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Os Filósofos Pré-Socráticos

O “Thauma” grego

A filosofia começou na Grécia Antiga como


manifestação do espanto e da admiração diante da
beleza do cosmos. Essa experiência levou os
primeiros filósofos a se questionarem sobre o
princípio que seria responsável não somente pela
origem, mas também pela organização do mundo.
A este espanto, admiração, maravilhamento, que
atuou como o impulso inicial da filosofia
chamamos de “thauma grego”.
O “Thauma” grego

É provável que alguns de nós já tenhamos vivido


a experiência do “thauma grego” em algum
momento de nossas vidas sem nos darmos conta
disso.

Por exemplo:
• Ao admirar uma bela paisagem ou algum
fenômeno da natureza;
• Ao admirar a complexidade do corpo humano;
E por que “Pré-Socráticos”?
Tradicionalmente, os primeiros filósofos são
conhecidos pelo nome de “Pré-Socráticos”.
Contudo, há também outras nomenclaturas: eles
também são conhecidos como “físicos” ou
“naturalistas”. E talvez esses outros nomes
expressem melhor os seus pensamentos. Por quê?
Porque, ao invés de se preocuparem com temas
referentes à vida humana, os primeiros filósofos
tinham como interesse investigar os segredos da
natureza (em grego, physis). De modo especial,
eles se preocupavam em investigar a origem do
mundo, tal como os mitos gregos o faziam, mas sob
uma perspectiva mais “científica”.
A partir de Sócrates, pouco menos de 200 anos
após o surgimento da filosofia, o olhar dos filósofos
voltou-se não mais para as questões acerca da
natureza, mas para questões morais.
Por isso, os primeiros filósofos podem ser
chamados tanto de “físicos” ou “naturalistas”
(quando o foco é o conteúdo do seu pensamento)
como de “pré-socráticos” (quando o foco é a
mudança de perspectiva ocorrida na filosofia
alguns anos depois).
As Escolas Pré-Socráticas
Basicamente, existem 4 escolas pré-socráticas,
organizadas de acordo com o modo de pensar de
seus membros e seu local de origem:

1. Escola Jônica: leva esse nome por ter surgido na


região da Jônia (parte da atual Turquia).
• Integrantes: Tales de Mileto, Anaximandro,
Anaxímenes e Heráclito.

2. Escola Pitagórica: leva esse nome por ter sido


fundada por Pitágoras.
• Integrantes: filósofos que compartilhavam do
pensamento de seu mestre, chamados de
“pitagóricos”.
Basicamente, existem 4 escolas pré-socráticas,
organizadas de acordo com o modo de pensar de
seus membros e seu local de origem:

3. Escola Eleata: leva esse nome por ter surgido na


região da colônia grega de Eleia (sul da atual Itália).
• Integrantes: Parmênides e Zenão de Eleia.

4. Escola Pluralista: leva esse nome por seus


integrantes defenderam a existência não somente
de 1 “arché”, mas de várias.
• Integrantes: Empédocles, Anaxágoras, Leucipo e
Demócrito.
A “arché” grega
Para os filósofos pré-socráticos, todas as coisas e
todos os seres tinham uma origem comum, algo
permanente de que era feito o mundo, algo
inesgotável do qual tudo se originaria e para o qual
tudo retornaria. Em outras palavras, defendiam a
existência de um princípio originário, causa de
todas as coisas que existem.

A esse princípio hipotético, eles deram o nome


de “arché”, que significa literalmente “princípio”.
As características da “arché”

1. Seria a fonte e origem de todas as coisas;


2. Seria o que sustenta a existência de todas as
coisas;
3. Seria aquilo para o qual retornam todas as coisas
após sua destruição;

Resumindo: “Arché” seria aquilo do qual provêm,


aquilo pelo qual existem e aquilo no qual se
concluem todas as coisas.
Exemplo:
A Escola Jônica
I. Tales de Mileto
Tales de Mileto
Tales é o pensador ao qual a tradição atribui o
começo da filosofia grega. Viveu em Mileto, na
Jônia (território que, hoje, está localizado na
Turquia), provavelmente entre o final do século VII
e início do século VI a.C.
Uma característica comum a praticamente todos
os filósofos pré-socráticos é o fato de não
possuirmos integralmente suas obras. Os registros
que temos de seus escritos consistem apenas em
fragmentos e, alguns deles, ao que tudo indica,
nem chegaram a produzir obras escritas, como é o
caso de Tales de Mileto.
Tales de Mileto
Ora, se não possuímos registros escritos da
filosofia de Tales, como saber qual era o seu
pensamento? O conhecimento acerca da filosofia
de Tales de Mileto chegou até nós através da
tradição indireta, isto é, através do que outros
filósofos disseram e escreveram sobre ele.

