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Fátima Reis — Argumentação e lógica formal Página 1

Argumentação e lógica formal1

Fátima Reis

Introdução

O ser humano é um ser racional, ou seja, é dotado de pensamento, da capacidade de


reflexão. É de facto essa característica que o torna único e excepcional no Planeta Terra:
é o único que se interroga, que quer sempre saber mais, que quer saber como as coisas
funcionam, que pergunta se as coisas não poderiam ser de outra maneira, que investi-
ga. É aqui que reside a sua especificidade, a sua autonomia, a sua liberdade: o pensar
por si mesmo, o pensar de forma crítica, defendendo os seus pontos de vista. Como diz
o poeta, «sempre que um Homem sonha o mundo pula e avança»2. Se o ser humano
não ousa pensar, o mundo não progride. O ser humano inventou o automóvel, a televi-
são, o computador, o telemóvel, os antibióticos, as vacinas, etc. Todas estas coisas, e
outras, existem porque há pessoas que procuram saber por que uma pessoa tem razão,
se é que tem, se concordam ou não com essa pessoa e porquê; ou seja, investigam.
Investigar é construir teorias próprias e verificá-las. É assim que a ciência avança.
No entanto, o que o ser humano inventa não é criado por indivíduos isolados. O ser
humano é um ser social, ou seja, realiza-se em contacto e em interacção com os outros,
em sociedade. Nessa interacção, o ser humano necessita de comunicar, de partilhar
com os outros as suas ideias, assim como mostrar as razões que o levam a defendê-las.
Mas, ao contrário do que muitas vezes acontece, ele não pode, ou não deve, apresentar
razões de qualquer maneira: é preciso que essas razões façam sentido e que sejam cor-
rectas. Quanto mais rigoroso for o seu pensamento, melhor apresentará as suas razões,
os seus argumentos, para defender um ponto de vista, sobre o que quer que seja: pedir
um aumento da mesada aos pais, mostrar aos amigos qual julgamos ser o melhor parti-
do político, mostrar à professora a necessidade de mudar a data do teste, etc.
É precisamente aqui que entra a lógica. Ela ajuda-nos a pensar melhor, de forma
correcta, e a expor de forma rigorosa o nosso pensamento. Se soubermos um pouco de
lógica conseguimos mostrar de maneira mais eficaz o nosso ponto de vista ou opinião
sobre algo, somos capazes de perceber se as opiniões dos outros são ou não bem fun-
damentadas, conseguimos argumentar melhor.
Vamos, então, abordar algumas noções básicas de lógica.

1 Trabalho realizado no âmbito da acção de formação «Lógica e Filosofia nos Programas do Ensino
Secundário do 10.º e 11.º anos», orientada por Desidério Murcho, e que decorreu Centro de Formação de
Professores de Matosinhos, em Julho de 2006. Agradeço a Desidério Murcho as suas sugestões e correc-
ções que permitiram a realização deste trabalho e a sua disponibilidade para esclarecer as dúvidas que me
surgiram ao longo da realização do mesmo.
2 António Gedeão, «Pedra Filosofal» in Movimento Perpétuo. Coimbra, 1956.

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O que é a lógica?

Aristóteles, filósofo grego que viveu entre 384 e 322 a.C., foi, tanto quanto sabemos,
o primeiro a desenvolver uma teoria lógica articulada. A lógica foi depois complemen-
tada pelos estóicos, filósofos da Grécia antiga, e sistematizada durante a Idade Média.
No entanto, só nos séculos XIX e XX esta disciplina teve avanços significativos, tornan-
do-se uma disciplina importante do conhecimento.
Todas as disciplinas têm uma determinada área de estudo, o seu objecto de estudo.
Podemos afirmar que o objecto de estudo da lógica é a argumentação. O que é
argumentar? Argumentar é defender ideias com razões. Como todos os dias temos de
defender ideias perante os outros, acerca dos mais variados assuntos, podemos concluir
que a argumentação está sempre presente no nosso quotidiano, mesmo que não nos
apercebamos disso. Podemos perguntar se a lógica é importante ou se é necessário o
seu estudo. Mas para responder a essa questão é preciso argumentar, ou seja, apresen-
tar razões para defender a nossa posição. Se não soubermos lógica, não sabemos se os
argumentos apresentados são bons ou não, se fundamentam bem a posição que se quer
defender.
Mas a lógica não estuda todos os aspectos da argumentação. Há na argumentação
aspectos psicológicos, históricos, sociológicos, por exemplo, que a lógica não estuda.
Então, quais são os aspectos da argumentação que a lógica estuda? A lógica estuda os
aspectos da argumentação que nos permitem fazer essencialmente o seguinte:

