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CAPÍTULO 2
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O MODELO DREYFUS
DE AQUISIÇÃO DE
COMPETÊNCIAS
APLICADO À
ENFERMAGEM
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O matemático e analista dos sistemas Stuart Dreyfus e o filósofo
Hubert Dreyfus desenvolveram um modelo de aquisição de
competências fundado sobre o estudo de jogadores de xadrez e
de pilotos de aviões. O modelo Dreyfus (Dreyfus & Dreyfus,
1980; Dreyfus, 1981) estabelece que, na aquisição e no
desenvolvimento de uma competência, um estudante passa por cinco níveis
sucessivos de proficiência: iniciado, iniciado avançado, competente, proficiente
e perito. Estes diferentes níveis são o reflexo de mudanças, em três
aspectos gerais, que se introduzem aquando da aquisição de uma
competência. O primeiro é a passagem de uma confiança em princípios
abstractos à utilização, a título de paradigma, de uma expe riência passada
concreta; o segundo é a modificação da maneira como o formando se apercebe de
uma situação - não a vê tanto como um conjunto de elementos tirados
aqui e ali, mas como um todo no qual só algumas partes são
relevantes; o terceiro aspecto é a passagem de observador desligado a
executante envolvido. Este último já não está do lado de fora da situação e
do processo, mas está empenhado na situação.
Iremos apresentar os resultados de um estudo sistemático da aplicabilidade
deste modelo em enfermagem. As expressões "competência" e "práticas
competentes" serão utilizados indistintamente; com efeito, as duas
englobam a noção de cuidados de enfermagem competentes e as
capacidades de julgamento clínico. Em nenhum caso estes termos serão
utilizados para falar de capacidades psicomotoras ou outras,
demonstráveis fora do contexto normal da prática da enfermagem.
Assim, competências e práticas competentes referem-se aos
cuidados de enfermagem desenvolvidos em situações reais.
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44 | De iniciado a perito

Métodos

Para constatar e compreender as diferenças de comportamento em


matéria de competência clínica e de apreciação da situação entre iniciados
e peritos, foram conduzidas entrevistas em pares compostos por uma re
presentante de cada categoria. Essas enfermeiras (21 pares)
foram escolhidas em três hospitais em que se usam enfermeiras tutoras
para orientar as enfermeiras recém diplomadas.
As duas enfermeiras do par, a tutora e a recém diplomada, foram
entrevistadas separadamente sobre casos de doentes com os quais as
duas ti-nham sido confrontadas e que as tinhan marcado. Perguntámos às
duas que conhecimentos clínicos tinham achado particularmente
difíceis de ensinar ou aprender. O objectivo desta pesquisa era
descobrir de uma forma bem distinta características diferentes na
descrição do mesmo caso clínico feito pela iniciada e pela perita. Se
assim fosse, e se fosse possível identificar essas diferenças a partir das
descrições feitas pelas enfermeiras, em que medida poderíamos tê-las em
conta e que ensinamentos poderíamos retirar daí?
A estas descrições realizadas pelos elementos do par,
acrescentaram-se entrevistas e/ou observações sobre o terreno de 51
enfermeiras experientes suplementares, onze recém diplomadas e
cinco estudantes do último ano, afim de afinar e de melhor descrever as
características das acções executadas por enfermeiras em fases diferentes
de aquisição de competências. As entrevistas (em pequenos grupos e
individuais) e a observação sobre o terreno foram conduzidas em seis
hospitais: dois hospitais comunitários privados, dois centros
hospitalares regionais de ensino, um centro hospitalar
universitário e um hospital geral.
Foi pedido às 51 enfermeiras experientes designadas pelos
responsáveis de formação, em colaboração com os
encarregados e seus colegas que escolhessem enfermeiras que
tinham menos de cinco anos de experiência sobre o terreno e
reconhecidas como sendo excelentes conhecedoras do seu ofício. Entre
essas últimas escolhidas, sete eram titulares de um mestrado e a
maioria tinha a licenciatura. Todavia, o nível de educação/ cultura-geral
não constituía um critério formal de selecção.
Não tentámos em caso algum classificar as enfermeiras em função do
seu nível de competência, mas procurámos julgar um nível particular de
prática em função de cada caso clínico. Isso vai no sentido do modelo
Dreyfus: propor num contexto preciso critérios que permitam saber se
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O Modelo Dreyfus de aquisição de competências


aplicado à Enfermagem | 45

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pessoa possui qualidades ou traços caracterizadores de
competência. O objectivo não era encontrar o indivíduo competente em
todos os campos, apesar das circunstâncias ou do nível de formação.
Uma série de conversações - uma por dia a dois por semana – em pequenos
grupos, de quatro vezes duas horas, foram conduzidas por quatro a oito
enfermeiras experientes que vinham de diferentes serviços do mesmo
hospital. As 51 enfermeiras experientes tiveram uma conversa individual e
as observações foram feitas para 26 delas. Em todos os casos, a
participação nos cuidados era mínima - ajudar de tempos a tempos as
enfermeiras a transportar os doentes ou noutras tarefas menores afim
de tornar a observação menos incomoda e importuna. Antes das
conversações, distribuímos aos participantes um texto que dava
as grandes linhas do género de descrição que nos interessava (cf.,
em anexo, o Guia para a descrição de incidentes críticos). Com a
experiência, apercebemo-nos de que o termo “incidente crítico” tinha
sido mal escolhido porque fazia pensar em doentes num estado crítico e
em situações de crise. Foi necessário explicar que também estávamos
interessados em acontecimentos significativos, que não estavam ligados a
uma situação de crise.
As entrevistas foram conduzidas pela autora, por uma enfermeira
investigadora, um estudante de mestrado em antropologia e um
investigador da área de psicologia. As entrevistas foram gravadas e
transcritas palavra por palavra, afim de se analisar o texto. Em
todas as séries de conversações de grupo, excepto uma, pelo menos
dois dos investigadores estavam presentes, afim de facilitar
o trabalho de grupo.
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Interpretação dos dados
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Os textos das entrevistas e dos registos das observações


participantes foram lidos, separadamente, por cada um dos membros
da equipa de investigação, que seguidamente confrontaram as suas
interpretações dos dados até chegar a uma validação por consenso. Uma
interpretação só era aceite quando toda a equipe estava de acordo
sobre a caracterização e a interpretação da competência principal
que aí estava patente e só no caso em que ela era, sem contestação,
o reflexo de uma verdadeira competência prática.
A estratégia de interpretação utilizada apoia-se sobre a fenomenologia
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46 | De iniciado a perito
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de Heidegger (Heidegger, 1962; Palmer, 1969;


