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A ALQUIMIA TEOSÓFICA

Loja Teosófica São Paulo


06/10/1996
Orador: Osmar de Carvalho

(Obs. O texto abaixo é uma transcrição verbatim da palestra)

Boa tarde a todos! Bom, o tema que vamos desenvolver hoje é "Alquimia Teosófica".
Obviamente, vamos falar mais sobre a Alquimia de uma maneira introdutória, pois como já
dizia aquele poeta "A arte é longa e a vida breve". A Alquimia é basicamente uma das chaves
mais profundas para nós atingirmos a nossa busca pelo desenvolvimento espiritual. Só que a
Alquimia têm uma série de coisas extremamente complicadas dentro da sua prática e também
da sua teoria. Diria que a teoria da Alquimia é muito mais complicada do que a sua prática.
Então, vamos tratar hoje de fazer uma introdução geral a este tema porque nós pretendemos
nos próximos meses estar tratando de algumas operações alquímicas mais específicas. Assim,
vamos dar uma grande introdução que visa conhecermos o terreno do que vem a ser a
Alquimia e mais especificamente uma Alquimia compreendida em termos teosóficos, pois já
que estamos na Sociedade vamos usar do nosso jargão conhecido. Primeiro para entender o
que é a Alquimia temos que buscar a própria origem do nome, porque sabemos que dentro da
cultura popular todo mundo já ouviu falar alguma coisa de Alquimia, ou já viu o livro "O
Alquimista" do Paulo Coelho, ou já viu os "Cavaleiros do Zodíaco" (série de TV) estão sempre
mencionando esta coisa mágica; a pessoa têm superpoderes, transforma uma matéria vil em
ouro, têm o poder da transmutação, isso obviamente é um folclore que existe em torno do
termo Alquimia, é de certa forma uma palavra que já está em descrédito; poderíamos colocar
assim dentro da cultura popular, porque muito se fala em Alquimia e pouco se entende e
muito menos se pratica deste termo, então ai o termo vai se tornando cada vez mais laico, vai
caindo em usos como "Alquimia do Amor", lança-se um livro "A Alquimia da Culinária", o
termo vai se tornando cada vez mais depreciado até que perca totalmente a origem, e daí
perdemos totalmente o link com a origem histórica.

O termo Alquimia vai surgir justamente desse sufixo "Khem" [escrevendo a palavra na lousa]
que tem haver com a Terra do Egito, o Egito Antigo; se formos olhar etimologicamente,
"Khem" significa "Terra Negra" que era basicamente o tipo de solo que havia no Egito Antigo, e
suponho no moderno, mas o surgimento da Alquimia remonta a toda a tradição mística, a
tradição hierofântica, digamos assim, do Egito Antigo; usava-se antigamente, quando referiam-
se ao Egito, sobre a terra de "Khem", ou então se falar sobre a "brisa do Nilo", sempre se
referia aquela região como a área da "Terra Negra", e deste termo aqui vamos ter uma série
de termos que advém dessa origem primitiva; o mais conhecido deles é o termo química que
todo livro de primeiro ou segundo grau sempre tiram um pouco de sarro com o pessoal antigo
porque dizem: "Da Alquimia, os alquimistas mexiam com isto e aquilo, mas ai uma pessoa mais
séria veio e percebeu que havia alguma coisa real ali e formou a química". E obviamente que a
Alquimia é o termo predecessor daquilo que conhecemos como química que nada mais é do
que o conhecimento dos elementos de como eles se misturam, de como há as ligações
químicas e por ai afora.

Só que a Alquimia era algo muito mais profundo. A primeira dificuldade que surge no estudo
da Alquimia é justamente a utilização de um vocabulário muito simbólico, e até estava
conversando com a (MST) Luciana neste fim de semana sobre isto, a diferença que existe entre
"signo" e "símbolo", isto é uma coisa que na Alquimia é fundamental, porque o signo é uma
coisa conhecida. Por exemplo se você tem uma letra, a letra "A", ou então as diversas letras,
são todas signos, são desenhos que sabemos objetivamente qual é o seu significado. Agora por
exemplo um símbolo, como é o símbolo da Sociedade Teosófica, ele pode até conter
elementos de coisas conhecidas mas a função do símbolo é muito mais profunda. O símbolo é
um objeto que pode ser desenhado, esculpido [etc.], cuja função é de gerar um determinada
função [ou efeito] dentro da psiqué da pessoa. Então quando olhamos um símbolo é diferente
de olhar um signo, porque o signo nos traz uma mensagem racional direta, enquanto que o
símbolo ele opera determinadas mudanças dentro da nossa psiqué, dentro do nosso
inconsciente.

