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UMA PROPOSTA CURRICULAR E METODOLOGICA PARA UNIR A

FINALIDADE LEGAL À PRÁTICA DOCENTE DA DISCIPLINA DE FILOSOFIA


NO ENSINO MÉDIO

Artur Bezzi Günther

Palavras chave: ensino - filosofia - metodologia - currículo.

Resumo: O texto defende um currículo para a disciplina de filosofia no ensino médio. Esse currículo
se mostra compatível com os parâmetros governamentais e, principalmente, é abalizado como um
aliado para atingir a finalidade legal da disciplina. Por fim, é proposta uma metodologia baseada na
aplicabilidade da filosofia que visa dar conta da efetividade do currículo em sala de aula.

A educação de filosofia no ensino médio possui uma finalidade legal. Contudo,


não é certo o cumprimento dessa finalidade legal a partir meramente do ensino de um
currículo1 qualquer de filosofia, porque existem diversas propostas curriculares as quais
podem não atingir o objetivo em questão. Portanto, é necessário estabelecer pelo menos uma
proposta curricular que cumpra o seu papel. Além disso, entretanto, não é certa a eficácia no
ensino em sala de aula de um currículo idealizado tendo em vista unicamente a sua finalidade
legal. Desse modo, também, é preciso buscar pelo menos uma proposta metodológica 2 pela
qual a aprendizagem seja efetivada e facilitada.
Os PCNEM3 apresentam uma concepção de filosofia que, grosso modo, diz que
apesar da existência de diversas correntes filosóficas, há uma essência comum entre elas
correspondente à sua natureza reflexiva. Essa natureza da filosofia se constituiria em parte
pelo exame analítico e em parte pela sua postura crítica. No mesmo documento é apontada a
existência do universo da cultura filosófica onde o sujeito toma contato com os conceitos,
temas, problemas e métodos da tradição filosófica.
Observadas as diferenças de intenção nas várias abordagens filosóficas, o conceito
de reflexão, em geral, abarca duas dimensões distintas que freqüentemente se
confundem: a reconstrução (racional), quando o exame analítico se volta para as
condições de possibilidade de competências cognitivas, lingüísticas e de ação. É
nesse sentido que pode(m) ser entendida(s) a(s) lógica(s), a(s) teoria(s) do
conhecimento, a(s) epistemologia(s) e todas as elaborações filosóficas que se
esforçam para explicitar teoreticamente um saber pré-teórico que adquirimos à
medida que nos exercitamos num dado sistema de regras; a crítica, quando a
reflexão se volta para os modelos de percepção e ação compulsivamente restritos,
pelos quais, em nossos processos de formação individual ou coletiva, nos iludimos a
nós mesmos e, por um esforço de análise, consegue flagrá-los em sua parcialidade,

1
Currículo e suas variáveis são entendidos ao longo do texto como um conjunto de conteúdos e competências
abordadas em uma disciplina.
2
Metodologia e suas variáveis são entendidas ao longo do texto como as técnicas e métodos de aplicação de um
currículo.
3
Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio.
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vale dizer, seu caráter propriamente ilusório. É nesse sentido que podemos
compreender as tradições de pesquisa do tipo da crítica da ideologia, das
genealogias, da psicanálise, da crítica social e todas as elaborações teóricas que
estão motivadas pelo desejo de alterar os elementos determinantes de uma “falsa”
consciência e extrair disso todas as conseqüências práticas. (PCNEM, 2000).