• Distinguir os argumentos correctos dos incorrectos;


• Compreender por que razão uns são correctos e outros não; e
• Aprender a argumentar correctamente.

São alguns desses aspectos que vamos analisar a seguir.

Frases e proposições

Quando queremos comunicar recorremos à linguagem, formulamos frases, vários


tipos de frases. Será que todos os tipos de frases expressam as nossas ideias, as nossas
opiniões? Será que todas as frases interessam à lógica? Vejamos se conseguimos res-
ponder a estas questões. A primeira coisa a fazer é precisamente saber o que são frases.

O que são frases?

Analisemos as seguintes sequências de palavras:

• isso eu quero não é que


• pois pois

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• Marte é um dos planetas do nosso sistema solar.


• A composição química da Coca-Cola é H2O.

Facilmente podemos concluir que apenas as últimas duas sequências são frases, não
é? Porquê? Porque as frases são sequências de palavras que exprimem os nossos pen-
samentos, as nossas vontades, os nossos desejos, ou que servem para dar ordens ou
fazer uma pergunta. Por isso, têm de fazer para nós algum sentido, ou seja, a sequência
tem de ter uma determinada ordem gramatical para que isso aconteça, seguindo um
determinado código linguístico.
Agora interessa-nos esclarecer outra questão: a de saber se todos os tipos de frases
interessam à lógica. Já referimos que a lógica é indispensável para que possamos apre-
sentar boas razões que sustentem as nossas opiniões. Ora bem, quer quando exprimi-
mos a nossa opinião quer quando exprimimos as razões que a fundamentam, estamos a
utilizar frases, mas apenas um tipo de frases — aquelas que exprimem proposições. E o
que são proposições? Podemos afirmar que uma proposição é o pensamento que
uma frase declarativa literalmente exprime.
Apenas as frases declarativas interessam à lógica, pois só elas exprimem proposi-
ções, ao contrário das interrogativas e das exclamativas. Só as frases declarativas
exprimem proposições porque exprimem pensamentos que têm valor de verdade. O
que é o valor de verdade? É o que nos permite considerar uma frase declarativa
verdadeira ou falsa, porque ela tem um valor de verdade: é sempre ou verdadeira ou
falsa, independentemente de nós sabermos ou não o seu valor de verdade. Assim, pode-
rá a frase «a que horas é o jantar?» ser considerada verdadeira ou falsa? Não, pois não
tem valor de verdade: a questão da verdade ou falsidade não se coloca, não faz sentido.
Só numa frase declarativa, numa asserção, é que afirmamos ou negamos algo, e só
quando o fazemos é que se coloca a questão do valor de verdade; por isso só este tipo de
frases exprimem proposições e apenas estas verdadeiramente interessam à lógica.
Frases diferentes podem exprimir a mesma proposição, porque têm o mesmo signi-
ficado, ou seja, exprimem a mesma ideia. Isto acontece quer em línguas diferentes quer
na mesma língua. Por exemplo, as frases «o céu é azul» e «sky is blue» exprimem a
mesma proposição, apesar de serem frases diferentes. Percebe-se que «A Maria venceu
o Carlos» e «O Carlos foi vencido pela Maria» são frases que têm o mesmo significado.
Porquê? Porque ambas exprimem a mesma proposição. As proposições são como veícu-
los que enunciam como as coisas são ou poderiam ter sido. O que verdadeiramente
interessa à lógica são as proposições e não as frases. As frases escritas nesta folha, por
exemplo, são um conjunto de grafismos impressos de uma determinada maneira. Mas
podiam ser outros conjuntos de grafismos, constituindo outras frases, ou podiam ser
frases escritas noutra língua e mesmo assim transmitirem as mesmas ideias, exprimi-
rem as mesmas proposições. O que interessa à lógica não são as frases mas aquilo que
elas exprimem. Isto significa que as proposições são abstractas e que são expressas por
frases declarativas com valor de verdade.
Ora bem, já vimos que diferentes frases podem exprimir uma mesma proposição.
Mas também pode acontecer o contrário. Neste caso, trata-se de uma frase ambígua. O

