores são invisíveis aos olhos humanos, a
árvore celeste tem as suas raízes ocultas no Mundo Espiritual, invisível para nós
inicialmente. De igual maneira, assim como a árvore traz sua vitalidade para os seus ramos
e folhas, e reteria a força vital no inverno, similarmente nossa vida se origina nesse elevado
reino, onde temos nossas raízes. O homem, assim, desce ao mundo físico e depois retorna
à sua Fonte.
Atenção plena é a virtude fundamental para ajudar ao peregrino a ser consciente da
Luz latente em seu interior. O irmão Jinarajadasa e o professor Van Der Stok sugerem que
investiguemos a interação entre o homem, o experimentador, o peregrino e as criaturas do
Mundo do Fogo, o Mundo da Mente. Menciona-se que é função desta Hierarquia, algumas
vezes chamada de Hierarquia dos Bons Demônios, o cumprimento da "Boa Lei", da Lei
Cósmica. Os Senhores do Karma fazem parte desta Hierarquia e ocupam níveis elevados
nela. É dever desta Hierarquia manter e sustentar a Lei. Diz-se que o Dharma destes Seres é
28
aprender a manter a Lei, e sua palavra-chave é compaixão.
Devemos reconhecer a enorme compaixão destes Seres ao compreendermos que
recebemos apenas uma pequena porção, de cada vez, de nosso "Karma de aprendizagem"
e desta maneira temos a oportunidade de restaurar pouco a pouco o equilíbrio de todas as
nossas ações conflitivas do passado. Talvez H. P. B. estivesse referindo-se a este fato
quando disse que a compaixão é a Lei das Leis.
No Gradual, como aparece na liturgia da Igreja Católica Liberal, lê- se:

“Aquele que ama a Sabedoria ama a vida; e os que procuram seus princípios
ficam repletos de alegria.
Ensina-me Oh Senhor o caminho dos Teus preceitos; e o guardarei até o fim.
Dá-me o entendimento e eu guardarei a Tua Lei; sim, e eu a guardarei de todo
o coração.
O caminho do justo é como a Luz Radiante: brilhando cada vez mais até o dia
perfeito."

A palavra "Gradual" vem da palavra latina gradus, que significa degrau ou algo que
ocorre por graus, de nível em nível. Nele nos é dito que quando compreendermos a Lei,
atingiremos, passo a passo, essa Luz Brilhante. Antes que possamos compreender os
preceitos e o funcionamento da Lei, registramos as correções que nos foram impostas e
que as vivenciamos como desagradáveis, como se aqueles seres que cumprem a Lei
estivessem contra nós. Ao mesmo tempo estes agentes da Lei não compreendem porque
nós, humanos, estamos constantemente violando a Lei Cósmica. Quando tivermos
entendido o funcionamento da Lei e pudermos mantê-la com todo o nosso coração,
quando formos capazes de trabalhar em completa harmonia com a Lei, então estaremos
em paz e cooperando harmoniosamente com aqueles Seres do Fogo, que vivem no Reino
da Mente.
Então o peregrino compreenderá que o conhecimento tem a sua função específica.
Aprende que com o conhecimento é capaz de criar, mas não tem Sabedoria para aplicá-lo
de maneira correta. Ele desenvolve a paciência. Gradualmente compreende que não está
separado do mundo que o rodeia, não é o único a ser afetado por suas ações. Ele começa a
ter um sentido de responsabilidade, de amor e gradualmente vai se tornando consciente
de que terá de abandonar sua atitude autocentrada. Se torna consciente, de forma
gradual, da Unidade de toda Vida. Desenvolve em si próprio uma reverência pela Vida.
Com este compreensão e visão interior desenvolve um forte impulso para seguir adiante.
Sabe agora que cada erro o levará mais próximo ao dia em que terá a capacidade de tomar
a decisão correta. É neste momento que o peregrino entra no Mundo da Luz, o Reino da
Sabedoria. Aqui entra em contato com os Anjos, os Devas do Mundo da Luz. Então pode
cantar bem alto: "O caminho do justo é como a Luz Radiante; brilhando cada vez mais até
o dia perfeito". Adquire a consciência, como disse o irmão Raja, que a Sabedoria pode
conter no seu Universo todo o conhecimento possível, mas que todo o conhecimento não
representa a Sabedoria.
29
As criaturas que atuam no mundo da Luz são algumas vezes chamadas de Seres
Brilhantes e têm como lema o "Serviço". Estes seres não compreendem que os seres
humanos possam não aceitar sua permanente ajuda, o que ocorre na maioria das vezes
porque não estão conscientes da presença deles. É dito que no trabalho cerimonial estes
seres gostam de estar servindo e não entendem que a maioria de nós não esteja
familiarizada com o trabalho interno dos rituais. Desta maneira deixamos estes Seres "de
mãos vazias", porque isso acontece apenas devido a nossa ignorância.
É dito que estes Seres não deixam sombra, não piscam o olho e não suam. O que isso
significa?
Estes Seres Brilhantes são tão puros, sem nenhum "eu" que não há nada que os faça
refletir ou refratar a Luz. Também é dito que diferentes ordens neste grupo de Seres
representa a Luz da Luz e a Luz do Fogo. Eles nunca piscam o olho porque têm plena
atenção, um estado de alerta no seu mais alto grau. Eles não suam porque as suas ações
não têm esforço e estão em harmonia com a Grande Lei.
O esforço sem esforço é conhecido pela ideia chinesa Wu-Wei que quer dizer "fazendo
nada". Isto não é sinônimo de "não fazer nada". Não é inação, mas ação impessoal, ação
pura, em plena harmonia com a Lei Cósmica.
O homem, olhando para o Reino da Sabedoria, o Mundo da Luz relacionou a safira com
a Sabedoria. O azul se relaciona com a água profunda, por um lado, e com a imensa altitude
do céu, por outro. Nas profundezas das águas, ela absolve todos os pecados e destas
profundezas nascem as virtudes. Entre o azul do céu e o azul da água, no horizonte, o
amanhecer que nunca termina e sempre existe, refletindo o nascimento da Luz. E aqui que
a transição para o mundo transcendental pode ser feita, onde o homem pode encontrar
suas raízes. E neste reino do espírito que o homem tem que aprender a dar, é aqui que ele
encontrará a sua senha. (1)
No Novo Testamento se conta uma história de um rapaz que perguntou ao Senhor
como ganhar a vida eterna. Foi-lhe dito que vendesse tudo o que tinha e desse aos pobres
"e você terá tesouros no céu: venha e me siga". Este rapaz foi embora muito triste porque
ele tinha muitas posses. Então Jesus disse aos seus discípulos "E mais fácil para um camelo
passar pelo buraco de um agulha, do que um homem rico entrar no Reino de Deus".
A jornada do Caminho ascendente se torna profunda, existem momentos em que a
visão do peregrino se abre, nos quais ele pode olhar para o pico da montanha. Conhece
intuitivamente que deve perder o eu. Torna-se consciente do sacrifício que tem que fazer, a
última dádiva que pode oferecer. A "via dolorosa" que serpenteia montanha acima. O
peregrino, de alguma maneira, sabe que deve abdicar de tudo que possui. Somente aqueles
que podem fazer este sacrifício final, conhecerão o que há além. Tudo que sabemos, é que
não existe outro caminho a ser seguido.

1 No original em Inglês: password. (N. E.)

30
CORRETA ASPIRAÇÃO
Dolores Gago de Fuerte (Uruguai)

A oportunidade de um encontro de tantas pessoas de diferentes partes do mundo é de


grande importância. Significa que aqueles que participam têm um interesse em comum,
uma razão que, de uma maneira ou outra, vêm criando a necessidade de estar presente.
Quando o propósito de um grande encontro internacional tem um programa que pode
ser analisado, estudado, aprovado ou repelido, a razão de assisti-lo se converte, para
alguns, na necessidade de defender suas ideias, algumas vezes convertendo esta defesa em
uma imposição e, desta forma, a reunião termina sem soluções verdadeiras para os
problemas tratados. É claro que também estão presentes aqueles que sinceramente
pensam e podem trazer opiniões razoáveis e úteis para descobrir soluções aos problemas
que constam da programação.
Nossa situação é um pouco diferente. Nosso programa tem como objetivos: tentar
descobrir meios corretos para que seja possível à mente humana alcançar a Sabedoria, e
que a sociedade como um todo possa expressar nobreza.
Outra diferença é que os nossos objetivos não ficarão totalmente solucionados após o
término do Congresso, porque estamos tratando com um assunto realmente dinâmico que
tem que ser enfrentado por cada um de nós aqui presentes e muitos outros que, mesmo
ausentes, sentem profundamente a necessidade de uma verdadeira mudança no
comportamento da humanidade como um todo.
A partir do momento em que o homem aparece no mundo físico, se vê afetado por
todo tipo de experiências. Sente a necessidade de satisfazer os seus desejos, suas ânsias,
suas aspirações. Todos sabemos que aquilo que um bebê deseja é diferente de um
adolescente e isso continua assim, dependendo da idade física e de acordo com as
aspirações que brotam do seu ser interior. Alimento, casa e oportunidade de ganhar o seu
sustento são condições indispensáveis para começar uma vida com um mínimo de
dignidade. Na verdade, a solução em relação a estas necessidades, na minha opinião, são o
ponto de partida de uma estrutura socialista teosófica para os habitantes deste mundo.
Mas, quando o homem vê que estas necessidades já foram atendidas, começa a desejar
algo mais, confundindo desejos com necessidades. Por isso se vê tentado a usar meios
incorretos e mesmo a atuar de uma maneira tal que lentamente vai criando um abismo
entre o que ele realmente pode adquirir e aquilo que deseja. Esta situação cria ansiedade,
animosidade, inveja, transtorna a mente velando a razão e endurecendo o coração. Uma
mente assim não vê com clareza porque está totalmente centrada em si mesma e
consequentemente o coração é incapaz de sentir a necessidade dos demais, inclusive, em
alguns casos, as necessidades de membros de sua própria família,
Esta falta de discernimento nos assuntos da vida diária coloca o indivíduo em situações
realmente difíceis que poderiam facilmente ser evitadas se pudéssemos compreender a
importância da sugestão de praticar o discernimento entre o que realmente é útil e
31
necessário daquilo que não é. Algumas vezes, nós, estudantes de Teosofia, nos envolvemos
em calorosas discussões dizendo que estamos exercitando o discernimento em relação ao
que é a Realidade, o que é real e o que não é. O que nem sempre nos lembramos é que se
espera que nós sejamos verdadeiros expoentes do que estamos tentando limitar com
nossos desejos e ilusões pessoais.
A explicação técnica relativamente à essência daquilo que está além das palavras - pois
somente é possível ter um vislumbre desta Realidade numa total quietude do coração e da
mente - seguidamente conduz a confusões verbais de tal magnitude que não têm aplicação
prática, não sendo úteis nem nas nossas vidas privadas nem tão pouco no nosso trabalho
teosófico.
Portanto, a ausência de discernimento, até nas coisas que parecem ser insignificantes,
conduz às aspirações incorretas, criando assim problemas difíceis de resolver porque as
assim chamadas aspirações têm a finalidade de satisfazer o "eu", numa atitude egoísta.
Consideramos, pois, que a aspiração correta não está relacionada com as necessidades
do mundo físico, mas sim com as necessidades da parte mais íntima do nosso ser. Sabemos
o quanto a mente humana é enganosa e como facilmente justifica o que desejamos. É
compreensível por que nos ensinamentos budistas se considera como aspiração correta a
busca da verdade e da Sabedoria, usando os meios corretos, ou seja, meios que não
prejudicam a outros seres. Nosso comportamento, segundo esta sugestão, poderia inspirar
nossos semelhantes a descobrir, por eles mesmos, o desenvolvimento de aspirações
corretas, que eliminam a ansiedade, um dos estados mais doentios da mente, considerado
pela medicina como o campo propício para a neurose, responsável pela criação de um
modo de vida alienado.
A literatura teosófica nos ajuda a compreender como estamos constituídos e de que
maneira os diferentes campos de energia, que operam no corpo humano, são afetados por
nossas escolhas.
Até onde eu posso compreender, nem um só desejo fica sem ser atendido; portanto,
deveríamos ter muito mais cuidado com relação ao que desejamos, porque o momento
virá, mas virá talvez em uma etapa da nossa vida quando não formos capazes de desfrutar
daquilo que desejamos em outro momento.
Assim, há uma diferença entre aspirar que um desejo se realize e uma aspiração que
queremos nos aproximar. No primeiro caso está o eu centralizado em si mesmo e, no
segundo, está também o eu, mas começando a esquecer-se de si e disposto a escutar a voz
tranquila da sua verdadeira natureza.
Eu vejo na convocação para este Congresso uma oportunidade para que alguns
definam as suas aspirações, para outros que as renovem e fortaleçam, e para o mundo
como um todo, uma ocasião de receber a inspiração que, sem dúvida, surgirá de nossos
estudos e debates e até de nosso silêncio.
Portanto, permitam-me convidar-lhes a revisar nosso comportamento, começando por
nossa vida diária. Fica claro para nós que, pertencemos a uma Sociedade cujo lema é a
valorização da Verdade e, ao mesmo tempo, nossas vidas são um conjunto de
contradições?
Há algum tempo a televisão mostrou uma reportagem que se referia ao contrabando.
32
Aparecia na tela um elegante cavalheiro fazendo um negócio ilegal com outro homem.
Imediatamente se via, na mesma cena, uma criança que olhava através do estreito espaço
de uma porta parcialmente aberta. Não se emitia nenhuma palavra, mas se podia ler ao pé
da tela as seguintes palavras: "Cuidado, as crianças nos olham".
Sejamos cuidadosos porque "os olhos que nunca dormem" estão sempre nos
observando ou talvez, poderíamos dizer, esperando o dia em que possamos nos descobrir,
porque, se consideramos que somos capazes de enganar o mundo com astúcia, somente
estaremos enganando a nós mesmos e a lei, que não tem nem permite preferências,
operará, quer concordemos ou não.
E qual é o nosso comportamento como membros da Sociedade Teosófica? Estamos nos
tornando peritos em temas específicos, mostrando grande capacidade dialética, mas sem
apresentar nada de útil para aqueles que vem as nossas reuniões com a esperança de
encontrar alguma resposta as muitas perguntas que, cedo ou tarde, aparecem em uma
mente inquisitiva?
Estamos tratando de impor nossas ideias como verdades últimas, dogmatizando assim
pontos que por milênios foram apresentados à humanidade como sugestões a serem
vivenciadas no decorrer de situações e de necessidades que se modificam?
Alguns dos presentes pertencem a uma geração que foi ensinada que o átomo era
indivisível e tivemos que "desaprender" - como diria o Dr. Jinarajadasa - muitas coisas dos
nossos dias de universidade. Estamos dispostos a "desaprender" algumas das nossas
afirmações e apresentar a Teosofia como uma Filosofia que possa ser compreendida por
todos, que possa ser aplicada hoje, agora, em nossas vidas diárias, seja como dona-de-casa,
homem de negócios, políticos, professores, economistas, advogados, médicos etc.?
Realmente nos sentimos responsáveis pelo que dizemos e proporcionamos? Estamos
dispostos a ver as necessidades do mundo ou estamos praticando uma ginástica intelectual
para provar aos outros que possuímos uma grande quantidade de conhecimento?
Aqueles que viram um pouco além, nos disseram que somos deuses exilados. Sabemos
que aqueles que tiveram que deixar seus países - não importa quão cômodos possam ter se
sentido em um lugar estranho - nas profundezas aspiram retornar. Esta situação se
expressa magistralmente nos ensinamentos fundamentais de todas as religiões, em mitos e
em contos de fadas. No curso da vida há um momento no qual o homem aspira
profundamente voltar ao seu lar e quando este sentimento brota dos níveis mais profundos
do seu ser, tentará encontrar o caminho de volta. Mas então se depara com o paradoxo
misterioso: sente urgência em ir para frente, mas não há nenhum lugar para onde se dirigir;
só existe a possibilidade de criar uma Senda pessoal que ofereça um elo confiável entre os
desejos comuns e as aspirações corretas. A compreensão e a aceitação da nossa condição
de deuses exilados nos traz simultaneamente um sentido de responsabilidade e de dever;
já que a ajuda à percepção de que a mesma vida que anima o nosso eu pessoal, também
está animando as miríades de formas viventes deste mundo.
Este ensinamento fundamental, devidamente compreendido, também pode ser a
chave para ampliar os horizontes das aspirações humanas. Na tradição sufi, escrita de uma
forma bela e poética, se faz menção ao elo entre Deus e o homem e se diz que desde a
eternidade, desde os tempos imemoriais, o Amado, dentro da sua solidão invisível,
33
levantou o véu que cobria a sua face e enfocou sua vista em direção a um espelho para
contemplar a sua maravilhosa beleza, mas imediatamente teve a aspiração de que os
detalhes desta beleza fossem manifestados em miríades de formas, das quais o homem é
uma delas.
Em todos os mitos é sempre o rei herói que, quando tudo parecia perdido, recebe de
uma fonte desconhecida e mágica, a chave para abrir o cofre onde se encontram
escondidos tesouros ou a chave para abrir o cadeado das correntes opressoras. A
característica particular deste tipo de herói é a aspiração correta, nascida de uma intrépida
coragem e uma profunda compreensão da necessidade de se ocupar do resgate d'Aquilo -
que uma vez encontrado - trará paz e felicidade. Todos nós podemos ser tais heróis, mesmo
quando nossa aventura não se dá em um lugar distante, senão dentro de nós mesmos.
Junto com a ideia teosófica fundamental de que há somente urna vida pulsando em
todas as formas, há também aquela de que ninguém pode resgatar sua própria dignidade
por si próprio.
Porque então seguir discriminando? Porque aprovar resoluções regionais que não
permitam aos fazendeiros produzir mais leite do que uma certa cota estipulada - dizem que
para manter um preço conveniente - enquanto milhões de seres morrem de fome?
O que é que de melhor se consegue quando armamentos sofisticados continuam a ser
fabricados, vendidos e logo usados para varrer regiões onde, uns minutos antes, famílias de
diferentes etnias compartilhavam alimento ou conversas?
Já não tivemos, por acaso, suficiente destruição física e mental?
É necessário que nos permitamos a oportunidade de ver quem somos e descobrir a
urgência de desenvolver aspirações corretas, que seguramente conduzirão à nossa
natureza essencial, trazendo discernimento às nossas mentes e compaixão aos nossos
corações.
Rumi, um conhecido poeta sufi, escreveu:

Somos a flauta, nossa música é toda Sua


Somos a montanha, emitindo só o Seu eco
Somos as peças de xadrez, que pelo Seu poder marchamos em fila
e nos dirigimos à derrota ou à vitória.

Façamos uma pausa para definir nossas aspirações. A escolha está em cada um de nós
e a derrota ou a vitória dependerá da Sabedoria expressa através de nossas mentes
conjuntamente com sentimentos verdadeiramente compassivos brotando de nossos
corações.

34
"NOBLESSE OBLIGE" (2)

Ali Ritsema (Holanda)

Geralmente quando falamos de "Obrigações da Nobreza", queremos dizer que ter


nascido em uma família nobre traz obrigações, ou seja a manutenção de um certo status,
uma certa maneira de viver e de se comportar.
Mas será que todos nós não nascemos na mais nobre das famílias da Terra, nascidos no
Reino Humano, sendo descendentes de Manasaputra, os Filhos da Mente, que encarnaram
para despertar a autoconsciência?
Desde aqueles tempos nós nos tornamos os filhos dos Deuses e a responsabilidade se
tornou nossa. A natureza de Manasaputra é a nossa natureza superior.
Mas isso não nos obriga a sermos mais profundos? Não significa que temos que ter
uma certa forma de vida e de conduta?
A humanidade em sua totalidade não nos mostra isso com clareza. Em todo o mundo
encontramos miséria, dor e guerra em nível pessoal, e em nível nacional. A humanidade em
sua totalidade parece estar distante do destino do homem, que é tornar-se autoconsciente,
ou seja, elevar o nível de consciência a um patamar superior.
É a humanidade que pode dar este passo para o alto, ou seja, para o interior; isto faz a
diferença entre a humanidade e os reinos inferiores da Terra.
À medida que o homem se unir ao nível pessoal conscientemente com a "centelha
divina" ou semente interior, será capaz de atingir ao seu destino divino, que é a sua
nobreza original por herança.
Nos Manasaputras, se diz que estávamos agindo sob impulsos do Karma. Nós, como
seres humanos nascidos na Terra, não estaríamos sob a ação de impulsos do Karma?
Acaso nós, que estamos interessados na Teosofia, não se supõe que nos damos conta
deste fato e que assumimos a responsabilidade que isso representa? Acaso não sabemos
que o que colhemos é aquilo que semeamos?
Acaso não sabemos que se não semearmos conscientemente a semente de uma
mente sábia, nunca colheremos realmente uma sociedade nobre sobre a Terra?
Nós que nos denominamos teosofistas, temos certeza de que é possível se criar uma
sociedade nobre na Terra. Acaso, nós os membros da S. T. não deveríamos trabalhar mais
e mais conscientemente sob esta questão?
Tem sido dito repetidamente que os teosofistas são os instrumentos da Loja de
Adeptos, para a tarefa contínua de iluminar o Manas da raça, e de uma forma mais ativa,
de iluminar o coração de todos os homens.
Esperamos que os membros da S. T. sejam teosofistas.
Esperamos dar o primeiro passo, para prepararmos a nós mesmos para o mais nobre
de todos os objetivos: o estudo da Ciência da Vida a Arte de Viver.
Como diz H. P. B.: "Um estudo sólido da teoria preparará aqueles que são sinceros para
35
praticar a vida do Ocultismo, que não é clarividência psíquica, não é penetrar o silêncio,
não é tornar-se auxiliar invisível durante a noite, mas sim conhecer o Ser Interior,
reconhecendo sua luz como um raio procedente da Luz Universal, mesmo que invisível,
intangível, inominável, exceto por meio de "a voz pequena da nossa consciência
espiritual".
O verdadeiro Ocultismo ou Teosofia é a "Grande Renúncia do Ser" incondicional e
absolutamente em pensamento e ação. Isso é ALTRUÍSMO.
Pode ser que ainda não estejamos preparados para a prática do verdadeiro Ocultismo,
como H. P. B. diz, mas estamos na posição de estudar a Ciência Divina, com o objetivo de
ter uma compreensão dos problemas relacionados com a Arte de Viver, que significa viver
nobremente, que significa Altruísmo.
Por que não dedicamos algum tempo para estudar e determinar o que vale a pena
para o mundo e para nós mesmos?
O mundo necessita dos ensinamentos da Teosofia para tornar-nos conscientes da
escolha que temos: para enfocar nós mesmos na natureza inferior ou na natureza superior.
Eu penso que não se pode dizer: "Eu não consigo distinguir a natureza das capacidades
nobres e superiores daquelas que são inferiores".
Se dissemos: "Eu não sei", em minha opinião, estaremos utilizando de desculpas para
nossas próprias fraquezas, falta de disposição por não querer saber. O homem, o ser
humano, tem a capacidade de saber, se ele quiser. No fundo, nós sabemos disso muito
bem.
A ignorância, o maior grilhão na Terra, não significa não saber mas sim não ser
consciente.
A Teosofia, o divino ensinamento de todas as eras, é para aqueles que estão
preparados e dispostos a recebê-la, a tornar-se conscientes daquilo que está dentro de si.
Como diz Robert Browning:

"A Verdade repousa em nós,


não nasce do exterior,
mesmo que não acreditemos,
há um centro íntimo em todos nos,
onde a Verdade habita plenamente;
saber consiste em abrir um caminho
por onde o esplendor aprisionado possa escapar,
em lugar de procurar por uma luz
que se supõe estar no exterior".

O que encontramos quando estamos dispostos a abrir um caminho para o esplendor


de que fala Browning? A nossa natureza essencial, o coração de nosso ser, nossa
característica essencial.
É aquilo que se transforma por si mesmo ou se desenvolve do interior ao exterior, seu

36
"eu" essencial por emanação, evolução, ou seja, aquilo que por impulso interior desenvolve
as potencialidades latentes em sua natureza, em si mesmo.
Nós, o mundo, o Universo, tudo - nos tornaremos o que realmente somos, ou o que
vamos ser através de nós mesmos. Nós construímos a nós mesmos, originamos de nós
mesmos, tornamo-nos nossos próprios filhos, temos feito sempre assim e continuaremos a
fazê-lo.
Somos responsáveis por nossos próprios atos, por cada pensamento que temos, por
cada palavra que pronunciamos. Construímos nossos próprios corpos, nossas próprias
vidas, nossos próprios destinos.
Não podemos colocar nossas responsabilidades sobre os ombros de outros, seja Deus,
anjos, homens ou demônios.
A palavra chave é: tornar-nos conscientes, autoconscientes da Divindade em nós,
dirigir-nos conscientemente, através da possibilidade de nos tornarmo-nos aquilo que
realmente somos em nosso mais íntimo ser.
Existe apenas um "mas": só pode ser feito "voluntariamente". Embora o Sendeiro seja
uma Senda real, não há favoritos que o percorram. Somente aqueles que fazem um esforço
voluntário, podem trilhá-lo. Mas diz H. P. B.: "nada é impossível para aqueles que querem".
Podemos nos tornar sábios se quisermos, quem sabe deuses. Temos apenas que escolher
"voluntariamente" entre nossas mais elevadas capacidades ou as mais inferiores. Podemos
conduzir a nós e ao mundo em direção a uma mente sábia e uma sociedade nobre, se
assim quisermos.
Isso significa que devemos praticar a unidade de propósito, de todo coração, de
maneira que nada possa nos afastar dela. Em A Voz do Silêncio está escrito: "Tens de
alcançar aquela fixidez mental em que nenhuma brisa, embora forte, possa insuflar-lhe no
interior qualquer pensamento terreno".
A iniciativa deverá vir de nós. Primeiramente, devemos tornar-nos conscientes de
nossos pensamentos, emoções, palavras. Apercebemo-nos que através de todas as
palavras que pronunciamos, todas as emoções que temos, modelamos o mundo?
Apercebemo-nos que estamos acostumados a desperdiçar palavras e ainda assim somos
incapazes de dizer aquilo que realmente queremos?
Estamos conscientes disso?
Por que estamos fazendo isso? Usamos muitas palavras para ser gentis ou desejamos
tornar-nos importantes? Queremos que nos vejam como pessoas inteligentes?
Consideramos que estamos mais perto da Verdade falando em demasia? As palavras
supérfluas nos conduzem a um degrau superior de nossa natureza mais pura?
Quanto mais abertos, corretos e diretos formos, mais construiremos um mundo
aberto, correto e direto, com maior clareza e honestidade.
Quando vivemos com simplicidade, há espaço para a realidade! Quando utilizamos
palavras fúteis existe uma névoa de irrealidade. Necessitamos, figurativamente falando, de
céu claro, de céu azul, da luz do Sol; então podemos ter uma visão clara, brilhante e ampla.
Estamos construindo um mundo envolto em névoas e devemos removê-las, porque
nós, como seres humanos, estamos destinados a ser conscientes. A Arte de Viver é tornar-
se consciente de nosso mais íntimo Ser. Dentro desta consciência se encontram todos os
37
poderes da Natureza.
Como o pensamento precede tudo, temos que ser conscientes dos mesmos, para
conhecer os seus poderes. Após esta etapa, sabemos que temos que ser senhores dos
nossos pensamentos. Antes de tornar-nos senhores de nossos pensamentos, devemos
conhecê-los. Temos que aprender a discernir entre os pensamentos que nos dispersam e
aqueles que brotam do interior. Em síntese, poderíamos dizer que temos que ser
conscientes, reflexivos, meditativos, cuidadosos.
Aqui entramos no palco do silêncio.
O silêncio é o transcender das palavras ou mais alguma coisa? Há momentos em que
estar harmoniosamente juntos em silêncio é mais significativo do que utilizar palavras? No
silêncio nós podemos nos comunicar com mais profundidade? Se deixamos de utilizar
palavras fúteis, descobrimos que podemos falar de coração para coração, de alma para
alma, do Ser para o Ser.
Enquanto damos ênfase às palavras que podem produzir discussões, incompreensões,
nunca atingiremos o objetivo de unir-nos dentro da S.T. e do mundo. As palavras são meios
de expressão que temos que utilizar apropriadamente, cuidadosamente. As palavras não
deverão afastar-nos da sua essência.
O silêncio não significa manter a boca fechada. Existem tipos diferentes de silêncio.
Quando mantemos a boca fechada, não estamos produzindo som, mas podemos estar em
silêncio e expressar-nos profundamente. Ousamos encontrar este silêncio?
O silêncio é o portal do mundo interno. Além deste portal poderíamos encontrar a voz
do nosso ser interno, geralmente denominada A Voz do Silêncio. Se escutamos esta voz e a
seguimos até a sua origem, então encontramos o Pensamento Divino, Todo Pensamento.
No livro A Voz do Silêncio se diz: “... tens de te sentir TODO-PENSAMENTO e contudo
exilar de tua Alma todos os pensamentos".
Pensamentos significam evolução! Cada pensamento pressiona para expressar-se, seja
em palavras, emoções ou ações. Eis o porque da importância de poder tornar-se consciente
do pensamento. Sabemos que pensamentos hostis produzem discussões e coletivamente,
o que é pior, guerras. Algumas vezes dizemos que sim, que criamos guerras por nós
mesmos. Mas eu me pergunto se sabemos o que estamos dizendo. Não é suficiente admitir
que criamos guerras. Temos que dar um passo adiante, sermos conscientes de nossos
pensamentos e, novamente mais um passo, para tornar-nos senhores de nossos
pensamentos com o propósito de "não" criarmos guerras.
O que pensamos, nos tornamos. Nós moldamos o mundo. O pensamento significa
evolução! Toda criação procede de pensamentos e ainda assim nós continuamos...
Esta é a diferença em relação aos Adeptos, dos quais se presume que os teosofistas
sejam instrumentos. Eles, os Adeptos, desenvolvem a forma dos pensamentos
conscientemente, enquanto os homens os projetam inconscientemente.
Se os verdadeiros teosofistas podem se tornar instrumentos dos Adeptos, então temos
que aprender também a utilizar nossos pensamentos como fazem Eles, conscientemente.
Pensamento é poder e o grau de intensidade torna este poder mais ou menos poderoso.
Quanto maior a intensidade, maior o poder. Podemos avaliar conscientemente se usamos
este poder como benevolente, curativo ou de maneira egoísta e, além disso, conhecermos
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a diferença?
Acaso a história humana não é um registro desta grande luta? Estamos
verdadeiramente conscientes? Sejamos honestos e inegoístas! Todo pensamento tem que
ser esgotado...
Como foi mencionado antes, existe o pensamento divino (D. S. Vol. I, p. 380 Adyar ed. -
em inglês). Existe o Plano Divino. Existem os Logos, os quais após as Trevas desapareceram
em seus próprios domínios de Luz Eterna, abriram sua compreensão e veem o mundo ideal
(até agora oculto no pensamento divino) as formas arquetípicas das quais todas as coisas
procedem para copiar e construir formas fugazes e transcendentes".
Os Logos são considerados a expressão externa da causa que está oculta. Assim, são a
expressão externa do pensamento. Eles, os Logos Criativos, abriram sua compreensão. Não
seríamos também, em essência, como os Logos, podendo abrir nossa compreensão e, ao
fazer isso, tornar-nos colaboradores do Plano Divino?
Sabendo que somos a própria evolução capaz de criar o mundo e os mundos, e que,
em essência, estamos destinados a ser nobres deuses para criar um mundo nobre, nada
podemos dizer além de: Tal Nobreza Obriga!

(2). Expressão francesa consagrada que significa: obrigações ou deveres da dignidade ou nobreza.
(N. E.)

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DESPERTANDO PARA O RELACIONAMENTO E PARA A RESPONSABILIDADE
Surenda Narayan (Índia)

Como todos sabemos, o tema para este Congresso Mundial da Sociedade Teosófica é
"Rumo a Uma Mente Sábia e Uma Sociedade Nobre". Dentro do âmbito deste tema tão
importante e tão atual, escolhi compartilhar alguns pensamentos com vocês esta noite
sobre "Despertando para o Relacionamento e a Responsabilidade".
Devemos notar que o tema não trata de uma situação estática, ou de uma situação
passiva, negativa e desencorajante. A abordagem é positiva, otimista, dinâmica, exigindo
que nos movimentemos em direção à bondade e à glória.
Para mim, o ponto crucial é o despertar ou o acordar, pois, se estivermos realmente
despertos, muitos problemas ficarão solucionados, obstáculos serão ultrapassados, e um
estado de pura consciência começará a prevalecer como consequência disso. Quando
despertamos do sono da noite, o que acontece? Despertamos para nossa consciência
natural e normal, a que tínhamos antes de ir dormir. A única diferença é que o corpo e o
cérebro se sentem renovados. O mesmo acontece com relação ao despertar do qual
estamos falando. Despertamos para aquele mais profundo nível de consciência ou
conhecimento, que é o estado real do Ser - ver, pensar, sentir e agir. Despertamos para o
que nós realmente somos. Aquele estado de despertar para aquilo que realmente somos
foi também referido de outra maneira - o da recordação. Conhecimento é simplesmente
recordação, disse Platão. E como um santo sufi colocou sucintamente: "A recordação
verdadeira consiste em esquecer tudo, exceto o Uno recordado - a Vida Universal que nos
abarca e todos os demais seres".
A metáfora do despertar ou de manter-se desperto tem sido amplamente usada na
Filosofia e na religião. Na Bíblia, por exemplo, na Epístola de Paulo aos Efésios, há uma
exortação: "Desperta, ó tu que dormes". (3) E depois acrescenta: "Cuidai, pois, para que
andem atentos, não como tolos e sim corno sábios.” (4) Uma metáfora algo similar
encontra-se na Primeira Epístola de Paulo aos Tessalonicenses (6), na qual ele também diz:
"Todos vós sois filhos da luz. Não durmamos, pois, como os outros, mas vigiemos e
sejamos sóbrios – revestindo-nos da fé e do amor, e como um elmo, a esperança de
salvação". Uma canção hindu sabiamente coloca isso assim:

"Meu sono foi interrompido. como poderia dormir uma vez mais? Porque agora
estou bastante desperto na vigília da Yoga."

Como todos sabemos, para a maior parte das pessoas, a condição de estar desperto
significa uma vida imersa nos desejos do mundo, a persegui-los interminavelmente, numa
vida que pensa apenas em termos de "mim" e "meus" desejos, minhas ambições e não
pensa nem sente nada pelos outros. Representa um estado de consciência no qual,
geralmente, a posse das coisas materiais é tudo que importa - dinheiro, bens de várias
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espécies, poder e a sensação de gozo físico e emocional. É uma vida de atividade
autocentrada, auto-sustentada e autoprojetada, e, então, realmente, uma vida isolada ou
mesmo alienada. Leva-se uma vida dessas na crença e na esperança aficionada de que a
felicidade é encontrada deste modo. Uma certa felicidade passageira, sem dúvida,
acontece, mas nessa jornada há mais dor e infelicidade do que alegria, pois a alegria,
quando procurada, frequentemente ilude o buscador, escorrega muito cedo de suas mãos
ou se transforma em cinzas. A alegria permanente não reside nas coisas sujeitas a
mudanças. A alegria não perdura se é conseguida com egoísmo, com insensatez de privar
os outros de tê-la, e com o sofrimento causado aos outros na sua busca.
No caso daquele que está desperto em um nível mais profundo de consciência, a vida.
é vivida em uma dimensão diferente, mesmo que seja uma vida em família, ou conduzindo
um negócio, ou exercendo uma profissão etc. O conteúdo básico, se se pode usar este
termo, de tal estado de pleno despertar, é a percepção - nublada inicialmente - de que
toda a vida é intrinsecamente una e que ela não pode ser vivida nem aproveitada de
maneira Isolada. Uma percepção de tal unidade naturalmente leva a um senso de
harmonia, para compartilhar e servir - não para agarrar e possuir. Não é de admirar que
esta unicidade ou unidade da vida tenha sido ressaltada nos ensinamentos de todos os
grandes benfeitores da humanidade. Na tradição oriental, exemplos usualmente citados
são aqueles de vários potes, todos feitos do mesmo barro; de diversos vasos vazios, todos
contendo o mesmo espaço ou ar e do inteiro e imenso oceano, que tem apenas um sabor -
o sal. A unidade, inevitavelmente, leva ao amor - os dois andam juntos. "Conhecendo o
Supremo como sendo todos os seres, o sábio expande o amor a todas as criaturas
indiscriminadamente" diz o Yishnu Purana da Índia. Uma expressão inspiradora da mesma
verdade encontra abrigo em um poema de uma poetisa mística alemã do século treze -
Mechthild of Magdeburg - quando ela diz:

"Sem nada forçar. o Amor flui


De Deus para o homem,
Como um pássaro que voa pelo ar
Sem mover suas asas.
Assim nos movemos em Seu Mundo
Unos em corpo e alma,
Embora externamente separados na forma."