Como exemplo disto temos a passagem de nosso amigo orador [MST Ricardo Lindemann], que
foi por muito tempo vice-presidente da Sociedade Teosófica, o qual já deu conferências
teosóficas por vários países ao redor do mundo, e um destes países foi no México, e lá existe
um grande mural; o fulano está dando a palestra e atrás tem uma grande mural com o símbolo
da Sociedade Teosófica, e ele disse que numa destas palestras ele viu exatamente esta função
psicológica do símbolo atuando muito diretamente numa pessoa que estava na platéia. Era
uma jovem que se sentou, e começou a olhar aquele olho daquela cobra, que aqui está bem
pequenininho mas lá está bem destacado, e a moça começou a entrar e só olhava para a
cobra, e tal, quando então foi daqui a pouco a mulher teve um "piripaque" lá, caiu no chão
assim, o pessoal acudiu, perguntaram para ela o que que era, e ela falou: "Não, aquela cobra
está vindo para cima de mim"... Entrou em sintonia com o símbolo. Então, essa daí vivenciou
um processo, até meio patológico, devido ao que o símbolo evocou nela.

E a linguagem alquímica ela é toda cheia de símbolos, ou seja, não só de signos (coisas
racionais), mas de coisas irracionais, coisas que vão operar transformações dentro da nossa
psiqué. Então, a primeira das coisas que os cientistas acham um absurdo na Alquimia são os
"quatro elementos". Quando os alquimistas diziam que todas as coisas eram constituídas pelos
quatro elementos, da terra, da água, do ar e do fogo, hoje em dia qualquer livro de ciência
fala: "A química veio de uns malucos lá, que diziam que tudo era constituído de terra, de ar, de
fogo e de água". Esse tipo de visão reducionista, que reduz tudo a uma visão racional, é
incapaz de penetrar nas realidades que a Alquimia trabalha; nós vamos citar aqui alguns textos
alquímicos que vocês vão ver que são extramamente paradoxais. Eles não se comunicam com
a mente racional das pessoas. E o alquimista mais ainda. A primeira coisa que o alquimista tem
que aprender é justamente não se fixar nos elementos racionais dos textos alquímicos, porque
senão ele não vai conseguir atingir o objetivo a que a Alquimia se propõe.

E só para esclarecer a questão dos quatrro elementos, [eles] não se referem obviamente a
terra, ao ar, ao objeto em si, como a química normal... Se você chega para um químico normal
e diz assim: "mistura terra com ar, que vai dar tal coisa"... dentro dos textos alquímicos temos
isso direto. Ele diz: "Não... isso não vai dar nada. Isso é uma mistura amorfa, você não tem
nada ai!" Você vai misturar "água com fogo"... pronto, acabou! Porque a água apaga o fogo e
liquidou com tudo. Então os quatro elementos dentro da Alquimia tem haver com os "planos
de existência" que nós tratamos em Teosofia. A terra tem haver com o plano físico e com essa
nossa realidade objetiva; a água tem haver com a dimensão astral, ou seja, emocional, da
nossa existência; o ar tem haver com a nossa mente; e o fogo tem haver com a nossa
dimensão espiritual. Então quando eles falavam que tudo era composto por esses quatro
elementos era porque ele tinham uma visão muito abarcante... aqueles símbolos que eles
usam abarcam uma realidade muito maior.