Benner, no prelo) o que corresponde bem à descrição do
método de comparação constante de Strauss e Glaser
(Glaser, 1978; Glaser & Strauss, 1967; Wilson 1977), ainda
que o objectivo não tivesse sido tirar daí elementos teóricos, mas
antes identificar os significados e conteúdos.
Os seguintes trechos das entrevistas descrevem o mesmo caso
clínico, visto por uma enfermeira principiante e uma
enfermeira com experiência, A última descreve aqui uma
situação de emergência numa unidade de tratamento intensivo:
...
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Trim

Tinha trabalhado até tarde e estava quase para ir para casa quando
uma enfermeira tutora me diz: “Jolene, vem ver". Havia urgência
na sua voz, mas não como quando há uma paragem cardíaca. Entro
e examino o doente. A sua frequência cardíaca está nos 120,
está sob respiração artificial e a ventilação parecia normal.
Pergunto: “O que é que não está bem?". Uma recém
diplomada que tratava do doente aponta um mar de sangue.
Uma grande quantidade de sangue saia da sua boca. Esse homem
tinha sido submetido a uma ressecção de um cancro mandibular.
Mais ou menos uma semana atrás tinha sofrido uma hemorragia ao
nível da carótida externa, que tinha sido ligada, devido à sua ruptura
causada pela radioterapia. Essa ferida infectou-se e o doente fez
uma insuficiência respiratória, pela qual tinha sido internado nos
tratamentos intensivos.
Examino assim o penso e constato que está seco. Mais sangue
saia da sua boca. O homem tinha uma traqueostomia por causa da
operação à qual se submeteu. Tinha também uma sonda
nasogástrica para o alimentar, e penso que talvez a artéria carótida
ou o tronco bráquio cefálico tinha cedido. Desligámos o doente do
respirador para ver se qualquer coisa saía da traqueia. Havia
um pouco de sangue, mas parecia que quase tudo tinha
passado da faringe aos pulmões. Começámos então por ventilá-lo
ma-nualmente tentando adivinhar o que poderia estar na sua boca
para fazer sair uma tão grande quantidade de sangue...
..
...
...

Questionada, a enfermeira experiente salientou a importância


da ventilação manual, que lhe permitia ter a certeza de que todo
oxigénio estava
a ser administrado ao doente, e poder
apreciar o grau de resistência nos pulmões,
Podemos reparar que, para esta perita, a tomada de consciência do
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O Modelo Dreyfus de aquisição de competências


aplicado à Enfermagem | 47

blema começou no corredor, quando ia para ao quarto do paciente. Ela já


se tinha apercebido da urgência pelo tom de voz empregue pela
enfermeira, mas não se tratava de uma paragem cardíaca. Este
tipo de percepção do problema só pode manifestar-se
devido à experiência prévia. Depois de ter concluído que
o problema era da carótida e não do tronco braquio-cefálico,
enquanto exercia uma pressão sobre a região da carótida e continuando a
ventilação manual, a enfermeira perita salienta:

Naquele momento o problema era o sangue. Necessitávamos dele e


disse então: "Alguém tem de ligar ao banco de sangue e ir buscá-lo."
A enfermeira respondeu: "acabámos de ligar e não há”.
Ninguém se tinha apercebido que o doente estava a perder o
seu sangue e que não havia no banco de sangue não havia para ele.
enviámo-la para determinar o
Tiramos uma amostra de sangue e
grupo e fazer a compatibilidade. Durante esse tempo,
comecei a infectar plasma e Ringer, porque a pressão media
na tinha caído a mais ou menos 30 e o sangue continuava a
sair da boca.

O entrevistador – havia médicos presentes nesse


momento?

- A enfermeira perita – tinham sido chamados, mas ainda não


tinham 1 :: chegado. Foi nesse momento, sensivelmente, que o
interno dos :: tratamentos intensivos chegou e olhou para o que
se passava com ar
idiota, como se perguntasse “ o que tem que ser feito?". Perguntou se 1.
tínhamos colocado um cateter. Respondi "sim, temos um cateter
para a
pressão venosa central, mas penso que isso não seja
suficiente " "Vou fazer um desbridamento" disse ele. "Penso
que não seja necessário, respondi eu, penso que posso
colocar mais um "Peguei então num cateter no 14 e
introduzi-o numa veia do antebraço. Dois plasmas estavam a
correr. “Que devo fazer?" respondeu o interno. Respondi:
“É necessário que desça ao banco de sangue e que nos traga
unidades compatíveis com o grupo deste doente, porque não
serão dados a uma enfermeira. É a única pessoa a quem
entregarão o sangue compatível. Traga duas unidades; só
The serão entregues duas de cada vez, pouco importa a gravidade do o
problema. Mas traga as duas e volte o quanto antes." E assim partiu.

O reequílibro hidro-electrolítico do doente foi conseguido e as


perdas sanguíneas foram suficientemente compensadas
para permitir levar a tempo o doente ao bloco operatório e lhe
reparar a artéria.