Se olharmos a Natureza cuidadosamente, observando a multiplicidade de suas formas


e expressões, notaremos que todas as coisas dentro dela são harmoniosas e bem
ordenadas. É verdade que o leão ataca o cervo e que muitos outros animais e pássaros
vivem graças aos menores, mas os estudantes observadores dizem que eles matam apenas
quando têm fome e não por avidez. Por isso, vista como um todo, a vida na Natureza
intocada pelo homem não é vivida com medo e ansiedade e sim com harmonia, ordem e
equilíbrio, e na raiz disso tudo está, neste nível, um senso oculto e inconsciente de
unicidade ou unidade de toda a vida.
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A harmonia e o sentido de ordem que vemos na Natureza reflete relacionamentos
corretos. A vida no Universo mostra um movimento baseado em um padrão equilibrado de
integração, sem o qual ela se separaria, deixaria de existir e estancaria seu crescimento. O
esquema total da Natureza é baseado num ritmo de partilha e apoio. Referindo-se a esta
unidade da vida, Plotino observou uma vez que cada coisa estava em tudo, e tudo estava
em cada coisa. E depois ele acrescentou: "O homem, como está agora, cessou de ser o
Todo. Mas quando ele deixa de ser um indivíduo, ele se eleva outra vez e abarca o mundo
inteiro". Exortando a humanidade contra o egocentrismo, J. Krishnamurti disse uma vez:
"Dividimos a Terra como sua e minha - sua nação, minha nação, sua bandeira, e a bandeira
dele, esta religião particular, e a religião daquele homem lá longe. O mundo, a Terra, está
dividida, partida. E por ela nós lutamos e nos batemos, e os políticos exultam em seus
poderes para manter esta divisão, nunca olhando o mundo como um todo".
Devemos ter, contudo, como incentivo que, pondo de lado alguns deles, há entre
alguns cientistas-físicos um despertar para uma visão de unidade ou relacionamento de
toda a vida. E nisso, talvez, Albert Einstein fosse um pioneiro no início deste século.
Acreditando na ordem inerente à Natureza, ele declarou que seu sentimento religioso
tomava forma de um êxtase diante da lei natural. A visão de harmonia e totalidade
avançaram mais quando a Teoria Quântica foi enunciada. Fritzjof Capra escreve: "Os físicos
examinaram a estrutura do átomo e descobriram que as partículas sub-atômicas, depois,
não são 'coisas', mas sim interconexões entre as coisas", e estas 'coisas', por sua vez, são
interconexões entre outras 'coisas' e assim por diante". David Bohm, o eminente físico
britânico, em seu livro Totalidade e a Ordem Implícita escreveu: "Finalmente, o Universo
inteiro... tem de ser compreendido como um único todo indivisível, no qual a análise sobre
partes independente e separadamente não tem uma condição fundamental".
Aquilo que cria obstáculos e impede os relacionamentos é nossa percepção limitada e
repartida, nossa introversão, procura de desejos, anseios, opiniões, crenças, convicções e
padrões de pensamento. Gosto disto e odeio aquilo, quero isto e não aquilo, devo alcançar
rapidamente o mais alto posto no serviço, nos negócios, na política, sem refletir em como
atingir isso e totalmente insensível sobre os sentimentos e as aspirações de meus colegas,
amigos, algumas vezes mesmo meus próprios irmãos, filha ou filho. Formulei uma crença,
ou acredito em uma teoria científica, uma política, uma economia social, uma religião ou
arte, e a ela me prendo obstinadamente e espero que todo mundo a aceite. Aqueles que
surgem em meu caminho na busca do que eu quero, e aqueles que não concordam com
minhas opiniões, minhas crenças e padrões de pensamento não são meus amigos; são
meus adversários que devem ser distanciados e mesmo punidos.
O relacionamento correto não pode assim surgir onde há, dentro de nós, avareza,
egoísmo, egocentrismo e falta de respeito pela dignidade inata de outra pessoa, não
importando quais sejam as opiniões, os pontos de vista, as crenças de um homem ou de
uma mulher. Podemos usar outra pessoa para nossa própria vantagem psicológica ou física,
como frequentemente fazemos na família, mas isso não é relacionamento.
Relacionamento, como disse um sábio, é comunhão, e como pode haver comunhão, se há
exploração, ou opiniões unilaterais? O relacionamento floresce no amor - não num amor
poluído pelo egoísmo, pela mente estreita, calculista, mas no amor que nada pede em
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troca, não calcula benefícios a serem conseguidos, nem mesmo espera reconhecimento,
apreciação e agradecimentos.
O relacionamento, naturalmente, implica responsabilidade, mas essa
responsabilidade, se o relacionamento é correto, não é um dever a ser de alguma forma
desempenhado, como um dever a nós imposto pelas Escrituras. É uma ação natural,
espontânea, fluindo facilmente e derramando-se sem tensões. Como um professor certa
vez colocou, um homem que ama não fala de seu dever de amar - ele ama. Assim também
faz a mãe, ela apenas ama seu filho. Perceber tal responsabilidade, mesmo em pequenas
proporções, é o começo de uma vida verdadeiramente integrada.
Parece-me necessário um aviso contra o perigo de um sentimento de responsabilidade
mal colocado o qual, inevitavelmente, cria problemas e conflitos na família e na sociedade.
Esse perigo deriva, outra vez, do egoísmo, de um sentimento de ser importante e estar
sempre certo e superior, operando em um indivíduo que leva uma vida num círculo
restrito, ou mais abrangente - a família, a comunidade, o país ou o mundo.
Frequentemente ouve-se falar de pais que impõem a escolha de uma carreira a um filho,
porque, ou o pai ou a mãe, são responsáveis pelo futuro da criança. Houve mesmo um pai
que estava convencido de que era sua responsabilidade decidir se o filho deixaria crescer o
bigode e a barba, ou usaria o rosto bem barbeado. A comunidade, de maneira semelhante,
dita muitas vezes quais as crenças que seus membros devem ter, que roupas devem usar e
como as mulheres devem viver e se comportar. O Estado tenta estipular o que é bom para
seus cidadãos, prescrevendo uma política ou uma teoria econômica particulares, ou mesmo
uma religião particular e, dentro da religião, crenças particulares. Tudo isso é uma
caricatura da responsabilidade, pois o "eu" indisciplinado está outra vez erguendo sua
cabeça.
O que auxilia as pessoas a despertarem para o relacionamento e a responsabilidade
corretos? - pergunta-se. Uma resposta aparentemente simples, parece ser a que se
encontra na clássica obra teosófica Luz no Caminho, onde é dito "Mata todo o sentimento
de separatividade". Pode-se dizer isso um pouquinho diferente: Tenta elevar-te acima da
mente separativa. O relacionamento não pode germinar, muito menos florescer, em uma
atmosfera de separatividade, numa mente que vive em divisão. Uma mente separativa não
pode ser uma mente sábia, nem pode levar a uma sociedade nobre, pois a Sabedoria é
unitiva e a nobreza é magnânima!
Voltando agora ao curso normal da vida diária, podemos declarar que as influências e
posturas da infância desempenham um papel positivo, tanto em casa como na escola,
auxiliando uma atitude de não separativismo e, por isso mesmo, de responsabilidade.
Primeiro em casa. Nós, os pais, estamos ajudando nossas crianças a crescerem em amor e
em afeição mais ampla? Os pais muitas vezes brigam entre si por trivialidades e esperam
que seus filhos sejam carinhosos. Eles dizem mentiras e querem que seus filhos falem a
verdade. Eles são maledicentes, falam mal dos outros, mas esperam que seus filhos estejam
acima disso. Se uma criança não volta da escola com um boletim, que confira a ele ou a ela,
o primeiro lugar, eles são repreendidos, ou melhor, humilhados, como se as trinta ou
quarenta crianças da classe pudessem alardear em casa o primeiro lugar para deleite de
cada um dos trinta ou quarenta pais. Tais atitudes geram sentimentos profundos de
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separatividade entre as crianças que estudam juntas na mesma classe. Devemos perguntar-
nos: Estamos ajudando nossos filhos a crescerem corretamente?
Em seguida, a educação nas escolas. Notamos que o padrão usual de educação exige
mais o desenvolvimento do cérebro do que o crescimento geral da criança - incluindo o
coração ou o lado mais belo da natureza humana. As classificações são geralmente
determinadas por notas em testes e exames escritos. Não há, normalmente, intenção de se
emitir nenhuma nota para a conduta geral, atitude e comportamento da criança - ela
coopera, auxilia, considera as pessoas, é gentil no trato com os demais? Em vez disso, a
competição é o motivo primordial. Uma atmosfera de separatividade leva a problemas
realmente sérios. Sentimo-nos alarmados ao ouvir, ou ler algumas vezes sobre lutas de
facções, violência nas escolas e universidades, e sobre meninos portando pistolas e
canivetes quando vão às aulas. Por isso é necessário que se dê a devida importância ao
desenvolvimento de valores morais básicos ou, se alguém não gostar do termo valores
morais, ao desenvolvimento daqueles valores que conduzem ao crescimento da harmonia
numa vida mais ampla. A ênfase, neste contexto, também precisa ser colocada sobre os
fatos da Natureza, os quais são agora enormemente aceitos - que o Universo é
interdependente, que os seres humanos são parte da Natureza e que um viver sustentável
depende de se respeitar o funcionamento sustentável de sistemas naturais.
As influências que prevalecem na escola são vitais no auxílio do despertar de um
espírito de integração, respeito, amor e preocupação pelo bem dos outros. Uma grande
responsabilidade está nos educadores e no sistema educacional de uma sociedade.
Voltemos agora à religião, pois ela continua a desempenhar - para o bem ou para o mal
- um papel significativo nas vidas e nas atitudes das pessoas de um modo geral. A religião,
corretamente compreendida, e corretamente vivida, auxilia consideravelmente no
despertar para relacionamentos saudáveis. Professores de diversas religiões têm muitas
vezes ressaltado e enfatizado que a religião não é mera teoria ou Filosofia, mas deve
refletir-se em amor e boa vontade nas vidas diárias. A verdadeira religião representa um
viver responsável, um relacionamento afetuoso e solícito para com as outras pessoas - não
importa a classe, país ou cor que possam ter. Os ensinamentos básicos de uma religião são
os mesmos, a diferença está principalmente nas formas e detalhes, no ritual e na
cerimônia. O Dr. Bhagavan Das, um eminente filho da Índia, em seu livro Essential Unity of
All Religions sugere basicamente: "A religião deve ser tida como um sorriso de triunfo,
como um belo ornamento, em meio à alegria do próprio coração ao alegrar os corações de
todos os outros que dela precisam... Deve ser seguida principalmente no coração, como
amor filantrópico e piedade; não deve ser ostentada como cartazes e rótulos, no rosto e na
testa. em maneiras diferenciadas de pentear o cabelo ou de usar os lábios ou o queixo, ou
usando cores diferentes ou distintivos ou roupas para exibicionismo ou anúncios religiosos,
com a intenção de enfatizar a separatividade".
A religião pode tornar-se uma força para se promover a integração, se as pessoas
procurarem viver os ensinamentos profundos de amor, Fraternidade e boa vontade para
com todos; se o símbolo de cada religião se tornar um símbolo de bênção na apresentação
multi facetada da verdade uma, da Unidade de toda a vida e, por conseguinte, da
Fraternidade humana. Este trabalho difícil está sendo tentado por muitos indivíduos - tanto
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os bem conhecidos como os desconhecidos - e por muitas organizações através de livros,
palestras, discussões, conferências e, sobretudo, no encorajamento de se viver uma vida
verdadeiramente religiosa de desprendimento e serviço por todo ser humano. O presente
Congresso Mundial deve mesmo ajudar neste empreendimento. O Parlamento futuro das
Religiões do Mundo em Chicago, no próximo mês, está também preparado para servir ao
mesmo propósito.
A Ciência Moderna e a Ecologia também podem ser usadas como meio significativo
para promover compreensão global e responsabilidade, se suas descobertas e percepções,
particularmente no campo da totalidade e inter-relacionamento, não forem mantidas como
temas meramente teóricos, porém projetados poderosamente no cenário mundial como
precursores de uma ordem de um novo e harmonioso mundo. Os rápidos e eficientes
meios de comunicação global - áudio e visual - podem e devem ser utilizados nos esforços
provindos de muitos lados em direção ao despertar da humanidade para a bondade na vida
engrandecida.
E não devemos ignorar o papel do Estado ou do governo em promover a sociedade
responsável. Muitas vezes uma ou poucas pessoas sábias no mais alto posto podem fazer
toda a diferença, e somos nós que as colocamos lá em cima! Um estado justo, um excelente
governo que procure cuidar de todos os seus cidadãos, suas necessidades, sua felicidade, e
que não faça distinção entre pessoas quanto à religião, ao sexo, à condição econômica etc.
e que, mesmo ultrapassando os limites do nacionalismo estreito - o qual J. Krishnamurti
chamava tribalismo - planeje e execute suas políticas e programas de modo que, não
atacando outras nações, ainda as auxilie através de colaboração mútua. Tal estado pode
proporcionar uma importante contribuição para a paz e para um viver internacional
responsável. Felizmente, agora há alguma evidência do começo de uma consciência
internacional melhor ao nível de nações e estados - vacilante e apática, talvez, no início.
Finalmente, se considerarmos isto cuidadosamente, tudo tem a ver com o ser humano
individual, a chave para uma nobre sociedade, a sociedade que é tanto livre quanto
responsável e, por último, o indivíduo, o indivíduo pensante, que está tentando,
ansiosamente, compreender e conhecer a si mesmo - sua condição real ou sua natureza,
que está muitas vezes coberta com toneladas de despojos das condições físicas, emocionais
e mentais. Todos os professores por isso têm enfatizado a necessidade do
autoconhecimento - o conhecimento do ser espiritual interno, o qual é tão puro quanto
poderoso em sua bondade. Sua força está em sua pureza e sua pureza está na unidade com
a fonte da vida e, por conseguinte, com toda a vida. Estudar e escutar, contemplar,
observar vigilantemente a si mesmo no espelho da vida mais completa, e o serviço sem
egoísmo são frequentemente mencionados como os meios do autoconhecimento. Mesmo
uma rápida olhada na nossa natureza real ajuda enormemente e leva a um sentimento de
totalidade crescente, abstração e amor.
Um indivíduo que está crescendo em pureza e consciência mais profunda torna-se
cônscio de sua própria responsabilidade e percebe que, não importando a pequenez de sua
contribuição, ela ainda pode ser importante e significativa. Enfatizando o papel de um único
ser humano desperto, o evangelho segundo Tomé ressalta que "dentro de um homem
iluminado há luz e ele ilumina o mundo inteiro". E iluminando o mundo, luzes
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pequeníssimas também têm o seu papel, e cada um de nós pode acender uma pequena
vela, se nós assim quisermos. Logo que os indivíduos começarem a se modificar, a
sociedade e o mundo como um todo também gradativamente se modificará.
Sou otimista, e este otimismo está baseado em uma fé permanente e profunda na
bondade fundamental da natureza humana, e em que a humanidade, como um todo, deve
se movimentar e, por conseguinte, movimentar-se-á em direção ao bem. Hermes disse que
"um homem na Terra é um deus mortal, e um deus no Céu é um homem imortal". Alguns
poetas notórios deram alguma expressão a este sentimento de otimismo sobre o futuro da
humanidade. Tennyson apresentou uma visão de um arriar de bandeiras de batalha e
tambores de guerra não mais ressoando em um parlamento do homem e uma federação
do mundo. Emerson escreveu sobre a emergência de uma humanidade ampla - nobre e
com um grande coração. Deixem-me referir mais um poeta bastante conhecido, Walt
Whitman, do qual gosto de citar um dos poemas intitulado "Àquele que foi Crucificado".
Nesse poema, ele escreve sobre homens e mulheres bons em Terras diferentes que se
consideram iguais, acima de todas as castas, Teologias e estreitamento de crenças, que são
compassivos, com um sentimento de compreensão mais profundo e que, por isso,
cooperam com os outros na promoção de um bem maior:

''Caminhemos em silêncio em meio a disputas e afirmações


Caminhemos eretos, livres, sobre toda a Terra,
viajando acima e abaixo
Até que saturemos o tempo e as eras,
e que homens e mulheres das raças, das eras do futuro
possam provar sua Fraternidade e amor,
como estamos fazendo".

Essas coisas, para mim, não parecem simplesmente voos da fantasia, e sim visões de
um futuro que está destinado a chegar, e pode ter sua chegada abreviada se
demonstrarmos vontade e determinação no auxílio ao despertar para o amor e a harmonia.
Por vezes, ao virmos a condição do mundo como está hoje, tendemos a perder as
esperanças e, muitas vezes, começamos a perguntar-nos o que podemos fazer, como
indivíduos sós. O mundo, porém, consiste apenas de indivíduos, e o mundo é e será como
os indivíduos são e tentam ser. Quando alguém perguntava a J. Krishnamurti como a
transformação de uma pessoa poderia afetar o mundo, ele simplesmente respondia:
"Transforme-se e veja o que acontece!"
Cada um de nós possui a capacidade e o poder de afetar, influenciar e despertar muitas
vezes, imperceptivelmente, muitas outras pessoas através de nossos pensamentos,
sentimentos, palavras, escritos, ações e modo de viver. Como um sábio colocou, o correto
não é necessariamente a força, mas tem a tendência de reunir a força ao seu redor. A
História traz para isso um vasto testemunho, e tivemos alguns vislumbres deste fenômeno
recentemente, quando mudanças repentinas sobrevieram à antigamente chamada União
Soviética e Europa Oriental. Quem poderia imaginar, dez anos atrás, que o inexpugnável
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Muro de Berlim seria tão cedo derrubado? Alguém disse que um grito nas montanhas,
algumas vezes, provoca uma avalanche!
Estamos, cada um de nós, como seres humanos individuais, prontos e desejosos de
contribuir com nossa força, exercer nossa responsabilidade, não importando quão
insignificante ou desimportante isso possa parecer exteriormente? À medida que
pudermos, cada um de nós continuará respondendo afirmativamente a esta pergunta?:
estamos ajudando a aurora de um futuro mais brilhante de relacionamentos corretos, boa
vontade e paz? Não nos esqueçamos da inspiração, como um legado deixado para nós há
séculos, pela Sabedoria grega e pelo filósofo Pitágoras, quando disse: "Tenham coragem, a
raça humana é divina". A isso posso acrescentar outra parte do Evangelho Segundo Mateus,
que lembra o desejoso e devoto o seguinte:

"Vós sois a luz do mundo...


Assim brilhe também a vossa luz diante dos homens,
para que vejam as vossas obras e glorifiquem a vosso Pai que está nos céus".

O futuro está em nossas mãos. Procuremos atuar sabiamente e ajudar a construir uma
sociedade gloriosa.

(3) Efésios 5:14. (N. E.)


(4) Efésios 5:15. (N. E.)
(5) I Tessalonicenses 5:8 (N. E.)

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INTELIGÊNCIA, A BASE PARA O RETO VIVER
Tran-Thi-Kim-Diêu (França)

"O Céu e a Terra duram muito


Porque eles não vivem para si".
TaoTeKing

"Eu não sou um homem erudito;


todo o meu pensar procede da Mente Una".
Confúcio

A maioria de nós concordaria que o mundo atual necessita de um reto modo de vida
para que possamos evoluir rumo a uma sociedade que mereça ser chamada de "nobre". Ao
se refletir como uma tal sociedade nobre pode ser estabelecida, poderíamos perguntar: O
que é reto? O que é retidão? O que é virtude? Será que uma difere da outra? Qual é a base
do reto viver?
Para um observador atento, a vida é uma rede de relacionamentos entre indivíduos.
Não podemos fazer muito para alterar certos aspectos desses relacionamentos porque eles
são o resultado do passado. Mas há outros aspectos do relacionamento onde as condições
podem ser mudadas e onde até mesmo a qualidade e o desenrolar dos eventos podem ser
determinados. O reto viver pode ser considerado como a maneira correta de agir com
relação a esses outros aspectos do relacionamento de forma a elucidar e simplificar as
coisas ao diminuir a influência dos aspectos anteriormente citados - aqueles que surgem do
passado. Então, o reto viver conduzirá inevitavelmente as pessoas que entram em contato
umas com as outras a relacionamentos harmoniosos, nos quais os conflitos - quando e
onde quer que possam ocasionalmente ocorrer - seriam resolvidos com afeição, atenção e
auto-esquecimento.
Assim, o reto viver não tem nada a ver com o que é chamado de moralidade social. A
moralidade social é um conjunto de regras convencionais que, sancionadas pela lei e
aceitas pela maioria numa comunidade, visa introduzir alguma ordem na vida comunitária.
Esta ordem é meramente uma forma de acordo mútuo entre as pessoas. Ela torna possível
preservar os interesses da comunidade e dos indivíduos, desde que aquela tenha
precedência sobre estes.
Embora a lei e as regras possam produzir uma certa ordem necessária numa
comunidade ao codificar os relacionamentos entre as pessoas, uma tal ordem é superficial.
Regras e leis cegamente aplicadas podem esmagar os indivíduos. A verdadeira harmonia
dentro dos relacionamentos está então totalmente ausente, embora uma ordem aparente
possa ser produzida e mantida.
Parece que a necessidade de regras e leis para assegurar o bom funcionamento de uma
comunidade contém dentro de si suas desvantagens. Na verdade, no momento em que se
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torna necessário resolver disputas entre uma comunidade e indivíduos, a ideia ou conceito
de uma diferença fundamental entre ambos é admitida. Dessa forma, as leis e regras
evoluíram da ideia básica de que uma comunidade e os indivíduos que a compõem são dois
parceiros completamente diferentes. Esta ideia é completamente errônea, uma vez que
toda comunidade é composta de indivíduos, e cada indivíduo, sem exceção, constitui uma
parte estrutural de uma comunidade. Além do mais, não há diferença entre os dois, cada
indivíduo sendo fundamentalmente idêntico à comunidade, seja ela um grupo, uma
sociedade ou a humanidade como um todo. Uma vez que a ideia básica que deu origem às
regras e leis que definem e mantêm a moralidade social é errônea, esta nunca é suficiente
para gerar um reto viver e criar harmonia entre os seres humanos.
Talvez possamos ser tentados a vincular O reto viver a uma certa moralidade religiosa,
uma vez que, tradicionalmente, a religião existe para assegurar que seus crentes ou
seguidores sejam educados na retidão. Mas vincular o reto viver à moralidade religiosa não
parece ser um modo de pensar estritamente correto. As religiões organizadas em geral
contêm inegavelmente conjuntos de dogmas, crenças, credos e práticas supersticiosas que
nada têm a ver com a essência da espiritualidade, que é Religião em seu sentido mais
elevado. Embora a aplicação da moralidade religiosa à nossa vida possa conduzir, em
alguma medida, a uma certa ordem dentro da comunidade, esta ordem permanece
artificial.
Além disso, a religião frequentemente cobra um preço elevado de seus crentes, pois
seu impacto é quase sempre baseado em última análise em dogmas rígidos, de forma que
os mais obedientes dentre os seus seguidores são privilegiados - ou pelo menos lhe
prometem uma recompensa - na forma de vantagens materiais durante a vida e o paraíso
após a morte. Algumas religiões conferem até mesmo mais privilégios aos homens do que
às mulheres, causando, assim, uma clara separação entre os dois sexos da humanidade,
abertamente permitindo, isto é, legitimando, a exploração das mulheres pelos homens.
Mas o maior preço que os crentes têm de pagar é obviamente a perda da liberdade de
pensamento. Confinados nos limites de dogmas estabelecidos, o pensar rapidamente
torna-se um conjunto de padrões de pensamento, ideias preconcebidas e valores baseados
em dogmas. Estes padrões sufocam as verdadeiras faculdades espirituais nos crentes, de
forma que, cedo ou tarde, esses seres humanos são privados da possibilidade do
verdadeiro florescimento espiritual. Uma mente fechada torna-se tão rígida quanto uma
estrutura de ferro. Uma tal mente nunca pode perceber o que está além. E o que está
além, sendo mais inclusivo, está mais próximo da verdade e, portanto, do que é correto.
Dessa forma, a religião não pode dotar os seres humanos com uma reta visão que poderia
gerar um reto viver.
Assim, embora a moralidade social aplicada possa produzir a ordem requerida para
tornar possível uma vida comunitária factível entre os seres humanos, seu conceito básico
é completamente errôneo e, embora a moralidade religiosa seja a base do reto viver,
produz uma mente fechada, impermeável ao que é verdadeiramente reto.
Além do mais, na maior parte ao tempo, uma retidão que é rígida aprisiona o indivíduo
que pensa ser reto em sua imaginação. Não há orgulho mais sutil e pior do que o de se
acreditar ser reto e virtuoso. Isso atua como uma barreira que separa o indivíduo dos
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demais. Ao reforçar a ideia do "meu", do "eu"- mesmo crendo-se virtuoso - ele reforça as
diferenças entre o indivíduo e os demais, intensificando assim a separatividade.
Em última análise, parece que o que é reto não depende de códigos, regras ou leis
feitas pela mente humana, e que a maneira como de hábito pensamos sobre o que é reto,
frequentemente difere muito do que é verdadeiramente reto. Portanto podemos
perguntar: "Com que base podemos garantir que esta ou aquela coisa é reta?", "Qual é o
significado do que é reto?".
Dissemos anteriormente que o reto viver deve necessariamente conduzir a
relacionamentos harmoniosos entre as pessoas e que os conflitos, como e onde quer que
possam ocasionalmente ocorrer, seriam então resolvidos com afeição, atenção e auto-
esquecimento. Uma vez que os relacionamentos harmoniosos podem ser definidos como
aqueles nos quais os conflitos estão ausentes, sua solução necessita ser examinada bem
como sua ocorrência.
O que acontece quando surge um conflito entre dois indivíduos? Na maior parte das
vezes os interesses de um - ou suas opiniões ou o que quer que considere como seu - são
opostos aos do outro. Poder-se-ia argumentar, dando várias razões e motivos. Entretanto,
se há sinceridade e honestidade para consigo mesmo, pode-se claramente ver que todos
os argumentos e motivos são superficiais e baseados na autopreservação. A raiz das
opiniões, interesses etc. de um indivíduo é aquela com a qual ele se identifica e segundo a
qual ele age.
E, então, óbvio que o problema do conflito como um todo está enraizado nesta falsa
ideia de que "eu sou eu, separado, distinto dos outros". Esta falsa ideia básica dá
surgimento a um ponto de partida distorcido, por assim dizer, ao fornecer uma visão
truncada de toda a situação que de fato existe. Tendo como base esta visão distorcida, o
reto viver não pode ser descoberto.
O problema do conflito está naquilo com o que cada indivíduo identifica-se. Não se
pode agir baseado no que não pensamos ser. A qualidade do ser com o qual nos
identificamos inevitavelmente definirá e determinará não apenas as condições e a
qualidade de nossa ação como também sua própria natureza.
Há uma história de um bebê-tigre que se perde de sua família numa idade muito tenra
e cresce entre as ovelhas. Dessa forma, ele caminha como uma ovelha e berra como uma
ovelha. É claro que ele pensa ser uma ovelha até que um dia sua mãe o encontra e vem até
ele. Mas o jovem animal está tão assustado de ver um tigre aproximando-se dele que foge
e se esconde atrás de uma rocha. A mamãe-tigre grita para ele: "Por que você está com
medo? Você também é um tigre". Não é preciso dizer que o jovem tigre tem sérias dúvidas
sobre sua verdadeira identidade. Tremendo de medo, ele pensa: "Não é verdade: ela vai
me despedaçar e me comer como aos meus companheiros". Mas sua mãe lhe diz para ir
até um lago e olhar seu reflexo na água. Diante de sua insistência, ele finalmente concorda
em ir. Tão logo ele olha para a superfície do lago, fica impressionado pela sua semelhança
com a mamãe-tigre! Ela então ruge para ele, mostrando-lhe sua linguagem comum. E o
jovem tigre ruge para ela. Nunca mais irá se identificar com uma ovelha. Ele agora sabe
que é um tigre.
Estamos - assim como o jovem tigre na história - inseguros de nossa Identidade? Ou
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não conhecemos nossa verdadeira natureza? Estamos berrando como as ovelhas? Fazendo
o papel da mamãe-tigre, gerações de videntes têm incessantemente rugido para nossas
almas. Talvez estejamos com medo e, com medo, estamos ainda fugindo e nos
escondendo atrás da rocha do "eu", protegendo-nos contra nossa verdadeira natureza.
O reto viver não pode ser encontrado a menos que o indivíduo cesse de se identificar
com qualquer parte superficial e externa de seu ser. Como os valores pelos quais um
indivíduo age e se esforça são aqueles que pertencem ao nível de sua identificação, o reto
viver - colocando a questão de forma simples - não é diferente da entrega incondicional do
eu pessoal, com seu conjunto de valores, aos valores da verdade, quando se encontra face
a face com eles.
Uma vez que os valores da verdade não são diferentes da ética universal, o reto viver
origina-se necessariamente de uma visão oni-abrangente que inclui todos os seres e não
exclui nada nem ninguém, nem animais, plantas, minerais nem outras categorias de seres
até agora desconhecidas para nós. É muito mais do que virtude moral e, contudo, não se
reconhece como tal. Seu fundamento está na percepção da Existência Una, na qual cada
ser em cada reino, ao preencher seu próprio destino a seu modo, tem seu próprio lugar
integrado na totalidade única. Naquele nível, o bom não é o oposto do ruim e não há uma
tal coisa como mal.
Poder-se-ia dizer que tudo está bem, e a bondade, que é o florescimento natural do
reto viver, é de fato a qualidade intrínseca da Unidade.
Este reto viver deveria estar refletido nos relacionamentos entre as pessoas, onde a
afeição, sendo uma expressão do amor compassivo universal, não é maculada pelo apego
ou pela predileção apaixonada. A percepção atenta, que subjaz aos relacionamentos e lhes
infunde vida, deveria estar ativa tanto externa como internamente, de modo que tão logo
o eu pessoal reivindique os seus direitos egoístas - e ilegítimos - ele seja afastado como um
intruso do processo amoroso da comunhão.
Quando a percepção atenta torna-se ativa, ela testemunha a emergência deste
processo amoroso que coloca em movimento uma energia refinada, sutil e, contudo,
poderosa. A percepção está ativa, a energia circulando, a vida sendo compartilhada,
entretanto nenhuma entidade existe. Um tal processo amoroso é simplesmente um
movimento de desabrochar de algo a partir do invisível, sem nenhuma qualificação,
nenhum nome. Ele não pode ser agarrado. Não pode ser tocado. Mas há a percepção
dele.
Começamos a nos perguntar: Afinal de contas, não somos, cada um de nós, apenas a
consciência passando através do mundo das aparências a fim de experimentar e
testemunhar? Se assim é, por que deveríamos queixar-nos de qualquer coisa, qualquer
que seja? Por que adoecemos com a pressa, tentando obter e possuir? Pois um andarilho
que passa através do mundo das aparências nem pertence àquele mundo nem coisa
alguma do que nele está lhe pertence. O seu modo de comunicação com o mundo das
aparências não está baseado no obter e possuir, mas no experimentar e largar.
Sempre que houver a atitude de obter e possuir, a experiência cessa para o andarilho
que passa. A consciência fica aprisionada numa expressão limitada na forma de uma
astúcia que se autopreserva. Obter e possuir dão nascimento a vários tormentos, sendo os
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mais temíveis e mais conhecidos dentre eles a ganância, a luxúria e a ira. O andarilho cessa
de ser um passante no momento em que se torna preso à armadilha da auto-identificação
no nível em que ele estava experimentando.
Perplexo pela falta de percepção, o indivíduo apenas tornará as coisas piores pela
ação baseada na identificação. De agora em diante, ele está preso nos emaranhados dos
resultados de sua ação passada. Ele é tentado a ceder aos tormentos que acabamos de
mencionar.
Assim como uma aranha se debate em sua própria teia, o indivíduo é aprisionado em
sua própria rede. Enquanto isso, muito sofrimento é gerado. O indivíduo, ao se identificar,
pensa que ele é o sofredor. Mas o fato é que embora haja sofrimento, não há sofredor e o
autoproclamado sofredor pode apenas tornar a situação pior. Ou ele se torna detido neste
nível ou torna as coisas ainda mais difíceis para si próprio, pelo menos até que haja um
novo avanço de parte da consciência.
Por outro lado, sempre que há o experimentar, isto é, a percepção atenta, e o largar,
isto é, o seguir em frente, a consciência flui através do indivíduo. Ele perdeu então seu
sentido de separatividade, sendo apanhado e enriquecido por este movimento único que
o carrega e o envolve como uma parte intrínseca de si mesmo. O processo inteiro ocorre
sem nenhuma entidade ou identificação. Há apenas a consciência a presenciar o interior
de um movimento vasto e aberto. Estar cônscio deste tremendo processo é inteligência.
A inteligência age como a base para o reto viver porque traz consigo a capacidade de
resolver conflitos ocasionais, de se viver livre de imagens e da necessidade de
autopreservação, ao fazer com que o indivíduo não sinta que ele é mais merecedor de
privilégios do que outros. Além disso, ela conduz o indivíduo em direção ao auto-sacrificio.
Em outras palavras, o reto viver é o caminho da inteligência, a dissolução do ego e,
portanto, a dissolução da dor, guiando o indivíduo alegremente em direção à sua
verdadeira natureza enraizando completamente e para sempre na Unidade da qual tudo
provém, para a qual tudo retoma, na qual tudo vive. Dessa forma, o reto viver é virtude per
si, e é a expressão da inteligência por excelência.
Como consequência disso, os relacionamentos com as pessoas se tornam mais fáceis,
sem artifícios, francos, naturais e simples porque estão livres da esperança, da
expectativa, das exigências e do desespero. Isso acontece porque o indivíduo abandonou o
seu maior fardo, isto é, a imagem que construiu de si mesmo junto com seu movimento de
autopreenchimento.
Este alívio não o liberta de encarar os resultados de suas ações e pensamentos
passados. No entanto, estando esclarecido, ele pode aproximar-se das situações de forma
reta, sem acrescentar nem subtrair nada daquilo que de fato acontece. Desse modo, ele
não sofre, embora as circunstâncias possam ser difíceis e não se engrandece quando elas
se mostram favoráveis.
Mas, ao aprender de cada situação como se fosse uma oportunidade que lhe é
oferecida, ele pode verificar por si mesmo sua própria compreensão. E, ao assim fazer,
pode na verdade tornar a mente mais aguda, como um escultor que corta, apara as
arestas e ao final dá o polimento. Apesar de toda ação, ele não é o ator, porque é a
inteligência que está em atividade.
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Para que a inteligência funcione, a mente deve ser arquitetada, livre dos barulhos
internos causados pela tendência de se obter e possuir que cristalizou a inteligência numa
astúcia que se autopreserva. Uma mente sábia é uma mente pela qual a inteligência pode
operar sem impedimentos, através da qual a consciência pode fluir naturalmente e
expressar-se livremente. Quando isso de fato acontece há a percepção da maneira
surpreendente e alegre pela qual a inteligência se expressa. Inesperada e imprevisível,
esta expressão comunica aos relacionamentos aquele frescor que é vida.
Ao escutar a inteligência, o indivíduo naturalmente leva uma vida reta. Pelo reto viver
na ação presente, ele, em alguma medida, purifica os resultados que surgem da ação
passada. O futuro, por ser o desabrochar do passado e do presente, este presente que
será o passado para o futuro - será alterado pela ação no presente de forma reta e na
direção reta. Isso produzirá, como uma consequência natural, uma comunidade na qual
cada indivíduo, sem exceção, é reconhecido pelos demais como uma parte fundamental e
intrínseca do todo, uma comunidade na qual os valores da verdade prevalecem.

