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QUESTÕES

TRADICIONAIS
VISTAS A PARTIR DO
ENFOQUE
LINGUÍSTICO
©2018 Copyright ©Católica EAD. Ensino a distância (EAD) com a qualidade da Universidade Católica de Brasília

Apresentação 
Olá, seja muito bem-vindo(a)!

A maior parte das teorias da consciência determina o termo singular (sujeito), em um


enunciado, como referindo-se a um objeto. E quando nos referimos a um objeto inexistente,
devemos considerar a frase como sendo sem sentido ou dizer que ela é falsa? Frege e
Russell deram respostas diferentes a mesma questão. Nesta unidade, veremos alguns
pressupostos destas teorias da referência e de que maneira devemos compreender os
elementos que constituem as sentenças.

Esta Unidade está organizada em quatro seções que abordam, na sequência, os seguintes
conteúdos:

Teorias descritivistas e não descritivistas da referência.


Significado e objeto.
Significado e uso da linguagem.
Pragmática da linguagem.

Objetivos
Apresentar a discussão da filosofia da linguagem com as concepções tradicionais a
respeito de como se dá a referência aos objetos.
Entender a distinção entre significado e objeto.
Compreender de que maneira o enfoque linguístico supera o problema de uma
compreensão objetiva do significado.
Conhecer a divergência entre uma concepção semântica e uma concepção
pragmática do significado.
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Desafio 
Como desafio para esta Unidade, descubra ao menos um filósofo além daqueles que foram
mencionados no texto, que aceitou a teoria das descrições definidas de Bertrand Russell
como a explicação correta para o problema discutido.
©2018 Copyright ©Católica EAD. Ensino a distância (EAD) com a qualidade da Universidade Católica de Brasília

Conteúdo 
Teorias descritivistas e não descritivistas da referência

Na medida em que a filosofia da linguagem passou a ocupar um lugar de destaque no


panorama da tradição filosófica, ela também passou a tentar oferecer respostas para
questões oriundas desta tradição. Um destes problemas filosóficos tradicionais era aquele
que dizia respeito ao modo como se dá o conhecimento. Desde a modernidade, o
conhecimento era caracterizado como uma relação entre a consciência e o mundo ou entre
sujeito e objeto. A questão do conhecimento não consistia apenas, naturalmente, em definir
o ato de conhecer, mas também de definir o estatuto dos elementos implicados no ato.
Entre estes elementos está a linguagem, a qual foi caracteriza como desempenhando
algumas vezes o papel de expressão do ato de conhecer e outras vezes de mediação entre
sujeito e objeto. Em alguns casos, no entanto, esta relação entre consciência e mundo
(sujeito e objeto) era apenas pressuposta e a linguagem era apenas discutida algo ulterior,
uma forma de dar expressão e publicidade para aquilo que pertencia apenas à vida interior
do sujeito enquanto realiza o conhecimento. Nestes casos, as discussões tinham como
foco não a linguagem, mas os aspectos e momentos que constituíam o ato de conhecer. A
linguagem sempre aparecia depois, como um elemento residual na cadeia de
acontecimentos, ela é apenas o veículo de expressão de tudo aquilo que acontece, na
verdade, sem palavras. (Podemos nos perguntar: como é possível descrever então todo o
processo se a linguagem é algo que seria necessário apenas no final?). Este papel de
exposição do que acontece na interioridade, na vida da consciência do sujeito, ou o papel de
mediação entre interior e exterior caracterizam boa parte do que se discutiu a respeito da
linguagem. Naturalmente alguns filósofos abordaram as questões com riqueza de detalhes
impressionantes, mas as suposições fundamentais giram ao redor destes pressupostos.

Importa perceber, no entanto, que estas concepções pressupõem uma compreensão de que
nossa linguagem possui uma estrutura que permite que façamos referência a objetos. Estas
concepções foram desenvolvidas de muitas maneiras, pois foram dadas explicações
diferentes a respeito de que maneira ocorre esta referência da linguagem às coisas. Alguns
antecedentes teóricos dessa problemática apontam para uma concepção empirista de
acordo com a qual nossa relação com os objetos se dá por intermédio de nosso aparato
sensorial, nossos sentidos. Visão, audição, tato, olfato e paladar constituem o modo pelo
qual os objetos são apreendidos. Estamos fazendo, deliberadamente, uma alusão ampla e
indeterminada de alguns caracteres gerais do enfoque empirista, pois se formos investigar
mais detalhadamente, perceberemos uma grande variedade de teorias explicando como se
dá tal relação. Podemos dizer, então, que esta relação direta com os objetos por meio dos
sentidos resulta em um problema filosófico que consiste no seguinte: se posso ter certeza
de minha relação com os objetos na medida em que eles estão sendo apreendidos pelos
sentidos, como me relaciono com os objetos quando eles não estão diante de mim? Para
isso, a filosofia ofereceu uma resposta que, também em linhas gerais, consiste em afirmar
que, quando um objeto é apreendido pelos nossos sentidos, então também formamos dele
uma imagem mental, podemos novamente torná-lo presente, mas apenas em nossa mente,
o objeto é representado. Há os objetos presentes diante de mim e os objetos representados
em minha mente. Esta teoria diz que, se aquilo que eu afirmo da representação (do objeto)
em minha mente está de acordo com aquilo que meus sentidos apreendem, então a minha
afirmação é verdadeira. Há uma correspondência do dito com a representação e desta com
o objeto real, tal como ele é em si mesmo.

Quando estudamos as teorias do conhecimento do período moderno vemos que há muita


disputa em relação às afirmações que foram feitas acima apenas no âmbito daqueles que
são defensores do empirismo ou da experiência como fonte do conhecimento. No entanto,
há filósofos que discordam disso: Descartes, por exemplo, diz o seguinte nas Meditações:

Até o momento presente, tudo o que considerei mais verdadeiro e certo, aprendi-o
dos sentidos ou por intermédio dos sentidos; mas às vezes me dei conta de que
esses sentidos eram falazes, e a cautela manda jamais confiar totalmente em
quem já nos enganou uma vez. (p.250).