E qual é o objetivo? --"Qual é", vejam bem o tempo do verbo, porque hoje em dia ainda
existem alquimistas, muitos deles nem sabem que são alquimistas mas são-- Qual era, ou qual
é, o objetivo da Alquimia? É exatamente atingir a realização espiritual. Só que isso tudo esta
velado numa tradição de manipulação de matéria. O alquimista, como percebe aquele que
tem um conhecimento mais avançado [do assunto], é aquele fulano que está dentro do seu
laboratório --[sendo irônico] aquele laboratório cheio de vidrinhos com gelo seco
borbulhando-- isto não tem nada haver [com a realidade]... O alquimista pode realmente ter
um laboratório, inclusive os mais avançados realmente tem, porque existe dentro da alquimia
a aplicação prática daquilo que é genericamente chamado de "Princípio de Hermes", ou do
hermetismo, pois foi na idade média que houve uma grande revivificação do conhecimento
alquímico, então se convencionou chamar esses conhecimentos alquímicos de conhecimento
"hermético", remetendo ao grande Hermes egípcio, o que é obviamente uma palavra
latinizada. O grande personagem Hermes, o Hermes Trismegisto, o três vezes grande, na
verdade no Egito era conhecido como "Thot", mas para facilitar latinizaram o nome e ficou
Hermes, e as ciências hermeticas ficaram com esse nome. Hoje em dia também, [o termo caiu
em uso público] e o fulano [diz]: "Comprei um pote que é herméticamente fechado", vejam só
como os termos vão decaindo para outros usos.

O princípio básico da alquimia é a aplicação da Lei de Correspondência, cujo enunciado existe


num texto alquímico da idade média, extramamente famoso, que é a "Tábua de Esmeraldas"
onde há aquele famoso enunciado: "Quod Superius est Sicut Quod Inferius; et Quod Inferius
est Sicut Quod Superius", ou trazindo, "Assim em cima é idêntico ao que está embaixo e o qua
está embaixo é idêntico ao que está em cima", ou seja, há uma correspondência entre
Microcosmo e o Macrocosmo; existe uma correspondência entre a matéria e o espírito; existe
uma correspondência entre o homem e a divindade. A aplicação destas correspondências é a
chave da realização daquilo que é chamado na Alquimia do "Magnus Opus", ou a "Grande
Obra", ou, usando um termo bem alquímico, a obtenção da "Tintura", da "Grande Tintura
Mágica". E muito se tira o sarro dos alquimistas ao dizer-se: "Será que é verdade que o fulano
conseguia atingir o Elixir da Longa Vida"; "Conseguiria atingir a Pedra Filosofal"... Os termos já
são difícies: "Pedra Filosofal" - Por-quê será que... [risos] que se dá esse nome: "Pedra
Filosofal"... "Elixir da Longa Vida" ainda dá para entender, pois deve ser alguma coisa que a
pessoa prepara para tomar e viver indefinidamente. Isso tudo gera um folclore em torno desta
Alquimia.

De certa forma, a pessoa que se dedica a espiritualidade ela se torna um alquimista quer
queira quer não. Ela pode ser inconsciente disso, mas todos nós nos valemos desta lei de
correspondência para poder atingir o objetivo... pois a pessoa que está querendo se
espiritualizar ela tem um objetivo, que é o de atingir uma consciência mais ampla e os textos
alquímicos, eles também fazem menção a isso. Não estamos assim muito perdidos dentro do
conhecimento de Alquimia, porque hoje em dia é a época onde estes textos estão mais
disponíveis... Me lembro inclusive de ter feito recentemente uma pesquisa na Internet... existe
um local na Internet que possui simplesmente cerca de 1.200 tratados de alquimia, digitados,
bonitinhos, para se chupar direto para o seu computador. Mas você chupa e quando vai ver
são aqueles textos assim: "Mistura a coisa com outra coisa", "Esquenta assim, faz assado"... e
porque? Porque aquilo são símbolos, se você não tiver uma chave de interpretação não
adianta! Você não consegue ir além... É a mesma coisa que você ver uma equação matemática:
"X2+Y4.ûx"... Você lê a expressão, mas você não sabe o que aquilo quer dizer, o que aquilo ali
vai dar na prática. Então nós precisamos ir fundo nisto.

Existe hoje toda uma vertente na psicologia que usa o simbolismo da Alquimia para descrever
o processo psicológico do ser humano. E isso começou com o grande psicóolgo e, podemos
dizer até filósofo, Carl Jung, que durante as suas pesquisas --ele que era uma "traça" de
biblioteca, uma "barata" de livraria, que lia simplesmente tudo que caia na mão dele-- se
tornou um dos maiores colecionadores de literatura de alquimia da Europa. Hoje a sua casa na
Suiça está preservada, e a biblioteca possui cerca de 600 manuscritos alquímicos. Jung dizia
que para ele, a linguagem simbólica da Alquimia era um espelho do processo psicológico do
ser humano. Então vamos abranger em certa medida este processo.