48 | De iniciado a perito
soha

A maneira como esta enfermeira perita descreve a


situação permite ao ouvinte imaginar-se no centro
da acção; esquecemo-nos de quem está a contar a
história, a qual só contém os detalhes necessários, para
permitir que outras enfermeiras compreendam o que se
passa. Nenhum pormenor inútil, excepto quando os
ouvintes necessitam de esclarecimentos sobre certos
pontos técnicos. A enfermeira perita domina bem a linguagem;
fala sem hesitações da pressão sanguínea. Utiliza as
mãos para mostrar como o balão de ventilação
manual reage quando esta verifica a resistência
pulmonar. Sente nas suas mãos a diferença de
resistência, o que ela consegue exprimir por gestos.
Estes pontos são mais claros quando são comparados
com a descrição de uma mesma situação feita por uma
enfermeira principiante avançada:
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andwi

Esse homem era alguém de muito simpático, muito vivo,


muito alerta e atento. Infelizmente era necessário aspirá-lo,
aproximadamente todas as horas ou de duas em
duas, para lhe serem retiradas quantidades mo
deradas de secreções vindas da traqueia. Essas secreções
tinham un aspecto resistente e uma cor ligeiramente
acastanhada. Infelizmente, ele não suportava muito bem a
aspiração das secreções. Punham-no numa situação de
desconforto, faziam-no tossir, moderadamente, e davam-lhe
vómitos, o que por sua vez lhe provocavam uma subida
passageira da pressão arterial. No fim de um desses
momentos de aspiração, enquanto estava a trocar seu
aerossol, pôs-se a tossir e a cuspir quantidades muito
importantes de sangue vermelho vivo. Comecei a entrar em
pânico, pedi ajuda à enfermeira do lado, pu-lo ligeiramente
em posição de Trendelen burg e acelerei a sua perfusão.
Continuei ligeiramente em pânico e até um pouco mais.
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Se bem que esta principiante avançada se tenha


comportado muito bem nessa situação, em relação ao
seu nível de competência, a sua descrição deixa
transparecer a sua angústia. Não temos uma ideia tão
clara da situa ção como na descrição feita pela
enfermeira especializada. Perguntamo nos,
confusamente, se não foi ela que provocou a ruptura da
carótida pelas aspirações muito brutais. A enfermeira
principiante não tem nenhum meio para
avaliar o que é
excessivamente traumático, ainda que descreva a
aspiração das secreções deixando transparecer a pergunta: será
que essa acção teria levado à ruptura da carótida?
Ao escutar a sua narração, podemos notar as referências
ao manual de
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O Modelo Dreyfus de aquisição de competências aplicado à


Enfermagem
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estudo; utiliza um vocabulário não muito apropriado e dá informações inúteis. A
sua compreensão do acontecimento não é tão completa nem tão clara
como a da enfermeira perita. Essa tem um grande avanço quando é
necessário mobilizar os recursos disponíveis e fazer frente ao
problema seguinte inesperado.
Através da análise desta situação e de muitas outras, e pelo modelo Dreyfus,
tornou-se possível descrever as características, os comportamentos em cada
nível de desenvolvimento e identificar em termos gerais as necessidades
em matéria de ensino/aprendizagem em cada nível.
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Estado 1: Iniciado

· As iniciadas não têm nenhuma experiência das situações com que


elas possam ser confrontadas. Para as ensinar e permitir que elas
adquiram experiência tão necessária ao desenvolvimento das suas
competências, são lhes
descritas situações em termos de elementos
objectivos tais como: o
peso, os líquidos ingeridos e eliminados, a pressão arterial, a
pulsação e ...outros parâmetros objectivamente medíveis, que permitam
conhecer a
condição de um doente – características identificáveis sem experiência clínica.
São-lhes igualmente ensinadas as normas, independentemente do contexto,
para guiar os seus actos em função dos diversos elementos. Por
exemplo:

Para determinar o equilíbrio hídrico, verificar, durante três dias :: seguidos, o


peso do doente cada manhã, assim como o suplemento hídrico e a sua
diurese. Um aumento de peso assim como um suplemento hídrico
constantemente superior a 500cc à diurese poderia indicar uma retenção
:. . de água, situação essa, em que, deveria ser iniciada uma restrição
hídrica
até que seja determinada a causa desse desequilíbrio.
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Estas regras impõem à iniciada um comportamento típico


extremamente limitado e rígido. O centro da dificuldade reside no
seguinte facto: visto as iniciadas não terem nenhuma experiência
da situação à qual vão fazer frente, têm que lhes ser dadas regras para
as guiar nos seus actos. Mas o facto de seguirem essas regras poderá não
ir ao encontro de um comportamento correcto, porque não lhes podem
ser indicados quais os actos mais úteis numa dada situação real.
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50 | De iniciado a perito
As estudantes de enfermagem entram em cada serviço novo, com o
estatuto de iniciadas; têm dificuldade em integrar o que aprenderam nos
livros com aquilo que vivem em situação real. Mas estas estudantes não
são as únicas iniciadas; todas as enfermeiras que integram um novo serviço em
que não conhecem os doentes podem encontrar-se a este nível, se os objectivos e os
aspectos inerentes aos cuidados não lhes forem familiares.
Este ponto ilustra as hipóteses do modelo Dreyfus fundadas sobre a
experiência em situação, o que distingue o nível dos actos competentes, que
podem ser atingidos graças aos princípios e à teoria aprendida numa sala de
aulas, e as decisões e aptidões que dependem do contexto, as quais só podem
ser adquiridas perante situações reais (Dreyfus, 1982). Por exem plo, uma
enfermeira especializada e tendo muita experiência no tratamento dos doentes
adultos em estado crítico encontrar-se ia num nível de ini-ciada do ponto vista
das competência se fosse transferida para uma unidade de cuidados
intensivos em neonatologia. O modelo Dreyfus de aquisição de
competências é um modelo dependente da situação e não relativo à inteligência
ou aos dons de uma pessoa.

Estado 2: iniciada avançada

O comportamento das iniciadas avançadas é aquele que pode ser


tável, pois já fizeram frente a suficientes situações reais para notar (elas
próprias ou sobre a indicação de um orientador) os factores significativos que se
reproduzem em situações idênticas e que o modelo Dreyfus qualifica por aspectos
da situação".
reciso experiência para reconhecer esses "aspectos" em situação real. Já não
acontece o mesmo com os elementos medíveis e independentes do contexto ou das
listas que indicam uma atitude a seguir ou coisas para fazer, que a principiante
aprende e utiliza. Estes aspectos abrangem o conjunto das características globais
que só podem ser identificadas graças às experiências anteriores. Por exemplo, para
avaliar se um doente está pronto para se orien tar e aprender sozinho é necessário ter
conhecido a mesma situação com ou tros pacientes, tendo tido a necessidade
de aprendizagens similares. Eis a maneira como uma enfermeira perita descreve
os elementos que lhe permitem dizer que o seu doente está pronto para se
ocupar da sua ileostomia:
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o Modelo Dreyfus de aquisição de competências aplicado à


