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Teoria da

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Inteligência
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Multifocal e Gestão
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da Emoção
Sociedade do Séc. XXI e Principais Conceitos
do Pensamento Multifocal

Responsável pelo Conteúdo:


Prof. Dr. Augusto Cury

Revisão Textual:
Prof.ª Me. Sandra Regina Fonseca Moreira
Sociedade do Séc. XXI e Principais Conceitos
do Pensamento Multifocal

Fonte: Getty Images


Nesta unidade, trabalharemos os seguintes tópicos:
• A Sociedade do Século XXI;
• A Complexidade dos Relacionamentos neste Século;
• A Virtualidade do Pensamento;
• Pensamento Unifocal X Pensamento Multifocal;
• O Papel da Educação na Formação de Pensadores
e Cidadãos mais Saudáveis.

Objetivos
• Identificar os principais fatores da sociedade atual, que impactam na saúde mental do
ser humano e nos seus relacionamentos;
• Apresentar o conceito da virtualidade dos pensamentos, diferenciando o pensamento
unifocal do multifocal;
• Proporcionar reflexões acerca do papel da educação na formação de pensadores e cida-
dãos mais saudáveis emocional e mentalmente.

Caro Aluno(a)!

Normalmente, com a correria do dia a dia, não nos organizamos e deixamos para o úl-
timo momento o acesso ao estudo, o que implicará o não aprofundamento no material
trabalhado ou, ainda, a perda dos prazos para o lançamento das atividades solicitadas.

Assim, organize seus estudos de maneira que entrem na sua rotina. Por exemplo, você
poderá escolher um dia ao longo da semana ou um determinado horário todos ou alguns
dias e determinar como o seu “momento do estudo”.

No material de cada Unidade, há videoaulas e leituras indicadas, assim como sugestões


de materiais complementares, elementos didáticos que ampliarão sua interpretação e
auxiliarão o pleno entendimento dos temas abordados.

Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de
discussão, pois estes ajudarão a verificar o quanto você absorveu do conteúdo, além de
propiciar o contato com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de
troca de ideias e aprendizagem.

Bons Estudos!
UNIDADE
Sociedade do Séc. XXI e Principais Conceitos do Pensamento Multifocal

Contextualização
Querido aluno, você já pensou no porquê pensa o que pensa? Como se organizam
as informações em nossa memória? Em como, em meio a trilhões de informações re-
gistradas em sua psique, consegue identificar e resgatar informações, em milésimos de
segundos? Já se questionou como seus pensamentos determinam a forma como você se
comporta? Você consegue controlar o que pensa? Pensa ou sente apenas o que deseja
na hora que quer? Consegue parar os pensamentos negativos que invadem e roubam a
sua tranquilidade?

Ninguém consegue interromper a construção de pensamentos. A própria tentativa


de interrupção já é um pensamento. Pensamos dormindo, nos sonhos, pensamos acor-
dados, quando estamos trabalhando, andando e, até mesmo, dirigindo o carro. Pensar é
o destino do homem. Às vezes, pensamos tanto que fazemos grandes viagens sem sair
do lugar. Em algumas situações, ficamos até aborrecidos com nós mesmos, pois não ou-
vimos nada do que as pessoas nos disseram. Por vezes, temos de fazer uma “ginástica”
para elas não perceberem que estávamos viajando no mundo das ideias.

Não controlamos o que pensamos ou sentimos, mas podemos aprender a gerenciar


pensamentos e sentimentos.

Mas como?
Como explorar esse território intangível da nossa psique?

Esta disciplina tem por objetivo oferecer uma base teórica sólida sobre o processo de
construção do Eu e seu papel como construtor e reconstrutor da memória. Sem auto-
consciência desse processo de formação não somos capazes de criticar nossos precon-
ceitos, gerenciar pensamentos perturbadores ou autorregular emoções tóxicas.

A Teoria da Inteligência Multifocal tem como objetivo estudar o processo de constru-


ção do pensamento, os papéis conscientes e inconscientes da memória, os processos de
interpretação e a formação do eu como líder do teatro psíquico. É uma teoria que estuda
as variáveis e os fenômenos conscientes e inconscientes que estão na base da cons-
trução dos pensamentos e dos demais processos psíquicos. Portanto, ela não anula e
nem compete com as demais teorias, mas procura contribuir para criticá-las, reciclá-las,
fundamentá-las e abrir novas avenidas de pesquisa para as demais teorias psicológicas,
filosóficas, sociológicas e educacionais.

Uma das mais importantes explorações do homem, se não a maior delas, é a explora-
ção de si mesmo, do seu próprio mundo intrapsíquico. Aprender a se interiorizar; a criar
raízes mais profundas dentro de si mesmo; a explorar a história intrapsíquica arquivada
na memória; a questionar os paradigmas socioculturais; a trabalhar com maturidade as
dores, perdas e frustrações psicossociais; a conhecer os processos básicos que constro-
em os pensamentos e que constituem a consciência existencial são direitos fundamentais
do homem, desenvolvendo a consciência crítica.

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Portanto convidamos você, caro(a) aluno(a), a fazer a grande viagem para dentro de
si mesmo(a), conhecer o universo psíquico e aprender a gerenciar pensamentos e senti-
mentos que roubam nossa tranquilidade, assassinam nossa força de vontade, detonam
nossa autoestima e nos impede de sermos felizes e plenos.

Nosso objetivo é lhe proporcionar ferramentas e técnicas de gerenciamento de pen-


samentos, emoções e atitudes, de forma que a mente aprenda a trabalhar a favor daquilo
que realmente importa: a vida!

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UNIDADE
Sociedade do Séc. XXI e Principais Conceitos do Pensamento Multifocal

A Sociedade do Século XXI


Vivemos numa sociedade urgente, rápida e ansiosa. A globalização e a interdepen-
dência entre países, sociedades e pessoas, as rápidas transformações nos meios de
comunicação e os avanços científicos e tecnológicos exponenciais, trouxeram grandes
benefícios à humanidade, mas também muitas consequências desastrosas. Nunca as
pessoas tiveram uma mente tão agitada e estressada.

Os homens, em todo o mundo, vivem reféns de suas invenções e de seu trabalho.