Esse entendimento do que é filosofia parece estar de acordo com aquele


apresentado no livro de Desidério Murcho A Natureza da Filosofia e o seu Ensino onde é
analisada uma concepção do que é filosofia e é proposto um modo pelo qual ela deve ser
ensinada.
O dever do professor é sempre o mesmo: dar ao estudante os instrumentos que lhe
permitam exercer a liberdade de avaliar criticamente essas idéias, e não impedir essa
liberdade lecionando as idéias dos filósofos como coleções de frases e palavras para
enfeitar o discurso. Conseqüentemente, ainda que não possamos definir claramente a
filosofia como uma atividade crítica, a disciplina de filosofia só pode ser ensinada
criticamente. (MURCHO, 2002, p.24).
A disciplina de filosofia, portanto, deve ser trabalhada de forma crítica. Inicialmente, a
crítica na filosofia é direcionada às concepções ingênuas sobre temáticas de interesse
filosófico, porém ela se estende às próprias teorias filosóficas. Nesse contexto, uma maneira
de alcançar esse objetivo é partindo dos problemas filosóficos com as teorias filosóficas
funcionando como possíveis respostas a eles. Desse modo, as teorias filosóficas se tornam
passíveis de serem interpretadas, examinadas e avaliadas, habilidades essas que são condições
necessárias para o pensamento crítico4 e para a autonomia5. De outra forma, o estudante não
estará desenvolvendo as habilidades que a filosofia é capaz de promover. Isso por que se
houver uma redução da disciplina de filosofia ao ensino de história da filosofia ou história das
idéias, o estudante estará meramente decorando acontecimentos históricos ou as teses dos
sistemas filosóficos e, por isso, não estará desenvolvendo as competências de interpretação,
exame e avaliação, conseqüentemente, também, sua criticidade e a autonomia não serão
promovidas. Lídia Maria Rodrigo apresenta este enfoque dado ao desenvolvimento de
habilidades:

A preocupação com os aspectos formais da aprendizagem filosófica deriva de


concepções didáticas recentes, que enfocam a aprendizagem de um ponto de vista
mais amplo do que a mera fixação dos conteúdos a serem trabalhados. Nos últimos
anos, a atenção voltou-se para as competências e habilidades de estudo,
considerando-se relevante também a aquisição da capacidade de aprender, em lugar
4
“Pensamento crítico” e “criticidade” não são definidos explicitamente nos PCNEM, contudo, eles sempre estão
associados a habilidades e a posturas que envolvem: reflexão, racionalidade, exame analítico, problematização,
busca por razões, etc.
5
Por autonomia, de acordo com o dicionário Aurélio, entende-se a “1. Faculdade de se governar por si mesmo.”
No contexto, se refere à faculdade de pensar e julgar por conta própria com base em um discernimento crítico.
Isso em contraposição a determinações externas como a imposição de idéias dogmáticas e inquestionáveis.
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do mero ‘nocionismo enciclopédico’ que caracterizou negativamente a cultura
escolar (Paris, 1994). Permanece importante não separar forma de conteúdo, uma
vez que a especificidade dos aspectos formais se configura com base na sua conexão
com determinado conteúdo. (RODRIGO, 2009, p.55).
Desse modo, é importante, ainda, observar que a idéia em questão se baseia num
ensino bastante específico partindo dos problemas filosóficos. Eles devem ser considerados
aliados às teorias filosóficas as quais devem servir como possíveis respostas a eles. Assim, os
problemas não são abordados desorientadamente, pelo contrário, eles são abordados de uma
maneira peculiar à atividade filosófica. A cultura filosófica presente no conjunto de textos e
teorias filosóficas constitui um terreno particularmente fértil para o exercício dessas
habilidades. Além disso, ela irá contribuir para o desenvolvimento do pensamento crítico e da
autonomia sob a forma de conhecimento6. A autora complementa:

Todavia, também, não se pode esquecer que problema e sistema são noções
correlatas e que assim elas tem se apresentado ao longo da história da filosofia
(Bornheim, 1970, PP. 101s) A filosofia não se constrói com base apenas em
problematização ou sistematização. Ela começa formulando indagações sobre o real
que, por sua vez, instauram a necessidade de certa organização ou sistematização do
conhecimento, de modo que as respostas resultem em um discurso articulado e
coerente. (RODRIGO, 2009, p.44).
Em resumo, a disciplina deve ser ensinada criticamente. Um modo de fazer
isso é interpretando, examinando e avaliando teorias enquanto possíveis respostas aos
problemas filosóficos. Isso exige competências de interpretação, exame e avaliação do
estudante e, por conseguinte, sua criticidade e autonomia são desenvolvidas de uma maneira
peculiar. Essa maneira de trabalhar com os problemas e teorias é compatível com a proposta
de Murcho:

Uma correta compreensão da natureza da filosofia obriga a que o seu ensino procure
o seguinte: o estudante terá de compreender claramente os problemas, teorias e os
argumentos da filosofia e terá de formar a sua opinião abalizada sobre eles; o
estudante deverá ser estimulado a desenvolver o seu pensamento autônomo sobre os
problemas, as teorias e os argumentos da filosofia. Deverá ser capaz de traçar
distinções relevantes, terá de saber defender as suas idéias e terá de saber responder-
lhes de forma adequada e responsável. (MURCHO, 2002, p.28).
Partindo das idéias de Murcho e Rodrigo, foi defendido um modo pelo qual a
disciplina de filosofia pode ser ensinada criticamente: relacionando problemas e teorias
filosóficas. Essa tarefa exige do estudante habilidade de interpretação, exame e avaliação. Por
fim, essas habilidades aprimoram a criticidade e a autonomia.