Podemos entrar, assim, naquilo que é o "começo da Obra", o "primeiro passo". Pretendemos
nos meses seguintes abranger sob diversas perspectivas várias "operações" alquímicas, sobre
as quais não vamos entrar no mérito hoje senão complicaria muito a exposição.

O indivíduo pode encontrar um alquimista, mas esta pessoa pode ser inconsciente. Ela pode
encontrar um "espírita", por exemplo, ele sabe que está fazendo uma transformação interna, e
isso é "alquimia". Pode ser um crente, e ele lhe dirá que ele precisa se transformar. Você
precisa encontrar Deus... Se Deus não habitar dentro de você, você não é nada... Estas pessoas
estão indo em direção à realização da "Obra", que é a obtenção da realização espiritual, mas
elas estão inconscientes do processo. No caso do espírita, ele vai te dizer assim: "Você precisa
fazer a Reforma Íntima". Há sempre a necessidade de se transformar uma coisa na outra... e
isso é que é basicamente a operação alquímica, e na alquimia em si tem-se plena consciência
disso, de que vamos pegar uma "matéria prima", ou "prima matéria" como vemos nos textos
clássicos, essa prima matéria vai ser transformada chargar no máximo, e ai é que se usa o
termo alquímico que é a "obtenção do ouro". Houveram aqueles alquimistas que cairam no
engano de acreditar que a "Obra" era apenas a "matéria"... Mas se o alquimista se dedicar à
transformação, e ele se transformar conjuntamente, aquilo realmente acontece... e esse é um
dos mistérios do hermetismo mais profundos. Só que muitos destes hermetistas perceberam
que o carvão só virava ouro se eles também se transformassem numa coisa muito mais
elevada. Na nossa ciência atual, o métod científico diz: É científico aquilo que partindo de uma
hipótese, tomando os elementos, fazendo uma experiência e anotando seus dados, e tirando
as conclusões e verificando a exatidão da hipótese e uma vez que todo o processo seja
reproduzível, esse é um processo cientificamente aceito. Assim, se o alquimista pudesse sentar
no laboratório de química e dizer assim: para você transformar carvão em ouro, você vai
precisar tanto de tal coisa, por na temperatura tal, na pressão tal, dar uns "três pulinhos",
dando esta receita, e se todo cientista que chegasse lá, e não tivesse nada com aquilo, fizesse
com que o carvão virasse ouro a Alquimia seria "ciência"...

O único problema é que a Alquimia é diferente do método científico. Como por exemplo no
caso do Conde de Saint Germain, segundo consta em diversas biografias dele, ele andava
magnificamente adornado de jóias, andava com diamantes no bolso, ao invés de pagar a conta
com dinheiro ele pagava com diamante, e um dos seus passatempos era 'esfarelar' diamantes,
segundo o Glossário Teosófico, era um homem riquíssimo que dava presentes para a realeza, e
tudo mais, ele era um alquimista prático, e um alquimista espiritual. Segundo consta, ele
praticava toda a técnica ascética, como por exemplo o fato de ele nunca comer em público, de
nunca aceitar uma migalha de pão de quem quer que fosse, e nem sequer água tomava na
casa alheia apesar de comparecer aos banquetes ele ficava ali só... olhando, porque
provavelmente ele tinha toda sua prática. E segundo consta, ele aprendeu toda a sua técnica
na Índia, principalmente a ténica da transformação do carbono, pois é à partir do carbono,
cuja versão mais simples é o carvão e a mais sofisticada é o diamante, o mesmo elemento que
conforma o carvão perfaz o diamante, só que este submeteu-se a pressões e "transformações"
muito grandes.