Ficar sem sinal de WiFi é enlouquecedor para muitos. Paciência e tolerância estão se
tornando artigos de luxo. Quantas pessoas acessam e-mails e mensagens de trabalho
24 horas por dia, ou em momentos que deveriam ser dedicados à família ou ao lazer?
Vivemos em função das notificações dos celulares. Quantas vezes você já roubou suas
horas de lazer e contato com a família aos finais de semana com trabalho?

Figura 1
Fonte: Getty Images

Para Gilles Lipovestsky, filósofo e professor da Universidade de Grenoble, na França,


vivemos a era da hipermodernidade, no qual impera o hiperterrorismo das hiperpotên-
cias, as hiperclasses, a hiperinformação, o hipermercado, o hiperconsumo, o hiperca-
pitalismo enfim, a hiperabundância de todas as coisas criadas pelo homem a partir das
revoluções filosófica e científica na modernidade.

Ou seja, vivemos impregnados pela lógica do ter!!! Ter coisas, informações, melhores
oportunidades e cargos, ter mais dinheiro, enfim, o Ter sobressai-se à lógica do Ser.
Sendo assim, nossas prioridades mudaram. Cuidamos do motor do carro para não fun-
dir, da casa para não deteriorar, do trabalho para não sermos superados, do dinheiro
para não faltar. Alguns se preocupam com suas roupas, outros, com suas joias e, ainda
outros, com sua imagem social.

Mas qual é o nosso maior tesouro?


O que deveria ocupar o centro de nossas atenções?
O carro, a casa, o trabalho, o dinheiro, as roupas, as viagens?

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Cuidamos de tudo o tempo todo e não cuidamos do que é realmente prioridade, NÓS MESMOS!!!

Conhecemos muitos nas redes sociais, mas raramente conhecemos alguém a fundo
e, o que é pior, raramente conhecemos quem de fato somos, nossos sonhos, fortalezas
e fragilidades. Vivemos sem tempo para cuidar de nossa qualidade de vida e das pessoas
que nos são tão preciosas.

A humanidade tomou o caminho errado, estamos adoecendo rápida e intensamente.


Estamos levando nossa saúde física e psique a um estado de falência, e simplesmente
não estamos percebendo isso.

A nossa vida não tem preço! Muitas vezes, a sociedade moderna banaliza a vida;
no jornal televisivo, a apresentadora comenta sobre a morte de alguém e, em seguida,
anuncia o resultado do jogo de futebol, mudando totalmente a expressão, como se o
fato anterior não tivesse mais o mesmo impacto. Nos filmes, cenas de morte e cenas de
horror parecem banalizadas. As propagandas vendem ilusões e passam a ideia de que
a nossa vida vale aquilo que temos em nossa conta bancária, e o que é mais triste, nós
acreditamos nisso e passamos a dar a nós mesmos o mesmo valor que a sociedade nos
dá. A sociedade não nos dá o valor que merecemos, mas nós também não damos.

Quantas desculpas temos, em nossa mente, para não cuidarmos daquilo que real-
mente importa? Falta de tempo? Falta de dinheiro? Excesso de compromissos? Pensa-
mentos perturbadores que não nos deixam ser felizes? O insulto do outro? Se não der-
mos um choque de gestão psíquica nas desculpas que usamos para não fazermos aquilo
que realmente importa, estaremos fadados a sermos reféns do lixo psíquico do outro, ou
do adoecimento do sistema.

Mas, como fazer isso se não nos conhecemos? Se não conhecemos o processo de
interpretação e de construção dos pensamentos? Se não temos conhecimento das inú-
meras armadilhas mentais que nos aprisionam?

O ser humano, como complexo ser pensante, é um exímio explorador. Ele explora,
ainda que sem a consciência de tal ato, até mesmo o meio intrauterino. E, ao nascer,
e em toda a sua trajetória existencial, explora o mundo que o envolve, o rico pool de
estímulos sensoriais e os interpreta.

Nessa trajetória, ele se torna cada vez mais íntimo do mundo em que está, o extrap-
síquico, mas, ao mesmo tempo, torna-se um estranho para si mesmo. O ser humano
moderno, em detrimento dos avanços da ciência e da tecnicidade, vive a mais angustian-
te e paradoxal de todas as solidões psicossociais, expressa pelo abandono de si mesmo.
Vive, segundo a Teoria da Inteligência Multifocal, a Síndrome da Exteriorização, ou seja,
voltado ao mundo externo, mas não conhece a sim mesmo.

Quem não se interioriza é algoz de si, sofre de uma solidão intransponível e incu-
rável, ainda que viva em multidões. Sua flexibilidade intelectual fica profundamente
reduzida para solucionar conflitos psicossociais, superar contrariedades, frustrações e
perdas. É mais fácil e confortável explorar os estímulos extrapsíquicos, que sensibilizam

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o sistema sensorial, do que explorar os sofisticados processos de construção dos pen-


samentos, o nascedouro e desenvolvimento das ideias, a organização da consciência
existencial, as causas psicodinâmicas e histórico-existenciais das misérias, fragilidades,
contradições emocionais etc.

Da mesma forma, é mais fácil para os líderes reduzirem os conflitos nas organizações
a fatores externos do que a buscar as causas intrapsíquicas que alimentam os problemas
de comunicação com os liderados. Procurar a si mesmo é explorar e produzir conhe-
cimento sobre os processos de construção da inteligência, ou seja, sobre os processos
de construção dos pensamentos, sua natureza, cadeias psicodinâmicas, limites, alcance,
lógica, práxis, bem como sobre a formação da consciência existencial, da história intrap-
síquica arquivada na memória, as bases que sustentam o processo de interpretação e as
variáveis que participam do processo de transformação da energia emocional.

Na próxima unidade, falaremos sobre os bastidores da mente humana, fazendo a


mais impressionante das viagens, a viagem para dentro de nós.

A Complexidade dos
Relacionamentos neste Século
Conviver com o outro nunca foi uma ta-
refa fácil. Contudo, nos últimos anos, termos Relacionar é inevitável, mas que tipo
de relacionamento construímos!
percebido uma dificuldade ainda maior. Esta-
mos cada vez mais estressados, impacientes,
intolerantes, com dificuldades em lidar com frustrações e adversidades. Aliás, se não
conseguimos lidar com nosso próprio Eu, quem dirá com o outro.

Figura 2
Fonte: Getty Images

Nossas relações tornaram-se, na grande maioria, instáveis, desinteligentes, afundadas


no tédio, na reclamação e na intolerância. Ninguém nasceu para viver sozinho, mas
nunca vivenciamos uma época com tanto individualismo.