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UMA SOCIEDADE NOBRE: DE PLATÃO A KRISHNAMURTI
Ricardo Lindemann
Desde tempos imemoriais, alguns seres humanos têm buscado uma sociedade justa,
nobre e digna. Contudo, de modo geral, os defensores desses grandes ideais de justiça e
nobreza humanas têm sido perseguidos, como Platão e São Paulo, levados à morte, como
Sócrates, ou mesmo torturados e barbaramente assassinados como Giordano Bruno e Jesus
Cristo. Pitágoras chegou a ter a sua escola de milhares de alunos, em Crotona, dizimada a
gume de espada. Dessa forma, os grandes ideais da humanidade têm sido mal
compreendidos, deformados, perseguidos, deturpados, condenados como heresias ou
ridicularizados como utopias...
Platão, por exemplo, propôs um sistema de governo a partir de uma seleção natural dos
melhores, em grego: Oi aristoi, donde deriva o termo aristocracia. Esse termo foi de tal
forma deturpado que ele, hoje em dia, praticamente significa um governo de elite
privilegiada e pretensamente superior ao povo.
Uma breve leitura no capítulo terceiro de A República nos convenceria de que essa é uma
grosseira inversão dos conceitos, à medida que Platão ali afirma que os governantes não
deveriam ter direito a posses pessoais, fato que quase caracteriza um voto de pobreza
sacerdotal.
Uma vez recuperado o conceito original, que é semelhante ao conselho de Jesus Cristo:
"O maior dentre vós será aquele que vos serve", a genuína proposta platônica passa de uma
sumária classificação de elitista e degradante subitamente para o outro extremo, como
idealista, utópica e fantasiosa.
Deformações similares receberam os nobres ideais da Revolução Francesa: liberdade,
igualdade e Fraternidade.
O liberalismo, que é uma das formas do capitalismo, pretende defender basicamente o
ideal da liberdade, porque sem liberdade a vida humana carece de sentido. Passa a ser
semelhante a de animais sendo engordados para o abate. Porém, o capitalismo geralmente
degenera numa ambiciosa corrida consumista que atropela a igualdade e a Fraternidade,
podendo mesmo chegar à selvageria da miséria e da morte por inanição.
O comunismo pretendeu sempre defender a igualdade, porque parece-nos
inquestionável que todos os seres humanos têm o mesmo valor, de modo que todos devem
ter igualdade de oportunidades. Contudo, uma igualdade imposta pela força das armas terá
que ser também mantida da mesma forma, porque não surgiu de uma conscientização
interior ou de um natural amadurecimento humano. Assim, uma igualdade imposta à força
nega a Fraternidade e a liberdade. A obediência cega nega ao homem o uso da faculdade
que o distingue dos animais: a inteligência autoconsciente.
Por mais que um sistema possa alimentar-nos saudavelmente, sem liberdade seríamos
forçados a uma vida quase vegetativa.
Por outro lado, tanto o comunismo quanto o capitalismo, ao cobrirem de privilégios os
54
seus governantes, estão estimulando a corrupção. Os indivíduos são, assim, facilmente
levados a buscar o poder pelos benefícios e privilégios que dele possam obter, e não pela
genuína preocupação de buscar o bem-estar geral. Eis por que tanto o comunismo como o
capitalismo têm fracassado na história da humanidade: eles têm estimulado a corrupção,
pecando contra a Fraternidade. Krishnarnurti, em A Primeira e última Liberdade, também
considera que: "A esquerda, afinal de contas, é a continuação da direita, sob forma
modificada. Se a direita tem seus fundamentos nos valores sensoriais, a esquerda não é
mais do que uma continuação dos mesmos valores com diferença apenas de grau ou de
expressão". Ambos os sistemas estão visivelmente fundados apenas em valores materiais,
o que parece insuficiente para uma civilização que já descobriu, pela evolução de sua
própria ciência, que a essência da matéria não é material, mas sim que a matéria não passa
de uma forma de condensação de energia.
Sendo um todo integrado, o ser humano, para que possa ser feliz, necessita do equilíbrio
entre o corpo, a mente e a consciência.
Encontra-se em As Cartas dos Mahatmas (Ed. Teosófica) que "a Fraternidade Universal é
o único fundamento seguro para a moralidade universal".
Radha Burnier, Presidente Internacional da Sociedade Teosófica, já afirmava que "não se
pode perguntar agora se a paz mundial é uma possibilidade, pois ela é uma absoluta
necessidade. Sem Fraternidade, cooperação e paz, a humanidade pode cessar de existir.
Temos hoje armamento para destruir o mundo 200 vezes!"
É fácil demonstrar que com o valor aproximado de um milhão de dólares por minuto, que
se gasta estupidamente em armas no mundo, seria possível resolver os problemas de
miséria e fome neste planeta. Somente isso já deveria nos levar a dar mais atenção à
importância da Fraternidade entre os povos, sem mencionar a repercussão que tal
cooperação fraternal produziria no campo ecológico. Talvez qualquer sistema político fosse
aceitável, se houvesse Fraternidade entre os homens.
O conceito de Fraternidade deriva da ideia de que todos somos irmãos, como se
fôssemos uma grande família. Aprofundando tal analogia, verifica-se que em uma família
há diferenças de idade, de maturidade, de inteligência, de desenvolvimento de habilidades
etc, sendo que o conceito de igualdade refere-se à igualdade de valor, mas não pretende
fugir do fato óbvio de que há diferenças de capacidades. Por exemplo, conforme
considerei, ninguém pretenderá que, numa família, o bebê recém-nascido tenha menos
valor que seu irmão de cinco ou que sua irmã de dez anos de idade. Antes pelo contrário,
há uma tendência a auxiliar mais o bebê porque ele é mais frágil e necessita totalmente de
nossos cuidados, amor e compaixão para que possa sobreviver. Ele não viverá se alguém
não alimentá-lo, porque ainda não desenvolveu capacidade para tal. Nesse sentido, e com
toda razão, dizia o XIV Dalai Lama que "todos nós somos frutos da compaixão, que essa é a origem
comum de todos os seres humanos. Se depois nos corrompemos pelo poder e pela guerra, isso
apenas demonstra que não sabemos quem somos nem qual foi nossa origem, sendo os primeiros a
sofrer por nossa própria ignorância."
Nesse sentido, o conceito de Fraternidade abrange a compaixão, porque trata como irmão tanto
o mais desenvolvido quanto o mais fraco, porque subentende a igualdade de origem e valor de
cada um.
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Uma boa síntese desse conceito de Fratemidade encontra-se no lema de um de nossos ex-
presidentes internacionais, George Arundale: 'Juntos diferentemente". A Fraternidade não ignora
as diferenças de desenvolvimento, mas considera-as com amor e compaixão, como em uma família
de muitos irmãos, onde as diferenças de capacidades estão a serviço do bem-estar de todos.
Platão, em A República, classifica didaticamente o amadurecimento e o desenvolvimento
da alma humana em quatro estágios sucessivos, a saber: ferro, bronze, prata e ouro.
Tal classificação da alma por analogia com diferentes metais sugere uma evolução similar
a uma transmutação alquímica em nosso interior, que culmina na pureza e Sabedoria da
alma de ouro. A ideia central é a de que todos nós somos almas de ouro em potencial, mas
podemos nos encontrar em um estágio atual em que esse ouro ainda está encoberto por
metais menos refinados, porque nossa transmutação alquímica interior ainda está em
processo, em evolução.
Contudo Platão alerta que: "A cidade perecerá no dia em que tiver à testa um guardião
de ferro ou de bronze". Ou seja, seguindo com nossa analogia, isso equivaleria a passar a
administração da família ao bebê, a alma mais imatura e menos desenvolvida da família. À
medida que sua mente começasse a desenvolver-se, talvez ele quisesse corromper seus
irmãos, oferecendo fatias mais gordas do bolo aos que fizessem a sua vontade, mas, por
consequência de sua própria imaturidade, é possível que não fosse muito sensível aos
outros, que poderiam ser a maioria, por não compreender as suas reais necessidades.
Assim, as ordens desse pequeno tirano poderiam ser suspender a compra de outros
alimentos e vender o automóvel e os livros para que com tal dinheiro se comprassem
toneladas de chocolate somente para ele. Em tal situação, os irmãos mais velhos e
responsáveis, preocupados com a harmonia e justiça na casa, e com a saúde e o preparo
educativo de todos perante as reais necessidades da vida, talvez tivessem pouco a fazer.
Platão considera que somente é justa uma sociedade governada pelo que há de melhor em
nós; os mais sábios e puros são os únicos que merecem realmente governar, porque
somente eles compreendem o propósito da vida e estão, verdadeiramente, preocupados
com o bem-estar de toda família, o Estado. Assim, o sistema de governo só seria
logicamente justo, se ele produzisse uma seleção natural dos governantes, de modo que
apenas as almas altruístas de ouro chegassem a governar. Mesmo as almas de prata
produziriam certos problemas, mas ceder o governo às ainda egoístas almas de bronze ou
ferro seria o desastre! Não porque tais almas imaturas sejam intrinsecamente más, todavia,
em virtude de sua própria imaturidade, o poder as seduz e corrompe muito facilmente; e
dessa corrupção deriva inevitavelmente injustiça e sofrimento para todo o Estado.
As almas de ferro e bronze ainda são predominantemente movidas por suas ambições
pessoais, e é em busca de privilégios para si, e ofertando privilégios também para os seus
cúmplices, que elas ambicionam conquistar cada vez mais poder. Se tais almas ainda
egoístas conquistarem o mando do Estado, o que poderemos esperar do bem-estar geral?
A Sabedoria de Platão não está apenas em perceber esse fato óbvio: que os seres
humanos em sua maioria ainda são muito imaturos e egoístas, mas ela está
particularmente em não tratá-los como almas essencialmente más, todavia como pouco
desenvolvidas em Sabedoria e pureza. Aliás, do ponto de vista platônico, a causa do mal é a
ignorância, porém não uma ignorância no sentido intelectual de falta de erudição, mas de
56
falta de autoconhecimento ou compreensão de si mesmo e de suas reais necessidades, e
talvez fosse hoje melhor traduzido como inconsciência.
Uma das maiores falhas do comunismo está na ingenuidade com que ignora as
diferenças de desenvolvimento das diversas capacidades dos seres humanos,
principalmente do ponto de vista da inteligência e da maturidade psicológica"
Impor uma igualdade forçada é negar a diversidade humana. Pretender que o homem
pode ser forçado a tornar-se fraternal, ajustando-o a um padrão de igualdade é a maior de
todas as utopias.
Platão demonstra magistralmente sua Sabedoria ao compreender fraternalmente a
condição imatura da alma egoísta e ambiciosa, colocando-a num lugar onde sua ambição
seja produtiva para o Estado,
Esse é, aliás, o ponto forte do capitalismo. Ele comprovadamente estimula uma maior
produtividade porque usa a seu favor a ambição humana, atraindo-a para a iniciativa
privada, oferecendo a recompensa do lucro e do acúmulo de bens, tão atraente para as
almas de ferro e bronze.
Porém, o sistema de Platão seleciona naturalmente as almas de ouro, o que há de
melhor em nós, dando a elas o poder de governar, à medida que impede que os
governantes tenham direito a posses pessoais. Às almas de ouro corresponde uma espécie
de comunismo, um voto de pobreza sacerdotal.
Aliás, Platão já propõe esse tratamento desde o estágio de alma de prata, ao afirmar:
"Antes de mais nada, nenhum deles terá quaisquer bens próprios..., Viverão em comum,
participando regularmente das refeições coletivas... No que se refere ao ouro e à prata,
lhes diremos que já os receberam dos deuses em suas almas, e para sempre; portanto, não
têm nenhuma necessidade do vil metal terreno, nem é lícito que contaminem aquele dom
divino e puro aliando sua posse à do ouro material. que tantos e tão grandes crimes tem
provocado. Serão eles, pois. os únicos cidadãos a quem não se permitirá manusear ou tocar
o ouro e a prata, nem penetrar debaixo do mesmo teto que abrigue esses metais, nem
levá-los sobre si, nem beber de recipientes fabricado com eles. Se assim procederem,
salvarão a si mesmos e à cidade, mas se adquirirem casas, terras e dinheiro, deixarão de ser
guardiães para se tornarem proprietários e agricultores, e de amigos de seus concidadãos e
transformarão em detestáveis tirano . Passarão a vida inteira odiando e sendo odiados,
conspirando e sendo alvo de conspirações... e não virá longe a hora da derrocada final.
tanto para eles como para a cidade". Fica pois evidente que a aristocracia proposta por
Platão, significando o governo dos melhores, referia-se a um grupo de governantes sob
uma austeridade quase sacerdotal, e jamais a uma elite privilegiada com confortos ou
posses pessoais. Para Platão, essa é uma condição sine qua non para que o Estado não se
corrompa.
Em síntese, pode-se dizer que os governantes deveriam viver num regime algo
comunista, sem direitos a posses pessoais, sustentados austeramente pelo Estado,
enquanto, simultaneamente, os cidadãos comuns viveriam num certo capitalismo, tendo
direito a posses pessoais, e sendo naturalmente atraídos para uma maior produtividade em
favor do Estado. A um Estado assim governado pelos melhores, ou seja, pelas almas mais
sábias, puras e altruístas, corresponderia assegurar para os cidadãos a liberdade e a
57
igualdade de oportunidades em alimentação, saúde e uma educação para todos, voltada
para o que há de melhor no homem: a Fraternidade, que subentende a compaixão.
Assim, o poder econômico concentrado nas mãos das almas mais imaturas e ambiciosas
seria equilibrado pelo poder político das almas mais sábias e altruístas, que, destituídas de
privilégios de posses pessoais, teriam poder moral para governar com justiça. O sistema de
Platão harmoniza, dessa forma, a produtividade do capitalismo com a justiça social do
comunismo, mas além disso corrige o grande pecado de ambos os sistemas: restringe os
privilégios pessoais dos governantes, submetendo-os a uma austeridade pouco atraente
para almas mais ambiciosas ou egoístas. Platão demonstra conhecer muito bem a psique
humana, apresentando assim uma proposta lógica e até mesmo psicológica com a qual se
pretende favorecer a ascensão ao poder do que há de melhor entre nós, por meio de uma
seleção natural que não acontece nos outros sistemas; antes pelo contrário, tanto o
comunismo quanto o capitalismo favorecem a corrupção. O primeiro porque, além de
tender a uma baixa produtividade, tende, também, a selecionar para o governo as almas
mais egoístas, que, por não terem como acumular riquezas num sistema de igualdade
forçada, convergem suas ambições pessoais para a busca de cargos e privilégios no
governo, que propende, assim, a tornar-se uma elite corrompida.
O capitalismo dispensa maiores comentários. Afinal, o que se pode esperar de um
sistema que converge o poder econômico e o poder político para as mesmas pessoas,
senão uma irresistível tendência à corrupção?
A grande dificuldade do sistema de Platão é a seleção das almas de ouro para o governo.
Tal dificuldade na verdade subdivide-se em duas, a saber: preservar a pureza do sistema
natural de seleção e criar condições educacionais adequadas para que o processo alquímico
de transformação interior possa gerar o maior desenvolvimento possível de almas de ouro.
Por isso o próprio Platão enfatiza: "Como procedeis todos da mesma origem, embora a
composição paterna seja geralmente conservada nos filhos, pode suceder que nasça um
filho de prata de um pai de ouro, ou um filho de ouro de um pai de prata e, da mesma
forma, nas demais classes. É esta a primeira e principal regra que a divindade impõe aos
magistrados: que, de todas as coisas das quais devem ser bons guardiães, a nenhuma
dediquem maior zelo que às combinações de metais de que estão compostas as almas das
crianças".
Platão alerta-nos quanto ao perigo de pretender-se que o nível de maturidade
psicológica, Sabedoria, pureza e altruísmo da pessoa pudesse ser hereditário. Antes pelo
contrário, ele afirma que tal nível é essencialmente individual e não é determinado pela
hereditariedade. Qualquer equívoco em relação a essa questão poderia degenerar na
terrível deformação de um sistema rígido de castas hereditárias, ou na corrupção da
política do Estado, oriundos do nepotismo, que a História tem constantemente registrado
nos interesses de dinastia e parentesco. Tais são, na verdade, outras formas de corrupção
onde os méritos do esforço individual são preteridos em favor de laços pessoais de
parentesco, ferindo, assim, o princípio da igualdade, e, às vezes, até o da liberdade, pela
rigidez de um sistema injusto. Eis por que Platão é tão enfático nesta questão.
Outro ponto de grande importância prática é o da implantação do sistema de Platão. A
História tem registrado que as revoluções políticas da humanidade tem degenerado na
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imposição de uma ideologia pelo uso da força. Deveria ser óbvio que tal procedimento é
absolutamente contrário ao espírito democrático, e que a humanidade já deveria ter
vencido o estágio das ditaduras e tiranias. A violência fere frontalmente os princípios de
liberdade e Fraternidade, tendo fracassado até mesmo em pretender impor uma igualdade
à força.
Talvez a grande contribuição de Krishnamurti esteja em alertar-nos para o fato de que,
sem liberdade, a genuína transformação da consciência não acontece, porque os fins não
justificam os meios, mas antes os meios determinam os fins que serão realmente colhidos.
Não podemos produzir Sabedoria ou altruísmo à força! Isso é um fato óbvio. Não podemos
educar uma alma de ouro sem liberdade. Por isso, a liberdade de pensamento é tão
fundamental em nosso trabalho.
A conscientização deve ocorrer por meio de uma transformação interior que é própria do
desenvolvimento natural do ser humano. Tudo o que podemos fazer é catalizar o processo
evolutivo da consciência, ou, como considerava Sócrates em sua maiêutica, auxiliar no
parto da própria luz da Sabedoria.
Como afirma Krishnamurti, num diálogo de A Questão do Impossível, respondendo à
seguinte pergunta de um interrogante:
"Nós somos uma minoria, um grupo insignificante. A grande maioria - na Índia, na Ásia,
em certa pane da Europa e da América - anda realmente faminta. Que influência pode ter
em toda essa gente o que se está dizendo aqui?
Krishnamurti: Isso depende de vós, do que fizerdes, mesmo como uma minoria
insignificante. Uma enorme revolução ocorrerá no mundo quando uma minoria de pessoas
tiver se transformado interiormente. Preocupado com as aflições do mundo - a pobreza, a
degradação, a fome -, perguntais: "Que posso fazer?". O que se pode fazer é, ou aderir
impensadamente a uma dada revolução externa, tentando despedaçar a atual estrutura
social para criar outra de nova espécie (com o que voltarão as mesmas aflições de antes),
ou considerar a possibilidade de uma revolução total - não parcial ou meramente física - na
qual a psique possa atuar, numa relação inteiramente diferente com a sociedade."
Assim, a verdadeira dificuldade está somente em atingir-se um número mínimo de
pessoas que possam desencadear uma reação de transformação em cadeia para o
surgimento de um novo mundo. Ou seja, nosso trabalho reside justamente em produzir
alquimicamente o genuíno ouro em nós mesmos, o ouro da Fraternidade em nossas
relações, a verdadeira regeneração humana. É evidente que, se não houver suficientes
almas de ouro, o próprio sistema de Platão, por lógico que seja, não poderá ser implantado.
De nada adiantará um sistema de seleção perfeito, se não houver almas sábias e altruístas
para serem selecionadas.
Esse trabalho de conscientização é a verdadeira responsabilidade que pesa sobre nós,
porque, como dizia Krishnamurti, nós somos o mundo. Portanto, quanto tempo demorará
para que tal transformação ocorra no mundo externo não deveria nos preocupar tanto
quanto a direção que nós mesmos estamos tomando enquanto indivíduos, uma vez que
qualquer intenção de se impor pela força resultará mais uma vez em fracasso. Por isso
mesmo, a conscientização de qual é verdadeiramente o nosso único problema é de
fundamental importância.
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Qual a contribuição que estamos dando para criar condições educacionais apropriadas
em nosso meio e em nossas próprias vidas? Eis o nosso verdadeiro desafio. Sobre este
tema, referiu-se Radha Burnier, Ex-Presidente Internacional da Sociedade Teosófica: "Uma
sociedade nobre não pode ser construída, nem a Sabedoria pode ser encontrada, da noite
para o dia. O hábito tem poderosa influência sobre a mente humana, e por isso esta prefere
a confusão e a dor de viver sem Sabedoria ao trabalho de avançar até ela. Muitas pessoas
sentem que uma mudança fundamental é inalcançável e, assim, tornam-na impossível para
si mesmas. Uma nova energia varrerá para longe as 'teias de aranha' da sociedade se, pelo
menos, umas poucas pessoas forem suficientemente audazes para abrir caminho em uma
nova direção - a da Sabedoria - e viver de modo diferente. Então, outros verão que o que
eles consideravam impossível foi, de fato, alcançado e também irão seguir a nova direção".
Esse parece ser o nosso trabalho: "Anunciar o novo e convidativo caminho rumo a uma
mudança interior".

60
O CAMINHO PARA A SABEDORIA - I
Vicente Hao Chin Jr (Filipinas)

Os caminhos para a Sabedoria são muitos. A Sabedoria surge fundamentalmente de


experiências de dor e sofrimento, bem como de sucessos e de conquistas. Eu gostaria de
compartilhar três pensamentos que são cruciais no caminho para a Sabedoria. Eles não são
excludentes obviamente, pois existem muitos outros princípios além destes neste caminho.
Mas vale a pena destacá-los, particularmente no nosso trabalho teosófico de disseminar os
ensinamentos da Sabedoria no mundo como um todo.

1. Um Mapa Mais Preciso da Realidade

Este primeiro pensamento é um pré-requisito natural. Faz parte do propósito pelo qual
a Teosofia foi introduzida no mundo como um todo. É a necessidade de um mapa mais
preciso da realidade. A Sabedoria requer um mapa confiável da realidade que nos tornará
capazes de entender a natureza das coisas, o seu valor e lugar no Cosmos.
A maioria das pessoas é educada com uma visão de mundo que já provou ser
inadequada e prejudicial. Por causa destas visões de mundo tão limitadas, consideram que
muitas coisas destrutivas e separatistas são justificáveis, tais como guerras, astúcia,
manipulação etc. resultando na infelicidade humana.
Nosso trabalho na Sociedade Teosófica é de gradualmente demonstrar para as pessoas
a existência de um mapa mais coerente da realidade que possa ser a base para a nossa
maneira de viver. Não há necessidade de dizer mais a respeito disso porque é evidente para
todos nós.

2. Percepção e Adesão aos Princípios Fundamentais.

Depois de termos de alguma forma entendido um mapa mais confiável da realidade,


nós nos deparamos com a questão de vivermos desta maneira. E isso não é fácil porque as
pessoas do meio ambiente seguidamente nos compelem a atuar contra o nosso
entendimento desta realidade. Por exemplo, nós dizemos que todos os homens e mulheres
são irmãos e irmãs e mesmo assim as circunstâncias nos impelem a atuar como se não
fôssemos irmãos e irmãs. Competimos uns com os outros; suspeitamos uns dos outros;
promovemos uma nação contra outra; promovemos uma família contra outra.
Há conhecimento, mas não há Sabedoria.
Isso nos leva à segunda necessidade na busca em relação à Sabedoria. É a necessidade
de perceber os princípios fundamentais e viver de acordo com eles. Não meramente
acreditar, mas percebê-los, vê-los e realizá-los. Quando se vê alguma coisa como verdade, a
ação segue na mesma direção de uma maneira bem espontânea e natural. Não é
61
necessário muito raciocínio. O conflito interno entre a ação e a ideia é mínimo.
Quais são estes princípios fundamentais?
Existem percepções, verdades ou princípios básicos que servem como fundamentos de
ações sábias. As nossas vidas com frequência coexistem com as nossas tendências
contrárias. Somos seres humanos complexos. Algumas vezes nos deparamos com coisas
claras o suficiente para nos inclinar, em direção ao curso da ação, mas alguma outra parte
de nós nos empurra para outro caminho. Pode-se chamar de Sabedoria a capacidade de ver
estes princípios fundamentais e viver de acordo com eles, a despeito de fortes tendências
adquiridas que nos empurram em direções opostas.
Por exemplo, ser verdadeiro ou aderir à verdade é um princípio fundamental. É preciso
ver que a falta de veracidade está enraizada no medo e é uma maneira temporária de
proteger ou defender a nós mesmos. A falta de veracidade pode dar certo a curto prazo,
mas a longo prazo é contra-producente. Na medida em que isto não nos é claro, nossas
ações são caracterizadas pela falta de Sabedoria. Não enxergamos com a devida
profundidade e abrangência para sermos capazes de passar por inconveniências
temporárias ou mesmo por carências. A partir do momento que nós reconhecemos
conceitualmente o valor de ser verdadeiro, da veracidade, então lentamente permitimos
que isso predomine em nossas ações. Passo a passo, pouco a pouco, deixamos que a
veracidade prevaleça sobre as nossas tendências adquiridas de distorcer, manipular e
descobrimos por nós mesmos que a longo prazo é mais seguro e mais eficiente ser
verdadeiro do que ser enganador.
Outro princípio é a unidade. Este princípio é nossa base mais profunda, somos todos
um e unidos. Só experienciamos a diversidade nas nossas "cascas" externas. Inicialmente
concordamos intelectualmente com o princípio da unidade. Apenas isso é o suficiente para
começar, desde que claro o suficiente para gradualmente moldar as nossas inclinações
emocionais e físicas, ou seja, o nosso comportamento.
Há outros princípios fundamentais, tais como justiça, não-violência e compaixão. Os
Yama e Niyama da Raja Yoga são outros exemplos de tais princípios. A importância e
Sabedoria deles é reconhecida mesmo pelas práticas modernas de gerenciamento. O livro 7
Habits of Highly Effective People é um "best-seller” recente nos Estados Unidos e enfatiza
que, mesmo no gerenciamento comercial, os homens de negócio mais bem-sucedidos a
longo prazo são aqueles que suas ações estão baseadas naquilo que o autor chama de
caráter ético, que se opõe ao que chama de ética pessoal.
Se percebe que estes princípios, no fundo, não são diferentes uns dos outros, eles
estão enraizados no princípio da Verdade e da Unidade.
Os maiores homens e mulheres, historicamente falando, invariavelmente foram e são
aqueles que têm percepção clara destes princípios fundamentais e cujas ações se aderiram
a estes princípios, apesar de tentações e inclinações contrárias adquiridas pela educação ou
pressão social.
A Sabedoria então é a capacidade de permitir que estas percepções dos princípios
fundamentais prevaleçam nas nossas ações e comportamento. Não requer que sejamos
perfeitos para sermos capazes de atuar desta forma. Na verdade reconhecemos o conflito
relacionado com o permitir que estas percepções prevaleçam.
62
3. Bom Senso

Ao mesmo tempo que a percepção destes princípios requer profundidade, clareza e


força interior, é necessário que não percamos de vista as realidades do dia-a-dia da vida
humana. Aderir aos princípios tem como consequência uma qualidade necessária na nossa
busca da Sabedoria. Esta qualidade é aquela que nós escolhemos chamar de "Bom Senso".
Esta expressão - bom senso - tem sido entendida de tantas maneiras que precisamos
esclarecê-la melhor.
Bom senso tanto foi elogiado como criticado por muitos grandes pensadores. Albert
Einstein disse uma vez que "bom senso é o conjunto de preconceitos adquiridos aos
dezoito anos". Um outro autor também disse que "o verdadeiro bom senso é muito
incomum".
A expressão bom senso é muito enganosa. Ao mesmo tempo nós sabemos mais ou
menos qual é o seu significado. O dicionário a define como "um bom julgamento natural". É
a habilidade de, através das complexidades e máscaras, ver a coisa como ela é. Requer um
desapego em alto grau, uma simplicidade de coração, e a percepção dos princípios
fundamentais. Na verdade pode-se dizer ser similar à capacidade de perceber os princípios
fundamentais de uma maneira essencialmente intuitiva.
Uma definição de bom senso que eu admiro foi dada há dois mil anos por Epictetus:

"Assim como pode ser chamado de 'Audição Comum' aquela que distingue
apenas sons, pois aquela que distingue as notas musicais não é comum, mas
produzida através de treinamento; assim há certas coisas que os homens não
completamente pervertidos veem através dos princípios naturais comuns a
todas as coisas. Esta constituição da Mente é chamada de Bom Senso."

Bom senso é a capacidade de continuar a ver as coisas antes que elas tenham sido
influenciadas cultural, social ou psicologicamente. Estas influências estabelecem tendências
de percepção de algumas maneiras específicas. Muitos de nós já perdemos esta
capacidade. Faz-nos lembrar a história "As Novas Roupas do Imperador". Foi dito às
pessoas que a roupa do rei era tão bonita que todos concordaram apesar do fato de que o
rei não estava usando nada. Durante um desfile as pessoas se inclinavam para admirar as
roupas imaginárias do imperador até que uma criança gritou que o imperador estava sem
roupas. Então a auto-ilusão foi rompida e cada uma daquelas pessoas percebeu que estava
se enganando.
Bom senso é, na verdade, muito raro, porque perdemos esta capacidade de ver as
coisas como elas realmente são. Nós as vemos segundo nossas interpretações,
preconceitos, pintamos cores nas coisas quando elas são essencialmente neutras. Desta
forma nossos julgamentos tendem a estar de acordo com estas cores e tais julgamentos,
portanto, não têm Sabedoria porque estão baseados em valores adquiridos que mudam de
63
tempos em tempos.
Sabedoria envolve a capacidade de ver estes valores adquiridos assim como os valores
originais. Então a pessoa tem a liberdade de decidir atuar de acordo com um padrão ou
outro.
É esta qualidade de bom senso que pode ver além dos medos adquiridos sobre a
morte, doenças, carências, dor, prosperidade, progresso econômico, crença religiosa,
fundamentalismo e milhares de outras coisas. Passa através das complexidades teológicas a
respeito de que se Deus é um deus ciumento, ou se há inferno e eterna punição e daí por
diante.
Um dos mais interessantes escritores do século passado foi Mark Twain e eu encontro
em seus trabalhos muitos exemplos de bom senso. Durante a sua época quando o
fundamentalismo cristão prevalecia e o povo acreditava na eterna punição do inferno, ele
escreveu: "Se Deus fosse bom a metade do que é a minha mãe, ele jamais pensaria em me
mandar para o inferno". Esta afirmação aponta para frente e toca um sino de verdade em
nossos ouvidos, E mesmo assim para muitos de nós que crescemos com uma educação
cristã conservadora, há alguns que se recusam a reconhecer a simples verdade que está
nesta afirmação. É uma parede que foi construída através de anos de ser influenciado e
condicionado. É isso que nos faz perder o bom senso.
É comum considerarmos cada um de nós como brasileiros, americanos, filipinos,
australianos e daí por diante. Mas o bom senso nos lembra que não existe tal coisa como
americanos, filipinos ou chineses. Fizemos tais distinções somente por conveniência e
história política.
Ainda há algumas igrejas hoje que acreditam que ninguém fora daquele grupo será
salvo. O bom senso nos mostra que isso é ridículo.
O bom senso envolve a retenção de alguma inocência em nós que permanece não
afetada, não atingida pelas influências dos nossos anos de crescimento. Que está livre do
medo, do auto-interesse, dos desejos, dos objetivos e metas.
Esta busca em relação à Sabedoria seria tristemente inadequada sem esta capacidade
de ver as coisas como elas originalmente são. Esta capacidade tornará possível que vejamos
os valores ou a ausência de valores em coisas como levitação, clarividência, lembrança de
vidas passadas, ou progresso econômico, prosperidade, posição social, fama, bem como
crescimento, espiritualidade, sofrimento, dor e daí por diante. Isso nos tornará capazes de
ver as coisas que valem a pena, fará com que utilizemos nosso tempo com elas e com que
percebamos quais as buscas que não passam de jogos infantis.
Estes são os três aspectos destacados em nossa busca em relação à Sabedoria:

a. Ter um mapa confiável da realidade


b.Percepção e adesão aos princípios fundamentais
c. Manutenção de um verdadeiro bom senso.

Que possamos com eles ser capazes de trilhar o caminho, através da floresta da vida,
com um claro senso de direção, com autoconfiança e tranquilidade.
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O CAMINHO PARA A SABEDORIA-II
Alberto Brum (Brasil)

O título sugere-nos que há um caminho, uma via, que pode conduzir à Sabedoria. A
meta é a Sabedoria e a Verdade. E o caminho deve ser um processo real, vivencial,
existencial. A via é o ir em direção, o dirigir-se para, o movimento que segue o eterno Tao.
Como, no entanto, chegarmos a Sabedoria? Na Grécia antiga, Pitágoras enfatizou a
necessidade de existir amor e paixão na busca da Sabedoria. É um requisito essencial a
presença de uma forte aspiração, um forte pulsar da Alma.
O aspirante deve buscar a sintonia e almejar ardentemente a visão do início do
Caminho, pois, como nos diz Rohit Mehta, em Procura o Caminho, certamente não
podemos seguir a Senda antes de descobri-la. E a descoberta se dá em nós mesmos, na
câmara do coração. Deves tornar-te o próprio Caminho, pois "a chave, em cada passo, é o
próprio aspirante".
Em A Voz do Silêncio, é dito: ''Tu és a Senda", "tu próprio és o objeto de tua busca".
Nas notas aos aforismos de Luz no Caminho um amigo dos peregrinos acrescentou:

''Busca o Caminho, submergindo-te nas misteriosas e esplêndidas profundidades do


mais íntimo do teu ser. Busca-o prosternando a tua alma ante a pequena estrela que
arde no interior - e sua luz irá sendo cada vez mais brilhante. Quando houveres
encontrado o começo do Caminho, a estrela de tua alma deixará ver sua luz".

O Caminho para a Sabedoria desvela-se ante nós quando o "fogo. da mente" queima o
nó da ilusão criado pelo pensamento autocentrado: a ilusão do "eu" autônomo e
independente. Sem uma mente transformada, não haverá conexão com a Sabedoria. A
chama do coração, a aspiração metafísica da alma, precisa tornar a mente uma "espada
flamejante, com o poder de cortar, na origem. a causa-raiz dos equívocos cognitivos, das
distorções da percepção. dos falsos valores e do egoísmo - que é o que a Yoga e o Budismo
mahayana chamam de avidya.
Avidya é o engano de acreditar na existência de um ego-identidade com existência
própria. Enquanto o "eu" for o centro da existência não haverá espaço para a sabedoria,
que é impessoal. A mente sábia é aquela que eliminou o conceito de um "eu"
independente, criado pelo hábito de fragmentação do pensamento. Quando avidya cessa,
ocorre uma alquimia mística. Os Sábios realizaram esta transmutação e tornaram-se a
personificação do altruísmo - e a TheoSophia é altruísmo.
Sankara, o grande sábio da Filosofia Vedanta Advaita, no Viveka-Chudamani (7)
realçou que o conceito do "eu", solidificado pelo pensamento, é a causa básica das ilusões
e o grande impedimento para a presença da Sabedoria. Sankara disse: "Abandona
imediatamente a noção de "eu"... , que é o destruidor da paz existente no nosso próprio

65
Ser real". O egoísmo (alyamkara) é a semente do "ego" que se expande, mantendo o seu
império. E o trapaceiro pensamento, que separa e discrimina, chegando a criar o conceito
de "eu espiritual".
Só quando o ciclo experiência-conhecimento-memória já não é suficiente, quando há
uma crescente insatisfação com a rotina da existência e o mundo ilusório da razão entra em
crise, é que a solidez do "eu" começa a ser abalada. Quando o "eu" sai do centro do círculo,
criando um espaço vazio e silêncio, há um fluxo de inspiração.
A Sabedoria manifesta-se, na mente pura e sensível, quando há um processo vivo de
Kenosis - o esvaziar-se de si mesmo, o cessar a atitude de centrar-se no eu pessoal. Isso é
aquilo que Mestre Eckhart indica como a mística do despojamento, o desnudar-se. Retirar
os acúmulos, um total desprendimento e desapego. Tornar-se disponível e receptivo, dar
espaço para o Todo.
A partir da experiência de Kenosis é possível a vivência da Gnosis e da visão Prajna - a
clara percepção, a compreensão e o discernimento penetrante, que elimina as distorções
cognitivas responsáveis pelas aflições psicológicas (Kleshas). A via para a Gnosis, a Senda
para a Sabedoria, é a busca crucial da experiência direta do que é. No entanto, como lemos
no artigo "O Caminho da Sabedoria", de Radha Burnier: "É difícil trilhar o caminho da
Sabedoria. Nós necessitamos do auxílio de livros, até certo ponto, e das palavras daqueles
que já encontraram a Sabedoria os Sábios".
Se há um caminho para a Sabedoria, devemos adquirir uma maior sensibilidade para
recebermos a silenciosa inspiração e estímulo dos genuínos Sábios - pois eles já trilharam
este caminho e podem dar sugestões para os aspirantes. Ninguém está só. Os Sacros
invisíveis percebem o esforço daqueles que buscam trilhar a via da Luz e da Sabedoria.
Mesmo que o Caminho seja uma vivência individual, na qual o aspirante à Sabedoria
deve tornar-se o próprio caminho, devemos ter a humildade e a atitude genuína de um
aprendiz, para assimilarmos as instruções dos Sábios, que nos planos sutis sempre estão
disponíveis. O ideal da Senda e a reflexão sobre as fases que conduzem ao estágio dos
Sábios, devem, agora e no futuro, ser estudados com atenção. Isso é vital para a mudança
interior e para o serviço no mundo.
Quando o fogo da mente (a espada que corta avidya) e o fogo do coração (a chama
que abastece o altruísmo) eliminam o obstáculo central - a ilusão do "eu" separado - é
possível termos uma real visualização do Caminho. E é só a partir desta percepção que a
busca de Sabedoria tem algum significado, pois será um impulso que vem da caverna do
coração e não da ilusão e projeção do pensamento egoísta e ambicioso.
É essencial, também, não esquecermos que os Sábios e os Mestres da Sabedoria já
passaram pela alquimia da Senda, e que faz parte fundamental, do seu serviço à
humanidade auxiliar seus irmãos na jornada em direção à Verdade. Os verdadeiros Sábios
nos ensinam como seguir a via que leva à Sabedoria. O caminho para a Sabedoria não é
diferente do caminho que leva ao mundo sutil dos Sábios.
Os Sábios, os Irmãos da Luz, ajudam os sinceros aspirantes - aqueles que estão
tentando seguir o Caminho da Sabedoria. Estimulam que deixemos de viver em função do
eu pessoal e que tenhamos uma reta motivação nas nossas ações.

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Não desista, persista.
Busque a Luz! Tome-se a Luz!
Ajude os Filhos da Luz.

Que os Santos Seres revelem a Luz que buscamos.


Que a Sabedoria manifeste-se em nossos corações.

67
O CAMINHO PARA A SABEDORIA-III
Silvia R. Blajer (Argentina)

Ao pronunciarmos a palavra caminho, associamos em nossa mente a imagem daquele


que percorremos diariamente entre um sentido e outro; de se partir e chegar, de uma meta
a ser cumprida.
Falamos "O Caminho da Sabedoria", parece fácil deduzir que nos referimos a partir de
lugar de "não-Sabedoria", e ir percorrendo um caminho que nos conduza a ela, à Sabedoria.
Temos ao nosso alcance uma valiosa literatura que se refere às condições requeridas
para alcançar à Sabedoria. Encontramos ensinamentos maravilhosos em A Voz do Silêncio,
Luz no Caminho, Doutrina do Budismo, e Cartas dos Mestres a A. P. Sinnet.
Também, por meio de H. P. B., chegou a nós uma orientação que conhecemos como A
Escada de Ouro.
A Escada de Ouro começa dizendo: "Contempla a Verdade Ante Ti"; e logo vai
enumerando doze degraus que podemos agrupar em três etapas, que se referem a três
aspectos diferentes e todos necessários para alcançar a meta.
Os cinco primeiros degraus nos dizem: "Vida limpa, mente aberta, coração puro,
intelecto ardente e clara percepção espiritual".
Vemos que aqui as indicações se referem ao trabalho que o aspirante deve realizar em
sua natureza.
Cada um destes passos merece um estudo profundo, mas nos deteremos apenas em
alguns degraus.
Vida Limpa, se refere às coisas que não devemos fazer e às que sim devemos fazer;
eliminar os vícios como o álcool, o cigarro, abandonar os alimentos que nos prejudiquem e
substituí-los por outros que mantenham nosso corpo saudável; não apenas se refere à
limpeza a nível físico senão de toda a nossa maneira de viver, o modo como ganhamos
nosso sustento, a forma que falamos e muitas outras coisas. Na Filosofia da Yoga se
expressa como os passos de Yama e Niyama.
Há um maravilhoso ensinamento a esse respeito no livro O Pequeno Príncipe, de A.
Saint Exupery. Nele, o pequeno Príncipe nos conta que no planeta de onde ele vem há um
perigo que o ameaça, quais sejam, os arbustos gigantes chamados Baobabs. Diz o pequeno
Príncipe que tanto em seu planeta como em todos os outros há ervas, boas e más como
resultado de boas ou más sementes. Dormem em segredo na terra até que uma delas
resolve acordar.
Se um Baobab não é arrancado a tempo, já não é possível desfazer-se dele. Invade
todo o planeta, perfurando-o com suas raízes. É uma questão de disciplina, continua o
pequeno Príncipe, quando terminamos de nos arrumar pela manhã, devemos fazer
cuidadosamente a limpeza do planeta.
Devemos arrancar regularmente os Baobabs enquanto é possível distingui-los das
rosas; os dois se parecem muito quando ainda pequenos. E um trabalho muito
desagradável, mas muito fácil.
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O pequeno Príncipe nos aponta, com clareza, os perigos da nossa falta de atenção e
disciplina. Sem estas qualidades podemos facilmente chegar a confundir as nossas
qualidades com os nossos defeitos; seguidamente nos sentimos orgulhosos de algumas
debilidades nossas, porque nos parecem algo simpático em nosso caráter. "Eu sou muito
desorganizado", ou "adoro comer", "eu sou assim e pronto". Estes pequenos defeitos vão
aumentando com o tempo e já não podemos nos livrar deles.
Logo há outra etapa cujos degraus são quatro; "Afeto fraternal para com seu
condiscípulo, presteza para dar e receber conselho e instrução, leal senso de dever para
com o Instrutor, pronta obediência aos preceitos da Verdade, uma vez que nela pusemos
nossa confiança e cremos que o Instrutor a possui".
Isso se refere ao trabalho com os nossos companheiros de caminho. O afeto é um
sentimento fácil quando não há desacordo. Mas neste caminho se requer que aprendamos
a estar em harmonia com todos aqueles com quem devemos trabalhar, porque a falta de
harmonia no grupo produz uma falta de progresso ao conjunto dos seus membros.
O conselho e a instrução somente podem ser dados e recebidos corretamente se existir
harmonia, pois não podemos estar esperando que sempre haja alguém que nos diga o que
fazer de nossas vidas, nem tampouco devemos querer aconselhar aqueles que não estão
pedindo nosso conselho.
Devemos estar atentos para aprender, quando a oportunidade se apresenta, estar
dispostos a aconselhar se somos solicitados ou se vemos alguma utilidade nisto. Mesmo
não sendo sábios, se somos sinceros, podemos ajudar. Como diz A Voz do Silêncio: "se não
podes ser o Sol sê então um humilde planeta e, tal qual a estrela vespertina, mostra o
caminho aos que seguem no escuro". Sempre haverá aqueles que estarão em uma
condição mais obscura do que a nossa, a quem nossa débil luz pode iluminar.
Logo temos a terceira etapa. Os três degraus dizem: "valoroso suportar das injustiças
pessoais, destemida declaração de princípios e valente defesa daqueles que são
injustamente atacados". Estes degraus têm sua origem nos ataques que sofreu H. P. B.
Muitos daqueles que a haviam acompanhado até aquele momento, não se atreveram a
energicamente declarar os seus princípios e a defendê-la dos injustos ataques que sofria.
Mas estas palavras seguem sendo muito importantes na atualidade e devemos tê-las muito
presentes.
Logo a Escada de Ouro nos diz: "Mira constante no ideal de progresso e perfeição
humanos, que a Ciência Secreta revela". Estas palavras nos apontam para o sentido e o
motivo dos degraus anteriores. É para nunca afastarmos nossa vista do objetivo de
progresso e perfeição humanos, como única garantia para que não nos desviemos, para
que não nos afastemos do Caminho. Somente mediante o desenvolvimento de nossas
melhores qualidades podemos ajudar sabiamente a grande órfã que é a humanidade.
Como foi assinalado pelo Mestre K. H.: "Devemos modificar a opinião pública,
introduzindo os nobres e elevados conceitos dos deveres públicos e privados, que formam
a base de todo progresso espiritual".
Assim, este caminho é para aquele que, segundo o Mestre K. H., abriga em seu coração
amor pela humanidade, que é capaz de intimamente sentir a ideia de uma regeneradora e
prática Fraternidade.
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Somente sabendo subir estes degraus, o aspirante pode chegar ao Templo da
Sabedoria Divina, à Teosofia, que é um sinônimo da Verdade Eterna.
Disse-nos a Sra. Blavatsky: "Estas regras indicam a direção que devem tomar os que
desejam trabalhar pela Divina Obra. Não são feitas por nós, nem por vocês, são Eternas,
porque são expressões das Leis da Natureza". "Nossa causa é a causa da Fraternidade
Universal e da Elevação da Raça".