As vertentes da compreensão da Alquimia sumarizam-se na faceta química, que é a física, e


tem a psicológica, e nós vamos ver exatamente em alguns textos alquímicos essa procura. Mas
o começo de toda a obra alquímica é a pessoa descobrir a "matéria prima". Temos que achar a
matéria prima. Cada alquimista trabalha sobre uma matéria prima diferente, e isso é
enigmático. Existia (e existe) uma palavra de origem medireview que sumariza essa busca.
[Escrevendo na lousa] Alguns aqui jaá tiveram inclusive um contato muito próximo com esta
palavra, e que é o VITRIOL. O VITRIOL é um sumário, é uma composição [uma abreviação] de
um antigo lema dos rosacruzes medievais. Estando escrita em Latim, e cada letra se refere a
uma palavra, e quer dizer o seguinte: "Visita Interiora Terrae Retificandoque Invinies Occultum
Lapidem"

Ou traduzindo:

"Visita o Interior da Terra e Retificando Encontrarás a Pedra Oculta" Esse é o começo da


"Obra", que é o visitar o interior da terra e descobrir essa "Pedra Oculta", que é a matéria
prima do alquimista, e aí começa a simbologia, pois a pessoa menos capacitada vai ler isto e
dizer: "É impossível!" Mas isto é um símbolo, e o símbolo da Pedra é um símbolo que vamos
encontrar em quase todas as tradições ocultas, porque a pedra é o símbolo do ser humano em
transformação. Vamos encontrá-la desde Moisés "tirando água da pedra", no texto bíblico, até
a teoria e prática modernas da Maçonaria, tomando a pedra como símile do ser humano. A
Pedra Oculta na verdade é uma dimensão da própria pessoa que ela vai descobrir; por isso que
ela vai visitar o centro da Terra, ou seja, visitar o seu próprio interior.

Vamos ver algumas passagens alquímicas sobre esta "Matéria Prima" da Alquimia:

"A natureza serve a Arte com matéria, e a Arte serve a natureza com instrumentos apropriados
e com o método conveniente para que a natureza produza essas novas formas; e embora a
Pedra mencionada só possa ser levada à sua forma por meio da Arte, a forma é, não obstante,
da natureza." (Alchemical Treatise of Solomon Trismosin, 18)

Aqui, então é feita uma distinção entre o fornecimento da matéria prima pela natureza e os
instrumentos que a pessoa tem que usar para transformar aquela matéria.

"Essa matéria esta diante de todos; todas as pessoas a vêem, tocam, amam, mas não a
conhecem. Ela é gloriosa e vil, preciosa e insignificante, e é encontrada em toda a parte... Para
resumir, nossa Matéria tem tantos nomes quantas são as coisas do mundo; eis porque o tolo
não a conhece" (The Hermetic Museum, 1:13)

Temos aqui praticamente um anátema dentro da Alquimia dizer que a matéria prima está em
todo lugar, que ela é uma coisa muito simples mas ao mesmo tempo muito profunda, e o tolo
não a conhece porque justamente ela esta diante do seu nariz e ele não a enxerga, e nós
vemos que a natureza humana é exatamente isto. Apesar de sermos humanos, às vezes
consideramos esta natureza como algo vil, mas quando vemos um ser humano muito
avançado achamos que ela é uma coisa muito gloriosa. Quando nós falamos de um Jesus, de
um Conde de Saint Germain, de um artista ou de um filósofo, a natureza humana se nos
aparece como algo maravilhosa, mas quando se trata de um gari ai na rua coletando lixo nós
achamos ser ela uma coisa vil. E a matéria prima da alquimia é exatamente isto, e agora nós
vemos isto mencionado de uma outra maneira:

"Há em nossa química certa nobre substãncia, em cujo princípio a aflição rege com o fel, mas
em cujo final o júbilo rege com a doçura." (Jung, Psychology and Alchemy, CW 12, 387)

Este é outro anátema da Alquimia. Ele afirma que o começo da obra é "doloroso", ele é
amargo, mas o final da obra é de uma extrema doçura, de uma profunda alegria. Os
alquimistas todos usavam estas expressões justamente para transmitir para pessoas que
tivessem ao menos um pouco de penetração no mundo oculto, pois para a pessoa que
estivesse querendo o sentido lieral ela já iria descastar isto na primeira frase.
Resumindo, nós podemos dizer o seguinte: A matéria prima da alquimia é também a matéria
prima da Yoga, do cristão, do espírita, é a matéria prima do teosofista, porque nós vamos estar
tratando da transformaçãp da nossa psiqué, da nossa lma em algo divino. Então nós podemos
adotar "n" simbolismos para isso. Podemos adotar o simbolismo cristão, o simbolismo do
espiritismo, o simbolismo mucúlmano, e o simbolismo alquímico, mas sempre trataremos
sobre a transformação desta nossa natureza em algo maior, em algo mais aprofundado.