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Ter relações saudáveis não quer dizer ter amizade com todo mundo e nem agradar
a todos, mas conviver de forma que seu espaço e o espaço do outro sejam respeita-
dos. É possível ter relações saudáveis inclusive com pessoas com quem você convive
e conversa pouco. Precisamos pensar não em “certo” e “errado”, mas em atitudes e
comportamentos que são saudáveis ou não saudáveis para a nossas relações. A re-
lação desinteligente é intensamente instável, enquanto a relação saudável, ainda
que golpeada por focos de ansiedade, tem estabilidade. A relação desinteligente é
saturada de tédio, enquanto a saudável tem uma aura de aventura. Na relação desin-
teligente, um é perito em reclamar do outro, enquanto, na relação saudável, existe
compreensão e diálogo. Na relação desinteligente, as pessoas são individualistas,
pensam somente em si, enquanto, na saudável, as pessoas são generosas e altruís-
tas. Na relação doente cobra-se muito e apoia-se pouco, na saudável, doa-se muito
e cobra-se pouco.

Um exemplo de relacionamento desinteligente é o de pais que são especialistas em


criticar os comportamentos de seus filhos, apontando erros e falhas, mas são incapazes
de perguntar as causas que financiam suas reações, de dialogar abertamente com eles,
de cruzar mundos. Cruzar mundos é escutar atentamente às dores, perdas, sucessos,
necessidades, ideias e sonhos do outro e permitir-se contar as suas. Mulheres e homens
que são extremamente controladores e ciumentos de seus parceiros não entendem que
suas atitudes afastam o outro e destroem seus relacionamentos. Empresários ditadores,
autoritários ou centralizadores, que têm a necessidade neurótica de poder, bloqueiam a
criatividade e a autonomia de seus funcionários, gerando um clima organizacional adoe-
cido e, por vezes, conseguem resultados ineficientes.

Que tipo de relações você desenvolve: saudável ou doente, inteligente ou desinteligente?

Robert Waldinger, psiquiatra americano e professor da Harvard Medical School,


relata as descobertas de um estudo de 75 anos, mapeando as vidas de 268 estudantes
da Grant Study, buscando compreender as relações entre saúde física e mental e entre
saúde e felicidade.

Com esse estudo, descobriram:


• Que não eram as taxas de colesterol que previam quantos anos eles viveriam.
Era muito mais sobre a satisfação dessas pessoas em suas vidas pessoais. As
pessoas mais satisfeitas aos 50 anos eram os mais saudáveis aos 80;
• Que a solidão mata mais que o vício do cigarro e álcool;
• Que a chave para um envelhecimento saudável é ter relacionamentos saudáveis.

O homem não consegue viver só! Os autistas, por exemplo, se isolam não porque
querem, mas porque seus mecanismos de construção do Eu estão comprometidos. Por
terem déficit na atuação do registro da memória e na construção de pensamentos, ima-
gens mentais, fantasias, ocorre também um déficit na formação do Eu e de suas pontes
sociais. O resultado é um isolamento social, com aumento de níveis de ansiedade, ex-
presso por movimentos repetitivos.

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Mesmos os anacoretas, budistas e monges, que se enclausuram para fins místicos,


ainda que não convivam com ninguém fisicamente, convivem com personagens constru-
ídos em seu psiquismo. Criam, inclusive, complexas situações sociais em seu imaginário.

E os pacientes psicóticos, não se isolam? Não. A não ser que tenham uma depressão
gravíssima, catatônica, na qual seus pensamentos foram embotados. Frequentemente os
pacientes em surto psicótico têm uma riquíssima socialização em seu psiquismo, ainda
que perturbadora. Mesmo quando tenham perdido os parâmetros da realidade, cons-
troem em seus delírios e alucinações, múltiplos personagens para romper o cárcere da
solidão social da consciência virtual.

Em mais de 25 anos de estudos, Augusto Cury descobriu que a socialização envolve


necessidades afetivas, a busca de proteção e a promoção da sobrevivência. A primeira
grande causa da socialização humana advém da necessidade de afeto, de inclusão,
de amar e ser amado, de pertencimento. Relacionar-se é uma das melhores coisas da
vida, pois relacionar-se significa compartilhar. Todas as pessoas desejam se relacionar de
forma plena, embora sintam medo de entregar-se por inteiro aos sentimentos, uma das
dificuldades mais comuns nos dias atuais. Relacionar-se é descobrir a individualidade do
outro, é conquistar o território psíquico do outro. E quando você conquista o território
emocional do outro, tem que permitir ao outro descobrir você. Uma das coisas mais
relaxantes de uma relação é ter a convicção de que não somos perfeitos, é saber que
precisamos um do outro.

Figura 3
Fonte: Getty Images

A segunda grande causa da socialização humana se deve às matrizes de janelas


da memória, a MUC - Memória de Uso Contínuo e a ME - Memória Existencial (expla-
naremos a respeito em unidade posterior) e que fundamentam a arquitetura, a represen-
tação e, consequentemente, a importância das pessoas. Não há relacionamentos com
as pessoas apenas porque elas existem, mas porque estão representadas, arquivadas,
na memória.

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Algumas pessoas são ótimas para desenvolver um raciocínio lógico/linear, mas não
sabem interpretar sentimentos, perceber a dor dos outros. Outras são excelentes para
tecer críticas políticas e literárias, mas são inábeis para tecer críticas interpessoais e
construir relações saudáveis. Elas não conseguem encantar, envolver e influenciar seu
parceiro(a), filhos, amigos, colegas de trabalho.

Por sermos seres humanos adoecidos, construímos relacionamentos doentes, nos


aprisionamos em verdadeiras armadilhas da mente que iniciam processos de autossabo-
tagem. Quando não pensamos antes de agir e reagir, quando não refletimos sobre nosso
comportamento, desenvolvemos um olhar unifocal, agimos de forma desesperada e/ou
despreparada. Não compreendemos que tentar prender a pessoa na relação só tende a
afundar a convivência em águas turvas, seja entre amigos, cônjuges, pais e filhos. Mas
quando temos uma autoestima desenvolvida, quando sabemos nosso valor, quando re-
fletimos e criticamos alguns de nossos comportamentos autossabotadores e buscamos
encarar as situações com um olhar multifocal, utilizamos estratégias para ganhar a pes-
soa, e não para mantê-la presa a nós.