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A NATUREZA EXTRAORDINÁRIA DA MENTE COMUM
Joy Mills (Austrália)

Onze séculos atrás, o sábio chinês Huang Po foi perguntado sobre a natureza do Buda.
Ele respondeu: "O Buda é a mente comum". No segundo capítulo do Bhagavad Gita, Arjuna
questiona Sri Krishna: "Qual é a marca daquele que possui uma mente estável"? Arjuna,
como indivíduo comum, deparado com um sério problema, está ávido para saber como
uma tal pessoa, o yogue, o sábio, fala e senta-se, caminha e come, e conduz todas as
atividades normais da vida diária. A resposta de Sri Krishna é um pouco mais detalhada do
que a de Huang Po: "Quando um homem abandonou todos os desejos do coração e está
satisfeito no EU pelo EU, então ele é chamado aquele que tem mente estável. Aquele cuja
mente está livre da ansiedade em meio às dores, indiferente em meio aos prazeres, livre da
paixão, do medo e da raiva, é chamado um sábio de mente estável. "Seguramente, de uma
tal pessoa, o "sábio de mente estável" pode-se dizer que ele tem a natureza de um Buda.
Enquanto que muitos estudantes têm denegrido a mente, citando a bem conhecida
passagem em A Voz do Silêncio "A mente é o grande assassino do real", poucos
aperceberam-se dos muitos aspectos da mente referidos naquele belo clássico teosófico. É
verdade que, logo no início do texto de H. P. B., somos avisados a "buscar o raja dos
sentidos, o produtor de pensamentos, aquele que desperta a ilusão". Mais tarde,
entretanto, no Terceiro Fragmento da Voz. lemos: ''Tens de alcançar aquela fixidez mental
em que nenhuma brisa, embora forte, possa insuflar-lhe no interior qualquer pensamento
terreno". E sobre aquele que trilha a Senda dos Bodhisattvas, como definida em A Voz do
Silêncio, nos é dito: "Ele se ergue agora qual uma coluna branca no Ocidente, sobre cuja
face o nascente sol do pensamento eterno verte suas primeiras e mais gloriosas ondas. Sua
mente, como um oceano calmo e ilimitado, estende-se no espaço sem praias. Ele detém a
vida e a morte em sua potente mão.
O Buda... a mente comum... o sábio de mente estável, o "produtor de pensamentos",
"Assassino do Real", uma "fixidez mental". O que, na verdade, é a mente? Onde, em todas
estas descrições, está a própria mente? E a mente comum? De onde ela surge e qual é sua
natureza essencial? Podemos viver sem a mente? A mente e o coração são opostos tais que
se deve escolher entre ser insensato ou sem coração? Devemos cessar de pensar porque o
próprio pensamento pode nos prender na ilusão? Estas são algumas das perguntas que
devem ser levantadas à medida que procuramos compreender a natureza da "mente
sábia", da mente iluminada, da mente que é Buda, da mente do verdadeiro yogue, o sábio,
o Mestre de Sabedoria.
A mente comum deve ser a mente em sua condição original. Talvez ela seja a mente
original em si mesma. Com certeza é a mente que está estabelecida na ordem, que surge
daquela ordem essencial, intrínseca a todos os processos universais, pois a visão teosófica
propõe que a consciência é algo primordial. É a mente, então, cuja própria natureza é
beleza e harmonia. É a mente purificada de todos os impedimentos, todas as obstruções,
tudo o que poderia obscurecer a clara visão, aquilo que H. P. B. chamou de "uma
71
contemplação direta" do número que subjaz a todos os fenômenos. Se "o Buda é a mente
comum", como o sábio chinês informou ao seu interlocutor, por conseguinte a mente
comum deve ser a mente que está desperta, que é sábia, que está estabelecida em um
verdadeiro conhecer.
Em virtude de termos, por muito tempo, particularmente no mundo ocidental,
identificado a mente comum com os aspectos analítico, científico e lógico do pensar,
falhamos em conhecer o potencial pleno da mente e sua impressionante natureza
extraordinária. Dividindo a mente em duas partes, menosprezamos a que foi chamada de
"inferior", atribuindo valor apenas àquele aspecto que chamamos de "superior".
Entretanto, inferior e superior não são localidades espaciais. Ao invés disso descrevem
funções de um único princípio, manas, a mente, o princípio cognitivo, e nenhum dos
termos - inferior ou superior - deveria ser usado em qualquer sentido pejorativo.
Em seu livro Life's Deeper Aspects, o Sr. N. Sri Ram faz alguns comentários muito úteis,
que são diretamente relevantes para a nossa presente investigação. Ao fazer a pergunta "é
o homem, então, a sua mente, e, neste caso, qual a natureza desta mente?" o Sr. Sri Ram
sugere:

"É óbvio que a mente é uma energia que a cada ponto de sua ação exibe consciência
com todas as suas capacidades implícitas em um grau ou outro. No processo do
pensar, esta energia move-se tão rapidamente, mudando de direção tão prontamente,
é tão sensível e influenciada por cada circunstância e fator, que desenvolve uma
extraordinária complexidade na maneira em que opera... "

Depois, ao propor que "a consciência, em sua natureza essencial é a própria


sensibilidade", ele acrescenta que "a consciência modificada como a encontramos em nós
mesmos, pode ter graus variáveis de sensibilidade”. Além do mais, como afirma o Sr. Sri
Ram, não há distinção a ser feita entre ser sensível a uma coisa ou outra. Em outras
palavras, pode-se dizer que, quando somos sensíveis ao mundo objetivo, àquele mundo
que Jaz fora de nós e à nossa volta - o mundo que podemos examinar e medir de acordo
com algum padrão externo -, estamos usando aquele aspecto da mente que foi chamado
de "inferior". É a mente voltada para fora, para o mundo da matéria, das coisas e dos
objetos que parecem ser distintos de nós, o mundo no qual vivemos nossas vidas diárias.
Há verdadeiramente uma qualidade extraordinária na mente quando está voltada para
fora a fim de buscar o conhecimento do mundo das coisas existentes, uma vez que uma tal
mente pode tornar-se extraordinariamente sensível à beleza, quer seja esta beleza
percebida na face do outro, na forma de uma grande obra de arte ou na harmonia
primorosa de uma equação matemática. A sensibilidade da mente de um grande cientista
que explora as maravilhas do Cosmos, encontra sua contraparte na sensibilidade do grande
artista que percebe no mundo ao seu redor as maravilhas da forma e da cor. É verdade
que, uma tal mente, absorvida no mundo das coisas, pode tornar-se obscurecida por aquilo
que Patañjali, o grande expoente da Yoga, chamou de kleshas, as aflições psicológicas que
lançam sombras na mente, distorcendo a visão, reduzindo, portanto, a sensibilidade:
72
Dentre essas aflições, as mais perigosas, as que produzem as maiores distorções da
verdadeira visão são o egoísmo e o desejo pelo eu pessoal, que conduz ao apego e a todos
os seus problemas concomitantes. Daí o propósito da Yoga: trazer a mente à sua natureza
original pela cessação das modificações do princípio pensante. Para isso se deve, como
alerta o livro A Voz do Silêncio, "buscar o raja dos sentidos, o produtor de pensamentos,
aquele que desperta a ilusão. Citando a Voz mais uma vez: "Não deixarás teus sentidos
fazerem um parque de diversões de tua mente".
Assim, quando o aspecto da mente que está voltado para fora é purificado de todos os
apegos e repulsões pessoais, livre do desejo para o eu pessoal: quando pode ver o mundo
ao nosso redor sem distorção, perceber sua delicada beleza e maravilha, a mente exibe
uma qualidade extraordinária. Igualmente extraordinária é a qualidade da mente que pode
ser chamada de subjetiva, a mente voltada para dentro, para o reino do numênico, que
subjaz ao fenomênico, o reino dos arquétipos, da realidade espiritual. Num tal movimento
interior, há, como disse o Sr. Sri Ram, "a possibilidade de se conhecer tudo o que existe,
responder a isso e experimentá-lo". E o Sr. Sri Ram acrescentou: "Embora não conheçamos
esta possibilidade como um fato, ela é contudo uma ideia iluminativa, lógica e que satisfaz
nosso sentido do que é próprio e pleno". Mesmo ao se aproximar desta possibilidade,
através da mente voltada para o interior, começamos a reconhecer os grandes poderes
criativos da mente, a faculdade construtora de imagens, que chamamos de imaginação, e
as faculdades de inspiração e Sabedoria discernidoras. Aqui também tocamos na espantosa
qualidade do amor ou compaixão, que é uma reflexão direta do Supremo Espírito Uno, a
única Energia Criativa no Universo. E esta energia primordial não é apenas amor; é
pensamento, ideação, a efusão da Mente Universal.
H. P. B. referiu-se aos dois aspectos da função da mente em muitos de seus escritos.
Discutindo a "Natureza do Princípio Pensante" em A Chave para a Teosofia ela escreveu:

"... a chave está na consciência dupla de nossa mente, e também na natureza dual do
'princípio' mental. Há uma consciência espiritual, a mente manásica iluminada pela
luz de Buddhi, aquela que percebe abstrações subjetivamente; e a consciência
senciente (a luz manásica inferior), inseparável de nosso cérebro e sentidos físicos."

Que a mente é essencial ao nosso estado humano, é muito claro em A Doutrina Secreta:

"Os dois princípios superiores não podem ter individualidade sobre a Terra, não
podem tornar-se homem a menos que haja. .. a Mente, o Manas-Ego, para tornar-se
consciente de si mesmo..."

Além disso, deve haver o que H. P. B. chamou de "o corpo dos desejos egoístas e a
Vontade pessoal", mesmo que embora seja desse "corpo" que surjam as aflições
psicológicas que obscurecem ou contaminam a mente. Para completar o quadro, H. P. B.
indicou que são estes dois princípios, o Quinto (Manas) e o Quarto (Kama) que "cimentam o
73
todo, como em torno de um eixo... para a forma física do homem".
Considerando ainda mais o quinto princípio, Manas, devemos prestar atenção à sua
singularidade, pois é a própria singularidade de sua origem que empresta à mente sua
natureza verdadeiramente extraordinária. Duas citações de H. P. B. auxiliar-nos-ão a
compreender este assunto. A primeira, de A Chave para a Teosofia, novamente da seção que
discorre sobre a "Natureza do Princípio Pensante":

"Manas é um "princípio", e, no entanto, é uma "entidade" e uma individualidade ou Ego."

Elaborando sobre este ponto, ela indicou que esta "entidade" encarnou-se na
humanidade nascente num certo estágio de desenvolvimento para despertar Manas à plena
atividade. Esta "entidade" é "chamada em sua pluralidade Manasaputras, 'os Filhos da
Mente (Universal)...'" Segue-se, então uma afirmação muito significativa.

"... uma vez aprisionados ou encarnados, sua essência torna-se dual: o que significa
dizer que os raios da Mente divina eterna, considerados como entidades individuais,
assumem um duplo atributo que é (a) sua característica essencial, a mente que aspira
aos céus... e (b) a qualidade humana do pensar ou a cogitação animal... Manas
inferior, que tende para Kama."

Quando H. P. B. escreveu a Chave, esta descrição de Manas como uma "entidade" já


tinha sido explicada com algum detalhe em A Doutrina Secreta. Todo o assunto da descida
dos Manasaputras merece estudo detido, se quisermos compreender plenamente as
implicações do ensinamento que nos foi dado relativamente ao Quinto princípio ou Manas.
É suficiente para nossos propósitos presentes citar apenas uma passagem de A Doutrina
Secreta:

"Entre o homem e o animal - cujas Mônadas (ou Jtvas) são fundamentalmente


idênticas - há o abismo intransponível da Mentalidade e Autoconsciência. O que é a
mente humana em seu aspecto superior, de onde ela vem, se não é, ela mesma. uma
porção da essência - e, em alguns raros casos de encarnação, a própria essência - de
um Ser superior; um Ser de um plano superior ou divino? ...homem é um animal
como também um deus vivo dentro de sua concha física".

O relacionamento entre aqueles a quem H. P. B. chamou de os Manasaputras, aquelas


grandes inteligências, que despertaram a centelha de Manas dentro das formas humanas
em gradual desenvolvimento num estágio inicial de evolução, e nós mesmos é um estudo
fascinante, embora difícil e abstruso. Até mesmo as poucas referências citadas acima
deveriam nos indicar a natureza extraordinária da mente, a mente em sua condição comum
ou original. Manas é, na verdade, "espírito corporificado", para usar uma das designações
74
que H. P. B. lhe dá; é um deus habitando o interior da forma externa de nossa existência, e
fornece-nos o acesso à Realidade Suprema que é a Consciência Universal, pois estamos
enraizados na consciência, Mahat, a Mente Universal, como o está, na verdade, toda a
existência. Em nós, no ser humano, esta consciência está desabrochando em plena
Autoconsciência. Em nós, portanto, estão todos os poderes, toda a beleza, Sabedoria e
esplendor da consciência auto-reflexiva.
Naquele profundo e belo texto do Shaivismo de Kashmir, os Shiva Sutras, que o Dr.
Jaideva Singh chamou de a "Yoga da Suprema Identidade", há um aforismo simples, mas
altamente significativo, Cittam mantrah. O Dr. Singh traduziu-o como "a mente é mantra",
observando que "pela percepção intensiva de nossa identidade como a Realidade Suprema
oculta em um mantra, e tornando-se, assim, idêntica àquela Realidade, a própria mente
torna-se mantra". Esta mente que é, ou torna-se mantra, deve ser o aspecto da mente
voltado para dentro, que aspira aos céus, ou a mente que é, como diz um comentário,
"uma palpitação ou pulsação da pura Consciência". (Ver Looking in, Seeing Out, de Menas
Kafatos e Thalia Kafatou). De acordo com o Dr. Singh, o termo "mantra" no contexto do
aforismo nos Shiva Sutras é mais do que uma combinação particular de letras ou uma
fórmula sagrada. É, sugere ele, "o coração-semente de Shiva" ou o Supremo,
acrescentando que "aquele que puder entrar no espírito deste mantra identificar-se-á com
a Suprema consciência do Eu e libertar-se-á". Ao mesmo tempo, como assinala o Dr. I. K.
Taimni em seu comentário ao mesmo aforismo (ver Shiva Sutras - Realidade e Realização
Últimas), a palavra "mantra" significa basicamente "som", mas em seu mais amplo sentido
de "qualquer vibração ou movimento"; elaborando sobre a ideia de que os "estados
diferenciados da mente nada são senão mantras" porque são compostos de diferentes
"vibrações", o Dr. Taimni propõe que uma vez que os pensamentos e as ideias são
essencialmente movimentos na consciência, podemos considerar "o Universo manifestado
de um ponto de vista mais profundo... como um oceano de pensamentos e ideias em seu
lado subjetivo, e um fluxo de movimentos e vibrações no lado objetivo".
Agora, colocando estes conceitos juntos - de que Manas ou mente é verdadeiramente
um "deus vivo", um "espírito corporificado", e é também mantra ou vibração - podemos
começar a explorar ainda mais algo da extraordinária natureza da mente. Até mesmo a
mente comum, a mente ou consciência em seu estado original, possui extraordinárias
capacidades. Preeminente entre essas capacidades deve ser o poder de criar, de produzir
imagens que corporificam os grandes padrões arquetípicos na Mente Universal. (Observem
a resposta de H. P. B. a uma pergunta, tal como registrada em Transactions of the Blavatsky
Lodge: "O único Grande Arquiteto do Universo é Mahat, a Mente Universal"). Como
estamos enraizados na Mente Universal ou Mahat, devemos possuir, ou ao menos refletir,
aquelas faculdades inerentes àquela Fonte que H. P. B. chamou de o "Grande Arquiteto".
Nós, por nossa vez, podemos nos tornar criadores de formas a partir dos modelos
existentes na Mente Universal. A este poder inerente e, contudo extraordinário, podemos
chamar de imaginação espiritual. É o poder que nos torna cocriadores com o universal, pois
vivemos verdadeiramente num Universo partícipe, como muitos cientistas proeminentes
hoje estão sugerindo.
Enquanto a Ciência, em uma grande medida, fez das funções da lógica, analítica e
75
matemática da mente comum, a base de todo o conhecimento, podemos agora reconhecer
a necessidade de combinar estas funções com os aspectos mais profundos, mais
abrangentes e criativos da consciência que surgem e fluem da mente interiormente
iluminada pela energia de buddhi, a percepção intuitiva, a Sabedoria discernidora, a
compreensão compassiva. Somente através do despertar de uma genuína imaginação
espiritual é que podemos descobrir que a libertação do espírito humano pode ser
alcançada. Isso não é anticiência, pois a função da Ciência, em termos de sua metodologia
essencial, é testar a imaginação, como todo genuíno cientista sabe. E a libertação do
espírito humano é possível tanto através daquela ciência que está aberta à percepção ou
imaginação intuitiva como também através do salto do modo de pensamento analítico e
lógico para o modo criativo e simbólico. O fluxo de energia pode e deve ser tanto de baixo
para cima como de cima para baixo.
O que pode ser proposto, então, é que é necessário haver, em primeiro lugar, o
reconhecimento de que Manas, a mente ou consciência cognitiva, é um deus dentro de nós
e, em segundo lugar, de que possui, portanto, capacidades extraordinárias, mas sempre
presentes e acessíveis à mente comum, à mente ordenada e original. Estas são capacidades
que não somente dão sentido e propósito à existência, mas também nos atraem em
direção ao futuro. Há mais de um século atrás, o filósofo americano Ralph Waldo Emerson
disse: "O que jaz diante de nós e o que jaz atrás de nós é uma questão muito pequena se
comparado com o que jaz dentro de nós". Ao que seu colega Henry David Thoreau
acrescentou: "Quando temos acesso aos poderes extraordinários da mente comum, aquela
mente que é um "deus vivo" e que é mantra, realmente realizamos milagres, pois
reconstruímos tanto a nós mesmos quanto ao mundo. Esta é a genuína reforma que é
necessária hoje.
Bem que podemos perguntar: qual é a natureza do ato de pensamento quando, num
momento brilhante, há uma súbita mudança de atenção, um alcance concomitante de
novas compreensões e uma ideia nasce? Qual é a natureza daquele ato através do qual
subitamente vemos um novo aspecto da vida, percebemos um significado que é muito mais
completo e inteiro do que qualquer percepção que tivemos antes? O salto súbito e preciso
da mente, através de todas as barreiras e para novos campos de conhecimento e
compreensão, é talvez melhor descrito como um "lampejo de percepção". E o momento de
tornar-se plenamente cônscio, o momento descrito de forma tão bela por Arjuna, quando
ele disse: "Destruída está minha ilusão, obtive o conhecimento... sou firme, minhas dúvidas
desapareceram". Num tal momento, a percepção interna pode ser traduzida como "visão
externa", quer dizer, em ação no mundo.
Quando o Terceiro Objetivo de nossa Sociedade dirige nossa atenção para uma
investigação das leis ainda inexplicadas da Natureza e seus poderes correspondentes
latentes em todo indivíduo, eu sugeriria que um aspecto a ser explorado fosse o daquelas
capacidades de Manas, da mente e da consciência, que levam ao despertar de um novo
modo de percepção e, consequentemente, a um novo modo de ação no mundo. Estamos
falando não de percepção psíquica, como ela é usualmente compreendida - embora de um
ponto de vista psicológico ela possa ser a percepção total da psique quando iluminada pela
luz de buddhi, movida por aquela energia que é Sabedoria compassiva -, mas da percepção
76
da consciência espiritualmente iluminada, à qual H. P. B. deu a designação de manas-taijasa;
a mente radiante ou resplandecente.
Escrevendo sobre a Teosofia em si, H. P. B. uma vez mencionou que ela despertava em
nós um "contemplar direto". Mas, como o Mahatma R. H. escreveu a A. P. Sinett, "a
iluminação deve vir de dentro". E em outra das Cartas dos Mahatmas ao Sr. Sinnett, o
Mahatma M. escreveu: "É com zeloso cuidado que temos de guardar nosso plano mental
de todas as adversas influências que surgem diariamente em nossa passagem através da
vida... É sobre a serena e plácida superfície da mente tranquila que as visões recolhidas no
invisível encontram uma representação no mundo visível...” Certamente a "mente
tranquila" é a mente comum no sentido de ser a mente original, a mente em seu estado
normal ou ordenado, sem qualquer confusão ou obscuridade nublando sua condição
natural. Numa tal mente está presente, como expressou o Mahatma K. H., "uma percepção
instantânea e implícita em cada verdade básica".
Surge agora a questão de como despertar este modo imaginativo de pensamento, um
modo muito frequentemente negligenciado e até mesmo excluído de qualquer
consideração da mente. Contudo, é somente quando nutrimos o modo imaginativo,
intuitivo, simbólico, o modo da síntese conceitual, que chegamos a compreender o
potencial pleno da mente e sua natureza extraordinária. Pois é o modo imaginativo de
pensamento que auxilia a despertar a verdadeira percepção e compreensão. Enquanto é o
aspecto da mente, voltado para o exterior, que pode muito facilmente tornar-se prisioneiro
das energias do desejo e da paixão e até mesmo criar instrumentos de destruição bem
como formas de grande beleza, é o aspecto mais profundo da mente, a iluminada desde o
interior e responsiva à luz de buddhi que dá surgimento à ação ética; pois o ato que
caracterizará nossa conduta total surgirá natural e espontaneamente da visão que
adotarmos. Quando esta visão é de totalidade, de unidade, agiremos concomitantemente
para o benefício de toda a humanidade.
Parece haver uma concordância geral nas tradições espirituais em relação aos dois
fundamentos básicos necessários para despertar o modo intuitivo ou imaginativo de
consciência: esforço consciente e intensa concentração ou persistência. Quando a mente é
mantida firme, focalizada, então, o súbito e inesperado lampejo de iluminação, marcado
por um sentimento de certeza, pode ocorrer. Este é o salto para um novo estado de
consciência, no qual o seu "eu" pessoal e seus apegos desaparecem. Mas a mente necessita
ser equipada com materiais com os quais possa dar o salto, pois a imaginação não pode
florescer num vácuo. O lampejo de iluminação interior é favorecido por um domínio
disciplinado e uma intensa preocupação com os princípios fundamentais que provêm o
estímulo necessário para precipitar a nova visão.
Na verdade, a imaginação - a imaginação espiritual - é o instrumento universal e
indispensável de todos os níveis de vida em nosso mundo. Nossas vidas diárias são
dependentes dela, pois durante todo o dia imaginamos o nosso caminho de uma atividade
para outra, de um lugar para outro, visualizando cursos de ação alternativos bem como
consequências alternativas. Na realidade, pode ser sugerido que a principal função da
imaginação é capacitar o ser humano a construir constantemente modelos mentais do
mundo real. Através do pensamento, criamos a realidade virtual na qual vivemos, e quando
77
o pensamento é desembaralhado, livre, não agrilhoado pelo desejo e o egoísmo, a
realidade virtual que criamos está mais próxima da única realidade verdadeira da qual toda
existência emergiu.
M. C. Richards, em sua obra Toward Wholeness. expressou as implicações de uma
imaginação verdadeiramente espiritual e criativa. Ela escreveu:

"A renovação da sociedade virá quando pudermos imaginá-la diferente e


quando estivermos prontos, como os artistas, para assumir o trabalho efetivo
de criar formas novas."

Mas não somos chamados à criatividade simplesmente, mas sim a uma criatividade
que esteja a serviço da compaixão, pois a compaixão é a meta da jornada espiritual, como
está claramente destacado em A Voz do Silêncio:

"Sabe que a torrente de conhecimentos super-humanos e Sabedoria dos


Devas, que ganhaste, deve, de ti, o canal de Aláya, ser derramada em outro
leito... se quiseres seguir os passos de teu predecessor, permanece altruísta até
o interminável fim."

Quando promovemos a imaginação ao posto de agente criativo fundamental da mente


humana em seu funcionamento mais elevado, podemos, cunhando uma palavra,
"nirvanizar" o mundo. Isso significa que reconhecemos que, debaixo do tumulto externo e
dos numerosos problemas que afligem nosso mundo, há uma realidade mais profunda com
a qual podemos nos alinhar e à qual podemos ajudar a manifestar-se. Como William Blake,
o grande poeta e místico inglês, uma vez escreveu: "Se as portas da percepção forem
purificadas, todas as coisas aparecerão como realmente são, infinitas". Toca a nós "purificar
as portas da percepção", através da meditação, da concentração e da atenção persistente
naquilo que conhecemos ser mais elevado. Esta é a tarefa supremamente humana; vermos
as coisas como elas realmente são, livrarmo-nos das ilusões produzidas por motivos
egoístas, erguermo-nos para fora do mundo falso da hipocrisia e da lamúria, tornarmos
retos nossos valores e, através do despertar do potencial criativo dentro de nós,
produzirmos uma nova visão de mundo na qual a Paz e a Fraternidade sejam as normas da
existência.
Foi sugerido que a imaginação pode pôr ordem no caos da experiência sensorial, pois
ela pode perceber um significado mais profundo nos eventos diários e nos despertar para a
necessidade de uma genuína moralidade, uma moralidade ecológica, que é a ética do
espírito. Uma vida vivida dentro do espectro da imaginação espiritual evita os extremos
para desgastar-se numa sensualidade irrestrita ou nas inúteis atitudes melodramáticas de
um espiritualismo confuso. A mente não é mais impelida pelo desejo de fins pessoais nem
atraída por experiências místicas. Ela é a mente estável, a mente cristalina, refletindo a luz
da Sabedoria, a mente que, através do exercício de sua natureza) extraordinária, pode
78
visualizar e, portanto, trazer à existência a sociedade nobre com a qual sonhamos.
Quando reconhecemos o papel da mente e suas vastas possibilidades - a mente como
Buda, a mente como mantra, a mente como aquele princípio em nós que é um "deus vivo"
e que ao mesmo tempo define nosso estado humano -, começamos a perceber que a
função da imaginação é tornar palpável o fato de que a matéria, em seu aspecto subjetivo,
é espírito, enquanto que o espírito, considerado objetivamente, é o mundo material. Isso
equivale a dizer que o mundo das coisas (samsara) é o nirvana, e o nirvana é o samsara.
Tudo depende de nosso ponto de vista. A compreensão disso muda nossa visão total, e,
com uma mudança de percepção, a nossa conduta, os nossos modos de ação no mundo,
mudam completamente.
De acordo com o Dr. Carl Jung, as imagens são os pressupostos básicos de toda vida
psíquica e o modo privilegiado de acesso ao conhecimento do Eu interior. A imaginação,
portanto, subjaz a todos os processos perceptivos e cognitivos. Na realidade, de um ponto
de vista epistemológico, as imagens são a única realidade que apreendemos diretamente:
tudo o que conhecemos é transmitido por imagens, pois as imagens são os fatos
fundamentais da existência humana. É do material das imagens que criamos nosso mundo,
da mesma forma que nós próprios fomos "imaginados" no tempo e no espaço a partir do
"material" da Mente Universal. Ao nutrirmos nossa imaginação espiritual, evocando nossos
próprios poderes deíficos de criatividade, podemos, pela força da imaginação, trazer à
existência uma sociedade mais nobre e mais bela.
Assim a mente comum revela sua natureza extraordinária. É a mente iluminada desde
o interior, a mente desperta para a percepção da Realidade Una habitando em todas as
coisas. É a mente incandescente com a refulgência do Eu Espiritual. É a mente, portanto,
que é una com o coração ao buscar servir a todos os seres. A nossa tarefa, podemos dizer,
é transformar kama-manas em buddhi-manas, a mente impelida pelo desejo na mente
iluminada pelo amor. Nesta transformação, liberamos os potenciais do "deus vivo" dentro
de nós: compaixão e ternura, humildade e gentileza, paciência e infinita preocupação pelo
bem-estar de todos. E nesta transformação teremos obedecido ao conselho do Buda,
"produzir amor em nossa mente", um amor que sabe que não há um outro, pois somente
há o Uno sempre lembrando a Si mesmo, à medida que Se revela a Si mesmo nas formas
inumeráveis.