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que é a ambiguidade? Uma frase é ambígua quando exprime ideias diferentes,


quando exprime duas ou mais proposições. A ambiguidade das frases pode ser de tipo
semântico ou de tipo sintáctico, entre outros. O primeiro caso acontece quando utiliza-
mos palavras que podem ter mais que um significado. Por exemplo, a palavra «canto»
pode referir-se ao canto da sala ou ao canto do pássaro; assim como a palavra «banco»
pode significar o banco em que nos sentamos ou uma entidade bancária. Normalmente,
percebe-se pelo contexto qual das proposições se pretende exprimir. O segundo caso
acontece quando, apesar de nenhuma das palavras ser ambígua, a frase é ambígua por
poder ter dois significados ou mais. Por exemplo, a frase «O João viu a Maria com os
binóculos» pode ser usada para afirmar que o João viu a Maria, que estava com binócu-
los, ou pode ser usada para afirmar que o João viu a Maria através de binóculos.
Geralmente, estas ambiguidades podem ser suprimidas se reescrevermos as frases com
palavras ordenadas de forma diferente ou através de pontuações diferentes. Para ser-
mos rigorosos ao defendermos as nossas ideias devemos evitar frases ambíguas, assim
como devemos ter cuidado com elas quando estamos a tentar perceber os argumentos
de outros. É fundamental compreender que captar uma proposição expressa por uma
frase não é apenas captar o significado da frase, pois temos também de ter em conside-
ração o que as palavras referem.
É preciso também ter cuidado com as frases vagas. O que é a vagueza? Às vezes
deparamo-nos com frases que não sabemos exactamente o que significam porque dão
origem a casos de fronteiras indecidíveis. Estas são as chamadas frases vagas. Por
exemplo, «Há muitas negativas no teste de história» é uma frase vaga. Muitas, quan-
tas? A partir de quantas são muitas as negativas? Outro exemplo ainda: «O professor de
matemática é calvo» é uma frase vaga porque não sabemos exactamente quando pode-
mos considerar alguém calvo, ou a partir de quantos cabelos. Quinhentos cabelos, cem?
Tanto é calvo quem não tem cabelo algum como é calvo quem tem meia dúzia de cabe-
los. A partir de quantos cabelos deixa de ser calvo? Aqui está o problema. É claro que a
nossa linguagem por vezes é vaga e não se pretende eliminar a vagueza da linguagem,
até porque talvez seja impossível. O que se pretende é tentar diminuir essa vagueza
para que possamos ser o mais precisos possível. Quando exprimimos as nossas ideias,
ou quando formulamos as ideias dos filósofos, devemos sempre ser o mais precisos e o
menos vagos possível, pois só assim podemos saber com precisão que proposição está a
ser expressa. O que pretendemos ao argumentar? Pretendemos que os outros aceitem
as nossas opiniões ou teses, não é? Ora, se formos vagos ao argumentar não as expri-
mimos claramente, bem como as razões com que as fundamentamos, correndo, assim,
o risco de não sermos bem compreendidos. Se não formos bem compreendidos dificil-
mente aceitarão os nossos argumentos.
Muitas vezes é usado o termo «juízo» como sinónimo de «proposição»; porém o
juízo é apenas o tipo de proposição usado na lógica aristotélica.