Para desenvolvermos relações saudáveis, é preciso um outro tipo de posicionamen-


to, é necessário que façamos questionamentos sobre nossos pensamentos, crenças e
atitudes. Muitos adultos nem chegam a desenvolver a maturidade de gerenciamento do
eu, a maturidade intelecto-emocional; por isso, dificilmente intervêm com consciência
crítica na sua produção clandestina de pensamentos, raramente revisam suas idéias
e padrões de comportamentos e, assim, frequentemente trabalham mal suas dores,
perdas e contrariedades. Essas pessoas, como todo ser humano, têm na rica produção
de pensamentos sua maior fonte de entretenimento; porém, como não amadurecem o
gerenciamento do Eu, eles transformam esta fonte numa fonte de ansiedade. A gênese
de muitas doenças psíquicas e de relações não saudáveis está neste processo. Para de-
senvolver relações saudáveis é preciso exercitar a arte da formulação de perguntas, da
dúvida, da crítica; a busca do caos intelectual, a reciclagem e reorganização contínua do
processo de interpretação; a postura constantemente aberta no processo de observação,
interpretação e produção de conhecimento, capaz de se abrir sempre às novas possibi-
lidades dos fenômenos que contemplamos etc.

Relações saudáveis são fundamentadas em amor, elogio, apoio, diálogo, inteligência,


tranquilidade, generosidade, investimento em sonhos, reconhecimento de erros. Já as
relações não saudáveis são saturadas de atritos, discórdias, cobranças, ansiedade, pren-
dem-se em armadilhas como ciúme, controles, medo da perda, comparações, necessi-
dade neurótica de estar sempre certo. É claro que, por mais saudável e permeada de
amor que seja a relação, de vez em quando ela entrará no terreno dos desentendimentos
ilógicos. Essas crises e dificuldades, se bem trabalhadas, podem temperar e enriquecer
as relações.

A terceira grande classe de causas da socialização se deve à solidão paradoxal da


consciência virtual. Em primeiro lugar, por que solidão paradoxal? Porque é de fato um
paradoxo, um contraste: encontram-se próximos fisicamente das pessoas, mas infinita-
mente distantes delas, aliás, estão distantes de si mesmos.

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Sociedade do Séc. XXI e Principais Conceitos do Pensamento Multifocal

Pesquisa de Michigan revela que mais de 50% da população tem, ou vai desenvolver, al-
gum transtorno psicológico ao longo de sua vida, como a depressão, fobias, transtornos de
ansiedade, entre outros. As pessoas estão sós nos elevadores, no ambiente de trabalho, nas
ruas, nas praças esportivas. Elas vivem ilhadas, suas histórias não se cruzam. Estão sós no
meio da multidão. Pais e filhos raramente trocam experiências de vida. Encontram-se no
mesmo ambiente, compartilham das mesmas coisas, mas não interagem, não falam sobre
si mesmos.
Segundo a OMS (Organização Mundial de Saúde), os brasileiros são os que mais
sofrem com os sintomas depressivos no mundo; 30% dos brasileiros têm ou já ti-
veram sintomas desse grave transtorno psicológico. Mais de 20% dos adolescen-
tes sofrem de depressão, e 27% dos jovens com idade entre 14 e 16 anos sentem-se
deprimidos com frequência. E a depressão é a maior causa de suicídio no mundo:
mais de 800 mil pessoas que acabam com suas vidas todos os anos no mundo – uma
a cada 40 segundos.

Em 2016, o Brasil registrou 11.433 mortes por suicídio – em média, 1 caso a cada 46
minutos, segundo informações do Ministério da Saúde. O número representa um cres-
cimento de 2,3% em relação ao ano anterior. Quantas dessas pessoas atentam contra
sua vida pela dor da solidão?

A Teoria da Inteligência Multifocal retrata quatro tipos de solidão psicológica, socio-


lógica e filosófica. Dois estão ligados ao estado de abandono: a solidão em que os outros
os abandonam e a solidão na qual os próprios indivíduos se abandonam. Já os outros
dois tipos de solidão estão relacionados à solidão social da consciência virtual e à solidão
intrapsíquica da consciência virtual.

O primeiro tipo de solidão advém da dor de ser abandonado por amigos, colegas,
parentes, parceiro(a), filhos. Essa solidão é intensa e cálida, e, embora ocorra a partir
do comportamento dos outros, é
sempre construída em última ins-
tância pelo próprio indivíduo. Sen-
tir-se excluído, preterido, colocado
em segundo plano asfixia o prazer
de viver. Doar-se e não ter o retor-
no, amar e não ser reconhecido, se
entregar e ser traído, são experi-
ências que confeccionam uma dor
emocional dramática, principal-
mente se o Eu se colocar como ví-
tima, como o mais desprivilegiado
dos seres. Um Eu autônomo, ain-
da que sofra o drama da solidão
social, jamais gravita na órbita dos
outros, jamais perde sua liberdade Figura 4
em função de algum abandono. Fonte: Getty Images

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O segundo trata-se da solidão do autoabandono. É a solidão do Eu que desiste de si
mesmo, que se entrega ao seu pessimismo, morbidez, humor depressivo, fobia social, agora-
fobia, obsessão, impulsividade, timidez grave. Essa solidão é muito mais angustiante do
que a social, e pode ser um estágio mais avançado dela.

Se o mundo me abandona, mas eu não me abandono, a solidão é suportável, mas


se as pessoas me rejeitam e eu também me desprezo a solidão é intolerável. (CURY,
2013, p. 58)

Pessoas cronicamente deprimidas podem se auto abandonar por acreditar que estão
condenadas a viver miseravelmente, que jamais resgatarão o prazer do viver estável e
duradouro. Do mesmo modo, pacientes portadores de síndrome do pânico, anorexia
nervosa, transtorno obsessivo, farmacodependência e outros transtornos que se arras-
tam durante anos, poderão entrar na esfera da inércia e se auto abandonar.

Há pessoas que tiveram dois ou três fracassos profissionais e se abandonam, acham-se


incapazes, programadas para o derrotismo. Há outras que passaram por uma sequência
enorme de fracassos, mas não desistiram dos seus sonhos, nem chafurdaram na lama do
conformismo. O Eu que se auto abandona tem crenças terríveis e falsas, entre as quais que
esgotou o leque de tentativas de superar seus conflitos, que não encontrará dias felizes.

