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TRADICIONAIS
VISTAS A PARTIR DO
ENFOQUE
LINGUÍSTICO
©2018 Copyright ©Católica EAD. Ensino a distância (EAD) com a qualidade da Universidade Católica de Brasília
Apresentação
Olá, seja muito bem-vindo(a)!
Esta Unidade está organizada em quatro seções que abordam, na sequência, os seguintes
conteúdos:
Objetivos
Apresentar a discussão da filosofia da linguagem com as concepções tradicionais a
respeito de como se dá a referência aos objetos.
Entender a distinção entre significado e objeto.
Compreender de que maneira o enfoque linguístico supera o problema de uma
compreensão objetiva do significado.
Conhecer a divergência entre uma concepção semântica e uma concepção
pragmática do significado.
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Desafio
Como desafio para esta Unidade, descubra ao menos um filósofo além daqueles que foram
mencionados no texto, que aceitou a teoria das descrições definidas de Bertrand Russell
como a explicação correta para o problema discutido.
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Conteúdo
Teorias descritivistas e não descritivistas da referência
Importa perceber, no entanto, que estas concepções pressupõem uma compreensão de que
nossa linguagem possui uma estrutura que permite que façamos referência a objetos. Estas
concepções foram desenvolvidas de muitas maneiras, pois foram dadas explicações
diferentes a respeito de que maneira ocorre esta referência da linguagem às coisas. Alguns
antecedentes teóricos dessa problemática apontam para uma concepção empirista de
acordo com a qual nossa relação com os objetos se dá por intermédio de nosso aparato
sensorial, nossos sentidos. Visão, audição, tato, olfato e paladar constituem o modo pelo
qual os objetos são apreendidos. Estamos fazendo, deliberadamente, uma alusão ampla e
indeterminada de alguns caracteres gerais do enfoque empirista, pois se formos investigar
mais detalhadamente, perceberemos uma grande variedade de teorias explicando como se
dá tal relação. Podemos dizer, então, que esta relação direta com os objetos por meio dos
sentidos resulta em um problema filosófico que consiste no seguinte: se posso ter certeza
de minha relação com os objetos na medida em que eles estão sendo apreendidos pelos
sentidos, como me relaciono com os objetos quando eles não estão diante de mim? Para
isso, a filosofia ofereceu uma resposta que, também em linhas gerais, consiste em afirmar
que, quando um objeto é apreendido pelos nossos sentidos, então também formamos dele
uma imagem mental, podemos novamente torná-lo presente, mas apenas em nossa mente,
o objeto é representado. Há os objetos presentes diante de mim e os objetos representados
em minha mente. Esta teoria diz que, se aquilo que eu afirmo da representação (do objeto)
em minha mente está de acordo com aquilo que meus sentidos apreendem, então a minha
afirmação é verdadeira. Há uma correspondência do dito com a representação e desta com
o objeto real, tal como ele é em si mesmo.
Até o momento presente, tudo o que considerei mais verdadeiro e certo, aprendi-o
dos sentidos ou por intermédio dos sentidos; mas às vezes me dei conta de que
esses sentidos eram falazes, e a cautela manda jamais confiar totalmente em
quem já nos enganou uma vez. (p.250).
Esta afirmação já se encontra na primeira das seis meditações que compõem a obra,
denotando a pressa de Descartes em livrar-se de um ponto de partida empirista como algo
digno de confiança.
Qual seria o papel da linguagem para uma questão deste tipo? A resposta mais óbvia e
talvez a mais intuitiva está em dizer que nós falamos das coisas, dos objetos, do mundo e
de toda e qualquer coisa e, portanto, nossa linguagem de algum modo serve para fazer
referência a tudo isto. Em que consiste, no entanto, esta relação entre a linguagem e o
mundo? Pressupor que há uma relação entre a linguagem e o mundo é um ponto de partida
livre de discussões? Uma teoria não deveria justamente explicar isto em vez de apenas o
pressupor? Como podemos ver, a questão da linguagem apenas aparece indiretamente
quando se pergunta pela verdade do que é enunciado a respeito dos objetos reais ou de
suas representações. O foco está em dar uma explicação do que são as representações e
de como elas concordam com aquilo de que são representações.