A psicanálise e psicoterapia são hoje basicamente isto. O que se tem hoje de mais avançado na
psicologia também é a busca por uma natureza que nós perdemos dentro do nosso ser.

Jung, dentro de sua psicologia, verificou que na evolução da psiqué da pessoa, principalmente
através dos desenhos que as pessoas fazem desde a tenra infância, ele notou que os primeiros
desenhos que as crianças fazem, dentro de uma média geral, representam sempre um círculo;
é o que ele chama de o primeiro e mais importante arquétipo que o ser humano emana.
Posteriormente os desenhos mostravam a emergência de um ser desde este círculo; porque o
círculo é a totalidade, ele é, digamos assim, a plenitude, de onde tudo provém; então o
religioso vai chamar isto de Deus, o místico vai chamar isto de divindade, o yogue vai chamar
de nirvana, como o budista, e cada um de nós veio desta totalidade.

Uma das coisas em que Jung é mais criticado é porque justamente ele advoga o seguinte: de
que nós temos alguma coisa dentro do nosso ser que nos precedeu, que precedeu nosso
nascimento físico. Eu sei que aqui nesta sala em que as pessoas são predominantemente
reencarnacionistas isso não é novidade nenhuma, mas neste nosso mundo materialista você
dizer que alguma coisa precede a pessoa, que é justamente o que Jung advoga, [apontando
para a figura 1] o que ele chama aqui de o "Si-Mesmo", ou no original em alemão é "selbest";
ou seja, existe uma consciência muito grande, enorme, que emana quando há o nascimento de
uma pessoa, o indivíduo é uma subdivisão deste grande círculo, desta grande natureza.

A evolução que existe dentro deste esquema é o seguinte: o nosso "eu" nasce dentro deste
grande "Si-Mesmo", dentro desta grande consciência cósmica, podemos dizer assim, --e daqui
a pouco vocês vão entender o que isto tem haver com a Alquimia--; a criança nos primeiros
anos ela está completamente mergulhada nesta totalidade, e é por isto que quando ela pega
na caneta a primeira coisa que ela desenha é o círculo, não porque ela não tenha coordenação
motora, mas sim porque ela quer representar que ela é um todo, que ela é o centro do
universo, a coisa máxima, tanto é que as relações que ela vai ter com o meio ambiente são
sempre relações frustrantes; ela vai aprendendo que precisa chorar para se alimentar, tem que
manifestar que está com fome... com o passar do tempo esse "eu" vai saindo da totalidade e
ele vai se projetando, [mostra a figura 2] e durante a infância e a adolescência nós perdemos
aquele conceito de que éramos o centro do mundo, que podíamos fazer tudo que quissémos,
que nossos país nos dariam tudo que poderíamos querer, nós vamos perdendo isto. Tanto há
que existem tipos psicológicos, que são identificáveis na psicologia, que não vencem essa
separação. Ai temos o chamado "eu inflacionado"/"ego inflacionado".

No final do processo teremos dois centros separados de consciência, teremos a totalidade, o


"Si-Mesmo", e você vai ter o seu "eu" separado, [mostrando a figura 3], e isto seria a descrição
de quando atingimos a fase adulta. Só que acontece o seguinte, nós sempre nos lembramos
que viemos desta totalidade, sempre nos lembramos disto. Aqui temos que nos remeter a
passagens como a do VITRIOL, que diz que "devemos visitar o centro da terra, e nos
modificando encontraremos a Pedra Oculta". Tomando o simbolismo cristão, há a passagem
em que um indivíduo se aproximou de Jesus e perguntou: "Como faço para atingir esta
elevação?", "Você tem que nascer de novo, da água e do espírito"; "Mas como nascer de novo,
entrando novamente na barriga da minha mãe"? A resposta é que deveria nascer de novo da
"água e do espírito", e aqui ele forneceu uma chave alquímica para ele. A água certamente não
é mergulhar numa piscina e sai do outro lado e dizer que nasceu de novo, é uma
transformação que a pessoa iria ter que passar. Isto é recorrente também nas tradições
místicas, a necessidade de fazer "iniciações" com a pessoa para ver se ela se "lembre", que ela
atinja este estado original, um estágio de totalidade. E o estágio de totalidade, que é o novo
nascimento, ele é exatamente a descoberta da "Pedra Oculta".

