Você está na página 1de 18

Hermenêutica Bíblica

Material Teórico
Definição de Hermenêutica e Características
do Exercício Hermenêutico

Responsável pelo Conteúdo:


Prof. Dr. Paulo Roberto Pedrozo Rocha

Revisão Textual:
Prof.ª Me. Natalia Conti
Definição de Hermenêutica e
Características do Exercício Hermenêutico

• Definição de Hermenêutica e Características


do Exercício Hermenêutico.

OBJETIVO DE APRENDIZADO
• Definir hermenêutica como exercício de interpretação de textos com características próprias.
Orientações de estudo
Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem
aproveitado e haja maior aplicabilidade na sua
formação acadêmica e atuação profissional, siga
algumas recomendações básicas:
Conserve seu
material e local de
estudos sempre
organizados.
Aproveite as
Procure manter indicações
contato com seus de Material
colegas e tutores Complementar.
para trocar ideias!
Determine um Isso amplia a
horário fixo aprendizagem.
para estudar.

Mantenha o foco!
Evite se distrair com
as redes sociais.

Seja original!
Nunca plagie
trabalhos.

Não se esqueça
de se alimentar
Assim: e de se manter
Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte hidratado.
da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e
horário fixos como seu “momento do estudo”;

Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar; lembre-se de que uma


alimentação saudável pode proporcionar melhor aproveitamento do estudo;

No material de cada Unidade, há leituras indicadas e, entre elas, artigos científicos, livros, vídeos
e sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você tam-
bém encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão sua
interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados;

Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discus-
são, pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o
contato com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e de
aprendizagem.
UNIDADE Definição de Hermenêutica e Características
do Exercício Hermenêutico

Definição de Hermenêutica e Características


do Exercício Hermenêutico
Como entendemos hoje, hermenêutica se define como um modo específico de
interpretar. Uma breve passagem por dicionários de língua portuguesa, dicionários
de filosofia, manuais de filosofia, sites e blogs nos mostra a amplitude do significado
da hermenêutica.

Vejamos alguns exemplos. Para Giacóia Júnior, hermenêutica se define como


“ciência, método, teoria ou arte de interpretação de textos; estudo do sentido de
sistemas simbólicos;” e mais:
[...] corrente filosófica contemporânea, surgida em meados do século 20,
com representação majoritária na Europa continental, baseada na ideia
de que a verdade é sempre fundada numa interpretação – a qual, por
sua vez, remete à compreensão, entendida como uma das características
ontológicas fundamentais da existência humana. Para a hermenêutica, a
questão do sentido e da verdade depende, a cada vez, de um certo tipo
de compreensão histórica1.

Mora também diz alguma coisa sobre a relação entre hermenêutica e compreen-
são histórica ao se referir a Dilthey várias vezes, quando define hermenêutica como
[...] uma interpretação baseada num prévio conhecimento dos dados (his-
tóricos, filológicos etc.) da realidade que se trata de compreender, mas
que simultaneamente dá sentido aos citados dados [...]2.

Podemos entender Giacóia e sua afirmativa sobre a questão do sentido e da


verdade ser, para a hermenêutica, certo tipo de compreensão histórica a partir da
descrição feita por Mora do significado da hermenêutica para Dilthey, e para nós a
partir dele: a hermenêutica é uma interpretação baseada num prévio conhecimen-
to de dados da realidade que se trata de compreender e que ao mesmo tempo dá
sentido a esses dados.

Um pouco mais adiante, Mora dá sua definição de hermenêutica como “um mé-
todo geral de interpretação do espírito em todas as suas formas”3, não sem antes
retomar a questão da historicidade ao afirmar que a “hermenêutica se baseia na
consciência histórica.”4

Quem se refere também a um significado bem antigo para hermenêutica é


Körtner5, quando nos diz ter o termo hermenêutica sua origem na expressão
grega hermeneutiké (téchne) e que seu registro mais antigo data de Platão.

1  GIACÓIA JR, O. Pequeno dicionário de filosofia contemporânea. São Paulo: Publifolha, 2006, p. 94-95.
2  MORA, José Ferrater. Dicionário de filosofia. São Paulo:Martins Fontes, 2001, p. 176-177.
3  Idem, p. 177.
4  Idem, p. 176.
5  KORTNER, Ulrich H. J. Introdução à hermenêutica teológica. São Leopoldo: Sinodal, 2009, p.11.