Esse modelo está de acordo com a legislação brasileira que determina:

6
Esse ponto não será aprofundado aqui, para saber mais ver o texto: ROCHA, R. Ensino de Filosofia e
Currículo. 1ª Ed. Vozes: RJ, 2008.

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O ensino médio, etapa final da educação básica, com duração mínima de três anos,
terá como finalidades: (...) o aprimoramento do educando como pessoa humana,
incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do
pensamento crítico. (LDB, artigo 35).
(...) ao final do ensino médio o educando deve demonstrar (...) domínio dos
conhecimentos de filosofia e sociologia necessários ao exercício da cidadania. (LDB,
artigo 36).
Neste sentido, deve-se considerar que a autonomia e a criticidade são condições
necessárias para o exercício da cidadania que a filosofia é capaz de promover. Sobre isso
Murcho diz o seguinte:

Quando o ensino da filosofia é de qualidade, o que infelizmente raramente é, o


estudante sai da disciplina a saber pensar com mais clareza, a saber avalizar
opiniões opostas e a tomar decisões informadas e refletidas. Como é evidente, isto é
de importância fundamental para a vida pública e cultural de qualquer sociedade
civilizada. (MURCHO, 2002, p.27).
Ainda a respeito da ligação entre as habilidades que a filosofia é capaz de
promover e a cidadania aliada à formação ética, Mattew Lipman defende que a melhor
contribuição da Filosofia para Crianças7 é o aprimoramento do juízo moral. Isso se dá através
do desenvolvendo das técnicas envolvidas na elaboração desses juízos e do apreço por essas
técnicas. Isso é uma tarefa útil dado que em geral os juízos morais emitidos pelas pessoas
carecem de coerência, pois é comum o desvirtuamento causado por interesses particulares.

Na verdade, a atenção para com os procedimentos, que se torna parte do caráter da


criança, fará mais para o desenvolvimento do juízo moral dessa criança do que todos
os discursos edificantes formais já escritos. Mas ao mesmo tempo devemos ter em
mente que as infinitas nuances e matizes das relações humanas não podem ser
transmitidas didaticamente. Somente a literatura mostrou a delicadeza e a
flexibilidade necessária para penetrar e comunicar a multiplicidade de camadas das
relações humanas. Conseqüentemente, a melhora do juízo moral exigirá a
construção de um conjunto específico de obras literárias que incorporem e mostrem
as modalidades da consciência moral, a natureza da integridade moral, as técnicas da
investigação moral e as estruturas alternativas da compreensão ética. Portanto, para
que a Filosofia para Crianças seja um currículo eficiente para a educação ética, deve
enfatizar o uso conjunto de textos literários, junto com procedimentos filosóficos
que visam desenvolver a destreza lógica, a sensibilidade estética, a intuição
epistemológica e a globalidade metafísica. As crianças que estão em relação com
esses procedimentos são crianças cujo juízo moral tem mais probabilidades de
melhorar no decorrer da sua educação. (LIPMAN, 2006, p. 248-249).
Um currículo de filosofia baseado no modelo apresentado anteriormente, portanto, é
compatível com o compromisso legal da disciplina de filosofia. Assim, ela servirá como um
intermediário confiável entre o ensino na sala de aula e a finalidade legal da disciplina de
filosofia na educação. Até o momento se observa o seguinte: primeiro, que a filosofia deve
ser trabalhada a partir dos problemas filosóficos aliados às teorias filosóficas; segundo, que a
filosofia, sendo trabalhada dessa maneira, é capaz de desenvolver certas habilidades nos

7
Projeto de ensino do autor cujo enfoque prioritário está no desenvolvimento de habilidades ligadas à
racionalidade.
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estudantes; terceiro, que essas habilidades atendem ao compromisso legal da disciplina. Como
já foi visto, o primeiro ponto, quando abordado de maneira adequada, implica o segundo.
Também, se observou que o segundo ponto é condição necessária do terceiro.