Podemos dar um passo em direção à questão da linguagem quando, em vez de falarmos
apenas das representações como substitutos dos objetos reais, passamos a falar também
das palavras e expressões que empregamos para nos referirmos a tais objetos ou mesmo
para nos referirmos a tais representações de objetos. Estas expressões referem-se a ou
estão no lugar dos objetos. Por exemplo, a palavra “mesa” refere-se à mesa. O nome “César”
pode referir-se ao famoso imperador romano. Quando dizemos que uma palavra está no
lugar de um objeto, no entanto, estamos empregando uma metáfora, pois as palavras não
ficam no lugar dos objetos. O que queremos dizer é que, ao empregar a palavra “mesa” para
referir-me ao objeto mesa posso fazê-lo sem que esteja diante de uma mesa. Posso falar de
modo tão amplo quanto “Algumas mesas têm quatro pernas!”, “Uma boa mesa tem de ser
plana e nivelada!”, “A mesa da casa de minha avó é maior do que a mesa lá de casa”, “Esta
mesa é de madeira.”, etc. A palavra “mesa”, portanto, tem esta característica de permitir que
façamos referência ao objeto mesa independente de estarmos diante de alguma mesa. Isto
é parecido com o que se queria dizer com o conceito de representação, pois ele funcionava
como um equivalente do objeto real, mas estava presente apenas na mente. Refiro-me,
então, a um objeto e, além disso, posso descrever suas propriedades dizendo, por exemplo,
que a mesa é de madeira. Ser de madeira e não de metal é uma propriedade ou um atributo
daquela mesa em comparação com aquela outra, assim como ser baixa ou alta, ser nivelada
e plana, ser grande ou pequena, redonda ou retangular.
No lugar de que, porém, estaria o predicado? Se o sujeito refere-se aos objetos, o predicado
deve, consequentemente, referir-se às propriedades destes objetos. Ser redonda ou
quadrada, plana, nivelada, de madeira, etc., podem ser atributos de uma mesa. Sabemos, no
entanto, que estas mesmas características podem aplicar-se a outros objetos. Tanto de uma
viga em uma casa quanto de uma cadeira dentro dela podemos dizer que são niveladas e
outras tantas coisas. Os predicados nos auxiliam a classificar e descrever os objetos. Se
digo para uma criança que vamos separar os brinquedos de plástico dos brinquedos de
metal, estou dando a ela um critério de classificação dos brinquedos. Posso também,
contudo, separar aquelas coisas que são de brincar daquelas que são de comer. Posso
então reunir as coisas em determinadas classes, as de brincar e as de comer. E posso ter
uma classe que abarca a ambas, por exemplo, a classe das coisas que são da criança.
Posso ser, portanto, bem específico (somente brinquedos de plástico) ou todos os objetos
da criança, o que abarca todos os objetos independentemente de serem de plástico, metal,
de comer ou de brincar.
Quando dizemos que um enunciado é composto de um termo singular e um predicado,
estamos apontando para uma espécie de estrutura geral ou para a forma pertencente a tais
enunciados (os predicativos singulares). Ao considerar a forma da sentença, portanto, estou
deixando de lado o conteúdo desta ou daquela sentença e falando das sentenças em geral,
ao menos no que diz respeito à forma. Como sabemos, isto interessa não apenas para a
investigação filosófica da linguagem (a qual ainda não determinamos de modo mais preciso
a não ser como um interesse pelas expressões linguísticas que são utilizadas para referir-se
aos objetos e suas propriedades), senão também para uma investigação lógica da
linguagem. Desde Aristóteles, a lógica é compreendida como uma tentativa de apreender a
estrutura formal que acompanha a articulação de um estado de coisas qualquer. No
entanto, os resultados alcançados por Aristóteles foram tomados, durante muitos séculos,
como a palavra final daquilo que havia para ser apreendido em termos formais da estrutura
dos enunciados e da relação entre os enunciados que constituíam os argumentos. No início
da Crítica da razão pura, como já vimos,Kant considerou a lógica como uma disciplina
acabada, que havia apenas passado por alguns refinamentos que não a alteraram
substancialmente.
Parece não haver muitos problemas aí, pois inclusive na linguagem natural não
perguntamos pelo modo como nos referimos a objetos, apenas nos referimos a eles e
pronto. O que querem os filósofos, portanto, com esta investigação a respeito das
expressões linguísticas que servem para referirmos a objetos e as suas propriedades?