Enfermagem
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Antes, pensava que ele se sentia perdido perante a operação a
que tinha acabado de se submeter. Parecia abatido tanto
fisicamente como moralmente e estava num estado de
nervosismo extremo. Além disso
tratava a ferida com precaução a mais, visto já não
haver essa i necessidade. Mas essa manhã foi diferente,
começou a fazer perguntas
sobre o tratamento que lhe era feito.
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As implicações para o ensino e a aprendizagem

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O instrutor pode dar indicações que permitam saber em que momento o


doente está pronto para aprender. Por exemplo: “tente saber se o
doente faz perguntas sobre a sua operação ou sobre o estado da
sua ferida aquando da mudança dos pensos”; “verifique se o doente
de vez em quando". Mas essas
olha para a ferida ou lhe toca
indicações dependem dos conhecimentos daquele que
cuida, nesse ponto preciso do seu trabalho quotidiano.
Assim, enquanto podemos explicitar certos aspectos, é
impossível completamente
torná-los objectivos. A
enfermeira pode retirar indícios pela maneira como o doente
ferida,
coloca as perguntas sobre a operação ou o estado da sua
aquando da mudança dos pensos, mas nenhuma
dessa indicações é vá-lida em todas as situações. A
enfermeira tem que ter muita experiência antes de poder
aplicar os seus critérios em cada um dos doentes.
A principiante avançada ou a pessoa que a orienta
podem formular princípios que ditam as acções em
termos de atributos e de aspectos. Esses princípios que
pressupõem elementos significativos fundados sobre a experiência
são apelidos de "indicações". Elas integram tanto quanto
possível atributos e aspectos, mas têm tendência a ignorar o que
as diferencia de uma maneira importante, isto é, que elas
dêem a todos os atributos e a todos os aspectos a mesma
importância. É o que ilustra os comentários de uma
enfermeira perita em relação à enfermeira principiante
num serviço de cuidados intensivos em neonatologia:
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Dou instruções muito detalhadas e muito explícitas à recém
diplomada: “Quando entrar e vir o bebé pela primeira
vez, tome-lhe os sinais vitais e faça um exame físico.
Verifique, de seguida, os pontos de injecção das
perfurações assim como o respirador e assegure-se
que funciona. Verifique os monitores e os alarmes.” E é
o que elas fazem exactamente ponto por ponto,
independentemente do que aconteça... Elas
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52 | De iniciado a perito

seriam incapazes de fazer uma triagem entre o que pode ficar de lado e o que é mais
importante. Seriam incapazes de ir de um bebé para o outro fazendo o que é mais
importante e desempenhar mais tarde o resto da tarefas,
As principiantes e as principiantes avançadas só podem apreender um
pequeno aspecto da situação: isso tudo é muito novo, muito estranho e cada vez mais
têm que se concentrar nas regras que lhes ensinaram.
A enfermeira perita continua:

Se digo: "façam estas oito coisas" elas fazem-nas sem se preocupar se o outro bebé
chora até perder o fôlego. Quando se dão conta, ficam espe cadas, sem saber o que
fazer.

As orientadoras e as recém-licenciadas passam muito tempo concentrando-se


sobre o reconhecimento do aspecto que constitui, aquando das avaliações
físicas, um bom tema de aprendizagem. A enfermeira irá praticar para distinguir
entre peristalismo normal, hiper activo ou inexistente num doente operado. Mas
nos domínios práticos onde a enfermeira já adquiriu competência, o reconhecimento
do aspecto será provavelmente redundante e será possível concentrar-se
sobre perguntas práticas de um nível mais avançado, como julgar a importância
relativa dos diferentes aspectos da situação.
A implicação maior na educação das profissionais de enfermagem reside
no facto de que as enfermeiras principiantes necessitam de ser
enquadradas no contexto da prática clínica. Necessitam de ajuda, por exemplo,
em matéria de prioridades, porque vão agindo em função dos critérios
gerais e começam agora a conhecer situações repetitivas características no quadro
da prática diária. O cuidado que é levado aos doentes deve ser ve-rificado
pelas enfermeiras que atingiram pelo menos o nível de “competente" afim de
se assegurar que as necessidades dos doentes não sejam ne-
gligenciadas, porque a principiante ainda não é capaz de fazer a
triagem entre o que é mais e menos importante. A descrição
dada por uma orientadora das capacidades de uma recém diplomada põe
em evidencia essa necessidade.

No início, uma só coisa era importante no doente todo o resto estava quase excluído.
Por exemplo, fizemos um electrocardiograma e achava que o doente tinha
extrasistoles ventriculares e que era necessário avisar
WUM

O Modelo Dreyfus de aquisição de competências aplicado à


Enfermagem | 53
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o médico. Pois bem, parecia que de repente o tempo tinha parado: a enfermeira
parou, olhou para o electrocardiograma e quis que eu lhe explicasse o que era um
electrocardiograma, como era lido, enquanto três doentes esperavam nas urgências
para ser atendidos. Para ela, era normal aprender, mas não tínhamos tempo
para deixar tudo de lado e eu explicar lhe o que era um ECG.
um ada

Para orientar as enfermeiras principiantes, numerosos hospitais


empre gam orientadoras. Desta maneira, as principiantes podem
tirar proveito das situações e aprender durante esse período a
estabelecer prioridades devido às situações que as marcaram.
Isto tudo para que nem os doentes, nem as enfermeiras
principiantes tenham problemas.

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Estado 3: Competente
irá
ou e a
será itas dos
O A enfermeira competente trabalha no mesmo serviço há dois ou três anos. Torna-se
competente quando começa a aperceber-se dos seus actos em termos objectivos ou
dos planos a longo prazo dos quais está cons ciente. Este plano dita quais os
atributos e aspectos da situação presente ou prevista que devem ser considerados
como os mais importantes, e os que podem ser ignorados. Assim, para a enfermeira
competente, um plano estabelece uma perspectiva e baseia-se sobre uma análise
consciente, abstracta e analítica do problema. Uma orientadora descreve
como ela evoluiu do estado estímulo-resposta ao da competência adquirida ao
longo da prática da enfermagem:
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ser por
dos
SU

vas

aos
SO dos
paz
ada em
:: Tinha quatro doentes. Um tinha de aprender a tomar conta da sua o
colostomia, os outros necessitavam de muito mais coisas. Estava ocupada
com variadíssimas coisas. A perfusão de um tinha acabado e tive que resolver a
situação, de seguida, tinha-me esquecido de dar alguns medicamentos e tive
que me despachar para distribui-los. Depois, alguém
começou a ter náuseas e tentei reconfortá-lo. E por fim, a bolsa da colostomia
tinha-se descolado e tive que ensinar o doente a resolver a situação. De
repente, apercebi-me que a manhã já tinha acabado e que ninguém tinha sido
lavado.