De acordo com a proposta curricular apresentada anteriormente a disciplina de


filosofia pode ser dividida em duas partes: uma parte que diz respeito ao conteúdo e outra à
forma. O conteúdo é baseado nos problemas e teorias filosóficas sobre os quais a forma é
aplicada. A forma se baseia essencialmente nas ferramentas capazes de desenvolver nos
alunos competências de interpretação, análise e avaliação. Julian Baggini e Peter S. Fosl
(2008) realizam uma abordagem ampla e sistemática dessas ferramentas e explicam o papel
que elas desempenham na filosofia:

A filosofia pode ser uma atividade extremamente técnica e complexa, cuja


terminologia e cujos procedimentos muitas vezes intimidam o iniciante e exigem
muito até mesmo do profissional. Como a arte da cirurgia, a arte da filosofia requer
o domínio de um corpo de conhecimentos, mas requer também a aquisição de
precisão e habilidade para manejar um conjunto de instrumentos ou ferramentas.
Podemos considerar As Ferramentas dos Filósofos uma coleção de tais
instrumentos. Diferentemente dos de um cirurgião ou de um marceneiro, porém, os
instrumentos apresentados neste texto são conceituais, ferramentas que podem ser
usadas para analisar, manipular e avaliar conceitos, argumentos e teorias filosóficas.
(BAGGINI e FOSL, 2008, p. 9).
A questão que se coloca agora é a de como proceder em sala de aula para alcançar tais
objetivos? Bom, deve-se trabalhar com os problemas filosóficos analisando-os e confrontando
os argumentos das diversas teorias que visam respondê-los. Correto, porém como realizar esse
trabalho de uma maneira minimamente agradável para que o aluno preste atenção e se
dedique ao assunto? Murcho diz o seguinte.

A tarefa de um bom professor perante estudantes desmotivados é motivá-los. E se o


professor abandonar o discurso cinzento da filosofia de cordel, se estudar filosofia e
transmitir as melhores idéias, argumentos e problemas da filosofia, verá como isso
desperta os estudantes de seu torpor. (MURCHO, p.18).
A citação acima não é descabida, entretanto, ela merece diversos
esclarecimentos e qualificações que não são feitas ao longo do texto em que se insere. Não há
uma ligação necessária entre “estudar filosofia e transmitir as melhores idéias, argumentos e
problemas” com “despertar os estudantes de seu torpor”. Pelo contrário, é um fato
relativamente fácil de constatar em sala de aula que mesmo com a efetivação do antecedente,
muitas vezes o conseqüente não se verifica. Isso mesmo em situações onde não há nenhuma
grande dificuldade em sala de aula tal como a falta de disciplina. Rodrigo ajuda a esclarecer
esse ponto:

Ao iniciar o trabalho na disciplina, o prfessor não pode, obviamente, contar com


nenhum interesse prévio do aluno pela filosofia; no caso do adolescente, não se pode
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encarar a motivação como um “requisito apriori”, nem como uma questão de
“vocação pessoal” (Martini, s/d). Menos ainda, para fugir a outra possível
idealização, se deve crer que esse aluno sinta alguma necessidade do conhecimento
filosófico. A esse respeito Gérard Lebrun: “Nunca acreditei que um estudante
pudesse orientar-se para a filosofia porque tivesse sede de verdade: a fórmula é
vazia” (apud Favaretto, 1995, p79). (RODRIGO, 2009, p. 35-36.).
A LDB exige que essa dificuldade seja superada: “(...) O currículo (...) adotará
metodologias de ensino e de avaliação que estimulem a iniciativa dos estudantes.” (LDB,
artigo 36). Desse modo, é preciso desenvolver uma proposta metodológica que torne efetivo o
ensino dessa proposta de currículo. Caso contrário, esse modelo garantiria apenas
nominalmente o objetivo político do ensino de filosofia no ensino médio, contudo, na prática
ele não seria efetivo em sala de aula.