79
ALGUNS PASSOS EM DIREÇÃO A UMA MENTE SÁBIA E UMA SOCIEDADE NOBRE
Ravi Ravindra (Canadá)

Companheiros de busca, é necessário, se não quisermos que a nossa conversa esta


manhã se torne meramente Filosofia pueril, que nos lembremos da nossa real situação por
um momento. Cientistas contemporâneos nos asseguram que durante o tempo que nos
reunirmos esta manhã, talvez apenas uma hora, milhares de galáxias se desintegrarão. E,
com .certeza, outras milhares surgiram. No entanto, em uma escala que está muito mais
próxima a nós e é mais compreensível, talvez todos saibam que em um ano - digamos de
hoje até a mesma data no ano que vem - mais de cem milhões de pessoas na Terra terão
morrido. Isso é muito natural, não estou falando de nenhum cataclisma, e de nenhuma
guerra em especial. Eu estou apenas falando de um movimento natural da humanidade
Durante a hora em que estamos nos reunindo aqui esta manhã, aproximadamente doze
mil pessoas morrerão. E eles são. exatamente como nós. Têm suas esperanças, medos,
filhos, netos, famílias. Assim, é realmente útil que nos lembremos que o que quer que
consideremos agora, na verdade tem uma dimensão cosmológica. Talvez nem sempre
tenhamos consciência disso, o que é, claro, uma limitação da nossa visão. Não estamos
sempre conscientes de que cada uma das nossas ações, cada respiração nossa, tem um
significado cosmológico e nenhum ser humano, nenhuma criatura, nem mesmo uma
ameba, vive completamente isolada do resto do Cosmos.
Com este tipo de perspectiva em mente, deixe-me levantar uma questão. Todo este
Congresso está dedicado ao tema de mentes sábias e uma sociedade nobre. A minha
pergunta é: Mente sábia e sociedade nobre são requisitos, necessidades da Terra? Ou do
Sistema Solar? Ou de todo o Cosmos? Ou é um assunto que nós pensamos por um dia,
depois de termos tomado um farto café da manhã, filosofamos a respeito e logo vamos
desfrutar de um bom almoço? Assim realmente não faz diferença o que nós decidirmos. Se
de fato é importante que haja pessoas sábias e que a sociedade seja sã, saudável, e nobre,
então temos que perceber que realmente estes requisitos não são de ordem pessoal, não
são caprichos pessoais meus ou de qualquer outra pessoa. E não se trata de hoje
querermos discuti-lo e amanhã já não termos disposição para isso. Quando nós estamos
em contato com uma mente sã, percebemos que estas são, de fato, necessidades do
Cosmos, que entendemos parcialmente e tratamos de realizar na medida em que nos é
possível.
Eu gostaria de convidá-los a considerar por um momento esta possibilidade, que não é
simplesmente uma questão do Ravindra avançar ou se tornar mais sábio ou da sua
sociedade próxima se tornar mais nobre. Na verdade é uma investigação em relação à
mente reta e à inter-relação social adequada, a sociedade reta é uma necessidade da Terra,
do Cosmos. As consequências de nossas ações não são somente para nós. Claro que
geralmente não percebemos isso, em grande parte por causa da nossa visão limitada. É por
este motivo que é útil para nós, pelo menos como um conselho heurístico, escutar os
sábios. Não porque algum sábio muito conhecido disse alguma coisa, ela se torna
80
verdadeira, mas pelo menos a torna digna da nossa ponderação.
Vamos nos lembrar que, entre as várias indicações dadas pelos sábios encontra-se que
os seres humanos estão peculiarmente situados em todos os níveis de existência para lutar
pela manutenção de Rita ou Dharma, - duas palavras sânscritas muito conhecidas por este
auditório - especialmente no que diz respeito à manutenção da reta ordem cosmológica.
Para isso, mais do que qualquer outra coisa, é necessário Yajña, um termo que é quase
impossível de ser traduzido e o é geralmente como "sacrifício". Esta tradução está mais ou
menos correta, mas certamente, com qualquer estudo mais profundo do Rig Veda ou do
Bhagavad Gita, se percebe imediatamente que Yajña realmente tem muito mais a ver com
troca de energias e substâncias entre os vários níveis de existência, do que com "sacrificío",
no sentido ordinário do termo. Yajña é o que torna o Cosmos e nossas vidas sagrados - que
é o sentido literal da raiz da palavra sacrifício - onde tudo está corretamente ordenado com
trocas entre os níveis superiores e inferiores.
É por esta razão que no Rig Veda há a afirmação Yajña bhuvnam nabhi onde, Yajña é o
próprio centra (8) do Cosmos, em torno do qual toda a ordem cósmica se estabelece, Rita
ou Dharma. Por este motivo eu gostaria de convidá-los a perceber que, para que as nossas
considerações sejam sagradas e significativas, isso requer tanto um aspecto sacrificial
quanto um aspecto sacramental. Estes dois aspectos são abrangidos pela palavra sacrifício.
Esta troca de energias se dá tanto externamente - com isso me refiro à relação entre os
seres humanos e outros níveis de realidade, externos a nós - como internamente.
Praticamente todos os grandes Ensinamentos, em toda parte, de uma maneira ou de
outra, disseram que um ser humano reflete essencialmente toda a ordem cósmica, porém
um ser humano pouco desenvolvido, que não foi transformado pela disciplina espiritual,
que não é um yógue, mas um ser humano que de fato se desenvolveu espiritualmente e se
relaciona com vários níveis em si mesmo. Este último pode ser chamado, em sânscrito, de
Maha-Purusha. Tais seres refletem, ou espelham toda a ordem cósmica externa. Assim,
algumas vezes é mais fácil para nós olharmos para uma situação externamente e outras
vezes torna-se mais fácil compreendê-la internamente. Eu não penso que seria adequado
que insistíssemos que há somente uma maneira de proceder, tanto se isso se referisse a
perspectiva externa ou a interna. Um dos grandes Upanishads diz que aquele que pensa
que o que está lá fora não está também dentro é verdadeiramente um tolo e vai da morte
para a morte.
Uma mente sábia, além de qualquer outra coisa também, é uma mente compreensiva.
Inclui tudo que existe, mesmo o demônio. Considero particularmente necessário enfatizar
este ponto aqui neste encontro, porque tudo que eu escutei até agora me pareceu que o
interesse maior estava na direção dos espíritos, dos anjos, de Deus e da Divindade. Assim,
se vocês me permitirem, esta manhã eu gostaria de falar em nome do diabo, tenho uma
certa simpatia por ele.
Podemos estar tão preocupados com relação à nossa natureza superior e esquecermos
completamente que o único lugar no qual qualquer ação pode ocorrer é no nível da nossa
natureza inferior. Então, deixem-me, com a vossa permissão, tentar defender o ser inferior,
a personalidade, o demônio, o ego, o sentido de eu. Todas estas coisas parecem tão ruins
que normalmente nós rapidamente nos tornamos mais angélicos, mais espirituais, "voando
81
nos reinos superiores", esquecendo que a não ser em raros momentos - em estados
elevados de consciência - nós de fato não temos nenhum contado com a nossa natureza
superior. Isso nos leva à fantasia e à imaginação, na acepção negativa desta palavra, à
ilusão. Assim, devemos tentar perceber, de uma maneira precisa, onde realmente estamos.
Ainda que possa ser verdade, como dizem os sábios, que no mais profundo do meu ser eu
sou Brahman, isso não é fácil de acreditar. Certamente meus amigos têm grande
dificuldade de aceitar isto a meu respeito! Ainda que possa ser verdade que eu sou
Brahman, não é neste nível que eu vivo normalmente. Então, não dar atenção ao nível em
que realmente vivemos é viver em fantasia. Ainda mais, há um outro aspecto que mostra
como é pouco prático ignorar a personalidade porque - a não ser que vocês sejam
completamente diferentes de mim, o que é possível, mas pouco provável - a maior parte da
minha energia e força provém da personalidade ou da natureza inferior. E isto é verdade
em relação a todos, mesmo que se possa apontar exceções a esta regra geral. Mas cuidado
para não se enganarem ao apresentar exceções. Este fato de que a nossa força e energia
provém fundamentalmente da nossa natureza inferior não é nada demais, não é algo deste
século ou desta década. Temos, por exemplo, a história da mistura do oceano láctico, que é
tão antiga quanto o Rig Veda e é repetida no Mahabharata e em outros Puranas da Índia.
Uma grande ênfase é dada a esta história na cultura indiana. O tema básico da história é
bem conhecido de vocês, a constante luta entre os deuses e os anti deuses. Isso não é nada
novo, sempre foi verdadeiro; o que é uma característica básica dos deuses, na história, é
que eles são, de alguma maneira, mais inteligentes, poderíamos dizer mais sábios, mas não
têm tanta energia, tanta força como têm os antideuses. Esta é sempre a nossa situação.
A nossa natureza superior pode ser realmente mais sábia, está em um nível mais
inteligente da realidade, mas a energia e a força estão principalmente na personalidade, na
natureza inferior. Alguns de vocês talvez conheçam o significado etimológico destas duas
palavras que eu estou usando em inglês (a palestra foi proferida em inglês) como deuses ou
anti-deuses. As palavras sânscritas são Daityas e Adityas, ambos os deuses têm a mesma
paternidade. É bom que nos lembremos, de forma que instantaneamente percebamos que
a história trata da nossa relação com algo, querendo dizer que isto é uma coisa que
realmente está acontecendo em nosso interior. Têm o mesmo pai, que se chama Kashyapa
em sânscrito, que, literalmente, significa visão. Apesar de que os Daityas têm como pai
Kashyapa, tem como mãe Diti - é desta maneira que as genealogias sânscritas são formadas
- assim obtemos o produto de Kashyapa e Diti chamados Daityas. Diti significa limitado;
então, os Daityas são, como podemos claramente perceber, produtos de uma visão
limitada, como nós. Os Adityas, por outro lado, têm como mãe Aditi. Como vocês todos
sabem, assim como na maioria das línguas europeias este prefixo "a" é a maneira de formar
o oposto de Diti, ou seja, Aditi, significa visão mais ampla ou ilimitada. Assim sendo, os
Adityas são produtos de uma vasta visão e, naturalmente, há uma constante luta entre
estes dois tipos de seres. E a história nos conta que, apesar de terem os Daityas uma visão
mais estreita, não conseguirem ver as coisas com clareza, eles têm uma grande quantidade
de energia, tanta que os deuses ou Adityas fogem deles. Não podem se manter no seu
próprio espaço, e, finalmente, percebendo que não podem confiar totalmente nas próprias
energias, apelam para um deus maior Vishnu. Esta atitude é uma demonstração de
82
inteligência deles. Este tema tem sido de extrema importância na arte indiana. Talvez
alguns de vocês conheceram o principal templo Ankor Wat, em Camboja, que está
integralmente dedicado a esta história.
O ponto que eu realmente gostaria de ressaltar é que se nós não quisermos
simplesmente perder toda a praticidade, não podemos ignorar estas criaturas, os Daityas, a
personalidade ou os Demônios ou qualquer outra designação que quisermos utilizar, que
carregam a maior parte da energia. Nós podemos permanecer lá nas alturas, vendo as
coisas claras, mas desta forma não há nada que possamos fazer porque não temos energia
e não queremos incluir a natureza inferior. Então, obviamente, nenhum tipo de atuação no
mundo será possível. Por estas razões, eu agora gostaria de ressaltar um outro aspecto
importante contido nas tradições místicas. Há um elemento que a maioria das pessoas
destaca e vocês escutaram isso, neste auditório, que é, a unidade ou o todo. Há um outro
aspecto extremamente importante, também ressaltado pelos grandes sábios, que é a
ênfase na unicidade. É interessante que ambas as palavras unidade e unicidade têm a
mesma raiz latina, mas, sem dúvida, têm significados muito diferentes nosso uso comum. E
o que é importante aqui é que nos lembremos continuamente que os sábios disseram
algumas palavras no sentido da unidade, por exemplo no Bhagavad Gita, que aqueles que
realmente podem ver veem que tudo que existe é Krishna. Isso é verdade, mas também se
pode ver, no próprio Bhagavad Gita, que Krishna não pode fazer nada sem Arjuna e Krishna
não pode substituir Arjuna. Há uma certa unicidade quanto às qualidades, às habilidades de
Arjuna, que não podem ser substituídas, nem mesmo por Krishna. E a mesma coisa pode
ser dita a respeito de cada criança.
Nas tradições místicas é afirmado repetidamente que tudo é um. Mas constantemente
esquecemos que mesmo a energia mais elevada e una se manifesta em cada indivíduo de
uma maneira única. Mesmo Krishna não pode substituir uma única criança. A questão que
devemos ponderar repetidamente aqui, que é a nossa maior dificuldade, é que nós
tomamos tanto a unidade de todas as coisas como a nossa unicidade de uma maneira
pessoal. Esta atitude é uma sinal de visão limitada. A unicidade em si não é um sinal de
visão limitada, nem a individualidade. O que torna limitada a nossa visão é encarar a
individualidade de uma forma pessoal. Portanto, estou convidando-os a estabelecer uma
distinção, que é um pouco difícil na língua inglesa, mas necessária, entre pessoal e individual.
É uma lástima que se desconsidere quase metade de toda a tradição espiritual do
mundo, usualmente representada pelas tradições Bíblicas onde, por exemplo, se insiste
que Deus é uma pessoa, mas não há nenhuma referência ao fato de que Ele encare as
coisas·de uma maneira pessoal. Ser uma pessoa, ser um indivíduo não significa encarar as
coisas de uma forma pessoal, o que é, por definição, encará-las como se todo o Universo
estivesse centrado em mim e somente em mim, que as galáxias se movem para que
Ravindra possa seguir adiante. Isso seria encarar as coisas de uma maneira pessoal. Devo
perceber que tenho um Svabhava, uma particular individualidade, uma combinação
específica de talentos, energias, bobagens, todos particularmente meus e é com isso que
tenho de atuar e cumprir minhas responsabilidades no mundo. Devemos também tentar
ver de uma maneira mais ampla - isso não pode ser desconsiderado - porque, sem isso
haveria pouco sentido em levar adiante as minhas responsabilidades particulares. A
83
possibilidade de não encarar as coisas de uma forma pessoal realmente só existe se
estamos engajados em Yajña, que é o ponto do qual eu comecei, isto quer dizer, nós
podemos realmente receber energias de um nível pelo menos um pouco superior ao que
normalmente vivemos. Eu gostaria de ressaltar que não precisamos ser tão "binários" em
nossas considerações, nós saltamos de um nível extremamente elevado - o mais elevado
que existe - para um nível extremamente inferior. Nós estamos realmente no meio. Há
muitos e muitos níveis. Precisamos então elevar um pouco a nossa visão interior, de forma
a sermos capazes de receber energias superiores e mantê-las. Posso assegurá-los que os
deuses não se alimentam de nada além de atenção. Eu estava pensando em trazer alguma
bonita citação de alguma Escritura que dissesse algo a este respeito, mas não tive tempo
de encontrá-la. De qualquer forma, é verdade que a atenção é o alimento que os deuses
precisam e pedem, e esta é a razão da ênfase dada, em todas as tradições espirituais, em
relação ao sacrifício humano. Os seres humanos não vivem para si próprios somente, isso
não teria sentido no vasto Cosmos que consideramos a princípio. Claro que é possível
entender estas coisas de uma maneira errada e em vez de sacrificar-nos a nós próprios,
preferirmos sacrificar o outro. O sacrifício humano é a condição sine qua non da vida
espiritual, porque é desta maneira que a nossa vida se torna sagrada, ao engajar-nos em
Yajña, pela troca de energias. Isso é o que me afasta de ser meramente pessoal, como se o
Universo estivesse centrado inteiramente e exclusivamente em mim.
Há um símile usado em um antigo texto da Índia, chamado Sankhya Karika, usualmente
atribuído a Ishvara Krishna. Lá se fala de Purusha, que é aleijado mas pode ver, e Prakriti, que
pode andar mas é cego. Assim, para que ocorra qualquer ação ou movimento no mundo é
necessário a união de Purusha que pode ver mas não pode se movimentar e Prakriti que
pode andar, mas não pode ver. Gostaria de chamar atenção que a leitura destas Escrituras
seguidamente nos traz esta impressão deste sistema "binário", como se Purusha estivesse
em algum lugar nas alturas e Prakriti fosse inferior. Deixem-me convidá-los a considerar que
temos um fluxo de Purusha em nós, um componente de Purusha que é realmente dinâmico.
Cada vez que eu consigo realmente olhar para mim mesmo - o que de fato significa olhar
para a minha personalidade, minha natureza inferior - este momento de percepção ou de
participação no fluxo da percepção está realmente vitalizando o fluxo de Purusha em mim.
Purusha, ou espírito, só tem uma característica, a habilidade de ver. Não faz nada além de
ver. E este fluxo de Purusha em nós pode ascender e, portanto, tudo abaixo se torna Prakriti.
Estou sugerindo aqui que Prakriti e Purusha não estão em nenhum tipo de equilíbrio
estático, mas existe uma interação dinâmica na qual quanto mais elevado Purusha se
tornar, mais Prakriti estará presente, sob a forma e controle de Purusha. A pessoa que pode
realmente estar, completa ou parcialmente, consciente do que está acontecendo em seu
interior não é desviada, verdadeiramente monta neste cavalo, que é Prakriti, não por
ignorá-lo, mas por incluí-lo.
Permitam-me repetir porque este é um ponto psicológico extremamente importante.
Nenhuma Sabedoria ou Verdade pode ser alcançada através de ignorarmos aspectos de
nós mesmos. É ponto pacífico e tão prático: se eu ignoro alguma coisa, eu vivo em
ignorância, portanto, naturalmente eu não vivo no conhecimento. Isto é tão óbvio. Na
verdade, tudo que eu digo é óbvio. É só olhar por si mesmo e ver, não se preocupem com o
84
que as Escrituras dizem a respeito (apesar de que ocasionalmente eu cito as Escrituras
também para apoiar-me em alguma autoridade). Mas o que é importante é que nós
sejamos capazes de ver. Cada vez que sou realmente capaz de ver como sou, esta visão da
verdade, por pequena que seja, cria internamente uma ordem correta. Se a minha atuação
é no sentido de ignorar alguns aspectos em mim, ou excluí-los, mais cedo ou mais tarde, de
maneira desapercebida, eles vêm perseguir-me. Como todos os pais sabem, se não damos
atenção a uma criança, se não lhe escutamos, mais cedo ou mais tarde algumas tendências
destrutivas aparecerão, de uma direção ou de outra. Temos todas estas crianças em nós
mesmos também. Um reconhecimento bem sedimentado e profundo é necessário. Isto é,
em última análise, o princípio básico de Ahimsa, não-violação, que frequentemente é
traduzido como não-violência, mas fica realmente mais compreensível quando é traduzido
como não-violação. Assim, uma aceitação bem sedimentada das coisas como elas são, cria
uma ordem certa, porque a real energia que transforma todas coisa é a atenção.
Permitam-me agora repetir que ambas, unidade e unicidade, são necessárias. Se
ignorarmos alguma delas viveremos ou em fantasia ou em uma visão extremamente
limitada e esta é a razão pela qual eu tenho tanta dificuldade com uma afirmação do
Chandogya Upanishad, na qual é dito que a realidade mesma é o barro e todos os outros
potes são meramente gerados por namarupa (forma e nome). Na minha opinião esta ideia é
terrível. Todos os sábios que eu encontrei em minha vida me pareceram estabelecer
grandes distinções entre um pote feio e um belíssimo vaso chinês, ambos feitos de barro. É
mais fácil dizer que em algum ápice da percepção se pode ver a unidade essencial de um
pote feio como a de um belíssimo vaso. Mas ninguém quer ignorar a beleza, ninguém quer
ignorar a unicidade de cada recipiente que existe. Apesar de que talvez seja certo enfatizar
a unidade entre todos os potes, não se pode perceber isso a não ser que a pessoa esteja em
um nível muito elevado de consciência, onde toda a energia dela funciona de uma maneira
diferente. Se vocês forem como eu, este tipo de experiência não é daquelas que se tem
todo dia ou que a maioria das pessoas tem o tempo todo. Portanto, para a maioria de nós,
isso se torna apenas uma generalização metafísica, uma abstração destrutiva em relação à
dignidade individual. Poderia ser destrutiva em relação à arte, o que realmente é o caso na
história da Índia (seria uma outra palestra tratar deste tema!). Os pronunciamentos deste
tipo, feitos por Shankara, tiveram efeitos daninhos na arte e na arquitetura indiana. Por nós
não vivermos, nem termos a capacidade de viver no mais alto nível de consciência, a
compreensão da unidade se torna meramente teórica e a partir dela generalizamos e
ignoramos aquilo que realmente fazemos e o que, de fato, podemos ver. Portanto, eu
gostaria, novamente, de enfatizar ambos os polos da totalidade: precisamos ter consciência
da unicidade de cada coisa, bem como da unidade de tudo que existe. E além disto, dizer
que há uma constante luta entre estes dois polos.
Historicamente tem havido uma luta entre os filósofos e os artistas, do ponto de vista
externo, porque os artistas estão muito mais interessados na unicidade de cada objeto, na
combinação de cores, e os filósofos estão sempre procurando generalizações, abstrações.
Esta é a razão destas linhas tão profundas de um dos poemas de William Blake: "Os
raciocínios são como grandes serpentes, que se enroscam em meus membros triturando
minhas pequenas articulações". É necessário - claro - estudar Filosofia, mesmo agradável,
85
mas é importante não se deixar levar por aquilo que não faz parte da nossa própria
compreensão, do nosso comportamento, da nossa própria experiência; pode levar a
abstrações mentais que são apenas especulações. Todas as áreas de Teologia e Filosofia
estão repletas deste tipo de especulação. O que é realmente necessário, se queremos
seriamente nos engajar em uma busca espiritual, é que a Filosofia seja uma busca vivencial,
uma ciência espiritual. Mas podemos evitar o que Blake denuncia, se ao filisofarmos
tivermos em mente os detalhes concretos, as pequenas articulações, que ele menciona.
Deveríamos coverter nossas vidas em obras de arte. Não em generalidades abstratas. Mas
é imprescindível não encarar a nossa unicidade de uma forma pessoal. Isso requer alguma
luta. Não é algo que vem de graça, sem qualquer esforço. Nem a mente sábia ou a
sociedade nobre podem ser conseguidas com apenas uma tentativa. Não é algo que se
possa fazer de uma maneira fixa, permanente. Requer constante luta. Isso é mais
facilmente compreensível dentro de nós do que externamente. A vigilância é sempre
necessária e minha unicidade não é algo que precise diminuir a unicidade de outra pessoa.
De outra forma cairíamos em vários tipos de generalização. Mas elas não são capazes de
revelar a verdade da nossa existência.
Muitas vezes as pessoas me dizem que todas as religiões são iguais. Usualmente estas
são pessoas que não se dão ao trabalho de estudar nenhuma destas religiões. É impossível
dizer todas as religiões são iguais, seja no nível da Arquitetura, ou da Música, ou das
Escrituras, ou da Liturgia, ou o que os monges usam e fazem. Sob qualquer ponto de vista
visível, todas as religiões são diferentes umas das outras. É possível, como muitas vezes os
sábios afirmaram, que no nível mais elevado - que não é onde vocês ou eu estamos - todas
as religiões sejam iguais. Mas esta unidade, a qual os grandes sábios se referem não é a
minha experiência cotidiana ou o que imaginamos a partir desta palavra. É, portanto,
necessário não diminuir a unicidade de cada uma destas tradições religiosas. Somente
porque você é diferente de mim, não é necessário que, por esta razão, eu tenha que te
odiar. Precisamos amar ao outro precisamente porque o outro é diferente, não por ser
igual. Esta noção de unicidade, não implica em diminuir a unicidade de outra pessoa.
Gostaria de fazer uma outra observação agora. Nós escutamos, muitas vezes - esta é uma
das grandes afirmações dos Upanishads - que Ãtman é Brahman. Esta afirmação é
maravilhosa. Refere-se à nossa aspiração de que, profunda e internamente, eu também
participo em Brahman. Mas deixem-me lembrá-los que há aqui uma operação comutativa:
se Ãtman é Brahman, isso também significa que Brahman é Ãrman. Simples. Mas o que isso
significa? Significa que cada partícula, cada indivíduo, cada criança, como é - é sagrada, e
todo o processo e energias cósmicas servem para a produção de cada nova criança.
Ninguém está aqui contra as leis cósmicas, ou físicas, ou biológicas. Esta energia mais sutil
permeia cada indivíduo, na sua unicidade, na sua dignidade individual. Meu tempo está
terminando. Gostaria de citar algo dito por um grande rabino chamado Hillel. Ele disse: "Se
eu não estiver para mim mesmo, quem estará por mim? Se eu estiver apenas para mim
mesmo, o que sou eu? E se não for agora, quando?". Obrigado.

(8). No original em inglês: navel. (N. E.)

86
A CONSTRUÇÃO DE UMA SOCIEDADE NOBRE -I
Ulisses Riedel (Brasil)

O tema do simpósio "A Construção de uma Sociedade Nobre" encerra a seguinte


pergunta: "Como devemos agir para que possamos construir uma sociedade nobre, uma
sociedade onde reine a paz, o entendimento, a solidariedade humana, uma sociedade
justa, alegre e harmoniosa?
A vida em sociedade, que é uma exigência da natureza humana, é uma vida de
relações.
Os seres humanos, ao longo de milhares de anos, têm vivido neste planeta, e,
certamente, durante um longo período, o sistema básico de vida, de relações humanas, foi
o da força.
Os mais fortes fisicamente dominavam os mais fracos. Com o correr dos milênios, com
o desenvolvimento da inteligência, o uso da força física cedeu lugar para a força da
inteligência, que, por sua vez, utiliza também a força física.
Nesse vasto período de evolução, o egoísmo tem sido o fator determinante do uso da
inteligência e da força bruta no estabelecimento das relações humanas.
Contra essa liberdade selvagem, pouco a pouco, construiu-se o Estado de Direito,
organizou-se o Estado, buscando-se a prevalência de regras sociais pretensamente justas,
contra o arbítrio, a tirania, o despotismo.
Na Grécia antiga, Pitágoras ensinou, em um discurso, pronunciado na colina de
Tauromenion, que "o governo existe somente para o bem dos governados", expressando o
conceito que foi repetido durante séculos por quantos procuravam melhorar as condições
sociais do homem.
Em outro discurso pronunciado na colina de Naxos, o grande filosofo concluiu com as
seguintes palavras:

"Ouçam, meus filhos, o que o Estado deveria ser para o bom cidadão. É
mais do que pai e mãe e mais do que filho ou amigo. O Estado é o pai e a mãe
de todos; é o protetor de todos, sem o qual o lar seria assolado e destruído. É
do Estado que promana tudo quanto torna nossa vida próspera e vos
proporciona beleza e segurança. Se o homem bravo morre de boa vontade em
defesa do que é seu, com maior boa vontade deveria morrer em defesa do Estado."

Pitágoras foi uma das expressões mais vivas do ideal do cidadão perfeito como base
para a construção de um Estado perfeito.
Em nossos dias, Krishnamurti enunciou o conceito de que "o problema coletivo é o
problema individual." Esse ideal do cidadão é que deveríamos nos sentir como partícipes
de nossa sociedade, com uma visão abrangente, alcançando toda a humanidade, todos os
povos, todo o planeta.
87
Mas nenhum Estado é verdadeiramente civilizado se nele a cultura de uns poucos se
baseia na miséria e ignorância de outros.
É preciso fazer que se transforme numa realidade em nossas vidas a famosa frase de
Annie Besant:

"Quanto mais elevadas forem as aspirações nacionais, mais poderosa se torna a Nação."

É extremamente significativa, para a construção de uma sociedade nobre, a célebre


divisa da Revolução Francesa: "Liberdade, Igualdade e Fraternidade", que despertou
intenso entusiasmo, aclarando as mentes humanas; mas, em seu nome, foram cometidos
erros que negavam o próprio ideal.
O ideal de liberdade transformou o mundo, liberando-o do absolutismo, do
colonialismo, da opressão.
A história da humanidade reverencia vultos que, de formas diversas, lutaram pela
liberdade: como Annie Besant, Nehru e Gandhi, na Índia; como Artigas, Bolívar, Zapata e
José Marti na América Latina; Lincoln nos Estados Unidos; Tiradentes e Gonçalves Ledo no
Brasil; e ainda hoje Mandela na África do Sul.
Roosevelt enunciou a sua famosa doutrina das quatro liberdades, em Janeiro de 1942,
no Congresso Americano:

''Temos de buscar, em dias futuros, cuja segurança ansiamos, um mundo que se


baseie em quatro liberdades humanas essenciais.
A primeira é a liberdade de expressão e de palavra - em todas as partes do mundo.
A segunda é a liberdade de cada qual poder adorar a Deus à sua maneira - em todas
as partes do mundo.
A terceira é a libertação da miséria - o que, traduzida em termos universais, significa
um entendimento econômico, que permita assegurar, em cada nação, uma vida
saudável e pacífica aos seus habitantes - em todas as partes do mundo.
A quarta é a liberdade do temor - que, em termos universais, significa uma redução
mundial dos armamentos, a tal ponto e de tal maneira completa, que nenhum país
possa achar-se em posição de cometer ato de agressão física contra seus vizinhos -
em nenhuma parte do mundo.
As quatro liberdades para o comum das pessoas são tão essenciais para o homem
como o ar, o Sol, o pão e o sal. Privá-lo dessas liberdades significa a morte; e se o
despojarem de parte delas, parte dele perece. Dai-as em medida abundante e
completa, e o mundo há de cruzar o umbral de uma idade nova, a maior idade do
homem."

Enunciou a Dra. Annie Besant um novo conceito de liberdade que, por assim dizer,
resume e sintetiza este ideal, como meta a ser buscada pela humanidade, assim se
expressando:
88
''Ninguém é realmente livre, nem pode realmente exercer plenamente o seu
direito à liberdade, nem ajudar a criar ambiente social adequado para essa mesma
liberdade. dentro da coletividade, se não souber subordinar as suas tendências
inferiores às suas aspirações mais altas. Se não adquirir a necessária paz e equilíbrio
interior, irradiando ao seu redor e através de seu lar e de sua ação no mundo, essa
mesma paz e esse mesmo equilíbrio. Só assim podem ser removidos, a ambição, a
cobiça, os desregramentos, a sede insaciável de sensações e de prazeres, de poder e de
mando, de conforto e indolência, que são as causas da exploração e do sofrimento
humano. São ainda a origem de todas as limitações e entraves que o ambiente social
de hoje apresenta à liberdade plena de cada um e de todos. A realização desse ideal
exige a eliminação gradual de todos os preconceitos, fanatismos e odiosidades que
impliquem qualquer restrição à igualdade de oportunidade e à Fraternidade humana"

O ser humano só encontra a paz quando consegue desprender-se de seu eu de


superfície com as suas variadas submodalidades. Em geral, quando isso acontece, produz-
se uma verdadeira revolução interior, que inverte para aquele ser humano todos os valores
morais e sociais. Os objetivos externos perdem toda a importância. O entusiasmo
resultante da comunhão com as forças vitais da sua espiritualidade interna passa a ser a
única coisa Importante. É a crise de consciência deste gênero que é a origem de todas as
grandes realizações humanas, assim como das vidas consagradas dos Santos e dos Sábios.
Se soubermos realizar em nossas vidas essa liberdade moral teremos enobrecida e
enriquecida a nossa existência, com a plena comunhão com as nossas energias espirituais
interiores, e poderemos viver uma vida verdadeiramente livre, construtiva e harmoniosa
constituindo-nos em centros irradiadores de elevação, harmonia e paz, em nossos lares,
em nossa vida profissional, em nosso ambiente social em nossa pátria, no mundo, enfim. E
deste modo contribuiremos para fazer a nossa gente, o nosso povo, o nosso país, mais
felizes, mais sadios, mais prósperos, mais ricos, material e moralmente. E daremos ainda às
novas gerações um exemplo, realmente construtivo e digno, de uma vida harmoniosa e
feliz, com o pleno aproveitamento de todas as oportunidades de bem servir.
O maravilhoso ideal de liberdade moral perfeita foi-nos enunciado pelo senhor Sidarta
Gautama, o Buda, no texto sagrado do Anguttara-nikavi:

"As tendências para as exterioridades, em mim mortas estão, extintas e arrancadas


as suas raízes.
Assim como o Lótus encantador e belo não é maculado pelas águas,
Assim também a mim não me macula o mundo, e por isso, o Brahmane, eu sou o
Buda."

Conscientes da necessidade de se efetivar neste mundo o ideal do cidadão perfeito,


dentro do Estado perfeito, na construção de um mundo de paz e compreendendo a
necessidade que o mundo tem de conhecer estes ensinamentos, bem como de ter a
89
verdadeira visão do que é a liberdade, cumpre-nos agir para introduzir efetivamente tão
elevados objetivos no convívio social.
Alguns países do mundo deram ênfase ao ideal de liberdade, enquanto outros, ao da
igualdade.
Como a liberdade e a igualdade conquistadas eram superficiais, calcadas em valores
externos, transitórios, resultaram em fracasso os sistemas.
Nos países onde a liberdade foi priorizada, essa liberdade exterior alcançou apenas
parte da população, prevalecendo a face cruel do liberalismo econômico, do
individualismo.
Nos países onde se priorizou a igualdade, sendo esta também externa e sem liberdade,
o sistema resultou em fracasso, com insatisfação geral.
Qual o princípio que deve prevalecer: o da liberdade ou o da igualdade?
Uma visão superficial pode levar ao entendimento de que onde há liberdade é
impossível a igualdade e de que onde há igualdade é impossível a liberdade. É uma falsa
conclusão a de que um princípio exclui o outro.
A vida espiritualista é aparentemente paradoxal. Assim, no desenvolvimento espiritual,
precisamos adquirir qualidades contraditórias na aparência, mas que, na verdade, são
complementares: o desenvolvimento da força implica o desenvolvimento da sensibilidade;
o do amor, o do desapego; o da Sabedoria, o da humildade. E assim sucessivamente.
Assim, de igual forma, no plano coletivo, a liberdade implica o desenvolvimento da
igualdade. Só existe verdadeira liberdade entre iguais; só existe verdadeira igualdade em
liberdade.
A bandeira da Revolução Francesa, com certeza divinamente inspirada, com precisão
fixou:

''Liberdade, Igualdade e Fraternidade".

São princípios sociais eternos. Em qualquer época do mundo, em qualquer civilização,


em qualquer galáxia, uma sociedade nobre deve ser livre, igualitária e fraterna. Mais do
que isso: a liberdade e a igualdade essenciais para a construção de uma sociedade nobre
somente poderão ser efetivadas a partir da Fraternidade humana.
Essa realidade fez com que a Dra. Annie Besant, uma socialista, afirmasse:

"não creio no socialismo que toma,


só creio no socialismo que dá".

Aí está o "segredo", a base fundamental para a construção de uma sociedade nobre: a


Fraternidade.
A Fraternidade, por sua vez, depende fundamentalmente da transformação de cada
um de nós, da expressão de nossas potencialidades internas.
Em outras palavras: não há regime, sistema ou forma de governo, estrutura externa,
90
que possa garantir uma sociedade nobre. A construção de uma sociedade nobre depende
única e exclusivamente da transformação de cada um de nós, da regeneração humana.
Isso significa que a Fraternidade Universal, pregada pela Sociedade Teosófica, está na
base da construção dessa sociedade nobre.
Mergulhando mais profundamente: é no reconhecimento da natureza divina de todos
os seres humanos; no reconhecimento de uma verdadeira Fraternidade, não externa, mas
real, efetiva, intrínseca, de que somos mais do que irmãos, de que somos criaturas feitas do
mesmo barro, é que encontraremos as bases da construção de uma sociedade nobre.
Mergulhando mais fundo ainda: é no reconhecimento da ilusão da separatividade, no
reconhecimento da unidade fundamental de todos os seres, é que estão as bases para a
construção de uma sociedade nobre.
Para concluir, lembremos aqui, o juramento que era prestado pelos jovens atenienses,
quando, ao completarem 18 anos, tornavam-se cidadãos e ingressavam na vida pública:

"Prometo que jamais desonrarei esta cidade. com nenhum ato de


desonestidade ou covardia, que não abandonarei jamais os meus irmãos
desertando das fileiras, que lutarei pelos ideais e pelo patrimônio sagrado da
cidade, ainda que o deva fazer sozinho, reverenciando e obedecendo às leis e
que tudo farei por incitar a igual reverência e respeito, quantos acima de nós
se possam sentir inclinados a anular ou desconhecer essas leis; prometo que
me esforçarei incessantemente por intensificar o sentimento público do dever
cívico de nossa cidade; e que assim, por todos esses meios. tudo farei por
passar esta cidade às novas gerações não só maior, mas certamente melhor e
mais bela do que nos foi transmitida".

Na pequena cidade de Poplar nas vizinhanças de Londres, no edifício do Conselho


Municipal, acha-se inscrita em letras de ouro, sobre uma placa de madeira, colocada ao
alto da escadaria do edifício, uma prece que nos parece resumir, de forma eloquente e
feliz, a aspiração de um verdadeiro cidadão, caracterizando-se como uma versão moderna
do juramento dos jovens atenienses.
Repetirei, para concluir, esta invocação, substituindo-lhe apenas no texto a palavra
cidade por sociedade:

"Concede-nos. Senhor. que a nossa geração possa ter a visão real de


nossa sociedade como uma grande e bela realidade. que ela pode e deve
ser; uma sociedade de justiça onde ninguém possa viver prejudicando a
seus semelhantes; uma sociedade de abundância, onde o vício e a pobreza
não possam medrar, uma sociedade de Fraternidade. onde todo o êxito se
alicerce no ideal de servir e onde honras sejam prestadas à verdadeira
nobreza de ânimo e coração; uma sociedade de paz. na qual a ordem não se
funde na garantia da força, mas na do amor de todos pela sua pátria, a
grande Mãe da vida coletiva e de todos os seus lares".
91
A CONSTRUÇÃO DE UMA SOCIEDADE NOBRE - II
Maria Rosa Martinez (Argentina)

A sociedade influi no comportamento dos indivíduos, mas não o determina. Contudo, a


transformação de um indivíduo é o começo da transformação da sociedade. Apesar de
serem as palavras de J. Krishnamurti "para que o mundo se transforme, deve se
transformar o indivíduo" muito conhecidas, não estamos certos de sua efetividade, ou
atuaríamos de modo diferente.
Estive me indagando qual é o propósito de tantas ideias compartilhadas? Fica algo sem
ser dito ou repetido? Tanta conversa poderia parecer carente de valor. No entanto, surge,
em determinada circunstância, uma palavra-chave que nos dá a resposta esperada. Esta
palavra, em certas ocasiões, chega-nos como um relâmpago, permitindo-nos ver com mais
claridade, ou nos transmite uma grande força, que nos permite conseguir uma mudança.
Se uma dessas duas coisas acontece, ou ambas, o intercâmbio de ideias foi valioso. Além
disso, H. P. B., em A Voz do Silêncio, diz: "Sabe que a torrente de conhecimentos super-
humanos e Sabedoria dos devas, que ganhaste, deve, de ti, o canal de Aláya, ser
derramada em outro leito".
Dois ensinamentos básicos da Sabedoria Antiga e sua aplicação prática conseguiriam
uma transformação tão notável que, consequentemente, a sociedade converter-se-ia em
uma comunidade nobre em todos os sentidos.
Em primeiro lugar, o reconhecimento da Unidade da Vida. Do princípio subjacente em
tudo e em todos. A trama e urdidura do manifestado. Como afirma Shankaracharya: "Todas
as manifestações da argila, como a jarra etc., que foram aceitas pela mente como reais,
não são mais que argila. Do mesmo modo, este Universo inteiro, que tem sua origem em
Brahman, é o próprio Brahman e nada mais que Aquele".
Quando este princípio se torna, cada vez mais, parte de nossa vida, muda a atitude
mental, emocional, e converte-se em atos centrífugos. "Quando se estabelece a unidade
dentro de vós mesmos, tudo fica relacionado; o Universo inteiro se transforma em uma
enorme árvore da vida; uma vez que penetramos na vida dessa árvore, podemos subir a
qualquer ponto de seus ramos", são as palavras do Sr. Sri Ram.
Quando isto ocorre, nosso comportamento para com os diversos reinos muda e age-se,
então, de maneira integral. Não dividimos nossa vida em teosofistas ou professores,
empregados, profissionais, governantes ou governados.
Estas divisões produzem-se pela atração que o mundo ainda exerce sobre nós. Isto
quer dizer que nosso aspecto kama-manâsico está muito envolvido por tudo aquilo que o
rodeia - o não-Eu de diferentes formas: artigos de consumo, busca de divertimentos ou de
variedade no alcance do prazer. A prática básica da ciência da transformação é o começo
para estabelecer a direção da energia que se manifesta em nós, assim como o são os
mandamentos ou práticas morais de todas as grandes religiões do mundo.
O segundo ensinamento está diretamente relacionado com a Mente, Manas, o

92
princípio que, segundo ressaltou H. P. B. "é parte da essência da Mente Universal". A
mente está relacionada igualmente com o Espírito e a Matéria, com a unidade e a
diversidade.
O Dhammapada adverte-nos sobre a mente, e como ela molda toda a nossa vida: "Se
nossa mente é perversa, a desgraça a segue como as rodas de uma carreta seguem os
passos do boi" e "se nossa mente é pura, a felicidade a segue como sua sombra, que nunca
a abandona".
A mente, tal como acontece no ser humano médio, apresenta-nos uma realidade
demasiado distorcida, faz-nos atuar segundo nossos próprios condicionamentos e desejos,
e, sem nos darmos conta disso, não podemos perceber a realidade tal como ela é. A
realidade, ao parecer modificada, da mesma forma que se altera o reflexo de uma
montanha em um tanque com ondas, faz com que não percebamos os fatos de cada
momento com clareza, e todas as nossas ações também se veem afetadas.
Isso ocorre em cada pequeno detalhe e ação diários, ocasionando desarmonia e dor na
maioria dos casos. Se nossas ações são impulsionadas por uma força centrípeta, cujo
centro é a personalidade, causamos danos a todos os reinos da Natureza.
O grau de contaminação atual, o problema da camada de ozônio, o temor da radiação,
de estarem o solo, a água e o ar envenenados, são apenas o efeito de uma atividade
egoísta, que está estabelecendo seus próprios limites. Temos sido avisados de que se os
recursos do planeta continuarem sendo explorados desse modo, e se as porcentagens de
contaminação continuarem, a Natureza enviar-nos-á em breve a conta. O homem deteriora
os reinos mineral e vegetal, porém estes reinos nos advertem, de maneira direta, que
nossa sobrevivência está em jogo.
Lamentavelmente, não ocorre o mesmo com o reino animal. A dor e a crueldade
podem ser observadas por toda parte. Diariamente, milhares de animais convertem-se em
quilos de carne para encher os supermercados e açougues - e, na maioria dos casos, são
eliminados sem piedade; os laboratórios de produtos alopatas, ou de beleza, as
universidades de bioquímica, medicina ou veterinária praticam neles experimentos
terríveis, e em muitos casos, evitáveis ou inúteis; a eliminação de animais silvestres ou de
criação para se obter objetos de moda ou beleza; divertimentos mantidos em nome dos
costumes ou da tradição - como a caça esportiva, as corridas de touros etc., são alguns
exemplos de como o homem destrói sem piedade este reino que não pode clamar por
justiça.
Digno de menção é o trabalho realizado em uma ampla, moderna e científica
apresentação destes males na série de documentários do S. O. S. Vida, da conhecida atriz
Brigite Bardot.
No reino humano, o princípio kama-manâsico, ou seja, a mente a serviço da matéria ou
da busca do prazer, parece não conhecer limites. Desde as guerras, nas quais "nada se
ganha e tudo se perde", segundo expressa J. B. Priestly, e que são, além disso, o maior
absurdo do ser humano, até uma constante agressão pessoal a todo tipo de seres humanos
- crianças, adolescentes, homens ou mulheres, sem importar o mal ou a degradação física e
psíquica dela decorrente, tudo isso para alcançar finalidades egoístas. Mefistófeles, em
Fausto, diz: "O homem viveria um pouco melhor se não lhe houvessem dado esse
93
vislumbre da luz celeste, à qual se dá o nome de Razão, e que ele não utiliza a não ser para
ser mais bestial do que toda besta".
Estes dois ensinamentos básicos, tanto da Unidade de toda Vida, como da natureza
dual da mente, têm seu aspecto prático: o serviço e o estado de constante atenção e auto-
observação.
O estado de alerta e vigilância de nós mesmos apresenta-se no Dhamapada como "o
caminho até a imortalidade", e a negligência como o "caminho até a morte".
A constante auto-observação permite-nos ser honestos ao observarmos nosso
comportamento. Fazemo-nos perguntas tais como: o quanto a moda ainda nos engana,
seja roupa, aparelhos elétricos etc., quão intenso é nosso desejo de comodidade ou de
preencher necessidades imaginárias, de sermos profissionais reconhecidos, de ocupar a
primeira fila ou cargos de poder; de fazer comentários maliciosos sobre pessoas que se
sobressaem mais que nós etc.?
Nesta auto-observação, pensamos por que não escutamos aos demais. Na Escola de
Pitágoras, uma das etapas iniciais era a do Ouvinte. A prática de escutar é muito útil e
frutífera. É indispensável no campo educativo e no familiar. Não tanto o escutar por parte
dos jovens, mas sim dos adultos. Muitas vezes consideramos que, por havermos vivido
vários anos, ou por sermos membros da Sociedade Teosófica há muito tempo, isso nos
capacita a fazer uso da palavra com autoridade, e que os demais devem limitar-se a
escutar, sejam nossos filhos, nossos alunos, ou o público numa sede teosófica. De igual
modo, se os adultos que rodeiam um jovem não sabem escutá-lo, é esse jovem quem deve
romper o círculo vicioso, deve tentar escutar e ensinar aos adultos com o exemplo. Existem
perguntas mágicas de grande ajuda, tais como: que lhe parece? você está de acordo? tem
alguma sugestão? qual é a sua opinião?
A direção de nossa energia, ou da energia que se expressa em nós, quando muda de
centrípeta para a centrífuga, expressa-se imediatamente como serviço; isso ocorre porque
o mais importante que havia para nós, que éramos nós mesmos, deixa de sê-lo, e o mundo
que nos rodeia adquire uma valiosa significação. O Sr. Sri Ram expressou: "O sentimento de
Unidade é a chave do verdadeiro serviço".
O Mestre disse: "Lembra-te de que o tempo que não usas para o serviço ou em
preparar-te para o serviço é, para nós, tempo perdido". A forma mais simples de apreciar o
serviço é no nível físico; na Bíblia lemos: "Por seus frutos o conhecereis", e um exemplo
vivo é Madre Teresa de Calcutá. Não de menor importância, até mesmo mais difícil de se
apreciar, é o serviço no nível emocional e mental, trabalho esse com o qual todo teosofista
deve estar seriamente comprometido.
Ideias tais como inofensividade, serviço, participação anônima, auto-observação sobre
os condicionamentos que nos dominam, saber escutar etc. são fáceis de enumerar, mas
não de praticar.
Para ajudar na construção de um mundo melhor, todos estes aspectos são necessários,
indispensáveis. A prática de qualquer virtude tem a força de Atman - a Vontade em ação.
Podemos falar sobre muitos temas a diferentes pessoas e escutá-las, mas os pequenos
detalhes, aqueles que são exemplos de vida, ficam marcados com fogo no observador
silencioso e têm a virtude de ser contagiosos.
94
H. P. B. enfatizou a necessidade de nós, teosofistas, estarmos "unidos em propósito e
sentimentos". Esta união não deve ser unicamente o resultado de conceitos teóricos que se
manipulam entre os membros, e sim de uma aspiração e esforços compartilhados. Ela
também disse: "Um grupo no qual todos os membros, ainda que não se conheçam entre si,
trabalham para o bem recíproco, e trabalhando para todos, trabalham para si mesmos".
Com toda certeza penso que muitos seres humanos, dentro e fora da S. T., têm
questionamentos, lutas e metas similares que compartilhamos, apesar da distância. Porém
essa distância é relativa, porque estamos unidos pelo esforço e pelo trabalho. Quanto mais
sérios e honestos somos, neste esforço e trabalho, mais nos aproximamos e mais nos
conhecemos.
Richard Bach expressou em Uno: "Os que amam a mesma coisa, se conhecem mesmo
que nunca se encontrem".
Este Congresso é uma linda oportunidade para encontrarmos os que já conhecíamos.
Bem-vindos. Obrigada.