8
O hermenéus é o tradutor-intérprete, sendo que hermeneúein significa, em
grego, tanto “interpretar” como “comunicar” e “explicar”. Assim, hermenêutica
originalmente “tratava-se da arte de significação, de esboçar um todo significante
a partir de signos inicialmente desprovidos de significado.”

Para Körtner, em Platão, a hermenêutica está ao lado da mântica, próxima à


interpretação dos sinais dos deuses ou da interpretação dos sonhos. Mais tarde, a
hermenêutica irá se referir à capacidade de tradução de uma linguagem para outra
e, depois, à explicação ou interpretação de manifestações linguísticas.

Por seu lado, Palmer6 inicia o estudo da hermenêutica nos remetendo ao


WebsterThird New International Dictionarye em que definição de hermenêutica
aparece como o estudo dos princípios metodológicos de interpretação e de ex-
plicação, além de definir uma hermenêutica específica como sendo o estudo dos
princípios gerais de interpretação bíblica. Palmer entende hermenêutica como o
estudo da compreensão, essencialmente a tarefa de compreender textos, tendo
ainda uma questão mais englobante que é interpretar. Interpretar é a análise dos
dados, ou análise de uma obra; interpretar é o ato essencial do pensamento huma-
no, havendo uma interpretação constante em muitos níveis linguísticos tecidos pela
convivência humana. Pode-se até conceber a existência humana sem linguagem,
mas não se pode concebê-la sem uma compreensão mútua de um homem para
outro, isto é, não a podemos conceber sem interpretação.

Como estudo para o entendimento de textos, a hermenêutica se proporia como


método em vários campos do conhecimento e da produção textual: literatura, filoso-
fia, direito e teologia entre outras possibilidades, mas não só. A vida, ao ser vivida, é
interpretada para que seus objetos, fenômenos e imagens sejam compreendidos e uma
estrutura conceitual básica se fixe em nós e nos conduza nas ações e práticas diárias.

Assim, em se tratando de obra literária, é preciso que ela seja vista não como
um objeto manipulável, mas como uma voz humana que vem do passado, uma voz
a qual temos, de certo modo, de dar vida. A tarefa de interpretação e o significado
da compreensão são diferentes no que dizem respeito a uma obra e no que dizem
respeito a um objeto, uma vez que um objeto pode ser uma obra ou pode ser um
objeto natural. Uma obra é sempre uma obra de um homem ou de Deus, perten-
cendo, então, a modos de compreensão mais sutis e, não raro, de compreensão
menos fácil. Dessa forma, a crítica literária precisa procurar um método ou teoria
adequado à decifração da marca humana numa obra, marca essa que estará sem-
pre ligada ao seu significado. Esse processo de decifração, essa compreensão do
significado de uma obra, é o ponto central da hermenêutica literária.

Aires Almeida, em seu dicionário escolar de filosofia, versão eletrônica, nos dá mais
o percurso histórico da hermenêutica na modernidade que propriamente sua definição:
Originalmente, teoria ou método de interpretação da Bíblia e de outros
textos religiosos. Friedrich Schleiermacher (1768-1834) formulou uma te-
oria da interpretação dos textos e do discurso, que Wilhelm Dilthey (1833-

6 PALMER, Richard. Hermenêutica. Lisboa:Editora 70, 2006.

9
9
UNIDADE Definição de Hermenêutica e Características
do Exercício Hermenêutico

1911) aplicou a todos os atos e produtos humanos e Heidegger estendeu


ao ser humano (Dasein). Associada à hermenêutica está a ideia de círculo
hermenêutico: não podemos compreender completamente um todo (por
exemplo, um texto filosófico) a menos que entendamos as suas partes, ou
completamente as partes a menos que entendamos o todo. Heidegger e
Hans-Georg Gadamer (1900-2002) fizeram disto uma característica de
todo o conhecimento e atividades humanos7.