Vimos que um primeiro passo nesta direção foi dado quando o conceito de representação,
muito caro às concepções filosóficas modernas, passou a apresentar mais problemas do
que soluções. No entanto, aquilo que havia sido conquistado por Aristóteles estava prestes
a ser considerado como apenas uma parte do problema a ser discutido. Existiam problemas
para os quais a sua teoria do juízo ou silogística não poderia oferecer elucidações ou se
quer esclarecer a razão pela qual algumas inferências eram válidas. Embora importante, a
concepção aristotélica não dava conta da complexidade de certas estruturas linguísticas.
Era necessário, portanto, que novas formas de pensar, para além da relação sujeito-
predicado, pudessem estar à disposição dos teóricos.
O reconhecimento da dimensão formal dos enunciados, no entanto, não era algo livre de
disputa. Há uma diferença entre a interpretação de Aristóteles e a interpretação de Frege e
isto implica não que a concepção aristotélica esteja errada, mas que ela se mostra, quando
comparada à concepção de Frege, como tendo um alcance reduzido e sendo incapaz de
tratar de certas questões.
O termo singular da frase que era concebido como a expressão linguística que está por um
objeto, no entanto, passou por uma profunda crítica que começou, na verdade, com um
ataque a um caso especial de termo singular. São exemplos de termos singulares os nomes
próprios (Sócrates), as descrições definidas (O mestre de Platão) e pronomes (ele, ela, etc.).
Na Unidade anterior, já fizemos uma breve referência à concepção de Russell, o qual
defendia a tese de que o significado das descrições definidas não decorre de elas
denotarem aquilo que denotam. Para ele, uma descrição definida, quando analisada mais
profundamente, compõe-se de diversas outras sentenças quantificáveis. Falar de
significado, aqui, já pressupõe um salto. Devemos investigar mais detidamente este
conceito.
Significado e objeto
Tugendhat procura, nas primeiras lições, apresentar como é que se dá a transição de uma
forma de filosofar baseada na ontologia, que começou na antiguidade, para uma forma de
pensar que dá prioridade à semântica e reflexão linguística. Para ele, o traço fundamental da
ontologia antiga é uma compreensão objetivadora do significado. O significado de um
enunciado é compreendido objetivamente como a composição de um objeto (sujeito do
enunciado) com outro objeto (aquilo a que se refere o predicado). A reflexão filosófica que
vai do objeto para as expressões linguísticas que estão por objetos seria uma forma de
resistir à tentação de compreender objetivamente o significado. Neste sentido, o significado
não é mais um equivalente do objeto no nível linguístico, isto é, um representante linguístico
resultante da composição de sujeito e predicado.
Devemos antecipar, no entanto, que quase a totalidade das reflexões de Tugendhat estão
orientadas para a linguagem natural. Não vamos discutir isso antes de ficar claro em que
consiste esta orientação pela linguagem natural. Vamos apenas ressaltar que, ao
sonegarmos a questão “De que linguagem se trata?”, muitos problemas surgem em
decorrência de uma confusão a respeito dos âmbitos de tematização. Podemos ver,
portanto, já na discussão de Russell com Strawson um sintoma disto, pois, Strawson
criticava Russell exatamente por ele não ver a linguagem como algo dependente do que hoje
denominaríamos de fatores pragmáticos, isto é, aqueles elementos que são contextuais e
relativos à intenção do falante e que são importantes para a compreensão do significado.
Russell, contudo, estava interessado em uma linguagem que pudesse ser usada sem
depender destes elementos para ser compreendida. Não parece óbvio que não se trata da
mesma linguagem em cada caso? Acusar a linguagem natural de confusa e indeterminada,
não atendendo às exigências de um discurso livre de ambiguidades, não é justamente exigir
da linguagem natural algo que ela não tem obrigação de alcançar? Acusar a linguagem —
completamente determinada e depurada de todos os elementos próprios à conversação
entre seres humanos — de ser uma linguagem “abstrata” não seria também uma
incapacidade de reconhecer às exigências que esta linguagem mais “exata” está tentando
atender?
Isto nos leva a ter que aprofundar a questão do significado em relação ao uso das
expressões na linguagem natural e ao uso das expressões com outras pretensões, por
exemplo, as pretensões associadas a uma exposição teórica.
Por que, no entanto, o significado é algo tão importante? A investigação sobre o significado
está de fato entre os aspectos mais importantes no âmbito da filosofia da linguagem. No
entanto, não é apenas a questão do significado que interessa. Na verdade, ela aparece em
relação com muitos outros aspectos envolvendo a linguagem e está relacionada com um
pano de fundo de questões filosóficas que de um modo ou de outro persistiam sem solução
na tradição. Em vez de falarmos de mente e mundo, a partir apenas do enfoque analítico,
tornou-se relevante perguntar pela relação entre linguagem e mundo. Muitas questões
tradicionais experimentam modificações no modo de serem compreendidas quando são
vistas a partir do enfoque linguístico. Não é, portanto, apenas a questão do significado, mas
a questão de, por exemplo, de que maneira o modo como compreendemos o sujeito e o
predicado ou o termo geral e o termo singular em uma sentença contribuem para o
significado do todo da frase.