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Proposições e argumentos

Já vimos que para exprimirmos a nossa posição ou opinião sobre algo recorremos a
frases, mas não a todo o tipo de frases: apenas àquelas que exprimem proposições, as
que têm valor de verdade. No entanto, será que podemos defender uma ideia apenas
com uma proposição? Ou será que precisamos de várias proposições? Seria difícil
defender uma ideia apenas com uma proposição. Uma proposição pode exprimir a nos-
sa opinião, mas precisamos de razões para a sustentar, caso contrário não estamos a
argumentar. É, então, indispensável elaborarmos várias proposições. Essas proposições
têm de formar um argumento. Só assim podemos apresentar razões para defender uma
ideia, uma tese. Mas o que é um argumento?
Um argumento é um conjunto de proposições em que se pretende que haja uma
ligação entre as mesmas. Mas não é suficiente que as proposições tenham uma ligação
qualquer. Por exemplo, um conjunto de proposições pode ser acerca do mesmo assunto
e até utilizar as mesmas noções, mas isso não significa que constitua um argumento.
Porquê?
Porque num argumento pretendemos defender uma ideia através de razões. A liga-
ção que se pretende estabelecer entre as proposições que constituem um argumento é a
seguinte: queremos que uma delas (a conclusão) seja sustentada, justificada, por outras
(as premissas). Podemos afirmar que um argumento é um conjunto de proposições,
mas nem todos os conjuntos de proposições são argumentos. Isto significa que qual-
quer argumento tem de ter uma estrutura, que consiste na relação de dois elementos: a
conclusão e as premissas. Um raciocínio ou uma inferência é um argumento, pois
raciocinar ou inferir é retirar conclusões a partir de premissas.
A conclusão é a ideia que queremos defender, é a nossa opinião acerca de algo, é a
nossa tese; e as premissas são as razões que apresentamos para defender ou fundamen-
tar tal ideia ou tese. Portanto, todos os argumentos têm conclusão e premissas. É fun-
damental perceber que um argumento só pode ter uma conclusão, só podemos defen-
der uma ideia ou tese em cada argumento, mas pode ter uma ou várias premissas.
Vejamos os seguintes exemplos:

A B

O céu é azul, por vezes com nuvens. Todos os tipos de música são bons.
As nuvens têm formas engraçadas. A música «pimba» é um tipo de música.
O azul é a minha cor preferida. Logo, a música «pimba» é boa.

Os exemplos A e B são conjuntos de proposições? Claro que são. Mas são ambos
argumentos? Claro que não. Porquê? Porque no exemplo B pretende-se que haja rela-
ção entre as proposições, que haja uma conexão lógica; ou seja, que a conclusão (a
última proposição) seja retirada das premissas (as primeiras duas proposições); alguém
quer sustentar aquela conclusão com aquelas premissas — portanto, temos um argu-
mento. Mas no exemplo A temos um conjunto de proposições em que não se pretende

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que haja ligação entre elas, não se pretende apresentar uma conclusão que seja susten-
tada por premissas, por isso não é um argumento. Estes exemplos são simples, mas no
dia-a-dia nem sempre é assim. Muitas vezes, argumentamos sem apresentar todas as
nossas premissas porque algumas delas são tão óbvias que seria desnecessário ou até
ridículo apresentá-las. Essas premissas, que não são apresentadas, são o que podemos
chamar «premissas suprimidas». Apesar de não serem apresentadas, são muito impor-
tantes porque nos permitem saber se há a ligação que se pretende entre a premissa
apresentada e a conclusão. Elas estão sempre implícitas no argumento, temos de des-
cobri-las, o que não é fácil.
Há textos que são essencialmente argumentativos e há textos que, não sendo pro-
priamente argumentativos (podem ser informativos ou literários), contêm argumentos.
Temos de estar mais atentos e munirmo-nos de algumas estratégias. Como podemos
descobrir os argumentos nos textos?
Para descobrirmos e compreendermos os argumentos presentes em determinados
textos temos de:

• Saber que a conclusão pode estar no início ou no fim do argumento;


• Eliminar o ruído;
• Distinguir bem as premissas das conclusões;
• Conhecer os indicadores de premissas e indicadores de conclusão.