O entrevistador – Então, só reagia perante o que era urgente?


54 | De iniciado a perito

A enfermeira - Quando entrava nos quartos, era imediatamente


bombardeada pelas queixas dos doentes e sem uma ideia precisa sobre a
maneira como ia organizar-me. Hoje, chego depois de ter sido informada
sobre a situação e sei mais ou menos em que ponto estão as perfusões. E ainda,
sei o que tenho para fazer. Antes de entrar num quarto, escrevo quais os
medicamentos que devo dar para todo o dia, depois no quarto asseguro-me que
todas as perfusões correm bem. Vou de cama em cama só para dizer bom
dia. Mas faço-os sentir que estou a trabalhar. Verifico as perfusões, os
pensos. E depois está tudo bem. Sei que os doentes não se vão esvair em
sangue; sei que as diureses estão normais; sei que as perfusões cortem
bem... Depois, toda a minha manhã está programada e posso continuar
o meu trabalho. Estou muito mais organizada. Sei o que tenho para fazer e
combino com os doentes para saber o que eles querem fazer
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A enfermeira competente não tem a rapidez nem a maleabilidade da enfermeira


proficiente, mas tem o sentimento que sabe bem das coisas e que é capaz de
fazer frente a muitos imprevistos que são o normal na prática da
enfermagem. A planificação consciente e deliberada que caracteriza este
nível de competência, ajuda a ganhar eficiência e organização.
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As implicações para o ensino e a aprendizagein

Sentimo-nos mais à vontade nesse estado de desenvolvimento de


competências. O mundo clínico parece finalmente organizado, depois
de grandes esforços. As enfermeiras podem nesse estado tirar
benefícios dos exercícios das tomadas de decisões e de simulações,
que lhes dão a prática para planear e coordenar os múltiplos e diversos
cuidados para fazer face as necessidades dos doentes.

Estado 4: Proficiente

De maneira característica, a enfermeira proficiente apercebe-se das si tuações


como uma globalidade e não em termos de aspectos isolados, e as

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O Modelo Dreyfus de aquisição de


competências aplicado à Enfermagem
|
55

suas acções são guiadas por máximas. A percepção é aqui uma


palavra chave. A perspectiva não é muito bem pensada mas
“apresenta-se por si mesma", porque é fundada sobre a
experiência e os acontecimentos re centes. A descrição dada por
uma enfermeira de um serviço de reanimação neonatal diz respeito
a enfermeiras principiantes que ilustra essa mudança:
Penso que a coisa mais importante que me ficou na cabeça nessas mi
últimas semanas foi saber se, ao cabo destes três meses, a recém cu
diplomada poderia tratar sem perigo, ou se sabia apenas fazer os
cuidados
de enfermagem, ou mesmo só cumprir com as tarefas específicas. Para mim, o
objectivo dos cuidados de enfermagem é de levar uma criança
de um ponto A a um ponto B. Para isso, é necessário
praticar actos. Mas os
cuidados de enfermagem não se resumem a um seguimento de actos... ...
Desejava ver surgir uma luz de compreensão nos seus
olhos: que ela
compreenda que este é o estado deste bebé hoje, e eis como
eu quero que este bebé esteja daqui a seis semanas. Que
posso eu fazer, hoje, para ajudar este bebé a estar cada vez
melhor ao longo do trajecto? E é essa mudança que está a
acontecer. Começou, agora, a ver as coisas como um todo e
não como uma lista de tarefas a cumprir.
da
se
na
ju
e
A enfermeira proficiente aprende pela experiência quais os
acontecimentos típicos que acontecer numa determinada situação, e
como se pode reconhecer que o que era previsto não se cai concretizar.
Trata-se de uma teia de perspectivas e como o nota Stuart
Dreyfus (1982);

Excepto em circunstâncias anormais, a pessoa experiente vai viver a situação


presente como uma situação típica, já vivida e que ela guardou
na sua memória (como um todo e com as suas características
principais) por causa do encadeamento de acontecimentos
passados... Por isso, a pessoa viverá as suas situações a todo
o momento através de uma perspectiva mas, antes de a
avaliar conscientemente, esta situação irá apresentar-se ela
própria. (p.19)

Por causa dessa capacidade, fundada sobre a experiência, de reconhecer


situações no seu todo, a enfermeira proficiente pode
agora saber que o que ela previa não irá manifestar-se.
Esta compreensão global melhora o seu processo de
decisão que se torna cada vez menos trabalhoso, porque a
enfermeira possui, agora, uma perspectiva que lhe permite saber quais dos
muitos aspectos e atributos são importantes. Enquanto que a enfermeira
.
..
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.
.
.
.

56 | De iniciado a perito
............
...

competente ainda não é suficientemente experiente para


reconhecer uma situação no seu todo, ou em termos
de aspectos, quais os mais marcantes e os mais
importantes. A enfermeira proficiente não toma tanto em
conta as possibilidades e orienta-se directamente sobre o
problema. Considera os aspectos de uma situação como
sendo mais ou menos importantes: quando falava,
anteriormente, do desejo do seu doente em aprender como
tomar conta da sua ileostomia, a enfermeira especialista
mostrava o seu contentamento em ter parado tudo e ter
passado aquele tempo com o seu doente, no momento
preciso em que ele estava mais receptivo. Podemos supor
que adiar essa sessão teria sido tão nefasto como querer
ensinar-lhe as coisas antes do tempo.
A enfermeira proficiente utiliza máximas que a guiam,
mas uma grande compreensão da situação é
necessária antes de poder utilizá-las. As máximas
reflectem o que apareceria como nuances
incompreensíveis da situa-ção à enfermeira iniciada ou
competente; podem significar qualquer coisa a um
determinado momento e outra completamente
diferente mais tarde. Uma vez que há uma boa
compreensão da situação, a máxima fornece, no entanto,
um indício sobre o que deve ser tomado em
consideração. As má-ximas reflectem as nuances da
situação, o que aparece, claramente, aqui, quando se
desmama os doentes do respirador:
um
TAVO
..
..........
.
..
.
....
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www