Wittgenstein era um grande admirador de Frege e de sua concepção e podemos dizer que
na primeira etapa de seu desenvolvimento intelectual, que culmina na publicação do
Tractatus, ele também poderia ser visto como um adversário da concepção de que o
significado é uso. O período subsequente, porém, é de tal forma disruptivo com o que o
antecedeu que já se tornou amplamente aceite a distinção entre um primeiro e um segundo
Wittgenstein.
Temos então duas direções de questionamento: uma que toma a linguagem na dimensão
natural e trata da questão do significado aí; a outra que toma a linguagem mais no sentido
de linguagem teórica e aborda a questão do significado para além da comunicação
cotidiana e trata dos conceitos e seus significados como modo de expressão e articulação
teórica. Temos então um âmbito mais voltado para a pragmática linguística, na medida em
que se preocupa com o falante e a intenção de suas elocuções; e temos a preocupação
mais teórica voltada para a sentença e o enunciado na medida em que abstraímos do
contexto e do falante. Vamos falar agora destas duas direções de investigação.
Pragmática da linguagem
Esta classificação está baseada em uma espécie de critério de crescente abstração dos
elementos que se relacionam com e constituem os enunciados. Vemos aqui, novamente, a
influência de Frege na investigação e uma delimitação do tema que leva em conta certos
tipos de relações entre os elementos que constituem o grande campo da linguagem.
Existem diversas teorias que tentam explicar essas relações e o fato de algumas delas
exigirem os termos em que se dá a satisfação das condições para que uma sentença seja
verdadeira acarreta que uma teoria da verdade surge como um complemento da semântica.
O sucesso da teoria da verdade de Tarski poderia, então, estar vinculado justamente ao fato
de tentar explicar não apenas a relação entre a linguagem e o mundo, senão também em
que consiste uma sentença que é verdadeira.
Parece-nos que o modo como Dascal aborda a classificação está equivocado pelo seguinte.
Os falantes parecem ser um elemento irrenunciável e constituinte da dimensão da
linguagem natural e, em nenhum momento, está dito que uma semântica das linguagens
naturais deve ser construída sobre a exigência de abstração do papel dos falantes. A
questão é se a pragmática trata de todas as questões que a semântica trata de tal maneira
que a semântica deveria apenas fazer parte da pragmática ou se, antes de tudo, aquilo que
interessa à semântica é diferente do que interessa à pragmática. Dascal, portanto, está
certo em dizer que a exigência de uma semântica das linguagens naturais que faça
abstração dos falantes não parece fazer sentido algum. Se o que entendemos por
linguagem, enquanto campo de investigação, restringe-se apenas às linguagens naturais,
toda e qualquer semântica seria semântica das linguagens naturais. Justamente isto, no
entanto, não é o caso. O grande campo de investigação da linguagem tem as linguagens
naturais como uma de suas partes e não a sua totalidade. Dascal erra, portanto, ao
considerar a semântica das linguagens naturais como a única semântica possível.
É tão fácil ver isto se considerarmos, por exemplo, que muitos enunciados, no campo de
ciências como a matemática e a física, não dependem do papel do falante para serem
compreendidos e, muito menos, têm suas condições de verdade determinadas pelo
contexto pragmático de enunciação. Enunciados com pretensão de objetividade deveriam
ser concebidos, sobretudo, como enunciados sobre a coisa mesma, o objeto, e não como
afetados de alguma forma pela subjetividade.
Você pode perceber que esta concepção entra em conflito com a posição de Kant, para
quem a objetividade ou a experiência está sempre mesclada com o aparato subjetivo que a
determina.
E quais as implicações dessa abordagem para a semântica? Aqui devemos perguntar se a
investigação do modo como nos referimos aos objetos na linguagem natural constitui o
tema de investigação da semântica. Se for assim, parece que uma semântica está sempre
amarrada às linguagens naturais. Como foi dito, no entanto, parece existir um modo de
referir-se aos objetos que não depende do papel do falante ou que se restrinja ao modo
como nos expressamos na linguagem natural. Uma semântica poderia investigar de que
maneira os enunciados com pretensão de objetividade independente do papel do falante
são constituídos e se estruturam. Teríamos então uma semântica das linguagens teóricas e
não apenas das linguagens naturais.