Ao lermos Schleiermacher, em Hermenêutica – arte e técnica da interpretação,


é possível entender que, para ele, como uma primeira aproximação, a hermenêutica
é uma técnica necessária da interpretação e compreensão de textos e discursos.
Muitas, talvez a maioria, das atividades que compõem a vida humana
suportam uma gradação tríplice em relação à maneira como elas são exe-
cutadas: uma, o é de modo inteiramente mecânico e sem espírito; outra,
se apoia em uma riqueza de experiências e observações e, finalmente,
outra que, no sentido literal da palavra, o é segundo as regras da discipli-
na. Entre estas me parece incluir-se também a interpretação, desde que
subsumo sob esta expressão toda a compreensão de discurso estranho.
A primeira e mais elementar encontramos não apenas cotidianamente no
mercado público e na rua, mas também em muitos círculos sociais onde
se trocam modos de falar sobre assuntos comuns, tal que o falante quase
sempre sabe com certeza o que o seu interlocutor responderá, e a fala é
apanhada e devolvida como uma bola. A segunda parece ser o estágio no
qual nós em geral estamos. Assim é praticada a interpretação em nossas
escolas e faculdades, e os comentários esclarecedores dos filólogos e teó-
logos – pois ambos têm o campo previamente cultivado –, contêm um te-
souro de observações e informações instrutivas [...] Mas ao lado de todos
esses tesouros, aquele que precisa exercer este trabalho sem se colocar
no nível dos artistas indiscutíveis e, além disso, ao mesmo tempo deverá
na interpretação mostrar o caminho a uma juventude ávida de saber e
lhe dar as diretivas, este experimenta o desejo de uma instrução tal que,
como metodologia propriamente dita, não somente que ela seja o fruto
sempre alcançado dos trabalhos magistrais dos artistas nesse domínio,
mas que ela exponha também sob uma forma adequada e científica toda
a extensão e as razões de ser do processo8.

Aproveitemos a citação para um exercício rudimentar de interpretação.


Retomando o início do parágrafo anterior, só é possível que se afirme (como fiz) que,
para Schleiermacher, a hermenêutica é uma técnica necessária da interpretação
e compreensão de textos e discursos por termos lido no trecho escolhido para a
citação que a maioria das atividades que compõem a vida humana suportam
uma gradação tríplice em relação à maneira como elas são executadas e, em
consequência, temos que:

7  Disponível em: <http://www.defnarede.com/h.html>.


8  SCHLEIERMACHER, F. Hermenêutica – Arte e técnica da interpretação. São Paulo: Vozes, 2004, p. 25-26.

10
1. Há coisas executadas mecanicamente, entre elas os discursos em sua forma
mais elementar, aqueles que encontramos não apenas cotidianamente
no mercado público e na rua, mas também em muitos círculos sociais
onde se trocam modos de falar sobre assuntos comuns, tal que o falan-
te quase sempre sabe com certeza o que seu interlocutor responderá,
e a fala é apanhada e devolvida como uma bola. Para eles, há a inter-
pretação imediata por sua elementaridade e consensualidade de conteúdo.
2. Há coisas (novamente discursos) que se apoiam em uma riqueza de ex-
periências e observações de maneira que precisamos, para entendê-las,
praticar a interpretação como se faz em nossas escolas e faculdades, e
os comentários esclarecedores dos filólogos e teólogos – pois ambos
têm o campo previamente cultivado –, contêm um tesouro de obser-
vações e informações instrutivas.

Entretanto, não temos informações instrutivas para aquele que precisa exercer
este trabalho sem se colocar no nível dos artistas indiscutíveis e, além disso,
ao mesmo tempo deverá na interpretação mostrar o caminho a uma juven-
tude ávida de saber e lhe dar as diretivas. A esse sujeito só resta o desejo de
uma instrução tal que, como metodologia propriamente dita, não somente
que ela seja o fruto sempre alcançado dos trabalhos magistrais dos artistas
nesse domínio, mas que ela exponha também, sob uma forma adequada e
científica, toda a extensão e as razões de ser do processo.

Uma compreensão que visa ao mesmo tempo a apreensão do sentido do discur-


so e a apreensão do pensamento do autor e que é realizada mediante dois procedi-
mentos complementares: a interpretação gramatical – pois “ninguém ousaria, sem
dúvida, negar o parentesco preciso entre gramática, crítica e hermenêutica” – e a
interpretação psicológica, por meio de dois métodos: o histórico-comparativo e o
método intuitivo-divinatório.