Nem sempre apresentamos primeiro as razões que fundamentam uma conclusão.


Muitas vezes apresentamos primeiro a ideia que queremos defender e só depois as
razões que a justificam. Não nos podemos esquecer disso quando procuramos um
argumento. Num texto pode haver palavras que não são significativas para o argumen-
to, embora muitas vezes possam querer fazer crer o contrário. Pode acontecer, por
exemplo, num texto literário, a título de embelezamento do texto. Mas também pode
acontecer quando nos querem forçar a aceitar um argumento. Isso é aquilo a que cha-
mamos o ruído. É fundamental eliminá-lo para percebermos bem o argumento e ver-
mos se ele é correcto ou incorrecto. Claro que para o percebermos bem temos também
de dominar as noções de premissa e de conclusão. Para as distinguir nos textos temos
algo que nos pode ajudar:

Indicadores de conclusão Indicadores de premissas


Logo ... Ora ...
Portanto ... Dado que ...
Por isso ... Porque ...
Por conseguinte ... Como ...
Segue-se ... Visto que ...
Consequentemente ... Devido a ...
É por essa razão ... A razão é que ...
Daí que .. Por causa de ...
Concluo ...

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Normalmente, os indicadores de conclusão antecedem a conclusão, indicando-a


facilmente, o que é fundamental para a identificação de um argumento. Também os
indicadores de premissas surgem, normalmente, antes das premissas, o que permite
identificá-las mais facilmente.

Validade e verdade

A noção de validade tem em lógica um sentido diferente daquele que muitas vezes
usamos no quotidiano. Frequentemente, identificamos validade e verdade: dizemos que
algo é válido querendo dizer que é verdadeiro, consideramos que algo é válido porque é
verdadeiro. Em lógica as coisas não são bem assim. Porquê? Vejamos os seguintes
exemplos:

A B

Os algarvios são portugueses. Os argentinos são africanos.


Os portugueses são europeus. Os africanos são europeus.
Logo, os algarvios são europeus. Portanto, os argentinos são europeus.

Podemos considerar os dois exemplos dois argumentos? Claro que sim, uma vez
que há três proposições relacionadas de modo a retirar das premissas (as duas primei-
ras) uma conclusão (a última). Há alguma diferença entre os argumentos A e B? Ime-
diatamente se pode constatar que o argumento A é constituído por proposições verda-
deiras, enquanto o argumento B é constituído por proposições falsas. Podemos afirmar
que o argumento A é verdadeiro? Não. A questão do valor de verdade só se coloca em
relação às proposições, não se coloca em relação aos argumentos: nós afirmamos ou
negamos algo sobre a realidade nas proposições e não no encadeamento entre elas. Isto
significa que as proposições, mas não os argumentos, podem ser verdadeiras ou falsas e
os argumentos, mas não as proposições, podem ser válidos ou inválidos. A questão da
validade é uma questão central em lógica, por isso, convém esclarecê-la. A validade
pode ser dedutiva ou indutiva. Vamos aqui reflectir apenas sobre a validade deduti-
va.
Há alguma semelhança entre os dois argumentos? Se repararmos bem vemos que
há. O quê? Os argumentos têm a mesma estrutura, ou seja, o mesmo tipo de encadea-
mento entre as premissas e a conclusão: é aquilo a que chamamos forma lógica.
Podemos esquematizar assim:

Todos os F são G.
Os G são H.
Logo, os F são H.