Tales foi o iniciador da filosofia da “physis”, pois


foi o primeiro a postular a existência de uma
“arché”, isto é, um princípio único causador de
tudo o que existe.
Tales de Mileto
E que elemento da natureza constituiria a arché
para Tales de Mileto?... A água.

E por que a água?


A água pode ser encontrada em diversos estados
(sólido, líquido e gasoso). É uma substância
essencial para a vida animal e vegetal e, portanto,
para o ser humano. Ela está presente na seiva das
plantas e no sangue dos animais. Além disso, o
ciclo natural de evaporação e das chuvas possibilita
que ela esteja presente na terra, no ar e no céu.
Tales de Mileto

Observando o ciclo das cheias do Rio Nilo, Tales


observou que a terra, antes, árida e infértil, depois
do contato com a água torna-se fértil e propícia à
vida.

Atualmente, o potencial gerador de vida


presente na água é facilmente observável na busca
por sua presença em outros planetas do sistema
solar.
II. Anaximandro de Mileto
Anaximandro de Mileto

Muito provavelmente, Anaximandro foi


discípulo de Tales de Mileto.
Ao contrário de Tales, chegou a redigir uma obra
na qual expunha o seu pensamento, a saber, o
tratado filosófico intitulado “Sobre a Natureza”, do
qual possuímos apenas um fragmento. Trata-se do
primeiro tratado filosófico do Ocidente e do
primeiro escrito grego em prosa – já que sabemos
que as obras mitológicas eram escritas na forma de
poema-canção.
Anaximandro de Mileto
Anaximandro propôs uma “arché” diferente
daquela proposta por Tales.
Para ele, a água já é algo derivado disso que seria
o primeiro princípio. A verdadeira “arché” seria
algo anterior, seria algo infinito e indeterminado.
O termo que Anaximandro utilizou para designar
tal princípio foi “ápeiron”, que significa “aquilo que
não tem limites”, “ilimitado”.
É justamente por ser algo indeterminado que o
“ápeiron” poderia dar origem a todas as coisas.
Anaximandro de Mileto
O “ápeiron” perece-se com o divino, pois é
imortal e indestrutível. Ele não admitiria princípio
nem fim, ao contrário dos deuses que, apesar de
serem imortais, possuem princípio.

Aqui, compreendemos o porquê de, alguns


slides atrás, afirmarmos que os pré-socráticos
buscavam explicar a realidade de maneira
“científica” (com aspas). Embora empregassem
esforços para descrever o mundo de forma racional,
um toque místico, espiritual, ainda pode ser
encontrado em seus pensamentos.
III. Anaxímenes de Mileto
Anaxímenes de Mileto
Muito provavelmente, Anaxímenes foi discípulo
de Anaximandro.
De sua obra, possuímos apenas três fragmentos.
Ele concorda com Anaximandro que a “arché”
deve ser algo ilimitado, infinito, mas ainda assim
propõe um elemento: o ar, uma substância aérea
ilimitada. Para ele, o movimento do ar daria origem
a outros elementos: ao se condensar, resfria-se e se
torna água e, depois, terra; ao esquentar, dilata-se e
se torna fogo.
Anaxímenes de Mileto

Em seus fragmentos, podemos ler o seguinte:


“Exatamente como nossa alma, que é o princípio
que dá a vida, é ar, se sustenta e se governa, assim
também o sopro e o ar abarcam o cosmos inteiro”.
E ainda: “O ar está próximo ao incorpóreo (no
sentido de que não tem forma nem limites como os
corpos e é invisível) e, como nós nascemos sob o
seu fluxo, é necessário que ele seja infinito e rico,
para não ficar reduzido”.
IV. Heráclito de Éfeso
Heráclito de Éfeso
Tanto os fragmentos restantes da obra de
Heráclito como a tradição filosófica indicaram
claramente que ele elegeu o fogo como o elemento
primordial. Dizia ele: “Todas as coisas são uma
transformação do fogo e o fogo uma transformação
de todas as coisas [...]”.
E por que Heráclito teria eleito o fogo como a
“arché”? Para responder a essa pergunta,
precisamos entender um pouco melhor o
pensamento deste filósofo.
Heráclito de Éfeso
Apesar de Heráclito ter dado prosseguimento à
linha de raciocínio de seus antecessores, elegendo
um elemento primordial e atribuindo a ele a
origem de todas as coisas, é possível dizer que seu
pensamento representa um certo avanço no nível
de abstração.
Os filósofos de Mileto haviam notado o
dinamismo universal presente nas coisas. Elas
surgem/nascem, se desenvolvem e perecem. Aliás,
esse dinamismo seria uma das características da
“arché”, que gera, sustenta e reabsorve tudo o que
existe.
Heráclito de Éfeso
Contudo, Heráclito eleva esse dinamismo a um
nível muito superior. Para ele, a mudança é o que
melhor define a natureza das coisas, e não sua
estabilidade.
Se olharmos em volta, tudo muda o tempo todo:
as coisas frias esquentam, as quentes esfriam, as
úmidas secam, as secas umedecem, o jovem
envelhece, o vivo morre, o sadio adoece, o doente
se cura, etc.
Tudo o que existe está profundamente marcado
pela mudança e pela inconstância.
Heráclito de Éfeso
Assim, há uma guerra perpétua entre os
contrários que se aproximam. Contudo, esse eterno
conflito entre contrários, na visão de Heráclito, não
é algo ruim, mas harmonioso. É essa mudança,
esse conflito constante que faz as coisas serem o
que são. Portanto, a mudança faria parte da própria
essência de tudo o que existe.
Dizia ele: “Aquilo que é oposição se concilia; das
coisas diferentes, nasce a mais bela harmonia e
tudo se gera por meio de contrastes [...]”. E
também: “A doença torna doce a saúde, a fome
torna doce a saciedade e o cansaço torna doce o
repouso”.
Heráclito de Éfeso
Uma das afirmações mais famosas de Heráclito
é a seguinte: “Não se pode descer duas vezes ao
mesmo rio [...]”.
Isso se daria porque, na segunda vez em que
alguém fosse banhar-se no rio, suas águas já não
seriam mais as mesmas, nem a pessoa seria mais a
mesma.

A harmonia proporcionada pela mudança, pelo


conflito de contrários, recebeu o nome de “unidade
de opostos”.
Heráclito de Éfeso

Voltamos, então, à “arché” proposta por


Heráclito: o fogo. Por que teria ele escolhido tal
elemento para representar seu pensamento?
O fogo expressa de modo exemplar as
características da mudança contínua, do contraste
e da harmonia. O fogo é continuamente móvel e é
vida que surge a partir da morte de algum elemento
que lhe serve de combustível.
A Escola Pitagórica
Pitágoras
Pitágoras viveu entre os séculos VI e V a.C. As
doutrinas da Escola Pitagórica não tratam
exclusivamente de filosofia, mas também de
matemática, política e teologia.
Um antigo biógrafo chamado Diógenes Laércio
escreveu o seguinte sobre a vida de Pitágoras:
“Jovem e ávido por ciências, abandonou sua pátria
e foi iniciado em todos os ritos dos mistérios, tanto
gregos como bárbaros. Depois, foi para o Egito [...].
Em seguida, esteve entre os caldeus e magos. [...]
também no Egito entrou nos santuários e aprendeu
dos arcanos a teologia egípcia [...]”.
Os Pitagóricos
A Escola Pitagórica nasceu como uma espécie de
comunidade ou ordem religiosa, organizada
segundo regras precisas de convivência e
comportamento.
Suas doutrinas e ensinamentos eram
consideradas segredo, do qual só os adeptos
podiam tomar conhecimento e cuja difusão era
severamente proibida. O primeiro pitagórico a
publicar alguma obra foi Filolau, um
contemporâneo de Sócrates.
Falaremos sobre o pensamento religioso dos
pitagóricos mais adiante.
A filosofia pitagórica

