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As competências dos alunos de Filosofia no ensino médio: uma via


para desenvolvê-las

Denise Maria Rosa dos Santos1

O ensino visando o desenvolvimento de competências passou a ser


utilizado com o intuito de obter algo que vá além de um ensino que concebe o
aluno como mero espectador do conhecimento transmitido pelo professor, pois
pretende que o estudante desenvolva autonomia para poder utilizar o que
aprendeu, ou seja, o conteúdo, em outras situações. A substituição de um
ensino meramente transmissor de conteúdo pelo desenvolvimento de
competências permitiu outro olhar para o ensino e a possibilidade de readaptar
métodos empregados em sala de aula. O professor deve estabelecer objetivos
para a aprendizagem, utilizar métodos eficazes para desenvolver as
competências e constatar por intermédio da avaliação se essas competências
foram ou não efetivadas e, por conseguinte se os métodos utilizados foram
eficazes. No caso delas não serem efetivadas há um retorno por parte do
professor aos objetivos traçados anteriormente com vistas a reformular os
métodos de acordo com as competências que se quer desenvolver.

Em “Dez novas competências para ensinar” é definida competência como


“uma capacidade de mobilizar recursos cognitivos para enfrentar um tipo de
situação” (PERRENOUD, 2000, p. 15). Para desenvolver essa capacidade é
requerido um passo importante durante a situação de aprendizagem:

O exercício da competência passa por operações mentais complexas,


subentendidas por esquemas de pensamento (Altet, 1996; Perrenoud, 1996l,
1998g), que permitem determinar (mais ou menos consciente e rapidamente)
e realizar (de modo mais ou menos eficaz) uma ação relativamente adaptada
à situação. (PERRENOUD, 2000, p. 15).

As competências não só orientam os alunos em seu processo de


aprendizagem, como também estabelecem o que o professor irá utilizar para
isso.

1
Estudante de Licenciatura em Filosofia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e
bolsista do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência/Filosofia UFRGS.
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Philippe Perrenoud em “Construir as competências desde a escola”


mostra que dominar os conhecimentos não é o suficiente, é preciso também
saber mobilizá-los e aplicá-los de modo pertinente à situação. Ele utiliza o
exemplo da língua estrangeira, onde é preciso além dos conhecimentos
específicos, a prática oral e escrita desta (PERRENOUD, 2000). Tornamo-nos
competentes por meio da prática, utilizando o conhecimento adquirido e
identificando as situações que o exigem. Não se trata apenas de transmitir um
conhecimento, mas de tornar o aluno capaz de utilizar de alguma forma aquilo
que aprendeu. O aluno, então, não é mais passivo na sala de aula, no sentido
de que está ali apenas para receber informações, mas torna-se participativo na
construção do seu conhecimento, pois desenvolve meios de enfrentar
situações com o conhecimento aprendido, não apenas situações que ocorram
na sala de aula, mas também externas a ela.

Já Philippe Jonnaert define competência provisoriamente, sintetizando as


noções que aparecem constantemente em ciências da educação e destacando
uma ideia em particular: a de que o desenvolvimento de competências repousa
na resolução de uma situação ou família de situações. (JONNAERT, 2010). Na
definição provisória: “a competência é o resultado do tratamento concluído de
uma situação por uma pessoa ou por um grupo de pessoas em um
determinado contexto.” (JONNAERT, 2010, p. 69). É ainda especificado que
esse tratamento deve se basear nas experiências de quem trata a situação e
ainda apoiar-se em um conjunto de recursos, restrições, obstáculos e ações.
Por fim, define competência como “realização desse processo dinâmico”, e
acrescenta: “ela é específica a uma situação e pode ser adaptada a outras
situações que são quase isomorfas à situação atual e que pertencem à mesma
família de situações.”2 (JONNAERT, 2010, p. 69).

Dessa forma, uma competência é desenvolvida quando o aluno ou a


turma por meio das ações consegue concluir uma situação de aprendizagem,
quando o aluno utiliza os recursos que foram disponibilizados, sejam recursos
internos à própria situação de aprendizagem ou recursos externos

2
Por situações isomorfas os autores pretendem definir aquelas situações que pertencem a
uma mesma família e que possuem estrutura parecida. Elas possuem grande quantidade de
características comuns e, sendo assim, é uma exceção quando encontramos situações
rigorosamente isomorfas.
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(experiências vividas), e quando ele sabe o que fazer diante de restrições e


obstáculos que se impõe à resolução dessa situação.