O livro de Ronai Rocha Ensino de Filosofia e Currículo pode fornecer um rumo a essa
tarefa. “No processo de consolidação de nossa estrutura noética apresentam-se naturalmente
certas curiosidades e perguntas para as quais o lugar correto de debate é a aula de filosofia.”
(ROCHA, 2008, p.43). Geralmente, algumas dessas perguntas se relacionam com problemas
filosóficos. Nesse ponto, faz-se necessário um trabalho de persuasão dos estudantes. Isso pode
ser feito mostrando ao aluno, na prática, que a filosofia pode ser o melhor local para encontrar
respostas a certo tipo de perguntas inerentes ao ser humano. O fato de o aluno se fazer esse
tipo de perguntas não garante necessariamente o seu interesse, contudo, é um passo nesta
direção. Lipman ajuda a esclarecer o papel da filosofia frente essas perguntas:

O professor que questiona, com seu exemplo, incentiva as crianças a questionarem,


mas isso não significa que não se deva incentivá-las a encontrar respostas. Uma
resposta é um estágio de satisfação no processo de investigação; é um lugar em que
fazemos uma pausa no curso dos nossos esforços para entender. Questionar e
encontrar respostas fazem parte dos ritmos da vida, como trabalhar e descansar, ou
como um pássaro pousando num galho antes de voltar a voar de novo. A resposta a
que uma criança chega não pode ser correta, mas é uma solução, mesmo que
temporária do período de perplexidade que ela estava experimentando. (LIPMAN,
2006, p.136)
Nesse sentido, resta ainda a pergunta: como pode isso ser feito? Um dos caminhos
possíveis que é particularmente eficaz consiste em aproveitar qualquer elemento ligado à
realidade do aluno do qual se possa extrair alguma questão de relevância filosófica. Assim,
surgem como possíveis aliados nessa situação: temáticas ligadas ao cotidiano, assuntos em
voga, recursos áudios visuais como filmes e seriados 8, formas de discussão como debates e
apresentação de dilemas, etc. Nesse contexto, questões polêmicas como a do aborto e assuntos
que despertem diretamente o interesse do estudante como relacionamentos amorosos podem
funcionar como um bom gatilho para a introdução do conteúdo da disciplina. Esses meios são
adequados, portanto, para despertar a atenção do aluno em aula.
8
Sobre isso, ver o artigo “” de Daiane Faust presente neste livro.
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Entretanto, cabe ressaltar que os elementos atrativos para os alunos são variáveis de
acordo com o contexto onde vivem e de pessoa para pessoa. Desse modo, é preciso um
esforço de pesquisa e investigação para identificar esses elementos. Isso pode ser feito de dois
modos: ou questionando os alunos sobre seus interesses, ou procurando descobri-los por conta
própria. Sobre isso Rodrigo diz o seguinte:

O interesse pela reflexão filosófica, assim como por qualquer outro assunto, só
poderá ser despertado se os conteúdos se revelarem significativos para o sujeito de
aprendizagem, que dizer, além de serem objetivamente significativos, eles devem
sê-lo também, subjetivamente, inscrevendo-se num horizonte pessoal de
experiências, conhecimentos e valores. (RODRIGO, 2009, p. 38).
Lipman corrobora essa idéia de estabelecer a ligação entre a filosofia e elementos que
são significativos para os alunos:

Se uma das premissas educacionais do programa de Filosofia para Crianças é a


existência de uma nítida distinção entre pensar a respeito de um tema e pensar num
tema, uma outra é de que há diferença, embora não tão demarcada, entre pensar e
pensar por si mesmo. Já que a última é um exemplo da anterior, é um assunto que
também deve ser avaliado em termos dos critérios lógicos. Mas se inferir o que se
segue de premissas é uma das coisas que o pensar, em seu sentido mais amplo,
implica, então pensar por si mesmo requer inferir o que se segue das nossas próprias
premissas. Pensar por si mesmo requer dar mais atenção aos interesses e pontos de
vista das crianças, que é um pré-requisito para apresentar-lhes a filosofia de uma
forma mais atraente. Isso nos capacita a expor as nossas próprias crenças e descobrir
boas razões para justificá-las; a descobrir o que se segue das nossas próprias
pressuposições; a elaborar em nossas mentes as nossas próprias perspectivas do
mundo; e a esclarecer os próprios valores e as diferentes formas de interpretar nossa
experiência. Filosofia para Crianças não pressupõe que pensar por si mesmo, por se
tratar de um pensamento aplicado de forma relevante, deva ser mais importante do
que enfatizar as crianças a adquirirem outros tipos de habilidade de raciocínio mais
gerais. Mas, certamente, no caso das crianças não exige, em absoluto, uma ênfase
maior. (LIPMAN, 2006, p. 68-69).
Rocha, também, confirma essa idéia:

O professor de filosofia no nível médio parte de uma situação pedagógica na qual os


problemas filosóficos se apresentam nas mais variadas formas e situações. Os
problemas da filosofia se apresentam sempre que na cultura há uma situação que nos
permite reavaliar nossos critérios, nossos conceitos e limites mais fundamentais.
Filmes, poemas, romances, situações do cotidiano podem conter e apresentar
problemas e situações filosóficas. Afinal, por que haveria algum espaço exclusivo
para essas práticas de acerto de contas da gente com a gente mesmo? Quando temos
isso claro esses recursos podem e devem entrar para a aula de filosofia, pois ali se
discute um tipo de autoconhecimento que, em um sentido preciso, não trata de busca
de fatos novos acerca de cada um de nós, mas de uma prática que sempre tem fundo
moral, que consiste no acerto de contas de cada um consigo mesmo e com a
comunidade em que vive. Nesse sentido, a filosofia é, para os jovens, uma discussão
da vida adulta, da vida adulta que os adultos teimam em esquecer. (ROCHA, 2008,
p.127).
Contudo, a utilização desses meios não deve em momento algum perder de vista a sua
finalidade: o ensino do currículo da disciplina. Lipman ilustra bem o ponto. Ele diz que a arte
de ensinar exige sensibilidade no tratamento das questões que tangenciam o tema. O professor
deve saber conduzir a discussão em direção ao seu objetivo.
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Por outro lado, não há nada de errado em um aluno compartilhar uma preocupação,
ou fazer um relato autobiográfico de alguma experiência, quando o professor achar
que isso pode ser habilmente encaminhado para uma compreensão objetiva e
imparcial por parte de toda a classe dos temas filosóficos sobre os quais o tal
comentário pessoal colocou alguma luz. Nesse caso, o comentário pessoal serve para
ilustrar um tema filosófico amplo de que toda a classe pode se beneficiar ao explorá-
lo, em vez de simplesmente dirigir a atenção dos alunos para o próprio comentário
pessoal. (LIPMAN, 2006, p.128-129).
Tomemos um exemplo: a série de TV House, M. D.9 que trata do dia-a-dia de uma
equipe médica, mais precisamente o episódio O Tirano em que se coloca um dilema entre
matar ou não um ríspido ditador. Como foi visto, a apresentação desse dilema deve, além de
possuir alguma relevância para os alunos, introduzir um problema filosófico. Por exemplo, o
problema de quem decide o que é certo e o que é errado, considerando que esse problema se
encontra no currículo de filosofia. Mas haveria uma falha grave caso as aulas se estagnassem
na utilização do meio. A filosofia seria reduzida a uma “conversa de café”, perdendo de foco
a sua essência enquanto uma atividade argumentativa sobre problemas conceituais. Estar-se-
ia, assim, adulterando o currículo da disciplina. Conseqüentemente, a finalidade política do
seu ensino não seria alcançada.

O exemplo apresentado acima foi realizado na forma de uma oficina em outubro de


2010, organizada pelos bolsistas do PIBID Filosofia da UFRGS. A oficina foi destinada a um
grupo de alunos do Ensino Médio da Escola Ernesto Dornelles, localizada em Porto Alegre -
RS10. No começo da oficina foi apresentado o episódio O Tirano na integra (40 minutos). Em
seguida, foi realizada uma série de perguntas de interpretação a respeito do episódio. Os
alunos participaram com avidez, dado que gostavam da série House M.D. Então, foram
sugeridas diversas teses éticas que funcionariam como possíveis posicionamentos frente à
trama do episódio. Essas teses foram distribuídas individualmente a pequenos grupos que
seriam responsáveis por argumentar em favor da sua tese e apresentar as implicações dela
com relação ao episódio. Os alunos defenderam suas teses de maneira interessada, procurando
desqualificar as teses dos outros grupos. Também, verificaram que a adoção de uma
determinada teoria ética produz implicações práticas significativas. Em suma, perceberam que
a filosofia pode fornecer esclarecimentos a um assunto que lhes agrada e, além disso,
perceberam que tal tarefa foi realizada a partir desse assunto, numa situação onde a filosofia
foi requisitada.