Os pitagóricos operaram uma grande mudança


de perspectiva em relação aos seus antecessores.
Apesar de compartilharem da ideia de uma
“arché”, esses pensadores deram um salto ainda
maior no nível de abstração e indicaram o número
e seus componentes como o princípio originário,
ao invés da água, do ar ou do fogo.
A filosofia pitagórica
Os pitagóricos se dedicam à matemática e a
fizeram progredir consideravelmente. Começaram,
então, a perceber a presença das relações
matemáticas em toda a natureza.
Observaram, por exemplo, como as notas e os
acordes musicais consistiam em relações
numéricas: a diversidade dos sons produzidos por
um martelo ao bater em uma bigorna depende de
sua massa e o som proveniente das cordas dos
instrumentos musicais depende de seu
comprimento. Através de seus estudos, os
pitagóricos contribuíram eficazmente para a teoria
musical.
A filosofia pitagórica

Além de observarem os fenômenos sonoros, os


pitagóricos também utilizaram como base a
observação dos fenômenos astronômicos: através
de relações matemáticas, é possível descrever o
movimento dos astros, a duração dos dias, dos
meses e das estações do ano.
Pelas relações matemáticas, é igualmente
possível observar os ciclos de surgimento da vida,
como na agricultura e nas gestações.
A filosofia pitagórica

Ora, uma vez que os números são elementos


essenciais das relações matemáticas, esses filósofos
propuseram o número como o elemento primordial
de tudo o que existe.
A religiosidade pitagórica
Como dito anteriormente, a escola pitagórica é
também conhecida por ter se configurado como
uma espécie de seita religiosa.
Pitágoras parece ter sido o primeiro filósofo a
sustentar a doutrina da “metempsicose”, ou seja, a
doutrina segundo a qual a alma, marcada por uma
culpa originária, estaria obrigada a reencarnar-se
em sucessivas vidas (humanas ou animais) para
expiar aquela culpa.
O objetiva da vida humana seria, portanto,
purificar a alma através das investigações
“científicas”, expiando a culpa original e libertando-
a do corpo.
A Escola Eleata
A Escola Pluralista
Empédocles
Empédocles viveu no século V a.C.
Para ele, o “nascer” e o “perecer”, entendidos
como um “vir do nada” e um “ir para o nada”, são
impossíveis. O “não-ser” não pode dar origem ao
“ser”, e o “ser” não pode tornar-se “não-ser”. Sendo
assim, não existe nascimento e morte. O que os
homens chamam de “nascimento” e “morte” são
resultado de uma mistura e dissolução de
substâncias eternas e indestrutíveis. Tais
substâncias são a água, o ar, a terra e o fogo, que
Empédocles chamou de “raízes de todas as coisas”.
Empédocles

Seus antecessores pré-socráticos haviam eleito


ora um ora outro desses elementos como o
princípio fundamental. Toda a realidade teria
derivado de apenas um desses elementos.
Para Empédocles, porém, toda a realidade física
tem como origem não apenas um elemento, mas a
combinação entre os quatro elementos
primordiais. Desse modo, unindo-se, dão origem à
geração das coisas e, separando-se, dão origem à
corrupção das mesmas.
Empédocles

Sendo assim, a escola de pensamento


iniciada por Empédocles recebe o nome de
“pluralista” em oposição às escolas “monistas” que
o antecederam.
Empédocles
São muito interessantes as reflexões de
Empédocles sobre a constituição os organismos e
seus processos vitais, mas, sobretudo, suas
tentativas de explicar o processo cognitivo, isto é, o
modo como conhecemos as coisas.
Para o filósofo, dos poros de todos os seres saem
emanações, “irradiações”, que atingem nossos
órgãos dos sentidos e encontram suas partes
semelhantes: o fogo encontra-se com o fogo, a água
encontra-se com a água, e assim por diante.
Apenas no caso da visão é que essas emanações
partem de nós e atingem os seres.
Os Atomistas
Leucipo e Demócrito introduziram na escola
pluralista o conceito de “átomo”, palavra grega que
significa “sem divisão”, “indivisível”.
Os atomistas também reafirmaram a
impossibilidade do não-ser, sustentando que o
nascer nada mais é do que um agregar-se de coisas
que já existem e o morrer um desagregar-se dessas
coisas.
Os átomos seriam um número infinito de
corpos, invisíveis pela sua pequenez e seu volume,
eternos, indestrutíveis e imutáveis.

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