95
A CRIAÇÃO DE UMA SOCIEDADE NOBRE
Miguel A. Chameco (Porto Rico)

A formação de uma sociedade nobre é um tema que tem preocupado muitos


pensadores de diferentes orientações filosóficas. O tema é um dos mais difíceis porque a
evolução de uma sociedade se dá de uma forma extremamente lenta.
Não obstante, vamos tentar, de alguma maneira, conseguir obter modos significativos
de penetrar no sentido da vida social no mundo contemporâneo.
Erich From chegou a conclusão de que o mundo sofre de um estado de individualismo
que impede a formação de uma sociedade nobre. Ele entende que individualismo não é
uma doença emocional ou mental, mas a maneira de nos relacionarmos com as coisas, com
o mundo e com os seres humanos, não havendo integração, entendimento pleno, nem
criatividade.
As pessoas estão interessadas em extrair os maiores lucros possíveis nos seus negócios
e profissões. Se perguntamos por que isso acontece, nos dizem que isso é consequência do
individualismo. Os produtos que consumimos diariamente são uma resposta às sugestões
das propagandas que nos chegam através dos meios de comunicação, quais sejam, jornais,
rádio ou televisão. Não empregamos nossa criatividade, objetividade e discernimento para
obter o melhor produto possível para preencher nossas necessidades. Nosso individualismo
não nos permite escolher o melhor. Coisas como o orgulho, por exemplo, nos fazem
comprar aquilo que nos faz sentir importantes.
A última moda nos faz sentir seguros. Investimos nossos recursos naquilo que tenha a
maior aprovação possível dos demais. Em toda esta análise podemos ver, quase sempre, o
nosso individualismo, ou seja, a nossa falta de valores.
A necessidade da formação de uma sociedade nobre se torna evidente a muitas
pessoas quando elas percebem que a vida individualista é problemática. Temos de
perceber que pagamos um preço muito alto quando vivemos em um mundo individualista.
Para mudar isso temos que empreender um trabalho criador e de amor ao próximo. É
necessário, como diz Erich Fromm, sair do mundo individualista, da escravidão em relação
às insignificâncias da vida, ao envolvimento com o que é efêmero ou não importante. A
prática do amor, que não espera recompensa é a chave para a organização de uma
sociedade nobre.
Outro grande pensador que se preocupou enormemente com a situação psicológica e
social do homem contemporâneo, Victor Frankl - psiquiatra de Viena, ao ver o aumento dos
casos psiquiátricos no mundo, chamou atenção em relação à necessidade de buscar sentido
para vida por três caminhos. A busca de sentido para a vida não só ajuda na cura das
neuroses, como também proporciona um meio de fazer com que uma sociedade em geral
possa funcionar, cotidianamente, em uma perspectiva mais profunda.
O primeiro caminho é aquele em que cada um deve se entregar a uma vida criativa.
Frankl se refere ao caso de um alemão (a título de ilustração) que se dedicava ao
recolhimento de lixo, que lhe proporcionava a oportunidade de escolher, no meio deste,
96
brinquedos para crianças, que haviam sido jogados fora por serem considerados inúteis. Ele
os consertava e, a cada ano, preparava centenas de brinquedos, dando-os às crianças
pobres. Este é um caso de uma pessoa de pouca educação formal, que, ao dedicar-se ao
trabalho criativo, transcende o seu individualismo e vive feliz.
O segundo caminho, segundo o Dr. Frankl, consiste em dar amor ao próximo, sem
esperar nenhuma recompensa. É isso que constitui nosso primeiro objetivo na Sociedade
Teosófica. Seus efeitos são poderosos, tanto para nossa saúde mental como para tornar-
nos independentes no processo social sem sermos individualistas.
O terceiro caminho é, segundo Frankl, a capacidade de conversão de uma experiência
dolorosa em um efeito positivo em nossa vida. Ele nos dá um exemplo - Em uma
determinada ocasião uma senhora que havia perdido nove filhos em um campo de
concentração foi a uma consulta médica. O médico percebeu que ela usava uma pulseira
onde pendiam nove dentes, que representavam cada um de seus falecidos filhos. Ao ouvir a
história, o médico lhe disse: "A senhora não poderá viver com todas essas lembranças" e
ela lhe retrucou dizendo: "Pelo contrário, essas lembranças em minha vida é que me dão
capacidade de administrar um orfanato em Israel". Ela converteu toda a dor de perder nove
filhos em uma experiência positiva em sua vida.
As pessoas não necessariamente necessitam de ajuda psicológica ou psiquiátrica para
converter uma experiência dolorosa em uma atitude positiva. Podemos ajudar as pessoas a
conseguir converter a dor em algo criativo e realmente positivo. Essa ajuda pode ser
mediada por alguém que goze de uma adequada saúde mental.
A formação de uma sociedade nobre requer um processo educativo, que torne possível
a eliminação do individualismo, por meio dos três caminhos aqui mencionados, facilitando
a busca de sentido para a vida. Podemos notar, ainda, que o enfoque dos pensadores aqui
apresentados, harmoniza-se com a Filosofia teosófica no que diz respeito à vida e seus
problemas.
Uma questão que esclarece muito sobre os problemas da humanidade é a percepção
dos defeitos social e culturalmente adquiridos. Este conceito foi desenvolvido por Erick
Fromm e é muito significativo em relação à Teosofia.
Os defeitos socialmente contraídos são violações à racionalidade humana tanto por
delinquentes como por aqueles que não o são, sob o ponto de vista legal. Um exemplo
desse problema está na estruturação da sociedade em níveis sociais, que traz como
consequência a exploração econômica das classes mais altas em relação as mais baixas e,
em alguma proporção, da classe média. O mesmo pode ocorrer entre as classes média e
baixa, ainda que exista uma legislação protetora. A exploração pode também se apresentar
de outras maneiras, como por exemplo, o abuso sexual provocado por homens em relação
às mulheres. Isso chega a tal ponto que, mesmo reconhecendo serem mal tratadas, são
capazes de admitir que se fossem homens procederiam da mesma forma. É surpreendente
o grau de confusão e inversão de valores que vivenciam muitas mulheres.
Não é possível lidar com esses problemas sociais a não ser que encaremos a tarefa de
dar amor ao próximo sem esperar recompensa. O amor tem muitas dimensões. Pode
expressar-se não só como compreensão a todos os seres, mas também em relação aos
animais. Ainda como curas de doentes, como educação dos seres humanos e, nas devidas
97
proporções, aos animais superiores. Tem também a dimensão de aliviar a dor, a fome e as
doenças dos mais necessitados.
O desenvolvimento espiritual daqueles que se doam por amor e à criatividade é algo
extraordinário, mas esta recompensa é algo que não se deve esperar. Com todas estas
coisas, tem um teósofo um grande compromisso neste mundo, e, portanto, deve saber
honrar o primeiro e grande objetivo da Sociedade Teosófica.

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UMA VISÃO TEOSÓFICA DO MEIO AMBIENTE
Murillo Nunes de Azevedo (Brasil)

O Mundo em que Vivemos

O fato inconteste é a violência e o conflito que permeiam nossa época. Não vamos
cair no velho chavão de que ''vivemos uma época de transição". Como bem acentua o
filósofo hindu S. Radhakrishnan, a transição é a marca do tempo. Sempre houve, há e
haverá. A explicação da atual situação, a Física nos dá. A chamada lei de Vant Hoff
estabelece o relacionamento da pressão com o volume e temperatura de um gás. Se, num
pistão, temos acumulada uma certa quantidade de ar ocupando um determinado volume, a
pressão será de p atmosferas e a temperatura de t graus centígrados. Quando
comprimimos esse pistão, logicamente, o volume diminui enquanto a pressão no interior
aumenta e, com ela, a temperatura. Esse aumento decorre do incremento do choque entre
as moléculas do gás. No campo social, o mesmo fenômeno ocorre com o aumento da
população e a tendência à urbanização. Dos duzentos milhões de habitantes que a Terra
possuía na época de Cristo, passamos hoje para a faixa dos cinco bilhões. A possibilidade do
choque das partículas, portanto, aumentou significativamente. Paralelamente, a revolução
tecnológica no setor dos transportes e das comunicações acentuou ainda mais o processo.
A aldeia global de Mac Luhan já é hoje uma realidade. Todo esse processo reflete-se no
meio ambiente. As modificações são sensíveis e espelham-se na qualidade da vida. Nesse
meio ambiente, incluímos o mundo mental, onde todos estamos mergulhados, Na época
das chamadas civilizações tradicionais, essas trocas eram muito lentas. O contato entre
pessoas era muito difícil, o afastamento, uma constante. Daí advém a experiência
acumulada durante milênios pelas civilizações ditas tradicionais, que hoje se afiguram
extremamente modernas do ponto de vista da ciência de vanguarda.

O que é o Universo Mental

Carl Gustav Jung foi o grande redescobridor de um antigo mundo, muito conhecido
pelas civilizações tradicionais: o mundo mental. O seu conceito de inconsciente coletivo
nada mais é do que a "modernização" do conceito de plano manâsico dos hindus, onde
estamos constantemente mergulhados, influenciando e sendo influenciados. Jung, na sua
vasta obra, revela vários casos que servem de base à sua teoria da existência de um
repositório, que ele chamou inconsciente coletivo. São, por exemplo, os relatos advindos
da sua vasta clínica, quando crianças e adultos foram contaminados pelas tensões e
conflitos daqueles que os rodeavam. E vai mais além, ao detectar as "infecções psíquicas" a
que estão sujeitos os terapeutas, ao lidarem com os problemas que infeccionam seus
pacientes. Daí nasceu a hipótese de serviço que iremos detalhar ao longo deste trabalho,
99
da necessidade de uma assepsia psíquica para aqueles que, lidam com o material
contaminado das neuroses e psicoses.

A Visão Hindu da Mente

Para os hindus, o Universo é composto de sete planos, com diferentes densidades que,
como Universos , paralelos, se interpenetram e se complementam. Temos assim na visão
teosófica, os planos físico, emocional (kamásico), mental (manásico), intuicional (búdico),
iluminação (nirvânico), além da iluminação (paranirvânico) e o supremo (maha
paranirvãnico). Em última análise, esses planos possuem uma constituição atômica com
características próprias, e estão estruturados do mais sutil ao mais denso. O inconsciente
de Jung é o plano manásico que, segundo os hindus, é composto de duas camadas. A
concreta (rupa) e a abstrata (arupa). Os seres humanos, normalmente, são conscientes dos
planos físico, emocional e mental concreto. Raramente excursionam nos domínios do
mental abstrato e, ainda muito menos, nos planos superiores. Essa visão septenária é
simplificada em três grandes regiões ou lokas, que são o Bhur loka - mundo físico ou a
Terra -, Bhuvar loka - o mundo do "vir a ser", que é intermediário entre o físico e o mundo
celestial - Svarga loka. Para cada uma dessas lokas, há um estado de consciência que
permite a apreensão de uma realidade completamente diferente da física. Em outras
apresentações, os hindus falam de sthula serira, o corpo sólido, também chamado Anna
Maya Kosha, que é feito de matéria sólida, líquida e gasosa. O corpo sólido possui um
corpo sutil, chamado Prana Maya Kosha (corpo da vida) e um Mano Maya Kosha (corpo
mental). Além desses, há um corpo mais sutil, chamado Vijnana Maya Kosha (o corpo
conhecido superior).

A Concepção Teosófica Tradicional

A visão de um Todo Supremo que engloba em seu seio todas as coisas é nítida no
pensamento tradicional. Essa mesma consciência que hoje nasce foi no passado
pressentida por muitos filósofos e místicos. Entre eles, podemos alinhar Hermes
Trimegistros, há 6000 anos, os pré-socráticos da Grécia, Platão, os neoplatônicos em
Alexandria, no século III da nossa era, quando nasceu a palavra TEOSOFIA; Giordano Bruno,
Jacob Boehme, entre outros, na Idade Média. Essa mesma visão de totalidade está
nitidamente manifestada no Taoísmo da China, no Budismo de várias escolas, nos
Upanishades da Índia. Pode-se afirmar que essa ideia-raiz subjaz em todas as culturas e
épocas. É algo associado ao pensamento arcaico da humanidade. Jung detectou a presença
dessa ''totalidade'' em mandalas pintados por seus pacientes, que nada mais são do que
reproduções inconscientes de iguais representações encontradas em todas as épocas.

A Visão Tântrica do Universo


100
O tantrismo é a ciência-arte da manipulação do poder. Ele se apresenta em todas as
manifestações através das quais o homem procura alterar o ambiente. Para isso utiliza
rituais, invocações. Outro nome para o tantra é o de magia, como é mais conhecido no
Ocidente. Segundo a visão básica dessa escola, tudo é energia. Tudo é poder. Essa é muito
semelhante a da moderna Física, com seus átomos, partículas subatômicas, radioatividade,
campos de força etc. Dentre os mais destacados dessa área secreta, podemos citar o Prof.
B. Battacharya, Giuseppe Tucci, Alex Wayman, John Woodroffe, Julius Evola e outros. No
campo teosófico, temos as extraordinárias figuras de H. P. Blavatsk:y, Annie Besant, G.
Hodson e C. W. Leadbeater. Os seus escritos levantaram um pouco a "ponta do véu" que
cerca esse tema. O presente ensaio é apenas o resultante de uma ordenação de ideias
fecundadoras, resultantes da sedimentação de incursões nessa área, conjuntamente com
as ideias de Jung e aprofundamentos no campo da alquimia e da literatura teosófica, A
aproximação que fazemos ao tema é eminentemente teosófica. Um axioma básico é que
Tudo influencia o Todo e é pelo Todo influenciado.

O Conceito de Adhistana

Essa palavra sânscrita significa interdependência. Inter-relacionamento dinâmico. É


considerada como sendo a chave do tantra. Da magia. Se contemplarmos o Universo,
veremos que há uma troca permanente entre um sistema e outro. A palavra sistema
simboliza um conjunto aparentemente isolado e que se mantém durante certo tempo. Um
homem, um animal, uma pedra, uma flor são sistemas de ordens diferentes. Quando
seguro um objeto, ou fixo a minha atenção nele, estabeleço uma ligação mais ou menos
profunda entre o meu ser e o ser do objeto. Na verdade, cada sistema influencia e é
influenciado por todos os outros, visíveis e invisíveis. Há, portanto, sistemas visíveis e
outros, que não são por nós percebidos, mas que de maneira alguma devem deixar de ser
considerados. O conceito de adhistana é uma generalização da Lei de Lavoisier, que afirma:
"Na Natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma". Essa visão ampla,
oniabrangente, é a base da TEOSOFIA, e serve para consolidar sobremaneira o quadro de
referências onde pretendemos estabelecer as bases de uma ecologia mental.

A Força do Pensamento

Pensar é utilizar um certo tipo de energia, com seus cumprimentos de onda


característicos, para produzir determinados efeitos. Um pensamento pode deprimir ou
estimular. Pode modificar a nossa visão da realidade. Pensar é emitir algo que se propaga
instantaneamente em todos os quadrantes, podendo atingir todas as coisas, modificando-
as em sua estrutura sutil. Entre os sidhis (poderes) da Filosofia da Yoga está o de
influenciar à distância a mente dos outros. Alterando a psico-atmosfera, fazendo-as
101
propícias para determinados fenômenos. A moderna parapsicologia, tão pesquisada pelas
grandes potências para fins benéficos, vem buscando ampliar a estreita faixa do
conhecimento revelado por esse extraordinário campo.

As Vibrações Mentais

Há uma grande semelhança entre o processo estabelecido na radiodifusão e o


pensamento. Pensar é sentir ondas de determinadas frequências, que se propagam
instantaneamente ao redor do pensador e impregnam o inconsciente coletivo com a sua
marca. As antigas teorias a respeito de formas-pensamento, divulgadas na vasta literatura
teosófica por C. W. Leadbeater, estão sendo comprovadas pelo chamado efeito Kirlian,
através de fotografias, e nos traçados eletroencefalográficos dos neurologistas. Cada ser
humano, como todos os outros seres, cada um ao seu modo, produz um campo de força
que atua e é atuado pelos outros. O pensar sistemático produz o condicionamento sobre o
qual tanto falou J. Krishnamurti. Esse condicionamento é um embotamento do processo
pensante, levando ao triste fato de que a maioria dos humanos - a quase totalidade - não
pensa. É pensada pelos pais, professores, órgãos de formação de opinião pública, gurus,
religiões, lideres políticos etc.

O Despertar de Consciência Ecológica Teosófica

Um fato profundamente significativo, que denota a existência de uma mutação que


está ocorrendo no mundo, é o aparecimento recente da Ecologia. Essa Ciência, que
engatinha, ainda, nasceu nos anos 60. Até então, pouquíssimos eram os que se
preocupavam com os efeitos no meio ambiente. Em todas as formações profissionais,
especialmente no campo da engenharia, vigorava a ideia material, que visava apenas
resultados objetivos, sem qualquer preocupação com o ambiente. Aos poucos, a ideia da
preservação da terra, da água e do ar foi se afirmando até atingir hoje uma significativa
importância, com o aparecimento de órgãos controladores do processo da poluição. A
consciência da importância do meio ambiente em relação à vida é cada vez mais
acentuada, à medida que se dá a expansão demográfica, e a mobilidade populacional é
cada vez mais acentuada.

Em Busca de uma Ecologia Mental

Este é um campo inexplorado, no qual não apareceram ainda os seus Listers e Pasteurs.
Podemos, entretanto, imaginar esse extraordinário mental onde vivemos. E podemos
caracterizar o ser que pensa, cada qual na sua escala, emitindo vibrações constantes à sua
volta. Estão, de certa forma, como que "fumegando". Expelindo a "fumaça" dos seus
pensamentos no inconsciente coletivo ou no plano manásico, como os hindus o
102
cognominam. Hoje, quando os homens tanto se preocupam com a atmosfera
sobrecarregada de poluentes em suas cidades, ainda não há a consciência dos efeitos
nefastos da poluição mental. As cidades do México, Los Angeles, Nova York e São Paulo,
entre tantas outras, mantêm um alerta permanente em relação .ao estado do ar. Medidas
são constantemente tomadas, filtros obrigatoriamente instalados, multas aplicadas e uma
legislação vigente cada vez mais rígida. Com isso, a situação melhora, como é o caso do
Japão, que já foi um dos locais mais poluídos do mundo e cujas cidades, hoje, desfrutam de
uma atmosfera perfeitamente aceitável e cujos rios já se tornaram novamente piscosos. Tal
fato acontece em várias partes do mundo. Enquanto essa benéfica preocupação crescente
ocorre em relação à terra, à água e ao ar, o mundo mental continua cada vez mais poluído.
E seus efeitos são cada vez mais sentidos sob a forma de conflitos, violências, deturpações
morais de todas as ordens. O problema é: como neutralizar os "dejetos" mentais? Essa é a
ideia que pretendemos trazer aos participantes deste Congresso, apesar de todas as
limitações da terra desconhecida para o explorador que a penetra pela primeira vez.

A Higiene da Cidade Antiga

A higiene era muito precária na cidade antiga. As noções de limpeza são muito
modernas na civilização ocidental; datam de pouco mais de cem anos de existência. A
assepsia, na sua forma mais ampla, ainda engatinha, conforme se pode deduzir do elevado
índice de doenças infecto-contagiosas. O uso do banho diário ainda não é uma prática
corrente em muitos locais. A tradicional perfumaria desenvolveu-se para neutralizar os
cheiros agressivos do corpo humano. O esplendor dos palácios antigos é questionado pelo
primarismo de suas instalações sanitárias. As descrições dos historiadores sobre a higiene
das cidades antigas são chocantes diante de tanta imundície que se acumulava nas ruas
estreitas. Essa situação contrastava com a higiene dos povos indígenas e de muitos povos
do Extremo Oriente. Os hindus têm, em relação à higiene, ideias muito avançadas. O
conceito de Saucha, por exemplo, merece ser estudado com cuidado. Ele é muito mais
amplo, e engloba não só a higiene física como a hiperfísica. Um antigo texto afirma: "O
corpo é purificado pela água, a mente pela verdade, a alma pelo conhecimento e pela
austeridade, a razão pela Sabedoria". Verdadeiramente, não há purificador mais
importante no mundo que a Sabedoria. A limpeza, na Índia, deverá ser feita,
simultaneamente, em todos os corpos sutis do homem. A limpeza superficial do banho, que
caracteriza a visão ocidental, é um dos aspectos mais insignificantes dessa profilaxia que o
homem deve almejar.

Estações de Tratamento

Para fazer face à poluição, o homem criou estações de tratamento de diversos tipos.
O sistema de esgoto, a filtragem do ar e da água, as proteções contra ruídos etc. Por meio
delas, os "dejetos" são detectados, devidamente tratados, antes de voltarem a integrar a
103
Natureza. A falta de instalações apropriadas é a causa de uma série de moléstias que
podem adquirir características de verdadeiras epidemias. Os grandes complexos industriais,
produzindo uma sorte inimaginável de refugos, que se incorporam nefastamente ao meio
ambiente, sob a forma de matéria sólida, líquida ou gasosa, constituem outra fonte de
poluição. Os veículos automotores contribuem de forma relevante para o incremento da
poluição ambiental. O derramamento de óleo e de produtos tóxicos procedentes de navios
nas águas é constante na época moderna e reflete o lado negativo de uma sofisticada
tecnologia. Já a energia nuclear incorporou-se de uma forma altamente nefasta ao meio
ambiente, ocasionando problemas de várias ordens, conforme atestam ocorrências em
várias partes do mundo.

A Purificação Mental

Enquanto toda essa série de incidentes ocorre em relação à terra, à água e ao ar, no
mundo da mente o fato ocorre sem qualquer tratamento. As poucas estações de
tratamento são representadas pelas diversas igrejas de todas as religiões, mosteiros,
asrahms e clínicas para tratamento psicoterápico. Nesses locais, o homem aprende a
trabalhar pelo bem comum, a controlar a sua mente e as suas emoções, a dominar os seus
instintos. Pelo menos são esses os motivos que levam as pessoas a frequentar estes locais.
No Budismo, por exemplo, a escola Shingon (da verdadeira Palavra), tem como objetivo
principal atuar no meio ambiente como um neutralizador dos efeitos negativos dos
pensamentos. Em Koyasan, no Japão, são realizados, ao correr das horas, os rituais do fogo,
com o objetivo de melhorar as condições do meio psíquico. Isso ocorre no Tibete, através
da incessante operação das "rodas de oração" e da repetição constante de certas palavras,
os mantras, que são agentes altamente purificadores.

A Visão do Budismo Amidista

O Budismo Amidista é uma escola pertencente à tradição do Grande Veículo,


altamente popular no mundo, especialmente no Japão, onde é a escola de maior número
de adeptos. Ela possui, por exemplo, a Cadeia de Ouro, uma fórmula que é repetida
diariamente, coletiva ou individualmente, por seus adeptos. É a seguinte:

"Eu sou um elo da cadeia de ouro do amor do Buda Amida que se estende pelo
mundo.
Devo conservar o meu elo brilhante e forte. Tentarei ter belos e puros
pensamentos, dizer belas e puras palavras, praticar belas e puras ações.
Sabendo que de tudo que agora faço depende a minha felicidade ou infelicidade.
bem como a de todos os outros.
Possa todo elo da Cadeia de Ouro do amor do Buda Amida tornar-se brilhante e
104
forte e possamos todos nós alcançar a Paz Perfeita. Namu Amido Butsu"

Essa última expressão Namu Amida Butsu, é um mantra, uma fórmula recordatória
que significa: eu me refugio, ou eu me torno no Buda Amida. Amida significa a Vida Eterna
e Luz Infinita.

Técnicas de Saneamento

Há um grande número de técnicas através das quais pode o homem sanear o ambiente
em que vive. Já as mencionamos quando, nos referimos às estações de tratamento. Vamos
considerar agora as técnicas para o saneamento emocional e mental. Entre elas podemos
citar a oração, meditação, asanas (posturas físicas e psíquicas), mantras, mudras (gestos
significativos feitos com os dedos das mãos), o relax. Uma série de exercícios é executada
nas diversas escolas que se dedicam a esse objetivo. Pode-se citar o Aikidô, Tai-chi, Yoga e
outros. Todos eles são altamente eficazes quando feitos com a devida técnica e total
atenção.
Quanto à meditação, que constitui uma das formas mais eficientes, há várias escolas:
hindus, budistas,. chinesas, cristãs, sufis, teosóficas. Constituem todas elas um maravilhoso
instrumento de purificação mental, de autocontrole. Pode-se afirmar que quando alguém
mergulha numa meditação profunda, o mundo está sendo beneficiado com a sua ação.
Ocorre algo parecido com o efeito da vegetação na purificação do ar.

A Visão Sufi

Os sufis são a linha mística muçulmana. Dela floresceram seres de altíssima


·iluminação. Um dos mais recentes foi Sant Kirpal Singh Ji (1894-1974). Ele costumava dizer:

"Se tiveres maus pensamentos para os outros, farás mal não só a eles mas
também a ti mesmo, pois os pensamentos são muito potentes. Nada é bom ou mau
no mundo, mas os nossos pensamentos os fazem assim."

Um outro pensamento:

"Uma pessoa cujo corpo astral é completamente claro e limpo de expressões


externas, sem luxúria, apego ou ódio, mas é imbuído de amor a Deus, esse homem,
quando chegares à sua companhia, irradiará em ti essas qualidades."

Já um homem santo chamado Chaik Sharf-u-din Maneri, que viveu no século XV, cujas
105
cartas foram parcialmente traduzidas por nós, afirmava, sobre a importância da purificação:

"E a pureza que faz o homem respeitável. Ela é o armazém de todos os


benefícios e virtudes. Primeiro: a pureza do corpo, da roupa e do alimento.
Segundo: a pureza dos sentidos, isto é, a abstinência dos pecados e
transgressões. Terceiro: a pobreza do coração, isto é, a renúncia a todas as
más qualidades, tais como a falta de caridade, a inveja e a malícia."

O Tratamento Individual e Coletivo

Existem dois níveis de tratamento: o individual e o coletivo. O mesmo ocorre em


relação ao tratamento dos esgotos, que pode ser individual (fossa) ou coletivo (estações de
tratamento). Da mesma forma em relação à filtragem da água. O tratamento individual está
baseado em exercícios que cada um de nós pode executar com constância. É o caso, por
exemplo, do Budismo Amidista em relação ao chamado Nembutusu, que é a repetição
continuada da fórmula já mencionada, Namu Amida Butsu. Isso deverá ser feito, segundo a
recomendação, a todo momento. Ou seja: andando, sentado, deitado ou mesmo dormindo.
À medida que isso ocorre, o pensamento cessa de trabalhar constantemente sem objetivo
com a representação mental de coisas passadas e a intromissão de pensamentos de toda
ordem. Os muçulmanos adotam técnica semelhante com a repetição do nome de Deus.
Algumas escolas cristãs adotam o mesmo processo.
O instrutor religioso Kirpal Singh afirmava:

"Deves tentar esquecer tudo acerca de tua mente e ego. É devido a estares constantemente
ligado a ela, alimentando o teu ego, pensando nele, que te perturbas. Tens que saber que a
meditação regular substitui as viciosas qualidades da mente por qualidades virtuosas e que,
gradualmente, culminam em nos elevar acima do vício e da virtude. Vai placidamente entre o
ruído e a pressa e lembra que uma serena paz e harmonia espera por ti durante as
meditações."

Em Busca dos ''Micróbios'' Mentais

Estas são ideias inusitadas, nascidas do mergulho em conceitos paralelos encontrados


nos campos· da Engenharia, Medicina e escolas tradicionais.
No Ocidente, foi graças a Lister (1827-1912) que nasceu a cirurgia anti séptica, que
pode ser considerada como o maior avanço da moderna medicina. A ele se junta Louis
Pasteur (1822-1895). A sua teoria a respeito dos micróbios como causadores de doenças
revolucionou as bases da medicina. No campo mental, ainda irão aparecer os Listers e
Pasteurs, identificando o micróbio mental causador da neurose, da psicose e diversas
contaminações psíquicas. Nesse dia, o inconsciente coletivo poderá começar a ser saneado

106
e seus "miasmas" neutralizados. Então, as grandes epidemias do ódio, violência, perversões
de todos os tipos poderão ser neutralizadas cientificamente, pois, conhecendo-se as
causas, talvez, algum dia, as "vacinas" possam ser obtidas para a neutralização dos seus
efeitos. E o "estrume" mental resultante do despejo de toda espécie de "dejetos" poderá
ser reciclado de uma maneira benéfica para o florescimento de uma nova consciência.

A Importância e Perigos dos Órgãos de Comunicação de Massa

Já abordamos no livro O Outro Lado da Comunicação de Massas que uma das marcas
da atual civilização tecnológica é a implosão da mediocridade, que destrói e prostitui as
raízes da criatividade. A maioria do que é falado ou escrito não tem a menor importância.
São meras repetições, "chavões", de conceitos pensados e repensados por bilhões de seres.
É muito difícil encontrar nessa enxurrada algo que seja autêntico, puro e que reflita a
essencialidade das coisas. Essa enorme massa de pensamentos de segunda mão bloqueia a
criatividade, impedindo a visão da Sabedoria. Todos os modismos passageiros, atos
irrefletidos, violência, nascem dessa sujeira psíquica acumulada na atmosfera mental. A
imitação é um fato. O seguir o rebanho, uma atitude condicionada pela absurda repetição
de modelos. Como por exemplo, podemos citar a verdadeira epidemia de grafites que
enxovalham os muros das cidades, causando uma verdadeira poluição visual que se
espalha, como uma praga, mesmo nos menores vilarejos. Outros exemplos são as modas
das roupas, atitudes, palavras, músicas e gestos de violência, deturpações sexuais, "ideais
políticos" etc. Todo esse material é jogado na psicoatmosfera através dos veículos de
comunicação de massas sem qualquer tratamento prévio. Esse tratamento não seria uma
mera censura policialesca feita pelos pseudo-senhores da moral e dos bons costumes, mas
um verdadeiro ato de profilaxia, que terá que ser adotado mais cedo ou mais tarde pelo
organismo social como uma forma de autoproteção. Lembramos que uma das causas da
peste negra na Idade Média era o lixo acumulado nas estreitas vielas da época. E esse o
estágio existente no campo mental onde estamos mergulhados.

Em Busca de uma Nova Atmosfera Mental

São inúmeros os pensadores, que nas mais diferentes épocas, falaram de um novo
futuro. Dentre eles, destacam-se Sri Aurobindo, na Índia, que começou a manifestar-se nos
anos 30 do nosso século; Teilhard de Chardin, o filósofo cristão, com a sua noosfera, um
verdadeiro corpo crístico que envolverá a futura humanidade. No antigo budismo,
menciona-se o corpo búdico que está acima da mente e se manifesta no homem iluminado.
Recentemente, temos Alvin Tofler em seu livro Choque do Futuro, Fritjof Capra com O Ponto
de Mutação e o Tao da Física e outros. A consciência de uma nova Renascença está no ar,
uma época onde os antigos padrões serão ultrapassados e um novo paradigma
estabelecido. A Física Einsteiniana será ultrapassada, e a velocidade da luz deixará de ser
uma barreira intransponível. O avanço tecnológico abrirá novas janelas para o mundo
107
invisível, de que tanto falam as civilizações tradicionais. A Ecologia mental nascerá com as
suas estações de tratamento, e a assepsia do mundo mental será uma realidade.

O Aprender a Aprender

O aprender a aprender para melhor apreender a realidade levará, inevitavelmente, ao


estabelecimento de uma nova educação teosófica, onde as tradicionais e ilusórias barreiras
serão ultrapassadas e novas fronteiras exploradas. Nascerá uma concepção matricial do
conhecimento, onde a interfusão dos campos será cada vez mais acentuada.
Teremos, então, em todos os estabelecimentos de ensino uma matriz fundamental,
onde estarão alinhados na vertical e na horizontal os principais campos do conhecimento:

(C) (F) (R) (A)


Ciência (C) + + + +
Filosofia (F) + + + +
Religião (R) + + + +
Arte (A) + + + +

Se examinarmos cada uma das dezesseis possibilidades de cruzamento dessa matriz,


teremos novos campos nascendo da interfusão de áreas estanques do conhecimento. Por
exemplo: a Ciência, a Ciência da Filosofia, a Ciência da Religião e a Ciência da Arte e, assim
por diante, para cada caso representado na matriz. A universidade do futuro, que começa a
ser delineada hoje, possuirá verdadeiramente uma dimensão de universalidade, onde as
coisas serão apresentadas e estudadas dentro da visão do Todo. Onde tudo estará ligado ao
resto por laços que poderão ser pesquisados. Então nenhuma Ciência, Filosofia, Religião ou
Arte será mais importante que as outras, pois serão apenas aspectos de uma realidade
suprema onde todas as coisas se encontram.

Conclusões

Essa realidade suprema pode ser chamada como quiserem. Preferimos chamá-la de
TEOSOFIA, a Sabedoria Eterna. Nela nos movemos e temos o Ser, mesmo que não
queiramos. Este Congresso Internacional da Sociedade Teosófica é uma prova concreta
dessa nova ordem em florescimento. Mais uma vez é uma aurora onde renasce um
admirável e esquecido mundo tradicional em novas roupagens.

E O AMANHÃ TORNA-SE HOJE!