É muito estranho que tantos teóricos tenham compreendido “linguagem” apenas como
“linguagem natural”, sobretudo pelo fato de que, ao tratarem da linguagem natural,
empregam uma linguagem que não está mais submetida às exigências de comunicação
nos mesmos termos das linguagens naturais. Não deveria ser óbvio que a metalinguagem
que usam para falar da linguagem natural está submetida a um conjunto de exigências
significativamente diferentes das outras, isto é, submetida às exigências da exposição
teórica? Frege e Russell já haviam mostrado a possibilidade de dirigirmos a investigação
para além da linguagem natural. Na atualidade, a concepção filosófica de Lorenz Puntel,
desenvolvida no livro Estrutura e Ser: um quadro referencial teórico para uma filosofia
sistemática, desenvolve esta ideia com clareza e de maneira convincente. Não vamos
discutir detalhadamente este ponto, o que importa é perceber que a linguagem natural não é
o único campo de investigação e não é necessário escolher entre lógica e pragmática, pois
elas fazem parte de um quadro sempre mais amplo, a saber, da dimensão teórica.
Se podemos falar então de uma semântica das linguagens naturais, o que não está de
acordo com Carnap, e podemos falar também de uma semântica das linguagens teóricas,
parece que uma disputa pelo predomínio de uma ou outra não faz qualquer sentido. Cada
uma das abordagens se dedica a campos de investigação distintos e seguem exigências
distintas. A classificação de Carnap, portanto, deveria ser revista de tal modo que desse
conta da diferença entre os campos de investigação e as exigências correspondentes em
vez de compreender o campo “linguagem” como algo uniforme.
Tornou-se comum, para diferenciar a pragmática da semântica, dizer que a primeira estaria
preocupada com o significado e a segunda com as condições de verdade. Quando, no
entanto, percebemos que é possível separar a semântica das linguagens naturais da
semântica das linguagens teóricas, imediatamente somos levados a perguntar pelo
significado e pelas condições de verdade em cada uma delas. Tomemos um enunciado da
linguagem natural, que pode ser analisado de acordo com o enfoque da pragmática, e
vamos perguntar pelo significado e pelas condições de verdade. Alguém diz “O Sol nasce no
Leste e se põe no Oeste”. Não há dificuldades em compreendermos o significado desta
afirmação e, por experiência, considerar que este é um enunciado verdadeiro. Sabemos, no
entanto, que, de acordo com a astronomia, este enunciado não é verdadeiro, pois o sol nem
se põe e muito menos nasce, estas são formas de falar que fazem sentido na dimensão da
linguagem e experiência naturais, mas não fazem sentido para a astronomia. Isto demonstra
que existem diferenças significativas entre o modo como articulamos nossa experiência
natural e o modo como articulamos a explicação de um fenômeno conforme as exigências
de determinada ciência. Dizer que o sol nasce no Leste e se põe no Oeste é algo livre de
dúvidas segundo esta experiência natural e suas exigências de comunicação. A pragmática
irá envolver-se com isto. Do ponto de vista das exigências do discurso teórico da
astronomia, no entanto, não faz sentido falar desta forma. Usamos este exemplo como
mais uma forma de questionar tanto a classificação de Carnap quanto a abordagem dos
teóricos da pragmática.
O enfoque pragmático e o enfoque semântico das linguagens naturais, portanto, pode ser
compreendido da seguinte forma: a pragmática irá investigar os elementos que são
necessários para a compreensão do significado das sentenças e enunciados e que não
podem ser encontrados apenas neles, mas dependem de elementos contextuais e relativos
ao falante. A semântica das linguagens naturais, por sua vez, estará preocupada com o
significado e as condições de verdade das sentenças na medida em que o significado pode
ser compreendido independentemente daqueles elementos, ou seja, considerando que o
que está dito na sentença depende apenas do significado dos elementos que a constituem.
É muito importante para a semântica a tese de Frege segundo a qual “Somente no contexto
da sentença as palavras significam algo.”