Esta afirmação já se encontra na primeira das seis meditações que compõem a obra,
denotando a pressa de Descartes em livrar-se de um ponto de partida empirista como algo
digno de confiança.

Qual seria o papel da linguagem para uma questão deste tipo? A resposta mais óbvia e
talvez a mais intuitiva está em dizer que nós falamos das coisas, dos objetos, do mundo e
de toda e qualquer coisa e, portanto, nossa linguagem de algum modo serve para fazer
referência a tudo isto. Em que consiste, no entanto, esta relação entre a linguagem e o
mundo? Pressupor que há uma relação entre a linguagem e o mundo é um ponto de partida
livre de discussões? Uma teoria não deveria justamente explicar isto em vez de apenas o
pressupor? Como podemos ver, a questão da linguagem apenas aparece indiretamente
quando se pergunta pela verdade do que é enunciado a respeito dos objetos reais ou de
suas representações. O foco está em dar uma explicação do que são as representações e
de como elas concordam com aquilo de que são representações.
Podemos dar um passo em direção à questão da linguagem quando, em vez de falarmos
apenas das representações como substitutos dos objetos reais, passamos a falar também
das palavras e expressões que empregamos para nos referirmos a tais objetos ou mesmo
para nos referirmos a tais representações de objetos. Estas expressões referem-se a ou
estão no lugar dos objetos. Por exemplo, a palavra “mesa” refere-se à mesa. O nome “César”
pode referir-se ao famoso imperador romano. Quando dizemos que uma palavra está no
lugar de um objeto, no entanto, estamos empregando uma metáfora, pois as palavras não
ficam no lugar dos objetos. O que queremos dizer é que, ao empregar a palavra “mesa” para
referir-me ao objeto mesa posso fazê-lo sem que esteja diante de uma mesa. Posso falar de
modo tão amplo quanto “Algumas mesas têm quatro pernas!”, “Uma boa mesa tem de ser
plana e nivelada!”, “A mesa da casa de minha avó é maior do que a mesa lá de casa”, “Esta
mesa é de madeira.”, etc. A palavra “mesa”, portanto, tem esta característica de permitir que
façamos referência ao objeto mesa independente de estarmos diante de alguma mesa. Isto
é parecido com o que se queria dizer com o conceito de representação, pois ele funcionava
como um equivalente do objeto real, mas estava presente apenas na mente. Refiro-me,
então, a um objeto e, além disso, posso descrever suas propriedades dizendo, por exemplo,
que a mesa é de madeira. Ser de madeira e não de metal é uma propriedade ou um atributo
daquela mesa em comparação com aquela outra, assim como ser baixa ou alta, ser nivelada
e plana, ser grande ou pequena, redonda ou retangular.

Já em Aristóteles, na obra De interpretatione, encontra-se uma compreensão da estrutura


deste tipo de enunciado. Para Aristóteles uma frase deste tipo é composta de sujeito e
predicado. O sujeito [hypokéimenon] é aquilo de que se fala, enquanto o predicado é
determinado como aquilo que se diz do sujeito. No enunciado “A mesa é redonda” temos
então a expressão “mesa” como o sujeito e a expressão “redonda” como o predicado. O “é”,
verbo “ser” conjugado na terceira pessoa do singular do presente do indicativo, é
determinado como a cópula, isto é, aquilo que liga sujeito e predicado. Este é um enunciado
predicativo, quer dizer, ele diz algo (predicado) sobre algo (sujeito). Ao ligar algo com algo
temos então uma síntese. Este enunciado, quando analisado semanticamente, revela que
algo (sujeito) está por ou no lugar de um objeto que pode ser real (mesa), imaginário
(Medusa) ou abstrato (triângulo). As expressões linguísticas que têm a função de estar por
objetos ou referir-se a eles são também conhecidas como termos singulares. Tugendhat
apresenta o seguinte critério para reconhecermos os termos singulares:
Uma expressão X é um termo singular se, quando ela é completada por outra
expressão para formar uma sentença assertórica completa, podemos deduzir
desta sentença uma outra sentença na qual X é substituído por “algo” (ou
“alguém). Segundo este critério “o número 3” é, por exemplo, um termo singular,
pois da sentença “o número 3 é menor do que o número 4” segue a sentença
“algo é menor do que o número 4”; podemos agora acrescentar
explicativamente: algo, a saber, aquilo pelo qual está a expressão “o número 3”.
É óbvio que o modo de emprego dos termos singulares conecta-se com um
sistema de expressões pronominais que podem ocupar I seu lugar (pro-nominal!):
“algo”, “qual?”, “aquilo”, “o mesmo”. E podemos, trivialmente, completar
cada um destes pronomes pela palavra “objeto”, dizendo, em vez de “aquilo”,
“aquele objeto”, em vez de “o mesmo”, “o mesmo objeto”, e em vez de “algo”
(“algum”), “um (algum) objeto”. Se a palavra “objeto” é usada tão amplamente,
se, portanto, seu significado resulta do uso desses pronomes ou dos termos
singulares que os substituem, tem-se então o sentido amplo que é entendido na
filosofia. (p. 48).

Muitas concepções filosóficas viram nesta abordagem um traço definidor da própria


filosofia. De acordo com elas, em vez de a filosofia ocupar-se diretamente dos objetos tal
como as ciências, ela se ocuparia do modo como nos referimos aos objetos. Assim, a
filosofia tematizaria algo que acompanha toda e qualquer investigação nas ciências. As
ciências pressuporiam aquilo que é objeto de investigação filosófica. Se não é tema das
ciências é, então, tema da filosofia. Isto seria válido tanto para o conceito de representação
quanto para uma expressão linguística como um termo singular ou sujeito do enunciado
predicativo.