108
ESTENDENDO A MÃO DO COMPANHEIRISMO
Paul Zwollo (Holanda)

Todos nós aqui reunidos para este Congresso, encontrando amigos e companheiros da
ST (membros) de todas as partes do mundo, estamos, desde o momento que colocamos o
pé em solo brasileiro, praticando aquilo que está implícito no título da minha palestra: em
outras palavras "estendendo a mão do companheirismo". Essa é uma frase da chamada
"Carta Única do Maha Chohan", na verdade, uma versão condensada da visão do Maha
Chohan (sobre a S. T.), escrita pelo mestre K. H. e recebida em 1881.
De acordo com o comentário de C. Jinarajadasa, é certamente a carta mais importante
recebida dos Instrutores Adeptos, pois contém praticamente o conteúdo para o trabalho (o
caráter do trabalho) e o desenvolvimento da Sociedade Teosófica através dos tempos; são
fundamentais os seus Ensinamentos, bem como a visão do Chohan sobre a situação da
Sociedade (ST) naquela época.
Não será que existe a real necessidade interna de "apertar as mãos", mesmo que por
poucos segundos, quando encontramos um companheiro ou um amigo? Este gesto é a
primeira confirmação da nossa amizade e boas intenções; nossa simpatia e vontade de
cooperar com uma boa causa. No nosso caso, a Grande Causa: a Teosofia. Nossas
saudações serão acompanhadas com um sorriso, talvez, mesmo com algumas lágrimas de
alegria, e finalmente com algumas palavras cordiais e sinceras de boas-vindas. Se esta é a
primeira vez que nos encontramos, de alguma forma, talvez, nos sintamos sem jeito, não
sabendo exatamente o que dizer. Mas após esta insegurança inicial, teremos certeza de
que tudo está bem. Fazer amigos e renovar os laços da amizade mexe com os nossos
corações e nos faz felizes.
Vivendo no plano físico, estes sinais de amizade e simpatia são muito apreciados por
nós, e talvez fosse impossível nos relacionarmos sem eles. Nós nos sentiríamos
desapontados se fosse de outro modo. Nossos sentidos físicos servem como meios,
instrumentos, para sentimentos interiores. Enquanto isto, esperamos, obviamente, que
esta saudação calorosa seja o começo de um período feliz que viveremos juntos, que
durante os próximos dias haja um aprofundamento das nossas relações quando nos
encontrarmos para debates, meditações e consultas. Uma calorosa mensagem de boas-
vindas desperta nossas expectativas de que o Congresso seja frutífero e bem-sucedido.
Além do aspecto físico de estarmos juntos com companheiro da S. T., há uma razão,
um objetivo que temos de ter em mente; os assuntos que queremos debater, as decisões
que devem ser tomadas para ações que esperamos que deem bons resultados. Podem ser
inúmeros os motivos para estarmos juntos. Penso que o Maha Chohan, em sua Carta, quis
dizer isto e muito mais quando usou a frase "estenda a mão do companheirismo". Ele
explicou que as nossas mãos devem ser estendidas em relação a todas as nações, sem
distinção de raça, credo, casta, sexo ou cor, como declara o nosso Primeiro Objetivo. Além
disto, o Maha Chohan estava falando em um tom firme.
E quando chega a ocasião, estamos com vontade e preparados para "estender a mão
109
em companheirismo?" Se nós esperamos, pode ser tarde demais. Apoio efetivo, cuidado e
amor nós somente podemos dar quando o outro ainda está vivo e possa responder a um
real e enriquecedor relacionamento. Por que deveríamos perder esta chance? Assim como
cada momento na vida é decisivamente único, a mesma oportunidade nunca se repetirá.
Quando não estivermos mais neste mundo, as possibilidades de ajudar tornar-se-ão, pelo
menos, duvidosas, se não impossíveis. Além disto, podemos nos frustar ao verificar que é
tarde demais para estender o nosso amor. Muitas vezes as percepções chegam muito tarde
para que possamos atuar segundo elas. Nossa intenção deveria ser atuar a tempo, quando
o momento está presente.
Quando tivermos feito tudo que somos capazes de fazer, a morte de um amigo ou um
parente não perturbará o nosso equilíbrio em enormes proporções, e o nosso sentimento
de tristeza será menor.
Nossas motivações e desculpas para não "estender a mão do companheirismo" podem
ser muitas. Diz A Voz do Silêncio: "A inação num ato de misericórdia converte-se num
pecado mortal... Doces são os frutos do repouso e da libertação por amor ao eu; porém
mais doces ainda são os frutos do longo e penoso dever. Sim, a renúncia por amor aos
outros, aos semelhantes que sofrem.
O Mestre K. H. deixou claro que sob a ótica do Maha Chohan, o futuro da S. T. estava
como uma página em branco. Penso que este fato torna esta carta ainda mais relevante,
mesmo tendo sido escrita há mais de cem anos. A sua posição foi comparada a alguém que
se senta no topo de uma montanha, olhando para o apressado mundo abaixo; um mundo
que está excessivamente preocupado com as suas próprias coisas; que tem uma visão
muito estreita para olhar adiante; que é excessivamente materialista para importar-se com
os aspectos mais espirituais da vida. Esta é a razão pela qual o Maha Chohan referiu-se à
"luta pela vida" como a real e mais prolífica matriz da grande maioria das aflições,
sofrimentos e todos os crimes.
Citando Jinarajadasa novamente: "Como algum grande farol no alto, movendo o seu
raio de luz, penetrando na escuridão, assim a mente do Maha Chohan penetra nos nossos
problemas e prontamente nos fala da verdade acerca de nós mesmos, nossa civilização e
como os nossos esforços para alcançar a felicidade nunca serão bem sucedidos enquanto
não aprendermos que a Fraternidade é a lei, a única lei em cujo funcionamento nós
podemos confiar totalmente. Nossa é a tarefa de descobrir as soluções, não apenas de
nossos males, mas dos males da humanidade como coletividade e revelar, nas palavras do
Maha Chohan "a verdadeira Filosofia, a verdadeira Religião, a verdadeira Luz, que contém a
Verdade e nada mais que a Verdade".
No começo da sua Carta, o Maha Chohan enfatiza o lado prático da vida teosófica e
critica "o homem que escolhe como sua meta a gratificação da sua ardente aspiração pelo
conhecimento oculto".
Um pouco depois Ele analisa esta expressão e diz: "O que constitui o verdadeiro
teosofista não é o propósito determinado e individual de atingir o Nirvana (culminação de
todo Conhecimento e Sabedoria absoluta) o qual, no final, não passa de um egoísmo
exaltado e glorioso, mas sim a busca, com auto-sacrifício, dos melhores meios de conduzir
o próximo ao reto caminho, e fazer com que o maior número de pessoas dele se beneficie.
110
Esta perspectiva talvez não sorria a todos, mas não será teósofo aquele que tiver objeções
a este princípio".
É evidente que os Mahatmas nunca deram ênfase ao estudo da literatura pelo estudo
em si, mas somente como meios para um maior entendimento das grandes Verdades e
Princípios, que são a base de uma "Sociedade Nobre"; Verdades e Princípios estes que
devem ser subsequentemente aplicados, postos em prática. Se seguirmos este conselho,
possivelmente evitaremos um desenvolvimento assimétrico, irregular. Um
desenvolvimento equilibrado, simétrico e regular da nossa estatura espiritual é o que nós
precisamos. A parcialidade, a assimetria, o desenvolvimento de apenas um aspecto da
nossa natureza deve ser evitado, pois nos leva, ao engano. Deveremos escolher o Dourado
Caminho do Meio.
Estas Cartas (dos Mahatmas) contêm inúmeros conselhos, pistas e indicações com o
propósito de persuadir aqueles que os recebem a alterar suas vidas, trabalhar pela
Sociedade Teosófica e levar uma vida mais espiritual. Com uma incomparável paciência e
muito humor, frequentemente usando metáforas, os Mahatmas trataram de questões
propostas pelo Sr. Sinnett e alguns outros. Da grande quantidade de literatura teosófica
disponível para todos os estudantes sérios, a correspondência entre os Instrutores
Espirituais de Madame Blavatsky e alguns membros dos primeiros tempos da S. T. é ainda a
leitura mais interessante. Algumas passagens podem estar desatualizadas, como aquelas
relativas às pessoas e às situações da época em que estas Cartas formam escritas;
precipitadas parece ser uma palavra mais adequada. Mas muitas delas ainda são
testemunhas de que os Autores, os Mahatmas, tinham percepções e conhecimentos
estupendos sobre a natureza humana e chegaram a altos níveis de consciência espiritual.
Estes Iniciados, que chamavam a si próprios de "Irmãos", formam juntos o que é
chamado de Governo Interno do Mundo, e protegem a sofredora humanidade de maior
degradação e total aniquilação. Dos seus desconhecidos recônditos, Eles irradiam suas
benéficas influências para todo o mundo.
É dito que Eles trabalham anonimamente, "sem nome e silenciosamente", para o bem-
estar do homem - o progresso espiritual do ser humano é o único objetivo d'Eles. Muitos
membros se perguntam se estes Irmãos mais Velhos ainda estão em contato com a
Sociedade Teosófica, Sociedade esta da qual Eles próprios foram os Fundadores Internos.
Em uma curta Carta recebida do Mestre M., ele disse: ''Tendes ainda de aprender que
enquanto houver na S. T. três homens dignos da bênção do Nosso Senhor, ela jamais
poderá ser destruída".
Pelo que eu sei, a última Carta foi recebida por Annie Besant em 1900, nove anos após
a morte de Madame Blavatsky. A última frase desta Carta é muito intrigante. Diz: "Nós vos
observamos, mas tendes de empregar toda a vossa força". Não seria esta uma pista de que
os Grandes Seres realmente têm a intenção de observar o desenvolvimento da Sociedade,
mesmo durante o século em que vivemos? A promessa contida nesta frase parece
inquestionável.
A mesma Carta coloca: "A crista da onda do desenvolvimento intelectual deve ser
assumida e guiada para a Espiritualidade. Não se pode forçá-la a adotar crenças ou
adorações emocionais. Nunca tentamos sujeitar a vontade dos outros à nossa. Em períodos
111
favoráveis, liberamos influências soerguedoras que impressionam várias pessoas de
diferentes maneiras. É o aspecto coletivo de muitos pensamentos como esses que pode
dar o caráter correto da ação".
Na virada do século, esta Carta foi a última prova da correspondência entre membros
da Grande Fraternidade Branca e alguns destacados membros da Sociedade Teosófica, uma
correspondência que é única na história da humanidade.
Como foi colocado por um Adepto em Sua Carta, Eles podem exercer Sua influência
sobre as situações e pessoas em qualquer tempo que Eles entendam favorável. A Sabedoria
e o Conhecimento d'Eles podem ser realmente estupendos, mas o poder para isso é
limitado, e a vontade D'Eles no sentido de forçar os acontecimentos é inexistente. No fim
de uma de suas primeiras Cartas, o Mahatma M. declara: "Nós fazemos o melhor que
podemos". Mesmo os Mahatmas têm de fazer o melhor que podem. Pelas Suas regras, não
Lhes é permitido usar os Seus poderes ocultos mais do que o estritamente necessário.
Por exemplo, caso especial em que Eles alertaram H. P. B. para não usar o seu
conhecimento premonitório quando ela tinha que lidar com uma situação. O Karma,
chamado por H. P. B. de "a lei da restauração do equilíbrio", tem que seguir o seu próprio
curso e não deve haver interferências, a não ser em circunstâncias excepcionais. Exemplos
disto são as curas realizadas em Madame Blavatsky quando escrevia A Doutrina Secreta.
Doente, com real perigo de falecer, o Mestre aproximou-se dela, e somente depois da sua
concordância, o Mestre curou-a. O término de A Doutrina Secreta, Magnun Opus - Obra
Magna de H. P. B. - era importante o suficiente para que houvesse tal intervenção.
Na obra H. P. B. Teaches, Madame Blavatsky levanta a seguinte questão: O que é
Teosofia? O que é a Sociedade Teosófica? Quem são os teosofistas?
Sendo H. P. B. um expoente do conhecimento esotérico, quem melhor poderia ter
respondido a estas questões do que ela própria?
Como um dos mais importantes objetivos da Teosofia, ela considerava aqueles que
provavelmente conduziam ao alivio do sofrimento humano sob qualquer forma, tanto
moral como físico, tendo o primeiro como muito mais importante que o segundo; assim a
Teosofia deve inculcar a ética e purificar a alma. A divulgação da ideia da Fraternidade deve
ser de uma forma prática e não teórica.
Segundo H. P. B., somente o fato de uma pessoa se aproximar da Sociedade Teosófica
prova que ela está em busca da verdade última, bem como da verdadeira essência das
coisas. Uma vez que o estudante abandone os velhos e trilhados caminhos da rotina e entre
na solitária Senda do pensamento independente, ele é um teosofista, um pensador original,
um buscador da verdade eterna, com inspiração própria para resolver os problemas
universais.
Estamos preparados para trilhar esta Senda real para o conhecimento e visão das
coisas como elas realmente são?
H. P. B. também nos dá uma pista sobre a diferença entre um teosofista e um ocultista
e adverte-nos em relação a lidarmos com as Artes Ocultas, explicando que é impossível
empregar forças espirituais se ainda houver uma tênue sombra de egoísmo no praticante.
Âtma-Vidya ou Conhecimento da Alma é o único tipo de Ocultismo que o teosofista
deveria esforçar-se para obter.
112
Não é pelo estudo do Ocultismo com propósitos egoístas, para a gratificação de
ambições pessoais, orgulho ou vaidade, que se pode, em algum momento, atingir a meta
verdadeira: aquela de ajudar a humanidade sofredora. Nem é pelo estudo de um único
aspecto da Filosofia esotérica que o homem torna-se um ocultista, mas através do estudo
deles todos e do desenvolvimento da habilidade de lidar com eles.
O desejo pelo Ocultismo é em si uma contradição, pois a atitude correta pode ser
descrita como sendo à prova de "paixão e verdadeiramente inegoísta".
H. P. B. continua: "Os Siddhis ou os Poderes dos Arhats são apenas para aqueles que
são capazes de "governar a vida", cumprindo os terríveis sacrifícios requeridos para este
treinamento e cumpri-los ao pé da letra. O Verdadeiro Ocultismo é a "Grande Renúncia do
Eu", incondicional e absoluta, em pensamento, como em ação. É Altruísmo, e o leva a
praticá-lo de maneira impensável para os padrões de vida comum. "Não para si próprio,
mas para o mundo ele vive", tão logo ele tenha se prontificado para o trabalho.
É sob a influência do Kali Yuga, a Época das Trevas, que os homens se iludem com a
ideia de que podem transpor o "Portal", entrando na Senda do Ocultismo sem nenhum
grande sacrifício, inspirados pelo desejo de poder e egoísmo pessoal. É melhor que aquele
que não tenha sido iniciado por um Mestre deixe de lado o estudo considerado perigoso",
conclui H. P. B.
Como já foi dito "Estreita é a porta, e reta é a Senda que leva à vida eterna, poucos
serão os que a encontrarão".
Mais tarde alguém formulou a seguinte pergunta: Como outras pessoas podem
reconhecer que eu sou um teosofista? Será que sempre é necessário que as outras pessoas
reconheçam o fato de sermos teosofistas? Será que isto mexe com a nossa honra? Será que
esbarra na nossa vaidade? Será que isso tem alguma importância?
Talvez nos sentíssemos mais livres se pudéssemos viver sem qualquer rótulo, até
mesmo o de teosofista. Não seria suficiente praticar a Teosofia com o melhor da nossa
capacidade e deixar todos os resultados do karma com a Providência Divina? Haverá
resultados, quer os notemos ou não.
Uma real atitude teosófica em relação à vida é observada pelos outros, mesmo se não
for mencionada a palavra Teosofia. Sem incluir o fato de que a maioria de nós é
vegetariana, não fumante e totalmente abstêmia, os outros nos veem como diferentes;
nossos pontos de vista, respostas, interesses e como vemos a vida, tudo isto tem uma
qualidade diferente. Chama atenção, sem que tenhamos vontade de que seja assim. Nossa
identidade real "se trai" de muitas maneiras. Nossa aparência física, nosso comportamento
e o que dizemos é o nosso cartão de visita.
Além do que eu me pergunto se existe alguma coisa como a imagem do que seja o
teosofista. A liberdade é o mais importante dentro desta Sociedade, e cada membro tem o
direito de expressar e viver a Teosofia à sua própria maneira. Assim sendo, há tantos tipos
de teosofistas quanto o número de membros da Sociedade, sem mencionar os muitos
teosofistas fora dela.
Uma bem trabalhada e precisa definição de Teosofia pode trazer clareza; mas, ao
mesmo tempo, frequentemente, limita aquilo que tenta descrever. A Teosofia, na sua real
dimensão, é muito vasta, universal, abraça tudo para que possa estar contida em qualquer
113
definição.
O que o futuro reserva para nós? Estamos no caminho certo para dias melhores? "A
Sociedade Teosófica foi escolhida como a pedra angular, o alicerce das futuras religiões da
humanidade", assim lemos na Carta do Mestre K. H. a Annie Besant. Está em formação uma
nova religião mundial, uma nova doutrina de caráter universal, da qual a Teosofia será a
pedra angular? Talvez ajudada por muitos componentes mais presentes do movimento da
Nova Era, bem como pela vanguarda da ciência moderna? Quem pode responder? Há um
século um Mahatma previu que a ciência moderna do século XX viria a ser a melhor aliada
dos ensinamentos que Eles estavam promulgando. Nossa atitude deveria ser de plena
atenção, um completo estado de alerta. As mudanças estão no ar hoje em dia. Todavia,
nem toda mudança é uma mudança para melhor.
Quando percebemos a influência que a Teosofia teve desde o momento em que a
Sociedade foi fundada, quantos grupos e pessoas foram e ainda são inspiradas por ela,
pessoas comuns, assim como destacados cientistas e artistas, apesar dos muitos altos e
baixos pelos quais a Sociedade passou, penso que não há razão para que os membros se
sintam confusos ou desconfortáveis sob qualquer aspecto.
Quase não há uma semana que se passe, sem que haja programas na televisão e no
rádio, bem como artigos nos jornais, que tratam de assuntos iniciados pela Sociedade
Teosófica e seus líderes há muito tempo atrás. Em círculos mais conservadores, é verdade,
ainda há hesitação, mas os indícios de uma maior abertura e receptividade em relação à
influência benéfica da espiritualidade e da abrangente visão teosófica são inegáveis.
Qual será a direção da nossa ação no começo da última sétima parte deste século? Que
cenário temos em mente para o próximo século? Por que não fazemos um tosco esboço e
mapeamos um programa experimental? Vamos escolher o dourado meio entre aferrar-se
às velhas tradições e seguir cegamente sonhos ideais em relação ao futuro, ou mesmo
alguns esquemas um tanto utópicos. Talvez possamos realizar uma mudança gradual - uma
volta inteira seria ainda melhor - da degeneração para a regeneração; da fragmentação
para a integração, totalidade e Unidade da Vida; da mediocridade para a excelência; do
egoísmo para a compaixão; do desinteresse para a participação; da indiferença para um
senso de responsabilidade e real cuidado; da escravidão de qualquer tipo para a liberdade;
do individualismo para a cooperação, amizade e Fraternidade; de uma vida de
prodigalidade, opulência para uma vida sóbria; da teoria para a prática; do ódio e
animosidade para a tolerância, receptividade e amor; do vulgar para o sublime; da
estagnação para a transformação; dos prazeres mundanos para a real alegria; da avareza
para o altruísmo; do conhecimento para a Theo-Sofia, Sabedoria Divina; da exploração da
Natureza para uma reverência em relação à vida e à Terra como um todo integrado.
Esta descrição poderia, obviamente, ser alterada, melhorada, ampliada, mais completa
e pertinente. Vamos adequar a ação ao mundo.
Nossos membros estão de acordo com o trabalho em unidade, usando uma expressão
do Mestre K. H., "soldados voluntários de uma causa desesperada."
Uma última, desesperada e ousada tentativa de estancar o fluxo do materialismo e da
cristalização religiosa que já estavam imperando no último quarto do século XIX.
Somos todos responsáveis pela herança espiritual e cultural desde os primórdios, e
114
cada indivíduo é um elo desta infinita corrente de Tradição da Sabedoria. Todos temos que
nos tornar um fio da vida, elevar-nos, tornando-nos fortes e juntando-nos aos outros fios
da humanidade. Juntos podemos suportar esta pesada responsabilidade de levar adiante
este gigantesco processo chamado evolução de acordo com o Plano Divino.
Vamos nos lembrar das últimas palavras de H. P. B.: "Mantenham o elo inquebrável;
não deixem que minha última encarnação seja um fracasso."
Que melhor exemplo do que H. P. B. podemos imaginar? E quem está disposto a seguir
os seus passos?
Nossa razão deixa claro para nós ser inútil tentarmos alcançar o impossível. Mas pelo
menos poderíamos mostrar nossa boa vontade e compaixão em relação a um número
inimaginável de pessoas que sofrem em um mundo aterrorizado pelos sentimentos de
raiva, ciúmes e egoísmo e sem disposição para ouvir "a quieta e fraca voz interior".
Estamos realmente conscientes da situação atual? Ou será que pensamos que temos
muito tempo pela frente? E evidente que temos que fazer alguma coisa agora, antes que
seja tarde demais. Quanto mais esperarmos, mais difícil será ajustar o nosso curso (como
humanidade).
Vamos expressar a Teosofia de inúmeras formas, especialmente em maneiras práticas,
e descobrir o que cada um de nós pode fazer em nossas vidas. Poderíamos viver de uma
maneira mais sóbria, dar mais e receber menos? Menos de cada coisa que pensamos
necessitar tanto?
O Sermão da Montanha começa dizendo "Abençoados sejam os pobres de espírito,
pois deles é o Reino dos Céus".
Mais de uma vez os Mahatmas fizeram um fervoroso, quase desesperado apelo para os
membros da S. T., para que os ajudassem em Seu trabalho de elevação da humanidade.
Na sua Carta o Maha Chohan assinala: "Oh, que o homem nobre e desprovido de
egoísmo nos ajude efetivamente na Índia, naquela divina tarefa! Todo nosso conhecimento,
passado e presente, não seria suficiente para recompensá-lo".
Não estamos nós, como teosofistas, em uma posição favorável para enfrentar as
necessidades espirituais do mundo? Estamos preparados para esta estupenda tarefa?
Por que não nos engajamos neste grupo de ativos trabalhadores e nos convertemos em
voluntários trabalhadores por um mundo melhor, fazendo da Sociedade uma força real em
direção à evolução?
Vamos refletir em algumas linhas escritas pelo Sr. Edwin Arnold em The Celestial Music,
a sua versão poética do Bhagavad Gita:

"A Luz da Alma brilha pura em todo lugar; aqueles que


com o olho da Sabedoria veem como a matéria e tudo que a ela se refere, divide.
E com o espírito e a carne disputam.
Aqueles que são sábios vão pelo caminho que conduz à vida."

115
O QUE É SABEDORIA?
Hugh Dixon (Nova Zelândia)

Sabemos que a palavra Sabedoria é um substantivo, um nome para alguma coisa. Mas
quando nos empenhamos em defini-la, verificamos que a explicação não é nem simples,
nem direta. Num sentido racional, Sabedoria é conhecimento e bom julgamento baseado
na experiência.
Contudo, é a Sabedoria realmente conhecimento? Sim, mas tem de ser
qualificada! Daí a descrição:

"Conhecimento e bom julgamento baseado na experiência".

Então, se Sabedoria não é apenas conhecimento, poderemos chegar mais perto de


uma definição?
"Bom senso em um grau fora do comum é o que o mundo chama de Sabedoria", diz
Coleridge.
''O conhecimento vive nas cabeças repletas de pensamentos de outros homens; a
Sabedoria, nas mentes atentas aos seus próprios pensamentos", diz um outro poeta inglês,
William Cowper.
Vocês devem se lembrar da frase atribuída a Sócrates:

"O oráculo de Delfos disse que eu sou o mais sábio de todos os gregos. É porque
só eu, dentre todos os gregos, reconheço que nada sei".

Então, talvez, possamos igualar Sabedoria tanto ao conhecimento como ao não-


conhecimento. Soa como Zen-Budismo, não é?
A citação seguinte é do rabino Ben-Azai:

"Sabemos de forma precisa apenas quando sabemos pouco; com o


conhecimento, as dúvidas aumentam".

Sócrates outra vez:

"O conhecimento de nossa própria ignorância é o primeiro passo para o


verdadeiro conhecimento."

116
Este acréscimo do adjetivo "verdadeiro" é significativo.
Verdadeiro significa também real!
Pode ser que estejamos mais perto de uma definição, quando dizemos:
"Sabedoria é conhecimento real"!
Talvez a qualidade da Sabedoria seja difícil de se definir porque seu verdadeiro "lar"
está em algum ponto além do alcance da mente racional.
Em sua descrição da Sabedoria Perfeita, Platão sugere uma resposta ao nosso dilema:

"A Sabedoria perfeita tem quatro partes:


1 – Sabedoria, o princípio de se fazer as coisas acertadamente;
2 – Justiça, o princípio de se fazer coisas de forma igual tanto em público como em
particular.
3 - Coragem, o princípio de não se fugir do perigo, e sim encará-lo.
4 – Temperança, o princípio de subjugar os desejos e viver moderadamente.”

Que princípios maravilhosos para serem seguidos!


Tais princípios de pura Teosofia podem ser encarados como semelhantes aos da
matemática pura; quando contemplados, eles ajudam na elevação do pensamento a um
nível abstrato mais alto, o manas superior, se vocês preferirem. Contudo, somente quando
colocamos princípios abstratos em ação é que obtemos matemática aplicada ou Teosofia
aplicada. Então, o aprendizado das lições da vida se acelera.
Ora, na Filosofia hindu há a "doutrina das fugas". Nesta Filosofia, cada "grande era", ou
maha-yuga, é dividida em quatro eras cíclicas (ou yugas): a Krita ou Satya-Yuga (a idade de
ouro) sendo a mais longa, e a Kali-Yuga (a idade de ferro) a mais curta. A doutrina é
complicada, e há ciclos dentro de ciclos. Mas o ponto central é que, estando o mundo
atualmente em Kali- Yuga, há muito mais oportunidades para um crescimento espiritual
acelerado. Há mais acontecimentos em menos tempo.
"Rumo a uma mente sábia" torna-se realmente atingível e o fluir para "uma sociedade
nobre" com certeza, já que cada vez mais reconhecemos o que devemos fazer agora.
A Teosofia demonstra que há dois processos evolucionários correndo em paralelo um
com o outro:
1) o desabrochar da consciência de uma condição estática, na qual todos os atributos e
potencialidades divinos estão integrados - a analogia da "semente divina" sendo altamente
adequada.
2) a evolução das formas para servir como veículos para a expressão da consciência.
Geoffrey Hodson menciona isto (em suas Anotações de Palestras, VoI. I):

"O desabrochar interior é acompanhado pelo desenvolvimento exterior de corpos


para tornarem-se um templo mais perfeito do Deus Interior".

As notas de Geoffrey Hodson também afirmam:


117
"A meta da evolução humana é o padrão de perfeição descrito no Cristianismo
como "A Medida da Estatura da Plenitude de Cristo".

E isto implica o alcance de um estado divino de:


Onipotência, ou vontade aperfeiçoada e irresistível;
Onipresença, ou Sabedoria e amor aperfeiçoados e oni-abrangentes. Isto inclui o uso
plenamente consciente da intuição;
Onisciência ou conhecimento totalmente inclusivo e aperfeiçoado.
A Sabedoria Eterna indica que esta apoteose tripla é o destino de todos os seres
humanos.
Notamos que o segundo aspecto, a onisciência, significa plenamente sábio.
Em algum futuro muito distante, nós, as incontáveis "centelhas nãodestacadas" ou
mônadas, atingiremos a percepção completa de nossos poderes divinos inatos. Foi-nos dito
que funcionaremos, com plena consciência, em todos os planos da existência. Portanto, a
Sabedoria, sendo uma parte disso, é uma meta.
Junto com a "Sabedoria oni-abrangente" segue o uso plenamente consciente da
intuição.
Vamos nos deter neste pensamento por um momento.
G. A. Gaskell, em seu Dicionário de Todas as Escrituras e Mitos, dá a seguinte definição de
intuição:

"(Intuição é) "uma função búdica, operando através do corpo causal, trazendo o


conhecimento da realidade ao intelecto. É o poder de resposta às faixas mais elevadas
de vibração atômica nos planos acima, e quando unida ao intelecto, dá origem ao
amor e à verdade".

Gaskell também ressalta que temos de lutar contra "as teorias errôneas da mente
inferior", e que estas "não serão descartadas até que a intuição seja recuperada pela
memória interior".
E também deve haver um esforço voluntário "feito pelo eu inferior para elevar a
consciência à compreensão espiritual".
O que vem à mente aqui, em relação "às teorias errôneas da mente inferior" é aquela
citação maravilhosa de H. P. B.:

"À medida que a pessoa progride em Jnãna Yoga, percebe o surgimento de


conceitos que ela, embora consciente deles, não pode expressar e nem formular ainda
em nenhum tipo de representação mental. Com o passar do tempo, estes conceitos se
transformam em quadros mentais claros. Nesta hora deve-se estar em guarda e
recusar ser enganado pela ideia de que o maravilhoso quadro recém-encontrado tem
118
de representar a realidade. Porque não a representa. Com o prosseguimento do
Trabalho, descobre-se que o quadro antes tão admirado se torna apagado e
insatisfatório. até que finalmente desaparece ou é descartado. Este é outro ponto de
perigo, pois a pessoa se encontra momentaneamente em um vazio, sem qualquer
conceito em que se apoiar, e pode ser tentada a reavivar a representação
anteriormente desprezada, por falta de uma melhor em que se apoiar. O verdadeiro
estudante. no entanto, continuará a trabalhar despreocupado, e logo outros
vislumbres surgirão, os quais, por sua vez, darão lugar a uma representação mais
ampla e mais bela que a última. Mas agora ele compreenderá que nenhum quadro
pode jamais representar a Verdade. Este último tornar-se-á tosco e desaparecerá
como os outros, e assim o processo continuará até que finalmente a mente e seus
quadros sejam transcendidos, e o estudante entre e permaneça no Mundo da Não-
Forma, do qual todas as formas são pálidos reflexos".

Será esta uma descrição ao tornar-se sábio?


Certamente, implica uma abertura para uma dimensão mais elevada, onde a mente é
transcendida. Notem que o aprendiz ainda é um estudante!
Assim, a Sabedoria é um processo de aprendizagem e não uma acumulação de fatos.
Se a Sabedoria é um aspecto superior de nossa natureza, como acreditamos ser, que
parte de nossa constituição a "hospeda"? Uma pequena revisão da Teosofia básica nunca é
inoportuna!
Em Teosofia, ouvimos constantemente que os três princípios mais elevados da
constituição humana são o Átmico, o Búdico e o Manásico. E que esses três princípios
possuem um veículo de consciência e ação que é construído de matéria dos três subplanos
mais elevados do plano mental.
Este veículo é chamado em sânscrito Karana Sharira e, originalmente, vem à existência
quando a "centelha divina" ou mônada se individualiza no ponto de transcendência do
reino animal para o humano.
É o veículo do indivíduo, vivificado pela mônada.
Como vocês sabem, a palavra karana significa causa e sharira, corpo - assim, corpo
causal em português.
A Tríade Superior ou Espiritual, o Eu Imortal, tem agora um veículo permanente para a
evolução futura - um veículo no qual, como diz Geoffrey Hodson "residem as causas que se
manifestam como efeitos nos planos inferiores".
Nas palavras de Annie Besant:

"Mesmo em uma curta vida terrena, nós distinguimos entre o


conhecimento que adquirimos e a Sabedoria que gradualmente - muitas vezes
bem raramente - destilamos daquele conhecimento".

Ela continua dizendo:


119
"Sabedoria é a frutificação da experiência de uma vida, o patrimônio
culminante dos mais velhos.
Em um sentido mais rico e muito mais pleno, Sabedoria é a frutificação de
muitas encarnações, o produto de muita experiência e conhecimento".

Recapitulando, citamos Geoffrey Hodson:

"A Alma ou Ego podemos considerar naquilo que individualiza o Espírito


Universal. Ela focaliza a Luz Universal em um único ponto, o qual é, por assim
dizer, um receptáculo no qual é derramado o Espírito - o Vaso ou Taça, na
antiga mitologia grega, o Santo Graal, na história medieval. O Graal ou Taça
simboliza o resultado aperfeiçoado de toda aquela evolução inferior, na qual é
derramado o vinho da Vida Divina, para que a alma do homem possa nascer".

"A Taça é a Taça oferecida pela Deidade às almas, na qual bebem o vinho da
Sabedoria". G. R.S . Mead, Orpheus p. 43.
"Um poder mais alto traz uma Taça cheia de intuição e Sabedoria, e também
prudência, e a entrega à alma". - Pistis Sophia.
Durante a pesquisa para esta palestra, a alegoria de Lázaro no Novo Testamento
apareceu surpreendentemente.
"O que tem a ver isto com o assunto?" Foi meu primeiro pensamento. Como vocês
sabem, a história está registrada no Evangelho de João, Cap.XI.
Consideremos o Evangelho no versículo 41:

"Tiraram pois, a pedra. Jesus, levantando os olhos ao céu, disse: Pai, dou-
te graças, porque me tens ouvido" etc... (aqui Jesus continuou a falar, para
benefício das pessoas que "aguardavam").
Tendo dito estas palavras, bradou em alta voz: Lázaro, sai para fora. E saiu
o que estivera morto, enfaixado nos pés, nas mãos, e o seu rosto envolto num
sudário. Jesus disse-lhes: Desatai-o e deixai-o ir".

A interpretação de Gaskell da simbologia nesta história de Lázaro é interessante:

“A remoção da pedra corresponde à remoção de uma grande


quantidade de empecilhos, de erros e desejos, que tentam impedir o progresso
da alma na direção necessária.
À prece da alma-Cristo foi concedido um efluxo de poder do Alto.

120
Então seguiu-se o redespertar do corpo causal" - (porque o nome Lázaro
pode ser considerado simbólico do corpo causal).

(Lázaro estava "enfaixado", isto é, agrilhoado pelas tendências limitantes


que tiveram como efeito causar sua "morte" e "enterro". - o sono da intuição,
que é uma função do corpo causal".

Nós todos, vez por outra, experimentamos momentos nos quais a intuição nos fala.
Pode ser apenas um lampejo de alguma coisa que ocorre a nossas mentes, a qual
frequentemente descartamos, como aparentemente ilógica, desnecessária mesmo. Isso
ocorre porque começamos a analisar o que surgiu em nossas mentes.
Ouvir nossa intuição é algo que pode ser cultivado e, naturalmente, nos é muito
vantajoso. Um número crescente de pessoas está fazendo isso. Os homens esforçando-se
duramente para alcançar as mulheres!
"Para os gnósticos, Sophia era o Logos feminino, a Mente Universal, a Sabedoria
encarnada", diz o Glossário da A Doutrina Secreta. Comparem também estes verbetes no
Glossário: Athena, Sarasvati, Deusas da Sabedoria e da Expressão Artística; Teosofia,
Ildabaotb (filho de Sophia), Pistis Sophia, Sophia Achamoth (filha de Sophia - o reflexo de
Sophia na Luz Astral ou plano inferior do Ether).
Uma palestra inteira sobre a natureza feminina de Sabedoria poderia seguir estas
linhas de investigação. Como sabemos, a palavra Teosofia é um composto das duas
palavras gregas Theos e Sophia. Theos significando o Deus manifestado e Sophia, cuja
significação geral e primária é ofício, destreza, habilidade artística, especialmente nas Belas
Artes, Medicina, Esportes etc. "Disto", diz H. P. B., "surgiu o significado secundário de
habilidade no viver, julgamento prudente e seguro, Sabedoria política, conhecimento das
Ciências, Sabedoria, Filosofia.
Para Aristóteles, Sophia foi a Ciência Suprema, a Ciência das Causas.
Para os gnósticos (como mencionei antes) Sophia era a Sabedoria encarnada.
Mais sobre a palavra Theosophia por H. P. B.:

"Como dentro da palavra Sophia está implícita a Arte Criativa, tanto na


forma como na vida, que é a Sabedoria Suprema, a Teosofia pode ser definida
como a Arte do Ofício Divino, aquela Sabedoria Antiga que, através de cada
Escola de Mistérios da Antiguidade ensinava a seus Iniciados a Arte das Artes -
a libertação do Eu Iluminado".

Outro ponto de interesse sobre Sabedoria é encontrado no Glossário Teosófico, como


segue:

“A própria Essência da Sabedoria está contida no Não-Ser", dizem os


121
cabalistas; mas eles também aplicam o termo ao Verbo ou Logos, o Demiurgo,
pelo qual o Universo passou a existir. A Sabedoria Una está no Som" dizem os
ocultistas; o Logos novamente sendo entendido como Som, que é o substrato
do Akasha.
Diz o Zohar, o Livro do Esplendor: "É O Princípio de todos os Princípios, a
Sabedoria Misteriosa, (Kether), a coroa de tudo aquilo que existe no mais
Alto".
E é explicado que "Acima de Kether está o Ain, o Nada. "É assim chamado
porque não conhecemos, e é impossível conhecer, o que há naquele Principio,
porque ele está acima da própria Sabedoria".
Isso indica que os verdadeiros cabalistas concordam com os ocultistas em
que a essência, ou aquilo que está no Princípio da Sabedoria, está ainda acima
da mais elevada Sabedoria".

Lembremos a expressão do Rabino Ben-Azai:

"Ao buscares a Sabedoria, és sábio; ao imaginares que já a alcançaste, és


um tolo".

Ainda é o esforço que é importante, não é mesmo? Podemos ajudar-nos a encontrar a


Sabedoria? Pode a Theosophia (a Sabedoria Divina) indicar um caminho? Sim é a resposta a
ambas as perguntas! Podemos aumentar a faixa na qual escutamos a "voz da intuição" -
abrir-nos para a Sabedoria que se acumula no cálice de nossos corpos causais.
Olhemos para a seguinte interpretação da Busca do Graal, mais uma vez do Dicionário
de Gaskell:
"A Busca do Graal é a procura do Eu interior que está além da Personalidade, da
natureza de Amor e Sabedoria que está acima da Individualidade.
Esta procura é o drama divino da alma, no qual o Eu, como um herói, passa através das
experiências da vida inferior, lutando contra a ignorância e o mal e liberando as qualidades
superiores tornadas cativas pelas inferiores".
O antahkarana, sem dúvida, é outro termo do qual todos já ouvimos falar.
A Teosofia refere-se a ele como uma ponte entre o Manas inferior e o Manas superior.
A palavra tem duas raízes sânscritas: antar, que significa "médio" ou "interior" e karana,
que significa causa, instrumento, fazer.

"Na verdade e na natureza", diz A Doutrina Secreta, "as duas Mentes, a espiritual
e a física ou animal, são uma só, mas separadas em duas na reencarnação".

Antahkarana é um princípio que, no estudo de Os Sete Raios, é dito corresponder ao


Quarto Raio. O Quarto Raio é uma lente, por assim dizer, através da qual todos os outros
122
raios são focalizados - um ponto de harmonia, equilíbrio e beleza.

"Este princípio", diz o Glossário Teosófico, "serve como um meio de


comunicação... Transmite do Eu Inferior ao Eu Superior todas aquelas impressões e
pensamentos pessoais do homem que podem, por sua natureza, ser assimilados e
armazenados pela Entidade imortal, e ser assim imortalizados com ela."

Aqui está, então, algo mais que aprendemos sobre Sabedoria - ela é imortal.
A Filosofia Esotérica define Homem como "aquele ser no qual o Espírito mais elevado e
a matéria mais inferior são unidos pelo intelecto".
Para o Eu Superior obter domínio sobre o inferior pareceria que a "ponte", o
antahkarana, o canal ou qualquer que seja o nome que se queira dar ao "mecanismo de
comunicação", devesse estar desobstruída e fortalecida.
Sim, isso acontecerá no curso lento da evolução humana. Temos, contudo, a
oportunidade, nesta época presente, de acelerar o processo, não temos? E o que se chama,
frequentemente, de viver a vida espiritual! A medida que a mente inferior se torna mais
purificada, o pensamento torna-se mais elevado.
Bem recentemente, o editor da revista The Quest referiu-se a evidência de uma
"mudança de paradigmas" no pensamento do mundo de hoje. Ele escreveu: "as Nações
Unidas literalmente renasceram, e um nível inteiramente novo de interesse global comum
começou a tomar forma... a frase "mudança de paradigmas" nunca expressou tão
precisamente o que está acontecendo nesta época da História. Uma mudança de
paradigma no pensamento militar está mesmo começando a ocorrer. Imaginem, se
puderem, um militar se remodelando como um genuíno "empreendimento pacificador".
Isso é o que está sendo tentado em várias áreas de conflito e de fome atualmente".
Desejamos ser sábios? Ou expresso de forma levemente diferente: Desejamos ter
Sabedoria? Isto é perigoso, não é? Os desejos são atendidos nesta vida ou na outra. Mas,
quando são preenchidos, frequentemente trazem consigo um leve "revés" ou condição.
O grande filósofo americano, poeta e ensaísta, Ralph Waldo Emerson, uma vez
escreveu:

"O mundo é um armazém, e você pode obter qualquer coisa que possa alcançar
nas prateleiras. Não há um só artigo na loja que não tenha nele um preço afixado, Mas
o que quer que você pegue, você tem de pagar o preço".

Então, à nossa primeira pergunta: "Desejamos ser sábios"?, pode agora ser
acrescentado: Por que desejamos ser sábios? O motivo, para todos na jornada espiritual é
de suma importância. Desejamos Sabedoria a fim de parecermos sábios, ou genuinamente
desejamos ajudar as pessoas? Em outras palavras, o motivo é altruísta? O orgulho pode ser
muito sutil; sempre visto nos demais, e nunca em nós mesmos. Não é assim?

123
Um escritor anônimo uma vez descreveu "a presunção como uma doença estranha.
Deixa muitas pessoas doentes, exceto a pessoa que dela padece".
Então, estamos mais sábios em relação à Sabedoria depois de termos ouvido esta
palestra?
Concluindo, escutemos algo da antiga Sabedoria chinesa de Lao Tzé no Guia Clássico
para a Liderança, Influência e Excelência - o Tao do Poder - o Tao Te King - traduzido por R.
L. Wing:

O CAMINHO EVOLUÍDO

Palavras sinceras não são embelezadas;


Palavras embelezadas não são sinceras;
Aqueles que são bons não são defensivos;
Aqueles que são defensivos não são bons.
Aqueles que sabem não são eruditos;
Aqueles que são eruditos não sabem.

Indivíduos evoluídos não acumulam;


Quanto mais fazem pelos outros, mais eles ganham;
Quanto mais dão aos outros, mais eles possuem.
O Tao da Natureza
É para servir sem prejudicar
O Tao dos Indivíduos Evoluídos
É atuar sem contenda.

E finalmente - duas das mais famosas linhas de Lao Tzé sobre "Obtendo a Unidade":

Aqueles que sabem não falam.


Aqueles que falam não sabem.

124
VIRTUDE, O PORTAL DA SABEDORIA
Pedro Oliveira (Índia)

O homem ocupa um lugar único no vasto e infinito processo da evolução. Os livros


antigos o caracterizam como o elo de conexão entre Espírito e matéria. E embora ele tenha
sido capaz de criar instrumentos maravilhosos e aplicar seu conhecimento a fim de dominar
alguns dos processos naturais, ele permanece até hoje um mistério inescrutável para si
mesmo. Ele é ávido por conhecer mais acerca dos processos da vida e do espaço exterior;
ele está pronto para interferir nos sistemas mais internos da vida, tais como os genes, e foi
capaz de liberar o poder assombroso oculto no núcleo do átomo. Por outro lado, ele nunca
aplicou a mesma energia e avidez para sondar sua própria mente, as profundidades de sua
própria consciência. E esta é a razão pela qual o autoconhecimento é ainda um exercício
muito raro no contexto da experiência humana global.
O homem é uma criatura inquieta. Ele está sempre buscando alguma coisa que lhe dará
preenchimento e felicidade. Ele quase nunca experimenta paz ou contentamento que
surgem quando não há o desejo de se ser outra coisa além do que se é. Sua busca de prazer
e felicidade é de fato um movimento inconsciente em direção a algo que possa trazer
preenchimento e paz interior permanentes. Mas os sábios de todas as culturas e de todas
as épocas declaram em uníssono que há apenas uma coisa que pode dar preenchimento
interno permanente e inabalável - a Sabedoria. Mas a Senda para a Sabedoria está cheia de
perigos e tentações. Pessoas que começam a buscá-la podem facilmente acabar
procurando poder, nome e fama porque conhecendo um pouco mais do que os seus
semelhantes, elas se tornam presas da tentação de controlar e dominar outrem. Há outras
que confundem Sabedoria com conhecimento e aplicam sua energia e tempo em acumular
uma quantidade incrível de informação sem compreender que a Sabedoria é o
conhecimento do que é essencial e não a acumulação de ideias por uma mente ignorante.
O poeta místico Jalaluddin Rumi disse a esse respeito:

"Quando com inspiração ao seu alcance você busca erudição livresca,


Seu coração, como se inspirado, lhe enche de reprovação.
O conhecimento tradicional, quando a inspiração está disponível,
É como fazer abluções com areia quando há água perto de você. “

"A astúcia é como uma mente que provoca tempestades de orgulho;


Seja tolo, para que assim seu coração possa estar em paz.
Não com a tolice que se reproduz pelo falatório ocioso,
Mas com aquela que surge da perplexidade diante da Verdade".