A pior doença não é doença do doente, mas o Eu do doente. Por mais grave e crô-
nica que seja uma doença, o Eu tem um potencial para reeditar o filme do inconsciente,
reorganizar as janelas traumáticas poderosas e reescrever sua história.

O terceiro e o quarto tipo solidão referem-se a uma experiência mais íntima, incom-
preensível e impactante. É a solidão da consciência virtual do pensamento.

A Virtualidade do Pensamento
O ser humano tem a tendência de acreditar fielmente em seus pensamentos, e toma
decisões embasado nesta confiabilidade. No entanto, nossos pensamentos são virtuais,
ou seja, imagens que não incorporam a realidade do objeto pensado. São produtos da
interpretação que fazemos da  realidade  e não a realidade em si. Temos apenas uma
interpretação desta, de acordo com as nossas experiências, valores e crenças. Além
disso, os pensamentos produzidos sofrem múltiplas contaminações e, por isso, jamais
poderiam ou deveriam servir como verdades absolutas.

Qual a distância entre um pensamento e um objeto pensado? Entre, por exemplo, o que um
pai pensa de um filho e o que realmente ele é?
O que um professor pensa a respeito de seus alunos?

Os seres humanos vivem em universos paralelos por causa da natureza virtual da


consciência existencial. Entende-se as ideias, emoções, expectativas, sonhos, pesadelos
dos outros, mas vive-se em mundos mais distantes do que o imaginado. Entre o Eu e o
Outro existe um anti-espaço, ou seja, um mundo psíquico intransponível que me separa
do que penso do outro e do mundo.

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Sociedade do Séc. XXI e Principais Conceitos do Pensamento Multifocal

Pais e filhos, professores e alunos, executivos e funcionários, médicos, psicólogos e


pacientes, vivem numa solidão muito maior do que acreditam ou sentem. Não me refiro
à solidão social, à solidão do abandono físico ou do autoabandono, mas à solidão gera-
da pela natureza virtual dos pensamentos conscientes: o dialético e o antidialético, que
estudaremos logo mais.

Todas as relações que construímos ou criamos em nosso psiquismo têm por objetivo
superar a solidão paradoxal da consciência virtual. De acordo com a teoria da Inteli-
gência Multifocal, o ser humano não é um ser social porque ele é educado para sê-lo,
pelas necessidades afetivas, de cooperação e sobrevivência, e nem somente pelo pool
de experiências arquivadas no córtex cerebral ao longo do processo de formação da
personalidade, mas pela ansiedade vital intrínseca e inconsciente de romper o cárcere
da virtualidade da consciência.

A solidão social paradoxal é o terceiro tipo de solidão do ser humano: estar perto fisi-
camente das pessoas com as quais convivemos, mas imensamente distantes em relação
à natureza dos pensamentos.

A consciência virtual não apenas nos distancia do mundo em que estamos, mas tam-
bém do mundo que somos. Tudo o que pensamos sobre nós mesmos é um sistema que
conceitua, define e tenta caracterizar-nos, mas nunca alcança a nossa realidade intrínseca,
em destaque a emoção. Esse é o quarto tipo de solidão enfrentado pelo Homo sapiens,
essa espécie incrivelmente complexa e dramaticamente solitária, a Solidão Virtual do Eu.

A virtualidade dos pensamentos pode nos abalar, mas, sem ela, jamais seríamos uma
espécie pensante, não desenvolveríamos uma consciência existencial tempo espacial,
nunca resgataríamos o passado, e menos ainda pensaríamos no futuro. Somente na
esfera da virtualidade os pensamentos conscientes se libertam da realidade concreta e
permitem ao ser humano pensar, imaginar, criar, construir.

Contudo, enquanto a liberdade criativa e a plasticidade construtiva virtual trouxe-


ram alforria para o imaginário humano, também o colocaram numa grande armadilha.
Como não é conhecida a realidade do objeto pensado, é possível fazer diagnósticos
completamente errados sobre ele. Pode-se fazer julgamentos, análises, observações dis-
torcidas. A esfera da virtualidade liberta o Eu, mas paralelamente exige dele pensar com
maturidade para prevenir atrocidades.

Figura 5
Fonte: Getty Images

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Pais e professores conhecem seus filhos e alunos a partir de si mesmos, e não a
partir da realidade psíquica deles. Aqui, há dois grandes problemas: além da distância
intransponível gerada pela sua natureza virtual, a construção do pensamento está
sujeita há inúmeras distorções, o que expande esse distanciamento. O processo de ela-
boração dos pensamentos está invariavelmente contaminado pelo estado de estresse,
ambiente social, emoções, cultura. A verdade, portanto, é inalcançável pelo mundo
dos pensamentos.

Educadores que conhecem minimamente as armadilhas do ato de pensar julgarão


menos e compreenderão mais, serão mais ávidos em abraçar e mais lentos para rejeitar,
investirão não apenas nos alunos que tiram as melhores notas, mas nos que têm péssi-
mo desempenho, saberão colocar limites para formar mentes livres e não servos para
obedecer a ordens.

Mas, por que há tantas pessoas radicais nas sociedades modernas? Porque o Eu delas
foi mal construído e, como tal, usam o ato de pensar com atributos que o pensamento
jamais teve. O pensamento consciente é virtual, jamais incorpora a verdade essencial,
mas as pessoas extremistas, fundamentalistas, preconceituosas, dão um status real ao
pensamento virtual para excluir e ferir os outros. Essa é uma das maiores emboscadas
que o Homo sapiens cai ao longo do processo de formação da sua personalidade.

Nada é tão inteligente quanto, ao invés de apontar rápida e rispidamente a falha de


alguém, procurar ampliar a área de leitura da memória, expandir as dimensões do ra-
ciocínio e procurar entender quem falhou, como falhou, porque falhou, em que circuns-
tância falhou, que emoções sentia no momento da falha, qual seu grau de consciência
sobre as consequências de seus comportamentos. As relações sociais deveriam sair das
raias do raciocínio simples/unifocal para caminhar na pista da produção mais nobre do
raciocínio complexo/multifocal.

Romances são destruídos pelo excesso de julgamentos, de apontar erros e de ex-


cluir. Homens e mulheres não têm consciência de que pensar é um processo virtual
e, por causa disso, usam seus pensamentos para invadir e controlar seus parceiros
ou parceiras. Relações entre pais e filhos são debilitadas porque grande parte das
correções que os pais fazem é destituída de um raciocínio mais elevado. Um educador
brilhante sabe que nunca atingirá a realidade essencial dos seus filhos e alunos, mas
apesar dessa gritante limitação, poderá encantá-los com gestos, diálogos, sensibilida-
de, elogios. Poderá plantar pensamentos de grande impacto emocional com o poder
de alicerçar seu Eu.