Schleiermacher é um autor atual (considerado de fato como o iniciador do


projeto hermenêutico da modernidade) porque desenvolve sua teoria a partir da
linguagem e das condições sob as quais se dá a relação entre o falante e o ouvinte,
mas também por ter colocado o problema do sentido sob o signo da historicidade.
A linguagem é pressuposição constante, mas não garante transparência, pois é
um “infinito indeterminado” na medida em que é algo histórico a tal ponto de
existir uma dependência entre dialética e hermenêutica. Não apenas no sentido
da dialética histórica, como também no sentido de uma dialética do discurso na-
tural como manifestação do pensamento. Mesmo assim, para Schleiermacher, o
Absoluto somente é apreendido pela intuição e pelo sentimento como fundamen-
tos da religião.

11
11
UNIDADE Definição de Hermenêutica e Características
do Exercício Hermenêutico

Um resumo do método hermenêutico em Schleiermacher seria, em um primeiro


momento, a descoberta da unidade do estilo para, em seguida, fazer-se a descoberta
da originalidade na composição, o que implica duas tarefas: como primeira tarefa, há
de se encontrar a unidade interna ou o tema de uma obra e, como segunda tarefa,
encontrar a originalidade da composição.

Usaremos o artigo transcrito abaixo para destacar e exercitar as duas tarefas


pertencentes ao método hermenêutico proposto por Schleiermacher.

Estudiosos debatem a evolução da religião


Explor

Robin Marantz Henig


Da New York Times Magazine
Deus foi sempre um enigma para Scott Atran. Quando ele tinha 10 anos, escreveu uma men-
sagem queixosa na parede de seu quarto, em Baltimore. “Deus existe”, ele rabiscou em tinta
preta e alaranjada. “Ou, se não existe, estamos encrencados”. Atran, 55 anos, vem enfren-
tando dificuldades com questões religiosas desde então, em um esforço por compreender
por que ele, pessoalmente, deixou de acreditar em Deus, e por que tantas outras pessoas, no
mundo inteiro, continuam a fazê-lo.
Não importa que usemos o nome Deus, ou a palavra “superstição” qualquer que seja o termo,
parece existir um impulso humano inerente a acreditar em algo transcendente, algo além do
alcance de nossa compreensão e da ciência. Quando conversamos, em janeiro, Atran, hoje
antropólogo no Centro Nacional de Pesquisa Científica, em Paris, indicado pela Universidade
do Michigan e pelo John Jay College of Criminal Justice, de Nova York, perguntou “por que até
mesmo as pessoas mais ateias fazem figa quando um avião encontra turbulência?”
Para ler na íntegra, acesse: <https://bit.ly/2KNPnOq>

Primeira tarefa: encontrar a unidade interna ou o tema. Para isso, podemos


seguir os passos sugeridos por Ferro e Tavares (2001) ao esquematizarem um exer-
cício hermenêutico sobre o diálogo Fédon de Platão.
1. Enquadramento: descrição do objetivo do artigo ou esclarecimento sobre
a motivação dele. Quando se trata de obra literária (como no exercício ori-
ginal) faz-se a descrição das personagens e do roteiro. Em nosso exercício,
o enquadramento se dá no primeiro parágrafo em negrito;
2. Análise Estrutural: descrição da estrutura do artigo. O que há na introdu-
ção e como se mostram os argumentos;
3. Análise de Conteúdo: comentário sobre o conteúdo que compõe os ar-
gumentos e que motivou o artigo. Esta análise tem relação direta com o
levantamento temático;
4. Levantamento temático: basicamente, prende-se a responder à pergun-
ta: qual o tema ou o assunto que motivou o artigo?

Utilizando o quadro analítico para organizar nosso exercício, temos que:

12
Tabela 1 – Quadro Analítico
Tema do artigo
Tese central em torno da qual se desenvolvem
as argumentações
Argumento que suporta a tese
Objeções à tese, seus pressupostos e contra-argumentação
Conclusões do argumento
Estratégia argumentativa
Conceitos fundamentais
Conclusões
Fonte: adaptado de FERRO, M.; TAVARES, M. Análise das Obras Górgias e Fédon de Platão. 3. ed. Lisboa: Editorial Presença, 1995

Segunda tarefa: encontrar a originalidade da composição. Esta tarefa depen-


de da primeira, porém é um trabalho mais exegético que hermenêutico.