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Independentemente dos termos usados no lugar das letras F, G e H, a estrutura do


argumento é a mesma. Nos exemplos A e B apresentados acima poderíamos substituir
os termos «portugueses», «europeus» e «africanos» por quaisquer outros que a estru-
tura do argumento permaneceria igual. Para a questão da validade dedutiva o que inte-
ressa é a forma do argumento (há diversas formas lógicas) e não o conteúdo das propo-
sições. Os argumentos A e B são válidos. Isto significa que um argumento pode ser váli-
do independentemente de ter premissas e conclusões verdadeiras ou falsas. Mas o que
é um argumento válido?
Se analisarmos o argumento A imediatamente vemos que é impossível as premissas
serem verdadeiras e a conclusão falsa, ao mesmo tempo, não é? É isso mesmo a valida-
de dedutiva: num argumento dedutivamente válido é impossível as premissas serem
verdadeiras e a conclusão falsa. Só quando há a possibilidade, uma única que seja, de as
premissas serem verdadeiras e a conclusão falsa é que um argumento dedutivo é inváli-
do; de resto todas as outras alternativas são possíveis, tal como se apresenta no seguin-
te quadro:

PREMISSAS CONCLUSÃO VALIDADE DO ARGUMENTO


Verdadeira
Falsas Falsa Válido ou Inválido

Verdadeira
Verdadeiras Falsa Inválido

Podemos agora colocar outra questão: então, se podemos ter argumentos válidos
com premissas e/ou conclusões falsas, qual é o interesse da validade dedutiva? Qual o
interesse de a termos em consideração quando argumentamos? Seguramente é neces-
sário algo mais que um argumento válido. É necessário um argumento sólido. O que é
um argumento sólido? Podemos afirmar que o que está aqui em questão é seme-
lhante ao que está em questão na confecção de um bolo: o modo como se misturam os
ingredientes é muito importante, mas não é o único aspecto a ter em consideração para
obtermos um bom bolo. De facto, se os ingredientes não forem bons, ou forem de má
qualidade, por muito bem que sejam misturados, o bolo não será bom. Para o bolo ser
bom é preciso que os ingredientes sejam bem misturados e que sejam de boa qualidade.
Então, podemos afirmar que num argumento é necessário que as proposições estejam
bem encadeadas, mas também é preciso que as premissas sejam verdadeiras, ou seja, é
preciso que o argumento seja válido mas também sólido.
Há uma diferença entre argumentos válidos e argumentos sólidos. De facto, o que
nos interessa é ter argumentos sólidos, mas não os temos se eles não forem válidos. A
validade é uma característica essencial dos argumentos para que eles sejam sólidos, no
entanto não é suficiente. Para termos argumentos sólidos é necessário que eles sejam
válidos e que tenham premissas verdadeiras. Na argumentação, é essencial usar pre-
missas verdadeiras e argumentos válidos, pois só assim chegaremos a conclusões ver-
dadeiras. Os argumentos sólidos interessam à argumentação, porém podemos acres-

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centar ainda outra característica importante para os argumentos no domínio da argu-


mentação: serem bons. O que é um argumento bom?
Um argumento bom é um argumento sólido em que as premissas são mais plausí-
veis, mais aceitáveis, que a conclusão, ou seja, têm de ser menos discutíveis que a con-
clusão. De facto, se queremos defender uma ideia ou tese, queremos levar o interlocu-
tor a aceitá-la. Só o conseguimos realmente fazer se partirmos de premissas que ele já
aceite para, depois do encadeamento lógico válido, poder também aceitar a conclusão.
Não esquecer, no entanto, que só argumentamos bem com argumentos bons, mas
não há argumentos bons se não forem sólidos e válidos. Daí que a relação entre argu-
mentação e lógica formal seja essencial, o que nos permite concluir que o papel da lógi-
ca na filosofia é de facto fundamental.

Bibliografia

Almeida, Aires et al. (2004) A Arte de Pensar: 11.º Ano. Lisboa: Didáctica Editora.
Murcho, Desidério (2003) O Lugar da Lógica na Filosofia. Lisboa: Plátano.
Newton-Smith, W. H. (1998) Lógica: Um Curso Introdutório. Lisboa: Gradiva.
Rodrigues, Luís et al. (2004) Filosofia: 11.º Ano. Lisboa: Plátano Editora.
Weston, Anthony (1996) A Arte de Argumentar. Lisboa: Gradiva.

Sítios na Rede

http://criticanarede.com.
http://www.didacticaeditora.pt/arte_de_pensar.

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