Bem, vigiem os sinais vitais para ver se não se passa


nada de significativo... Mas, até aqui, é necessário jogar
um pouco às adivinhas, tentar saber se o doente está só
angustiado, porque está habituado a que a me-dicina respire
por ele...Se ele está um pouco ansioso, não quer
administrar-lhe medicamentos porque tem medo que o
doente pare de respirar. Por outro lado, talvez seja
realmente necessário acalmá-lo um pouco. Tudo depende
da situação. Essa é uma verdadeira experiência. Tem
assim um bordado constituído pelo que fez no
passado e sabe quando irá ter dificuldades.
As implicações para o ensino e a
aprendizagem
uu

As enfermeiras proficientes aprendem melhor quando se


utilizam estudos de casos que põem à prova e requerem a
capacidade de apreender uma situação. O desempenho
melhora se for pedido à estudante, para citar exemplos
vividos e casos tipos para se ter uma melhor ideia. O facto de
lhe
WA
WASTANI

:19.
3

.
.
.
WA

O Modelo Dreyfus de aquisição de competências aplicado à


Enfermagem
| 57
Hoi

dar regras e princípios independentes do


contexto, não só lhe dará um sentimento de
frustração, mas também a estimulará para dar exemplos
de si-tuações onde o princípio ou a regra será contrariada.
Neste nível, as enfermeiras proficientes podem acabar por
acreditar que a teoria sobre a qual as suas competências e os
seus actos estavam fundados no início, não era senão um
amontoado inútil e enganador. Ou talvez pensassem que a
análise de decisões elaborada pelo educador era apenas
um meio desnecessário para resolver um problema clínico,
que pode agora ser rapidamente compreendido graças à
sua experiência. Isso seria particularmente verdade se a
teoria utilizada fosse apropriada para permitir à
enfermeira principiante saber como abordar sem
perigo as situações. Não está por isso adaptada para
descrever ou explicar aspectos mais complexos ou mais
subtis de uma situação.
A enfermeira proficiente aprende melhor por um método
indutivo, quando começamos por um caso clínico e que a
deixamos utilizar os seus meios de compreensão da
situação. Quando introduzimos situações que
ultrapassam os seus meios de compreensão e de
abordagem, descobrimos um domínio virgem onde a
aprendizagem é necessária. Podemos afinar exercícios
de aprendizagem, pedindo às enfermeiras para expor
dois tipos de estudos de casos tirados das suas próprias
práticas: (1) situações que puderam controlar,
pensando que tinham sido as suas intervenções
que ti nham feito a diferença; (2) situações onde não
ficaram satisfeitas com elas próprias, onde se sentiram
ultrapassadas. Os estudos de casos devem conter
elementos inúteis e estranhos, assim como, em certos
casos, informações insuficientes tornando impossível
uma escolha inteligente. Para serem eficazes os
estudos de casos devem ter níveis de
complexidade e de ambiguidade parecidos aos das
situações reais.
. É a enfermeira proficiente que é, muitas vezes, capaz
de reconhecer uma deterioração do estado do doente antes
mesmo das mudanças explícitas nos sinais vitais - essa
competência é chamada de sinal de alarme precoce (cf. capítulo
6). Uma vez que podemos identificar as enfermeiras pe-ritas
e as enfermeiras proficientes sem riscos de erro,
podemos fazer duas perguntas práticas: Qual é o factor
que facilita a passagem do estado competente para o
estado proficiente, além do factor tempo? O que atrasa
essa passagem?
Encontramos enfermeiras proficientes nas que
trabalham sobre a mesma população de doentes há
cinco anos. Esse período de tempo é uma estimativa que
necessita ser aprofundada. Voltaremos a passar do nível da
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58 | De iniciado a perito
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proficiência ao da competência quando for pedido algo de novo, ou uma descrição


analítica e processual da situação. Admitimos que as decisões tomadas
pelas peritas são-no na base de uma avaliação explícita de opções fundadas sobre a
comparação entre os elementos característicos. Todavia, na realidade, as decisões
tomadas pelas peritas são mais holísticas. Estado 5: Perito

A enfermeira perita já não se apoia sobre um princípio analítico (regra,


indicação, máxima) para passar do estado de compreensão da situação ao ucto
apropriado. A perita, que tem uma enorme experiência, compreende,
agora, de maneira intuitiva cada situação e apreende directamente o
proble ma sem se perder num largo leque de soluções e de diagnósticos
estéreis.
E difícil fazer-se uma boa ideia das suas capacidades, porque ela age a partir de uma
compreensão profunda da situação global. Ao xadrez, por exemplo, o mestre a quem
for perguntado porque fez essa jogada particularmente brilhante, ele responderia
simplesmente: “Porque o senti... parecia-me bem"; ou então, aos dirigentes de uma
empresa, interrogados sobre os factores que entrariam em linha de conta
aquando a tomada de uma decisão hipotética e sobre a importância que eles lhe
dariam, responderiam provavelmente: “ Isso depende!"
O problema das peritas é que dizem tudo o que sabem, e isso é posto em evidência
no trecho seguinte, tirado de uma entrevista com una enfermeira perita em
psiquiatria, que trabalha há quinze anos. Ela é muito respeitada tanto
pelas
colegas como pelos médicos, pelas suas capacidades de
julgamento e competências.

Quando digo a um médico: “Este doente é psicótico", não sei como sustentar a minha
afirmação. Mas nunca me engano, porque conhece as psicoses de A a Z. De facto,
sinto-o, sei-o e contio. Pouco me importa que mais nada se produza. Sei que tenho
razão. Isto pode ser comparado com outra enfermeira do grupo, que descreveu
durante a entrevista, quando disse de uma doente "que havia alguma coisa que
não estava bem com ela". Uma das coisas que faço agora é encontrar uma
linguagem propria do serviço para que a comunicação passe melhor entre nós.
Mas, na rea lidade, tudo o que eu tento fazer é tirar palavras da gíria para falar de
qualquer coisa que eu penso ser indescritível.