Importante! Importante!

O que é hermenêutica bíblica?


Hermenêutica bíblica pretende estudar os princípios da interpretação da Bíblia enquan-
to uma coleção de livros sagrados e divinamente inspirados. No Cristianismo, esta in-
terpretação é estudada e obtida através da exegese. A hermenêutica bíblica abrange a
relação dialética que visa substancializar os significados dos textos bíblicos para apro-
ximar o mesmo da realidade fática, na qual se vislumbra o esclarecimento por meio da
Bíblia. A hermenêutica bíblica utiliza-se de outros princípios comuns aos demais tipos
de hermenêutica, como por exemplo a hermenêutica jurídica que segue os princípios
da inegabilidade do ponto de partida e a proibição do “non liquet”. Em verdade, a her-
menêutica bíblica não deve se afastar do texto bíblico, bem como não deve se abster
da problemática inicial do hermeneuta. O principal objetivo da hermenêutica bíblica é
o de descobrir a intenção original do autor bíblico. No caso dos textos da Bíblia, o leitor,
ao menos racionalmente, não tem acesso direto ao autor original. Por isso, é necessário
aplicar princípios da hermenêutica (a ciência da interpretação) ao texto bíblico. Além do
fator de separação pessoal entre o leitor atual e o autor original, há outras barreiras para
a compreensão.

Os últimos e mais recentes livros da Bíblia foram escritos há cerca de dois mil
anos. Além da distância de tempo, há diferenças de idioma, pois a Bíblia foi escrita
originalmente em hebraico, aramaico e grego. Há ainda diferenças culturais e de
costumes que separam os leitores atuais dos autores originais da Bíblia. Alguns
exemplos são o sistema de sacerdotes e sacrifícios da Lei mosaica do Antigo Testa-
mento, e o uso do véu por mulheres no Novo Testamento.

A Hermenêutica Bíblica reside tanto na história do pensamento judaico, como


na história do pensamento cristão. Em geral, a palavra hermenêutica está asso-
ciada a antigas formas de superar, atualizar, controlar a interpretação dos textos

13
13
UNIDADE Definição de Hermenêutica e Características
do Exercício Hermenêutico

“canônicos”, aqueles escolhidos pela Comunidade como sagrados e portadores de


mensagem religiosa normativa. Na sua conduta parece pertencer à chamada teolo-
gia fundamental, ramo da teologia que se ocupa dos Princípios e Fundamentos da
Revelação e da Fé em relação às ciências, à Filosofia da Religião e à cultura.

Na perspectiva da exegese bíblica, pode significar simplesmente o método para


fazer exegese, isto é, para chegar à intenção original de um escritor bíblico, ou me-
lhor, para extrair do texto bíblico pensamentos úteis para a vida cristã. Do período
do Iluminismo em diante, com suas questões específicas de leitura, a hermenêutica
implica também a relação entre ciência e fé na interpretação bíblica. Da Reforma,
no século 16, a concepção de Hermenêutica passa a ser uma ciência autônoma
que se ocupa desde os problemas como a arte da compreensão, o valor e a inter-
pretação da tradição humanista, o conhecimento como Hermenêutica do ser, a
historicidade da verdade, o papel do sujeito na interpretação, até as várias funções
da linguagem e das relações entre as filosofias e ideologias.

Neste campo, compreende-se a amplidão acarretada por todas estas tarefas,


ocupando-se de problemas gnosiológicos, ontológicos, históricos e linguísticos que
invadem o inteiro campo da Teologia fundamental. A Hermenêutica Bíblica antiga,
tanto judaica como cristã, nos dará ocasião de rastrear os problemas e característi-
cas principais. Por exemplo, os dois princípios hermenêuticos judaicos que perma-
necem são a haggadá e a halakká.