No lugar de que, porém, estaria o predicado? Se o sujeito refere-se aos objetos, o predicado
deve, consequentemente, referir-se às propriedades destes objetos. Ser redonda ou
quadrada, plana, nivelada, de madeira, etc., podem ser atributos de uma mesa. Sabemos, no
entanto, que estas mesmas características podem aplicar-se a outros objetos. Tanto de uma
viga em uma casa quanto de uma cadeira dentro dela podemos dizer que são niveladas e
outras tantas coisas. Os predicados nos auxiliam a classificar e descrever os objetos. Se
digo para uma criança que vamos separar os brinquedos de plástico dos brinquedos de
metal, estou dando a ela um critério de classificação dos brinquedos. Posso também,
contudo, separar aquelas coisas que são de brincar daquelas que são de comer. Posso
então reunir as coisas em determinadas classes, as de brincar e as de comer. E posso ter
uma classe que abarca a ambas, por exemplo, a classe das coisas que são da criança.
Posso ser, portanto, bem específico (somente brinquedos de plástico) ou todos os objetos
da criança, o que abarca todos os objetos independentemente de serem de plástico, metal,
de comer ou de brincar.
Quando dizemos que um enunciado é composto de um termo singular e um predicado,
estamos apontando para uma espécie de estrutura geral ou para a forma pertencente a tais
enunciados (os predicativos singulares). Ao considerar a forma da sentença, portanto, estou
deixando de lado o conteúdo desta ou daquela sentença e falando das sentenças em geral,
ao menos no que diz respeito à forma. Como sabemos, isto interessa não apenas para a
investigação filosófica da linguagem (a qual ainda não determinamos de modo mais preciso
a não ser como um interesse pelas expressões linguísticas que são utilizadas para referir-se
aos objetos e suas propriedades), senão também para uma investigação lógica da
linguagem. Desde Aristóteles, a lógica é compreendida como uma tentativa de apreender a
estrutura formal que acompanha a articulação de um estado de coisas qualquer. No
entanto, os resultados alcançados por Aristóteles foram tomados, durante muitos séculos,
como a palavra final daquilo que havia para ser apreendido em termos formais da estrutura
dos enunciados e da relação entre os enunciados que constituíam os argumentos. No início
da Crítica da razão pura, como já vimos,Kant considerou a lógica como uma disciplina
acabada, que havia apenas passado por alguns refinamentos que não a alteraram
substancialmente.

Parece não haver muitos problemas aí, pois inclusive na linguagem natural não
perguntamos pelo modo como nos referimos a objetos, apenas nos referimos a eles e
pronto. O que querem os filósofos, portanto, com esta investigação a respeito das
expressões linguísticas que servem para referirmos a objetos e as suas propriedades?

Vimos que um primeiro passo nesta direção foi dado quando o conceito de representação,
muito caro às concepções filosóficas modernas, passou a apresentar mais problemas do
que soluções. No entanto, aquilo que havia sido conquistado por Aristóteles estava prestes
a ser considerado como apenas uma parte do problema a ser discutido. Existiam problemas
para os quais a sua teoria do juízo ou silogística  não poderia oferecer elucidações ou se
quer esclarecer a razão pela qual algumas inferências eram válidas. Embora importante, a
concepção aristotélica não dava conta da complexidade de certas estruturas linguísticas.
Era necessário, portanto, que novas formas de pensar, para além da relação sujeito-
predicado, pudessem estar à disposição dos teóricos.

Uma mudança significativa se operou quando Frege deixou de interpretar a estrutura da


frase em sujeito e predicado e passou a interpretá-la como uma função composta de um
termo relacional e um par ordenado. Este era um problema para o qual a silogística não
tinha solução, como tratar de enunciados como “João é maior que Pedro”? Como lidar com
um argumento do tipo “Todos os círculos são figuras; João pintou um círculo; logo, João
pintou uma figura”?

O reconhecimento da dimensão formal dos enunciados, no entanto, não era algo livre de
disputa. Há uma diferença entre a interpretação de Aristóteles e a interpretação de Frege e
isto implica não que a concepção aristotélica esteja errada, mas que ela se mostra, quando
comparada à concepção de Frege, como tendo um alcance reduzido e sendo incapaz de
tratar de certas questões.
O termo singular da frase que era concebido como a expressão linguística que está por um
objeto, no entanto, passou por uma profunda crítica que começou, na verdade, com um
ataque a um caso especial de termo singular. São exemplos de termos singulares os nomes
próprios (Sócrates), as descrições definidas (O mestre de Platão) e pronomes (ele, ela, etc.).
Na Unidade anterior, já fizemos uma breve referência à concepção de Russell, o qual
defendia a tese de que o significado das descrições definidas não decorre de elas
denotarem aquilo que denotam. Para ele, uma descrição definida, quando analisada mais
profundamente, compõe-se de diversas outras sentenças quantificáveis. Falar de
significado, aqui, já pressupõe um salto. Devemos investigar mais detidamente este
conceito.

Significado e objeto

O que é, no entanto, o significado? O que quer dizer compreender o significado? O que


compreendemos quando compreendemos um significado? Aqui temos que ser um pouco
cuidadosos em razão das diversas respostas já dadas a estas questões. A pergunta pelo
significado aparece, em geral, associada à compreensão. Compreendemos um enunciado
quando compreendemos o seu significado, isto é, aquilo que se quer dizer. Se alguém diz “A
Terra gira ao redor do Sol” o que eu compreendo é que a Terra gira ao redor do Sol, quer
dizer, que as coisas são de tal maneira que isto e aquilo acontece ou é o caso. Esta
afirmação levanta a pretensão de ser verdadeira na medida em que ela pode ser verificada a
partir de observações e experimentos que caracterizam o campo de estudo da astronomia.
Se eu compreendo o que o enunciado afirma, então compreendo o seu significado. Como
você pode perceber, há muitos elementos que aparecem na discussão. Talvez possamos
sustentar que o significado de um enunciado é aquilo que é compreendido a seu respeito.
Imediatamente surge a questão seguinte: e o que é compreendido quando alguém diz “O Sol
gira ao redor da Terra”? Na medida em que sabemos que esta afirmação é falsa, devemos
dizer que seu significado é falso também? Se, como dissemos antes, compreendemos o que
foi dito, então compreendemos o significado, mas aquilo que é afirmado é falso e, portanto,
parece que existem aqui dois momentos: o primeiro corresponde à compreensão daquilo
que está sendo afirmado; o segundo, a se isto corresponde àquilo que acontece na
realidade. O significado tem a ver, então, com o primeiro, com o segundo ou com os dois
momentos?