Essas definições de competência são gerais cabendo uma abordagem


pormenorizada para cada disciplina do currículo escolar. No ensino de Filosofia
temos documentos que abordam as competências que devemos desenvolver
nos alunos. Esses documentos são os PCNEM 3 e as OCEM4, ambos utilizados
pelo MEC para orientar o ensino de Filosofia. Encontramos neles as seguintes
competências a serem desenvolvidas nos estudantes de Filosofia do ensino
médio:

1. Representação e comunicação: ler textos filosóficos de modo significativo; ler, de


modo filosófico, textos de diferentes estruturas e registros; elaborar por escrito o que
foi apropriado de modo reflexivo; debater, tomando uma posição, defendendo-a
argumentativamente e mudando de posição face a argumentos mais consistentes.

2. Investigação e compreensão: articular conhecimentos filosóficos e diferentes


conteúdos e modos discursivos nas Ciências Naturais e Humanas, nas Artes e em
outras produções culturais.

3. Contextualização sócio-cultural: contextualizar conhecimentos filosóficos, tanto no


plano de sua origem específica, quanto em outros planos: o pessoal-biográfico; o
entorno sócio-político, histórico e cultural; o horizonte da sociedade científico-
tecnológica.

(PCNEM, 1999, p. 64) e (OCEM, 2006, p. 33)

É ainda enfatizado nas OCEM que a Filosofia deve ter por objetivo o
desenvolvimento de competências comunicativas:

Espera-se da Filosofia, como foi apontado anteriormente, o desenvolvimento


geral de competências comunicativas, o que implica um tipo de leitura,
envolvendo capacidade de análise, de interpretação, de reconstrução racional
e de crítica. Com isso, a possibilidade de tomar posição por sim ou por não,
de concordar ou não com os propósitos do texto é um pressuposto
necessário e decisivo para o exercício da autonomia e, por conseguinte, da
cidadania. (OCEM, 2006, p. 30-31)

É a partir dessa finalidade do desenvolvimento de competências


comunicativas que procuro guiar este artigo. Primeiro procurei esclarecer
algumas noções do termo competência utilizando as definições de Jonnaert e
Perrenoud. A seguir, tendo esse trecho das OCEM como ponto de partida

3
Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio.

4
Orientações Curriculares para o Ensino Médio.
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proponho o trabalho com a argumentação como a atividade inicial e meio de


desenvolver essas competências comunicativas.

Uma pergunta deve ser feita a partir das definições acima, no âmbito do
ensino de Filosofia: como os alunos agem em situação de aprendizagem? Os
textos produzidos pelos alunos, observados por nós bolsistas do PIBID,
mostram que, no mais das vezes, ou eles não compreendem os conteúdos ou
quando compreendem não conseguem transmiti-los exercendo criticidade, ou
seja, avaliando rigorosamente o que lhes é apresentado e propondo maneiras
novas de resolver determinado problema.

Costa propõe a divisão das competências a serem desenvolvidas nos


alunos de Filosofia em três tipos: a dos problemas filosóficos, a das teorias
filosóficas e a dos argumentos filosóficos. Enumera para cada uma delas
algumas competências específicas que devem ser desenvolvidas:

1. Problemas filosóficos: identificar os problemas filosóficos e as disciplinas filosóficas


em que se integram; formular clara e corretamente os problemas filosóficos; mostrar
por que razão tais problemas são importantes; distinguir problemas filosóficos de
problemas não filosóficos.

2. Teorias filosóficas: identificar e nomear teorias filosóficas; reconhecer se a teoria


resolve ou não o problema que procurava resolver; conhecer as críticas tradicionais
que são feitas a cada teoria; comparar cada teoria com teorias rivais; mostrar se uma
teoria levanta novos problemas.

3. Argumentos filosóficos: identificar argumentos filosóficos clássicos e comuns; avaliar


argumentos do ponto de vista lógico (validade, solidez, força); comparar argumentos
filosóficos, quer clássicos quer comuns; propor argumentos novos.

(COSTA, 2004, p.6).