Não podemos generalizar demais a certeza exposta nesse pequeno

O Modelo Dreyfus de aquisição de


competências aplicado à Enfermagem
| 59

ima ões ões


via,

gra,
ao ide,
trecho. A enfermeira não diz que nunca se enganava, mas referia-se
à sua própria percepção - a sua capacidade de reconhecimento. Esse tipo
de certeza e de percepção parece ter pontos em comum com a
capacidade de reconhecer o rosto humano sem errar. Esta enfermeira diz
que pode reco nhecer as mudanças frequentes nos psicóticos, devido
aos seus quinze anos de prática. Essa afirmação abre uma via de
investigação interessante, se està certeza aparece empiricamente e,
se for o caso, quais são as enfermeiras que a têm e em que
condições. 39 Esta enfermeira, de seguida, descreve uma situação
onde sabe que um doente muito zangado é, por erro, diagnosticado
como sendo psicótico. Convencida de que o doente só está muito
zangado diz: "vamos fazer um MMPI (Inventário de Personalidade Multi-
fásica do Minnesota) para ver quem tem razão." Continua: "tenho a certeza
que tenho razão, pouco importa o resultado do IMMPI". Felizmente para
ela os resultados confirmaram o que tinha dito, e já tinha
começado a cuidar o doente, com sucesso, com base na sua
avaliação.
Dreyfus e Dreyfus (1977) notam que:
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. Enquanto o aprendiz de piloto, o estudante em línguas, o jogador
de xadrez ou o condutor seguem as regras, as suas competências
estagnam e ficam medíocres. Mas com o domínio da actividade vem
a transformação da competência, mecanismo parecido ao que
é produzido quando por um cego que aprende a utilizar uma
cana. O principiante ressente, na planta da mão, uma pressão
que pode utilizar par detectar a presença de um objecto distante
tais como os passeios. Mas com a prática, já não é a pressão que
a pessoa cega sente na planta da mão mas simplesmente o
passeio. A cana transformar-se-á numa extensão do seu próprio
corpo. pu (p.12)
In
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.
.

.
.
.

4. O mesmo fenómeno produz-se quando os utensílios das


enfermeiras peritas se transformam. Eis a descrição que
Dreyfus e Dreyfus (1977) dão da pessoa experiente:

2. A pessoa experiente já não tem em conta as características e as


regras.
Essas pessoas são maleáveis e mostram um nível elevado de &
adaptabilidade e de competências: o jogador de xadrez
desenvolve um ' instinto do jogo; o estudante de línguas fala
correntemente; o piloto para
de pensar que está a pilotar um avião e pensa simplesmente que voa.
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60 | De iniciado a perito
O
TRICAL

(p.12)
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Não podemos concluir que a perita nunca utiliza


instrumentos analíticos. Uma capacidade muito
desenvolvida de analisar os acontecimentos é
necessária em situações onde a enfermeira não
tem nenhuma experiência prévia. Os
instrumentos analíticos são igualmente
necessários, quando a perita avalia mal a situação
e, de seguida, descobre que os acontecimentos e
os comportamentos não se desenrolaram como
previsto. Quando não tem escolha possível, a
única maneira de sair desta má interpretação é
utilizar um processo de resolução analítica.
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As implicações para o ensino e a


aprendizagem
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As enfermeiras peritas não são difíceis de reconhecer


porque, muitas vezes, dão opiniões clínicas ou
gerem situações complexas de uma maneira
notável. Enquanto que o reconhecimento dos
colegas e dos doentes é visí vel, as competências
da perita não podem ser reconhecidas pelos
critérios habituais de avaliação. É aqui que os
limites do formalismo – isto é, a incapacidade de
apreender todas as etapas do processo, das
competências humanas de alto nível - se tornam
visíveis (Benner, 1982; Kuhn, 1970, p. 192). Para
avaliar o nível de competência da perita, é
necessário acrescentar aos critérios habituais de
medidas quantitativas e da avaliação da prática,
uma perspectiva interpretativa destinada a
descrever a prática dos cuidados de
enfermagem (cf. capítulo 3), assim como as
estratégias qualitativas de avaliação. O contexto
e as significações inerentes às situações
clínicas influenciam fortemente as
competências da perita. Assim, as estra-
tégias de avaliação que se apoiam sobre os
elementos e os princípios independentes do
contexto não podem ter em conta os
conhecimentos incluídos nos actos praticados
pela perita sobre o terreno.
A documentação sistemática das
competências da perita constitui uma primeira
etapa para o desenvolvimento dos
conhecimentos clínicos. As enfermeiras peritas
poderão beneficiar da consignação e da
descrição sistemática dos incidentes críticos que
terão vivido ao longo das suas práticas, as quais
põem a nu a experiência ou a baixa de
competência, A medida que as especialistas
documentarão os seus actos, será possível estudar
adiante e desenvolver novos domínios de
conhecimentos.
As peritas podem também ser consultadas pelas
outras enfermeiras.
...
.
SAMUTI
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HLASU
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MR.
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.
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O Modelo Dreyfus de aquisição de competências aplicado à


Enfermagem
| 61

Podem ser particularmente eficazes quando se trata de pedir uma avaliação Umédica
mais avançada quando detectam precocemente alterações clínicas. No entanto,
excepto nas unidades de tratamento intensivo, a maior parte das enfermeiras
peritas tem poucas oportunidades de comparar e desenvolver com as suas colegas
um consenso a respeito das suas observações. Assim, se fizéssemos
sistematicamente esforços para desenvolver uma linguagem descritiva
aceite por todos e destinada a comparar as observações das
enfermeiras peritas, as suas competências şeriam melhoradas.
O estudo dos comportamentos proficientes e peritos permitiriam descre
ver o comportamento das enfermeiras peritas, assim como suas
consequências para os doentes. Esse conhecimento pode ser desenvolvido para
alargar o campo de acção das enfermeiras que desejam e são capazes de atingir a
excelência.
A visão de "o que é possível” é uma das características que diferenciam os
comportamentos da competência dos da proficiente e por fim os da
ita. Nem todas as enfermeiras serão capazes de se tornarem peritas. As
descrições que dão as peritas da excelência oferecem, no entanto, horizontes
para as enfermeiras competentes e podem facilitar a sua passagem ao estado
proficiente. Quando as peritas podem descrever situações clínicas onde a sua
intervenção fez a diferença, uma parte dos conhecimentos decorrente da sua
prática torna-se visível. E é com esta visibilidade que o realce e
reconhecimento da perícia se tornam possíveis.