Embora estas questões pareçam um pouco despropositadas, devemos de algum modo


considerar se o que compreendemos diz respeito ao estado de coisas que enuncia o
enunciado ou se o significado está descolado do estado de coisas, quer dizer, se devemos
considerar uma diferenciação entre o estado de coisas referido e o significado ou considerar
o significado e o estado de coisas como equivalentes. Quando falávamos dos termos
singulares, dizíamos que eles estavam por objetos ou que eles cumpriam a função de
referir-se a objetos. Quando compreendemos uma frase compreendemos que o termo
singular se refere ao objeto e compreendemos o que é predicado deste objeto. Onde, no
entanto, entra o significado aí? Não seria correto dizer agora que a compreensão de termos
singulares é a compreensão de seu significado? De acordo com o que foi dito é exatamente
isto. O que quer dizer compreender o significado de um termo singular? Quer dizer
compreender que ele cumpre a função de referir-se ou estar por objetos. Compreender o
significado, então, é compreender o papel que a estrutura “termo singular” desempenha no
enunciado. Qual é o papel desempenhado então por uma frase singular predicativa?
Supostamente seria a de compreender se aquilo que ela afirma corresponde, de fato, a um
estado de coisas. Frege disse que compreender o significado era compreender as
condições sob as quais ele é verdadeiro. Wittgenstein disse que compreender o significado
é compreender como as expressões devem ser usadas (“meaning is use”).

As questões apresentadas são ao mesmo tempo importantes e difíceis. Tugendhat as


articulou de uma maneira muito convincente em um livro intitulado Lições introdutórias à
filosofia analítica da linguagem. Este livro estará de muitas maneiras presente em nossa
exposição. No entanto, não podemos nos dedicar integralmente a ele. Insistimos, contudo,
que você considere a leitura desta obra como um momento essencial de sua formação
filosófica.

Tugendhat procura, nas primeiras lições, apresentar como é que se dá a transição de uma
forma de filosofar baseada na ontologia, que começou na antiguidade, para uma forma de
pensar que dá prioridade à semântica e reflexão linguística. Para ele, o traço fundamental da
ontologia antiga é uma compreensão objetivadora do significado. O significado de um
enunciado é compreendido objetivamente como a composição de um objeto (sujeito do
enunciado) com outro objeto (aquilo a que se refere o predicado). A reflexão filosófica que
vai do objeto para as expressões linguísticas que estão por objetos seria uma forma de
resistir à tentação de compreender objetivamente o significado. Neste sentido, o significado
não é mais um equivalente do objeto no nível linguístico, isto é, um representante linguístico
resultante da composição de sujeito e predicado.

Devemos antecipar, no entanto, que quase a totalidade das reflexões de Tugendhat estão
orientadas para a linguagem natural. Não vamos discutir isso antes de ficar claro em que
consiste esta orientação pela linguagem natural. Vamos apenas ressaltar que, ao
sonegarmos a questão “De que linguagem se trata?”, muitos problemas surgem em
decorrência de uma confusão a respeito dos âmbitos de tematização. Podemos ver,
portanto, já na discussão de Russell com Strawson um sintoma disto, pois, Strawson
criticava Russell exatamente por ele não ver a linguagem como algo dependente do que hoje
denominaríamos de fatores pragmáticos, isto é, aqueles elementos que são contextuais e
relativos à intenção do falante e que são importantes para a compreensão do significado.
Russell, contudo, estava interessado em uma linguagem que pudesse ser usada sem
depender destes elementos para ser compreendida. Não parece óbvio que não se trata da
mesma linguagem em cada caso? Acusar a linguagem natural de confusa e indeterminada,
não atendendo às exigências de um discurso livre de ambiguidades, não é justamente exigir
da linguagem natural algo que ela não tem obrigação de alcançar? Acusar a linguagem —
completamente determinada e depurada de todos os elementos próprios à conversação
entre seres humanos — de ser uma linguagem “abstrata” não seria também uma
incapacidade de reconhecer às exigências que esta linguagem mais “exata” está tentando
atender?

Isto nos leva a ter que aprofundar a questão do significado em relação ao uso das
expressões na linguagem natural e ao uso das expressões com outras pretensões, por
exemplo, as pretensões associadas a uma exposição teórica.

Significado e uso da linguagem

A discussão a respeito do significado praticamente dominou boa parte das investigações da


primeira metade do século XX tanto nos estudos em filosofia quanto nos estudos em
linguística. Uma teoria do significado passou a ser algo a ser buscado por grande parte dos
estudiosos desses campos. A pergunta pelo significado deveria substituir, de certo modo, a
pergunta metafísica pela essência de algo ou por sua substância. Em vez de perguntar pela
essência da justiça, passou-se a perguntar pelo significado do conceito, da palavra, da
expressão “justiça”. Esta mudança foi um dos traços mais marcantes da filosofia analítica
então nascente e passou a ser conhecida como giro linguístico [linguistic turn].