Esta tese também é aceite pela pragmática, ela, contudo, não tem em vista uma teoria da
relação entre linguagem e mundo, mas pressupõe a existência dessa relação ou aceita uma
forma ou outra das teorias desse tipo disponíveis no interior da filosofia. A pragmática
considera, contudo, que o falante desempenha um papel na formação do significado. Para
ela, portanto, o significado transborda as fronteiras da sentença, tal como considerado por
Frege. Há, para ela, fatores que não podem ser determinados apenas pela análise da
sentença tal como a semântica ou a lógica a concebem. Permanece, no entanto, a questão
da origem do significado das expressões. Quando apelamos para o significado literal, temos
uma base para a compreensão. Quando, contudo, damo-nos conta de que existe mais do
que o significado literal, precisamos deslocar a investigação para o contexto e intenção do
falante ou, em termos semânticos, em direção ao conjunto de pressupostos que irão
determinar o modo como a sentença deverá ser compreendida.
Para a pragmática, portanto, o contexto não é apenas o contexto da sentença, mas aquilo
que subjaz ao proferimento de uma sentença por um determinado falante e o modo como
isso é recebido por um ouvinte. É por isso que o conceito de “intenção comunicativa” é tão
importante para ela. A intenção comunicativa subjaz ao comportamento linguístico. Falando
estritamente, nós temos acesso, de fato, ao comportamento linguístico observável, mas isto
pode não ser suficiente, em algumas circunstâncias, para apreender o significado desse
comportamento linguístico ou da intenção comunicativa que está à sua base. Se existem
problemas na comunicação é porque nem sempre o significado de um enunciado pode ser
compreendido corretamente. Uma sentença pode ter um significado se tomada
independentemente do contexto e outro quando proferida por alguém em determinada
situação. Se digo, por exemplo, “Está quente aqui!”, a intenção comunicativa que subjaz a
ação linguística quando proferida em um lugar em que todos estão tremendo de frio será
diferente do que quando proferida por alguém que está na frente de um forno e suando aos
cântaros. No primeiro caso, a elocução “Está quente aqui!” diz exatamente o contrário do
que diz a mesma elocução no segundo caso e, no entanto, a sequência de palavras ou a
sentença é a mesma.
Devemos então perguntar: o contexto de uma sentença é sempre este contexto pragmático,
isto é, o contexto de enunciação que envolve o falante? Já deve ter ficado claro que o
conceito de “contexto” não se refere única e exclusivamente ao contexto pragmático.
Poderíamos muito bem falar de outros contextos de enunciação. O que se apresenta como
uma alternativa evidente, neste caso, é o contexto científico, aquele que determina a
diferença entre um enunciado baseado na perspectiva da atitude cotidiana e aquele
baseado nas exigências de uma ciência como a astronomia. Não estaríamos de acordo com
alguém que diz que a verdade do enunciado “Todo corpo permanece em seu estado de
repouso ou de movimento uniforme em linha reta, a menos que seja obrigado a mudar seu
estado por forças impressas nele.” (NEWTON, p.31) depende da situação ou do contexto do
falante. Parece ser mais correto dizer, aqui, que há enunciados que são verdadeiros
independentemente do contexto de enunciação tal como compreendido pela pragmática.
Isto não significa, no entanto, que ele seja independente de qualquer contexto. Deveríamos
falar, então, de um contexto teórico que suporta ou serve de base para tais enunciados.
Finalizando a Unidade
Nesta Unidade, procuramos mostrar como ocorre a mudança de uma forma de pensar
em que a linguagem é vista como um mero meio expositivo daquilo que acontece na
vida interior do indivíduo, sobretudo no que diz respeito à relação com os objetos, para
uma forma de pensar que coloca pergunta pelos elementos da linguagem que
permeiam estas referências. O vínculo com as teorias da representação aparece aqui
de modo evidente, embora a reflexão de caráter linguístico já se coloque em uma
direção que pretende resolver muitos impasses que ocorrem no interior da
epistemologia alicerçada sobre o conceito de representação.
Dica do Professor
Leia a Lógica e conversação de Herbert Paul Grice. Apesar de ser um texto longo, é um
dos mais importantes no âmbito da pragmática linguística. Complementa os aspectos que
foram apenas discutidos brevemente nesta Unidade a respeito da pragmática.
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Saiba Mais
O texto “Proposições, frases e afirmações ” de Pascal Engels serve como complemento
dos temas estudados nesta Unidade.
©2018 Copyright ©Católica EAD. Ensino a distância (EAD) com a qualidade da Universidade Católica de Brasília
Referências
DASCAL, Marcelo. Compreensão e interpretação. São Leopoldo: Editora Unisinos,
2006.