E pelo fato de ser realmente muito difícil você nascer de novo, porque não dá mesmo para
reentrar na barriga da mãe, é que se estabeleceram todas as operações alquímicas de maneira
a você ter consciência de novo de que você pertence a uma grande totalidade.

Se prosseguirmos este esquema [mostrando a figura 4] chegaremos ao ponto em que teremos


um quadro totalmente desconectado. O Si-Mesmo, que podemos chamar de "Alma" e o "eu",
ou a "personalidade", e o termo personalidade é muito apropriado porque persona quer dizer
"máscara", então isto que somos aqui é uma "máscara" que colocamos sob esta coisa maior
que está por trás de nós, para conseguirmos nos comunicar, nos manifestar, mas de certa
forma nós nos lembramos de que somos uma coisa maior. E a Alquimia visa fazer com que a
pessoa retorne aquela situação integrada, mas voltar conscientemente.

Deste quadro emergem vários tipos psicológicos, mas podemos antever dois tipos bastante
característicos; A pessoa "inflacionada", o "eu" inflado. Nós até brincamos aqui que a primeira
coisa que acontece quando a pessoa conhece estes assuntos esotéricos, ela começa a pegar
vários livros, o que acontece? Ela infla. A pessoa passa a ter a "Síndrome do Poder Oculto". Ela
começa a ler uma série de coisas, poderosas, personagens históricos que tinham poderes, de
outros planos de existência, a pessoa se "incha". Através daquela informação ela fica assim
como se tivésse [realmente] aqueles poderes daquilo que ela leu. Esse período é deverás
perigoso, porque a pessoa pode entrar numas coisas perigosas. A pessoa se convence a ir em
determinados grupos porque ali há coisa do tipo "magia sexual", uma coisa "muito forte",
acaba até se "estrepando", porque a pessoa acha que é toda poderosa, porque ela entrou num
estágio como se estivesse voltando naquela onipotência que ela tinha. A pessoa que confia em
demasia em si mesma enfrenta este problema também. O "eu" se imagina onipotente. É óbvio
que há determinados momentos em que você precisa prinunciar o seu "eu". Não vamos pregar
aqui que a pessoa deva afirmar para si mesma que não "seja nada" e se "anular", não é isso.
Daqui advém toda a questão hindu de "Maya", a "ilusão da existência", em que a pessoa pode
se iludir e achar que é toda poderosa.

O Outro caso é este aqui: [mostra a figura 4] É a pessoa desconectada. Esta pessoa perde uma
coisa que é muito importante em nossas vidas, que é o "significado". Quando a pessoa perde o
"contato" [vide linha da figura 3], a vida perde o seu sentido, e pessoa cai em mil
questionamentos sobre a "utilidade" da vida. É a mais clássica descrição da alienação. A pessoa
cai em depressão, e dificilmente você conhece um esoterista que não tenha caído neste
estágio. As igrejas procuram pessoas que estejam exatamente neste ponto, pessoas alienadas,
pessoas que estejam com problemas de todas as ordens. Eles irão fazer um "remendo" que irá
repor de certa forma algo da "conexão" com a parte superior do indivíduo. Aquela doutrina
religiosa que ela vai aprender naquela Igreja irá fazer este arremedo, e através de várias
catarses emocionais, ela vai então quase conseguir se reunir consigo mesmo.