Wittgenstein, um dos grandes nomes desse movimento, desenvolveu e defendeu a tese de


que “o significado de uma palavra é seu uso na linguagem”. Esta tese tornou-se, no fim das
contas, uma espécie de slogan: “significado é uso” [meaning is use], quer dizer, o significado
da palavra é dado no seu emprego, não haveria razão alguma para ficarmos perguntando
pelo significado como uma espécie de entidade metafísica situada em algum plano mais
elevado ou supor que existiria algo como a essência da justiça. Segundo Wittgenstein,
devemos compreender de que maneira usamos as palavras nos “jogos de linguagem”
[Sprachspiel] em que elas ocorrem. Esta tese teve um grande impacto, sobretudo na
pragmática linguística e semântica das linguagens naturais, além, é claro, nas filosofias que
consideravam o significado como algo separado das condições de uso das palavras.
Pensemos também na grande tradição metafísica que sempre se sentiu à vontade para
perguntar “O que é x?” em vez de perguntar “O que significa a expressão x?”. Trazer as
investigações metafísicas para o plano linguístico — no qual o que importa é compreender o
modo de uso de uma expressão na linguagem natural — é uma ruptura tão grande que
dificilmente podemos conceber todo o seu alcance. É como se, do dia para a noite, o caráter
especulativo da filosofia, além de ser tomado como algo ingênuo, fosse substituído por uma
pesquisa de caráter empírico. Há, portanto, um juízo severo a respeito da tradição filosófica
em muitas das convicções centrais que caracterizam o linguistic turn.
Já vimos, contudo, que existe um problema em restringir o significado das palavras à
dimensão da linguagem natural em que elas são empregadas. Frege e Russell, por exemplo,
pensavam que uma preocupação com a linguagem não deveria ser vista como uma
preocupação única e exclusiva com a linguagem natural. Esta divergência no interior do
próprio linguistic turn é muito importante, pois revela, ao mesmo tempo, uma multiplicidade
de objetivos das investigações em desenvolvimento e uma separação entre campos
temáticos. Além disso, esta divergência dá uma indicação de que o tema da linguagem não
pode ser visto de maneira unilateral e em conformidade com apenas um enfoque, seja ele
lógico ou pragmático.

Já dissemos que nossa própria convicção filosófica não se conforma às concepções


analíticas que sustentam que a atividade filosófica consistiria em analisar as palavras e
conceitos tal como aparecem na dimensão da linguagem natural. Uma das razões para
adotarmos esta posição está no fato de que, em filosofia, mais cedo ou mais tarde,
precisaremos recorrer a conceitos que não possuem uma correspondência com uma
situação de uso na dimensão prática. Nesse sentido, se não podemos reduzir a investigação
da linguagem à investigação da linguagem natural, não podemos, então, restringir o que
entendemos por “uso” ao uso que fizemos da linguagem no plano da comunicação e fala
cotidianas. Na verdade, podemos e devemos perguntar pelo uso da linguagem no plano
filosófico e teórico. Não é necessário, no entanto, já de início, cortar pela raiz a pretensão
desta filosofia de esclarecer a questão do significado apenas por ela restringir sua
compreensão às condições de uso, pois há desdobramentos importantes da ideia de
Wittgenstein e consequências que provocaram muitas mudanças no panorama da filosofia.
Vamos, portanto, considerá-la como um enfoque ao lado de outros e não como algo que
poderia substituir a tradição filosófica anterior apenas por deixar de perguntar pela essência
e perguntar pelo significado.

A noção de Wittgenstein ajuda a estabelecer um corte entre a atividade filosófica e a


pesquisa empírica no âmbito da linguagem. Não que o filósofo estivesse preocupado com
esta distinção, para ele era apenas mais um modo equivocado de compreender a atividade
filosófica. Devemos considerar, então, também a nossa pressuposição de que a atividade
filosófica não é um tipo de pesquisa empírica entre outras. Há certamente relações entre a
pesquisa empírica e a pesquisa filosófica, mas não deveríamos ver a filosofia como estando
ocupada com a linguagem do mesmo modo que a linguística se ocuparia. Uma das duas
seria irrelevante em razão de realizarem a mesma tarefa.

Por que, no entanto, o significado é algo tão importante? A investigação sobre o significado
está de fato entre os aspectos mais importantes no âmbito da filosofia da linguagem. No
entanto, não é apenas a questão do significado que interessa. Na verdade, ela aparece em
relação com muitos outros aspectos envolvendo a linguagem e está relacionada com um
pano de fundo de questões filosóficas que de um modo ou de outro persistiam sem solução
na tradição. Em vez de falarmos de mente e mundo, a partir apenas do enfoque analítico,
tornou-se relevante perguntar pela relação entre linguagem e mundo. Muitas questões
tradicionais experimentam modificações no modo de serem compreendidas quando são
vistas a partir do enfoque linguístico. Não é, portanto, apenas a questão do significado, mas
a questão de, por exemplo, de que maneira o modo como compreendemos o sujeito e o
predicado ou o termo geral e o termo singular em uma sentença contribuem para o
significado do todo da frase.

Podemos ficar com a noção de que quando compreendemos uma afirmação,


compreendemos o seu significado ou que se quer dizer com ela. Apesar de que alguém
poderia objetar que, ao falar de maneira tão vaga, não oferecemos muitas contribuições em
termos filosóficos. Da mesma forma, parece até ser estranho que a afirmação “significado é
uso” de Wittgenstein possa ter sido de alguma importância quando vista desta perspectiva.
Há, contudo, um pano de fundo de discussões filosóficas que fazem com que uma
afirmação destas seja muito importante. Devemos entender qual é a posição que ela
demarca e além disso quais são as concepções adversárias. Já vimos que a concepção de
Frege tende para o lógico e o formal de modo que ela seria um bom exemplo para contrastar
com a de Wittgenstein.