As religiões do mundo têm mostrado que um preço deve ser pago para que se alcance

125
a verdadeira Sabedoria. E este consiste num modo de vida que esteja completamente
impregnado pela virtude. Mas aqui, mais uma vez, o peso morto da tradição e as
interpretações mecânicas retrataram a vida virtuosa como uma forma de aderência a
códigos externos de conduta. Assim, uma pergunta importante a ser feita é: "O que é
virtude?" Plotino disse que "a virtude é algo inerente à alma", o que significa que ela é uma
qualidade intrínseca que existe na consciência em seu estado natural. É somente através
do processo da experiência que a consciência é alienada de sua própria natureza pura
porque ela é projetada para o exterior. Ela se torna identificada com coisas outras que não
são ela própria e, portanto, perde aquela claridade e insight que são uma parte essencial
da virtude. A palavra sânscrita dharma, que possui múltiplos significados, denota não
apenas retidão ou lei mas também a natureza essencial de um ser ou coisa, o que mais
uma vez mostra que a integridade e a excelência moral devem ser encontradas dentro de
nós.
Santo Agostinho definiu virtude como "amor retamente ordenado" o que parece
implicar que, ao depender de nossos caprichos e interesse pessoal, o amor nunca gera
virtude. Para muitas pessoas os relacionamentos são meramente oportunidades para se
extrair vantagens. Elas quase nunca estão dispostas a escutar o ponto de vista do outro, a
mostrar boa vontade ou afeição, mas apenas mantêm aquele relacionamento enquanto
puderem obter dele algum benefício. Por outro lado, se há a reta atitude interior, todos os
relacionamentos tornam-se oportunidades de serviço. Uma pessoa virtuosa é aquela que
compreende profundamente que a vida é dar e não procurar sempre obter coisas para si.
O que é usualmente chamado de amor humano é basicamente um acordo inconsciente
baseado no dar e receber, o que significa manter um relacionamento enquanto a outra
pessoa está dando algo, quer seja na forma de afeto, prazer ou atenção. Mas a visão de
Agostinho sobre a virtude deixa claro que o verdadeiro amor deve surgir de uma condição
de ordem interior, a qual parece indicar um estado em que se está livre do interesse
pessoal em suas múltiplas formas.
Platão, em seu diálogo chamado Protágoras, faz uma afirmação sobre a virtude que
merece profunda reflexão em todas as suas implicações. Ele diz que "a virtude não pode
ser ensinada", o que significa que, embora possamos nos beneficiar com o exemplo de
nobres personagens, temos de chegar a virtude por nós mesmos. Uma das causas do
declínio da vida religiosa em muitas culturas é que as pessoas colocaram suas esperanças
de redenção espiritual em agentes externos tais como sacerdotes, Escrituras e rituais. Mas
quando olhamos para o ensinamento central das religiões do mundo não podemos deixar
de perceber que todas elas deixam bem claro que temos de conquistar nossa salvação com
diligência. A erva daninha do egoísmo, que lançou suas raízes profundamente dentro da
consciência humana, tem de ser arrancada por nossos próprios esforços. Escrituras,
instrutores e rituais podem proporcionar indicações de um propósito mais profundo na
vida, podem apontar uma Senda de transformação, mas nenhum deles pode trilhar a
Senda por nós.
De acordo com Platão, o verdadeiro conhecimento é um processo de recordação, o
que significa que a fonte da compreensão espiritual está profundamente oculta em nós.
Cegos pela ignorância, perseguimos afoitamente todas as formas de experiências,
126
sensações e conhecimento fragmentado. Mas o conhecimento que é realmente necessário
para transformar nossas vidas, para fazer com que o Espírito incriado brilhe em toda a sua
glória, já está dentro de nós. Portanto a questão importante é: como podemos encarar as
experiências e usá-las como um processo de modo a aprender mais acerca de nós mesmos?
Em primeiro lugar, deve haver uma clara compreensão de que podemos aprender com a
vida. Podemos começar a discernir entre o que é transitório, efêmero e aquilo que é de
valor perene. O verdadeiro discernimento é certamente o começo do movimento em
direção ao conhecimento autêntico. O resultado natural do discernimento é equanimidade
e contentamento. Ao invés de sermos controlados pelas situações, se há essa condição de
equilíbrio interior, não importa qual a situação na qual estejamos envolvidos, poderemos
exercer claridade, reto julgamento e resposta sensata.
O contentamento é a descoberta de um sentido de ordem e equilíbrio dentro de nós
de forma que não se é perturbado nem pelos eventos externos nem pela agitação interna.
Ele resulta naturalmente de uma compreensão de que, na vida, a lei é oniabarcante; o que
quer que nos aconteça assim o faz como uma operação da lei oniabrangente que é
suprema harmonia. Assim, se a mente compreende, mesmo que parcialmente, a natureza
do verdadeiro contentamento, ela não se abalará ou perderá seu equilíbrio. Ela deixará que
a lei siga seu próprio curso.
Uma outra virtude fundamental é a humildade. Ela é considerada uma virtude
essencial, a base da qual surgem todas as outras virtudes. Ela significa ausência de
autopresunção, que é pretender possuir um conhecimento que realmente não possuímos.
Também significa deslocar o centro de importância de nós mesmos para a vida ao nosso
redor, reconhecendo como já dissemos, que estamos aqui para aprender, mas aprender
corno ser útil aos outros, como prestar serviço significativo àqueles que encontramos. A
humildade implica contínua vigilância sobre nossos motivos pois o eu pessoal é uma
criatura traiçoeira e pode frequentemente nos levar a uma certa ação que é
aparentemente boa mas que, num exame mais detido, revela a existência do desejo
dissimulado de auto-engrandecimento. A verdadeira humildade é um elemento importante
no autoconhecimento, pois ela traz simplicidade e pureza à mente e, portanto, abre o
caminho para a manifestação daquela consciência que, em sua plenitude e harmonia,
revela-se como a própria base do nosso ser.
Quando as pessoas veem o mundo e sua dor, pobreza e violência estarrecedoras, a
reação comum é a noção de que uma mudança tem de ocorrer, mas, ao mesmo tempo,
sentem-se impotentes para efetuar tal mudança, pois os problemas parecem ser enormes,
quase infinitos e complexos. Aqueles que são realmente grandes nunca se permitem deter-
se em tais situações e dúvidas autocriadas pelo simples fato de que foram capazes de
comungar profundamente com a dor do mundo, porque foram capazes de fazer cessar suas
misérias e carências pessoais. Ao se tornarem livres delas através de sua própria
inteligência espiritual, eles foram capazes de reunir coragem suficiente para manifestar em
suas vidas uma tremenda claridade e determinação que tocou milhares.
Há, no mundo de hoje, grupos e indivíduos que acreditam firmemente termos
ingressado numa nova era, que coisas extraordinárias vão ocorrer e que a humanidade
como um todo dará um passo significativo em sua Jornada evolutiva, mas o mundo fornece
127
ampla evidência de que a brutalidade, a ação bárbara e as divisões nacionalistas são ainda
a ordem do dia. A essência da compreensão teosófica referente à ética é resumida no
princípio da auto-responsabilidade. Ninguém pode nos dar força, ninguém pode nos
conceder Sabedoria. É uma lei fundamental da existência humana a de que devemos
caminhar com nossos próprios pés, devemos ver com nossos próprios olhos. O progresso
real para os seres humanos começa a ser compreendido pelo que a virtude é.
George Grimm em seu livro A Doutrina do Buda diz:

"Sem virtude não há concentração real e por isso também não há a visão
penetrante e completa de nossa personalidade como anatta (irrealidade do
eu). Mas a meditação concentrada, isto é inteiramente objetiva, diretamente
perceptiva dos constituintes desta nossa personalidade somente é possível
quando a cognição não é mais perturbada por convulsões passionais de
nenhum tipo, quando as tempestades do querer pessoal que a obscurecem
foram acalmadas ou quando. como diz o Buda, "os movimentos corporais,
mentais e vocais mais grosseiros foram abrandados"; em suma, quando a
mente se tornou purificada de toda perturbação. E esta mesma pureza é o
resultado da moralidade: "Como então, amigo, é a Santa Vida vivida sob a
orientação do Abençoado em nome da pureza de conduta?" - "Não é por isso,
amigo... Mas a pureza de conduta leva à pureza da mente; a pureza da mente
à compreensão purificada; a compreensão purificada ao conhecimento
purificado, o conhecimento purificado à convicção purificada".

Em sua mensagem à Convenção Americana em 1888, H. P. B. disse:

"Os homens não podem ser todos ocultistas, mas eles podem todos ser
teosofistas. Muitos dos que nunca ouviram falar da Sociedade são teosofistas
sem o saber; pois a essência da Teosofia é a perfeita harmonização do divino
com o humano no homem, o ajuste de suas qualidades e aspirações divinas, e
seu domínio sobre as paixões terrestres ou animais nele. Amabilidade,
ausência de todo mau sentimento ou egoísmo, caridade, boa vontade para
com todos os seres e perfeita justiça para com os outros bem como para
consigo mesmo são suas principais características. Aquele que ensina Teosofia
prega o evangelho da boa vontade; e o contrário disto também é verdadeiro -
aquele que prega o evangelho da boa vontade ensina Teosofia".

Portanto, aquele que estuda Teosofia num sentido real, não alimentará ideias
fantásticas, não acreditará em nenhuma forma de mudança supernatural e rápida na
humanidade causada por um agente externo. Por outro lado, ele consagrará sua vida,
energia, tempo e esforço se colocar em prática a ética sublime contida no Ensinamento-
Sabedoria, pois um verdadeiro estudo do ensinamento teosófico não pode falhar em nos
128
revelar o fato de que a encarnação humana é uma oportunidade preciosa bem como uma
tremenda responsabilidade.
Em A Voz do Silêncio é exposto o ensinamento teosófico central relativo à virtude - a
Senda Paramita, a Senda das virtudes transcendentais. Através de seu estudo podemos
ver claramente como uma vida virtuosa conduz naturalmente à Sabedoria. Quando
colocados em prática, esses preceitos podem nos transportar a uma nova dimensão em
nós mesmos, a uma compreensão dos segredos internos da vida como também ajudar a
cumprir o destino evolutivo da humanidade.
O primeiro passo na Senda Paramita é dana ou caridade, a qual enfatiza a
necessidade de nos doarmos completamente e sem reservas. O segundo é shila, viver
harmonioso, aproximando-se de cada contato e relacionamento de forma reta e sem
nenhum pensamento de recompensa, pois é a constante preocupação e desejo de
resultados que corrompem a mente.
O próximo passo é kshanti, paciência, a ser exercida em todas as circunstâncias, que
revela uma profunda fé na ordem intrínseca de todas as coisas. Segue-se viraga,
indiferença ao prazer e a dor bem como a percepção do elemento verdadeiro em tudo. A
presença desta qualidade na mente humana pode ser um dos segredos para se obter
energia espiritual, uma vez que todas as formas de apego consomem muito de nosso
poder mental.
A Senda prossegue com virya, "a intrépida energia que abre o seu caminho para a
verdade suprema, erguendo-se acima das mentiras terrenas". Ninguém pode trilhar a
Senda sem energia, mas de um ponto de vista espiritual a energia surge da reta visão e da
reta compreensão.
Quando a vida foi assim harmonizada, profundamente impregnada com amor, o doar
inegoísta e a indiferença ao que é ilusório, então há o próximo passo: dhyana, verdadeira
meditação, o abandono de tudo aquilo que foi acumulado, o que nos permite aproximar-
nos da vida em sua glória imaculada. É também silêncio. Jalaluddin Rumi descreveu de
forma bela a necessidade de silêncio na vida espiritual:

"Você pode cavalgar até a costa


Mas depois você precisa usar um cavalo de madeira
(i.e. um barco)
Um cavalo de madeira é inútil na terra firme,
O silêncio é o cavalo de madeira,
O silêncio é o guia e o amparo dos homens no mar.

O última passo é Prajna, a Sabedoria que recria o homem com um filho de Deus, uma
força benéfica na Natureza, de forma que sua vida é totalmente empregada no
cumprimento da Vontade que está por detrás do plano evolutivo, que é o supremo bem de
todos os seres.
Não há dúvida de que este sublime ideal pode parecer muito difícil de ser alcançado

129
pelos diversos buscadores, mas ele representa a verdadeira meta da vida humana. Numa
afirmação extraordinária em A Doutrina Secreta H. P. B. disse que "tudo na Natureza tende
a tornar-se homem , o que parece indicar que o ser humano sintetiza em si a história
evolutiva deste globo e é, ao mesmo tempo, a porta através da qual os esplendores do
Espírito podem florescer em plena liberdade.
A singularidade da Teosofia está no fato de que ela provê diretrizes muito claras para
empreendermos a jornada de transformação interior, e ao avançarmos ao longo desta
Senda, estaremos prestado à humanidade o maior de todos os serviços. E aqueles que
vivem a vida que é um resultado natural de um sério e profundo estudo e compreensão
teosóficos finalmente alcançarão a Sabedoria e preencherão o mundo com sua fragrância,
que é compaixão, amor e eterna beleza.

130
TEOSOFIA E CIÊNCIA MODERNA
Eduardo Weaver (Brasil)

Quando lemos a Doutrina Secreta, constatamos a importância que Blavatsky dava para
a ciência de sua época. Ao longo de A Doutrina Secreta existem várias seções dedicadas aos
contrastes entre Teosofia e Ciência. Hoje, muitos dos seus comentários já se tomaram
anacrônicos em função da enorme mudança por que passaram os conceitos científicos
desde o século passado. No entanto, a essência de suas ideias é ainda um desafio para
nossas mentes e pode nos conduzir a novas alturas na compreensão das leis que governam
nosso mundo.
Há indicações de que os conceitos de Blavatsky influenciaram muitos cientistas de
renome. Diz-se, por exemplo, que Einstein foi bastante influenciado por Blavatsky. Suas
noções sobre o espaço têm muito em comum com os ensinamentos apresentados em A
Doutrina Secreta.
Einstein postulava que as propriedades do espaço eram determinadas pela matéria
nele contida. Além disso, o espaço era considerado por ele como idêntico ao Universo. De
acordo com a Teoria da Relatividade, o espaço não é tridimensional e o tempo não é uma
entidade separada. Ambos estão intimamente conectados e formam o que Einstein
chamava de um continuum. Se agora fizermos uma citação do que H. P. B. dizia sobre o
espaço, referindo-se a um Velho Catecismo, observamos muito em comum: "O que é que
sempre foi? - O Espaço... O que é que está sempre indo e vindo - O Grande Alento... Aquilo
que sempre é, é uno, aquilo que sempre foi é uno, aquilo que está sempre sendo e vindo à
existência é também uno; e isso é o Espaço... O Uno é um círculo que não é fragmentado e
não possui circunferência (uma excelente descrição do conceito de espaço curvo de
Einstein). "Ele procede de fora para dentro, quando está em toda parte, e de dentro para
fora, quando não está em parte alguma. Ele se expande e se contrai. Quando ele se
expande, a Mãe se difunde e se espalha; quando ele se contrai a Mãe se recolhe e se volta
para dentro".
Este trecho aponta não apenas para o conceito de espaço como um todo, mas mostra
que o espaço não é uma entidade independente de seu conteúdo. Muito pelo contrário, ele
não tem limites, e contrai-se e expande-se à medida que a matéria (a Mãe) desabrocha ou
se recolhe. Está clara também a noção de que o espaço é uno com a vida. O Grande Alento
é um símbolo da vida e do movimento numa escala cósmica. O espaço, portanto, é eterno e
permanece como uma realidade (embora num nível subjetivo) mesmo quando toda a
matéria desaparecer no nada (em um super buraco negro, por exemplo). Ele ressurge como
uma realidade objetiva quando o Universo se expande e a matéria brota. Conceitos
científicos estão nos ajudando a entender os postulados ocultos de Blavatsky. A Ciência
passou a lidar com abstrações, com o intangível, aproximando-se da visão teosófica.
Este Universo dinâmico descrito por H. P. B. e pelos sábios antigos está muito próximo
das teorias científicas mais modernas. Embora Einstein tenha demonstrado uma certa
relutância em aceitar inicialmente a ideia de um Universo em expansão, depois que Hubble,
131
em 1929, descobriu o efeito do deslocamento para o vermelho no espectro de estrelas
distantes, toda a comunidade científica passou a concordar que esta expansão era um fato.
Hoje as teorias do Big Bang e dos Buracos Negros são muito bem aceitas, e dão um
fundamento científico para os ensinamentos ocultos de um Universo vivo em expansão e
contração.
A expansão do Universo e a teoria do Big Bang dispõem hoje de bastante apoio
experimental, mas ainda não há atualmente prova de que esta expansão vai parar em
algum ponto e o Universo começará a se contrair. Apesar do fato de que a maioria dos
cientistas prefere conceber um Universo pulsante em vez de um Universo para sempre se
expandindo e se resfriando até a sua extinção, existe um problema perturbador que desafia
os astrofísicos. Para que seja possível reter a expansão do Universo, é necessário que haja
matéria suficiente nele de modo a criar um campo gravitacional poderoso o suficiente para
forçar o Universo a uma parada. No momento, a densidade média de matéria visível no
Universo é menos de 2 por cento do que seria necessário para reverter o processo de
expansão. Chega-se à conclusão de que ele só começará a se contrair se sua massa total for
feita em grande parte de algo diferente da matéria "visível".
O Dr. Ralph Hannon, em um artigo publicado no Theosophical Research Journal, em
1988, sugere que Blavatsky pode nos ter dado uma indicação com respeito à solução deste
problema quando escreveu:

"Assim, quando 'outros mundos' são mencionados... o ocultista não localiza


estas esferas nem fora nem dentro de nossa Terra... porque a localização delas não
está em nenhum lugar dentro do espaço conhecido e concebido pelo profano. Elas
estão... misturadas com o nosso mundo, interpenetrando-o e sendo
interpenetradas por ele".

Da mesma maneira como muitos sábios pensaram, há mais no Universo do que os


olhos podem ver. É razoável aceitar a afirmativa de Blavatsky de que existem outros
mundos coexistindo com o mundo que podemos captar com nossos sentidos limitados.
Outra passagem de A Doutrina Secreta pode ser aplicada não apenas para a matéria
negra (matéria invisível), mas também para o campo das partículas subatômicas:

"... a Doutrina Secreta, ao postular que o espaço condicionado e limitado


(localização) não tem existência real a não ser no mundo da ilusão, ou, em
outras palavras, em nossas faculdades perceptivas, ensina-nos que todos os
mundos superiores e inferiores estão entrelaçados com o nosso mundo
objetivo; que milhões de coisas e seres estão, em termos de localização, em
torno e em nós, assim como estamos em torno, com, e neles; e esta não é uma
figura de linguagem metafísica, mas um fato soberano da Natureza, não
importa quão incompreensível isso possa ser para os nossos sentidos".

132
Sabemos que a faixa da luz visível é uma pequena janela dentro do vasto espectro
eletromagnético. A cada momento estamos sujeitos a todo tipo de radiações, incluindo
ondas de rádio, raios-X, raios gama etc. Estas ondas estão lá, mas não somos capazes de
percebê-las. É razoável dar mais um passo e imaginar que o mundo que experimentamos
sensorialmente é também uno com uma série de mundos entrelaçados, além do alcance de
nossa percepção.
Blavatsky também afirmou em A D. S. que a matéria é eterna. "Portanto, o esoterista
mantém que não há matéria inorgânica ou 'morta' na Natureza". Esta noção contrasta com
o paradigma clássico, que prevaleceu até o início do século atual, segundo o qual a matéria
era composta de átomos indivisíveis, os quais eram considerados como pequenos tijolos
estacionários. O tempo provou que H. P. B. estava certa, e uma nova Física nasceu. Agora se
pode dizer que vida e inteligência estão presentes na matéria. As leis cegas da Natureza
foram substituídas pela noção de um Universo orgânico e dinâmico.
As implicações desta nova visão de mundo são fantásticas. Cientistas como Einstein,
Heisenberg, Max Planck e David Bohm balançaram o solo sobre o qual a Física clássica
estava apoiada. Hoje a maior parte dos cientistas acredita que partículas são uma
abstração, e que na realidade não existem, possuindo apenas uma probabilidade de
existirem. Os modelos quantum-relativísticos do Universo estão conduzindo a conceitos
que há alguns anos atrás seriam tidos como heréticos. A Física Quântica postula que um
elétron, movendo-se em uma determinada órbita, pode subitamente se desmaterializar e,
com a mesma rapidez, reaparecer em outro lugar. Esta teoria mostra que as partículas
subatômicas comportam-se de forma muito mais parecida com ondas do que com
entidades pontuais. A matéria pode ser vista como resultante de flutuações em um vasto
oceano de energia que chamamos de espaço. Quando vamos à essência da matéria, ao
invés de encontrarmos um mundo sólido, descobrimos apenas ondas em movimento. A
linha que divide a Física da metafísica não mais está clara. Os cientistas estão começando a
aprender a especular livremente. Eles alcançaram um ponto onde a experimentação no
sentido clássico não mais é possível, a não ser que as limitações impostas pelos sentidos
físicos sejam transcendidas.
Esta situação está bem retratada em uma história bem conhecida de dois cientistas
que estavam olhando para equações matemáticas no quadro-negro. Um deles disse para o
outro: "O mais deprimente é perceber que em tudo que acreditamos será provado falso
em poucos anos".
Entre todas as teorias que surgiram baseadas na nova visão quantum-relativística, a
teoria holográfica, desenvolvida principalmente pelo neurofisiologista Karl Pribram e pelo
físico David Bohm, trouxe uma contribuição substancial para o conhecimento do homem e
do Universo. Baseados em vários experimentos e principalmente na intuição, estes dois
respeitados cientistas trabalhando de forma independente chegaram à conclusão de que o
Universo se comporta como um holograma. Isto significa dizer que nosso mundo e tudo
nele contido - desde grãos de areia até estrelas gigantes e elétrons em revolução - é apenas
um conjunto de imagens fantasmagóricas, projetadas de um nível de realidade muito além
da nossa, além do espaço e do tempo.
Um holograma, como a maior parte de nós sabe, é produzido quando um único feixe
133
de luz laser é dividido em dois feixes separados. O primeiro feixe incide no objeto a ser
fotografado e é refletido por ele. O segundo feixe colide com o raio refletido do primeiro
feixe. Quando isso ocorre, eles criam um padrão de interferência que é, então, registrado
em um pedaço de filme. Para o olho nu a imagem no filme não parece de maneira
nenhuma com o objeto fotografado. Mas logo que um outro raio laser é projetado através
do filme, uma imagem tridimensional do objeto reaparece.
A tridimensionalidade não é o único aspecto notável de um holograma. Se um filme
holográfico que contém uma imagem de uma pessoa é cortado em dois e então iluminado
por um laser, pode-se verificar que cada metade ainda contém a imagem inteira da pessoa!
Se as metades são divididas repetidamente, a imagem inteira da pessoa pode ainda ser
reproduzida a partir de cada porção do filme. À medida que a porção do filme fica menor,
há uma perda de resolução (as imagens tornam-se menos detalhadas e sua clareza fica
prejudicada). Mas, ao contrário das fotografias convencionais, cada parte de um filme
holográfico contém toda a informação gravada no todo.
O que está registrado em um filme holográfico é uma transformada de Fourier do
objeto original. A informação existente no domínio do espaço-tempo é transportada para o
domínio da frequência, onde os objetos são descritos não por suas coordenadas no espaço
tridimensional e por seu ordenamento no tempo, mas são descritos em termos de fase
relativa e espectro de frequência.
De acordo com o modelo holográfico, o Universo é um mar de ondas em movimento.
Este campo vibrante é percebido por nossos sentidos e, de alguma forma, o cérebro
transforma os padrões ondulatórios em imagens tridimensionais que são projetadas para o
exterior, criando a ilusão da existência de uma realidade concreta em torno de nós. A
mente tem a habilidade de criar imagens que parecem muito reais, mesmo quando os
olhos estão fechados. Quando sonhamos, estamos também projetando imagens que não
são baseadas em qualquer percepção sensorial, mas que nos parecem extremamente reais.
Isto é exatamente o que Blavatsky tentava expressar quando disse:

"O Universo com tudo nele contido é Maya, porque tudo nele é
temporário, desde a vida efêmera de um vaga-lume à do Sol. Quando
comparado com a eterna imutabilidade do Uno, e a invariabilidade deste
princípio, o Universo, com suas formas evanescentes e em constante mutação,
deve necessariamente ser na mente de um filósofo nada mais que um fogo-
fátuo. No entanto, o Universo é suficientemente real para os seres
conscientes que nele estão, que são tão irreais como ele próprio".

Nossos sentidos estão constantemente nos induzindo ao erro, tornando o mundo


projetado por algo concreto e real. Um holograma expõe este fato de forma clara. Quando
tentamos "pegar" uma imagem holográfica tridimensional, o que parecia sólido para os
nossos olhos é sentido pelo nosso tato como sendo um total vazio. Tanto a imagem
holográfica como as imagens criadas em nossa mente por objetos comuns são produto de
uma projeção. O que existe "lá fora" são padrões vibratórios, estímulos, que atuam sobre o
134
nosso aparelho sensório e são interpretados em função de nossa memória, nossa atenção
e nossos condicionamentos.
De acordo com David Bohm, o fluxo sempre em mutação, o holomovimento, é a
realidade essencial. Maya ou ilusão é tornar o mundo projetado de natureza sensorial e
efêmera como sendo a realidade. Este conceito está relacionado com a caverna descrita
por Platão, onde as sombras projetadas são confundidas com os verdadeiros objetos.
Quando dizemos que o mundo sensorial externo é Maya: não queremos dizer que ele
não tem relação com as realidades superiores. Uma sombra, uma projeção, tem alguma
semelhança com o objeto que a originou, mas não pode ser considerada o próprio objeto.
Toda descrição de qualquer verdade não é a própria verdade. Como dizia Korbinsky, o
mapa não é o território. Krishnamurti constantemente afirmava: "A descrição não é o
descrito". Todos os conceitos que apreendemos nada mais são do que sombras de algo que
está além de nossa compreensão.
Devemos ser cuidadosos quando estudamos livros como A Doutrina Secreta. Blavatsky
costumava dizer que a verdade está além de qualquer ideia que possamos formular ou
expressar. O estudo dessa obra deve ser compreendido como uma ferramenta para afiar e
desenvolver a mente e a intuição. Vamos citá-la:

"Venham até a Doutrina Secreta sem quaisquer esperanças de obter


nela a verdade final da existência, ou qualquer outra ideia a não ser a noção
do quanto ela pode conduzir na direção da verdade."

A verdade só pode ser captada através da experiência direta, à medida que vamos
mais fundo até as camadas internas do nosso ser. A Realidade pode ser compreendida à
medida que tentamos alcançar o númeno por detrás do mundo fenomenal, à medida que
nos voltamos para a ordem implícita que é a origem da ordem explícita, à medida que
vemos a unidade que está por trás da multiplicidade e diversidade do mundo, à medida que
vamos além do 'eu', rompendo as limitações do espaço e do tempo; à medida que sentimos
que toda a célula em nosso corpo abarca o Cosmos inteiro.
Este é o significado do famoso poema de William Blake:

"Ver um Mundo em um grão de areia


E o Céu em uma flor selvagem.
Segurar o infinito na palma da sua mão
E a eternidade em uma hora".

135
VIDA MEDITATIVA
Radha Burnier (Índia)

Assim como este Congresso está chegando ao seu final, há um novo começo que surge.
A luz da Teosofia deve brilhar mais ardentemente em todos os países em que está
representada; em todas as partes deve nascer um novo espírito de Fraternidade, em um
nível mais profundo, nossa busca pela Verdade deve ser a mais inegoísta e sincera possível.
O mundo está cheio de sofrimento. Violência, pobreza e desnutrição, drogas, solidão,
lares destruídos, assaltos a mulheres e crianças, torturas de prisioneiros, e outras formas de
sofrimento existem em todo o mundo. Milhões de animais são criados em condições
atrozes para a realização de experiências em laboratórios. Tudo isso é produto colateral de
um grande sofrimento, da falta de Sabedoria na mente humana. As trevas espirituais que
envolvem o mundo nas suas grandes tristezas.
Somos hoje cerca de 35.000 membros em todo o planeta; o que estamos fazendo para
criar um mundo diferente? Quantos de nós somos verdadeiros teosofistas? O mundo
rapidamente se modificaria se assim o fôssemos, pois não há poder maior do que a
Sabedoria. É importante considerar porque fracassamos em tornar-nos teosofistas,
segundo a definição de H. P. B. em sua obra Ocultismo Prático. Ela diz:

"Qualquer pessoa de inteligência mediana e certa inclinação para o metafísico,


qualquer pessoa pura e generosa. que sente mais alegria em ajudar ao próximo do
que em receber ela própria alguma ajuda, que está sempre pronta a sacrificar os
próprios prazeres em benefícios dos outros, que ama a Verdade, a Bondade e a
Sabedoria pelo que elas significam em si mesmas não pelas vantagens que se pode
obter delas - esta pessoa é um teosofista."

Creio que para nos convertermos em verdadeiros teosofistas temos que prestar
profunda atenção à condição humana. Estamos conscientes do caos, da tristeza e do
conflito no mundo, mas apenas superficialmente. Isso não é suficiente. É necessário
entregar nossos corações às necessidades da humanidade, sentir as suas dores. Antes de
sua iluminação, se diz que o Senhor Buda viveu em um palácio magnífico, com todos os
tipos de coisas agradáveis ao seu redor. Mas o clamor da humanidade o comoveu, e fez
com que ele abandonasse tudo em busca do caminho de libertação do sofrimento. Isso
simboliza o que deve acontecer a todo ser humano. Todo aquele que se sente afetado pelo
sofrimento, tende a buscar a Sabedoria e a tentar descobrir a resposta permanente para a
dor do mundo.
Nesta era de pressa, de inquietude e de prazer, é fácil perder a capacidade de ser
reflexivo. Um grande número de pessoas dizem que desejam meditar, mas estes desejos
são frequentemente pessoais. É o desejo de possuir uma nova habilidade, para uma maior

136
satisfação que o mundo não pode oferecer. Mas, poderia ser mais importante, em uma era
de pressões, ir mais lentamente, pensar e sentir mais profundamente. Uma forma de vida
meditativa seria muito mais útil em direção à Sabedoria assim como aprender a prestar
serviços àqueles que sofrem, em lugar de uma meditação, de alguns minutos do dia, apesar
de que ela tenha alguma utilidade.
A Teosofia não pode ser assimilada sem que se viva de uma forma meditativa, porque
o simples conhecimento de fatos não se converte em compreensão, mesmo que seja nos
campos da Ciência, Política, Economia ou outros. O significado dos fatos deve ser
assimilado para que surja a compreensão. De modo similar, a experiência por si mesma não
torna a pessoa sábia. Pode ajudá-la a adquirir Sabedoria mundana, mas não compreensão
espiritual. Hoje em dia há uma busca muito grande de experiências de todo os tipos,
incluindo as transcendentais. As pessoas têm ânsias por sensações, viagens, ideias novas,
mais livros, estados alterados de consciência etc. Estas experiências deixam a maioria das
pessoas como elas são; e até mesmo podem deteriorá-las, de alguma maneira. Somente
quando a experiência é assimilada de forma correta, há crescimento em relação à
Sabedoria.
A assimilação é uma das funções da Natureza. Uma pessoa só pode comer uma certa
quantidade de cada vez, após o que, o alimento é absorvido pela corrente sanguínea. De
modo similar, depois de algumas experiências e atividades durante o dia, o sono é
necessário para por "ordem nas experiências", como diz Krishnamurti. A morte também é
um período belo de suspensão das experiências externas, proporcionando a oportunidade
de absorver o que aconteceu durante o período de vida física. Vivendo uma vida
meditativa, é possível assimilar experiências sem esperar morrer ou dormir.
A forma meditativa requer pausas na atividade e exige reflexão tranquila. Várias vezes,
na obra Luz no Caminho, há instruções neste sentido. Diz-se: "Estas regras foram escritas
para todos os discípulos: Ponha atenção nelas". Alguém pode perguntar: Leria eu este livro
se não quisesse prestar atenção? Talvez não façamos como se deveria. Talvez não
escutemos com uma mente tranquila o que o instrutor diz; não permitamos que os
ensinamentos se aprofundem em nossos corações. "A mente pode reconhecer a verdade,
mas o espírito não pode recebê-la". Algumas vezes se repete o conselho: "não a deixe
escapar", "reflita sobre ela"; "faça uma pausa e considere isto durante um tempo".
Podemos fazer o mesmo com relação as verdades da Teosofia? Devemos buscar e escutar
com um coração aberto e atento para compreender o que é essencial e aprender em
plenitude. Quando a mente é capaz de penetrar no coração de todas as coisas, desperta-se
para novas verdades, indicadas por Tennyson, em seu poema:

"Ó flor que estás nas fissuras do muro,


arranco-te das fissuras,
mantenho-te aqui,raiz e tudo, em minha mão.
Pequena flor, se eu pudesse compreender
que és, raiz e tudo,
e tudo em tudo conheceria Deus e o homem."
137
Sempre quando estamos apressados, executando algo externamente, deixamos de
atuar internamente, o que é necessário para a "perícia na ação", que, segundo o Bhagavad
Gita, é Yoga. Obviamente, não possuímos hoje em dia a capacidade de atuar corretamente.
Tudo que tocamos se converte em um problema. A ação qualificada é necessária para se
criar um mundo de paz e de relações harmoniosas, para a construção de uma sociedade
nobre na qual cada ser humano e mesmo cada criatura vivente floresça para aquilo que
está destinada a se tornar, de acordo com o Plano Divino.
Nos ensinamentos teosóficos, a evolução das formas é o meio para o desenvolvimento
da consciência. A evolução é um processo dinâmico, maravilhoso e assombrosamente
complexo, que se manifesta Universo após Universo, e traz o nascimento de milhares de
criaturas, atuando em diferentes níveis em escalas de tempo, que são surpreendentes. Em
que isto resultará? Qual é o seu propósito? Um propósito projetado pela imaginação
humana, poderia estar além da verdade. É possível que o processo não tenha um
propósito. Acaso um belo por de Sol, com cores sutis, mudando a cada instante, precisa de
um propósito? Qual é o propósito da uma bela noite de luar? Todos os Universos podem
ser somente expressões de inalação e exalação, uma pulsação como o cintilar das estrelas.
Talvez nada possamos fazer exceto ver, escutar e maravilhar-nos. Não estou fazendo
afirmações, mas apenas expressando: Estaremos observando, refletindo, esperando para
compreender?
O Bhagavad Gita menciona seres manifestados que emanam, durante um tempo, do
imanifestado e regressam, depois, ao imanifestado.

"Quanto mais maravilhoso alguém o considera, quanto mais maravilhoso


alguém dele fala. quanto mais maravilhoso alguém o ouve, no entanto, mesmo
o havendo escutado, inegavelmente ninguém o compreende."

Pode ser que, na medida em que se observe com admiração e reverência, com
abertura necessária para ver, a vida seja portadora de um sublime significado, que não
ocorre quando nós ansiamos por obter este significado, contentamento ou algo mais. Olhar
para um ser humano, uma planta, um pássaro ou o que quer que seja, de maneira
meditativa e contemplativa, cria condições para perceber a verdade oculta e saber que a
vida é alegria. James Joyce disse:

"Como você sabe que cada pássaro que cruza os caminhos aéreos é um
imenso mundo de prazer, limitado por seus cinco sentidos?"

Neste grande fluxo da vida há, a todo momento e em cada lugar, um florescimento, um
desabrochar de um esplendor oculto, que normalmente nós não percebemos. Hoje em dia
temos a oportunidade de ver o movimento das ações em câmara lenta, vemos um botão
138
desabrochar-se em flor. Normalmente só percebemos o esplendor no último momento,
quando o produto está pronto, na flor, mas a câmara lenta mostra a beleza extraordinária
que se revela em cada ponto, em cada estágio. Isso está acontecendo à nossa volta, mas
nós não percebemos este movimento de beleza. Quando a consciência humana flui,
desobstruída em relação às ideias, sem o tumulto da memória e coisas do gênero, pode
ocorrer a percepção de que cada e todo átomo na vida está fluindo em direção a um novo
estado de perfeição e percepção.
Se a consciência está embotada, vê inércia em qualquer lugar. Este embotamento
interior faz com que o cérebro imagine que não há vida, mesmo que esta esteja
radiantemente ascendendo a novos níveis de perfeição, a cada momento. Assim, o que tem
vida parece sem vida. Os antigos videntes não falavam da presença ou da ausência de vida,
mas apenas de móveis ou imóveis, porque todas as coisas são cheias de vida aos olhos
destes videntes iluminados. A inteligência universal, o amor onipresente se revelam, em
qualquer ponto do Universo, para uma mente que é serena e clara. Então esta aprende e se
modifica. Aprender é modificar-se e as relações se tornam muito diferentes quando a
beleza e o significado iluminam a mente.
Na relação correta há uma harmônica e mútua ação, que ajuda o desabrochar da
consciência para um estado de maior liberdade e perfeição. Será correto colocar pássaros
em gaiolas? Não. Porque um pássaro cumpre a sua missão de vida através de voar, mover-
se no espaço. A sua evolução está nesta experiência. Quando as pessoas colocam os
animais em cativeiro, os usam em circos de diversões, os estimulam ou amedrontam,
através de ações tolas, como forma de diversão, não compreendem o movimento da vida.
Os teosofistas deveriam se perguntar: É correto mutilar as plantas, preparando árvores em
miniatura, árvores Bonzai? Será que cada árvore não tem o seu desenvolvimento
específico, o seu desabrochar na evolução? Qual deveria ser a nossa atitude em relação às
pessoas que parecem ser menos evoluídas ou capazes? Será que não deveríamos ajudar
estas consciências a se desenvolverem em vez demonstrar intolerância ou impaciência? Luz
no Caminho coloca:

"Tem presente - ó discípulo! - que, por grande que seja o abismo que
existe entre o homem virtuoso e o pecador, é ainda maior entre o homem
virtuoso e aquele que obteve o conhecimento; e que é incomensurável entre o
homem virtuoso e aquele que se acha nos umbrais da divindade. Portanto,
guarda-te de imaginar, antes do tempo, que és alguma coisa distinta da
massa."

Não é nossa tarefa reformar outras pessoas, porque não sabemos como a divindade
interior de cada um, o ser interno, desenvolverá a sua própria beleza extraordinária. Vamos
ouvir o que disse Annie Besant:

“0 Ser em cada um de nós conhece sua própria Senda muito melhor do


139
que o Ser de qualquer outra pessoa que quiser julgá-lo e estabelece o seu
caminho de vida de acordo com o desenvolvimento que ele deseja e precisa.
Ele escolhe a Senda que lhe é mais adequada. "Mas", você pode dizer, "ele
está seguindo o caminho errado". Talvez errado para você, mas certo para ele.
As lições que aquele Ser quer aprender neste presente corpo, quem pode
julgá-las? Conhecemos cada incidente das suas experiências passadas, suas
provas anteriores, fracassos. vitórias, de maneira que possamos dizer o que ele
quer como seu próximo passo de desenvolvimento nesta vida? Esta
experiência. que parece tão terrível, pode ser exatamente a que ele precisa: o
fracasso, que você pode achar tão ruim, pode ser exatamente aquele que o
levará a realizar o sucesso inevitável. Não podemos julgar sequer nossas
próprias vidas, limitados em nossa visão pelo corpo: como podemos julgar a
vida dos outros? Não há lição mais importante que aprender a não tentar
controlar ou moldar os outros de acordo com as nossas próprias ideias. Será
que nunca nos surpreendemos com o fato de que neste mundo, que é de Deus
- haja infinitas variedades de formas e infinitas diferenças de experiências? Por
quê? Porque só nesta infinita diversidade podem os poderes infinitos do Ser se
tomarem manifestos. O que é um erro para nós. cegos e ignorantes, é
exatamente o que se precisa quando visto de uma perspectiva superior."

Realizar a unidade da vida, praticar a Fraternidade universal significa tudo isso e muito
mais. Significa, por exemplo, não se sentir ferido ou ferir. Uma mente reflexiva e meditativa
perguntaria: Quem está ferindo a quem? Se há unidade, não há outro para ferir. Desta
maneira aquele que contempla varre do seu coração os sentimento de mágoa, orgulho,
desejo de posses, querer brilhar. Quem são os outros ante os quais queremos parecer
inteligentes, que achamos que podemos ensinar?
Se nós queremos tornar o mundo mais nobre, não é suficiente ler, falar, teorizar; é
extremamente importante fazermos uma pausa, deter-nos, olhar, sermos reflexivos,
assimilar o significado, a beleza e a verdade. Em outras palavras, aprendermos a ser
meditativos.
Como dissemos, se vemos um lindo pôr do Sol, o que devemos fazer? Nada. Somente
abrir-nos para a maravilha deste momento. Ou seja, - o que temos que fazer na vida - é
aprender a contemplar e a maravilhar-se, porque não há nada a ser atingido. Para aquele
que percebe isto a vida se torna muito simples. Ele pode dizer com Jesus; "Meu jugo é fácil
e a minha carga é leve". Nós temos demasiados alvos, demasiados objetivos para realizar. E
o resultado disto é uma desordem. Se déssemos mais atenção para que pudéssemos
compreender a grande maravilha que é a vida, em todas as suas complexidades,
profundidades, beleza e pureza, não haveria nada que pudesse nos tornar frustrados,
nenhuma razão para conflito. Sejamos todos então mensageiros da Paz e da Verdade e de
uma nova maneira de viver, que não é nenhuma conquista, mas é compreensão. Possa o
mundo todo ser abençoado através do trabalho dos verdadeiros teosofistas.

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