Quem tem consciência sobre a virtualidade dos pensamentos e de seus processos


construtivos é muito mais cuidadoso em julgar e mais habilidoso em se proteger. Sabe
que entre ele e os outros existe uma barreira invisível, virtual, que o Eu desconhece
e, por desconhecê-la, não a utiliza. Nenhuma ofensa, decepção, traição, provocação,
pode atingir, a não ser que se permita, pois os mundos psíquicos não se comunicam
essencialmente. A raiva e a ofensa do outro, por palavras ou gestos, não tem poder de
me machucar, a não ser que eu permita, pois são frutos do pensamento e sentimento
deste outro.

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Sociedade do Séc. XXI e Principais Conceitos do Pensamento Multifocal

O Eu que desconhece a barreira de proteção virtual paga caríssimo pelas frustrações


causadas pelos outros. Algumas pessoas, nesse exato momento, estão querendo matar
seu ofensor, ou morrer porque foram humilhadas, sem saber que toda dor que estão
sentindo foram elas mesmas que criaram. Aprender a não gravitar na órbita dos outros
é fundamental para ter uma mente livre.

O pensamento consciente, embora nunca atinja a realidade essencial do objeto pensa-


do, pode se “aproximar” dele se, diminuindo ao anti-espaço, quando o Eu, nossa consciên-
cia crítica, desenvolve múltiplas habilidades, como raciocinar multifocalmente, aprendendo
a questionar suas verdades e crenças, permitindo-se conhecer o outro mais profundamen-
te, entender o que pode estar por trás dos comportamentos do outro e dos seus próprios.

Pensamento Unifocal X
Pensamento Multifocal
O raciocínio simples é produzido por pensamentos simples e lineares, pautados pela
ação-reação, estímulo-resposta, unifocalidade, por isso também é chamado de racio-
cínio unifocal. O raciocínio unifocal vê os fenômenos por um único ângulo, enquanto
o raciocínio multifocal abrange múltiplos focos e múltiplas formas de organização dos
dados, e, por isso, ele pode ter baixa, média e alta complexidade.

O pedido/ordem de uma criança ao observar um brinquedo numa loja: “mamãe, eu


quero esse brinquedo” expressa um raciocínio simples, pois tem elevada taxa de objeti-
vidade, enquanto um pedido/pergunta/solicitação que diz: “mamãe, você pode me com-
prar esse brinquedo?” é um raciocínio que tende à complexidade, pois tem significativa
taxa de subjetividade e inferência, decorrentes de rápida e sofisticada análise dos seus
limites e da necessidade de concordância da mãe.

Na tabela abaixo, discrimino as diferenças entre o pensamento/raciocínio unifocal


e multifocal.

Tabela 1
Indivíduos que usam o raciocínio unifocal Indivíduos que usam o raciocínio multifocal
Ancoram-se exclusivamente no território da lógica ou da Ancoram-se no território do raciocínio multifocal, isto é,
emoção, isto é, sua forma de ver o mundo e interagir é ampliam sua visão, interpretam crenças, protegem a emoção
predominantemente lógica ou emocional, o que traz diversos e conseguem tomar decisões e construir relacionamentos
problemas nas relações e na solução de conflitos. com base no diálogo construtivo entre os dois territórios.
Diante de um evento, enxergam por múltiplos ângulos a
Diante de um evento, enxergam por um único ângulo a
questão, fazem perguntas, buscam compreender o contexto,
questão, não percebendo as variáveis, por isso, são rápidos
desejam conhecer as variáveis e analisar o todo, por isso, são
em julgar.
criteriosos ao emitir uma opinião.
Por enxergarem sob um único ângulo a vida, não
questionam, em geral, suas verdades, costumam irritar-se se Questionam suas verdades, desenvolvem capacidade de
confrontados, pois não desenvolveram a capacidade de olhar autocrítica, de expor e não impor suas ideias.
de forma mais ampla.
Não pensam nas consequências de suas atitudes porque são Desenvolvem a capacidade de pensar antes de agir e reagir,
reféns de seus territórios, ou extremamente racionais ou pois buscam equilibrar a razão com sensibilidade, e a emoção
dominados por impulsos e emoções. com capacidade crítica.

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Indivíduos que usam o raciocínio unifocal Indivíduos que usam o raciocínio multifocal
Seja pelo excesso de lógica ou pela hipersensibilidade Desenvolvem empatia para se colocar no lugar do outro,
emocional, não sabem se colocar no lugar dos outros. buscam compreender o ponto de vista do outro.
Por terem uma visão multifocal, questionam suas crenças,
Por terem uma visão rígida e unifocal dos fatos, emoções e o que o outro afirma sobre verdades absolutas,
exclusivamente lógico ou emocional, são mais manipuláveis. portanto, protegem-se mais de manipulações intrapsíquicas
e externas.
Aprimoram o raciocínio complexo, analisando múltiplas
Por todos os motivos expostos acima, o tipo de raciocínio que
variáveis sobre o mesmo fenômeno e, por isso mesmo,
desenvolvem é simples, excluindo variáveis e complexidades,
diminuem as probabilidades de interpretações distorcidas,
sendo passível, por isso mesmo, de interpretações distorcidas.
equivocadas e decisões apressadas.

Para entendermos um pouco mais a respeito deste tema, convido você, a assistir o vídeo,
disponível em: http://bit.ly/35yPFRg

‘Zoom’ é um livro do artista húngaro Istvan Banyai (2008) composto só por imagens
que, pouco a pouco, vão dando uma visão mais ampla do mesmo contexto como se
estivéssemos a reduzir o zoom. 

Cada imagem é parte de uma outra imagem, num conjunto que vai passando a ser
cada vez menos importante, à medida em que fazemos o recuo.