Wittgenstein era um grande admirador de Frege e de sua concepção e podemos dizer que
na primeira etapa de seu desenvolvimento intelectual, que culmina na publicação do
Tractatus, ele também poderia ser visto como um adversário da concepção de que o
significado é uso. O período subsequente, porém, é de tal forma disruptivo com o que o
antecedeu que já se tornou amplamente aceite a distinção entre um primeiro e um segundo
Wittgenstein.

Temos então duas direções de questionamento: uma que toma a linguagem na dimensão
natural e trata da questão do significado aí; a outra que toma a linguagem mais no sentido
de linguagem teórica e aborda a questão do significado para além da comunicação
cotidiana e trata dos conceitos e seus significados como modo de expressão e articulação
teórica. Temos então um âmbito mais voltado para a pragmática linguística, na medida em
que se preocupa com o falante e a intenção de suas elocuções; e temos a preocupação
mais teórica voltada para a sentença e o enunciado na medida em que abstraímos do
contexto e do falante. Vamos falar agora destas duas direções de investigação.

Pragmática da linguagem

A expressão “pragmática da linguagem” ou simplesmente “pragmática” denota um campo


de investigação que, segundo alguns, pertence à filosofia. De acordo com outros, contudo, a
pragmática seria um campo de estudos independente da filosofia, falar-se-ia então de uma
ciência ou disciplina autônoma.
A pragmática da linguagem pode ser caracterizada como a investigação das intenções
comunicativas de um falante e de seu reconhecimento por um ouvinte.  Neste sentido, a
pragmática está também preocupada com a questão do significado. Tradicionalmente,
contudo, a investigação dos fatores que determinam o significado é objeto da semântica. A
questão que se coloca, portanto, tem o seguinte teor: qual é a diferença entre pragmática e
semântica? Em geral, podemos dizer que a semântica não está preocupada com o papel
desempenhado pelo falante na produção do significado, quer dizer, ela trata da linguagem e
do significado com abstração do falante. Sabemos que também na lógica isso acontece, ela
não apenas faz abstração do papel do falante na sentença, mas também pode ir mais longe
e deixar de lado o próprio conteúdo proposicional das sentenças e lidar apenas com o que
se denomina de forma lógica. Em sentenças que constituem argumentos, ela pode ainda
verificar, de modo totalmente independente do valor de verdade das proposições, se eles
são válidos ou inválidos. É por isso que um argumento pode ser formalmente válido, embora
suas premissas não sejam verdadeiras. No entanto, se suas premissas são verdadeiras e
sua forma é válida, então dizemos que o argumento é correto. Esta distinção entre
pragmática, semântica e lógica tornou-se amplamente aceite a partir da formulação de
Carnap.

Se, em uma investigação, é feita uma referência explícita ao falante ou, em


termos mais gerais, ao usuário da linguagem, então essa referência pertence ao
campo da pragmática[…] Se nos abstrairmos do usuário da linguagem e
analisarmos somente as expressões e aquilo que designam, estamos no campo da
semântica. E se, por fim, abstrairmos também dos designata e analisarmos
apenas as relações entre as expressões, estamos na sintaxe (lógica) (apud
DASCAL p.28).

Esta classificação está baseada em uma espécie de critério de crescente abstração dos
elementos que se relacionam com e constituem os enunciados. Vemos aqui, novamente, a
influência de Frege na investigação e uma delimitação do tema que leva em conta certos
tipos de relações entre os elementos que constituem o grande campo da linguagem.

Podemos então caracterizar a semântica como a tentativa sistemática de explicar em que


consiste a relação entre as unidades de significação, sejam elas simples e/ou
complexas/compostas, e o mundo (Carnap fala de “expressões e aquilo que designam”).
Nesse sentido, uma teoria semântica deveria explicar também de que maneira ou em que
condições as sentenças são verdadeiras ou falsas.

Existem diversas teorias que tentam explicar essas relações e o fato de algumas delas
exigirem os termos em que se dá a satisfação das condições para que uma sentença seja
verdadeira acarreta que uma teoria da verdade surge como um complemento da semântica.
O sucesso da teoria da verdade de Tarski poderia, então, estar vinculado justamente ao fato
de tentar explicar não apenas a relação entre a linguagem e o mundo, senão também em
que consiste uma sentença que é verdadeira.

Quando, no entanto, não podemos fazer abstração nem do contexto de enunciação, do


papel do falante, e de como o ouvinte compreende o que é enunciado, estamos no campo
da pragmática linguística. Em um artigo intitulado Pragmática e intenções comunicativas,
que compõe o livro Interpretação e compreensão, Marcelo Dascal discute algumas questões
a respeito da classificação de Carnap. Para ele,

[o] primeiro problema é se a eliminação dos falantes (ou, mais genericamente,


das condições de uso) é praticável, isto é, se é possível — sem perda de
adequação descritiva e explanatória — desenvolver uma semântica e uma sintaxe
das linguagens naturais independentes da pragmática. (p. 29).

Parece-nos que o modo como Dascal aborda a classificação está equivocado pelo seguinte.
Os falantes parecem ser um elemento irrenunciável e constituinte da dimensão da
linguagem natural e, em nenhum momento, está dito que uma semântica das linguagens
naturais deve ser construída sobre a exigência de abstração do papel dos falantes. A
questão é se a pragmática trata de todas as questões que a semântica trata de tal maneira
que a semântica deveria apenas fazer parte da pragmática ou se, antes de tudo, aquilo que
interessa à semântica é diferente do que interessa à pragmática. Dascal, portanto, está
certo em dizer que a exigência de uma semântica das linguagens naturais que faça
abstração dos falantes não parece fazer sentido algum. Se o que entendemos por
linguagem, enquanto campo de investigação, restringe-se apenas às linguagens naturais,
toda e qualquer semântica seria semântica das linguagens naturais. Justamente isto, no
entanto, não é o caso. O grande campo de investigação da linguagem tem as linguagens
naturais como uma de suas partes e não a sua totalidade. Dascal erra, portanto, ao
considerar a semântica das linguagens naturais como a única semântica possível.