O processo alquímico é realizar exatamente isto: [mostra a conexã das duas esferas na figuras
3] A pessoa tem que ter um "eu" bem definido, um "eu" cultuado e ter também a consciência
de que ela é uma coisa muito maior, que é a sua Alma, o seu Espírito. Como esoteristas temos
que reconhecer a existência de nossa personalidade e do nosso ser espiritual. Essas duas
dimensões juntas é que vão levar o indivíduo a integração. Há visões metafísicas avessas à isto,
onde há uma deênfase na personalidade, que deve ser deixada "de fora". São verdadeiras
"lavagens cerebrais", às vezes. Há movimentos que fazem exatamente isto. Raspando a cabeça
do indivíduo, trocando-lhe as vestes e o nome, fazendo-o entrar em ritos e vida coletivos,
fazem uma verdadeira "sujeira cerebral" ao invés de uma "lavagem". Há grupos em que o líder,
num grupo de 20 mil pessoas, decide quem vai casar com quem, em que dia, e em que dia eles
terão a primeira relação sexual. Analisem se estas 20 mil pessoas estão ou não com a "cabeça
feita" por este fulano?

O alquimista, através da descoberta da "materia prima", que é o seu interior, ele vai começar a
reconhecer o seu "inconsciente". Ele tem que se integrar com os seus sonhos, a verificar as
influências subjetivas que envolvem sua vida, e ter muito nítido o "eu", a personalidade que
ele é, e ele faz o que quiser com esta personalidade, e a dimensão superior. Jung chama a esta
pessoa de o "ser individuado", tanto que o objetivo da psicoterapia Junguiana é "individuar" a
pessoa. A pessoa se reconhecer como um "eu" e uma coisa maior, que é sua dimensão
religiosa, sua dimensão espiritual, só que estas duas coisas são bem distintas. Tanto é que para
aquele religioso que diz que seu "eu" sumiu [rindo], ele "sumiu" mesmo! Pois esta
completamente fora do eixo. E o outro lado, a pessoa materialista que acha que é só o "eu",
que afirma que "religião? Esquece isto", pessoas que nem "sonham" mais, e que acham que
religião é tudo "balela", estes dois extremos do totalmente religioso e totalmente materialista,
estas extão identificadas com realidades separadas, quando o alquimista, o esoterista, o
alquimista, é aquele que "junta" estas duas dimensões "conscientemente". E com a abertura
da consciência, ela vai paulatinamente sabendo cada vez mais o que tem dentro dela, e isso é
que é o importante. O esoterista que se enche de livros, e não consegue vencer o nível
intelectual e reconhecer principalmente o seu inconsciente, que é para onde tudo o que nós
reprimimos vai, nós não conseguimos realizar a "Obra". Caso não fosse este o caso,[se não
desse essa introdução], como poderia falar aqui de operações complexas como a
"mortificação", que pode levar a pessoa a se auto-iludir, se auto aniquilar.

A pessoa alienada é um ser tão complicado que no tratamento psicológico ela passa pelos
processos da "projeção" e da "transferência", que ela se espanta que o psicológo a ouve e
aceita. Com o passar do tempo no tratamento, o indivíduo é conduzido a reconhecer que a
"aceitação" deve vir do seu interior, que ela vai se "auto-integrar".

No caso da religião, que é uma Alquimia, uma psicologia, para o povo, o processo sumariza-se
para a multidão, onde o processo individual cede lugar ao coletivo, onde a aceitação provém
de "Deus". E os processos de projeção e transferência levam o indivíduo, enquanto crê naquela
religião, a atingir algum nível de "integração".

Mas o alquimista verdadeiro ele não pode se limitar a isto. Ele não vai negar a existência
cósmica, o que ele precisa descobrir é como essa Inteligência se manifesta "dentro" dele. As
operações alquímicas vão levar a pessoa paulatinamente, e à partir do momento da verificação
da "materia prima".

E poderíamos falar algo mais sobre a "matéria prima". Ela normalmente é "negra"; escura";
"vil". E apesar de seu final ser glorioso, ela é repulsiva. E então a primeira materia prima que
cada um deve tomar são seus defeitos, seus defeitos de caráter, de personalidade. A imagem
do laboratório alquímico é dominada por uma grande "cuba" onde os elementos ficam
cozinhando, literalmente em "banho maria". A substância fica tão preta que aparentemente
dali não vai sair nada... Mas é exatamente isto. E os psicólogos fazem o mesmo. Analisam os
"problemas", a "face escura" dos pacientes para que eles atinjam a sua "face clara".

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