Por haggadá entende-se a narrativa da História de Israel na Páscoa, quando os


hebreus, atravessando o Mar dos Juncos, na Península do Egito, “retornam” ao País
de Canaã, à “terra prometida”. Deste núcleo narrativo se constroem as identidades
narrativas da consciência de Israel. Diversos gêneros literários produzidos na histó-
ria da literatura judaica, como por exemplo, os midrashin (darash = exegese) são
leituras interpretativas de natureza alegorizante de fatos e narrações de Israel.

Para muitos autores, a Escritura é a primeira intérprete de si mesma. Um fenô-


meno de intertextualidade, na verdade, no tocante à formação de textos antigos,
como aqueles do AT, no qual não cabe estabelecer um corte radical entre a forma
final de um texto e os comentários posteriores. Desde os começos da tradição
bíblica, a interpretação é parte integrante do seu texto. Os profetas clássicos do
século 8 inspiraram-se em tradições antigas para interpretar os acontecimentos
de sua época. Seus discípulos não fizeram outra coisa que continuar este processo
interpretativo, criando e recriando o texto. O processo da interpretação continuará,
inclusive, depois da estabilização do texto.

No caso das relações entre os textos e exegese, pode-se distinguir, a partir de


pontos de vista diversos: a Escritura (= textos bíblicos) é a base da exegese, que,
por princípio, é derivada, ou pelo contrário, a Escritura é ela mesma um texto inter-
pretado e a quinta-essência de toda a tradição interpretativa. Nesta perspectiva, a
Bíblia é o resultado de um longo processo exegético. O texto bíblico nasceu imerso
numa corrente de tradições orais e este foi sempre acompanhado por um corpo de
comentários orais, a Mishna rabínica (a tradição oral por excelência do Judaísmo),

14
pois a tradição oral nunca deixou de influir na interpretação do texto bíblico e, in-
clusive, na sua própria conformação.

Os personagens e ideias das principais correntes do pensamento Hermenêutico


que dominaram o panorama dos séculos 17 em diante, de Martinho Lutero até H.
G. Gadamer, serão revisitados, em seus pontos de vistas mais interessantes, devi-
do à influência que exerceram sobre o desenvolvimento contemporâneo da Her-
menêutica, seja em campo bíblico, como naquele Teológico, aplicado às questões
sobre Deus (a Antiga Teodiceia) seja mesmo aplicado à Religião como estudos em
Filosofia da Religião.

Com Lutero e a Reforma Protestante inicia-se um novo ciclo na história da


Hermenêutica Bíblica. O próprio contexto da criação da imprensa, que deveria
recriar as condições de leitores no século 16, é, para alguns autores, um dos ele-
mentos que contribuiu para esta reviravolta da leitura interpretativa da Bíblia na
Europa moderna, com interessantes seguimentos contemporâneos para a exegese.
Com seus princípios da “sola Scriptura e Scriptura sui ipsiusinterpres”, a her-
menêutica luterana marca o início de uma reviravolta que pode ser definida como
uma passagem da autoridade (Igreja) para a razão (sujeito), que, de fato, passará
pelo crivo das relações conflituosas da Igreja com o “modernismo”, no século 19.
Importa, para a perspectiva da hermenêutica bíblica ocidental, a desvinculação
deste método em relação à Igreja de Roma e, sobretudo, com a Tradição dos Padro
(do segundo ao oitavo século d.C).

Assim, mesmo com a pressuposição que um leitor munido do Espírito Santo é


capaz, individualmente, de resolver suas questões hermenêuticas com as Escrituras,
a leitura da Bíblia, entre os protestantes, apesar da divinização das Escrituras, como
argumento para justificar a tomada de distância em relação às ‘auctoritas’ (autorida-
des) da Tradição, segue a tendência do Humanismo do Renascimento, ao igualar-se
com os critérios de leitura do ambiente de textos clássicos.

Para a Hermenêutica segue-se que daquele momento em diante esta passa de


método para interpretar a Sagrada Escritura para o status de uma disciplina inde-
pendente, tendo como objeto obras literárias ou artísticas.