É tão fácil ver isto se considerarmos, por exemplo, que muitos enunciados, no campo de
ciências como a matemática e a física, não dependem do papel do falante para serem
compreendidos e, muito menos, têm suas condições de verdade determinadas pelo
contexto pragmático de enunciação. Enunciados com pretensão de objetividade deveriam
ser concebidos, sobretudo, como enunciados sobre a coisa mesma, o objeto, e não como
afetados de alguma forma pela subjetividade.

Você pode perceber que esta concepção entra em conflito com a posição de Kant, para
quem a objetividade ou a experiência está sempre mesclada com o aparato subjetivo que a
determina.
E quais as implicações dessa abordagem para a semântica? Aqui devemos perguntar se a
investigação do modo como nos referimos aos objetos na linguagem natural constitui o
tema de investigação da semântica. Se for assim, parece que uma semântica está sempre
amarrada às linguagens naturais. Como foi dito, no entanto, parece existir um modo de
referir-se aos objetos que não depende do papel do falante ou que se restrinja ao modo
como nos expressamos na linguagem natural. Uma semântica poderia investigar de que
maneira os enunciados com pretensão de objetividade independente do papel do falante
são constituídos e se estruturam. Teríamos então uma semântica das linguagens teóricas e
não apenas das linguagens naturais.

É muito estranho que tantos teóricos tenham compreendido “linguagem” apenas como
“linguagem natural”, sobretudo pelo fato de que, ao tratarem da linguagem natural,
empregam uma linguagem que não está mais submetida às exigências de comunicação
nos mesmos termos das linguagens naturais. Não deveria ser óbvio que a metalinguagem
que usam para falar da linguagem natural está submetida a um conjunto de exigências
significativamente diferentes das outras, isto é, submetida às exigências da exposição
teórica? Frege e Russell já haviam mostrado a possibilidade de dirigirmos a investigação
para além da linguagem natural. Na atualidade, a concepção filosófica de Lorenz Puntel,
desenvolvida no livro Estrutura e Ser: um quadro referencial teórico para uma filosofia
sistemática, desenvolve esta ideia com clareza e de maneira convincente. Não vamos
discutir detalhadamente este ponto, o que importa é perceber que a linguagem natural não é
o único campo de investigação e não é necessário escolher entre lógica e pragmática, pois
elas fazem parte de um quadro sempre mais amplo, a saber, da dimensão teórica.

Se podemos falar então de uma semântica das linguagens naturais, o que não está de
acordo com Carnap, e podemos falar também de uma semântica das linguagens teóricas,
parece que uma disputa pelo predomínio de uma ou outra não faz qualquer sentido. Cada
uma das abordagens se dedica a campos de investigação distintos e seguem exigências
distintas. A classificação de Carnap, portanto, deveria ser revista de tal modo que desse
conta da diferença entre os campos de investigação e as exigências correspondentes em
vez de compreender o campo “linguagem” como algo uniforme.

Tornou-se comum, para diferenciar a pragmática da semântica, dizer que a primeira estaria
preocupada com o significado e a segunda com as condições de verdade. Quando, no
entanto, percebemos que é possível separar a semântica das linguagens naturais da
semântica das linguagens teóricas, imediatamente somos levados a perguntar pelo
significado e pelas condições de verdade em cada uma delas. Tomemos um enunciado da
linguagem natural, que pode ser analisado de acordo com o enfoque da pragmática, e
vamos perguntar pelo significado e pelas condições de verdade. Alguém diz “O Sol nasce no
Leste e se põe no Oeste”. Não há dificuldades em compreendermos o significado desta
afirmação e, por experiência, considerar que este é um enunciado verdadeiro. Sabemos, no
entanto, que, de acordo com a astronomia, este enunciado não é verdadeiro, pois o sol nem
se põe e muito menos nasce, estas são formas de falar que fazem sentido na dimensão da
linguagem e experiência naturais, mas não fazem sentido para a astronomia. Isto demonstra
que existem diferenças significativas entre o modo como articulamos nossa experiência
natural e o modo como articulamos a explicação de um fenômeno conforme as exigências
de determinada ciência. Dizer que o sol nasce no Leste e se põe no Oeste é algo livre de
dúvidas segundo esta experiência natural e suas exigências de comunicação. A pragmática
irá envolver-se com isto. Do ponto de vista das exigências do discurso teórico da
astronomia, no entanto, não faz sentido falar desta forma. Usamos este exemplo como
mais uma forma de questionar tanto a classificação de Carnap quanto a abordagem dos
teóricos da pragmática.

O enfoque pragmático e o enfoque semântico das linguagens naturais, portanto, pode ser
compreendido da seguinte forma: a pragmática irá investigar os elementos que são
necessários para a compreensão do significado das sentenças e enunciados e que não
podem ser encontrados apenas neles, mas dependem de elementos contextuais e relativos
ao falante. A semântica das linguagens naturais, por sua vez, estará preocupada com o
significado e as condições de verdade das sentenças na medida em que o significado pode
ser compreendido independentemente daqueles elementos, ou seja, considerando que o
que está dito na sentença depende apenas do significado dos elementos que a constituem.

É muito importante para a semântica a tese de Frege segundo a qual “Somente no contexto
da sentença as palavras significam algo.”

Esta tese também é aceite pela pragmática, ela, contudo, não tem em vista uma teoria da
relação entre linguagem e mundo, mas pressupõe a existência dessa relação ou aceita uma
forma ou outra das teorias desse tipo disponíveis no interior da filosofia. A pragmática
considera, contudo, que o falante desempenha um papel na formação do significado. Para
ela, portanto, o significado transborda as fronteiras da sentença, tal como considerado por
Frege. Há, para ela, fatores que não podem ser determinados apenas pela análise da
sentença tal como a semântica ou a lógica a concebem. Permanece, no entanto, a questão
da origem do significado das expressões. Quando apelamos para o significado literal, temos
uma base para a compreensão. Quando, contudo, damo-nos conta de que existe mais do
que o significado literal, precisamos deslocar a investigação para o contexto e intenção do
falante ou, em termos semânticos, em direção ao conjunto de pressupostos que irão
determinar o modo como a sentença deverá ser compreendida.