Esse vídeo nos traz várias reflexões, mas falaremos de três neste momento.
• 1° A importância de exercitar a prática de observar os detalhes, conhecer a fundo
uma situação. É imprescindível olhar para os detalhes, por exemplo, de uma tarefa
que está por fazer, o manual de algum equipamento, ou perceber os mínimos de-
talhes na expressão facial ou corporal de alguém com quem se está conversando;
• 2° É preciso tomar consciência de que, mesmo que tudo pareça tão grande,
sempre existe algo maior. Compreender que os fatos da vida são mais comple-
xos do que aparentam ser. Às vezes, julgamos as pessoas por suas aparências
ou atitudes, mas esquecemos que o ser humano é extremamente complexo e
que, por trás das ações e reações de cada um existem inúmeras variáveis;
• 3° É necessário desenvolvermos um olhar crítico sobre tudo que acontece em nos-
sa volta, ampliar nosso campo de visão e avaliar a situação por vários ângulos e
pontos de vistas, para entendermos melhor o contexto. Quando focamos em algo
que limita nosso campo de reflexão, podemos perder outras perspectivas e fatos
que acontecem ao redor. Ou, quando interpretamos um fato pela aparência sem
avaliar os detalhes, podemos incorrer em erros grandiosos. Uma visão unifocal,
não permite ver o todo, ampliar as percepções e ver o que está por detrás dos com-
portamentos nossos e dos outros. Fomos educados a ver e pensar de forma linear
(causa e efeito) e não sistêmica (inúmeras causas e possibilidades).

Uma das características de nosso tempo, como vimos, é a velocidade das informa-
ções, o aceleramento das mudanças e as exigências cada vez maiores para que tenha-
mos que dar conta de tudo ao mesmo tempo, além do adoecimento psíquico que essa
velocidade tem causado em muitos. Além disso, muitas pessoas têm desenvolvido um

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Sociedade do Séc. XXI e Principais Conceitos do Pensamento Multifocal

padrão de comportamento unifocal no que diz respeito à ação. Como nossa sociedade
valoriza muito a ação, o executar, o produzir, o fazer cada vez mais, acabamos por
tomar decisões rápidas, aceleradas, sem avaliarmos as causas e as consequências de
nossos atos.

Isso tem acontecido com você?


Quantas vezes suas decisões são feitas de forma unifocal, sem levar em conta outros aspec-
tos que envolvem a situação?
Quais perdas você já teve por pensar e agir desta forma?

Vamos falar um pouco sobre os tipos de pensamentos que são construídos em


nossa psique.

Na Teoria da Inteligência Multifocal identificamos três tipos de pensamentos: o pen-


samento essencial, o dialético e o antidialético.

O pensamento essencial é inconsciente, enquanto os outros dois são conscientes. Quan-


to à natureza dos pensamentos, são classificados em real/essencial e virtual/imaginário.

O Pensamento Essencial é a cadeia de pensamento inconsciente (matrizes de có-


digos essenciais). É a base real, concreta do pensamento, que gera os pensamentos
Dialético e Antidialético.

O Pensamento Dialético é desenvolvido na infância por meio do processo de mi-


metização ou cópia sistemática dos símbolos da linguagem. Contudo, as palavras não
traduzem com justiça todos os nossos pensamentos e sentimentos, todos os nossos
conflitos internos ou a dor psíquica. Por isso, não é simples, por exemplo, o tratamento
psicoterapêutico, pois o paciente não consegue traduzir o intraduzível. O pensamento
dialético é linear, descritivo e lógico.

Já o Pensamento Antidialético começa quando a criança passa a ter contato com


o mundo das imagens físicas. Por isso, nosso imaginário se traduz, frequentemente, por
imagens mentais. Por meio do pensamento antidialético imaginamos o futuro, resgata-
mos o passado, construímos personagens nos sonhos. Essa forma de pensar não é line-
ar como no caso do pensamento dialético, não trabalha com as mesmas codificações e
linguagens que o pensamento dialético. A linguagem dos pensamentos antidialéticos se
dá por meio do pensar em forma de cores, formas, imagens, sentimentos, inspirações,
sentido da vida, prazeres, angústias e outros.

Uma das grandes contribuições da Inteligência Multifocal à formação de pensadores


é ter resgatado a importância dessa forma de pensar para a educação. Pensamos pri-
meiro na forma de imagens, cores, movimentos, sons, prazeres, emoções, e só depois
codificamos algumas experiências. Com o tempo, a educação clássica, bem como nossa
cultura, passa a valorizar muito mais o pensar dialético (linear), do que o pensamento
antidialético (não linear). O que a Teoria da Inteligência Multifocal tem descoberto, con-
tudo, é que o pensamento antidialético deveria ser muito mais explorado na educação
do que tem sido, pois é ele, e não o dialético, que mais libera a capacidade criativa e a
habilidade para resolver problemas.

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O Papel da Educação na Formação de
Pensadores e Cidadãos mais Saudáveis
Os pensadores estão morrendo. Os estudantes, no mundo todo, estão se tornando,
em sua grande maioria, do ensino fundamental à universidade, uma massa de repetido-
res de informações, e não de pensadores que amam a arte da crítica e da dúvida.

A educação clássica transformou a memória humana


num banco de dados e ocupa um espaço precioso com Memória é diferente de
capacidade de pensar!
informações pouco úteis, ou até inúteis.

O objetivo máximo da educação não é entulhar o cérebro com milhões de informa-


ções, as quais não são organizadas, assimiladas, nem trabalhadas, tornando o aluno
apenas um receptor passivo. Deveria, por sua vez, formar engenheiros de ideias, cida-
dãos que saibam transformar informações em conhecimento, conhecimento em expe-
riência e experiência em sabedoria. Aquilo que determina nosso futuro profissional/so-
cial/emocional é o desenvolvimento do raciocínio complexo. Ou seja, estamos diante de
concepção clara de que a educação tem o papel maior de provocar mentes investigativas
que possibilitem às pessoas buscarem compreensões e respostas sempre novas diante
de contextos e problemáticas em constante transformação e também sempre novos.

Figura 6
Fonte: Getty Images

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Sociedade do Séc. XXI e Principais Conceitos do Pensamento Multifocal

Para Vygostky (1896-1934), o educador tem o papel de desafiar, mediar e provocar


situações que levem os alunos a aprenderem a aprender.

A educação tem como missão transformar o homem em sujeito de sua própria his-
tória. O educador deve ser um mediador entre o aluno e a aprendizagem, promovendo
sua capacidade de análise e reflexão frente às diversas circunstâncias vivenciadas e in-
formações recebidas.