• Hermenêutica Bíblica – Origem e significado. Acesse: https://bit.ly/2MZx3nV;


Explor

• A Palavra de Deus na Bíblia (3): Interpretação e tradução da Bíblia. Acesse: https://bit.ly/2MivYrJ;


• A Palavra de Deus na Bíblia (4): Interpretação e tradução da Bíblia. Acesse: https://bit.ly/2KvnYl4;
• A Palavra de Deus na Bíblia (24): Interpretação e tradução da Bíblia. Acesse: https://bit.ly/33qQQCJ.

15
15
UNIDADE Definição de Hermenêutica e Características
do Exercício Hermenêutico

Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

  Sites
Hermenêutica: interpretando corretamente a Bíblia
SUÁREZ, A. Muito além do ensino: Reflexões sobre aspectos da vida diária a partir da
Teologia, Educação e Ciências da Religião.
https://bit.ly/2H2gNPu

 Vídeos
Hermenêutica e Exegese Bíblica
https://youtu.be/UqQut2se7BU
Hermenêutica Bíblica II
https://youtu.be/mz8PZcMVVtY
5 Regras da Hermenêutica para Iniciantes / 5 Rules Of Hermeneutics For Initiating
https://youtu.be/yT5ltGQrYlw
Hermenêutica Biblica e Exegese qual a Diferença?
https://youtu.be/jnZFanBheVQ

 Leitura
Breve percurso histórico da Hermenêutica Bíblica
ALVES DOS SANTOS, P.P. Breve percurso histórico da Hermenêutica Bíblica.
https://bit.ly/2Kyk0Z7
Hermenêutica bíblica: refazendo caminhos
KAEFER, J. A. Hermenêutica bíblica: refazendo caminhos.
https://bit.ly/2N7MUAP
Teoria da Interpretação e a Hermenêutica Bíblica de Paul Ricoeur
CANDIDO DE PAULA, Adna. A Teoria da Interpretação e a Hermenêutica Bíblica de
Paul Ricoeur.
http://bit.ly/2Mjt4TH

16
Referências
AGOSTINHO DE HIPONA, A doutrina cristã. São Paulo: Paulus, 2002.

ARISTÓTELES. Retórica. Livro II. Tradução Isis Borges B. da Fonseca com Retó-
rica das paixões. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

BUZZETTI, C. 4 x 1 um único trecho bíblico e vários “fazeres”: guia prático de


hermenêutica e pastoral bíblica. São Paulo: Paulinas, 1998.

FEE, G.D.; STUART, D. Entendes o que lês? Apêndices Ênio Mueller. Sem indi-
cação de tradutor. 2. ed. de 1997. São Paulo: Vida Nova, reimp. de 2008.

FERRO, M.; TAVARES, M. Análise das Obras Górgias e Fédon de Platão. 3. ed.
Lisboa: Editorial Presença, 1995.

GADAMER, H.-G. Verdade e Método – Traços fundamentais de uma hermenêu-


tica filosófica. São Paulo: Vozes, 2003. 

GEFFRÉ, C. Crer e Interpretar – A virada hermenêutica da Teologia. São Paulo:


Vozes, 2004.

GIACÓIA JR, O. Pequeno dicionário de filosofia contemporânea. São Paulo:


Publifolha, 2006.

GIBELLINI, R.A teologia do século XX. Tradução João Paixão Netto. São Paulo:
Loyola, 2002.

KORTNER, Ulrich H. J. Introdução à hermenêutica teológica. São Leopoldo:


Sinodal, 2009.

MORA, José Ferrater. Dicionário de filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

PALMER, Richard. Hermenêutica. Lisboa: Editora 70, 2006.

PETRARCA, F. Lettresfamilières = Rerumfamiliarium. Introdução Ugo Dotti.


Tradução André Longpré. Paris: LesBellesLettres, 2002.

RICOEUR, P. O Conflito das Interpretações: Ensaios de Hermenêutica. Rio de


Janeiro: Imago, 1969.

SCHLEIERMACHER, F. Hermenêutica – Arte e técnica da interpretação. São


Paulo: Vozes, 2004.

VATTIMO, G. Para além da Interpretação. O significado da hermenêutica para a


filosofia. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1999.

Sites visitados
Bíblia online: <https://www.bibliaonline.com.br/acf>

Bíblia Sagrada online: <https://www.bibliaon.com/>

17
17

Você também pode gostar