Para a pragmática, portanto, o contexto não é apenas o contexto da sentença, mas aquilo
que subjaz ao proferimento de uma sentença por um determinado falante e o modo como
isso é recebido por um ouvinte. É por isso que o conceito de “intenção comunicativa” é tão
importante para ela. A intenção comunicativa subjaz ao comportamento linguístico. Falando
estritamente, nós temos acesso, de fato, ao comportamento linguístico observável, mas isto
pode não ser suficiente, em algumas circunstâncias, para apreender o significado desse
comportamento linguístico ou da intenção comunicativa que está à sua base. Se existem
problemas na comunicação é porque nem sempre o significado de um enunciado pode ser
compreendido corretamente. Uma sentença pode ter um significado se tomada
independentemente do contexto e outro quando proferida por alguém em determinada
situação. Se digo, por exemplo, “Está quente aqui!”, a intenção comunicativa que subjaz a
ação linguística quando proferida em um lugar em que todos estão tremendo de frio será
diferente do que quando proferida por alguém que está na frente de um forno e suando aos
cântaros. No primeiro caso, a elocução “Está quente aqui!” diz exatamente o contrário do
que diz a mesma elocução no segundo caso e, no entanto, a sequência de palavras ou a
sentença é a mesma.

Devemos então perguntar: o contexto de uma sentença é sempre este contexto pragmático,
isto é, o contexto de enunciação que envolve o falante? Já deve ter ficado claro que o
conceito de “contexto” não se refere única e exclusivamente ao contexto pragmático.
Poderíamos muito bem falar de outros contextos de enunciação. O que se apresenta como
uma alternativa evidente, neste caso, é o contexto científico, aquele que determina a
diferença entre um enunciado baseado na perspectiva da atitude cotidiana e aquele
baseado nas exigências de uma ciência como a astronomia. Não estaríamos de acordo com
alguém que diz que a verdade do enunciado “Todo corpo permanece em seu estado de
repouso ou de movimento uniforme em linha reta, a menos que seja obrigado a mudar seu
estado por forças impressas nele.” (NEWTON, p.31) depende da situação ou do contexto do
falante. Parece ser mais correto dizer, aqui, que há enunciados que são verdadeiros
independentemente do contexto de enunciação tal como compreendido pela pragmática.
Isto não significa, no entanto, que ele seja independente de qualquer contexto. Deveríamos
falar, então, de um contexto teórico que suporta ou serve de base para tais enunciados.
Finalizando a Unidade 

Nesta Unidade, procuramos mostrar como ocorre a mudança de uma forma de pensar
em que a linguagem é vista como um mero meio expositivo daquilo que acontece na
vida interior do indivíduo, sobretudo no que diz respeito à relação com os objetos, para
uma forma de pensar que coloca pergunta pelos elementos da linguagem que
permeiam estas referências. O vínculo com as teorias da representação aparece aqui
de modo evidente, embora a reflexão de caráter linguístico já se coloque em uma
direção que pretende resolver muitos impasses que ocorrem no interior da
epistemologia alicerçada sobre o conceito de representação.

Na transição de um modo de pensar baseado na representação para um modo de


pensar que reflete sobre as expressões linguísticas a questão do significado deve se
impor. Na tradição filosófica as representações de objetos desempenhavam um papel
crucial para explicar de que maneira se dava nossa referência aos objetos. Era como
se possuíssemos uma representação mental de tudo aquilo que entramos em contato
pelos sentidos. Em vez de discutir de que maneira as representações podem ser fiéis
aos objetos, passasse, com o enfoque linguístico, à reflexão sobre aquelas
expressões que utilizamos para nos referirmos a objetos. No caso dos termos
singulares parece não existir muitas dificuldades, ao menos se deixarmos de lado as
descrições definidas. Quando questionamos, no entanto, os predicados, os termos
gerais, a questão a respeito de seu significado se impõe e aí aparece um conflito entre
uma concepção objetivante dos predicados e, por conseguinte, dos próprios
enunciados, e uma concepção que visa compreender a função destes elementos
constituintes das sentenças predicativas singulares (frases assertóricas).

Vimos também que uma abordagem semântica do significado enfatiza o papel


desempenhado ou a função desempenhada pelos termos componentes do enunciado,
os quais estão sempre em uma relação de dependência com o todo da sentença. Já o
enfoque de caráter pragmático, por sua vez, afirma que o significado depende também
do contexto em que o enunciado é proferido e da maneira como é veiculada a
intenção do falante nele.
©2018 Copyright ©Católica EAD. Ensino a distância (EAD) com a qualidade da Universidade Católica de Brasília

Dica do Professor 
Leia a Lógica e conversação  de Herbert Paul Grice. Apesar de ser um texto longo, é um
dos mais importantes no âmbito da pragmática linguística. Complementa os aspectos que
foram apenas discutidos brevemente nesta Unidade a respeito da pragmática.
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Saiba Mais 
O texto “Proposições, frases e afirmações ” de Pascal Engels serve como complemento
dos temas estudados nesta Unidade.
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Referências 
DASCAL, Marcelo. Compreensão e interpretação. São Leopoldo:  Editora Unisinos,
2006.

TUGENDHAT, Ernst. Lições introdutórias à filosofia analítica da linguagem. Ijuí: Editora


da Unijuí, 2006.

TUGENDHAT, Ernst; WOLF, Ursula. Propedêutica lógico-semântica. Petrópolis, RJ:


Vozes, 2005.

WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigações filosóficas. Petrópolis: Vozes, 2005.

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