Contudo, o sistema educacional está doente. A melhor maneira de produzir pessoas


que não pensam é nutri-las com um conhecimento sem vida, despersonalizado. Existem
materiais didáticos belíssimos que expõem o conhecimento, mas desprezam a história
dos cientistas. Oferecem o conhecimento de forma fragmentada, diretiva e unifocal,
portanto, não libertam a criatividade e a imaginação, indispensáveis para a produção de
novos saberes. Transmitem o conhecimento em sala de aula, mas raramente comentam
sobre a vida do produtor do conhecimento. As informações sobre química, física, ma-
temática, línguas deveriam ter um rosto, uma identidade. O que significa isso? Significa
humanizar o conhecimento, contar a história dos cientistas que produziram as ideias
que os professores ensinam. Significa ainda relatar as dificuldades e as discriminações
que sofreram. Por trás de cada informação dada com tanta simplicidade em sala de aula
existem as lágrimas, as aventuras e a coragem dos cientistas. Mas os alunos não conse-
guem enxergá-las.

A versão final dos Parâmetros Curriculares Nacionais (Brasil, 1998) propõe a contex-
tualização e a transversalidade como meios de motivar o aluno e dar significado ao
que é ensinado em sala de aula. Um dos enfoques dos PCN é a cidadania. Faz parte
das diretrizes curriculares a formação de um cidadão pleno, capaz de interferir no
mundo em que vive, melhorando-o. Para interferir no seu mundo, torna-se necessá-
rio visualizar diferentes soluções para um mesmo problema, optando por aquela que
for mais coerente. Para isso, não resta dúvida, é necessário que o “cidadão” formado
pela escola tenha muito conhecimento, mas também que saiba usar esse conheci-
mento. Então, segundo os PCNs, a escola deve englobar questões sociais e problemas
cotidianos do educando, para que os objetivos de educação sejam atingidos. Ou seja,
a contextualização do conhecimento tornou-se um dos principais conceitos dos PCN.
BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais. Brasília: MEC/SEF, 1998.

É necessário ultrapassar o conteúdo programático. Encontrar espaços para humani-


zar o conhecimento, humanizar sua história e estimular a arte da dúvida. Seus alunos
não só darão um salto intelectual, como terão vantagens competitivas. Serão empreen-
dedores, saberão fazer escolhas, correrão riscos para concretizar suas metas, suportarão
os invernos da vida com dignidade. Terão menos possibilidades de desenvolver conflitos.
Serão mais saudáveis emocionalmente.

Encontrem oportunidades dentro da aula, e junto a seus filhos, para falar por alguns
minutos sobre os problemas, metas, fracassos e sucessos que tiveram na vida. O resul-
tado? Vocês educarão a emoção. Alunos se identificarão com a matéria que vocês en-
sinam, terão apreço por suas aulas. Filhos se identificarão com o ser humano que você

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é, entenderão que falhar pode gerar, em certas situações, uma experiência mais rica do
que acertar. Precisamos falar das nossas vitórias, mas também das nossas frustrações.
Influenciamos muito mais o outro pelo que somos, e não pelo sabemos.

Outro ponto importante é o fato de oferecermos conteúdos prontos e formatados,


proporcionando pouco espaço para a arte de pensar. E a resposta pronta esmaga a arte
da pergunta, retrai a arte da dúvida, esgota a curiosidade e a criatividade e, consequen-
temente, a motivação em aprender.

A motivação para aprender está ligada ao desafio, à curiosidade, à presença de ele-


mentos que nos permitam encontrar respostas. Quando temos uma resposta pronta não
há motivação, e quando o desafio está acima das nossas capacidades, quando não temos
elemento nenhum para nos guiar, também perdemos a motivação.

Muitos educadores têm feito a diferença em suas salas de aula e, principalmente,


nas vidas de seus alunos. Na disciplina Práticas de Educação Socioemocional –
Case Escola da Inteligência, você terá a oportunidade de conhecer muitas dessas
experiências inovadoras.

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Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

Livros
Revolucione sua Qualidade de Vida
CURY, A. Revolucione sua Qualidade de Vida. 1ª Edição. Editora Sextante, 2011.

Vídeos
Relações Interpessoais
Palestra de Robert Waldinger para o TEDx.
https://youtu.be/KSQFijMC3ao

Filmes
Ponto de Vista
Diretor: Pete Travis.
Sinopse: Os agentes do Serviço Secreto Thomas Barnes e Kent Taylor, um turista ame-
ricano e outras testemunhas têm pontos de vista diferentes sobre o atentado de assas-
sinato ao Presidente dos Estados Unidos em sua chegada à Espanha para fazer um
discurso contra o terror da guerra.

Leitura
Reportagem sobre O Fenômeno Global do Suicídio
https://bit.ly/2Fz3qot

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Referências
BANYAI, I. ZOOM. São Paulo: Editora Brinque Book, 2008.

BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais. Brasília: MEC/SEF, 1998.

CURY, A. Ansiedade: como enfrentar o mal do século. São Paulo, Editora Saraiva, 2013.

CURY, A. Inteligência Multifocal: Análise da construção dos pensamentos e da forma-


ção de pensadores. São Paulo: Editora Cultrix, 2006.

CURY, A. Gestão da Emoção. São Paulo: Editora Saraiva, 2015.

CHARLES, S.; LIPOVESTSKY, G. Os Tempos Hipermodernos. São Paulo: Editora


Barcarolla, 2004.

FROMM, E. Análise do homem. Rio de Janeiro: Zahar, 1960.

GARDNER, H. Inteligências Múltiplas: a teoria e a prática. Porto Alegre: Artes


Médicas, 1994.

GOLEMAN, D. Inteligência Emocional. Rio de Janeiro: Objetiva, 1995.

HALL, L. Teorias da personalidade. São Paulo: EPU, 1973.

VYGOTSKY, L. S. Uma Perspectiva Histórico-Cultural da Educação. São Paulo:


Editora Vozes, 2011.

Sites visitados
<https://novaescola.org.br/conteudo/274/vygotsky-e-o-conceito-de-aprendizagem-me-
diada>. Acesso em: 15 de setembro de 2019.

Reportagem sobre índice de Suicídios divulgados pela OMS, disponível em https://noti-


cias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/afp/2019/09/09/oms-alerta-que-800-mil-pesso-
as-cometem-suicidio-por-ano-no-mundo.htm

visto em 15 de setembro de 2019

<www.nononoon.com.br> Acesso em xx/xx/xxxx

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