O significado da experiência

A palavra "experiência”, tal como é utilizada aqui não faz só


referência passagem do tempo. Trata-se antes de melhorar teorias e noções
pré concebidas através do encontro de numerosas situações reais que
acrescentam nuances ou diferenças subtis à teoria (Gadamer, 1970; Benner &
Wrubel, 1982). A teoria oferece o que pode ser explicitado e
formalizado, mas a prática é sempre mais complexa e apresenta
muito mais realidades do que as que se podem apreender pela teoria.
. Na verdade, a teoria guia as enfermeiras e permite-lhes colocar as questões
certas. Isto pode ser ilustrado pelo tipo de transformações de que são alvo as
práticas através da influência de teorias (por exemplo, as teoria sobre o processo
de luto, sobre a morte e os moribundos, os estudos sobre

ES

62 | De iniciado a perito

a separação mãe-filho em pediatria, sobre as ligações entre recém nascidos e sua


mãe em obstetrícia. Todavia, qualquer enfermeira com experiência e
conhecimento de tais teorias encontra diferenças que a teoria formal não
consegue exprimir. E esse diálogo clínico com a teoria que torna os melho
ramentos acessíveis ou possíveis à enfermeira experiente.
Por outro lado, a teoria e a procura são geradas a partir do mundo real, isto é, a
partir dos actos praticados pelas especialistas num dado domínio. É só a partir
das suposições e das expectativas incluídas na prática da enfermeira
perita que são colocadas perguntas destinadas a experiências científicas e à
construção de uma teoria. Enquanto as práticas dos peritos num dado
dominio passarem desapercebidas, não ficarem documentadas, enquanto o
desenvolvimento da perícia clínica for limitado por carreiras clínicas curtas, faltará
um elo essencial ao desenvolvimento de uma teoria em cuidados de enfermagem.
Uma enfermeira que tomou a cargo nume losos doentes adquire bases sólidas,
graças às quais pode interpretar novas situações, mas esses conhecimentos com
formas múltiplas, com as suas referências concretas, não podem ser colocados
sob forma de princípios abstractos nem mesmo sob forma de linhas orientadoras
explícilas.
Existe um afastamento, uma descontinuidade, entre o nível competente e os níveis
proficiente e perita. Se quisermos que as enfermeiras peritas te nham mais
atenção perante os pormenores, os modelos ou regras formais, as suas
competências deteriorar-se-ão.
Este ponto de vista sobre a aquisição das competências não significa todavia,
que as regras e as fórmulas só se encontrem no inconsciente. A explicação
deste aspecto encontra-se no livro de Hubert Dreyfus "What Computers Can't do:
The Limits of Artificial Intelligence" (1979).
Para se poder fazer uma ideia sobre esse modelo, pense em todas essas
experiências que necessitam de uma aprendizagem, como andar de
bicicleta, conduzir um carro, aprender uma segunda língua ou colocar uma
perfusão. No início, a execução é hesitante e é rígida, é absolutamente necessário
apoiar-se sobre instruções explícitas. A execução é governada pelas regras.
Tradicionalmente, os Ocidentais pensam que, com a expe riência e o domínio
de uma competência, as regras do início acabam por fazer parte do
inconsciente. Mas esta afirmação não tem fundamento pe rante a
realidade e ignora o papel da percepção nos actos profissionais.
Hubert e Stuart Dreyfus (1977) trouxeram exemplos de estudos
conduzidos na Força Aérea que demonstravam que deixando de lado as regras,
poderíamos tornar-nos competentes. Citam o exemplo de aspirantes
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O Modelo Dreyfus de aquisição de competências aplicado à


Enfermagem
| 63
hogy khwabood feladatainme
n t Ratsit.se ..

pilotos a quem foi ensinado a seguir uma sequência fixa


de leitura óptica de instrumentos e de painéis. Os
pesquisadores da aviação acharam que os instrutores que tinham
editado estas leis podiam encontrar os erros nos quadros de bordo mais
rapidamente que os estudantes. Perguntaram-se se os instrutores aplicavam
mais rapidamente e melhor as regras que os aspirantes pilotos; seguiram os
movimentos dos olhos dos instrutores e acharam que não utilizavam de
forma alguma as regras que ensinavam aos seus alunos. Melhor, o
não seguimento das regras permitia aos instrutores agir mais
depressa e melhor.
Assim, uma assunção importante do modelo de Dreyfus é que, com a
experiência e o domínio, a competência transforma-se. E esta
mudança leva a um melhoramento das actuações. Se, por exemplo,
insistirmos para que os pilotos peritos sigam as regras e as linhas
orientadoras que utilizaram quando eram principiantes, as suas
actuações, no momento presente, deteriorar-se-iam verdadeiramente,
Uma das implicações deste modelo é que os modelos estruturais
formais, a análise das decisões ou os modelos de processos não podem
descre-ver níveis avançados de actuações clínicas que podemos observar
na realidade.Uma abordagem interpretativa da descrição
da prática dos cuidados de enfermagem será apresentada
no capítulo 3 como um meio de descre-ver o processo de
decisão rápida e global pelas peritas. Da mesma forma, trata-se de
um meio de apreender o contexto e as significações inerentes à prática
dos cuidados de enfermagem em situação real. Os educadores e os
conhecedores do seu ofício dedicaram-se ao problema de descrever de forma
satisfatória a extensão e a profundidade dos cuidados de enfermagem
em situação real. O processo de cuidados de enfermagem e a
análise das decisões são limitados na medida em que a dificuldade da
tarefa, a impor-tância relativa, os aspectos relacionais e os resultados de
uma prática competente não são completamente apreendidos se neles não
incluirmos o contexto, as intenções e as interpretações desta prática
competente.
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