Trabalhando uma das três categorias propostas por Costa e identificando


as competências relativas a elas na situação específica de um texto produzido
pelos alunos podemos avaliar se essas competências foram ou não
desenvolvidas. Percebemos em nossa atividade como bolsistas do PIBID que
os alunos, via de regra, não compreendem o conteúdo, não conseguem
identificar os problemas, as teorias filosóficas ou os argumentos filosóficos que
estão envolvidos, e quando conseguem não são capazes de formular clara e
corretamente os problemas.
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Se nessa situação de aprendizagem os alunos não estão conseguindo


desenvolver as competências que constituem as finalidades desse ensino, e a
produção de textos é um dos meios para avaliá-las, então, é a partir desse
resultado que o professor irá determinar o conteúdo e método a ser trabalhado .
Um recurso para o desenvolvimento de competências relativas às teorias e
problemas filosóficos é o desenvolvimento da capacidade argumentativa dos
alunos, pois quando o aluno souber reconhecer a estrutura de um argumento,
poderá usá-la para identificar os problemas e teorias. Na realidade do ensino
público brasileiro, essas são as competências prioritárias a serem
desenvolvidas, pois os alunos mostram dificuldades na prática da leitura e da
escrita. Conforme o PISA5, a proficiência em leitura dos alunos brasileiros fica
em 53º entre 65 países que fizeram a prova.

Como fazer isso então? “A linguagem e a matemática, às vezes, são


chamadas de “habilidades básicas” porque costuma-se dizer que são capazes
de abrir as portas para outras habilidades cognitivas e reforçá-las.” (LIPMAN,
2001, p. 36). Essa afirmação pressupõe que as habilidades da linguagem são
competências gerais que tornam os alunos capazes de desenvolver outras
competências, como as específicas da Filosofia. O modo para desenvolver
competências linguísticas associadas ao ensino de filosofia é a utilização da
lógica informal que possibilitará desenvolver nos alunos a capacidade de
interpretação dos argumentos contidos no texto:

Embora a lógica formal possa ajudar as crianças a se tornarem cientes de


que podem pensar de um modo organizado, não incentiva, realmente, o uso
do pensamento estruturado, já que sua aplicação é tão limitada. Há
necessidade de um segundo tipo de lógica que leva em conta a ampla
variedade de situações que pedem um pensamento deliberativo. (LIPMAN,
2001, p. 189).

Lipman sugere além da lógica formal a abordagem das boas razões


incentivando os alunos a buscar e avaliar as razões, tanto próprias como de
outrem. Essa abordagem é trabalhada com a utilização da lógica informal; com
ela o aluno pode analisar os argumentos do texto.

5
O Programa Internacional de Avaliação de Alunos é um exame aplicado pela Organização
para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e verificou a situação educacional de
65 economias do mundo em 2009.
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Com a lógica informal o aluno estará trabalhando o como se deve pensar


(regras do raciocínio), e também refletindo sobre o que está sendo dito na
leitura que faz. E isso sem precisar ter um conhecimento amplo do assunto
para avaliar os argumentos. (FISCHER, 2008). É com o apoio dos recursos da
lógica informal que poderemos conduzir os alunos a obter uma leitura e escrita
mais satisfatória, favorecendo sua autonomia para posteriores análises dos
problemas ou teorias filosóficas. Essas análises proporcionarão maior rigor na
leitura.

Trabalhar com a lógica informal é de muito valor para a “leitura


significativa dos textos filosóficos” (competência a que faz referência a OCEM),
pois assim os alunos entenderão as estruturas dos textos que defendem ideias
e procurarão com maior rigor achá-las. Quem sabe possam até pôr em dúvida
o que é defendido no texto, exercendo desse modo o pensamento crítico. O
estudante ao fazer análises de argumentos poderá ser capaz de guiar sua
leitura com muito mais cuidado, refletir mostrando suas justificativas e assim
participar de maneira mais significativa nos debates suscitados em aula.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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COSTA, António Paulo. Avaliação: como avaliar o aprender a (competências) e


o aprender que (conteúdos)? Artigo apresentado no VI Encontro de Didáctica
da Filosofia. Porto, 2004.

FISCHER, Alec. A Lógica dos Verdadeiros Argumentos. São Paulo: Novo


Conceito, 2008.

JONNAERT, Philippe; ETTAYEBI, Moussadak e DEFISE, Rosette. Currículo e


competências. Porto Alegre: Artmed, 2010.

LIPMAN, Mathew; SHARP, Ann Margaret; OSCANYAN, Frederick S. A filosofia


na sala de aula. São Paulo: Nova Alexandria, 2001.

Orientações curriculares para o ensino médio. Volume 3 / Ciências humanas e


suas tecnologias. MEC, 2006.

Parâmetros curriculares nacionais para o ensino médio, 1999.

PERRENOUD, Philipe. Construir as competências desde a escola. Artes


Médicas, 2000.

________. Dez novas competências para ensinar. Porto Alegre: Artes Médicas
Sul, 2000.

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