9
Série de TV norte-americana criada em 2004. Ela é transmitida no Brasil pela Universal Channel.
10
Esta oficina fez parte de um bloco de três oficinas que trataram da teoria relativista em diferentes campos. Os
planos dessas três oficinas estão presentes neste livro.
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Após a abordagem inicial do conteúdo através da apresentação de algum recurso que
desperte o interesse do educando, se faz necessária a extração da relevância filosófica desse
conteúdo. Ela deverá encaminhar a aula para o modelo visto anteriormente de argumentação
sobre os problemas filosóficos. Entretanto, agora, o aluno tomará contato com esse conteúdo
partindo de um olhar interessado adquirido anteriormente. Nesse contexto, as teorias
filosóficas ficam “vivas”, elas se tornam mais claras e acessíveis aos educandos levando
adiante a investigação do assunto em pauta. Por fim, após a análise filosófica do tema, há um
retorno ao caso particular que serviu de gancho com o objetivo de verificar a contribuição da
abordagem filosófica à questão. Contudo, ainda, é preciso que o professor tenha sensibilidade
para manter o interesse dos alunos, conservando um vínculo apropriado da forma e do
conteúdo que serão trabalhados com o recurso pelo qual estes foram introduzidos:

Dissemos várias vezes que a discussão em sala de aula deve começar com os
interesses dos alunos e que fazer com que leiam uma história é uma maneira de criar
uma experiência que mobilizará e cristalizará seus interesses. Todos nos estamos
familiarizados com o fato de que nossos próprios interesses tendem a diminuir a
menos que sejam estimulados e direcionados, o que é pedagogicamente útil na obra
de arte é que anima aqueles nossos interesses que, de outro modo, ficariam
adormecidos e inertes. (LIPMAN, 2006, p.157).

O método apresentando consiste, em suma, em identificar uma temática de interesse


dos alunos. Em seguida, analisar filosoficamente esse tema. Por fim, extrair a relevância da
filosofia para esse tema.11

A utilização de meios atraentes para a apresentação do currículo em sala de aula é


apenas uma sugestão ao professor. Ela não garante necessariamente uma boa aula. Contudo,
essa metodologia oportuniza ao professor a solução de uma grande dificuldade, se não a maior
delas, a saber, a falta de interesse e conseqüente desatenção dos alunos. Desse modo, ela
contribui com a efetivação da aprendizagem do currículo e, conseqüentemente, como foi
visto, a obtenção do objetivo legal da educação de filosofia no ensino médio.

Para a realização de uma boa aula é preciso cobrir um campo de elementos bastante
grande, muitos deles são variáveis, outros tantos são independentes da atividade do professor.
Foram abordados ao longo do texto apenas alguns desses elementos. No entanto, foi
apresentado um estilo de unir a finalidade legal à prática docente através do que se defendeu
ser uma boa estratégia frente ao problema em questão.

REFERÊNCIAS:

11
Um exemplo onde cada momento desse método está bem delineado se encontra no planejamento da oficina
“Decisão e Responsabilidade” presente neste mesmo livro.
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BAGGINI, J. e FOSL, P. As Ferramentas dos Filósofos. 1ª Ed. Loyola: Sp, 2008.

LDB - Lei de Diretrizes e Bases da Educação (9394/96).

LIPMAN, M. Filosofia na Sala de Aula. 3ª Ed. Nova Alexandria: SP, 2006.

MURCHO, D. A Natureza da Filosofia e o seu Ensino. 1ª Ed. Lisboa: Plátano, 2002.

PCNEM - Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio. MEC, 1999.

ROCHA, R. Ensino de Filosofia e Currículo. 1ª Ed. Vozes: RJ, 2008.

RODRIGO, L. Filosofia em Sala de Aula. 1ª Ed. Autores Associados: SP, 2009.

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